UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI LÍLIA TEREZA DINIZ NUNES DESIGN E CULTURA: UM OLHAR SOBRE O ARTESANATO DE CAPIM DOURADO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO MESTRADO EM DESIGN PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO STRICTU SENSU São Paulo 2013 UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI LÍLIA TEREZA DINIZ NUNES DESIGN E CULTURA: UM OLHAR SOBRE O ARTESANATO DE CAPIM DOURADO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação Strictu Sensu em Design – Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Design na linha de Pesquisa em Design, Arte e Moda: Inter-Relações. Orientador: Profª Drª Márcia Merlo. São Paulo 2013 UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI LÍLIA TEREZA DINIZ NUNES DESIGN E CULTURA: UM OLHAR SOBRE O ARTESANATO DE CAPIM DOURADO Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação Strictu Sensu em Design – Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Design na linha de Pesquisa em Design, Arte e Moda: Inter-Relações. Aprovada pela seguinte Banca Examinadora: Profª Drª Marcia Merlo Orientadora Universidade Anhembi Morumbi Profº Drº. Paulo Roberto Monteiro de Araújo Examinador Externo Universidade Presbiteriana Mackenzie Profª Drª Ana Mae Tavares Bastos Barbosa Examinadora Interna Universidade Anhembi Morumbi São Paulo 2013 Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a autorização da Universidade, do autor e do orientador. LÍLIA TEREZA DINIZ NUNES Mestre em Design pela Universidade Anhembi Morumbi, com dissertação incluida na Linha de Pesquisa:Design Arte e Moda sob o titulo: Design e Cultura um olhar sobre artesanato de capim dourado. Graduada em Moda pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (2010) com a monografia desenvolvida no segmento de acessórios sob o título: O Ouro do Jalapão. Vem aprofundando seus estudos na interdisciplinaridade entre a moda,arte,design e cotidiano e principalmente no estudo da interação do design com o artesanato. N926d Nunes, Lília Tereza Diniz Design e cultura: um olhar sobre o artesanato de Capim Dourado / Lília Tereza Diniz Nunes. – 2013. 132 f.: il.; 30 cm. Orientador: Profª Drª. Márcia Merlo. Dissertação (Mestrado em Design) – Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2013. Bibliografia: f. 118-127. 1. Design. 2. Artesanato. 3. Cultura. 4. Patrimônio. 5. Interrelações. I. Título. CDD 741.6 AGRADECIMENTOS Gostaria, em primeiro lugar, de agradecer à Deus supremo artesão do Universo, pela vida em sua plenitude e pelo amor imensurável. Aos meus pais pelo apoio, incentivo incondicional e pelas privações materiais em prol da minha formação. À minha mãe em especial, pela amizade, compreensão, calma e segurança que me ajudaram, nos momentos mais turbulentos, a descobrir um modo de vencer. Pelo amor dedicado a mim em todos os dias da minha vida, e por nunca ter duvidado do meu potencial, principalmente nos momentos em que eu mesma duvidei. Ao meu pai em especial, pelo amor, cuidado e incentivo que direcionaram meus esforços para o desenvolvimento desse mestrado. Por me dar todo o suporte necessário para encaminhar meus sonhos muito além do que imaginei para a minha tenra idade. Ao Nyder, meu amado noivo e amigo, por todo amor, companheirismo, dedicação e principalmente paciência nesses dois anos. Por todo incentivo, ajuda e apoio nos momentos de crises e de alegrias. Por estar presente, mesmo ausente. Aos meus familiares e irmãos da igreja por todo carinho e orações diárias. Ao meu amado irmão Isaias e minha cunhada Fabiana, por todo amor, orações, e por abrilhantarem os momentos finais do meu mestrado, me dando o prazer de poder ser tia. À querida mestre, professora, orientadora e amiga Márcia Merlo, que fez mais do que jus à sua posição como orientadora, me ajudando a compreender meu objeto de estudo em uma dimensão e magnitude maiores do que eu imaginava alcançar. Pela calma e paciência com meus devaneios idealistas, me ajudando a encontrar o meu EU acadêmico dentro de tantos outros EUS românticos. Aos professores convidados para a banca, Profª Drª Ana Mei Bastos Barbosa e Profº Drº. Paulo Roberto Monteiro de Araújo por emprestarem seu tempo e seu conhecimento para enriquecer ainda mais minha pesquisa. Aos professores e colegas do mestrado, por todo aprendizado e por compartilharem comigo sua experiência, seu tempo e suas histórias. À Antônia, querida amiga e ajudadora, pelo seu papel fundamental na resolução de todos os problemas possíveis e impossíveis que surgiram no âmbito acadêmico ao longo desse período, se mostrando sempre pronta a auxiliar no que fosse preciso. À Elidia, querida revisora, que apareceu nos últimos momentos mas cuja contribuição foi valiosa para a conclusão do texto. A todos os entrevistados nessa pesquisa, em especial à designer Heloísa Crocco pela prontidão e disponibilidade em responder todas as questões e tantas outras questões que levantei. Enfim, a todos que contribuíram de forma direta ou indireta para a conclusão da minha pesquisa científica, o meu muito obrigada. DEDICATÓRIA Dedico esse trabalho à comunidade quilombola da Mumbuca e todos os seus membros, que me acolheram, me ouviram, se fizeram ouvir e compartilharam comigo suas histórias, suas lutas e suas vidas. Dedico-o também a todos os que foram e são culturalmente renegados; aos negros, amarelos, brancos e vermelhos; aos silenciados, aos reprimidos, aos negligenciados; aos povos tradicionais esquecidos e depreciados; à voz da singularidade que ecoa em tantas histórias suprimidas dos livros acadêmicos. A esses indivíduos maravilhosos, que constituem não só o meu foco de estudo, mas também o meu objetivo de vida, a esses tantos, dedico o meu trabalho. Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista. Ela é que incandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar, seviciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos. Ela, porém, provocando crescente indignação nos dará forças, amanhã, para conter os possessos e criar aqui uma sociedade solidária. (DARCY RIBEIRO, 1995, p.120). RESUMO Nos últimos anos, têm se popularizado iniciativas que visam à inclusão social por meio de práticas criativas. Com olhos postos no desenvolvimento socioeconômico, manutenção e autonomia de comunidades artesãs, essas iniciativas têm incorporado o design, visando inserir conceitos na produção artesanal e proporcionar melhor aceitação dos produtos desses grupos pelo mercado. Mais do que o cunho estético, o intuito é apresentá-lo como ferramenta utilizada em parceria com outras áreas. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 ampliou o entendimento de bens culturais, incluindo a representação manual no patrimônio brasileiro, tornando-a passível de preservação. Contudo, essas interações não parecem propor um retorno simplista ao fazer artesanal, e sim uma inversão do olhar balizada pelo respeito e a criatividade. No presente estudo, também se procurou entender as relações entre artesanato e cultura material, posicionando o artesanato como parte dela e como produto cultural diferenciado. Um breve estudo sobre as principais ações de design em comunidades no Brasil estabeleceu análise crítica e comparativa, baseada em estudo de caso acerca da comunidade da Mumbuca, estado do Tocantins – comunidade remanescente quilombola com heranças indígenas, conhecida pelo artesanato com capim dourado. A pesquisa é exploratória e descritiva, por métodos qualitativos e balizados pela antropologia, através da observação participante. A área da Mumbuca foi incluída no recém-formado parque estadual do Jalapão, e seus esforços por sobrevivência, emancipação e manutenção das tradições foram contempladas no estudo de caso, buscando compreender a dinâmica social e cultural da comunidade e o significado da inserção de conceitos de design em sua produção artesanal tradicional. Foi possível perceber que mais que uma prática laborativa, o artesanato produzido pela Mumbuca é dotado de valores simbólicos, como afirmação de identidade e preservação de heranças. A comunidade apresentou acessibilidade ao design, embora com queixas recorrentes quanto à falta de diálogo entre a comunidade e os órgãos responsáveis pelas tais oficinas de design. Por intermédio da pesquisa de campo foi possível perceber e compreender a importância dos artesãos como mentes criativas e sujeitos atuantes nos processos interativos que vêm sendo desenvolvidos na comunidade à que pertencem. Palavras-chave: design. artesanato. cultura. patrimônio. inter-relações. ABSTRACT In recent years, initiatives aimed at social inclusion through creative practices have become popular. With eyes set on socioeconomic development, maintenance and autonomy of artisan communities, these initiatives have incorporated design so as to insert its concepts in handicraft production and improve acceptance of these groups’ products on the part of the market. More than the aesthetic nature, the intent is to present design as a tool to be shared with other areas. In this sense, the 1988 Constitution has expanded the concept of cultural goods, including handmade representation on the Brazilian heritage, making it set for preservation. However, these interactions do not seem to propose a mere return to craftsmanship, but a reversal parameterized by respect and creativity. The present study has also sought to understand the relationships between craftsmanship and material culture, placing craft as part of it and as a distinguished cultural product. A brief study of the major design initiatives in Brazilian communities has established a critical and comparative analysis, based on a case study about the Mumbuca community, in the state of Tocantins – a community remaining from a Quilombo, with indigenous heritage, acknowledged for handicrafts with golden grass. The exploratory and descriptive research is marked by qualitative methods, anthropological fundaments, supported by participant observation. The area of Mumbuca has been incorporated into the newly formed Jalapão State Park and the community efforts for survival, emancipation and maintenance of traditions were included in the case study, in an attempt to understand their social and cultural dynamics and the role played by the insertion of design concepts in their traditional craft production. More than a work practice, it became clear that crafts produced by Mumbuca are endowed with symbolic values, as an affirmation of identity and heritage. Design is fluid in the community, although with recurrent complaints about the lack of dialogue between the community and the agencies responsible for design workshops. Through field research was possible to perceive and understand the importance of artisans as creative minds and working individuals in interactive processes that have been developed in the community to which they belong. Key words: design. handicraft. culture. heritage. interrelations. Artista que não seja bom artesão, não é que não possa ser artista; simplesmente, ele não é artista bom. E desde que vá se tornando verdadeiramente artista, é porque concomitantemente está se tornando artesão. (Mário de Andrade, 1938) SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 13 CAPÍTULO 1 – DESIGN E ARTESANATO: UMA RELAÇÃO SOCIAL ...................... 20 1.1 RELAÇÕES HISTÓRICAS ............................................................................ 20 1.2 COMPREENDENDO O ARTESANATO ...................................................... 23 1.2.1 Origem e Características ........................................................................... 23 1.2.2 Tipos de Artesanato .................................................................................. 24 1.2.3 Interações entre design e artesanato nos dias atuais ................................. 26 1.2.4 Principais programas brasileiros de desenvolvimento do artesanato ligado ao design .................................................................................................................. 34 CAPÍTULO 2 – DESIGN E ARTESANATO: UMA RELAÇÃO POLÍTICA E (I)MATERIAL ............................................................................................................... 55 2.1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 .......................................................... 55 2.2 PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL ................................................... 57 2.2.1 Conhecimentos Tradicionais .................................................................... 58 2.3 PROTEÇÃO E CONSERVAÇÃO .................................................................. 59 2.4 CULTURA MATERIAL ................................................................................. 62 2.5 CONSUMO DE VALORES SIMBÓLICOS .................................................. 68 CAPÍTULO 3 – DESIGN E ARTESANATO: O CAPIM DOURADO DA MUMBUCA . 75 3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................... 75 3.2 O PARQUE ESTADUAL DO JALAPÃO ...................................................... 77 3.3 REMANESCENTES QUILOMBOLAS ......................................................... 78 3.3.1 Avanços e Conflitos ................................................................................. 80 3.4 A COMUNIDADE MUMBUCA .................................................................... 82 3.5 O ARTESANATO DE CAPIM DOURADO .................................................. 83 3.5.1 Importância Socioeconômica ................................................................... 85 3.5.2 Conservação Ambiental ............................................................................ 87 3.5.3 Registro de Indicação Geográfica ............................................................ 89 3.6 ARTESANATO E AFIRMAÇÃO DE IDENTIDADE................................... 90 3.7 A QUESTÃO DO DESIGN ............................................................................ 96 3.7.1 Contato e Percepção do “Design” ............................................................ 96 3.7.2 Oficinas ..................................................................................................... 99 3.7.3 Continuidade........................................................................................... 101 3.7.4 Identificando Aproximações ................................................................. 102 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 113 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 119 ANEXO 1 – LEI nº 2.186 ............................................................................................. 129 ANEXO 2 – LEI nº 1.203 ............................................................................................. 130 ANEXO 3 – Fundação Palmares reconhece a comunidade Mumbuca como remanescente de Quilombos ..................................................................................................................... 132 ANEXO 4 – Portaria Naturatins nº 362........................................................................ 133 ANEXO 5 – Entrevista com a designer Heloísa Crocco ............................................. 133 INTRODUÇÃO Penso que as técnicas manuais são o passado, e agora são o futuro. São artes tradicionais e de infinitas possibilidades para as quais eu oferto a minha visão. Essa fantástica combinação de uma agulha, fios, mãos e mente presente me encanta sobremaneira e meu esforço em renovar a técnica é, além de realização pessoal e crença, uma vontade sincera de que a técnica se mantenha viva, carregando consigo a mudança dos tempos. (RÖDEL, 2010) É com esse pensamento que introduzo o assunto do presente estudo: os envolvimentos e desdobramentos de uma prática em processo de intensificação no Brasil, que são as intervenções de design junto a comunidades de artesanato, e seu papel social e cultural. O artesanato é uma tradicional forma de manifestação cultural, mas como tudo que atravessa o tempo, acaba por se renovar de alguma maneira. Esse parece ser um dos papéis possíveis do design, identificado nesta pesquisa – o de trabalhar em conjunto com comunidades artesãs para identificar e propor soluções técnicas ou ainda estéticoformais e novos conceitos para essa técnica milenar, formando parcerias que possibilitem a emancipação e o desenvolvimento do artesanato, bem como novas oportunidades para o feito-à-mão dentro da indústria. Podemos perceber que, em todo o mundo, é crescente o apelo por novas expressões, por soluções inovadoras que tragam maior vitalidade ao artesanato1 (MAYWORM, 2009), seja pela globalização e as transformações sociais e culturais que acabaram por homogeneizar a produção, ou pela percepção de atingir esse mercado global por meio da tradição cultural que vem sendo usada para a criação de um design de forte identidade. Bomfim (1999, p. 151) aponta que A cultura de uma sociedade é formada pela produção de seus bens e valores que, através das coordenadas cronológicas e cosmológicas, caracterizam as identidades das pessoas. A atividade artística, por excelência uma das manifestações culturais mais expressivas de uma sociedade, oferece exemplos dos diferentes modos de percepção e apropriação da realidade. 1 Hoje o artesanato voltou a ser valorizado. A peça única tornou-se o contraponto natural à uniformização tecnológica em série, à mecanização, à padronização. Por isso, o artesanato é identidade, pois promove o resgate cultural, a valorização do humano e a preservação dos costumes regionais e do folclore em geral (MAYWORM, 2009, p. 12). 13 Esses vínculos são mais amplos do que a prática industrial e a prática artesanal, são relações entre design, cultura (material/imaterial) e sociedade. A esse respeito, Bomfim acrescenta: O design, entendido como matéria conformada, participa da criação cultural, ou seja, o Design é uma práxis que confirma ou questiona a cultura de uma determinada sociedade, o que caracteriza um processo dialético entre mimese e poese. (1999, p. 150) Nessas relações que o design estabelece com a cultura e a sociedade, ele cumpre o papel aventado por Bomfim (ibid.) e, em conjunto com a prática artesanal, confirma ou questiona a cultura local em que está inserido. É uma troca de saberes que traz para o design o conhecimento da tradição, e para o artesanato a sua ampliação como atividade. Porém, ao que parece, essas interações não propõem um retorno simplista ao fazer artesanal, e sim uma inversão do olhar para criar um caminho de trocas possíveis, balizado pelo respeito e a criatividade como determinantes. Morace (2007, p. 19) ressalta que Uma das dinâmicas mais profundas e relevantes que reportam à globalização em curso diz respeito às modalidades de relacionamento entre as diversas culturas e o papel que as pessoas e as empresas mais desenvolvidas possam representar “na estratégia do colibri”, isto é, na permanente “polinização criativa” entre culturas que, no mundo das dinâmicas sociais, representam, no momento, a regra. Esta pesquisa constatou o crescimento dessas ações de polinização criativa – manifestadas aqui sob a forma de interações entre design e artesanato – e que políticas de incentivo e fomento ao artesanato têm sido priorizadas por instituições públicas e privadas, e realizadas de forma cada vez mais sistemática, aproximando o fazer manual do design. Apostando na modernização da produção artesanal, muitas instituições fomentadoras do artesanato têm utilizado o processo de design como forma de “resgatar” a tradição do fazer manual, defendendo que promovem o desenvolvimento social e a emancipação das comunidades artesãs, as quais, com uma gama maior de produtos, poderão atender também ao mercado e conseguir se manter frente às pressões do mundo industrial e globalizado. 14 Este estudo não visa a trazer mais uma discussão sobre os processos de envolvimento entre esses eixos, ou ainda, os aspectos positivos e negativos dessas aproximações. O objetivo é mostrar o crescente envolvimento, como ele tem se realizado, sua importância no sentido de preservação do artesanato e desenvolvimento social, formas de atuação no Brasil e um estudo de caso feito em uma comunidade artesã tradicional. Para discutir essas relações, é preciso levar em consideração a mudança na profissão do designer, que adquiriu nova postura frente à sociedade, principalmente pela adesão de conceitos como inclusão social, acessibilidade e desenvolvimento sustentável, e a ampliação do conceito de bem cultural previsto na Carta Constitucional de 1988, cujo art.216 passou a reconhecer o artesanato como parte integrante do nosso patrimônio cultural material, e suas formas de expressão no que tange o patrimônio imaterial. Juntos, esses fatores possibilitaram a criação de projetos para valorizar e salvaguardar as práticas artesanais, muitas vezes utilizando o design como ferramenta desses processos, o que levou à criação de um conceito de Design Social com um viés humanístico, apontado na afirmativa de Bonsiepe (2005, p. 04), de que: o humanismo projetual seria o exercício das faculdades do design para interpretar as necessidades de grupos sociais e elaborar propostas viáveis emancipatórias em forma de artefatos instrumentais e artefatos semióticos. Fatores apontados também por Margolin e Margolin (2004, p. 46) propõem uma Agenda Social para o exercício do design, que não vise exclusivamente ao mercado e se transforme em um vetor de transformação social. Aplicado ao setor artesanal, isso tem sido visto como um caminho para evitar a extinção do artesanato e incentivar o desenvolvimento de comunidades artesãs. É necessário lembrar também que a relação com o artesão não comporta imposições. O designer deve reconhecer o valor da identidade cultural do artesanato, partindo de critérios básicos de respeito às tradições locais e, em sua atuação, buscar o desenvolvimento de produtos com valores comerciais agregados, porém sem perder os valores culturais intrínsecos que distinguem o produto artesanal. Além dessa postura, outro importante aspecto que precisa estar presente nesse trabalho é a continuidade do processo de interação, que corresponde ao retorno dos designers às comunidades e ao acompanhamento das atividades desenvolvidas. 15 Alguns designers que vêm estabelecendo tais relações com o artesanato já se autodenominam “designer de artesanato” e, segundo o Termo de Referência do Artesanato (SEBRAE, 2004, p.23), o fruto de sua intervenção se define como “artesanato de referência cultural”, ou também produto cultural, como designamos nesta pesquisa. O que se origina desse processo é um produto diferenciado que atende a um novo posicionamento do artesanato. Esse produto cultural vem suprir a lacuna da identificação cultural e do pertencimento, ausentes na globalização. O desenvolvimento desse produto, manifestado por meio dos valores inerentes à sociedade em que está inserido, está intimamente ligado ao estudo de sua própria cultura material, que conta sua história na produção dos artefatos e nos simbolismos a eles ligados. No estudo da cultura material por uma visão antropológica, percebeu-se uma forma de encaixar o consumo como uma faceta dessa própria cultura, e o produto cultural como sua principal moeda de troca. O mercado mundial volta seus olhares a produtos culturalmente diferenciados, e nesse contexto, o artesanato fruto de comunidades tradicionais tem se apresentado como um campo vasto de valores simbólicos relacionados à singularidade e ao pertencimento. Pensando nesse artefato artesanal de tradição, e sua valoração cultural e simbólica, iniciou-se a busca por uma comunidade artesã tradicional, plena desses simbolismos e que estivesse experimentando sistematicamente a interação de design, para fazer dela objeto de um estudo de caso. Como a pesquisadora mora no estado do Tocantins e vem desenvolvendo estudos acerca do artesanato do capim dourado desde a graduação, a escolha por ele foi feita logo em primeira instância, tendo sido detectadas inúmeras comunidades que trabalham com essa matéria prima. A definição da comunidade Mumbuca se deu principalmente pelo fato de ela ser o berço do artesanato e conservar sua identidade e tradição, mantendo-se ainda um pouco mais afastada e fechada do que as comunidades do entorno, tanto por dificuldade de acesso quanto por motivos culturais. A comunidade artesã da Mumbuca é remanescente quilombola, reconhecida no ano de 2003 pela Fundação Palmares2. Está situada em uma região que foi transformada em parque – o Parque Estadual do Jalapão, TO. Essa inclusão de suas terras em uma 2 Criada em 1988, a Fundação Cultural Palmares é uma instituição pública vinculada ao Ministério da Cultura, com a finalidade de promover e preservar a cultura afro-brasileira. 16 reserva desencadeou uma série de processos para reconhecimento e titulação de terras, na busca por manter sua existência e práticas. O artesanato de capim dourado está intimamente ligado à cultura e ao desenvolvimento local da comunidade, e passou a ser divulgado em todo o estado, em grandes cidades brasileiras e também no exterior a partir de meados da década de 1990. Chegou a ser tema do caderno +B, da ABEST (Associação Brasileira de Estilistas), sob o título “Identidade Brasil – Verão 2013”, abordando um trabalho realizado em parceria e com apoio do SEBRAE-Tocantins, retratado em três temas: Traço, GPS e Casulo. As atividades com capim dourado se inserem no tema GPS. Para o presente texto, o estudo da comunidade foi realizado em pesquisa de campo sob a forma de visitas, entrevistas e observação acompanhada de gravações, com o objetivo de traçar um perfil das interações de design que têm sido feitas e a resposta dos artesãos a essas ações. À luz da antropologia, o estudo revelou detalhes importantes dessa comunidade tão remota e estabeleceu diálogo entre o pesquisador e o pesquisado, dando voz à comunidade, que manifestou sua opinião sobre produção artesanal, tradição, cultura local e a inclusão do design no processo produtivo local. Foi possível perceber a importância do artesão, nesse caso o da Mumbuca, como sujeito ativo e participante de todos os processos desenvolvidos na comunidade para além de beneficiários sociais. Os artesãos demonstraram participação crítica e efetiva em todas as mudanças propostas e apresentadas nas oficinas de design, filtrando e aplicando somente as que pareceram pertinentes às suas realidades. Antes do trabalho de campo, foram realizadas pesquisas bibliográficas e um estudo sobre alguns dos principais programas de design vinculados ao artesanato no Brasil, além de um estudo sobre alguns designers com atuação nesse segmento. Pretendeu-se estabelecer os parâmetros para a análise crítica e comparativa entre tais ações e a própria comunidade, identificando linhas de trabalho que vêm se intensificando nessas relações. Tentando abordar todos esses aspectos, a pesquisa procurou refletir sobre a inserção do design na produção artesanal, sobre a existência ou não de contribuições significativas por parte do design, sobre a importância do artesanato como patrimônio passível de conservação, a utilização do design como ferramenta nesse processo, a posição do artesão brasileiro frente a essas mudanças e seu lugar dentro da produção industrial. 17 Dessa forma, a presente dissertação está assim estruturada: O primeiro capítulo – Design e artesanato: uma relação social – traz uma leitura histórica das aproximações entre design e artesanato e o desenvolvimento de iniciativas ligadas a essas aproximações. Apresenta também o estudo de instituições públicas e privadas fomentadoras do artesanato, e introduz alguns designers que são considerados referências nesses processos. O segundo capítulo – Design e Cultura: uma relação política e (i)material – traz uma abordagem política e cultural do fazer manual, começando pela apresentação das leis promulgadas na Constituição Federal de 1988, que inseriram os fazeres manuais no patrimônio cultural brasileiro e como essa mudança na lei contribuiu para o aumento das interações entre design e artesanato. Na sequência, aborda a cultura material, entendendo seus desdobramentos e processos, e posicionando o fazer manual como um artefato cultural; insere também a sua importância no estudo da cultura material de um povo em que o design é interpretado como ferramenta, por ser, de acordo com os autores citados, um sítio privilegiado para a formação de artefatos. O terceiro capítulo – Design e Cultura: um olhar sobre o artesanato do capim dourado – traz as pesquisas de campo e o estudo de caso. Tratando, no início do capítulo, da situação conflitante que a comunidade enfrenta, ao ver seu território incluído no Parque Estadual do Jalapão, e os avanços no tocante a sua afirmação como remanescente de quilombos. Adiante, traça um esboço da comunidade e da prática artesanal que pôde ser observada como forma de afirmação da sua identidade. Por fim, relata as entrevistas e pesquisas feitas junto à comunidade e aos designers sobre as interações de design ocorridas na comunidade e seus efeitos segundo os artesãos, procurando vislumbrar um diagnóstico desses processos, dando voz aos artesãos para relatarem suas experiências e queixas acerca dessas ações desenvolvidas e finaliza com um processo de identificação das aproximações que, de fato, pareceram contribuir para o desenvolvimento, manutenção e autonomia dos membros na comunidade. O quarto e último capítulo – Considerações finais – apresenta a retomada dos temas estudados e apontados ao longo da pesquisa para uma possível conclusão. 18 Designer sonha com objetos que, como os gênios, sejam servidores intangíveis. O contrário do artesanato, que é uma presença física que nos entra pelos sentidos e onde se quebranta continuamente o princípio da utilidade em benefício da tradição, da fantasia e ainda, do capricho. (OCTÁVIO PAZ, 2006) 19 CAPÍTULO 1 – DESIGN E ARTESANATO: UMA RELAÇÃO SOCIAL 1.1 RELAÇÕES HISTÓRICAS As discussões sobre as relações entre design e artesanato sempre estiveram presentes, desde a formação de um pensamento em design, e são discutidas e postas em questão sob os mais diversos pontos de vista, inclusive o social. O design como conceito e prática está envolvido historicamente em qualquer fazer artesanal. Quando se estabeleceu como disciplina, surgiu vinculado aos processos produtivos tradicionais (artesanato) e também aos emergentes (indústria). Mas Bonsiepe e Fernandez (2008, p. 308) asseveram que [...] devido à carência de análise teórica da prática do design, ele foi posto numa posição oposta ao artesanato, o que derivou em uma distinção prática entre produção em série e produção manual. Essa distinção criou uma imagem do artesão como mão de obra obsoleta, com a perda de prestígio de sua função. Sobre isso, Cardoso (2000, p. 28) chama atenção para o fato de que, Em vez de contratar muitos artesãos habilitados, bastava um bom designer para gerar o projeto, um bom gerente para supervisionar a produção e um grande número de operários sem qualificação nenhuma para executar as etapas [...]. Na tentativa de lidar com essas contradições da Revolução Industrial, vários movimentos foram criados. William Morris e John Ruskin fundaram um dos mais notáveis, o grupo Arts and Crafts3 na segunda metade do século XIX, na Inglaterra, com o intuito de valorizar o trabalho artesanal e se opor à mecanização. Segundo Pevsner (2002), o Movimento Arts and Crafts foi o disparador do pensamento social para o design. Essa tendência artística lutou para revitalizar o artesanato e as artes aplicadas em uma época de crescente produção em série, defendendo o artesanato criativo como alternativa à mecanização e à produção em massa. 3 Em oposição ao crescente prestígio do industrialismo, o Movimento Arts and Crafts, liderado pelo escritor e projetista britânico Wiliam Morris (1834-96), partiu da Europa e da América do Norte no final do século XIX, influenciando desde as artes decorativas de papéis de paredes e tecidos até o projeto de livros (STRICKLAND, 1999). 20 Morris também propunha a ideia da união entre o artesão e o designer. Para ele, os artistas deveriam ser transformados em artesãos-designers. Para tanto, o designer aprenderia com os técnicos e artesãos, e estes aprenderiam com os designers [...], aprimorando assim a qualidade do produto final e solidificando um pensamento de design social, onde o artista manual não perderia seu espaço no mundo industrial (Ibid., p.36). Já no início do século XX, surge a campanha intitulada Deutscher Werkbund, liderada por Hermann Muthesius (1861-1927) com conceitos semelhantes ao movimento Arts and Crafts. A preocupação, na época, era centrada na padronização das partes construtivas dos objetos industrializados e nas formas de inserção de artistas nas indústrias. Sobre isso, Pevsner (ibid., p. 20) afirma que A aspiração desse movimento era reunir os melhores representantes da arte, da indústria, do artesanato e do comércio, conjugar todos os esforços para a produção de trabalho industrial de alta qualidade e constituir uma plataforma de união para todos aqueles que quisessem e fossem capazes de trabalhar para conseguir uma qualidade superior. Em 1919, surgia a Bauhaus na Alemanha, com objetivos semelhantes. Inicialmente sob a direção de Walter Gropius4, a escola acreditava no artesanato como metodologia didática e visava habilitar os projetistas para desenvolverem produtos industriais com uma orientação formal, e não apenas focados no uso. Gropius pregava uma relação de mão dupla entre o artesanato e a indústria, e não como dois polos opostos (CARMEL-ARTHUR, 2001, p. 34). Em seu discurso de inauguração da Bauhaus, ele afirmou: “Criemos uma nova corporação de artesãos sem as distinções de classe que erguem uma barreira de arrogância entre o artista e o artesão” (GROPIUS, 2001, p. 10). Em uma linha de pensamento um tanto mais radical, Victor Papanek lançaria o livro Design For The Real World (1971), que veio a ser um dos marcos na história dessa relação entre design e artesanato. No livro, Papanek propôs que os designers voltassem a sua atenção prioritariamente para a solução de problemas sociais, em favor de uma abordagem mais solidária, encorajados a abandonar a política de design pelo lucro. Essa abordagem social ainda é utilizada como referência para o desenvolvimento de projetos 4 Gropius esteve à frente da Bauhaus do ano de 1919 até 1928 (CARMEL-ARTHUR, 2001). 21 de design social, que aproximam a atividade industrial da atividade artesanal (WHITELEY, 1998). Radicais ou sociais, essas discussões e uma significativa mudança de pensamento no design foram abrindo alguns caminhos possíveis para a sua relação com o artesanato. Os anos 1980 e 90 foram caracterizados pela compra de produtos e serviços socialmente responsáveis e éticos e estimulados pela disseminação de pesquisas no campo da sustentabilidade (SANTOS 2005). Esse conceito de sustentabilidade sempre fez parte do trabalho do artesão: as matérias-primas regionais; o modo de fazer tradicional, passado de geração a geração; e o respeito pelo meio ambiente (CAVALCANTE; NASCIMENTO, 2009). Nos anos 2000, disseminou-se o conceito de acessibilidade e inclusão. A produção artesanal ressurgia como uma importante função laboral e ocupacional, permitindo que excluídos do mercado de trabalho formal criassem novas ocupações para geração de renda. Sampaio (2005, p. 1) acredita que [...] precisamos entender mais esse processo em que novos usos vêm sendo atribuídos à cultura e o que isso pode acrescentar às políticas de promoção do artesanato como vetor de desenvolvimento local. Nesse campo, temos a construção do Design Social que, conforme Margolin e Margolin (2004) aponta para as necessidades sociais e é regido pela lógica do usuário, em vez da lógica da produção. Margolin e Margolin (2004) também se aproximam das ideias apontadas por Bonsiepe5 (2005) quando esta diz que: [...] o paradigma de design dominante sempre foi o de desenhar para o mercado e devem ser criadas alternativas para um design que não vise exclusivamente este setor. É preciso lembrar que “não estamos propondo o abandono da indústria tradicional pelo artesanato, mas rogando pelo reconhecimento de sua importância cultural” (CIPINIUK, 2006, p. 5). Desse modo, a relação entre o design e o artesanato ganha espaço como campo de atuação, e revela que, apesar das diferenças entre ambos, o design vinculado à produção industrial pode coexistir com a prática artesanal. 5 Ideias apresentadas em seu artigo Design e Democracia (2005). 22 1.2 COMPREENDENDO O ARTESANATO O mundo feito à máquina não compreende os bordos irregulares do barro, não gosta dos vidrados escorridos desigualmente, não aprecia a boniteza das canecas, das jarrinhas sem equilíbrio total (MEIRELES, 1968, pp. 53-54). 1.2.1 Origem e Características Os artesanatos pertencem a um mundo anterior à separação entre o útil e o belo (PAZ, 2006) A história do artesanato confunde-se com a própria história da humanidade. Estudos demonstram indícios de artesanato já no período neolítico como modo de sobrevivência e para suprir necessidades do dia a dia, pois os homens, ao afiar peças, criavam ferramentas que os ajudavam nos afazeres diários. Podemos entender, então, que o artesanato existe desde os primórdios de nossa história, “quando o ser humano passou a criar e a desenvolver artefatos para garantir sua sobrevivência e bem-estar individual e coletivo, produzindo objetos com suas próprias mãos” (CHITI, 2003, p. 25). Mayworm (2009, p. 10) acrescenta que O artesanato surgiu da necessidade. Desde as épocas mais remotas, os povos, por mais primitivos que fossem, sempre utilizaram materiais existentes na natureza (barro, madeira, areia, palha, contas, pedras, penas de aves, bambu, juta, bucha, vime, couro) para confeccionar utensílios que pudessem facilitar seu modo de vida. É bem provável que um pote ou um jarro, por seu formato côncavo, tenha surgido da necessidade de armazenar água para o resto da semana, da mesma forma que uma faca tenha se originado da necessidade de cortar a carne de animais recém-caçados para serem distribuídos para o resto da tribo, ou um espeto para que estas mesmas pessoas não queimassem a mão com as iguarias cozinhadas na fogueira. Dessa forma, a compreensão sobre a dimensão da produção artesanal não pode ser linear; requer a observação de sua origem, do seu processo de criação e de todas as nuances em que o artesanato está inserido, por se tratar de uma realidade complexa. Como diz Lima (2002, p. 01), “o universo artesanal não é uma realidade homogênea; pressupõe modos de fazer diferentes, estilos de visões de mundo e estéticas diferentes também”. Necessitamos, portanto, estudar o artesanato como um processo e não como um resultado, como produtos inseridos em relações sociais e não como objetos voltados para si mesmos (CANCLINI, 1983). 23 Quanto às suas características, Servetto et.al. (1998, p. 12) apresentam as seguintes definições, que caracterizam o artesanato tradicional: Trabalho predominantemente manual; utilização de recursos naturais locais; conhecimentos transmitidos pelas gerações passadas; caráter utilitário e funcional da obra; bagagem cultural plasmada na criação individual; expressão de uma cultura e fator de identidade. Partindo de uma linguagem menos pragmática, Paz (1991, p. 16) assim caracteriza o artesanato: [...] no artesanato, há um contínuo vaivém entre utilidade e beleza; esse vaivém tem um nome: prazer. As coisas dão prazer porque são úteis e belas. [...] o artesanato é uma espécie de festa do objeto: transforma o utensílio em signo de participação. O artesanato, então, sobreviveu ao processo de industrialização como modelo produtivo, sustentando-se em um tipo de conhecimento especializado, não massificado e autorrenovável. 1.2.2 Tipos de Artesanato Com todos os processos de intervenção e adequação do artesanato ao mundo industrial, houve uma divisão do artesanato em outras vertentes, o que resultou em tipos diversos. Serão utilizadas neste estudo as conceituações propostas pelo Termo de Referência do Artesanato (SEBRAE, 2004), que o divide em cinco categorias: Artesanato Indígena, Artesanato Tradicional, Artesanato de Referência Cultural, Artesanato Conceitual e Industrianato. O objeto de estudo desta pesquisa pertence a duas categorias – artesanato tradicional e artesanato de referência cultural. É o artesanato de capim dourado feito pela comunidade Mumbuca, localizada no Parque Estadual do Jalapão, no estado do Tocantins. O Termo de Referência do Artesanato (SEBRAE, 2004) caracteriza o artesanato tradicional da seguinte forma: Artesanato tradicional: conjunto de artefatos mais expressivos da cultura de um determinado grupo, representativo de suas tradições. Sua produção é, em geral, de origem familiar ou de pequenos grupos vizinhos. Sua importância e seu valor cultural decorrem do fato de ser depositária de um passado, de acompanhar histórias transmitidas de geração em geração (Ibid, p. 22). 24 O artesanato tradicional encontrado na Mumbuca coexiste com o artesanato de referência cultural, pois ambos fazem parte da gama de produtos tradicionais, principalmente as peças utilitárias, como cumbucas de diversos tamanhos. De outro lado, o Artesanato de Referência Cultural consiste em: Produtos cuja característica é a incorporação de elementos culturais tradicionais da região onde são produzidos. São, em geral, resultantes de uma intervenção planejada de artistas e designers, em parceria com os artesãos, sempre preservando seus traços culturais mais representativos (Ibid, p. 23). Dentro dessa categoria, encontram-se na comunidade da Mumbuca diversas peças inventadas e reinventadas em oficinas e em trabalhos realizados em parcerias com designers, como sousplats (oficina realizada com Renato Imbroisi, em 2001), além de acessórios como brincos, pulseiras, colares e artigos de ornamentação. Fig 1: Sousplat Capim Dourado. Fonte: Foto da Autora (2011) Fig 2: Pulseiras de Capim Dourado com inserção de outros materiais. Fonte: Foto da Autora (2011) 25 Em entrevista realizada na pesquisa de campo para o presente trabalho, pode ser constatado que os artefatos propostos nas oficinas têm boa aceitação por parte dos artesãos. No entanto, eles explicam que o desenvolvimento de novos produtos, e até de novas técnicas, não significa o fim das tradicionais. Em razão disso, encontram-se à venda na comunidade produtos pertencente às duas categorias, com características bem diversas, desde o modelo até o modo de trançar e os materiais usados em associação com o capim dourado. Essa postura dos artesãos de aceitar as mudanças sem abrir mão das tradições é muito importante porque, além de preservar a cultura tradicional, faz com que mesmo os novos produtos desenvolvidos não percam o seu valor agregado mais importante, que é toda a história por trás do objeto artesanal. 1.2.3 Interações entre design e artesanato nos dias atuais O artesanato, [assim como o design], é patrimônio inestimável que nenhum povo pode se dar ao luxo de perder. Mas esse patrimônio não deve ser congelado no tempo. Congelado ele morre. E é na transformação respeitosa que entra o papel dos designers (BORGES, 2009, p. 68). Nos últimos anos, vêm se propagando no Brasil iniciativas promovidas por instituições públicas e privadas para a inclusão das pessoas pela potencialização das suas vocações produtivas. Esta pesquisa constatou a existência de uma crescente participação do design junto ao segmento do artesanato. Tal aproximação, hoje vista como possível, se iniciou na década de 80, com destaque para dois importantes artistas – Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães – no processo de construção de caminhos para o trabalho conjunto entre design e artesanato. Bardi e Magalhães foram pioneiros na reflexão sobre o artesanato como cultura nacional e na aproximação entre ele e o design. A arquiteta Lina Bo Bardi se interessou pela arte, artesanato e cultura brasileira. Mudou-se para o Brasil no ano de 1946, trazendo consigo a experiência do design italiano desenvolvido a partir de habilidades e tradições artesanais. Em seu livro Tempos de Grossura: o design no impasse, que começou a ser redigido em 1980, mas só foi concluído e lançado pelo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi em 1994 (dois 26 anos após sua morte), ela faz uma análise apaixonada da criação popular, e mostra seu trabalho e empenho pela inserção do artesanato e da cultura brasileira em grandes salões de artes. Há fotos e relatos de estudos, das exposições, salões e projetos que visavam configurar uma identidade brasileira, principalmente no período em que trabalhou com artesãos no Nordeste. Risério (1995, p. 116) relata que Bardi tinha um modo peculiar de enxergar o artesanato, pois […] não olhava o produto do artesanato popular com o fascínio esnobe, pelo frescor, pelo ingênuo ou pelo espontâneo, não era das que interpretavam e engrandeciam imperfeições em “primitivismo”. Nem submetia a idealizações o que estava comprometido pela miséria. Com ela, o objeto popular era visto em sua inteireza e dignidade. Respeitado como trabalho humano e como solução criativa diante de certo problema e a partir de determinados materiais. Com trajetória de aspirações semelhantes à de Lina Bo Bardi está Aloísio Magalhães (1997, p. 79), que se empenhou pela inserção do artesanato em uma categoria que equivalesse à arte e ao design, e ainda afirmou que “o artesão brasileiro é um designer em potencial, muito mais do que propriamente um artesão no sentido clássico”. No intuito de fazer com que o Brasil valorizasse os conhecimentos do povo e buscando referenciá-los, Magalhães criou o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), que tinha como objetivos revelar a diversidade da cultura brasileira e documentar referências do saber popular, de forma a conhecer os processos de produção, comercialização e consumo, as matérias primas e as técnicas artesanais. “A intenção era ir além do conhecimento, era possibilitar a continuidade daquele processo” (LEITE, 2003, p. 237). Magalhães demonstra claramente a sua vontade de que o brasileiro se preocupasse com a sua própria cultura e voltasse os olhares para dentro do seu país. Isso já fica claro no título do livro E Triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil, em referência a uma cidadezinha nordestina chamada Triunfo, rica em cultura, mas esquecida pelos grandes centros de artes elitistas. Tanto Lina Bo Bardi quanto Aloísio Magalhães trabalharam pela valorização da cultura e do artesanato brasileiro, e propunham um intenso relacionamento entre designers e artesãos. As reflexões, projetos e pesquisas por eles desenvolvidos são utilizados até hoje como referência para um design nacional aliado ao artesanato. 27 Todas essas importantes iniciativas ajudaram a criar um panorama positivo para a interação. A mudança mais eficaz para o fortalecimento dessa linha de trabalho veio com a promulgação da Constituição Federal de 19886, que trouxe uma nova perspectiva sobre o que seriam os bens culturais e reconheceu as formas de representação manual (como os artefatos artesanais) como sendo parte integrante desse patrimônio cultural. Desde então, pesquisas no tocante à preservação e continuidade de suas práticas vêm sendo estudadas e difundidas. Com isso, após a mudança na lei a partir dos anos 907, as interações entre design e artesanato passaram a ser observadas como uma forma de valorização e conservação do patrimônio cultural brasileiro. Políticas de incentivo e fomento ao artesanato foram e têm sido priorizadas por instituições públicas e privadas, como também por várias Organizações Não Governamentais (ONGs). Empresas e movimentos ligados à “revitalização” da atividade artesanal têm aproximado cada vez mais o design do artesanato como uma ferramenta importante nesse processo conhecido como “revitalização do artesanato”. Podemos destacar que, especialmente no ano de 2003, foram criados no Brasil 120 núcleos de design, dos quais vinte por cento tinham atuação voltada para o artesanato (SEBRAE, 2004). Por intermédio da comercialização dos produtos artesanais, essas parcerias buscam maior inserção no mercado globalizado, desenvolvimento socioeconômico dos artesãos e a consequente manutenção e autossuficiência da atividade artesanal. É importante ressaltar que todas essas parceiras devem ter sempre em mente a continuidade das tradições artesanais, que também se renovam, como Paz (2006) afirma: “o artesão não quer vencer o tempo, mas unir-se ao seu fluir”. Assim, não deve ser um mero trabalho de repetição, visto que a cultura é dinâmica e possui uma lógica própria, como afirma Laraia (2002, p. 65). E complementa, dizendo que “qualquer sistema cultural está num contínuo processo de modificação” (Ibid, p. 95), e essas modificações são desejadas pelos próprios artesãos. 6 7 Assunto que será tratado mais especificamente no Capítulo 2 Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) – Programa de Artesanato Brasileiro (PAB) – 1991; Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (SEBRAE) – Programa SEBRAE de Artesanato – 1997; Ministério do Desenvolvimento Agrário – Programa Talentos do Brasil – 2006; Programa Artesanato Solidário – 1998; Paraná – Secretaria de Estado do Trabalho e Ação Social – Programa de Artesanato Paranaense (PAP) – 1984. 28 Aloísio Magalhães (1997, p.172) também demonstrava preocupação em relação à cristalização do fazer artesanal, entendendo que o artesanato evolui com o tempo. “Então, o artesanato é um momento da trajetória, e não uma coisa estática”. E acrescentava que: O remédio, a coisa que se oferece, é a ideia que ele repita mais. Que passe a ter mais benefícios através da repetição reiterada e monótona daquele momento da trajetória. E isso é inadequado porque você corta o fio da trajetória, o fio da invenção, da evolução, para que ele permaneça parado no tempo (Ibid., p. 172). Lina Bo Bardi também enxergava o artesanato como manifestação cultural dinâmica e criticava a arte popular conservadora. Citada por Suzuki (1994, p. 21), afirma: Procurar com atenção as bases culturais de um País, (sejam quais forem, pobres, míseras, populares) quando reais, não significa conservar as formas e os materiais, significa avaliar as possibilidades criativas originais. Os materiais modernos e os modernos sistemas de produção tomarão depois o lugar dos meios primitivos, conservando, não as formas, mas a estrutura profunda daquelas possibilidades. Canclini (1983, p. 138), como Bardi, também se coloca contrário a posições [...] conservadoras que enxergam apenas a questão cultural ou meramente estética, e se consagra a vigiar as tradições embalsamando os desenhos, técnicas e as relações sociais diante das quais alguma vez os indígenas se reconheceram. Podemos perceber que ambos veem a produção artesanal como uma prática viva e mutante, que amadurece ao lado da modernização. Canclini (Ibid., p. 139) ainda vai além, quando destaca que, nessas parcerias, é necessário permitir uma participação democrática e crítica aos próprios artesãos: Necessitamos que os artesãos participem, critiquem e se organizem, que redefinam a sua produção e o seu modo de relacionar-se com o mercado e com os consumidores; mas também precisamos que se forme um novo público, um novo turismo, um outro modo de exercer o gosto e de pensar a cultura. Com o crescimento dessas parcerias, alguns designers como Renato Imbroisi8, Marcelo Rosenbaum e Heloísa Crocco9 se autodenominam designers de artesanato, e o 8 Será retomado mais à frente por meio de seu trabalho desenvolvido na comunidade da Mumbuca, estudo de caso desta pesquisa. 9 Idem nota acima. 29 fruto de sua intervenção como artesanato de referência cultural – segundo o Termo de Referência do SEBRAE (2004). Eles têm se destacado por prezarem um diálogo com os artesãos e pela busca de um comércio tido como justo, em que a política utilizada valoriza a produção, além de abrir possibilidades de escoamento dos produtos e dos serviços entre o artesão (produtor) e o comerciante, eliminando a presença dos intermediários. Esse artesanato de referência cultural vem ganhando cada vez mais importância dentro do processo de “revitalização” do artesanato. Segundo o SEBRAE, Este é um dos segmentos mais promissores para o incremento competitivo do artesanato brasileiro, pois se trata de produtos concebidos dentro de uma lógica de mercado, orientados para a demanda, acompanhados por designers, tendo como referência os elementos mais expressivos e significativos da cultura regional. Além disso, é o que mais favorece a ampliação de postos de trabalho. Incremento importante da diversidade de produtos de uma região ou grupo de produtores é a realização de consultorias em design para grupos de artesãos, para o desenvolvimento de coleções temáticas inspiradas na iconografia regional. A introdução de novas técnicas, novas ferramentas, novos processos e/ou novas matérias primas é uma ação estratégica para esta subcategoria, objetivando agregar valor aos produtos [...].(2004, p. 59) A interação entre design e artesanato que possibilita a concepção de novos produtos artesanais de referência cultural é defendida por diversos autores, como Cipiniuk10 (2006), que considera possível o diálogo entre o desenho industrial e o artesanato; isso porque a maior parte da produção nacional não decorre da indústria de alta tecnologia, já que trabalham na produção artesanal aproximadamente 8,5 milhões de pessoas. Para se ter uma ideia da dimensão da produção artesanal, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC, 2002), o artesanato é responsável por 2,8% do PIB – Produto Interno Bruto Brasileiro, enquanto a indústria do vestuário representa 2,7%, a da bebida representa 1%, e a indústria automobilística 5,4%. O que causa estranheza é que, apesar dessa significativa importância econômica, o artesanato, e principalmente os artesãos, que produzem essa riqueza, estão logrados no trabalho informal em sua quase totalidade no país. 10 Alberto Cipiniuk é Doutor em História da Arte e professor assistente no Departamento de Artes e Design – DAD/PUC – Rio. 30 Pensando em formas de mudar essa realidade, outro autor que apoia a interação é João Branco11 (2003, p. 6), para quem: [...] esta aproximação entre o artesanato e o design, independentemente da fórmula exata, parece poder constituir um polo inesgotável para parcerias, para atuações interativas, que os mercados sublimam com agrado. No entanto, em alguns momentos, essa relação é posta em questão, pois, se de um lado políticas de fomento estimulam a atuação do designer sobre o artesanato, de outro existem críticas a atuações com caráter de dominação no processo de imposição do saber do designer sobre o saber dos detentores do artesanato tradicional. Bonsiepe (2008, p. 309) classifica seis linhas de relação entre design e artesanato que podem ser identificadas atualmente: 1- Atitude Conservacionista: protege o artesanato contra qualquer influência externa do design. 2- Atitude Esteticista: trata o artesanato como representante da tradição da cultura popular e eleva os trabalhos de artesanato ao status de arte. 3- Atitude Produtivista: considera os artesãos como força de trabalho qualificada e utiliza suas habilidades para produzir projetos em conjunto. 4- Atitude Essencialista: trata o design vernacular12 do artesanato como verdadeira base e ponto de partida para produzir um design tradicional. 5- Atitude Paternalista: trata os artesãos como clientes de política de programas assistenciais, e implanta um intermediarismo facilitador da comercialização de seus produtos com altos ganhos só para quem os vende. 6- Atitude de Estímulo: estimula a inovação para que os artesãos obtenham mais autonomia e possam melhorar suas condições de subsistência. Ao observar a realidade da Comunidade da Mumbuca, identificam-se três dessas linhas de atuação: atitude produtivista, paternalista e de estímulo, as quais balizarão parcialmente a análise proposta neste estudo. 11 João Branco é português, trabalha como assistente no Departamento de Comunicação e Arte na Universidade de Aveiro. Tem mestrado em Design e Marketing pela Universidade do Minho. 12 A expressão Design Vernacular é frequentemente usada para descrever uma forma não acadêmica de design, ou seja, despido do conhecimento formal que cerca o design “erudito”. São soluções materiais ou visuais e artefatos presentes no cotidiano, com forte ligação com a cultura local. A expressão se origina da junção do termo design, no sentido de desenho, projeto ou desígnio, com o termo vernáculo que designa uma língua nativa. Por design vernacular, porém, pode-se compreender qualquer produto desenvolvido a partir de um hábito cultural (VALESE, 2007). 31 A atitude paternalista pode ser identificada no modo de relação dos órgãos atuantes na região, principalmente aqueles ligados ao governo e às políticas públicas; enquanto a atitude produtivista e a de estímulo estão mais ligadas ao trabalho dos designers e ONGs (e serão apresentadas a partir da página 33 desta dissertação). Tais atitudes demonstram modos possíveis de relação entre o design e o artesanato e, principalmente, formas de o designer atuar como tradutor e mediador entre o artesanato e o mercado consumidor. Como afirma Cipiniuk (2006, p. 6), “o design deve atuar na configuração de produtos, mediando os interesses da comunidade e do mercado”. Continuando em sua reflexão, Cipiniuk (ibid.) acrescenta que o projeto desenvolvido deveria ser feito de uma forma que [...] complementasse os trabalhos e incentivos já desenvolvidos e que deveria considerar o resgate das referências culturais na produção de artefatos, elaborando linhas de produtos que refletissem o conhecimento técnico tradicional da comunidade em produtos que atendessem as novas vertentes do mercado. Refletindo sobre o trabalho do designer, Bonsiepe (1982, p. 20) aponta: O desenho industrial é uma atividade projetual, responsável pela determinação das características funcionais, estruturais e estéticoformais de um produto, ou sistemas de produtos, para fabricação em série. É parte integrante de uma atividade mais ampla denominada desenvolvimento de produtos. Sua maior contribuição está na melhoria da qualidade de uso e da qualidade estética de um produto, compatibilizando exigências técnico-funcionais com restrições de ordem técnico-econômicas. Como se pode ver na citação de Bonsiepe (1982), o trabalho do designer consiste principalmente em identificar problemas formais, propor soluções criativas e implementar melhorias da qualidade para o desenvolvimento de produtos, além de estar intimamente ligado à indústria (produtos em série). Por isso, ele se torna a melhor ponte entre o artesanato e ela. O designer, pensando como um mediador e tradutor dessa linguagem do artesanato, pode desenvolver direcionamentos em conjunto com a comunidade artesã e identificar formas possíveis de trabalho e necessidades apresentadas por ela. Isso possibilita a esse profissional alcançar a meta da base do tripé proposto por Heloisa Crocco (2000): desenho, ofício de mãos criadoras e canais de distribuição adequados – na tentativa de encurtar a distância entre o trabalho artesanal e a sociedade. 32 Conforme afirma Branco (2003, p. 17), “a interação entre design e artesanato renovará as ofertas dos produtos, deixando-os mais diferenciados e atrativos para os consumidores”. Barros (1971, p. 115) também concorda com esse tipo de interação, no sentido de trabalhar o design para valorizar ainda mais o produto artesanal, e reflete que [...] a valorização do artesanato como objeto de consumo passa a ser ao mesmo tempo uma fórmula contra o risco de extinção da atividade e uma forma de satisfação do desejo gerado na sociedade pós-industrial. Neste sentido, vale ressaltar que, em todas essas atitudes, relações, interações e projetos, a transformação tem de ser respeitosa e, principalmente, caracterizada por uma ética que Helena Sampaio, coordenadora executiva da ArteSol13, nomeia como a ética do “interferir sem ferir”, que respeita e valoriza as tradições e cultura locais; não impõe formas, mas dialoga sobre caminhos e trocas possíveis em que artesãos e designers se beneficiam, ética que já pode ser vista nos exemplos de Canclini (1983) citados anteriormente, que buscava a participação crítica dos artesãos em todo o processo de interação. Barroso (1999) faz uma consideração parecida com a da ética do interferir sem ferir, quando afirma que a inserção do design na produção do artesanato deve obedecer a um limite para não se tornar nociva. O autor assevera que “cada produto, de acordo com sua origem e natureza, pertence a uma determinada categoria que irá definir o tipo de apoio de que necessita” (Ibid, p. 26). Propõe uma pirâmide com níveis de atuação distintos quando trata do artesanato tradicional, uma vez que suas principais qualidades e valores estão na história e nas técnicas aprendidas com as gerações passadas. Para ele, a interação deve ocorrer de modo a [...] agregar mais valores sem alterar a essência original dos produtos, para tanto se faz imprescindível respeitar o processo pelo qual o objeto é confeccionado além da preservação de elementos estético-formais, que identifiquem o universo simbólico do artesão. Essa recriação deve ser realizada em conjunto com a comunidade, sem imposições. (Ibid, p. 26) Seja como for, o designer deve continuar propondo formas de “atuar, considerando principalmente o contexto em que o artesão vive, buscando compreender o modo de 13 [...] ArteSol (Artesanato Solidário), OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) criada em 2002 para gerar alternativas de trabalho e renda em regiões pobres. Em lugar de ser simplesmente mais um elo entre artesãos e mercado, a ArteSol busca oferecer soluções em tecnologia social (REVISTA RAIZ, 2006, p. 73). 33 produção” (FREITAS, 2006, pp. 128-129). Nesse contexto, a mudança na produção de artesanato aconteceria de forma mais tranquila, pois os saberes do artesão estariam sendo considerados, isto é, reconhecidos em um processo de transformação e preservação. Borges (2009, pp. 66-67) demonstra a mesma preocupação com os modos como essas interações ocorrem e demonstra como isso poderia ser feito de forma respeitosa, ao afirmar que Se a interferência sempre existe, que seja para o bem. Que parta de uma postura não de adulteração e imposição como fazem os intermediários, e sim de respeito e diálogo como fazem os (bons) designers. Esses, ao chegarem a uma comunidade, via de regra começam por um trabalho de reconhecimento dos signos de identidade cultural local. Convidam os artesãos a olharem ao seu redor e para a sua história, e tirarem daí seus motes, seu norte. Nessa linha de pensamento quanto à postura do designer frente ao artesanato, Cipiniuk (2006, p. 5) comenta que os envolvimentos entre design e artesanato “devem procurar respeitar antigas práticas sociais, o seu entorno cultural e, a partir daí, propor integrações com o mercado justamente com a intervenção do designer”. Então, pode-se entender o design como mais uma ferramenta dessas políticas públicas e, quando utilizado, que seja de forma a respeitar e saber reconhecer os valores do artesanato e do artesão, estabelecendo um sistema de trocas possíveis, de mão dupla, em que tanto os artesãos quanto os designers atuem e se beneficiem. 1.2.4 Principais programas brasileiros de desenvolvimento do artesanato ligado ao design Foi realizado estudo sobre alguns dos principais programas de design e artesanato e se constatou que tem se intensificado a ideia do trabalho conjunto entre artesãos e designers. Inclusive várias ONGs, empresas privadas e públicas têm sido criadas, além de movimentos com o objetivo de ajudar os artesãos de hoje a resgatar sua cidadania, sua dignidade e sua fonte de renda. Mas ainda falta muito para a formação de uma mentalidade empreendedora, com a capacitação das organizações e de seus artesãos para a sociedade de mercado, em que o padrão de qualidade e a capacidade de produção são alguns dos fatores que determinam a aceitação do produto. 34 A seguir apresentam-se alguns órgãos/agentes que realizam intervenções no artesanato brasileiro.14 1.2.4.1 Programa do Artesanato Brasileiro (PAB) O Programa do Artesanato Brasileiro (PAB) é vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Foi instituído em 1995 e atua na elaboração de políticas públicas envolvendo órgãos das esferas federal, estadual e municipal, além de entidades privadas, com foco nas potencialidades do setor artesanal. Figura 3 – PAB Fonte: Portal do Artesanato, 2008 O PAB tem como missão Estabelecer ações conjuntas no sentido de enfrentar os desafios e potencializar as muitas oportunidades existentes para o desenvolvimento do Setor Artesanal, gerando oportunidades de trabalho e renda, bem como estimular o aproveitamento das vocações regionais, levando à preservação das culturas locais e à formação de uma mentalidade empreendedora por meio da preparação das organizações e de seus artesãos para o mercado competitivo (MDIC, 2007). O PAB é representado em cada uma das 27 unidades da Federação por meio das Coordenações Estaduais do Artesanato. O Programa desenvolve suas atividades com base nas seguintes macroações: capacitação de artesãos e multiplicadores; feiras e 14 É importante ressaltar que o objetivo desse estudo não é ter caráter censitário e universal, mas sim pontuar uma amostra diversificada e representativa, a qual, de alguma forma, possa ser relacionada com a comunidade Mumbuca – objeto de estudo desta pesquisa. 35 eventos para comercialização da produção artesanal; e estruturação de núcleos produtivos no segmento artesanal. As ações do Programa possibilitam a consolidação do artesanato brasileiro como setor econômico de forte impacto no desenvolvimento das comunidades, a partir da consideração de que a atividade é disseminada em todo o território nacional, com variações e características peculiares, conforme o ambiente e a cultura regional. Seguem algumas das ações já realizadas pelo PAB: Estímulo e apoio à participação dos artesãos em importantes feiras de artesanato no país, por meio da compra de stands; estímulo e apoio à adoção de método de organização e gestão do negócio e produto por meio da capacitação de 184 multiplicadores; doação de 27 caminhões para o transporte dos produtos; apoio à construção de galpões multiuso; exposição do artesanato brasileiro nos principais aeroportos do país, em parceria com a Infraero e Banco do Nordeste; Publicação da cartilha "O Artesão e a Previdência Social", em parceria com o Ministério da Previdência e apoio do Banco do Nordeste; publicação do livro "A Arte do Artesanato Brasileiro" em três idiomas (MDIC, 2007). 1.2.4.2 Programa SEBRAE de Artesanato O SEBRAE é um dos pioneiros na criação de programas voltados para essa interação e gerencia diversos projetos em todo o Brasil, com forte atuação e aceitação principalmente no norte e nordeste. Possui um programa que vem sendo desenvolvido no Jalapão com o nome de Capim Dourado e atende à comunidade pesquisada nesta dissertação. No final da década de 1990, foi implantado pelo SEBRAE o seu programa de artesanatos (Programa SEBRAE de Artesanato), hoje presente nas 27 unidades federativas do país e em 16,6% dos municípios brasileiros. Segundo a entidade, o programa visa estimular o crescimento e a melhoria da produção artesanal, reconhecendo a sua importância econômica sem diminuir as expressões culturais ligadas às técnicas de construção do artefato. O SEBRAE expõe que O objetivo geral do programa é fomentar o artesanato de forma integrada, enquanto setor econômico sustentável que valoriza a identidade cultural das comunidades e promove a melhoria da qualidade de vida, ampliando a geração de renda e postos de trabalho. (2004, p. 13) 36 De acordo com o Termo de Referência do Programa SEBRAE de Artesanato (PSA, 2004), as intervenções do design no artesanato visam à criação de produtos artesanais com agregação de valores iconográficos e culturais e de acordo com tendências e demandas do mercado. O resultado dessa produção, cujos atores sãos os artesãos que detêm a técnica da produção artesanal e os designers que utilizam o design como ferramenta inovadora, é a criação de uma coleção de peças classificadas como “artesanato de referência cultural”. Dois programas se destacam dentro da linha de atuação do SEBRAE: o Programa Talentos do Brasil e o Talentos do Brasil Rural. Esses programas atuam inclusive no estado do Tocantins e já desenvolveram alguns projetos com comunidades artesãs do Parque Estadual do Jalapão, onde está também localizada a comunidade Mumbuca. Segundo o site15 do Programa, o Talentos do Brasil é um importante instrumento de geração de trabalho e renda para artesãs da agricultura familiar, por meio do fortalecimento do processo de gestão, promoção e comercialização dos grupos artesanais. Cerca de duas mil artesãs integram os 18 grupos produtivos apoiados pelo Programa, reunindo técnicas manufatureiras repassadas de geração a geração, com a beleza da matéria prima natural, retirada da biodiversidade brasileira de forma sustentável. Figura 4 – Logo Talentos do Brasil. Fonte: Blog Talentos do Brasil Atualmente, o Talentos do Brasil une artesãs e artesãos do meio rural de 12 estados brasileiros. Organizadas, 18 cooperativas, formam a Cooperativa Nacional Marca Única – Cooperunica – que comercializa um portfólio com mais de 1.500 produtos. Estilistas e designers reconhecidos nacional e internacionalmente fazem parte do Programa – eles compartilham saberes e experiências com as artesãs, adequando os produtos às exigências do mercado nas oficinas promovidas pelo projeto. 15 Disponível em: <http://talentosdobrasil.com.br/blog/>. Acesso em: ago/2012 37 Além disso, os produtos resultantes dessas oficinas são comercializados no Blog do programa, o que proporciona maior alcance e distribuição desse artesanato de referência cultural. Figura 5 – Oficina de Artesãs. Fonte: Blog Talentos do Brasil Tanto no Programa SEBRAE de Artesanato quanto no Programa do Artesanato Brasileiro, ambos de abrangência nacional, nota-se uma classificação de categorias e tipologias que legitima suas práticas, criando uma nivelação de conceitos para a execução das atividades nos mais diversos pontos do Brasil. Para o PAB, o artesanato [...] é o produto resultante da transformação da matéria prima com predominância manual, por um indivíduo que detenha o domínio integral de uma ou mais técnicas previamente conceituada, aliando criatividade, habilidade e valor cultural, com ou sem expectativas econômicas, podendo no processo ocorrer o auxílio limitado de máquinas, ferramentas, artefatos e utensílios (PAB, 2006, p. 3). Essa conceituação foi elaborada no Seminário Nacional com os Coordenadores do PAB em Brasília, em outubro de 2006. De forma semelhante, em 2004, o SEBRAE elaborou o documento Termo de Referência para orientar e sistematizar suas ações voltadas para o artesanato, caracterizando a atividade e orientando as ações de design. 38 1.2.4.3 Outros programas Partindo de uma atuação em âmbito nacional, têm-se dois importantes programas de artesanato, descritos a seguir. a) ArteSol Inicialmente idealizado como projeto de combate à pobreza em regiões castigadas pela seca, o ArteSol16 (Artesanato Solidário) foi concebido em 1998 como um programa social e, a partir de 2002, tornou-se uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público). Suas ações, que priorizam trabalhos relacionados ao artesanato, são direcionadas para localidades de baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Sua atuação ocorre por meio de projetos e ações voltados para a “valorização da atividade artesanal de referência cultural brasileira, a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Intangível, e inclusão cidadã e produtiva dos artesãos” (ARTESOL, 2012). Tem como objetivos Promover o artesanato de tradição como patrimônio cultural; apoiar os processos de requalificação do objeto artesanal brasileiro; estimular a formação continuada dos artesãos; promover o fortalecimento das associações, apoiando-as em seus processos de sustentabilidade; articular os agentes que atuam em diferentes frentes no setor, em nível nacional e internacional (ARTESOL, 2012). Em 2006, o ArteSol foi reconhecido pela Organização Mundial de Comércio Justo (World Fair Trade) como uma instituição que segue os princípios do comércio justo, passando a atuar mais intensamente na difusão desses princípios não só entre os artesãos, mas também entre seus parceiros e clientes. Uma inovação ao programa de apoio à comercialização do ArteSol foi inserida neste ano de 2012, quando ele passou a potencializar a comercialização direta feita pelas próprias associações/cooperativas de artesãos, a fomentar um maior protagonismo e empreendedorismo dos artesãos no relacionamento com o mercado e a atuar como articulador, ao fornecer os contatos das associações para os clientes e orientar os diálogos para que os pedidos sejam efetivados. Essa negociação direta com os artesãos 16 Disponível em: <www.artesol.org.br>. Acesso em: ago/2012 39 tem como objetivo estimular a autonomia das associações, já que encara o comércio como uma ferramenta fundamental para a redução da pobreza e para a conquista de maior desenvolvimento sustentável. As ações de capacitação em diversas áreas têm como objetivo transformar o artesanato em oportunidade de geração de trabalho e renda, com projetos que respeitam e valorizam as comunidades envolvidas. Sobre esse fato, Lima (2005, p. 13) afirma que [...] O ArteSol tem se revelado um programa de artesanato de qualidade, especialmente porque lida com o respeito. Respeito aos valores populares, respeito aos artesãos, que são produtores de objetos e são também produtores de cultura. No site do ArteSol, também é possível comprar produtos artesanais das mais variadas comunidades brasileiras e frutos de suas oficinas de capacitação. Além disso, também atua na promoção de mesas redondas, debates e estudos que se transformam em cases de trabalho e publicações com vistas a expandir e a auxiliar o desenvolvimento dessas ações de interação com o artesanato em todo o Brasil. b) A CASA – Museu do Objeto Brasileiro A CASA tem o objetivo de contribuir para o reconhecimento, valorização e desenvolvimento do artesanato e do design brasileiros, incrementando a percepção consciente a respeito do produto brasileiro. Sua forma de atuação está em [...] coletar, pesquisar, selecionar, documentar e conservar produtos e referências culturais; comunicar, difundir e disponibilizar informação e conhecimento a respeito desses produtos e referências, por meio de exposições físicas e virtuais, publicações, vídeos, debates, ações educativas, entre outros; promover e instituir mediações, atuando como rede que interliga iniciativas e pessoas envolvidas e interessadas na expressão cultural brasileira; estimular a reflexão crítica sobre a expressão cultural brasileira, por meio da realização de encontros, seminários, conferências, cursos etc.; instituir critérios de avaliação de iniciativas relacionadas ao design e artesanato, estabelecendo parâmetros quanto à ética e qualidade dos projetos; promover a capacitação dos agentes culturais envolvidos (A CASA, 2011) 40 Em julho/2011, A CASA recebeu a exposição Capim Dourado: costuras e trançados do Jalapão, que foi considerada uma oportunidade para o público de São Paulo apreciar e adquirir peças artesanais produzidas por artesãos de cinco comunidades dos municípios de Ponte Alta, São Félix, Mateiros e Novo Acordo, situados na região do Jalapão, no estado do Tocantins. Figura 6 – Folder exposição Capim Dourado. Foto: Divulgação A exposição foi realizada pelo Programa de Promoção do Artesanato de Tradição Cultural (PROMOART), o Programa Mais Cultura, do Ministério da Cultura, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP) e Associação Cultural de Amigos do Museu de Folclore Edison Carneiro (ACAMUFEC), com a parceria de A CASA – museu do objeto brasileiro. Outra importante iniciativa aliada a essa exposição foi a promoção de uma mesa redonda sob o título: Capim dourado: como manter o brilho deste capim?, que contou com a presença do designer Renato Imbroisi, de artesãs do Jalapão e outros profissionais da área, debatendo a preservação, a biopirataria e outras ameaças que o artesanato de capim dourado vem enfrentando. Passando a uma atuação mais regional, na comunidade, objeto de estudo desta pesquisa, têm-se dois importantes programas, o PERCAD e o PEQUI. 41 c) PERCAD O PERCAD é uma iniciativa da ONG tocantinense “Trabalha Brasil”, com apoio do Ministério da Justiça e do Governo do Estado, por meio da Setas – Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social, Secretaria da Indústria e Comércio, entre outras. Nomeado Programa Estadual de Reflorestamento do Capim Dourado (PERCAD), foi idealizado em 2006 e aprovado em 2008 com recursos do Ministério da Justiça. Desde sua idealização, tem como principal foco combater o desaparecimento da matéria prima que vinha sendo coletada de forma indiscriminada, “agregar” valor aos produtos, capacitar e qualificar artesãos e introduzir, por meio do design, peças mais elaboradas com uma linguagem atual. O programa também acompanha os artesãos em feiras e exposições do ramo de artesanato, tanto em eventos estaduais, como o Palmas Fashion Week e a Feira Agrotins, como em outros eventos em nível nacional. A primeira ação do PERCAD foi um curso de capacitação em design com 120 horas/aula na comunidade Mumbuca, a 35 km de Mateiros. Segundo o designer Divino Alves, o curso deu oportunidade a 60 artesãs de conhecer novas técnicas e aprender a combinar cores, formas e texturas. Ele explica que as alunas só sabiam trançar o capim, mas agora aprenderam a costurar, crochetar e bordar. “Para elas, foi uma experiência completamente nova, assimilaram muito bem as técnicas, e agora podem usar menos capim e agregar outros produtos” (CAVALCANTE, 2010). Figura 7 – Mostra de produtos confeccionados na oficina do PERCAD. Fonte: Heverton Lacerda (2010) 42 Essa capacitação procurou oferecer alternativas de produtos que utilizassem menor quantidade de capim dourado, concentrando a matéria-prima em lugares de destaque e mesclando com outros materiais. A bolsa, que antes era toda de capim dourado, agora recebe a inclusão de tecidos, e apenas os detalhes ficam a cargo do capim. d) PEQUI A PEQUI17 é uma associação sem fins lucrativos que trabalha com pesquisas para a preservação do cerrado e tem desenvolvido e apoiado diversos projetos de pesquisa. Enfoca espécies ameaçadas da fauna brasileira, faz levantamentos de biodiversidade, uso sustentável dos recursos naturais do Cerrado, educação ambiental, entre outros. Apesar de não estar relacionada diretamente com o trabalho de design, essa associação tem desenvolvido um trabalho muito importante desde 2002, em conjunto com associações extrativistas do Jalapão, realizando estudos para testar e acompanhar os efeitos do extrativismo sobre o capim dourado. Os estudos são importantes para o manejo sustentável da matéria prima, o que garante a manutenção dessa atividade artesanal, principal fonte de renda dos artesãos do Jalapão. A partir desses resultados das pesquisas científicas, aliados aos conhecimentos dos artesãos, foi montada uma cartilha ensinando a forma correta de colher o capim. Isso porque há uma data no ano em que a colheita do capim possibilita o replantio das sementes, ou seja, as sementes estão prontas para serem germinadas e as hastes do capim se encontram na fase mais bonita com o brilho dourado mais intenso. Em seu site, a PEQUI (2004) expõe que Com base nos resultados obtidos, a partir de 2004, o Naturatins – Instituto Natureza do Tocantins – elaborou regras para a colheita das hastes de capim dourado utilizadas na confecção artesanal. Estas regras estão na Portaria 092/2005, que determina que: as hastes apenas podem ser colhidas após 20 de setembro; as flores (capítulos, ou frutos) devem ser cortadas e dispersas no solo logo após a colheita; as hastes de capim dourado não podem sair da região in natura, apenas em forma de artesanato. 17 Disponível em: <www.pequi.org.br> Acesso em: ago/2012 43 Figura 9 – Capa da Cartilha Capim Dourado e Buriti. Fonte: Site PEQUI (2007) Mais um trabalho que a PEQUI realizou com apoio de outras empresas foi a produção de um catálogo de produtos de capim dourado confeccionados pelas comunidades do Parque Estadual do Jalapão. O catálogo, além de fornecer algumas explicações sobre a matéria prima, traz fotos de todos os produtos desenvolvidos, com especificações de tamanho e dados de contato para que as compras possam ser feitas diretamente junto às comunidades, o que facilita o escoamento dos produtos e evita intermediários. Figuras 10 e 11 – Capa e folha interna do catálogo de produtos realizado pela PEQUI. Fonte: Site PEQUI (2009) 44 1.2.4.4 Designers Constata-se também que tem crescido o número de designers envolvidos em projetos de artesanato. Para esta pesquisa, elegeram-se três deles: Heloísa Crocco, Marcelo Rosenbaum e Renato Imbroisi, por já terem desenvolvido trabalhos na área do Jalapão, aproximando-se do estudo de caso proposto. a) Heloísa Crocco Heloísa Crocco18, designer brasileira, trabalha tanto em programas do SEBRAE como em outros próprios. É considerada um dos principais nomes da junção design e artesanato no país. Pelo seu pioneirismo, foi uma das primeiras designers a incursionar no artesanato, em 1993. Crocco é responsável pelo Laboratório Piracema Design, um núcleo de pesquisa da forma brasileira. Idealizadora do Projeto Piracema, conta que o laboratório é feito através de “vivências que ajudam na formação de profissionais para atuação em programas de aproximação entre design e artesanato”. O projeto, que já passou por diversas regiões do Brasil, objetivou valorizar a cultura tocantinense com o resgate do uso do Capim Dourado, desenvolvido em parceria com o SEBRAE na comunidade de Ponte Alta, no Jalapão. A coleção recebeu o nome de Jalapa. Figuras 12 e 13 – Oficina no Jalapão e produto confeccionado para a coleção Jalapa. Foto: Fabio Del Re (2009) 18 Disponível em: <www.croccostudio.com> Acesso em: ago/2012 45 Segundo a designer (CROCCO, 2000), em seu procedimento de trabalho com as várias comunidades, ela busca tirar o cerne do projeto das condições locais, nunca impor ou levar pronto, estabelecendo uma relação ética. Por meio do diálogo, procuram eleger um referencial básico da identidade local e desenvolver o design a partir daí, valorizando o saber local e chamando a atenção para o fato de que o artesão é um conhecedor nato dos recursos materiais empregados nos artefatos e das tradições da sua comunidade. Crocco (2000, p. 26) aponta que Uma relação entre esses dois universos pode contribuir para o processo de renovação cultural. O papel do designer ultrapassa os limites do apuro estético que sua interferência possa trazer à manualidade do artesão. Ele esclarece ideias e sentimentos e faz com que o objeto reflita o que o homem descobre de seu meio e de si próprio, incentivando a busca de novas soluções para a confecção dos produtos. Um trabalho recente da designer foi feito em parceria entre a ABEST (Associação Brasileira de Estilistas) e o SEBRAE. O projeto prevê ações durante os anos de 2012 a 2015. Entre as diversas atuações das duas entidades, estão a profissionalização de comunidades artesanais e o lançamento do caderno +B da ABEST, intitulado Identidade Brasil, que tem como fonte de inspiração, segundo Maurício Medeiros, representante da Associação, o país e suas riquezas iconográficas e etnográficas. No projeto, serão beneficiadas 15 comunidades de artesanato por meio de capacitações para incorporar o design e incluir seus produtos na indústria da moda brasileira de alto valor agregado. As comunidades serão escolhidas por critérios específicos, como localização em áreas de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e elevada presença de artesãos que dominem uma técnica específica e que já tenham sido atendidos pelo SEBRAE. A primeira comunidade a receber a oficina foi a comunidade Mumbuca, em Mateiros/TO. Crocco ministrou uma oficina de 9 a 15 de abril/2012, cujo objetivo (segundo informações do SEBRAE) foi treinar os artesãos para o desenvolvimento de produtos inovadores e competitivos, fazendo com que essas comunidades incorporem práticas sustentáveis em sua produção. 46 Figura 14 – Oficina ministrada por Heloisa Crocco na Mumbuca: Fonte: Fabio Del Re (2012) O caderno +B foi lançado pela ABEST em maio/2012. Essa edição do livro intitulada Identidade Brasil foi dividida em três grandes temas – Traço, GPS e Casulo – e cada um deles mostra uma faceta da essência brasileira por meio de textos, fotos e ilustrações. O tema do capim dourado foi incluído dentro de GPS. Figura 15 – Caderno +B ABEST 2013. Foto: Divulgação 47 b) Marcelo Rosenbaum Marcelo Rosenbaum é brasileiro, nascido em 1968 em Santo André, São Paulo. O designer atua há mais de 20 anos à frente do escritório Rosenbaum 19. Seu trabalho tem como inspiração principal os valores da brasilidade. A síntese do pensamento de trabalho da Rosenbaum é o conceito do MORAR 20 ampliado, além do projeto do espaço físico e da estética do objeto. O MORAR é interpretado sob seu recorte dos valores de conexão, identidade cultural, cultura popular, memória e inclusão. Rosenbaum, a convite de Heloísa Crocco, participou da edição do Projeto Piracema – Vivências junto aos artesãos que já trabalham com capim dourado. O workshop, que aconteceu entre os dias 8 a 18 de julho de 2009, teve como propósito criar protótipos de produtos novos para os artesãos, orientando-os na continuidade dessa produção e na maior geração de trabalho e renda para o artesanato local. A coleção desenvolvida recebeu o nome de Jalapa. Segundo Rosenbaum, após a chegada ao município de Ponte Alta/TO, o contato com as artesãs e, principalmente, com a matéria prima, procurou também conhecer melhor as artesãs e o entorno daquela prática artesanal. Após isso, descreve em seu site o método utilizado nessa vivência no Jalapão: Levei referências de tendência das maxi bijoux, tipo que se usa hoje e que aparecem em todas as revistas de moda, até nas novelas. Fizemos o exercício de observar o cotidiano delas, as belezas da região e buscamos incorporar essas formas nos objetos, valorizar o brilho do capim dourado como matéria mais nobre, e usar outros materiais que contrastassem, mas que não roubassem a cena. Optei por trabalhar mais com bijoux, pois necessitam de menos matéria de capim e podem ser mais valorizadas, já que a aceitação é imediata. Só sei que gostaria de dedicar cada vez mais do meu tempo para trazer esse artesanato em potencial, essa riqueza natural para o benefício de todos. Todos nós temos muito que aprender! É isso, espero que essa vivência tenha sido tão transformadora para as artesãs e para a equipe Jalapa, como foi pra mim (ROSENBAUM, 2009) 19 Disponível em <www.rosenbaum.com.br> Acesso em: ago/2012 20 Trabalho permanente do escritório Rosenbaum®, que desenvolve projetos e produtos para o segmento casa. 48 Figuras 18 e 1921: Colar Raimunda com fio preto e Mesa Amélia com pés de lixeira. Fonte: Fabio Del Re (2009) c) Renato Imbroisi Renato Imbroisi, segundo o perfil em seu site pessoal22, é tecelão e designer de artesanato. Trabalha em parceria com artesãos têxteis, dirigindo oficinas de criação e desenvolvendo novos produtos. Já participou de muitos projetos em todas as regiões do Brasil e também trabalha na África (Moçambique, e São Tomé e Príncipe), além de já ter realizado workshops e oficinas de criação na Itália e no Japão. Tecelão por formação, iniciou o desenvolvimento de um método criativo junto a artesãos em 1987, ao chegar ao município de Carvalhos, no Sul de Minas Gerais, onde se localiza o bairro rural do Muquém. Sem eletricidade, vivendo de pequenas criações e hortas em sistema de agricultura de subsistência, a pequena população ainda produzia tecido em teares antigos, feitos à mão com madeira local. A partir da criação de novos tecidos junto com as tecelãs locais, criou seu método de trabalho, adotado desde 1996 – ano de seu primeiro convite para atuar como consultor do SEBRAE junto a artesãos do Distrito Federal. Imbroisi é também um dos pioneiros nesse tipo de atuação no país. Como ele mesmo afirma: Eu já tinha um nome, eu já me destacava nessa área, fui um pioneiro. O SEBRAE me chamou porque já sabia desse meu trabalho. Iniciei o trabalho com o SEBRAE em 1996, foi 12 anos depois do começo em Muquém. Foi quando começou o programa de artesanato SEBRAE (CANANI, 2008, p. 200). 21 Fotos do catálogo Jalapa, produzido ao final da vivência. 22 Disponível em <www.renatoimbroisi.com.br> Acesso em: ago/2012 49 O designer-artesão também é conhecido por sua habilidade em mesclar as matérias-primas mais diversas, como o algodão, a corda, galhos, seda, sementes etc. Entre suas exposições, estão Meninas Geraes (BNDES, Rio de Janeiro, 2003), Que Chita Bacana (SESC Belenzinho, São Paulo, 2005), Desenho de Fibra (Bento Gonçalves e São Paulo, 2011). Imbroisi também mantém produção própria de tecidos e outros objetos têxteis no povoado do Muquém. Figura 20 – Artesã africana faz colar sob orientação de Imbroisi. Fonte: Casa Brasil (2011) Figura 21 – Mostra Brasil na África. Fonte: Casa Brasil (2011) 50 Imbroisi foi pioneiro no trabalho de inserção do design na comunidade da Mumbuca. Também foi o primeiro a realizar oficinas com as artesãs da região do Jalapão, sob iniciativa de um trabalho da Secretaria da Cultura, de 1997 a 2001. No ano de 2011, quase 10 anos depois da sua primeira oficina, o designer foi convidado a retornar para novas oficinas e desenvolver outras linhas de produtos na região do Jalapão, em Mateiros e Mumbuca, do dia 14 a 17 de outubro, quando as artesãs receberam a segunda etapa da capacitação em Capim Dourado ministrada pelo designer. Ele explica: Nesta etapa, elas incorporaram melhor a ideia de trabalhar temas específicos, que darão forma a novas peças da coleção exclusiva que pretendemos lançar no final do projeto. Como, por exemplo, molduras de espelho, cúpula de luminárias e peças de acessórios no formato de folhas em capim dourado (SOUZA, 2011). Renato Imbroisi também está desenvolvendo um catálogo do artesanato em capim que delineará a história do artesanato e dos artesãos da região para mostrar como foi o início e toda a evolução da arte com o capim dourado nessas comunidades. Considerando esse breve estudo de programas brasileiros de desenvolvimento do artesanato ligado ao design, torna-se crucial estabelecer algumas conexões com o design. Para tanto, voltamos às linhas de atuação propostas por Bonsiepe (2008)23. Primeiramente, observa-se que projetos ligados direta ou indiretamente ao governo acabam por adquirir uma Atitude Paternalista (Bonsiepe, 2008, p. 309) como o PAB e também o Programa de Artesanato Brasileiro, citados anteriormente. Mesmo que unam esforços para o desenvolvimento e comercialização dos produtos artesanais, muitas vezes acabam caindo na rede de um programa de Gestão de Artesanato, como o que o SEBRAE mantém na área do Jalapão, e que muitas vezes, com um projeto linear de atuação, massificam os produtos artesanais num processo de adequação ao mercado e escoamento de produtos que beneficiam mais os intermediários do que a própria comunidade, visto que a melhoria e o desenvolvimento que chegam a lugares tão remotos são pequenos em comparação ao crescimento das vendas dos artefatos artesanais brasileiros dentro e fora do país. Margolin e Margolin (2004) afirmam que desde a revolução industrial, o paradigma do design tem sido o de desenhar para o mercado, enquanto alternativas 23 Conforme apresentado na página 30 dessa dissertação 51 recebem pouca atenção. Ou seja, o papel do designer que atua em linhas de trabalhos sociais, como aquelas ligadas ao artesanato também é o de questionar o conceito de “mercado” e o de domínio de mercado. Sobre isso, Bonsiepe (2005, p. 3) cruza o significado de mercado com o de democracia e diz: Nas versões neoliberais, a democracia é sinônima da predominância do mercado como conceito quase sacralizado e como máxima e exclusiva instância para regular as relações sociais dentro das e entre as sociedades. Pensando neste conceito de democracia, o autor ainda reflete ao dizer: Utilizo uma interpretação simples de democracia, no sentido de participação para que dominados se transformem em sujeitos que abrem espaço de autodeterminação, e isto quer dizer espaço para um projeto próprio, para um design próprio. [...] Faço minha adesão a um conceito substancial e menos formal de democracia no sentido de redução de heteronomia, heteronomia entendida como subordinação a uma ordem imposta por agentes externos. [...] Mencionamos aqui o papel do mercado e o papel do design dentro do mercado. Entretanto, o autor faz uma ressalva e diz que não está propondo um design universalista e idealista, mas sim uma postura crítica dos designers frente às imposições vigentes. Imposições que podem ser vistas em alguns projetos de design feitos na comunidade da Mumbuca, que nascem de uma ideia sem diálogo com os artesãos, um acordo unilateral. Isto pode ser constatado na pesquisa de campo por meio do recorrente apontamento dos entrevistados. Ao que parece, a ONG PEQUI vem se destacando em contraponto a essa imposição e dominação paternalista de certos projetos. Nasceu de uma ideia não propriamente dita de design, mas dentro de um conceito de preservação e desenvolvimento do cerrado e de suas comunidades, aproximando-se das Atitudes Produtivista e de Estímulo (BONSIEPE, 2008, p. 39), uma vez que busca, em conjunto com os artesãos, a conscientização para a preservação ambiental e a criação de alternativas de vendas que excluam a necessidade de intermediários, se encaixando no modelo social de design proposto por Margolin e Margolin (2004). Os designers Crocco, Rosenbaum e Imbroisi apresentados neste estudo foram escolhidos não só por sua importância na relação entre design e artesanato, mas também pelo reconhecimento por sua ética de trabalho junto aos artesãos. Ao que parece em 52 seus diálogos, demonstram respeito pela cultura tradicional do artefato artesanal, percepção das necessidades reais dos artesãos e cuidado com juízos de gosto. Isso é reiterado na fala dos artesãos entrevistados. Voltando a Bonsiepe e às Atitudes Produtivista e de Estímulo, é necessário ressaltar que para o desenvolvimento do trabalho dos designers se encaixar à luz dessas atitudes, a postura do designer deve ir além da superficialidade da renovação estética. O design mais e mais se distanciou da ideia de ‘solução inteligente de problemas’ e mais e mais se aproximou do efêmero, da moda, do rapidamente obsoleto – a essência da moda é a obsolescência rápida –, ao jogo estético-formal, à ‘boutiquização’ do mundo dos objetos (BONSIEPE, 2005, p. 1) Uma alternativa para a fuga dessa efemerização do trabalho do designer junto às comunidades artesanais pode estar na continuidade e acompanhamento dos processos propostos. O acompanhamento regular do trabalho desenvolvido nas oficinas, a volta do designer à comunidade e a conversa com seus membros sobre o trabalho sendo realizado pode revelar aspectos novos e contribuir para o desenvolvimento, permanência e emancipação da atividade. Longe do idealismo e da negação ao mercado propostos por Papanek (1971), as relações apresentadas neste estudo auxiliam a embasar e referenciar a pesquisa, já que também foi constatada a falta de estudos direcionados ao design social e à sua interação em comunidades, como afirmam Margolin e Margolin (2004, p.46): “não existe mais suporte a serviços de design social, por ausência de pesquisas que demonstrem como um designer pode contribuir para o bem-estar humano”. Os programas, ações e designers pesquisados, sua forma de atuação, métodos e resultados analisados possibilitaram um direcionamento maior no estudo e na própria pesquisa de campo, fundamentando e ajudando a perceber as diversas faces do objeto de estudo também em outros envolvimentos e, com isso, voltando-se para um dos objetivos do Design Social: o de revelar uma metodologia que ressalte os interesses e necessidades culturais de um povo e promover a interação social (SENA, 1995). Além disso, através deste estudo, observou-se o crescimento do número de interações entre design e artesanato que dizem priorizar a ética e o mútuo desenvolvimento, visando à conservação da produção artesanal e consequente inserção no mundo industrial/pós-industrial. 53 A religião artística moderna gira sobre si mesma sem encontrar a via de saúde: vai da negação do sentido pelo objeto à negação do objeto pelo sentido. (OCTÁVIO PAZ, 2006) 54 CAPÍTULO 2 – DESIGN E ARTESANATO: UMA RELAÇÃO POLÍTICA E (I)MATERIAL Como vimos no capítulo anterior, a aproximação do design para com o artesanato se intensificou nos últimos anos, e o uso do design como ferramenta de trabalho aliada no campo do artesanato tem se dado em larga escala. Neste capítulo, vamos compreender como essa relação extrapola uma simples interação entre áreas de criação consideradas distintas, e passa a ser um processo para conservação do patrimônio histórico e cultural (material/imaterial) brasileiro à luz da Constituição Federal de 1988. 2.1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Os avanços nos estudos jurídicos sobre patrimônio cultural trouxeram uma nova perspectiva sobre o que seriam esses bens culturais: Patrimônio cultural não se limita aos monumentos de ’pedra e cal‘, ou seja, aqueles bens materiais e tangíveis; ao revés, reconhece nas manifestações culturais imateriais mais uma dimensão desse patrimônio. (AGUINAGA, 2006, p.4) Assim como os artefatos artesanais estudados nesta pesquisa, os quais, além de objetos, são manifestações culturais, as formas de representação manual passaram a ser reconhecidas como integrantes desse patrimônio cultural, de acordo com a Constituição Federal de 1988. Pesquisas que já vinham sendo realizadas no tocante a preservação e continuidade dessas práticas ganharam maior visibilidade, e sua aplicação passou a ser mais estudada e difundida desde então. O capim dourado, matéria prima do artesanato que a comunidade Mumbuca24 produz, teve seu valor reconhecido pela lei nº 2.186 de 14 de julho de 2009 como sendo bem de valor cultural e patrimônio histórico do estado do Tocantins25. Com isso, tornou 24 Estudo de caso 25 Conforme publicado no Diário Oficial do Tocantins Nº 3.013, 2009 (ANEXO 1) 55 ainda mais importante a manutenção de suas práticas e a conservação das tradições e comunidades relacionadas a ele. O tratamento constitucional do bem cultural está previsto nos artigos 215 e 216 da Carta Federal de 1988. O artigo 215 trata da proteção ao patrimônio cultural de modo amplo, mencionando o direito de todos ao exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional, cabendo ao Estado garantir o exercício desses direitos, assim como a valorização e difusão das manifestações culturais. O artigo 216 traz o conceito de patrimônio cultural e os meios utilizados para sua proteção. Apresenta a seguinte redação: Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. §1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. §2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear a sua consulta a quantos dela necessitem. §3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais. §4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos na forma da lei. §5º Ficam tombados todos os documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos [...] Portanto, numa primeira leitura, patrimônio cultural abrange a ideia de conjunto de bens, materiais e imateriais, portadores de valores culturais. Porém o artigo 216 reporta a necessidade de dotar de significado as manifestações culturais ou bens culturais. Nesse sentido, Reale (1983, p. 212.) observa que: As manifestações ou bens são “suportes”. Para que sejam contados como pertencentes ao patrimônio cultural brasileiro, necessitam do “significado”, que sejam portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. 56 Nesse contexto, a comunidade Mumbuca além de possuir o suporte – suas manifestações culturais (cantigas de roda, festas) e bens culturais (artefatos artesanais) – conta também com o significado: como remanescentes quilombolas, são portadores de referência à identidade e constituem Patrimônio Cultural Brasileiro, uma vez que estão ligados à memória de um dos grupos formadores da sociedade brasileira – a matriz afro, como caracteriza Ribeiro (1995, p.20): A sociedade e a cultura brasileiras são conformadas como variantes da versão lusitana da tradição civilizatória europeia ocidental, diferenciadas por coloridos herdados dos índios americanos e dos negros africanos, resultando na confluência de tantas e tão variadas matrizes formadoras de uma sociedade multiétnica. Conforme apontado pelo autor, a matriz afro é um dos grupos formadores da sociedade brasileira, mesmo tendo, muitas vezes, sua participação e importância encobertas. Segundo Merlo, Lendo os históricos, torna-se cada vez mais evidente o encobrimento da presença negra. Algumas referências, no entanto, limitam-se em atribuir ao negro a condição de escravo, sem valorizar sua contribuição à vida [...] (2005, p. 31) Esse fator, somado aos já apresentados, torna ainda mais relevante o desenvolvimento da presente pesquisa com uma comunidade remanescente de quilombo, no sentido não só de resguardar, mas de dar visibilidade e voz a memórias suprimidas ou silenciadas. 2.2 PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL Como vimos, a Constituição Federal de 1988 ampliou o alcance do patrimônio cultural, nele inserindo os bens imateriais, uma vez que não é apenas de aspectos físicos que a cultura de um povo se constitui. Existe uma porção intangível de ‘herança cultural’, que está contida nas tradições, no folclore, nas línguas, nos saberes, dentre outros, que é a própria fonte da identidade do povo brasileiro (AGUINAGA, 2006, p.4). 57 Segundo a Unesco, na Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (2003), o patrimônio cultural imaterial consiste nas [...] práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares que lhe são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos, em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, “gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana” (IPHAN,s/d). Enfim, o que a Constituição Federal chama de modos de criar, fazer e viver do povo. Diante disso, e segundo Machado (2003, p. 872.): O conceito de patrimônio cultural dado pela Constituição Federal permite uma proteção dinâmica e adaptável às contingências e transformações da sociedade. Daí a previsão de se resguardar as formas de expressão e os modos de criar, fazer e viver. 2.2.1 Conhecimentos Tradicionais Somado ao que pode ser considerado patrimônio cultural imaterial, identificamos na comunidade da Mumbuca outro patrimônio que foi reconhecido na Medida Provisória nº 2.186-16/10, definido como conhecimento tradicional em seu artigo 7º, § II: “informação ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou de comunidade local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético”. O § III assim define comunidade local: [...] grupo humano, incluindo remanescentes de comunidades de quilombos, distinto por suas condições culturais, que se organiza, tradicionalmente, por gerações sucessivas e costumes próprios, e que conserva suas instituições sociais e econômicas. 58 Este tema está relacionado aos saberes de minorias, como indígenas, quilombolas26 e comunidades ribeirinhas, dentre outros grupos que compõem o povo brasileiro. Além do enfoque jurídico, os conhecimentos tradicionais vêm ganhando espaço na mídia, não por se tratar de um “bem cultural imaterial, referência para o processo formador da sociedade brasileira” (LEONEL, 2010, p.186), mas principalmente pela abordagem de empresas com interesse econômico, que visam transformá-los em matéria prima. Pensando nessas formas de resguardar o patrimônio cultural e suas expressões, veremos a seguir as mudanças nos modos de proteção ao longo do tempo, em seus desdobramentos jurídicos, até o momento em que podemos encaixar o design como ferramenta passível de utilização em tais processos. 2.3 PROTEÇÃO E CONSERVAÇÃO Conforme mencionado anteriormente passaremos a uma abordagem histórica das mudanças nas leis de proteção ao patrimônio, a fim de entendermos a importância do que foi promulgado em 1988. Ao longo da história de nossas Constituições, é possível identificar a evolução do interesse pelo patrimônio cultural e as formas de proteção, pela observação dos respectivos momentos históricos e políticos. A Constituição Federal de 1934, em seu artigo 148, dispunha que “cabe à União, aos Estados e aos Municípios, [...] proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do País”. Na Constituição Federal de 1937, seu artigo 134 destaca que os monumentos históricos, artísticos e naturais gozam da proteção da Nação e que “os atentados contra eles cometidos serão equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional”. Já no Texto Constitucional de 1946, o assunto foi retratado no artigo 175: As obras, monumentos e documentos de valor histórico e artístico, bem como os monumentos naturais, as paisagens e os locais de particular beleza ficam sob a proteção do Poder Público. 26 Como a comunidade da Mumbuca. 59 Em 1967, o artigo 172 da Constituição Federal previa que o amparo à cultura seria dever do Estado, e o parágrafo único dizia que “ficam sob a proteção especial do Poder Público os documentos, as obras e os locais de valor histórico ou artístico, os monumentos e as paisagens notáveis, bem como as jazidas arqueológicas”. Nessa abordagem das mudanças na lei, ao analisar o Texto Constituinte de 1988, percebemos que ele extrapolou as propostas anteriores e tratou do meio ambiente cultural sob nova óptica, desde a essencialidade do meio ambiente em todas as suas formas como o estabelecimento de mecanismos de preservação, esclarecendo no § 1º do artigo 216 que “o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento”. Leonel (2010, p.188) diz que este rol é exemplificativo, o que permite certa liberdade para que o legislador possa criar outros instrumentos que respondam com precisão e adequação às demandas da preservação do patrimônio cultural. Pensando nesses outros instrumentos, inserimos a atuação dos designers junto a comunidades tradicionais – no caso desta pesquisa, comunidades produtoras de artesanato – que, através das oficinas e projetos em conjunto com os artesãos, buscam a manutenção dessas práticas culturais e o consequente desenvolvimento e autonomia de seus membros. Por outro lado, há muitos atravessadores e aproveitadores que, dotados ou não de conhecimentos em design, usam o discurso de ajudar e desenvolver, e acabam por roubar ideias ou produzir linhas de produtos com lucro só para si, sem compartilhá-lo com a comunidade, o que gera desconfiança entre os artesãos, conforme verificado nas entrevistas com artesãos e nas pesquisas bibliográficas. Muitas vezes há má-fé dos designers ou dos empresários. Há casos de comunidades que têm uma repercussão de mídia significativa e os designers buscam tirar partido disso desonestamente (BORGES, 2011, p.151) Com isso em mente, Leonel (2010, p. 191) diz tornar-se necessário para o combate deste desequilíbrio a “efetivação de instrumentos protetivos que garantam a continuidade, bem como a identificação da cultura brasileira, numa perspectiva sustentável”. Ressaltamos que quando utilizamos a palavra proteção, não estamos propondo um tipo de protecionismo conservador, que alienaria a comunidade das interações externas, mas sim uma proteção de iniciativas que não visem ao desenvolvimento da comunidade, objetivando resguardar o próprio patrimônio cultural brasileiro, já que 60 entendemos que “os interesses de preservação e de desenvolvimento não são conflitantes entre si” (IPHAN, s/d), ou seja, este objetivo vai muito além da esfera projetual e estética, e penetra um campo de valoração e salvaguarda da cultura brasileira. Com o objetivo de preservar o capim dourado que, conforme mencionado anteriormente, foi reconhecido pela lei nº 2.186 de 14 de julho de 2009 como sendo bem de valor cultural e Patrimônio Histórico do estado do Tocantins, realizou-se um Inventário Cultural da Produção Artesanal com Capim Dourado de Mumbuca a partir da perspectiva de patrimonialização. O Inventário é uma das formas de proteção dos bens culturais que a Constituição Federal prevê no § 1º do artigo 216: “O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”. O inventário recebeu o nome de Capim Dourado – trançando a tradição e foi realizado pela Fundação Cultural do Tocantins e aprovado pelo Ministério da Cultura em dezembro de 2008, tendo o seu resultado entregue à comunidade da Mumbuca em setembro de 2010. Este projeto objetivou a produção de um conhecimento sistematizado acerca desse bem cultural que é o artesanato produzido com o capim dourado. Teve como centro de pesquisa a comunidade da Mumbuca, por ser o berço da prática. A cultura dos artesãos de Mumbuca, ao se espalhar pelo Jalapão e outras regiões do estado e do país, imprimiu uma marca ao Tocantins, tornando-se por força dessa impressão uma referência cultural para o estado, o seu patrimônio cultural (NAVES, 2010, p.3). Ainda pensando na adoção de instrumentos de proteção, como o caso do inventário realizado na comunidade da Mumbuca, o Decreto nº 3.551/10 exemplifica como sendo tarefas que permitem não só a sobrevivência do grupo detentor do saber sustentar-se economicamente, mas principalmente preservar sua identidade, de modo a poder transmitir esses saberes às futuras gerações. O decreto fornece embasamento jurídico a esta pesquisa que, através do design, estuda relações que proporcionem o desenvolvimento socioeconômico das comunidades artesãs e a manutenção de suas tradições. Nossa expectativa é de que, mesmo interagindo com áreas contemporâneas, como o design, elas preservem os traços que as identificam e caracterizam, voltando à ética do interferir sem ferir. 61 2.4 CULTURA MATERIAL O artesanato, como vimos, é considerado elemento do patrimônio cultural, agregando-se aos demais elementos que dão corpo à memória coletiva de um povo. Também é compreendido como patrimônio imaterial, além de estar sendo estudado como elemento que compõe a cultura material, no que tange o sistema sociocultural de determinada sociedade. O design e o artesanato estão integrados a essa categoria maior, a cultura material, e, portanto, representam valores sociais, econômicos e culturais de uma determinada sociedade humana (PAULA, 2012, p. 9). A expressão cultura material está relativamente difundida na história e, embora em menor grau, também em diversas ciências humanas. Nos primeiros vinte anos do século XX, a noção de cultura material completa o seu longo processo de maturação e toma realmente corpo, tornando-se quase indispensável em vastos sectores das ciências humanas, como a pré-história e certas formas de arqueologia que se alargaram consideravelmente (BUCAILLE e PESEZ, 1989, p.7). Segundo Rede (1996), a expressão cultura material é polissêmica e pode dar margem a ambiguidade: a polissemia deriva do fato de indicar tanto o objeto de estudo quanto uma forma de conhecimento (implicando uma proposta de método etc.). Essa ambiguidade, relacionada à definição ou conceituação do que seria a cultura material propriamente dita, existe desde os primeiros registros da expressão ou dos estudos da produção material de diferentes culturas. Quanto à sua origem, Cardoso (1998) aponta para os estudos etnológicos realizados pelos colonizadores europeus a respeito de povos considerados primitivos. A visão europeia adotava uma classificação da cultura material baseada no desenvolvimento das artes industriais dos países ditos “superiores” em relação às culturas primitivas. Com isso, o termo cultura material não era aplicado aos objetos produzidos pela própria cultura europeia. A expressão ‘cultura material’ era reservada para uma classe de objetos indignos mesmo de inserção no universo capitalista de compra e venda, cujo único valor para a sociedade moderna era o de curiosidade ou de objeto de estudo antropológico (ibid., p.21). 62 Com o avanço dos estudos nessa área, somando-se a vários outros analistas, Whewell (1851) acreditava ser possível verificar o progresso da civilização humana através do estudo da arte material dos vários povos. Esses estudos levaram ao surgimento da Academia de História da Cultura Material da URSS, em 1919, por um decreto de Lênin, marcando o reconhecimento institucional do termo. Esta data sanciona um facto relativamente novo, o ingresso oficial da noção no campo da história. O decreto de Lênin fala de história da cultura material; enquanto dantes as principais ciências humanas tinham participado na sua gestação, a cultura material, com instrumento intelectual acabado, passará a ser objeto de história (BUCAILLE e PESEZ, 1989, p.7). No período compreendido entre 1920 e a Segunda Guerra Mundial, o termo cultura material passa a ser de uso corrente na história, principalmente na França, em que seus historiadores dedicavam-se à “elaboração de uma história nacional que legitimasse o plano ideológico do novo Estado republicano e centralizado” (ibid., p.10) Na contracorrente, em 1929, Febrve e Bloch fundaram a Escola de Annales, a qual pode ser considerada responsável pela contribuição mais significativa aos novos estudos da cultura material e representou o movimento precursor da História da Cultura Material. Com os Annales, os estudos de cultura material distanciaram-se da abordagem tradicional da história das técnicas, restringiram-se finalmente ao papel de complemento à história das mentalidades (REDE, 2003, p.282). Essa nova forma de olhar a cultura material considerou também a existência de culturas diferentes, e não mais de culturas opostas ou inferiores. Atualmente, o estudo da cultura material não tem mais como objetivo diferenciar as sociedades civilizadas das sociedades selvagens, quando era comum o uso do termo artefato, mas sim entender melhor o papel dos artefatos em um mundo em que o consumo de mercadorias e o consumismo constituem-se em fenômenos da maior importância social e cultural (CARDOSO, 1998, p.22). Essa preocupação em descrever o papel das coisas materiais na sociedade moderna e, sobretudo a valorização da função sígnica dos objetos já era tratada no livro Le systéme des objets, (BAUDRILLARD, 1968). Esse viés proposto por Baudrillard estava intimamente ligado a uma abordagem semiológica da cultura material, entendendo que o “objeto é, antes de mais nada, um signo; a cultura material é um 63 sistema discursivo, e seu estudo, uma operação semiótica, identificando Baudrillard como o mais representativo autor dessa corrente” (REDE, 2003, p.285) Esses objetos aos quais Baudrillard se referia, segundo Prown (2000, p. 15) seriam o conjunto de “manifestations of culture through material productions”27. E Prown complementa: The underlying premise is that human-made objects reflect, consciously or unconsciously, directly or indirectly, the beliefs of the individuals who commissioned, fabricated, purchased or used them and, by extension, the beliefs of the larger society to which individuals belonged”28 (Ibid, p.15). Ou seja, os objetos fabricados, usados e trocados pelos indivíduos fazem parte da sociedade em que eles estão inseridos. Sendo assim, contam histórias e refletem o momento em que foram produzidos. Cultura material é apenas uma formulação muito restritiva dos múltiplos aspectos que compõem essa noção, e não abarca a sua totalidade: a cultura material é composta em parte, mas não só, pelas formas materiais da cultura. (BUCAILLE e PESEZ, 1989, p.7). Para entendermos melhor a cultura material, Bucaille e Pesez (Ibid, p. 13) dizem ser necessário evidenciar algumas características essenciais: 1. A cultura material pode ser definida, antes de tudo, como a cultura do grosso da população; 2. O estudo da cultura material dedica-se a observar, em vez da sucessão de fatos diversos, os fatos que se repetem suficientemente para serem interpretados como hábitos, tradições reveladoras da cultura que se observa; 3. Constituem um dos domínios mais evidentes e característicos dos estudos sobre a cultura material os fenômenos infraestruturas (segundo a terminologia marxista); 4. Estudar a cultura material significa atribuir importância causal, nos fatos culturais, aos limites materiais que devem ter em conta. Ou seja, para os autores, a cultura material é o conjunto de objetos concretos, produzidos e usados pelo coletivo, com ocorrência constante e estável, para poderem caracterizar o modo de vida e os valores do grupo social estudado. 27 Manifestações culturais através de produções materiais (tradução nossa) 28 A premissa fundamental é que os objetos construídos pelo homem refletem, consciente ou inconscientemente, direta ou indiretamente, as crenças dos indivíduos que os encomendaram, fabricaram, compraram ou utilizaram. E, por extensão, as crenças da sociedade à qual pertenceram esses indivíduos (Ibid, p.15, tradução nossa) 64 Feito com as mãos, o objeto artesanal guarda impressas, real ou metaforicamente, as impressões digitais de quem o fez. Essas impressões não são a assinatura do artista, não são um nome; também não são uma marca. São mais bem um sinal: a cicatriz quase apagada que comemora a fraternidade original dos homens (PAZ, 2006, p.6) A expressão cultura material, como vimos, teve seu nascimento mais ligado ao campo da arqueologia e da antropologia. Entretanto, várias áreas do conhecimento, hoje, a reconhecem como instrumento de estudo. Segundo Rede (2003), a cultura material é estudada e usada como instrumento de estudo sob duas perspectivas; a primeira seria uma perspectiva histórica, demonstrando as formas de interação entre as sociedades e sua cultura material; e a segunda insere a cultura material no processo historiográfico de produção de conhecimento, figurando como fonte documental. Para estudar a produção material de uma cultura sob uma perspectiva histórica, Wright (1993, p.245) fala da importância da contextualização desses objetos: “centralizar a análise em objetos em movimento em contextos de produção e consumo, mais do que objetos isolados, permitiria um melhor entendimento da dinâmica social do grupo envolvido”. Fazendo isso, podemos refletir, por meio do objeto, sobre a estrutura social de seu contexto de fabricação e uso. “Os artefatos consistem em testemunho material de uma determinada sociedade, ao retratar modos de vida e revelar múltiplas expressões culturais” (Velthem, 1998, p.21). Os objetos/artefatos se transformaram em ícones representantes de determinadas características de uma época ou de uma cultura, e conforme ressalta Csikszentmihalyi (1993), representaram papéis diferentes ao longo do tempo, inclusive como demonstradores de poder e distinção social. O autor (ibid.) ainda estabelece os aspectos psicológicos das relações entre homens e coisas, ressaltando a função dos artefatos na construção simbólica do processo de formação histórica do indivíduo. Antes de prosseguirmos, faz-se necessária a conceituação de artefato, utilizada largamente neste estudo. Segundo Nunes (2006), a natureza é composta de coisas brutas e organismos animados; no âmbito artificial, estão localizados os objetos ou artefatos, os quais surgem de uma ação gerada pela necessidade humana. 65 Cardoso (2008, p.21) diz que mais correta que o uso da palavra objeto no contexto atual seria a palavra artefato, a qual “se refere especificamente aos objetos produzidos pelo trabalho humano, em oposição aos objetos naturais ou acidentais”. O termo artefato abrange diversas categorias de objetos, tecnológicos e industriais, a artísticos e artesanais, independente da função, utilidade ou valor simbólico, além de que uma cultura se constitui de um determinado conjunto de artefatos, relacionados por critérios de contiguidade temporal, geográfica, étnica ou de uso (ibid., p.22). Retomando o significado simbólico dos artefatos dentro do estudo histórico da cultura material, podemos perceber que, na sociedade moderna, o uso ou o acúmulo de artefatos como demonstrativos de status ou poder se tornou uma constante. A sociedade moderna se caracteriza pela proliferação de bens e de circuitos, cuja definição passa justamente pela distinção: os critérios históricos ou geográficos, a tradição, a produção de origem controlada, são mobilizados para conferir um estatuto distinto ao objeto (REDE, 2003, p. 287) Essa atitude de reconhecer nos objetos qualidades abstratas que não possuem se configura como “fetichismo dos objetos”, o que, segundo Rede (1996) seria o ato de transferir qualidades orgânicas (biológicas ou sociais) aos objetos que, por definição, possuem apenas propriedades físico-químicas. Para Miller (1987, p.143), o fetichismo consiste em “privilegiar os objetos no lugar das pessoas”. Para Cardoso (1998), o fetichismo funciona ao mesmo tempo como atribuição de valores subjetivos ao objeto e como apropriação de valores subjetivos representados pelo objeto (ou nele embutidos). Assim, ao falar dos aspectos materiais da cultura (material), torna-se necessário falar também da imaterialidade que lhes confere existência e distinção. É justamente por não se limitarem aos seus ingredientes materiais que as coisas têm um papel que excede ao de quadro físico da vida social. O universo material não se situa fora do fenômeno social, emoldurando-o, sustentando-o. Ao contrário, faz parte dele como uma de suas dimensões e compartilhando de sua natureza, tal como as ideias, as relações sociais, as instituições (REDE, 1996, p. 274). Passamos agora à segunda perspectiva de estudo da cultura material proposta por Rede (2003), situada no nível historiográfico e que faz da cultura material uma fonte documental. 66 Segundo Lubar e Kingery (1993), existe uma resistência ao uso da cultura material como fonte documental, predominando ainda o uso dos documentos escritos. E mesmo quando a cultura material é utilizada como fonte documental, ela fica dependente da confirmação por textos escritos. Para Bucaille e Pesez (1989, p.25), os artefatos ou objetos concretos são a forma mais segura de estudo: É indispensável o conhecimento simultâneo dos objetos materiais – as suas dimensões, formas, matéria e, indiretamente, os seus modos de fabricação – e a sua proveniência exata, de modo a reconstruir ou explicar o ambiente que os originou. Com uma linha de pensamento semelhante, Prown (2000) reflete que os artefatos permitem um contato direto com a cultura estudada, sem a intermediação do entendimento do observador. Pela sua própria materialidade, os objetos perpassam contextos culturais diversos e sucessivos, sofrendo reinserções que alteram sua biografia e fazem dele uma rica fonte de informação sobre a dinâmica da sociedade (REDE, 1996, p.276). Nas discussões sobre o uso da cultura material sob um ou outro aspecto, a solução que parece viável, segundo Rede (ibid.), está na interação mútua e no controle recíproco: Uma solução consistente ao problema da inserção da cultura material no processo de produção do conhecimento histórico não poderá partir da defesa de sua superioridade ou da exclusão dos documentos escritos, e sim apontado para uma perspectiva de informações provenientes dos dois campos de análise (ibid., p. 277). Enfim, torna-se necessário entender que a cultura material tem uma dimensão mais ampla e diversificada do que objetos e artefatos, podendo ser observada também como um fenômeno social. 67 2.5. CONSUMO DE VALORES SIMBÓLICOS Passaremos agora a pensar sobre o consumo como aspecto da cultura material, conforme apontado por Miller (2007) e Baudrillard (1997), como representação das estruturas de significação da sociedade capitalista. Seja o bem cultural de natureza material ou imaterial mais do que simplesmente garantir a preservação da memória das tradições formadoras de uma identidade nacional, o que se quer hoje é reconhecer a existência de múltiplas identidades, e gerar, a partir da patrimonialização, perspectivas de inserção econômica, num imbricamento cada vez maior entre patrimônio e mercado (BELAS, 2008, p.4). Neste tópico, enfatizaremos a dimensão simbólica do consumo que se torna verdadeira prática ritual e representa a organização social e o universo simbólico dessas sociedades, pois, conforme Baudrillard (1997, p.206) [...] o consumo é um modo ativo de relação (não apenas com os objetos, mas com a coletividade e com o mundo), um modo de atividade sistemática e de resposta global em que se funda todo o nosso sistema cultural [...]. O consumo, pelo fato de possuir um sentido, é uma atividade de manipulação sistemática de signos. Esse modo ativo de relação de que nos fala Baudrillard sugere que o consumo é o deslocamento das relações interpessoais para a representação delas próprias por meio dos objetos (apresentado no tópico anterior como o fetichismo dos objetos). O indivíduo não consome a materialidade do produto (razão pela qual o aspecto funcional dos produtos de grandes marcas é menos importante do que seu valor de representação), mas os significados que, por intermédio do produto, geram um conluio social em torno de valores compartilhados pela sociedade capitalista. Os artefatos artesanais são objetos repletos desses valores compartilhados pela sociedade, e o crescimento do interesse por esse segmento gera preocupação no sentido de [...] encontrar um meio sustentável de preservar e incentivar a diversidade cultural, mantendo certo equilíbrio na correlação de forças entre: as populações tradicionais portadoras de saberes e práticas culturais; os agentes da economia de rede global interessados em transformar bens culturais em bens de consumo; e os consumidores que cada vez mais valorizam produtos com componentes étnicos e/ou ecológicos (BELAS, 2008, p. 8). 68 Poucos anos atrás, a opinião geral era de que os artesanatos estavam condenados a desaparecer, deslocados pela indústria. “Hoje ocorre precisamente o contrário: para o bem ou para o mal, os objetos feitos com as mãos já são parte do mercado mundial” (PAZ, 2006, p. 10). Fruto da globalização, o mercado mundial impõe um viver, um sentir, um pensar cada vez mais parecido e comum. Nesse sentido, a valorização da diversidade cultural constitui um bem de incomensurável valor, como diz Semprini (2010), que A padronização da produção industrial leva inevitavelmente a produtos mais homogêneos, mais banais [...] e que esse excesso de formatação e de padronização acabou criando soluções alternativas: o turismo verde, a frequência em lugares rurais em progressão constante. (ibid., p. 83) Com o processo de globalização influenciando todos os aspectos da vida humana, a questão cultural surge como um importante elemento dessa dinâmica. Nesse sentido, o mercado vai impondo elementos da cultura de massa, indispensáveis à expansão das formas de globalização econômica, financeira, técnica e cultural (SANTOS, 2001, p. 143). A questão cultural torna-se mais visível, assim como a preocupação com a sua proteção e continuidade. Nessa linha de pensamento, trabalhos de interação do design com o segmento do artesanato também buscam formas possíveis de inserção do artesanato no mercado contemporâneo. Para Silva (2007, p.1), [...] o artesanato possui valores simbólicos e de identidade cultural que vêm sendo resgatados e inseridos na sociedade como elementos de diferenciação, gerando crescente demanda por produtos artesanais. Ou seja, a utilização do artesanato como um diferencial na indústria do consumo vem ganhando força, conforme aponta Silva (ibid.), ao afirmar que a valorização do artesanato como objeto de consumo passa a ser, ao mesmo tempo, uma fórmula contra o risco de extinção da atividade e uma forma de satisfação do desejo gerado na sociedade pós-industrial. Essa volta dos olhares a produtos artesanais já era entendida por Canclini (1983) como uma forma de expressar a recusa de uma sociedade mecanizada e a capacidade de ela “escapar” mediante a aquisição de peças singulares elaboradas à mão. 69 O artesanato supre uma lacuna deixada pela produção industrial, que é a lacuna da identificação e da individualização simbólica dos objetos diante do grupo ao qual o indivíduo que consome artesanato pertence. (BARROSO, 2002, p.10) E como estamos falando de uma configuração pós-moderna, Semprini (2010, p.37) comenta que [...] não se pode esquecer que o espaço social pós-moderno é, por definição, dominado pelo imaterial, pelos conflitos de significados, pelas construções simbólicas e discursivas. Segundo Canclini (1983), o artesanato traz consigo toda essa expressão e o fascínio simbólico explorado pelo capitalismo. Dessa forma, cada vez mais, enfatiza-se o diferencial em termos culturais do produto artesanal, que lhe confere qualidade e uma distinção que se converte em vantagem competitiva frente ao mercado consumidor, ao contrário dos produtos industriais, que são “instrumentos exatos, serviçais, mudos e anônimos” (PAZ, 2006, p.4). Ou seja, entramos num momento em que os valores culturais tornam-se o próprio diferencial para o desenvolvimento econômico de uma sociedade, porque seus valores e conhecimentos são únicos e farão a diferenciação desta sociedade em um contexto globalizado. Segundo Borges (2009), diante do avanço da globalização e da desterritorialização, o mundo passa por momentos de perda de identidade, de descaracterização. Consequentemente, aumentou a necessidade de o homem pertencer a um lugar específico no mundo que o defina. E ele busca, cada vez mais, por objetos típicos gerados no decorrer do tempo, pela região com a qual ele se identifica. Semprini (2010) afirma que uma marca com identidade forte e definida será mais valorizada socioculturalmente; e assegura que é a identidade de uma marca que o público conhece, reconhece e aprecia. Através dessa busca por uma identidade que seja reconhecida pelo público, a cultura cada vez mais tem surgido como opção para a diferenciação das marcas. Os olhares se voltam a características e produtos nacionais, como o artesanato que, segundo Borges (2009, p.64), [...] exprime um valioso patrimônio cultural acumulado por uma comunidade ao lidar, através de técnicas transmitidas de pai para filho; por tudo isso, ele acaba se tornando um dos meios mais importantes de representação da identidade de um povo. 70 E afirma ainda, que há uma valorização dos chamados ‘produtos étnicos’, objetos feitos à mão nos mais longínquos países e presentes nas lojas sofisticadas de Nova Iorque e Milão, onde se veem os últimos lançamentos do design internacional (Ibid). Mais do que simplesmente inovações nos produtos, hoje, essa inovação na marca, como qualquer outra manifestação social em um contexto pós-moderno, tem um obrigação de sentido. Uma forma de inovação crucial para o desenvolvimento das marcas contemporâneas está ligada a uma interpretação correta das tendências socioculturais do momento. Uma tendência sociocultural atual é a chamada MarcaPaís (SEMPRINI, 2010, p.35). A existência de uma marca nacional que destaque e identifique bons produtos e serviços pode ser usada como estratégia. Este caminho foi feito por diversos países, como vemos a seguir: No mundo inteiro, a Itália é reconhecida por seu design, a França, por sua moda e perfumes, a Suíça, pela precisão de seus relógios. Se estes países utilizaram seus valores culturais para destacarem-se no mundo dos negócios, podemos nos valer destes sucessos como referências para tornar a brasilidade um bem econômico valioso. (SEBRAE, 2002, p.8) A marca-país, o made in escrito nas etiquetas, passa a ter um papel muito importante nesse nicho de mercado que busca distinção e um sentimento de pertencimento em um mundo de fronteiras tão invisíveis como este em que vivemos. Os programas de desenvolvimento social voltados para a preservação do “fazer artesanal” estão sendo fortemente disseminados na sociedade pós-industrial. Esses projetos visam ao desenvolvimento sustentável dos artesãos com base na formação de cooperativas e associações. E podem partir de iniciativas do governo, ou de organizações não governamentais (ONGs) e até de empresas privadas. Por outro lado, a existência de uma imagem nacional que destaque e identifique bons produtos e serviços pode ser usada como estratégia para conquista de mercados. Valorizar e difundir o patrimônio cultural e humano está sendo um método largamente utilizado para marcar a identidade local como uma forma de marketing. O Made In Brasil, por exemplo, é um dos mecanismos emergentes para a valorização da identidade local como resposta às tendências globalizantes (CANCLINI, 1983, p.51). Percebe-se então que ferramentas estratégicas de valorização cultural e de lugar aplicadas nas relações entre design e artesanato podem apresentar novas formas de participação do artesanato, em sintonia com a diversidade cultural e com o mundo globalizado; mais do que isso, 71 [...] essas iniciativas desenham um contexto demandante de crescente protagonismo dos detentores de bens culturais, para além do simples papel de beneficiário de políticas sociais ou vítimas de apropriação (BELAS, 2008, p.11). Trata-se de um processo constante de apreensão e reinvenção do significado cultural, econômico e político da produção artesanal no qual o designer, após conhecer, reconhecer e identificar esses processos e características do artesanato, pode sugerir procedimentos ou inserções na produção artesanal os quais, de alguma forma, contribuam para que os artesãos encontrem e firmem seu lugar num mundo feito à máquina. Neste capítulo, trouxemos uma visão política e histórica dos artefatos que compõem nossa cultura e nossa cultura material, ressaltando a importância dos bens culturais materiais ou imateriais para a constituição do patrimônio, e sua inclusão na Constituição Federal de 1988, que apresentou uma nova visão e alcance dos significados dos bens culturais e dos artefatos culturais. Passamos a entender os artefatos como parte importante de nossa cultura material e de nossa história. Dessa forma, para preservar comunidades tradicionais artesãs e sua produção material, o trabalho – seja de designers ou não – perpassa o universo estético, aproximando-se de questões de preservação de fontes históricas. A comunidade Mumbuca, através de sua produção material, desde a confecção dos primeiros artefatos utilitários para o dia-a-dia até o momento de inclusão de novos objetos e conceitos de design, apresenta fatores importantes do seu desenvolvimento social, já que entendemos que os artefatos são “plenos de significados e vão além de sua utilização, pois carregam consigo uma história social” (Velthem, 1998, p.21). Estudos de cultura material trabalham através da especificidade de objetos materiais para, em última instância, criar uma compreensão mais profunda da especificidade de uma humanidade inseparável de sua materialidade (MILLER, 2007, p.47). Nessa perspectiva de produção de artefatos, é verossímil compreender a relação do design com a cultura material, já que, segundo Cardoso (1998), na sociedade industrial, o design representa um sítio privilegiado para a geração de artefatos e constitui, grosso modo, a fonte mais importante da maior parte da cultura material, sendo possível 72 também, por seu intermédio, entender melhor o papel desses artefatos num mundo em que o consumo de mercadorias constitui um fenômeno de grande importância social e cultural, sendo também esse entendimento um atributo da cultura material. Essa parece ser justamente uma das características do design: a de materializar ideais, valores e conceitos, configurando-os através de objetos utilitários, correspondentes às mais diversas necessidades, demandas e anseios sociais (CIPINIUK; PORTINARI, 2008, p.65). Mais do que materializar ideais ou mesmo ideias, o design passa a figurar como ferramenta no processo de atribuir valores simbólicos aos artefatos que produz, numa perspectiva ligada ao fetichismo do objeto, que tem se expandido no mercado consumidor, o qual busca produtos culturalmente diferenciados e que evoquem emoções como apego, pertencimento e raízes, em contraponto aos objetos massificados pela globalização. Essa corrente de consumo de valores simbólicos vê no artesanato tradicional um campo vasto de simbologias e signos capazes de preencher as lacunas deixadas pelo objeto industrial, que tendeu a desaparecer como forma e a confundir-se com sua função. Os artesanatos pertencem a um mundo anterior à separação entre o útil e o belo. [...] O artesanato é uma mediação: suas formas não estão regidas pela economia da função, mas pelo prazer, que sempre é um gasto e não tem regras. O objeto industrial não tolera o supérfluo; o artesanato se satisfaz nos adornos. [...] O objeto artesanal satisfaz uma necessidade não menos imperiosa que a sede e a fome: a necessidade de recrear-nos com as coisas que vemos e tocamos, quaisquer que sejam seus usos diários (PAZ, 2006, p.6). Enfim, entende-se que, ao estudar e desenvolver pesquisas acerca da interação entre o design e o artesanato, com vistas à continuidade desses processos de produção de artefatos carregados de historia e de valores simbólicos, acessa-se uma esfera mais ampla do que o mero entendimento dos desdobramentos entre design e artesanato – que seria a compreensão da própria sociedade moderna da qual fazemos parte e que, segundo Baudrillard (1997, p.206), configura-se como um “sistema de objetos”. Por isso, faz-se necessário “abordá-la pelo estudo dos objetos que a constituem” (CARDOSO, 1998, p.22). 73 O artesanato não nos conquista unicamente por sua utilidade. Vive em cumplicidade com os nossos sentidos; é daí que seja tão difícil desprender-nos dele. É como por um amigo na rua. (OCTÁVIO PAZ, 2006) 74 CAPÍTULO 3 – DESIGN E ARTESANATO: O CAPIM DOURADO DA MUMBUCA Neste capítulo, trataremos da pesquisa de campo e do estudo de caso em si, abordaremos desde os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa até os estudos relativos à situação da comunidade Mumbuca, como remanescente quilombola, sua relação com o artesanato de capim dourado e, por fim, as interações de design estabelecidas na comunidade. Antes de iniciarmos esses relatos dos estudos desenvolvidos na pesquisa de campo, faz-se necessário demonstrar os procedimentos metodológicos usados ao longo da pesquisa e, principalmente, aqueles utilizados em campo, para melhor compreensão do que será apresentado adiante. 3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A metodologia de pesquisa adotada foi de caráter exploratório e descritivo, baseada em estudo de caso, com análise comparativa por procedimentos qualitativos. O embasamento inicial deu-se pela pesquisa bibliográfica, além do trabalho de campo junto a artesãos que usam o capim dourado na produção de artefatos. Este estudo começou na pesquisa para o trabalho de conclusão do Bacharelado em Design de Moda, embora de forma menos abrangente e mais direcionada a perceber o processo de moda e seus desdobramentos, associados ao artesanato de capim dourado e seu papel social no desenvolvimento da comunidade, no intuito de criar uma linha de produtos de moda que agregasse valores simbólicos e sociais. Para tanto, foi realizada observação informal, bem como entrevistas semiestruturadas, o que concedeu um primeiro contato. Deste trabalho realizado, retomou-se o contato para a continuidade da pesquisa no mestrado. O retorno a campo propiciou outros olhares e a realização da observação participante29, que resultou em um estudo mais próximo da realidade da comunidade e 29 “A observação participante se distingue da observação informal, ou melhor, da observação comum. Essa distinção ocorre na medida em que pressupõe a integração do investigador ao grupo investigado, ou seja, o pesquisador deixa de ser um observador externo dos acontecimentos e passa a fazer parte ativa deles” (BONI; QUARESMA, 2005, p. 71). 75 mais consistente, pela inserção de conceitos antropológicos. Isto se tornou salutar, principalmente, na pesquisa de campo, quando nos deparamos com a seguinte questão: Saber ouvir, escutar, ver, fazer uso de todos os sentidos. É preciso aprender quando perguntar e quando não perguntar, assim como que perguntas fazer na hora certa [...]. As entrevistas formais são muitas vezes desnecessárias, devendo a coleta de informações não se restringir a isso. Com o tempo, os dados podem vir ao pesquisador sem que ele faça qualquer esforço para obtê-los (WHYTE, 2005, pp. 303-304). Nesse momento da pesquisa, foram realizadas entrevistas informais, não estruturadas e semiestruturadas, filmagens e a produção de fotografias, que contemplaram a coleta de história oral, de vida e de depoimentos dos artesãos da área de estudo. As entrevistas e/ou gravações das narrações foram feitas de modo a dar liberdade para os entrevistados discorrerem livremente sobre o assunto. Porém, foram incluídas perguntas sobre a inserção do design na comunidade e das oficinas realizadas, fortalecendo a abordagem da problemática central do estudo. Trabalhar com história oral é ter a compreensão de que essas fontes nos informam mais sobre o significado do que sobre os acontecimentos. Através delas, informamo-nos não só sobre os fatos, mas sobre aquilo que eles significam para quem os viveu e os reconta; não só sobre o que as pessoas fizeram, mas sobre o que queriam fazer, creem que podiam fazer, creem que tenham feito e sobre as motivações, juízo e racionalizações (PORTELLI, apud VELÔSO, 2005, p.27) A definição da metodologia adotada para este estudo veio pela luz da Antropologia, como dito anteriormente, e balizada pelo Design. Optar por realizar um estudo de caso com observação participante do cotidiano dos artesãos possibilitou criar laços de confiança entre a pesquisadora e os pesquisados, e ter uma compreensão mais profunda de sua realidade, o que só foi possível pela vivência e convivência durante a estada na comunidade, atendendo ao tipo de pesquisa qualitativa adotada neste trabalho. A pesquisa de campo foi realizada no mês de julho/2011, durante um período de dez dias em que estive acampada na comunidade, acompanhando sua rotina. A seleção dos entrevistados tomou por base principalmente o vínculo com a produção artesanal. Foram entrevistados artesãos envolvidos diretamente com a causa da comunidade, como a presidente da Associação dos Artesãos da Mumbuca. Priorizaram-se, na seleção, entrevistados de faixas etárias diversas, possibilitando obter inúmeros pontos de vista sobre o assunto, desde a artesã mais velha da comunidade – a 76 matriarca – até a artesã de 21 anos, responsável pelo grupo mais jovem. No intuito de preservar a identidade dos artesãos, seus nomes serão suprimidos e sujeitos à identificação ‘artesã/artesão’. A comunidade escolhida para estudo de caso foi a Mumbuca. Isto se deu pelo fato de ser ali o berço do capim dourado e, apesar de todas as intervenções, ainda conservar os traços tradicionais de seu artesanato, o que não ocorre com frequência nas outras comunidades do Parque. A opção por um estudo de caso derivou do propósito de mostrar, por meio da pesquisa de campo, a visão dos artesãos acerca da sua situação sociocultural e econômica, além de entender o artesanato hoje produzido pela comunidade, com toda a problemática de matéria-prima e preservação da tradição. 3.2 O PARQUE ESTADUAL DO JALAPÃO Meio ambiente, homem e cultura são conceitos que se acham intimamente relacionados, em interações recíprocas e dinâmicas. (AGUINAGA, 2006, p.1) Em 12 de janeiro de 2001, foi criado o Parque Estadual do Jalapão (PEJ)30, que inseriu parte da região em uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, restringindo o uso e exploração dos recursos naturais, e admitindo apenas o aproveitamento indireto de seus benefícios. Compreende uma área de 53.341km2, distribuídos em 15 municípios, com densidade populacional extremamente baixa, correspondendo a menos de um habitante por quilômetro quadrado (SOUZA-JÚNIOR et.al, 2002). Apresenta uma situação comum a outras partes do mundo, onde áreas de elevada biodiversidade estão associadas à pobreza da população humana residente (MARSHALL; NEWTON, 2003). O objetivo da criação do Parque, segundo a lei n° 1.203 que o rege, é A proteção desse ecossistema frágil, coberto por uma extensa área de cerrado ralo e campo limpo com veredas, bem como a fauna a ele associada. É o maior Parque do estado, cuja posição é estratégica como elo de continuidade entre as áreas protegidas pela APA do Jalapão, Estação Ecológica da Serra Geral e Parque Nacional das Nascentes do Parnaíba, formando um mosaico de Unidades de Conservação e garantindo o fluxo genético entre as populações silvestres. Essa característica é seu principal atributo, 30 Lei nº 1.203, 2001 – Cria o Parque Estadual do Jalapão (ANEXO 2) 77 na medida em que garante a manutenção da biodiversidade dessa extensa área de cerrado ainda bem conservado, talvez uma das últimas áreas de Cerrado nessas proporções. (GOVERNO do estado do Tocantins, 200831) É nessa área que se localiza a comunidade da Mumbuca. Segundo o Plano de Manejo do PEJ (2003), a área do parque nos moldes atuais representa evidente incompatibilidade legal no que se refere à permanência da Mumbuca e das demais comunidades residentes. Além da proibição do uso das terras da reserva para produção de sua subsistência, coloca entraves significantes à continuidade e sobrevivência delas na região. Por meio de audiências públicas, a comunidade vem tentando solucionar este problema de estar dentro de uma área de preservação ambiental, e já solicitou que sua área territorial seja delimitada fora dos limites do parque, uma vez que sua inscrição na área do parque significa não poder plantar, criar animais ou até mesmo colher o capim dourado e o buriti – matérias primas com as quais o grupo produz o artesanato, sua principal fonte de renda. Essa incompatibilidade fez também com que recorressem à Constituição Federal de 1988, que reconhece o direito à propriedade definitiva das terras ocupadas por comunidades quilombolas32. 3.3 REMANESCENTES QUILOMBOLAS Segundo dados do IBGE, pouco menos de três mil remanescentes de quilombos vivem no estado do Tocantins. Nos últimos anos, a Fundação Palmares reconheceu 15 comunidades quilombolas. A comunidade Mumbuca foi reconhecida no ano de 200633, e o processo para a titulação das terras se encontra em andamento junto ao INCRA. 31 Parque Estadual do Jalapão. Disponível em <http://areasprotegidas.to.gov.br/conteudo.php?id=40> Acesso em ago/2012 32 O artigo nº 68 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) declara: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. 33 Portaria nº2, de 16 de Janeiro de 2006, reconhece a comunidade Mumbuca como remanescente de quilombos (ANEXO 3) 78 Criada em 1988, a Fundação Cultural Palmares é uma instituição pública vinculada ao Ministério da Cultura, com a finalidade de promover e preservar a cultura afro-brasileira, sendo o primeiro órgão federal criado para tal objetivo. O decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o artigo nº 68 do ADCT. Segundo o § 1º deste decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da comunidade junto à Fundação Palmares, a qual expedirá a certidão que reconhece sua origem quilombola. Isso dará início ao processo para titulação das terras pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário através do INCRA. Emitida essa certidão pela Fundação Palmares, o processo que se sucede é longo e exaustivo: um processo administrativo realizado pelo INCRA, o qual se concretiza no Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), reconhecendo o território quilombola e a situação fundiária da terra. A produção do RTDI conta com a participação da comunidade quilombola interessada, e ele é composto de Relatório Antropológico, Levantamento Fundiário, Planta e Memorial Descritivo, Cadastramento das Famílias Quilombolas, Levantamento da eventual sobreposição a unidades juridicamente protegidas e Parecer Conclusivo da Área Técnica e Jurídica sobre a proposta de área a ser titulada, nos termos dos artigos 6º e 7º do Decreto nº 4.887/2003. O dossiê resultante será analisado pelos órgãos competentes, podendo ser aprovado ou não. Esse caminho de conquista e reconhecimento se iniciou com a carta constitucional de 1988 que confirmou a existência de um Estado pluriétnico no Brasil, reconhecendo e garantindo as diferenças étnicas, conforme o artigo nº 68 do ADCT, que serviram também para ampliar o conceito de quilombos, entendidos anteriormente apenas como grupos de escravos fugidos, negligenciados e colocados à margem da sociedade. Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida (Art. 2º do Decreto nº 4.887/2003). 79 A questão da autoatribuição a que o artigo se refere é importante nesse processo, na medida em que a comunidade, para ser reconhecida, precisa primeiramente se reconhecer como remanescente de quilombos e deixar (re)nascer sentimentos de pertença e evocação das raízes históricas e negras, como aponta Merlo (2005, p.53) [...] para terem suas terras reconhecidas e legitimadas pelo Estado precisam passar por um processo de autoidentificação como remanescente de quilombos; isto se faz presente não só na prova de que são afrodescendentes, mas no fato de que permanecem com uma identidade cultural. Aqui não é só o território que comprova o “ser quilombola”, mas, sobretudo o se sentir quilombola [...] Essas comunidades tradicionais, como a Mumbuca, detêm características culturais próprias e peculiaridades que as distinguem umas das outras, bem como de toda a sociedade circundante, e constituem patrimônio cultural brasileiro, segundo o artigo nº 216 da Constituição Federal, por ostentarem “referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, nesse caso, os negros. 3.3.1 Avanços e Conflitos Se por um lado, o reconhecimento como parque é bom para a manutenção do ecossistema, por outro tem dificultado a vida das comunidades tradicionais da região do Jalapão, que vêm lutando para conseguir a titulação de suas terras junto ao INCRA, já tendo sido reconhecidas pela Fundação Palmares como remanescentes quilombolas e possuindo o direito de permanecer nas suas terras. Essa situação de conflito entre a criação de parques e a permanência de comunidades tradicionais em suas terras não acontece apenas no Jalapão; é uma situação mais comum do que deveria, incompatível com o artigo nº 68 da Constituição Federal de 1988, como diz Merlo (ibid., p. 186): O fato de a Constituição Federal, de um dia para o outro, reconhecer a existência dos territórios negros não trouxe efetivas garantias quanto à titulação de muitas propriedades quilombolas. Há todo um processo longo, exaustivo e que em vários momentos os obriga a enfrentar oposições à posse ou à reintegração das terras. A demora nos processos de titulação das terras é outro fator agravante dos conflitos gerados com o estabelecimento do PEJ; depois de 12 anos da criação do Parque, ainda não existe nenhuma comunidade quilombola com área titulada. 80 Em 2010, o Movimento Estadual dos Quilombolas procurou o Ministério Público Federal para resolver esse impasse, e com isso, foi criado o Fórum Permanente de Acompanhamento da Questão Quilombola no estado do Tocantins. O objetivo do fórum é encontrar um modo de conciliar a conservação ambiental com a sobrevivência e manutenção dos modos de vida desses povos. Temos que encontrar um modo de conciliar nossa sobrevivência, que vem de longa data, com a legislação ambiental, mas não sairemos da terra onde nascemos e vivemos (Ana Cláudia, moradora da Mumbuca – informação verbal). Segundo o Procurador da República, o governo do estado errou ao criar o PEJ sem um estudo prévio das áreas ocupadas – “o Estado não pode impedir que as comunidade exerçam seu modo de vida, isso é direito delas”. (MANZANO, 2010) Atualmente, o processo da comunidade da Mumbuca está em aberto junto ao INCRA, o qual, em parceria com a Universidade Federal do Tocantins – UFT, está realizando os laudos antropológicos iniciados em março de 2012. Segundo o site do Ministério do Desenvolvimento Agrário, O laudo antropológico é peça do processo administrativo de regularização dos territórios quilombolas e integra o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), composto ainda por laudo agrônomo e memorial descritivo da área, que serão executados por servidores do INCRA. O relatório determina a área do território de cada comunidade quilombola e é fundamental para assegurar a titulação para as famílias (MDA, 2012). É preciso salientar que o ecossistema inclui também as pessoas, e que a preservação do meio ambiente não pode acontecer em detrimento dos seres humanos. Toda essa luta tem feito com que os integrantes das comunidades se unam e busquem não só seus direitos, mas também respeito e dignidade, e compreendam a necessidade de se organizarem por um objetivo comum. [...] percebem a importância de seguir com as novas autodenominações, para conquistar as terras, o direito ao plantio e a dignidade. Se antes se organizaram em associações para lutar contra a especulação fundiária e a indústria turística, depois se denominaram comunidade tradicional para reivindicar o direito ao plantio e à extração de gêneros diversos necessários à existência dentro da área de reserva, agora se reconhecem como remanescentes de comunidade de quilombo para legitimarem suas posses e obterem a titulação. Isso só demonstra a consciência e a resistência dessa gente aberta às mudanças para se preservarem na terra que é sua (MERLO, 2005, p.230). 81 De fato, essas conquistas só têm se tornado realidade devido às iniciativas do movimento negro, que lutou pelo cumprimento do preceito constitucional. De certa forma, isso acabou contribuindo para o reconhecimento de sua própria existência. 3.4 A COMUNIDADE MUMBUCA A comunidade Mumbuca, escolhida para a pesquisa deste estudo, é remanescente quilombola resultante da miscigenação entre índios e negros, situada no município de Mateiros, região do Jalapão, no leste do estado do Tocantins. Essa miscigenação é frequente entre comunidades quilombolas, como cita Gomes (PINSKY; PINSKY, 2005, p.450): Não raras vezes no Brasil, existiram relações interétnicas, envolvendo populações indígenas com populações escravas africanas e seus descendentes. Em varias regiões do Brasil, assim como das Américas – para além dos conflitos e confrontos – escravos fugindo aliaram-se a grupos indígenas, formando inclusive pequenas comunidades. A comunidade recebeu esse nome por causa de uma espécie de abelha da região: “Era a abelha que mais encontrava aqui nesse período desse chão aqui, nesse local aqui, era Mumbuca e aí ele ficou Mumbuca” (Artesã, 2009 – informação verbal). A ocupação iniciou-se no começo do século passado, por volta do ano de 1909, quando a região ainda era parte do estado de Goiás. Desde então, há quase 100 anos, a comunidade tem construído seu espaço, cultura e atividades. É matriarcal e mantém vivos os traços de sua organização social e tradições e abriga cerca de 230 pessoas. Suas atividades são basicamente a agricultura de subsistência e a produção de artesanato com o capim dourado, o que levou também ao trabalho com turismo, visto que a região do Jalapão se tornou conhecida por esses artefatos e suas belezas naturais. Segundo depoimentos dos moradores, por muito tempo, a maior parte da população se mantinha isolada, o contato com outras comunidades era esporádico, principalmente por estarem situados em um local de difícil acesso. A comunidade começou a ter visibilidade pela expansão da produção artesanal do capim dourado, que 82 passou a ser reconhecido no início dos anos 90. Mesmo assim, esse contato não causou o abandono nem de suas terras, nem de suas tradições. 3.5 O ARTESANATO DE CAPIM DOURADO A produção artesanal começou na região há cerca de 100 anos, através dos ensinamentos de índios Xerentes 34 locais, que deixaram para alguns moradores a técnica de trançar fibras naturais, principalmente o buriti, abundante na região (informação verbal colhida na pesquisa de campo e confirmada por Schmidt, 2005). Da herança indígena, a produção das peças em capim dourado conserva o ponto da costura, chamado pela comunidade de “costura do capim”. Segundo Munduruku35 (Naves, 2010, p.17) O ponto usado no capim dourado, nas costuras dos Xerentes e na costura dos Karajá quando eles fazem os trançados é o mesmo ponto que nós chamamos de ponto atrás, que é feito com a palha do buriti. A prática artesanal manteve papel secundário nas atividades comunitárias, sendo revitalizada por volta dos anos 1990 por Dona Miúda, que viu na arte com o capim dourado uma solução de subsistência para seu povo36: A prática começou aqui mesmo na Mumbuca, minha mãe já trançava outras fibras como o buriti, e um dia andando por aqui, ela viu aquele capim amarelo, e chamou de capim ouro. Então ela trouxe um molho de capim dourado e fez um chapéu e uma bolsa, foi a primeira arte feita com o capim dourado. Daí, isso ficou parado depois que ela morreu. Depois de um tempo eu já estava casada, minhas filhas já tinham crescido, mas eu nunca tinha praticado nada de artesanato. Foi quando eu vi a oportunidade de retomar essa arte para ganhar dinheiro, porque nós somos pobres. [...] E através disso, eu consegui tirar o meu povo do cativeiro (Transcrição de vídeo, 2008) 34 Os Xerente, junto com os Xavante e Xakriabá, são classificados como Jê Centrais e se localizam no município de Tocantínia (TO), cerca de 70 km ao norte da capital, Palmas, entre os rios Tocantins e Sono, nas terras indígenas Xerente e Funil, que somam 183.245,902 hectares (SCHROEDER, 2010, p.67). 35 Munduruku é mestre em história e especialista em assuntos indígenas, pertence ao povo Munduruku. 36 Entrevista realizada em julho de 2008 para a pesquisa da conclusão do bacharel em Design de Moda da autora. A entrevistada em questão era Guilhermina Ribeiro da Silva conhecida como Dona Miúda, matriarca da comunidade e principal difusora do artesanato com capim dourado. Dona Miúda morreu na comunidade no ano de 2010 aos 80 anos. 83 Esse artesanato tradicional, objeto de nosso estudo, pode ser entendido como Um subcampo das culturas populares, com conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades, onde a reprodução dos enunciados simbólicos é realizada por intermédio da observação das práticas dos mais velhos ou da oralidade, em relações de trabalho doméstico e família (CIPINIUK, 2006, p. 7). Por tudo isso, a prática carrega consigo toda a valoração cultural e simbólica mencionada no capítulo anterior, passível de preservação por órgãos públicos e privados, não só por sua origem, mas também pela importância social, econômica e cultural para os artesãos. É interessante observar como a história da produção de artesanato de capim dourado está entrelaçada com a história da própria Mumbuca, como afirma Dotora, atual matriarca da comunidade: “A comunidade vive é da força do capim dourado, do cerrado, que é a nossa inteligência. Ele nos ensina tudo, é a nossa própria vida” (informação verbal, 2011). O capim dourado (Syngonanthus nitens) usado na produção desse artesanato é uma sempre-viva da família botânica das Eriocauláceas. Sua característica principal é a cor, que lembra o ouro. A planta adulta constitui-se de uma roseta de folhas que fica próxima à superfície do solo e tem cerca de quatro centímetros de diâmetro (GIULIETTI et al., 1996). Da flor, estendem-se os fios usados para o artesanato, que são colhidos uma vez por ano. Figura 22 – Ramalhete de Capim Dourado Foto: Fernando Zarur (2007) 84 Os primeiros artefatos desenvolvidos com o capim dourado eram utilitários, como cestos e cumbucas. Com o passar do tempo, o reconhecimento dessa prática, a busca dos turistas por novos produtos, além das oficinas de design realizadas na comunidade, passou-se a desenvolver também chapéus, brincos, anéis, pulseiras, bolsas de capim dourado costurados com “seda” de buriti (Mauritia flexuosa) e também com fio dourado. Uma parte da expansão da produção artesanal do capim dourado pode ser considerada como resultado dos programas de incentivo do governo do estado do Tocantins37, na intenção de que os produtos e o próprio estado ganhassem destaque, dentro e fora do país. Assim ampliou o número de artesãos e coletores de matéria-prima, o que aumentou a coleta das espécies utilizadas. Hoje, a venda de artesanato constitui a mais importante fonte de renda para diversas comunidades da região. 3.5.1 Importância Socioeconômica O impacto do artesanato feito com o capim dourado na região foi grande – as comunidades e os artesãos se mobilizaram para produzir e ser reconhecidos, percebendo nessa nova arte uma forma de mudar sua condição de vida. E avançaram muito, visto que o artesanato feito a partir do capim dourado tem influenciado diretamente a mudança na condição socioeconômica dos moradores do Parque Estadual do Jalapão, conforme observado nas pesquisas. O artesanato com o capim dourado constitui importante fonte de renda para muitas famílias, especialmente aquelas geridas por mulheres. Dona Miúda, precursora dessa prática, conta que é preciso [...] ter amor e sinceridade por uma obra dessas que nos foi estendida é de muito valor, onde muitas pessoas pobrezinhas não tinham nada e hoje estão com o capim, costurando nas bancadas de noite para sobreviver, não é? Em outra hora, não tinha essa oportunidade, vendiam o prato de arroz, o prato de feijão. Não estava sendo suficiente nem para a despesa da casa. Agora, esse prato de feijão e de arroz fica para a casa, e a comida, as roupas, os remédios, é com o capim dourado. [...] Quantos abraços, quantos beijos eu não tenho levado, agradecendo o meu trabalho nesse “Brasil Velho”. Você 37 “ Em cinco de outubro de 1988, com a promulgação da Constituição, é legitimada a criação do Estado, o norte de Goiás é finalmente emancipado e passa a se chamar Tocantins, e em 1° de janeiro de 1989 foi instalada a Unidade Federativa do Tocantins” (DUARTE et.al, 2010, p.4). Ao que parece, o incentivo do governo do estado à expansão do capim dourado foi fruto de estratégias para promover não só o desenvolvimento do interior do estado, mas principalmente atrair olhares e turistas para o estado recém-formado. 85 forma não só os pobres, mas também as pessoas de condição (Transcrição de Vídeo - 2008). Figura 23 – Lília Diniz em visita a Dona Miúda. Fonte: foto da Autora (2008) Essa prática tem mudado a vida dos habitantes do entorno. Schmidt (2005) calculou que o rendimento mensal dos artesãos oscila entre meio e quase dois salários mínimos (R$ 260,00 à época da aferição de preço), apresentando-se como uma forma de trabalho mais rentável do que outras existentes na região. Segundo estudo socioeconômico do Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins) em 2008, a atividade artesanal é considerada uma fonte de geração de renda por 90,7% das famílias que trabalham com artesanato em capim dourado. Para 98,6% dessas, a atividade artesanal permite o pagamento de contas e a aquisição de bens de consumo duráveis (NATURATINS, 2008). A prática ainda é predominantemente feminina, mas se expandiu também para os homens, e hoje é raro ver uma família que não tenha alguém trançando fios dourados. O capim dourado é uma joia que Deus deu pra nós da Mumbuca, ele mudou nossas vidas. Temos conquistado muitas coisas através do capim dourado, ele nos abriu portas que não pensávamos que pudessem existir, criamos nossos filhos e nossos netos com o dinheiro que o artesanato nos dá (Artesã da Mumbuca, 2011 – informação verbal). É visível que o artesanato feito com capim dourado trouxe novas perspectivas em uma área antes tão isolada. Porém, o desenvolvimento local não foi o único benefício: as mulheres também apontam a autonomia gerada pela renda obtida com o capim dourado, já que elas começaram a contribuir com a despesa em suas casas, 86 sentiram-se valorizadas, empoderadas na região e com autoestima elevada, fato também observado por Sousa (2009). Assim, instituições governamentais e não governamentais de pesquisa e gestão ambiental têm unido esforços ao dos artesãos, com foco em objetivos comuns: a conservação associada à geração de renda, à melhoria de qualidade de vida e à valorização do Cerrado, voltando-se para um dos objetivos do Design Social, que é o de revelar seu potencial de contribuir para uma qualidade de vida melhor e sustentável (WHITELEY, 1998). Dessa forma, o capim dourado e sua importância cultural e social vêm sendo estudados para propor formas de dar continuidade ao artesanato e condições de desenvolvimento da comunidade que vive dele. 3.5.2 Conservação Ambiental Nesse contexto, a geração de emprego e renda a partir do uso sustentável das espécies nativas constitui estratégia para melhorar a qualidade de vida e promover a conservação da biodiversidade do cerrado. O emprego de técnicas de manejo que visam a garantir a conservação da espécie explorada e seu ambiente de ocorrência deve ser divulgado para agregar também valor socioambiental aos produtos vendidos (CUNNINGHAM; MILTON, 1987). Ecossistemas naturais são atrativos para turistas e investimentos, o que contribui para gerar mais renda na região. No entanto, o desenvolvimento e aplicação de formas de manejo sustentável de espécies nativas são desafios que dependem de inúmeros fatores, como o conhecimento científico da ecologia das espécies exploradas e dos efeitos do extrativismo. Regina Spinelli (s/d) cita que Algumas comunidades carentes das regiões onde nasce o Capim Dourado viram a possibilidade de geração de renda através da confecção de artesanato. Para a qualificação desses artesãos locais e para garantir o uso sustentado do capim, o SEBRAE, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, desenvolveu um projeto na região envolvendo 200 famílias carentes com a formação de associações de artesanato locais. A preocupação com a conservação das espécies de capim dourado na região é uma constante para aqueles que dele vivem. A ONG PEQUI se destaca nesse trabalho de conservação das espécies do cerrado e, com os resultados de suas pesquisas, tem 87 contribuído para a elaboração de portarias junto ao Naturatins, regulamentando a colheita do capim dourado, conforme explica Schmidt (2005, p.68): Os artesãos devem coletar o capim dourado dentro do período que vai de 20 de setembro a 30 de novembro, colhendo somente as hastes que estejam bem douradas, que é o sinal de que a semente já está madura. Devem cuidar para não arrancar as sapatas (base), evitando a morte da planta, e cortar as flores do capim ainda em campo, espalhando as sementes para que germinem e produzam novas plantas. Isto também se fez necessário, devido ao aumento no número de artesãos que alcançou a popularidade do artesanato com o capim dourado. Artesãos relatam que alguns anos atrás, vinham pessoas de todos os cantos do país em busca de capim dourado e que, na maioria das vezes, não respeitavam as datas estabelecidas, o que provocou uma enorme preocupação por parte dos artesãos, que requereram maior vigilância pela direção do Parque. A retirada indiscriminada levou o Naturatins a instituir a Portaria Naturatins nº 362, de 25 de maio de 200738, regulamentando a atividade de coleta, e evitando a comercialização do capim in natura. Outra forma de proteção à subsistência dos artesãos foi a criação das associações, que se iniciou no ano de 2000 e, além de regulamentar a produção e venda dos artefatos, também cadastrou todos os artesãos da região, de forma que somente os artesãos cadastrados podem colher o capim dourado e deixar o Parque portando a espécie. Ao todo, são nove associações que se uniram formando a AREJA (Associação de Artesãos em Capim Dourado da Região do Jalapão), que tem por objetivo: Reunir as nove associações existentes na região, formando uma única que representará o artesanato produzido, estabelecendo um regulamento conjunto, visando principalmente à apresentação do pedido do Registro de Indicação Geográfica do Jalapão / Tocantins do artesanato em capim dourado ao INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, para análise e aprovação (SEFAZ, 2008). 38 Vide a íntegra da Portaria no ANEXO 4 88 3.5.3 Registro de Indicação Geográfica Conforme exposto anteriormente, o artesanato com o capim dourado se popularizou muito, e já pode ser encontrado em qualquer região do país, e também no exterior. Isso afetou a produção das comunidades do Jalapão, que viram trabalho e esforços desvalorizados pela massificação de sua arte nos centros urbanos. A consequente descaracterização nos artefatos de capim dourado produzidos em centros urbanos por pessoas sem qualquer vínculo com a cultura do Jalapão não só resultou em objetos banais, como também na perda do valor simbólico atribuído à história contida no artefato que é produzido pelos artesãos da Mumbuca. Em 2008, com o apoio do governo do estado, a AREJA foi em busca de reconhecimento do artesanato genuíno, proteção de sua origem e também de seus artesãos, e apresentou ao INPI o pedido do selo de indicação geográfica para os trabalhos manuais confeccionados em capim dourado na região do Jalapão, na categoria “indicação de procedência” (IP). As indicações geográficas são definidas no artigo 22 do Acordo de Propriedade Intelectual relativo ao Comércio (ADPIC) como [...] indicações que identifiquem um produto como originário do território de um membro, ou região ou localidade deste território, quando determinada qualidade, reputação ou outra característica do produto seja essencialmente atribuída à sua origem geográfica. A legislação brasileira de propriedade industrial, lei nº 9279/96, define dois tipos de Indicações Geográficas: a Indicação de Procedência e a Denominação de Origem: A Indicação de Procedência designa o nome geográfico de um país, cidade, região ou uma localidade de seu território, que se tornou conhecido como centro de produção, fabricação ou extração de determinado produto ou prestação de determinado serviço (art. 177); a Denominação de Origem designa produtos ou serviços não apenas associados a uma determinada região, mas cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos (art. 178). A comunidade da Mumbuca recebeu o selo de indicação geográfica pelo INPI em agosto de 2011, sendo o primeiro de sua categoria no centro-oeste do Brasil. A coordenadora do INPI destacou a importância desse selo para o artesanato local: 89 É o reconhecimento de uma reputação da área delimitada para artesanato em capim dourado. [...] O artesanato em capim dourado do Jalapão passa a ser mais valorizado a partir de agora. Tem estudos na Europa de que produtos com indicação geográfica têm um plus [melhoria] no preço. É questão também de um maior desenvolvimento local, maior fluxo de turistas (PORTAL BRASIL, 2011). Para os artesãos, o selo significa um diferencial, garantindo a qualidade e a competitividade do produto. Outro aspecto importante do selo é a conservação das espécies, já que ele será concedido somente a artesãos que obedecerem as normas ambientais que garantem a coleta sustentável da espécie. 3.6 ARTESANATO E AFIRMAÇÃO DE IDENTIDADE Quando se fala da interação entre design e artesanato, a primeira preocupação que vem à mente é a descaracterização do artefato tradicional e a perda de identidade. Quanto a essa questão, em entrevista realizada, foi possível observar que existe a mesma preocupação por parte dos artesãos, e a alternativa encontrada por eles é a coexistência do artefato ressignificado de design e do artefato tradicional, como explica Dotora39 (2011): Não vamos deixar de produzir o que aprendemos com nossos antepassados. O que temos feito há muitos anos, vamos continuar fazendo, com o respeito que temos pela colheita e pelo capim, agora a inovação, a criatividade, novos modelos, é bom aprender. Porém nunca vamos deixar de ser e produzir aquilo que nos caracteriza. Quando questionada acerca da diferença entre os primeiros artefatos produzidos por eles, sem intervenção externa, e os produtos frutos de oficina, ela afirma que “não vê muita diferença, pois as pessoas que fazem são as mesmas. Agora, melhorar a técnica, o acabamento, isso só ajuda para nós produzirmos ainda mais e melhor”. Relata ainda que outra mudança que ocorreu foi na nomenclatura dos produtos, que receberam novos nomes após as oficinas. A mesma pergunta foi feita a outra artesã sobre a descaracterização do artefato, e ela respondeu: 39 Filha de Dª Miúda e atual matriarca. Informação verbal (2011) 90 Depende da metodologia adotada pelas oficinas. Se vem ensinar com procedimentos mais naturais, respeitando o que nós fazemos, não muda, mas se é uma proposta com outros materiais, principalmente artificiais, descaracteriza e dificilmente a comunidade vai adotar essa ideia (Artesã da Mumbuca, 2011 – informação verbal). Os artesãos também relatam que os dois tipos de produtos artesanais atendem a diferentes tipos de consumidores: tantos os que vão em busca de conhecer o berço do artesanato de capim dourado, e assim encontrar peças artesanais mais específicas e tradicionais, quanto os que também gostam dos artefatos frutos de interações de design. O pessoal tem um respeito muito grande pela Mumbuca. O artesanato de capim dourado nasceu aqui, né? Os turistas respeitam muito, deixam tudo pra trás e vêm comprar aqui. A história do capim é aqui, por isso que eles vêm pra cá. Lá não tem história, né? E eles querem saber a história, quem fundou, por quem começou [...] É importante isso, e é o que segura nós aqui, é a história do capim dourado, a história de quem começou, que nasceu, isso é muito importante pra nós. Quem segura todo o valor do capim dourado é a nossa história (Artesão da Mumbuca, 2011 – Informação verbal). Ao que parece, o turista que vai até a Mumbuca, busca a história por detrás do objeto, busca valores culturais; senão, compraria em outros lugares ou centros urbanos (conforme relato dos artesãos). Os artesãos da Mumbuca dizem que ali, os turistas são “exigentes”. Existe uma preocupação muito grande por parte da comunidade em manter suas tradições. Com isso, fica visível a diferença entre o artesanato produzido na Mumbuca e os de outras regiões, mesmo o artesanato de referência cultural, que carrega consigo traços de identidade que o diferenciam, quando comparado a outros. Esse fato também foi observado por Schmidt (2005, p.32): Há diferenças marcantes nos tipos de peças confeccionadas por artesãos de associações e localidades diferentes. O uso de materiais além do capim dourado e da seda do buriti [...] é mais frequente nas áreas urbanas do que em comunidades rurais; assim como é mais comum, nas áreas urbanas a confecção de peças totalmente diferentes das tradicionais [...]. 91 Como podemos ver nas fotos a seguir: Fig 24: Artesanato Tradicional Fig 25: Artesanato de Ref. Cultural Fonte: Foto da Autora, 2011 A figura 24 apresenta uma peça de artesanato tradicional, trançado com seda de buriti, sem intervenção de outros materiais, e com trama circular, como é comum nos produtos tradicionais. Já a figura 25 apresenta colar resultante de uma oficina de design, onde o capim dourado é usado em menos quantidade e em associação com outros materiais, como correntes e miçangas. Só pelo fato de a peça na figura 25 ser um acessório já se distancia do artesanato tradicional, composto por cestos, potes e outros utilitários do dia-a-dia. Entretanto, ambos os tipos são encontrados na associação dos artesãos da Mumbuca, onde se comercializam as peças produzidas pela comunidade, e onde também as fotos foram registradas. Ou seja: mesmo com o frequente contato com os entornos urbanos, percebe-se que o fazer artesanal da comunidade Mumbuca tornou-se parte de sua tradição, pautada pelo respeito e seguimento dos ensinamentos transmitidos pelos mais velhos aos mais novos. Isso, além de solidificar os laços da comunidade, propicia a agregação de valores aos artefatos produzidos por eles, posto que se diferenciam culturalmente dos demais. A convivência com o meio ambiente, principalmente com o capim dourado, permitiu mudanças na vida local. O artesanato abriu as portas da comunidade para o mundo exterior e fez com que a cultura em torno do capim e os elos do seu povo com as tradições do passado fossem conhecidas (SOUSA, 2009, p.43). Apesar da significativa inserção do design, que veio com a abertura das portas da comunidade e é bem-vista pelos artesãos, eles parecem conceber tradição e 92 modernidade pacificamente em seu presente, seja como forma de afirmação de identidade ou como forma de preservar os moldes de vida de seus ancestrais. A Mumbuca é um povo que aprendeu com seus antepassados a lidar com o capim dourado, transmitir conhecimentos e habilidades acerca da planta para os seus descendentes, estabelecendo assim uma tradição de manter junto com a sua, a história do capim dourado. Esta união já dura mais de um século, e, mesmo assim, a tradição dos primeiros moradores continua preservada [...] (SOUSA, 2009, p.44) Podemos observar, então, que o artesanato de capim dourado produzido pela comunidade exerce uma função maior do que a prática laboral ou alternativa de renda: à medida que integra outros esforços da comunidade, reafirma os laços entre seus membros, com suas raízes e com o ambiente em que vivem. Nesse processo de afirmação de identidade através de suas práticas, podemos mencionar que o isolamento experimentado pela comunidade até o início dos anos 90, quando seu artesanato começou a ser difundido, gerou um tipo de desenvolvimento local que brotou no seio do próprio grupo, como reflete Junqueira (2000, p.118) Desenvolvimento Local é entendido como um espaço dinâmico de ações locais, tendo como pressuposto a descentralização, a participação comunitária e um novo modo de promover o desenvolvimento que possibilita o surgimento de comunidades capazes de suprir suas necessidades imediatas, descobrindo ou despertando para suas vocações locais e desenvolvendo suas potencialidades específicas. Esse tipo de desenvolvimento é acompanhado de um sentimento que percola entre os moradores, de pertença ao lugar em que vivem (onde nasceram, criaram suas famílias e do qual tiram seu sustento). É esse sentimento que Tuan (1980, p.105) conceitua como topofilia – “[...] o elo afetivo que a pessoa ou um determinado grupo social tem em relação ao lugar ou ao ambiente físico”. Esse sentimento e compromisso com o desenvolvimento local incentivam a comunidade na busca por melhorias internas, em vez de optar pelo êxodo para lugares mais acessíveis. As fronteiras que vêm se expandindo pela comercialização de seu artesanato e do ecoturismo no parque deram acesso da comunidade a outros modos de vida. Porém, nos recenseamentos realizados no local, não se percebeu redução no número de moradores, fato também relatado em entrevistas por uma das artesãs jovens 93 da comunidade, que disse que os jovens têm vontade de fazer uma faculdade e melhorar de vida, mas não pretendem abandonar a Mumbuca. Estou cursando o 3º ano na escola em Mateiros, dou aula para as crianças na escola fundamental na comunidade e trabalho como promoter da comunidade, e líder jovem. Tudo que podemos conquistar de melhorias para a Mumbuca, nos empenhamos em fazer (Artesã da Mumbuca, 2011 – informação verbal). É esse o caso do processo pelo direito à posse das terras, previsto no art. 68 do ADCT aos remanescentes de quilombos. 3.6.1 Festa da Colheita É perceptível como o fazer artesanal está intimamente ligado à manutenção das tradições da comunidade, e uma ocasião em especial é responsável por relembrar isso e reavivar na memória outras tradições centenárias: a Festa da Colheita. A festa é uma iniciativa dos moradores da Mumbuca para celebrar o início da colheita do capim dourado. A data de 20 de setembro foi escolhida por marcar a melhor época para a colheita das hastes do capim – a parte utilizada na produção das peças, de forma a não comprometer a manutenção dos estoques e a utilização pelas gerações futuras. Durante muitos anos, foi festejada somente entre os membros da comunidade; contava com brincadeiras e cantigas de roda, cavalgada ao campo, e também era o momento de contar histórias e lendas. Quando o capim dourado estava pronto para ser colhido, a comunidade ia para o campo a cavalo, vivenciando a festa, tanto na saída como na chegada. O objetivo principal da festa é resgatar a história e a cultura do Povoado de Mumbuca, seu conhecimento da arte do Capim Dourado, suas lendas, músicas e outras tradições. A partir do ano de 2009, a Festa da Colheita se expandiu e conta agora com parceiros, como a Secretaria da Cultura do Tocantins, o Ibama, o Ministério Público Federal e o Centro Nacional de Cultura Popular, que reforçam a importância da festa para a comunidade e aproveitam o momento para também • Incentivar a coleta coletiva e sustentável da matéria-prima, dando continuidade aos modos tradicionais do Povoado; • Minimizar os impactos negativos ao capim dourado, incentivando a colheita ordenada na época certa e de forma adequada, reduzindo o desvio da matéria prima para o tráfico; 94 • Promover a conservação ambiental, o turismo e a interação entre as comunidades e as instituições parceiras (MPF, 2011) No ano de 2011, em decorrência do processo para titulação das terras, a comunidade recebeu o promotor do Ministério Público, Álvaro Manzano, e o antropólogo Márcio Santos. Manzano proferiu palestra que abordou os direitos e deveres dos remanescentes de quilombos, e ajudou a comunidade a entender, tirar suas dúvidas e continuar lutando pelos seus direitos (MPF, 2011). Na ocasião, representantes do Ibama e do Centro Nacional de Cultura Popular trouxeram informações sobre o processo de indicação geográfica que estava em andamento, e os progressos nos estudos para conservação do capim dourado. Nos dias da festa, a comunidade se organiza para receber os visitantes, principalmente aqueles que vieram das outras comunidades, com o intuito de compartilhar os saberes sobre a confecção do artesanato e os procedimentos que os artesãos de Mumbuca adotaram para que o capim dourado não desapareça (Artesã, 2011 – informação verbal). O momento tradicional de celebração se une agora também a outros interesses da comunidade, que viu na festa uma oportunidade não só de expandir e celebrar sua cultura, como também um momento de conscientização, trazendo para seus membros assuntos de interesse e esclarecimentos sobre os possíveis entraves para a continuidade de sua existência, tanto no Jalapão quanto no artesanato de capim dourado. Outra iniciativa que surgiu no seio da comunidade para preservar e celebrar suas tradições foi a vontade dos filhos de Dª Miúda de criar um museu em homenagem à vida e obra da matriarca e precursora do artesanato. Gostaríamos de criar um museu na casa da Dª Miúda, de coisas da história dela. O turista vem aqui para conhecer o berço do capim dourado e conhecer também a grande responsável por tudo isso. Agora que ela morreu, o museu é uma forma de homenageá-la e também dar acesso aos turistas a conhecerem um pouco da vida dela (Artesãos, 2011 – informação verbal). A iniciativa foi levada à Secretaria da Cultura, mas até a finalização desta pesquisa, o órgão responsável não tinha se manifestado sobre o assunto. 95 3.7 A QUESTÃO DO DESIGN Nos itens anteriores desse capítulo, apresentamos o artesanato de capim dourado, sua importância, desenvolvimento e aplicação para as comunidades que vivem dele. Passaremos a abordar as interações entre o design e o artesanato na comunidade da Mumbuca, para refletirmos sobre nosso objeto de estudo. A partir do ano de 2000, com financiamento da Fundação Cultural do Tocantins e apoio do SEBRAE-TO, foi promovida uma série de ações, dentre elas a catalogação das comunidades, o incentivo à formação de associações, além de oficinas de qualificação e design de peças, sempre com o intuito de desenvolver e comercializar os produtos resultantes de tais ações. Desse trabalho decorre a maioria das ações de designers na região. A primeira oficina de design na comunidade foi ministrada por Renato Imbroisi, que, na oportunidade, compartilhou a ideia de criação de mandalas ou sousplats, como ficaram conhecidos os círculos de capim dourado. Os primeiros trabalhos realizados pelo designer ocorreram numa época em que o capim dourado ainda era pouco conhecido e a infraestrutura da região era bastante precária, inclusive sem energia elétrica. Mesmo assim, as oficinas tiveram resultados significativos e a iniciativa é sempre lembrada pelo grupo. No ano de 2011, o SEBRAE também levou à comunidade da Mumbuca uma oficina com a designer Heloísa Crocco. Esse projeto, em parceria com a ABEST (Associação Brasileira de Estilistas), conforme mencionado no primeiro capítulo, objetivou o desenvolvimento de produtos inovadores e competitivos, fazendo com que essas comunidades incorporassem práticas sustentáveis em sua produção. 3.7.1 Contato e Percepção do “Design” No início de cada entrevista com os artesãos, foi perguntado se ele/ela já havia participado de alguma oficina de design: todos haviam participado da maioria das oficinas realizadas, fosse dentro ou fora da comunidade, pois os habitantes da Mumbuca são convidados a participar das oficinas nas comunidades próximas. Esse dado demonstrou o interesse dos artesãos pelo trabalho de interação com o design. 96 Os artesãos relatam que não tomam contato com novidades somente na aproximação com os designers, mas também com os turistas que visitam a comunidade: Pegamos ideias com os turistas também, às vezes alguém vem aqui e fala que em São Paulo está usando tal modelo, faz um desenho e nós copiamos, se gostamos do resultado, repetimos. Senão, deixamos de lado. Temos facilidade de reproduzir os desenhos que são mostrados pra nós (Artesã, 22 anos, 2011 – informação verbal). Entrevistados, os artesãos também foram perguntados acerca da importância do design para eles. Em suas respostas, disseram que ele lhes proporcionou melhorias e ajudou no desenvolvimento de produtos, especialmente através das oficinas, pois sabem da importância de manter relação com o que está sendo divulgado nas mídias, não apenas criar conforme o próprio gosto ou apoiados incondicionalmente nas tradições. Na entrevista com a designer Heloísa Crocco, quando perguntada sobre a recepção e percepção do design pelos artesãos, ela respondeu que esse processo “depende muito da sensibilização da coordenadora local. Como ela prepara este trabalho, é claro que, da experiência da equipe, tudo tem que ter um tempo e um elo de confiança mutua” (Entrevista por email em dez/2012/ Vide ANEXO 5). Alguns artesãos relatam que sentem muita desconfiança em relação a alguns designers que surgem com a prerrogativa de ensinar, mas aparentam querer aprender as técnicas da comunidade para utilizar em outros projetos. Eu acho que existe um aproveitamento por parte de alguns designers, que vêm dizendo que vão ensinar design e tal, mas querem é aprender o conhecimento da comunidade, vêm com um discurso pronto, mas querem é aprender a técnica da costura, do trançado do capim dourado para ganharem dinheiro depois às nossas custas (Artesã, 2011 – informação verbal). Infelizmente, de forma pontual ou não, a apropriação dos saberes de comunidades tradicionais por designers existe e é frequente (BORGES, 2011; NUSSBAUM, 2010, BONSIEPE, 2011; THACKARA, 2008), e uma ou outra experiência ruim pode atrapalhar todo o processo orientado por outros designers, que realmente visam contribuir com os artesãos. Segundo Crocco, existe a necessidade de criar um elo de confiança entre artesãos e designers. Aparentemente, esse vínculo se 97 estabeleceu entre Imbroisi40 e a comunidade, já que seu trabalho é muito lembrado e respeitado por todos. Uma artesã mencionou que a lembrança e respeito pelo trabalho de Imbroisi se dão principalmente pela forma como ele trabalha e respeita os artesãos. O diferencial do trabalho do Renato Imbroisi é que quando ele chega à comunidade, não fala assim: “Faz esse modelo”. Ele fala: “Vamos criar juntos”. Aí alguém diz: “Ah, Renato, eu pensei em criar um jabuti”. E ele responde: “Então cria o jabuti, se vira com o jabuti”. Ele dá a liberdade para a pessoa desafiar sua própria inteligência (A CASA, 201141). Ao que tudo indica, o trabalho de Imbroisi foi feito de maneira ética e respeitosa – isso demonstra um diálogo possível de ser construído com os artesãos, e que os faz perceber a importância de estar conectados com o mercado atual; de aplicar certo apuro nas técnicas aprendidas de geração em geração, para a composição de novos arranjos e combinações, utilizando-se, também, de diferentes materiais, sem perder os traços característicos de antes. O Renato veio pra somar, pra ajudar, ele já sabe a língua da comunidade, porque ele foi um dos primeiros a vir até a comunidade. Então, ele já conhece, já tem uma afinidade com a comunidade, o perfil da comunidade. Ele anda por esse mundo afora e sabe o que vai surtir efeito na comunidade, e nós continuamos a fazer o design que ele propõe (Artesã, 2011 – informação verbal) Essa fala nos faz refletir sobre um ponto de vista que vem sendo cada vez mais advogado pelos atores envolvidos: a forma como deve ser elaborado o trabalho junto a comunidades, considerando que as ações devem ser dosadas e pensadas para cada local, de modo a consentir uma maleabilidade dos artesãos na aceitação e apropriação das ideias propostas nas oficinas. Os artesãos também fazem uma distinção clara entre seu trabalho e o dos designers, identificando-se como detentores da técnica, enquanto os designers são os propiciadores da novidade e portadores da criatividade. “[os designers] vêm ensinar 40 Foram feitas várias tentativas de contato com o designer Renato Imbroisi para uma entrevista sobre seu trabalho na comunidade. Infelizmente, as respostas a nossas perguntas não foram possíveis por dificuldades em sua agenda. 41 Disponível em: <http://www.acasa.org.br/ensaio.php?id=348&modo=>. Acesso em: mar/2012. 98 outros modelos, porque costurar42 nós sabemos, mas não conhecemos tantos modelos como eles” (Artesã, 2011 – informação verbal). Crocco também se referiu a este assunto, dizendo que as artesãs da Mumbuca “são todas grandes mestras”. É necessário esse respeito pelo saber da comunidade, de forma a possibilitar trocas, não imposições (Entrevista por email em dez/2012). Quando o designer se aproxima do artesanato e do artesão, ele tem que se colocar no mesmo nível, porque ele não tem a capacidade do fazer. Posso admirar um cesteiro ou uma bordadeira e posso até desenhar alguma coisa, mas não sei fazer. Precisaria de anos para aprender. Desenhar está no mesmo nível do fazer, porque ambos exigem anos de aprendizado. (BORGES apud COSTA, 2011, p.149). Essa relação entre técnica e desenho nos fez refletir sobre o que já se incutiu por meio da história e das mídias, pois reitera de forma significativa a ideia de que design é a “solução inteligente de problemas estético-formais” (BONSIEPE, 2005, p. 2). 3.7.2 Oficinas Segundo dados coletados, a comunidade da Mumbuca vem recebendo oficinas de design desde o ano de 2001, quando da primeira interação de design com Imbroisi. Vale lembrar que a participação em oficinas e a absorção de conceitos de design exigem muita flexibilidade por parte do grupo, visto que o artesanato tradicional, além de seguir um modelo de trama específico, é trançado com a seda do buriti, enquanto os artefatos resultantes de oficinas normalmente recebem a inserção de outros fios, novas tramas e formas, novos materiais, como sementes, miçangas, tecidos etc. Observou-se que as oficinas são desejadas pelos artesãos, mas sua percepção é que recebem poucas, se comparado com outras associações do Parque. Este fato talvez se deva à questão da localização da comunidade que, por ser de difícil acesso, oferece obstáculos maiores do que aquelas em áreas mais urbanizadas. A principal e recorrente reclamação nas entrevistas é o fato de que, nesse processo de aprendizado, eles muitas vezes sentem falta de ser consultados acerca do que será apresentado nas oficinas, e acabam por receber projetos com temas menos relevantes às suas realidades, fato que dificulta todo o processo de interação. 42 Costurar: termo utilizado pelos artesãos da Mumbuca se referindo ao processo de transformar o capim dourado in natura em artefato artesanal 99 Eu vejo muita riqueza nesses cursos, que poderia ser aproveitada muito mais, mas a comunidade nem sempre para pra aprender, porque chegam falando assim, vai ter um curso tal, tal dia, nesse horário e pronto. Não conversam com a gente antes, não tem demanda, acho que deveriam vir aqui antes com a proposta, mostrar a metodologia, os modelos e ver se a comunidade se interessa (Artesã, 2011 – informação verbal). Essa falta de diálogo também é criticada por Borges (apud COSTA, 2011, p.149) que consente: [...] não se pode chegar aos artesãos já com o desenho pronto, com o projeto feito. É preciso estabelecer um consenso entre a nossa opinião e a deles. E que eles compreendam o porquê da intervenção, para que possam dar continuidade depois. No caso das oficinas realizadas na Mumbuca, os temas são definidos previamente. Conforme Crocco: “Pesquisamos tendências e inovação nos materiais; depois, sensibilizamos a comunidade para mudar”. (Entrevista por email em dez/2012) Apesar da aceitação e reconhecimento da importância das oficinas para o desenvolvimento do artesanato, essa falta de diálogo foi uma queixa recorrente: Falta oportunidade de dizermos o que queremos, não perguntam o que gostaríamos de aprender. A gente gosta das oficinas, mas gostaríamos de ser questionados antes sobre o tema. Mesmo porque conhecemos nossas dificuldades e facilidades, e também o gosto dos compradores, e por isso às vezes vem oficinas com ideias que sabemos que não vai funcionar na nossa realidade, e acabamos por gastar nosso tempo com um produto que no final não vai vender, ou que simplesmente não vamos fazer (Artesã, 2011 – informação verbal). Quanto ao resultado das oficinas e sua contribuição para o desenvolvimento da produção artesanal, os artesãos observam resultados positivos, porém referem que os principais produtos vendidos pela comunidade não são fruto dessas interações, e sim o artesanato tradicional, porque, como já mencionado anteriormente, o turista que viaja até a Mumbuca, busca trabalhos com essas características. Outro problema também relatado pelos artesãos é a duração das oficinas, que consideram insuficiente para aprender e por em prática. Essa reclamação reitera uma crítica de Borges (2011, p. 153) ao processo: “um ponto crucial sobre o qual o gestor é o principal responsável se refere à duração ou frequência das oficinas. [...] Oficinas isoladas de curta duração podem desestruturar uma comunidade”. 100 Nas entrevistas, quando o tema era a duração, muitos mencionavam a questão do tempo, “do nosso tempo, do tempo da comunidade”: as comunidades têm outro tempo de produção, o tempo do objeto feito à mão: A lentidão do tempo artesanal é fonte de satisfação; a prática se consolida, permitindo que o artesão se aposse da habilidade. A lentidão do tempo artesanal também permite o trabalho de reflexão e imaginação – o que não é facultado pela busca de trabalhos rápidos. Maduro quer dizer longo; o sujeito se apropria de maneira duradoura da habilidade (SENNET, 2009, p.328). É preciso haver respeito pelo ritmo de trabalho do artesão; caso contrário, a contribuição ao final é inexistente – acaba quando a oficina termina. O respeito pelo tempo do artesão demonstra respeito por todo o sistema que envolve o artesanato, e abre a possibilidade de continuidade dos trabalhos. 3.7.3 Continuidade Além do interesse pelo trabalho dos designers, os artesãos demonstram desejo de continuidade dos processos desenvolvidos nas oficinas, já que gostariam de aprender mais e compartilhar o resultado das mudanças propostas no escoamento dos produtos. Esse processo de continuidade, segundo os órgãos responsáveis, existe no sentido de frequência, que é a volta do designer para ministrar outras aulas, como no caso de Imbroisi, que já participou de várias oficinas na comunidade desde 2001. Existe também na criação de outras oficinas com outros designers. Outro aspecto desse trabalho de continuidade são as feiras de artesanato, onde os artesãos muitas vezes são levados pelo governo do estado para vender seus produtos e fazer contatos. Entretanto, com o crescimento do artesanato de capim dourado, alguns atravessadores vão até essas feiras, expõem o artesanato como sendo da comunidade e tiram a oportunidade dos artesãos de viajarem e fazerem novos negócios. Relacionando a continuidade a um conceito de monitoramento ou acompanhamento pós-oficina, os artesãos relatam que Não existe esse acompanhamento, não tem não, e isso não é só no design, é em todos os cursos. Todos os outros cursos que já vieram não têm monitoramento, não procuram saber como está a produção do que foi ensinado. Essa parte ai ficou faltando (Artesã, 2011 – informação verbal) 101 Esses são fatores que, somados, podem estar contribuindo para que a Mumbuca não seja a principal responsável pela venda dos produtos de capim dourado da região, e sim associações mais próximas à cidade. Mesmo tendo iniciado o trabalho, a venda efetiva acontece em outras regiões, principalmente nas associações em núcleos urbanos. Em comparação com as vendas nos núcleos de produção tradicionais (Mateiros e Mumbuca) as ações de difusão da técnica artesanal acabaram favorecendo muito mais o comércio nos núcleos de produção recentes, como o município de Ponte Alta, que possui melhores vias de acesso e infraestrutura, como hotéis, correios, bancos e internet, fundamentais enquanto suporte a atividade comercial (BELAS, 2008 43). Pode-se ver que essas ações, por um lado, abriram novas perspectivas de mercado aos núcleos tradicionais e ao desenvolvimento de produtos, mas por outro, levaram ao aumento da concorrência e à homogeneização da produção, fator um tanto inevitável quando se fala em mercado. Entretanto, essa massificação ocorre mais nos centros urbanos, não afetando diretamente a produção de artesanato da Mumbuca, que se mantém diferenciada pelos próprios valores históricos já mencionados. Pensando nas características únicas do artesanato diante de uma realidade de massificação da produção e também sob o risco de ver extintos os recursos naturais, têm se realizado novas intervenções sob a perspectiva da singularização das peças. Com isso, a conquista do Registro de Indicação Geográfica se torna ainda mais importante para legitimar o verdadeiro artesanato de capim dourado, surgido na Mumbuca. 3.7.4 Identificando Aproximações Passamos agora a uma análise mais pontual, em diligência para identificar ações de design na Mumbuca que possam ter contribuído para o desenvolvimento da comunidade, como objetivo proposto nesta pesquisa. Para tanto, recorremos ao livro de Adélia Borges – Design e Artesanato, o caminho brasileiro (BORGES, 2011). A autora busca construir um diagnóstico profundo dessas aproximações no Brasil, e afirma “não existir um procedimento-padrão 43 Disponível em <http://secom.to.gov.br/noticia/2008/4/1/pesquisadores-iniciam-trabalhos-paraexposicao-do-capim-dourado-no-cnfcp/> Acesso em ago.2012 102 ou receituário para essas situações” (Ibid., p.59). Ela organiza em eixos principais os caminhos trilhados nessas parcerias. A partir desses eixos, foi possível identificar sua presença ou ausência no trabalho desenvolvido na Mumbuca. São eles: “Melhoria das condições técnicas Potencialidade dos materiais locais Identidade e diversidade Construção das marcas Ações combinadas” (Ibid, p.59) Observando os eixos em mais detalhe: Melhoria das condições técnicas Nesse eixo, Borges trata do trabalho do designer para desenvolver critérios de qualidade de produção e acabamento. A autora comenta que vários dos problemas de acabamento não podem ser atribuídos a um eventual desleixo do artesão e sim à ausência de informações e perda de referências que faziam parte do repertório local, mas foram esquecidos ao longo dos anos (Ibid.). A preocupação com a qualidade é uma constante na Mumbuca. Os artesãos lembram que Dona Miúda “era exigente em relação ao artesanato em si, que deve ter a costura compassada e as peças firmes”. Nesse quesito, os trabalhos de design realizados ajudaram no estabelecimento de critérios de produção e acabamento. O incentivo à organização da comunidade em forma de associação também propiciou esse controle de qualidade, já que se observa a qualidade e o acabamento dos objetos antes de colocá-los à venda na sede da associação. A associação ajudou e ajuda a gente muito, nos organizamos melhor, e trabalhamos em conjunto. Além disso, existe a preocupação com o bom acabamento, o que valoriza ainda mais o nosso trabalho, temos que nos esforçar mais, o produto só pode ser vendido na loja da associação se estiver bem costurado, firme e com o capim bem dourado, que significa que foi colhido na época certa (Artesã, 2011 – informação verbal). Mais do que um incentivo por parte dos designers e das ações para a qualidade dos objetos, são perceptíveis o empenho e dedicação dos artesãos em produzir peças bonitas, bem acabadas e bem estruturadas. 103 Potencialidade dos materiais locais “Aproveitamento das potencialidades dos materiais encontrados na região: nesse quesito, os designers têm mais a aprender com os artesãos” (BORGES, 2011, p.79). O capim dourado, riqueza natural da região do Jalapão, já vem sendo utilizado no artesanato. Projetos conjuntos de design têm auxiliado os artesãos a procurarem também por outros materiais locais, que possam ser utilizados junto com o capim dourado, como sementes e outras fibras naturais. A palha de buriti é usada para costurar o capim dourado, e mais recentemente, tem se iniciado um trabalho para usar outras partes do buriti, como o fruto que, cortado em lâminas, pode ser aproveitado no artesanato. Trabalho parecido é feito com o coco do babaçu em diversas regiões do Tocantins. Nessa busca pela potencialidade dos materiais da região, em 2011, a Secretaria da Cultura do estado do Tocantins levou o designer Renato Imbroisi para ministrar uma oficina com instruções de técnicas de tingimento vegetal para seda do buriti e novos produtos. Sobre essa oficina, uma das artesãs da Mumbuca que participou disse que “a oficina foi muito produtiva, enriqueceu nosso artesanato e é muito importante que a Secretaria da Cultura continue trazendo incentivos desta qualidade para os artesãos de nossa região”. (Artesã, 2011 – informação verbal). Encontrar novas fórmulas e/ou funções para os materiais já utilizados, bem como incorporar novos elementos, tem ajudado a valorizar o artesanato e os artesãos, que passam a criar com mais liberdade e com uma gama maior de produtos. Nesse sentido, o trabalho de design realizado na comunidade tem sido muito importante. Identidade e diversidade “Gestação de objetos com clara identidade dos lugares em que são feitos; manutenção e desenvolvimento das técnicas e materiais locais através de sua linguagem” (BORGES, 2011, p.97). Conforme mostrado anteriormente, a comunidade da Mumbuca visa reafirmar seus valores culturais e identitários através do seu produto artesanal. Nessa busca pela manutenção de suas tradições, as oficinas de design têm ocupado papel secundário, já que existe internamente a preocupação com a identidade e a busca de referências no 104 cotidiano da comunidade, a qual, como passou muito tempo isolada, tirou do próprio seio a inspiração para a criação de seus artefatos. Nesse sentido, o trabalho da designer Heloísa Crocco, que mantém o laboratório Piracema de Design, busca essa diversidade em seus trabalhos e define-se. [...] como um núcleo de pesquisa da forma cultural brasileira, o laboratório sacramenta o princípio de que o artesão é soberano, ponto de partida e de chegada de qualquer intervenção. [...] A compreensão é a de que o produto do artesão deve ser visto como materialização de seu complexo patrimônio cultural (Ibid, p.107) Em sua oficina realizada na Mumbuca, a designer buscou, juntamente com os artesãos, trazer outras referências locais que pudessem ser trabalhadas, na busca pela criação de produtos inovadores e de práticas sustentáveis, mas fazendo uso da essência cultural que caracteriza o artesanato tradicional local. Imbroisi também realizou um trabalho de diagnóstico em 2011, buscando conhecer as características da produção que vem sendo realizada, para criar uma linha de produtos voltados para a cultura da comunidade. Foi um design muito natural, assim bem rústico, nada artificial. Foram feitos desenhos de bichos da fauna do cerrado, animais que conhecemos como borboletas e formigas, tudo muito natural. Colares, cintos, presilhas de cabelo, tudo característico da nossa região. O Renato [Imbroisi] é o designer de que a comunidade mais gosta, é um destaque para nós. (Artesã, 2011 - informação verbal) Imbroisi referiu-se às oficinas, dizendo que “as artesãs foram muito participativas e demonstraram muita vontade de se capacitar com novas técnicas, trabalhar em equipe e desenvolver novos produtos” (SECULT, 2011 44). Nesse eixo, nota-se que a parceria entre os artesãos envolvidos com suas raízes, e designers que apreciem e incentivem esses valores culturais é aceita e os produtos dela derivados são incluídos nas práticas artesanais da comunidade. Construção das marcas Equipar os objetos dentro de um programa de identidade visual, marcas, etiquetas, embalagens bem feitas, catálogos, recursos que são importantes para comunicar os valores intangíveis dos objetos artesanais (BORGES, 2011, p.117). 44 Disponível em: http://encantosdocerrado.com.br/n/6709. Acesso em nov/2012 105 A criação de identidade visual dos produtos artesanais é muito importante. Porém, ao que parece, este detalhe foi esquecido ou abandonado na comunidade da Mumbuca. Na pesquisa realizada no ano de 2008, todos os produtos estavam com etiquetas padronizadas, identificadas com o nome do artesão que produzira aquele artefato, endereço e telefone da associação, e ainda informavam sobre a responsabilidade social e identificação local da produção. Essas etiquetas faziam parte de um projeto desenvolvido pela ONG PEQUI em parceria com a Embrapa/Cenargem, a Universidade Federal de Brasília, o Programa de Pequenos Projetos (PPE) e o Naturatins. Como resultado, foram desenvolvidas uma cartilha para o manejo correto dos recursos naturais e etiquetas que, segundo o projeto, visavam à diferenciação e agregação de valor às peças dos artesãos no mercado, informando que cumpriam com as especificações ambientais. Figura 25: Tag Fonte: Foto da Autora, 2008 Entretanto, na pesquisa realizada no ano de 2011, o panorama foi outro: os produtos não possuíam mais essas etiquetas, apenas folhas de caderno recortadas, onde figuravam o nome do produto, do artesão e o preço de venda. Fig. 26: Identificação dos produtos Fonte: foto da Autora, 2011 106 Não é possível constatar o real motivo para a falta de uma identidade visual mais completa. Porém, duas possibilidades foram levantadas: a falta de continuidade do trabalho de identidade visual promovido pelos órgãos responsáveis ou a falta de sensibilização dos artesãos quanto à importância desses itens. Teve uma oficina para embalagens e etiquetas, só que foi assim meio que relâmpago, a comunidade não se atentou para isso. Foi pouco tempo e não houve a oportunidade de explicar a importância disso, de sensibilizar os artesãos da importância de se incluir esse tipo de coisa na produção (Artesã, 2011 – Informação verbal). A artesã segue dizendo que as etiquetas eram fornecidas pelo estado, o qual interrompeu a impressão e a entrega na comunidade, sem informar o motivo. Esse eixo, que poderia contribuir para a valorização dos produtos, está aquém das expectativas, não sendo perceptível a efetividade de um trabalho nesse sentido. Por conta disso, produtos esteticamente criativos e bem acabados acabam sendo comercializados em embalagens básicas e sem identidade, às quais falta inclusive menção ao valor simbólico do artefato ali contido. Fig 27: Artesanatos expostos para venda Fonte: foto da Autora, 2011 107 Situação oposta é experimentada pelas associações localizadas na cidade, onde a identidade visual já merece mais atenção e se estende dos produtos à embalagem, aliada ainda aos catálogos e sites de revenda disponíveis. Fig. 28: Página do catálogo de produtos de capim dourado Fonte: Site PEQUI Ações combinadas Borges (2011, p. 129) exemplifica outras formas de o designer se relacionar com as comunidades artesãs. Dentre elas, pelas pesquisas realizadas na Mumbuca, identificouse a contribuição do design e dos processos vinculados às ações dos designers para: a) Redução da matéria-prima aliada à combinação de processos e materiais; Um aspecto a ser destacado no trabalho sendo desenvolvido nas oficinas é a conscientização para a colheita não predatória do material; o resultado vem sob a forma de redução no uso de matéria-prima na confecção do artefato, pela combinação com outros materiais, como ocorreu na oficina realizada pela ONG Percad em 2010, que levou o designer Divino Alves para ministrar oficinas de produção de bolsas em tecido com alças e detalhes em capim dourado. 108 Fig. 29: Oficina de bolsas Foto: Heverton Lacerda, 2010 Além disso, a temática da sustentabilidade do capim dourado é reforçada por técnicas apropriadas de manejo, visando à manutenção da espécie que só é encontrada nessa região. Outra forma de interação entre designer e artesão proposta por Borges (2011): b) Facilitação do acesso dos artesãos ou de sua produção à mídia; Ninguém reconhece o valor do que não conhece. Exposições, publicações, seminários e prêmios têm um papel na divulgação da revitalização do artesanato, contribuindo para aumentar a percepção consciente do público sobre o objeto feito à mão e ao mesmo tempo incentivando boas práticas. Eles podem sensibilizar olhares. Ao colocarem o artesanato em outro lugar que não o do cotidiano – sejam as salas dos museus, sejam as páginas dos livros –, permitem também que se aumente a reflexão sobre os temas (ibid., p.164) Pensando nisso, um projeto que se evidencia no trabalho feito junto ao artesanato de capim dourado, com vistas à ampliação de sua visibilidade, foi a parceria entre a Fundação Cultural do Tocantins e o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), que busca manter um espaço diferenciado e permanente de comercialização no Rio de Janeiro. Essa aproximação ocorreu em 2008, por meio do projeto Sala do Artista Popular que, segundo Borges (ibid., p.164), “é a iniciativa de maior longevidade na divulgação do artesanato”. Dessa parceria, resultou a produção de um catálogo etnográfico e a organização de uma exposição com venda de peças artesanais no Museu do Folclore Edson Carneiro, no Rio de Janeiro. As peças expostas foram feitas por artesãos da Mumbuca e de Mateiros; a exposição contou a história da produção artesanal, ressaltando os valores simbólicos, tradicionais e a importância dessa atividade para as comunidades. 109 O objetivo é fazer uma pesquisa bem detalhada sobre a cultura do capim dourado na região, buscando, através de entrevistas, informações da origem e de como é feito o artesanato na região. Além de exposto, o artesanato em capim dourado também estará disponível à venda, onde além da presença dos próprios artesãos, será agregado valor às peças, com informações sobre a sua origem e como são confeccionadas (BELAS, 2008 45). Iniciativas como essa, em que se forma uma equipe multidisciplinar com sociólogos, arte-educadores, designers e fotógrafos, ajudam a desenvolver um trabalho mais coerente e completo para a divulgação e valorização do objeto artesanal tradicional, tão importante para a existência de comunidades como a Mumbuca. Considerando as ações propostas por Borges (2011, p.134), percebemos que ainda há perspectiva de trabalho em muitas frentes, no caso da comunidade Mumbuca, tais como otimização de processos de fabricação, interlocução sobre desenhos e cores, aumento da percepção consciente dessa qualidade pelo consumidor; comunicação dos atributos intangíveis dos objetos artesanais; contribuição na gestão estratégica das ações, entre outros. Analisando o que foi discutido neste capítulo e levando em consideração as interações de que a comunidade da Mumbuca já participou, observamos que o designer, quando interage com comunidades de forte tradição e identidade, assume um papel secundário, menos relacionado à autoria e mais à intenção de auxiliar os artesãos a criarem e identificarem as próprias referências de sua cultura e história – postura diferente do que ocorre em grupos de artesanato recente e sem laços culturais. Muitas vezes, o papel do designer tem que ser esse, menos ligado à sua própria autoria e à mídia, e mais atento a incentivar o artesão a criar, valorizar a autoria, a cultura e os signos que já fazem parte de sua tradição. Percebe-se também que, neste tipo de relação abordada no presente estudo, os artesãos devem ser respeitados, que para respeitar é preciso conhecer, e também que esse conhecimento traça o caminho da relação a ser desenvolvida com os artesãos. 45 Disponível em <http://secom.to.gov.br/noticia/2008/4/1/pesquisadores-iniciam-trabalhos-paraexposicao-do-capim-dourado-no-cnfcp/> Acesso em ago.2012 110 Tem gente que chega aqui querendo colocar muito material artificial nos nossos trabalhos. Não gostamos disso, trabalhamos com o natural, com o que a terra nos dá. Não quero participar de uma oficina que vai trazer um fio pronto, se posso usar fibra de palmeira e tantas outras belezas da natureza (Artesã, 2011 – informação verbal). O caminho é longo e as possibilidades são muitas, e mais do que ressignificações na forma, é preciso um envolvimento em todos os elos da cadeia produtiva artesanal, desde a transformação da matéria prima até as atividades de produção, comércio e serviço. O envolvimento dos artesãos deve também ocorrer em todas as fases desses processos, e não simplesmente como receptores das interações, sem opinião sobre o que será desenvolvido. O diálogo entre as partes, como vimos, é o principal ingrediente para o sucesso ou o fracasso das interações propostas. Conhecer para reconhecer parece uma saída plausível, tanto para os designers quanto para os artesãos. Além do estabelecimento de uma interlocução, esse conhecimento e reconhecimento fará com que seja possível tentar eliminar o risco de tornar raso o que é profundo, como as culturas manuais tradicionais. 111 O artesanato é um sinal que se exprime à sociedade não como trabalho (técnica) nem como símbolo (arte, religião), mas como vida física compartilhada. (OCTÁVIO PAZ, 2006) 112 CONSIDERAÇÕES FINAIS Antes de qualquer ponderação, é preciso entender que Durante certo tempo, se acreditou que a industrialização iria matar o artesanato, da mesma forma que a globalização iria matar as expressões culturais. [...] Os prognósticos de desaparecimento, contudo, não se confirmaram (BORGES, 2011, p.203). Nesta pesquisa, constatou-se a expansão do artesanato no mundo contemporâneo, aliada ou não à sua aproximação com o design. Tendo abordado o histórico de aproximações e distanciamentos ocorridos entre design e artesanato, e também os reflexos da revolução industrial, assunto sobre o qual Margolyn, Bonsiepe e Papanek, entre tantos outros, já emprestaram suas vozes para compreensão das mudanças ocorridas, vimos salientar que o design mais e mais se vê envolvido em projetos em parceria com o artesanato. A aproximação entre designers e artesãos é, sem dúvida, um fenômeno de extrema importância pelo impacto social e econômico que gera e por seu significado cultural. Ela está mudando a feição do objeto artesanal brasileiro e ampliando em muito o seu alcance (Ibid., p.137). No Brasil, essa tendência é perceptível nas mais diversas esferas, e novos “designers de artesanato” parecem surgir a cada dia. Não se sabe ao certo o motivo para a intensificação dessas aproximações, e nem sua perspectiva de duração. Entretanto, tem se popularizado o uso do design como ferramenta, até mesmo pelo governo, para reposicionar, “revitalizar” e “valorizar” a atividade. A legislação de 1988 – que reconheceu o artesanato como parte do patrimônio cultural material, e seus conhecimentos tradicionais como parte do patrimônio cultural imaterial, todos passíveis de proteção e conservação – está aliada ao crescimento dessas ações em que se inclui o design. O artigo 216 da Constituição Federal de 1988 ampliou o reconhecimento dos bens culturais. Segundo Aguinaga (2006, p.4), “patrimônio cultural não se limita aos monumentos de ‘pedra e cal’, ou seja, aqueles bens materiais e tangíveis; ao revés, reconhece nas manifestações culturais imateriais mais uma dimensão desse patrimônio”. Essa mudança na lei acarretou também uma nova forma de encarar o 113 artefato artesanal, que passou a ser visto como símbolo, como parte de nossa cultura material e de nossa própria história. [...] como único fenômeno cultural codificado duas vezes: uma vez na mente do artesão e a outra na forma física do objeto. Essa dupla codificação permite comparar os três fenômenos culturais, ou seja, o artefato, bem como seus aspectos cognitivos e comportamentais. Constitui ao mesmo tempo, o único meio de se inferir algo sobre formas culturais do passado (NEWTON, 1989, p.15). Estamos diante de uma questão de identidade vista por meio da cultura material/imaterial e entendida pelos mecanismos de representação que são atribuídos aos objetos. E essa questão de identidade ganha sempre mais importância, uma vez que a globalização mexeu com antigas fronteiras, acarretando uma ressignificação do objeto artesanal, o qual passou a “aportar aos usuários valores que vêm sendo cada vez mais reconhecidos como calor humano, singularidade e pertencimento” (BORGES, 2011, p.203). A volta ao artesanato não significa um retrocesso. Consiste em uma volta dos olhares, da construção de uma sensibilidade que revisita o passado diante de mudanças significativas na contemporaneidade, posto que nenhuma volta é idêntica. A volta ao artesanato é um dos sintomas da grande mudança sensibilidade contemporânea. Estamos perante outra expressão crítica à religião abstrata do progresso e à visão quantitativa homem. [...] Por isso a popularidade do artesanato é um sinal saúde (PAZ, 2006, pp.10-11). da da do de Difunde-se cada dia mais o interesse pelo produto cultural repleto de valores intangíveis. De uma forma ou de outra, essa busca levou os designers a se tornarem parceiros dos produtores desse artefato, no caso, o artesanato – e para fins desta pesquisa, o artesanato de capim dourado. Acredita-se que, ao estudar o capim dourado e sua importância cultural e social, reitera-se a luta pela preservação da comunidade de Mumbuca por meio do artesanato, agora fortalecido por elementos do design, ressignificando o artefato em si e a noção de desenvolvimento da comunidade em questão. Estabelece-se uma possibilidade de diálogo intercultural necessário ao design na contemporaneidade, não somente para valorizar os aspectos estéticos do consumo exótico, mas, sobretudo, para apresentar outros modos de produção e uso, propondo novas considerações à atividade projetual, por meio da diversidade cultural. 114 Ainda existe o senso comum de que designers atuam simplesmente na forma, na superfície ou na aparência de produtos e serviços. No entanto, pelo caráter trans e multidisciplinar da atividade, bons designers têm tido uma atuação ampla, sendo capazes de interagir com desenvoltura em equipes com competências distintas (BORGES, 2011, p.133) Entretanto, o design é mais uma ferramenta disponível. Podemos ver no exemplo da Mumbuca que a situação da comunidade e sua prática artesanal vão além de uma ressignificação de seus produtos ou uma maior inserção no mercado. A disputa pela terra e a luta pelo reconhecimento como remanescente quilombola direcionam os esforços da comunidade na busca pela manutenção de seu território, de suas tradições e de sua própria existência. Esse fortalecimento da comunidade como grupo social com identidade cultural reconhecida por um estado de direito, em função de seu passado escravista, demonstra que o desenvolvimento que vem ocorrendo é caracterizado pela preservação das tradições locais e reafirmado em seu fazer artesanal. Este é um fato que muito nos revela de sua dinâmica social, a qual aceita as mudanças sem abrir mão das tradições, como na coexistência dos dois tipos de artesanato. “A arte com o capim dourado, internalizada e apropriada pelos primeiros habitantes mumbuquenses, não foi enfraquecida pela diminuição do isolamento a que estavam submetidos nem pelo contato com outras culturas” (SOUSA; 2009, p.45). A solidificação da estrutura e organização social propiciou a interação com outras culturas sem a sua própria descaracterização, o que não é frequente, demonstrando o profundo vínculo da comunidade com suas raízes culturais e um forte sentimento de pertencimento. Isso parece demonstrar que é possível a inserção do design em comunidades tradicionais sem mutilar sua singularidade. Menos tangível do que o impacto econômico, a transformação social, propiciada pelo empoderamento e aumento da autoestima das mulheres, é também portentoso. Entretanto, é preciso salientar que a principal responsável por essas mudanças e transformações sociais é a própria comunidade que, engajada com a causa, busca, filtra e aplica o que lhe parece pertinente. Designers, pesquisadores, empresas privadas e órgãos públicos devem combinar esforços para obter mudanças efetivas, não apenas estéticas, mas também na forma como se encara o artesanato e as comunidades tradicionais do Brasil. 115 É preciso, finalmente, refletir sobre os parâmetros éticos a serem observados no encontro entre designers, artesãos e gestores, para que haja efetivamente uma melhora, e não a piora da situação anterior. É compartilhar e desenvolver metodologias que levem a um diálogo real. Esses parâmetros não podem ser construídos sobre o conceito de “caridade” ou de “ajuda”- que trazem dentro de si uma posição de superioridade e, portanto, de desprezo pelo “outro”-, e sim sobre a ideia das trocas e aprendizagens mútuas (BORGES, 2011, p.155). Ações de cunho paternalista, com o desprezo citado pela autora, podem transformar o design tido como social em uma nova forma de imperialismo (NUSSBAUM, 2010; THACKARA, 2010). A imposição com rótulo de revitalização, valorização, agregação de valores ou adequação ao mercado produz consequências devastadoras, não só no produto artesanal, mas no modo de vida das comunidades. Primeiramente, há que se entender até que ponto é necessária a intervenção, e considerar o pensamento e a vontade dos artesãos, em vez de simplesmente desclassificar o saber popular em detrimento do saber acadêmico, e mesmo de novas linguagens tecnológicas e estetização. É errônea a interpretação de que “o fazer é um ato totalmente desprovido do saber” (ARANTES, 1994, p.14). A comunidade da Mumbuca se mostrou cética quanto à interação com o design, melhor dizendo, com “qualquer tipo de design” – aquele designer que chega a qualquer tempo, em uma situação inoportuna, sem metodologia ou temas coerentes com os anseios do grupo. Acho que a comunidade está saturada, saturada desse monte de oficinas, desse tanto de pessoas e reuniões, saturada da mídia, e de pessoas que vêm aqui “ensinar”. Ensinar o que? Se nós já sabemos como tecer, precisamos entender o que estão querendo dizer quando vêm aqui para ensinar (Artesã, 2011 – informação verbal). A fala da artesã evidencia a falta de diálogo em certos tipos de ações: realizar oficinas para “cumprir tabela” ou para atrair a atenção da mídia interessada nesse tipo de comunidade não contribui em nada para a produção artesanal, quiçá para o design que se pretende diferenciado; pelo contrário, pois, ao não estabelecer uma relação ética entre as culturas em questão, cria uma pré-indisposição dos artesãos no tocante a ações futuras. É visível que esse tipo de trabalho não é aceito, muito menos incorporado às práticas existentes. As oficinas reconhecidas pela comunidade são aquelas que conseguiram, de alguma forma, enxergar através dos olhos do artesão e valorizar o que 116 ele já faz, e não aquelas que partiram da negação do tradicional em prol de uma modernização falsa e supérflua. Ao que parece, esse processos de design que foram incorporados pela comunidade contribuíram para o aumento das vendas, na medida em que abriram novas perspectivas de mercado aos núcleos tradicionais e ao desenvolvimento de novos produtos. Por outro lado, levaram ao aumento da concorrência e à homogeneização da produção em outros núcleos. Ainda assim, essa situação parece não comprometer o desenvolvimento da comunidade, o qual, como vimos, está pautado no seu fazer artesanal tradicional, que, para o bem ou para o mal, se tornou atração turística. Esses olhares da mídia, de programas assistencialistas e do próprio design não só cansam os artesãos como não produzem benefícios efetivos em sua realidade. A noção de desenvolvimento nos termos reconhecidos pela comunidade é muito diferente do senso comum; é o que indica o relato dos artesãos da Mumbuca, os quais preferiram vetar a construção de casas de alvenaria, em detrimento do barro utilizado nas construções tradicionais. O que precisa ser evitado nessa aproximação do design é a inclusão do artefato artesanal no ciclo da obsolescência programada. O boom do capim dourado ocorrido nos últimos anos se amornou; houve um momento em que o artesanato foi mais valorizado, talvez pela novidade – conceito inerente aos campos do design e da moda. Há que se entender que o artesanato tradicional não é um produto sazonal, está imbricado em um modo de vida e não pode simplesmente cair no desuso ou na banalidade. Mais importante do que levar oficinas de design, é necessário o apoio, o incentivo social e político, seja o design parte dele ou não, sobretudo porque, existindo o artesanato, também a comunidade continuará existindo através de sua arte, e principalmente de suas histórias, tradições e heranças que, somadas às nossas, constituem o que temos de mais importante – o patrimônio histórico e cultural do nosso país. Finalizada, esta pesquisa está longe de apontar considerações românticas e idealistas em torno do artesanato tradicional, apesar de considerar que, ao adentrar esta temática em relação ao design contemporâneo, explicita-se sempre um posicionamento político. Entendemos que os designers não vão salvar o mundo, os artesãos tampouco. Mas talvez, e isso é apenas um talvez, o artesanato possa “salvar” pelo menos a sensibilidade que a mecanização de produtos, mentes e processos nos fez esquecer ou 117 apagar as imagens que tínhamos de outros tempos, sem saudosismos, mas como possibilidades de análise e compreensão – memória viva. O artesanato não quer durar milênios, nem está possuído pela pressa de morrer em breve. Decorre com os dias, flui conosco, gasta-se pouco a pouco, não procura a morte nem a nega, aceita-a. Entre o tempo sem tempo do museu e o tempo acelerado da técnica, o artesanato é a pulsação do tempo humano. É um objeto útil, mas que também é belo; um objeto que dura, mas que se acaba e se resigna a acabar-se; um objeto que não é único como a obra de arte e que pode ser substituído por outro parecido, mas não idêntico. O artesanato nos ensina a morrer, e assim nos ensina a viver (PAZ, 2006, p.11). 118 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A CASA. Ensaio. 2011. Disponível em: <http://www.acasa.org.br/ensaio.php?id=348&modo=>. Acesso em: 15 mar. 2012. ABEST. Caderno +B, primavera/verão 2012-2013. Disponível em: http://www.abest.com.br/abest/B_interna.php?lang=pt&id=5. Acesso em julho/2012 AGUINAGA, K.F.S. A Proteção do Patrimônio Cultural Imaterial e os Conhecimentos Tradicionais. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO. Manaus: 2006. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/manaus/estado_dir_povos_karyn_s_ag uinaga.pdf>. Acesso em 25 nov. 2012. ANDRADE, M. O artista e o artesão. 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Acesso em nov/2012. 128 ANEXO 1 – LEI Nº 2.186 Reconhece o Capim Dourado como bem de valor cultural e Patrimônio Histórico do Estado do Tocantins 129 ANEXO 2 – LEI Nº 1.203 Criação do Parque Estadual do Jalapão 130 131 ANEXO 3 – FUNDAÇÃO PALMARES RECONHECE A COMUNIDADE MUMBUCA COMO REMANESCENTE DE QUILOMBOS 132 ANEXO 4 – PORTARIA NATURATINS Nº 362 Coleta e manejo do capim dourado 133 ANEXO 5 – ENTREVISTA COM A DESIGNER HELOÍSA CROCCO Pesquisa para a dissertação de mestrado em Design Universidade Anhembi Morumbi Orientadora: ProfªDrª Márcia Merlo Aluna: Lília Diniz Entrevista com a designer Heloisa Crocco por email em 2012. 1) Como surgiu a oportunidade trabalhar com as comunidades no Jalapão? Pelo Programa Brasileiro do Artesanato/SEBRAE Nacional 2) Como são definidos os temas que são trabalhados nas oficinas? Pesquisamos tendências e inovação nos matérias . Depois sensibilizamos a comunidade para mudar. 3) Qual comunidade dentre as visitadas no Jalapão foi mais receptiva? Ponte Alta 4) Como é a recepção e a percepção dos artesãos em relação ao design? Depende muito da sensibilização da coordenadora local;Como ela prepara este trabalho.E claro que da experiência da equipe.tudo tem que ter um tempo e um elo de confiança mutua 134 5) Você conseguiu identificar diferenças entre o artesanato produzido na Mumbuca em relação ao de outras regiões do Jalapão? Se sim, cite as principais. Sim. Mumbuca , apesar de ter iniciado este trabalho, fica distante e assim fica difícil de atender as demandas.Com isto eles estão chateados por que iniciaram o trabalho , mas a venda efetiva se dá através de outras comunidades 6) Houve alguma queixa por parte dos artesãos? Algo que eles gostariam que melhorasse principalmente no que diz respeito à prática artesanal? Não , não houve queixa neste sentido.Elas são todas grandes mestres.O problema é onde fica Mumbuca e como se chega até lá.A comunicação é terrível. 7) Qual foi o tema da oficina realizada na comunidade da Mumbuca? TOQUE BRASIL foi uma oficina direcionada para complementos de moda >projeto ABEST/SEBRAE Nacional 8) Existe algum tipo de acompanhamento realizado após as oficinas, no sentido de dar continuidade aos trabalhos? Sim existe acompanhamento do Sebrae do Tocantins e a coordenadora é ótima Magvan Botelho. 9) Você acha que é possível trabalhar com o artesanato sem descaracterizá-lo? Sim acho. Poderíamos falar muito mais sobre isto.Mas o tema é muito extenso e complexo.Cada caso é um caso . 10) Em sua opinião qual a importância desse tipo de interação que vem se estabelecendo cada dia mais entre design e artesanato? 135 Na maioria das vezes é positiva esta junção em todos os sentidos no sentido de ingresso para o artesão, no sentido de conhecimento e abertura de mundo para ele. 11) Você acredita que as oficinas têm apresentado resultados significativos para o desenvolvimento e autonomia da comunidade? Tudo depende da comunidade e da liderança. Acho que sim ,é positivo é maravilhoso ,oportuna muito e não deixa morrer. 136