Discurso lido no passado sábado, dia 20 de Outubro de 2012, na Silva – Barcelos, na HOMENAGEM AO SENHOR PADRE JOSÉ MARIA DE MIRANDA AVIZ PEREIRA DE BRITO, NO 1.º ANIVERSÁRIO DA SUA MORTE UM HOMEM DE MISERICÓRDIA, UM PADRE EXEMPLAR Em boa hora, decidiu a Tertúlia Barcelense prestar preito de homenagem a um Homem bom de Barcelos e a um sacerdote exemplar da arquidiocese bracarense a quem, felizmente, quis a Divina Providência prodigalizar uma vida longa e feliz que em muito contribuiu, também, para a felicidade, formação humana e religiosa e realização pessoal e espiritual de muitos dos seus paroquianos e de uma grande quantidade de amigos e admiradores. Trata-se, por conseguinte, de um acto justo, merecido e oportuno, a que, apropriadamente, se associou a comunidade da sua aldeia natal, a Silva, aqui significativamente representada – quer institucionalmente, através da respectiva Junta de Freguesia, quer pela presença maciça de tantos dos seus conterrâneos! Para além da inauguração de um busto de bronze, foi atribuído o nome do homenageado a uma importante rua desta freguesia, cuja placa toponímica igualmente hoje vai ser descerrada. Quer isto significar que, de uma forma perene, a imagem e o nome do Senhor Padre Brito ficarão para sempre gravados na memória colectiva desta comunidade, apontando às gerações futuras o exemplo de bondade, de humildade, de caridade e de amor a Deus e ao próximo do ilustre homenageado. Mas não se ficaram por aqui os promotores desta homenagem: fizeram questão de que estes actos ocorressem a par de uma cerimónia pública de evocação do saudoso sacerdote, meu bom amigo, para a qual fizeram questão de me dirigir um amável convite para sobre ele vir aqui dizer simples e puras palavras. Ora, apesar de tal convite me ter deixado muito honrado e sensibilizado, quero desde já prevenir Vossas Excelências de que aceitei a incumbência não porque tenha um especial conhecimento pessoal da vida e personalidade do homenageado – cujo percurso, na generalidade, acompanhei de forma mais distante, com excepção dos períodos em que o visado foi capelão da Santa Casa da Misericórdia e, depois, já quase no fim dos seus dias, quando esteve internado num dos lares desta instituição –, mas sobretudo pelo respeito e admiração públicos de que o mesmo sempre gozou, tanto no seio da Igreja como na sociedade civil em que viveu e serviu, mormente por parte daqueles que tiveram a dita de ser seus paroquianos e amigos. E também com a consciência de que, porventura, outras pessoas haveria que, com mais brilho, propriedade e recorte literário, poderiam falar de um personagem tão simples e humilde, mas, simultaneamente, tão fidalga e tão rica de sentimentos e afectos como foi a do Senhor Padre José Maria Aviz de Brito. Feita esta prévia advertência e esperando corresponder à confiança em mim depositada, vou então falar-lhes deste Sacerdote e querido amigo, dizendo-lhes dele o que de principal ficou gravado na minha memória e no meu coração. Conheci pessoalmente o Senhor Padre Brito nos finais da década de noventa do século passado, quando a Tertúlia Barcelense me convidou para proferir uma palestra sobre a “Antiga Comarca de Barcelos”, a que aquele ilustre homenageado me deu o prazer de ter entre a assistência, na sua qualidade de tertuliano. Recordo-me bem que, no final da minha intervenção, o ilustre homenageado se abeirou de mim para me felicitar e para me contar um facto histórico local, da segunda década do séc. XX, que teve como protagonistas dois barcelenses: o seu pai, Sebastião Pereira de Brito, honrado comerciante e louvado judicial e meu avô paterno, Dr. António Ferreira Pedras, advogado e, ao tempo, presidente da Câmara Municipal de Barcelos. Disse-me, então: “Sabe, Senhor Dr., quando em 31 de Agosto de 1918, no Porto, faleceu o Senhor D. António Barroso, Bispo dessa diocese e ilustre barcelense, nado e criado em Remelhe, foi o meu pai, que havia sido camarista e o seu avô, António Ferreira Pedras, na qualidade de Presidente da Câmara, ambos monárquicos convictos, quem, em 4 de Setembro daquele ano, foram à cidade invicta buscar os restos mortais do ilustre Bispo extinto, em cortejo fúnebre ferroviário, numa carruagem especial de comboio, para depois serem levados, em cumprimento da última vontade do finado, para o jazigo da família que ele próprio mandara construir em Remelhe”. Este singelo acontecimento que o Senhor Padre Brito me quis recordar não representou para mim senão uma forma simpática e agradável de me significar que a amizade que uniu aqueles nossos tão próximos ascendentes era, afinal, o sentimento que ele, naquele instante, me quis abrir, incondicionalmente. Aquela relação de amizade poderia e deveria estender-se às nossas pessoas, como de facto veio a acontecer. Entretanto, sucedeu que, por provisão de 29 de Julho de 1999, o Senhor Arcebispo Primaz de Braga, D. Jorge Ortiga, nomeou o Senhor Padre Brito Capelão da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos – onde eu era então presidente do Definitório (conselho fiscal) –, cargo que ocupou até 25 de Setembro de 2005. Mais tarde, quando a idade ia já bem longa e a saúde lhe começou a minguar, sentiu que era hora de se recolher aos cuidados da instituição cívica e eclesial que havia servido e que bem conhecia – a dita Santa Casa da Misericórdia. E manda a verdade que se diga que bastou a simples expressão sincera desse seu desejo para que a Santa Casa, imediatamente, o acolhesse no Lar Rainha D. Leonor, onde foi tratado com o maior carinho e respeito até à hora do seu passamento, como é apanágio de uma instituição de Misericórdia que, ao longo da sua história multissecular, sempre cultivou as virtudes do amor cristão e da gratidão. Como desejava e merecia, o ilustre homenageado, mesmo nos momentos de mais debilidade e falta de saúde, foi sempre um homem de Deus, amado e amante do seu semelhante que em todos via um irmão e um amigo. E foi padre até ao fim, como bem pude testemunhar: no tempo da minha provedoria, já em cadeira de rodas, mal podendo falar, fez questão de concelebrar algumas missas na Igreja da Misericórdia, presididas por sua Excelência Reverendíssima o Senhor D. Jorge ou por outros altos dignitários da Igreja bracarense! Dito isto, convém que fique registado nos anais da história de Barcelos em que circunstâncias nasceu e viveu e quem foi o Homem e o Padre da Igreja que queremos homenagear. Terceiro de uma grande e ilustre prole, constituída por dez filhos de Sebastião Pereira de Brito, já mencionado, e de Júlia da Conceição de Miranda Aviz, nasceu em 20 de Agosto de 1919, numa casa da Rua Manuel Viana (actual Cónego Joaquim Gaiolas), na cidade de Barcelos, onde também se finou em 19 de Outubro de 2011. Pelo lado materno, era neto de um grande cidadão barcelense que foi Almoxarife da Casa de Bragança, fundador do Círculo Católico de Operários de Barcelos e Cavaleiro Fidalgo da Casa Real. Entre vários irmãos com formação superior ou com cursos médios, o nosso homenageado preferiu a carreira eclesiástica para a qual, desde cedo, mostrou ter vocação. Depois de ter estudado nas Escolas Primárias de Viatodos e da Silva, do concelho de Barcelos e de ter frequentado o Seminário de N.ª Sr.ª da Conceição em Braga, onde se matriculou em 1932, ingressou, em 1939, no Seminário Maior, em Braga, onde, em Junho de 1943, concluiu o curso teológico. Ordenado sacerdote em 25 de Agosto de 1943, na Sé de Braga, foi nomeado pároco de São Julião do Calendário, do arciprestado de V.N. de Famalicão, em Janeiro de 1943, onde permaneceu até Setembro de 1961. Logo de seguida, foi nomeado vigário coadjutor desta paróquia da Silva, do arciprestado de Barcelos e pároco desta mesma freguesia em 3 de Março de 1962, cargo que desempenhou até 26 de Setembro de 1996, sendo certo que, no período compreendido entre 1982 e 1986, exerceu também funções sacerdotais na paróquia de Midões, Barcelos. Depois de um curto período de licença sabática foi, como se disse, nomeado Capelão da SCMB em 29/07/1999. Tendo sido este o percurso eclesial do Senhor Padre Brito, importa agora deixar registado o seu carácter e as suas mais marcantes facetas. Ora, a este propósito, importa dizer que o nosso homenageado foi, em primeiro lugar, um homem de bem, caritativo, bondoso, com desapego por bens materiais, simples e humilde, de fácil convívio e que gostava de conhecer tudo e todos. De espírito aberto e culto, tinha uma enorme apetência pela aprendizagem de coisas novas, fossem elas de carácter bíblico e teológico ou de cariz social, humanista e histórico. Tradicionalista no bom sentido da palavra – que, etimologicamente, provem da palavra latina tradere, que significa “transmitir ou legar por herança” –, tinha uma enorme capacidade de adaptação às mudanças do mundo que ia percepcionando e às ideias e novas conquistas da ciência, sem nunca abdicar dos valores e princípios perenes do cristianismo, do humanismo personalista, da vida em sociedade e da natureza, que sempre foram os seus, e de cuja ordem era cultor incansável. Como padre e homem de fé, se as suas palavras pregavam caridade, misericórdia, amor, perdão, modéstia, arrependimento de ofensas e faltas, penitência e desapegos, o seu exemplo de vida fazia a apologia da doutrina que pregava, já que as suas obras estavam em coerência com as suas palavras. Foi, pois, o nosso querido homenageado o que Cristo disse dos pregadores e que o nosso grande Padre António Vieira glosou no célebre “Sermão de Sto. António aos Peixes”: “Vos estis sal terrae”, que quer dizer “Vós sois o sal da terra”, para concluir que os pregadores só poderão ter o efeito do sal, que é o de impedir a corrupção, se as suas palavras e a sua doutrina estiverem em consonância com as suas obras. Foi isso que o Sr. Padre Brito fez na sua vida. Cumpriu a doutrina., deu o exemplo, foi o sal nas terras que pastoreou e em que viveu. E salgou-as com a maior doçura e solicitude, dando regularmente esmolas aos mais pobres, contribuindo para satisfazer as necessidades básicas de alimentação e vestuário de quantos o demandavam, dando bons conselhos e ensinamentos, corrigindo os que erravam, ajudando e patrocinando a resolução dos problemas dos seus paroquianos, em suma, praticando todas as obras de misericórdia, tanto materiais como espirituais. Pessoa culta e ciosa do património histórico e cultural da sua terra, tinha hábitos simples e frugais. Foi membro da Tertúlia Barcelense e nos curtos momentos de ócio, enquanto teve saúde e condições, apreciava a música e a leitura, havendo-se dedicado também à criação de aves e à caça, desporto que praticava com integral respeito pelas regras éticas e ambientais, pois era um sincero defensor da preservação da natureza. Esboçado, em traços largos, o retrato do Senhor Padre Aviz de Brito, é tempo de terminar. E penso que a melhor maneira de o fazer é retirar da vida deste Homem de Deus a lição que ela necessariamente comporta. É este um tempo de crise, porventura bem mais dramático que outros em que connosco viveu o Senhor Padre Brito. E, assim sendo, creio que será útil tomar na nossa mente e nas nossas vidas os valores eternos que o nosso ilustre homenageado cultivou e que se consubstanciaram no amor de Deus e do próximo, pela caridade, entendida no sentido de Amor, e pela prática das obras de misericórdia. E tudo isso conjugado com a firmeza de carácter, de princípios e de crença! Sigamos, pois, o exemplo do Senhor Padre Brito que, na sua vida terrena, sempre procurou dar testemunho da essência da mensagem de Cristo aos homens de boa vontade. Abençoados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia, proclamou o Redentor no admirável Sermão da Montanha. Pois bem, por tudo quanto aqui se disse e pelo mais que V. Exas. por certo saberão do Homem e do sacerdote que hoje aqui evocamos, não tenho dúvidas de que o Senhor Padre José Maria de Miranda Aviz Pereira de Brito está hoje no Céu a gozar a misericórdia divina. Deus guarde a sua bela alma e permita que os seus conterrâneos, amigos e familiares que com ele tiveram a sorte de conviver possam seguir o seu exemplo de vida! Muito obrigado.