UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
LÍLIA TEREZA DINIZ NUNES
DESIGN E CULTURA:
UM OLHAR SOBRE O ARTESANATO DE CAPIM DOURADO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
MESTRADO EM DESIGN
PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO STRICTU SENSU
São Paulo
2013
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
LÍLIA TEREZA DINIZ NUNES
DESIGN E CULTURA:
UM OLHAR SOBRE O ARTESANATO DE CAPIM DOURADO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Graduação Strictu Sensu em Design – Mestrado,
da Universidade Anhembi Morumbi como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Design na linha de Pesquisa em Design, Arte e
Moda: Inter-Relações.
Orientador: Profª Drª Márcia Merlo.
São Paulo
2013
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
LÍLIA TEREZA DINIZ NUNES
DESIGN E CULTURA:
UM OLHAR SOBRE O ARTESANATO DE CAPIM DOURADO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Graduação Strictu Sensu em Design – Mestrado,
da Universidade Anhembi Morumbi como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Design na linha de Pesquisa em Design, Arte e
Moda: Inter-Relações. Aprovada pela seguinte
Banca Examinadora:
Profª Drª Marcia Merlo
Orientadora
Universidade Anhembi Morumbi
Profº Drº. Paulo Roberto Monteiro de Araújo
Examinador Externo
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profª Drª Ana Mae Tavares Bastos Barbosa
Examinadora Interna
Universidade Anhembi Morumbi
São Paulo
2013
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do
trabalho sem a autorização da Universidade, do autor e do orientador.
LÍLIA TEREZA DINIZ NUNES
Mestre em Design pela Universidade Anhembi Morumbi, com dissertação incluida na
Linha de Pesquisa:Design Arte e Moda sob o titulo: Design e Cultura um olhar sobre
artesanato de capim dourado. Graduada em Moda pelo Centro Universitário das
Faculdades Metropolitanas Unidas (2010) com a monografia desenvolvida no
segmento de acessórios sob o título: O Ouro do Jalapão. Vem aprofundando seus
estudos na interdisciplinaridade entre a moda,arte,design e cotidiano e principalmente
no estudo da interação do design com o artesanato.
N926d
Nunes, Lília Tereza Diniz
Design e cultura: um olhar sobre o artesanato de Capim
Dourado / Lília Tereza Diniz Nunes. – 2013.
132 f.: il.; 30 cm.
Orientador: Profª Drª. Márcia Merlo.
Dissertação (Mestrado em Design) – Universidade
Anhembi Morumbi, São Paulo, 2013.
Bibliografia: f. 118-127.
1. Design. 2. Artesanato. 3. Cultura. 4. Patrimônio. 5. Interrelações. I. Título.
CDD 741.6
AGRADECIMENTOS
Gostaria, em primeiro lugar, de agradecer à Deus supremo artesão do Universo, pela
vida em sua plenitude e pelo amor imensurável.
Aos meus pais pelo apoio, incentivo incondicional e pelas privações materiais em prol
da minha formação.
À minha mãe em especial, pela amizade, compreensão, calma e segurança que me
ajudaram, nos momentos mais turbulentos, a descobrir um modo de vencer. Pelo amor
dedicado a mim em todos os dias da minha vida, e por nunca ter duvidado do meu
potencial, principalmente nos momentos em que eu mesma duvidei.
Ao meu pai em especial, pelo amor, cuidado e incentivo que direcionaram meus
esforços para o desenvolvimento desse mestrado. Por me dar todo o suporte necessário
para encaminhar meus sonhos muito além do que imaginei para a minha tenra idade.
Ao Nyder, meu amado noivo e amigo, por todo amor, companheirismo, dedicação e
principalmente paciência nesses dois anos. Por todo incentivo, ajuda e apoio nos
momentos de crises e de alegrias. Por estar presente, mesmo ausente.
Aos meus familiares e irmãos da igreja por todo carinho e orações diárias. Ao meu
amado irmão Isaias e minha cunhada Fabiana, por todo amor, orações, e por
abrilhantarem os momentos finais do meu mestrado, me dando o prazer de poder ser tia.
À querida mestre, professora, orientadora e amiga Márcia Merlo, que fez mais do que
jus à sua posição como orientadora, me ajudando a compreender meu objeto de estudo
em uma dimensão e magnitude maiores do que eu imaginava alcançar. Pela calma e
paciência com meus devaneios idealistas, me ajudando a encontrar o meu EU
acadêmico dentro de tantos outros EUS românticos.
Aos professores convidados para a banca, Profª Drª Ana Mei Bastos Barbosa e Profº
Drº. Paulo Roberto Monteiro de Araújo por emprestarem seu tempo e seu conhecimento
para enriquecer ainda mais minha pesquisa.
Aos professores e colegas do mestrado, por todo aprendizado e por compartilharem
comigo sua experiência, seu tempo e suas histórias.
À Antônia, querida amiga e ajudadora, pelo seu papel fundamental na resolução de
todos os problemas possíveis e impossíveis que surgiram no âmbito acadêmico ao longo
desse período, se mostrando sempre pronta a auxiliar no que fosse preciso.
À Elidia, querida revisora, que apareceu nos últimos momentos mas cuja contribuição
foi valiosa para a conclusão do texto.
A todos os entrevistados nessa pesquisa, em especial à designer Heloísa Crocco pela
prontidão e disponibilidade em responder todas as questões e tantas outras questões que
levantei.
Enfim, a todos que contribuíram de forma direta ou indireta para a conclusão da minha
pesquisa científica, o meu muito obrigada.
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho à comunidade quilombola da Mumbuca e todos os seus
membros, que me acolheram, me ouviram, se fizeram ouvir e compartilharam comigo
suas histórias, suas lutas e suas vidas.
Dedico-o também a todos os que foram e são culturalmente renegados; aos negros,
amarelos, brancos e vermelhos; aos silenciados, aos reprimidos, aos negligenciados;
aos povos tradicionais esquecidos e depreciados; à voz da singularidade que ecoa em
tantas histórias suprimidas dos livros acadêmicos. A esses indivíduos maravilhosos,
que constituem não só o meu foco de estudo, mas também o meu objetivo de vida, a
esses tantos, dedico o meu trabalho.
Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios
supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão possessa
que os supliciou. A mais terrível de nossas heranças é esta de levar
sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a
explodir na brutalidade racista e classista. Ela é que incandesce,
ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar,
seviciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos. Ela, porém,
provocando crescente indignação nos dará forças, amanhã, para
conter os possessos e criar aqui uma sociedade solidária. (DARCY
RIBEIRO, 1995, p.120).
RESUMO
Nos últimos anos, têm se popularizado iniciativas que visam à inclusão social por meio
de práticas criativas. Com olhos postos no desenvolvimento socioeconômico,
manutenção e autonomia de comunidades artesãs, essas iniciativas têm incorporado o
design, visando inserir conceitos na produção artesanal e proporcionar melhor aceitação
dos produtos desses grupos pelo mercado. Mais do que o cunho estético, o intuito é
apresentá-lo como ferramenta utilizada em parceria com outras áreas. Nesse sentido, a
Constituição Federal de 1988 ampliou o entendimento de bens culturais, incluindo a
representação manual no patrimônio brasileiro, tornando-a passível de preservação.
Contudo, essas interações não parecem propor um retorno simplista ao fazer artesanal, e
sim uma inversão do olhar balizada pelo respeito e a criatividade. No presente estudo,
também se procurou entender as relações entre artesanato e cultura material,
posicionando o artesanato como parte dela e como produto cultural diferenciado. Um
breve estudo sobre as principais ações de design em comunidades no Brasil estabeleceu
análise crítica e comparativa, baseada em estudo de caso acerca da comunidade da
Mumbuca, estado do Tocantins – comunidade remanescente quilombola com heranças
indígenas, conhecida pelo artesanato com capim dourado. A pesquisa é exploratória e
descritiva, por métodos qualitativos e balizados pela antropologia, através da
observação participante. A área da Mumbuca foi incluída no recém-formado parque
estadual do Jalapão, e seus esforços por sobrevivência, emancipação e manutenção das
tradições foram contempladas no estudo de caso, buscando compreender a dinâmica
social e cultural da comunidade e o significado da inserção de conceitos de design em
sua produção artesanal tradicional. Foi possível perceber que mais que uma prática
laborativa, o artesanato produzido pela Mumbuca é dotado de valores simbólicos, como
afirmação de identidade e preservação de heranças. A comunidade apresentou
acessibilidade ao design, embora com queixas recorrentes quanto à falta de diálogo
entre a comunidade e os órgãos responsáveis pelas tais oficinas de design. Por
intermédio da pesquisa de campo foi possível perceber e compreender a importância dos
artesãos como mentes criativas e sujeitos atuantes nos processos interativos que vêm
sendo desenvolvidos na comunidade à que pertencem.
Palavras-chave: design. artesanato. cultura. patrimônio. inter-relações.
ABSTRACT
In recent years, initiatives aimed at social inclusion through creative practices have
become popular. With eyes set on socioeconomic development, maintenance and
autonomy of artisan communities, these initiatives have incorporated design so as to
insert its concepts in handicraft production and improve acceptance of these groups’
products on the part of the market. More than the aesthetic nature, the intent is to
present design as a tool to be shared with other areas. In this sense, the 1988
Constitution has expanded the concept of cultural goods, including handmade
representation on the Brazilian heritage, making it set for preservation. However, these
interactions do not seem to propose a mere return to craftsmanship, but a reversal
parameterized by respect and creativity. The present study has also sought to
understand the relationships between craftsmanship and material culture, placing craft
as part of it and as a distinguished cultural product. A brief study of the major design
initiatives in Brazilian communities has established a critical and comparative analysis,
based on a case study about the Mumbuca community, in the state of Tocantins – a
community remaining from a Quilombo, with indigenous heritage, acknowledged for
handicrafts with golden grass. The exploratory and descriptive research is marked by
qualitative methods, anthropological fundaments, supported by participant observation.
The area of Mumbuca has been incorporated into the newly formed Jalapão State Park
and the community efforts for survival, emancipation and maintenance of traditions
were included in the case study, in an attempt to understand their social and cultural
dynamics and the role played by the insertion of design concepts in their traditional
craft production. More than a work practice, it became clear that crafts produced by
Mumbuca are endowed with symbolic values, as an affirmation of identity and heritage.
Design is fluid in the community, although with recurrent complaints about the lack of
dialogue between the community and the agencies responsible for design workshops.
Through field research was possible to perceive and understand the importance of
artisans as creative minds and working individuals in interactive processes that have
been developed in the community to which they belong.
Key words: design. handicraft. culture. heritage. interrelations.
Artista que não seja bom artesão, não é que
não possa ser artista; simplesmente, ele
não é artista bom. E desde que vá se
tornando verdadeiramente artista, é porque
concomitantemente
está
se
tornando
artesão.
(Mário de Andrade, 1938)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 13
CAPÍTULO 1 – DESIGN E ARTESANATO: UMA RELAÇÃO SOCIAL ...................... 20
1.1
RELAÇÕES HISTÓRICAS ............................................................................ 20
1.2
COMPREENDENDO O ARTESANATO ...................................................... 23
1.2.1
Origem e Características ........................................................................... 23
1.2.2
Tipos de Artesanato .................................................................................. 24
1.2.3
Interações entre design e artesanato nos dias atuais ................................. 26
1.2.4
Principais programas brasileiros de desenvolvimento do artesanato ligado
ao design .................................................................................................................. 34
CAPÍTULO 2 – DESIGN E ARTESANATO: UMA RELAÇÃO POLÍTICA E
(I)MATERIAL ............................................................................................................... 55
2.1
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 .......................................................... 55
2.2
PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL ................................................... 57
2.2.1
Conhecimentos Tradicionais .................................................................... 58
2.3
PROTEÇÃO E CONSERVAÇÃO .................................................................. 59
2.4
CULTURA MATERIAL ................................................................................. 62
2.5
CONSUMO DE VALORES SIMBÓLICOS .................................................. 68
CAPÍTULO 3 – DESIGN E ARTESANATO: O CAPIM DOURADO DA MUMBUCA . 75
3.1
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................... 75
3.2
O PARQUE ESTADUAL DO JALAPÃO ...................................................... 77
3.3
REMANESCENTES QUILOMBOLAS ......................................................... 78
3.3.1
Avanços e Conflitos ................................................................................. 80
3.4
A COMUNIDADE MUMBUCA .................................................................... 82
3.5
O ARTESANATO DE CAPIM DOURADO .................................................. 83
3.5.1
Importância Socioeconômica ................................................................... 85
3.5.2
Conservação Ambiental ............................................................................ 87
3.5.3
Registro de Indicação Geográfica ............................................................ 89
3.6
ARTESANATO E AFIRMAÇÃO DE IDENTIDADE................................... 90
3.7
A QUESTÃO DO DESIGN ............................................................................ 96
3.7.1
Contato e Percepção do “Design” ............................................................ 96
3.7.2
Oficinas ..................................................................................................... 99
3.7.3
Continuidade........................................................................................... 101
3.7.4
Identificando Aproximações ................................................................. 102
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 113
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 119
ANEXO 1 – LEI nº 2.186 ............................................................................................. 129
ANEXO 2 – LEI nº 1.203 ............................................................................................. 130
ANEXO 3 – Fundação Palmares reconhece a comunidade Mumbuca como remanescente de
Quilombos ..................................................................................................................... 132
ANEXO 4 – Portaria Naturatins nº 362........................................................................ 133
ANEXO 5 – Entrevista com a designer Heloísa Crocco ............................................. 133
INTRODUÇÃO
Penso que as técnicas manuais são o passado, e agora são o
futuro. São artes tradicionais e de infinitas possibilidades para as
quais eu oferto a minha visão. Essa fantástica combinação de
uma agulha, fios, mãos e mente presente me encanta
sobremaneira e meu esforço em renovar a técnica é, além de
realização pessoal e crença, uma vontade sincera de que a
técnica se mantenha viva, carregando consigo a mudança dos
tempos. (RÖDEL, 2010)
É com esse pensamento que introduzo o assunto do presente estudo: os
envolvimentos e desdobramentos de uma prática em processo de intensificação no
Brasil, que são as intervenções de design junto a comunidades de artesanato, e seu papel
social e cultural.
O artesanato é uma tradicional forma de manifestação cultural, mas como tudo
que atravessa o tempo, acaba por se renovar de alguma maneira. Esse parece ser um dos
papéis possíveis do design, identificado nesta pesquisa – o de trabalhar em conjunto
com comunidades artesãs para identificar e propor soluções técnicas ou ainda estéticoformais e novos conceitos para essa técnica milenar, formando parcerias que
possibilitem a emancipação e o desenvolvimento do artesanato, bem como novas
oportunidades para o feito-à-mão dentro da indústria.
Podemos perceber que, em todo o mundo, é crescente o apelo por novas
expressões, por soluções inovadoras que tragam maior vitalidade ao artesanato1
(MAYWORM, 2009), seja pela globalização e as transformações sociais e culturais que
acabaram por homogeneizar a produção, ou pela percepção de atingir esse mercado
global por meio da tradição cultural que vem sendo usada para a criação de um design
de forte identidade. Bomfim (1999, p. 151) aponta que
A cultura de uma sociedade é formada pela produção de seus bens e
valores que, através das coordenadas cronológicas e cosmológicas,
caracterizam as identidades das pessoas. A atividade artística, por
excelência uma das manifestações culturais mais expressivas de uma
sociedade, oferece exemplos dos diferentes modos de percepção e
apropriação da realidade.
1
Hoje o artesanato voltou a ser valorizado. A peça única tornou-se o contraponto natural à uniformização
tecnológica em série, à mecanização, à padronização. Por isso, o artesanato é identidade, pois promove
o resgate cultural, a valorização do humano e a preservação dos costumes regionais e do folclore em
geral (MAYWORM, 2009, p. 12).
13
Esses vínculos são mais amplos do que a prática industrial e a prática artesanal,
são relações entre design, cultura (material/imaterial) e sociedade. A esse respeito,
Bomfim acrescenta:
O design, entendido como matéria conformada, participa da criação
cultural, ou seja, o Design é uma práxis que confirma ou questiona a
cultura de uma determinada sociedade, o que caracteriza um
processo dialético entre mimese e poese. (1999, p. 150)
Nessas relações que o design estabelece com a cultura e a sociedade, ele
cumpre o papel aventado por Bomfim (ibid.) e, em conjunto com a prática artesanal,
confirma ou questiona a cultura local em que está inserido. É uma troca de saberes que
traz para o design o conhecimento da tradição, e para o artesanato a sua ampliação como
atividade. Porém, ao que parece, essas interações não propõem um retorno simplista ao
fazer artesanal, e sim uma inversão do olhar para criar um caminho de trocas possíveis,
balizado pelo respeito e a criatividade como determinantes.
Morace (2007, p. 19) ressalta que
Uma das dinâmicas mais profundas e relevantes que reportam à
globalização em curso diz respeito às modalidades de relacionamento
entre as diversas culturas e o papel que as pessoas e as empresas
mais desenvolvidas possam representar “na estratégia do colibri”,
isto é, na permanente “polinização criativa” entre culturas que, no
mundo das dinâmicas sociais, representam, no momento, a regra.
Esta pesquisa constatou o crescimento dessas ações de polinização criativa –
manifestadas aqui sob a forma de interações entre design e artesanato – e que políticas
de incentivo e fomento ao artesanato têm sido priorizadas por instituições públicas e
privadas, e realizadas de forma cada vez mais sistemática, aproximando o fazer manual
do design.
Apostando na modernização da produção artesanal, muitas instituições
fomentadoras do artesanato têm utilizado o processo de design como forma de
“resgatar” a tradição do fazer manual, defendendo que promovem o desenvolvimento
social e a emancipação das comunidades artesãs, as quais, com uma gama maior de
produtos, poderão atender também ao mercado e conseguir se manter frente às pressões
do mundo industrial e globalizado.
14
Este estudo não visa a trazer mais uma discussão sobre os processos de
envolvimento entre esses eixos, ou ainda, os aspectos positivos e negativos dessas
aproximações. O objetivo é mostrar o crescente envolvimento, como ele tem se
realizado, sua importância no sentido de preservação do artesanato e desenvolvimento
social, formas de atuação no Brasil e um estudo de caso feito em uma comunidade
artesã tradicional.
Para discutir essas relações, é preciso levar em consideração a mudança na
profissão do designer, que adquiriu nova postura frente à sociedade, principalmente pela
adesão de conceitos como inclusão social, acessibilidade e desenvolvimento sustentável, e a
ampliação do conceito de bem cultural previsto na Carta Constitucional de 1988, cujo
art.216 passou a reconhecer o artesanato como parte integrante do nosso patrimônio cultural
material, e suas formas de expressão no que tange o patrimônio imaterial.
Juntos, esses fatores possibilitaram a criação de projetos para valorizar e
salvaguardar as práticas artesanais, muitas vezes utilizando o design como ferramenta
desses processos, o que levou à criação de um conceito de Design Social com um viés
humanístico, apontado na afirmativa de Bonsiepe (2005, p. 04), de que:
o humanismo projetual seria o exercício das faculdades do design
para interpretar as necessidades de grupos sociais e elaborar
propostas viáveis emancipatórias em forma de artefatos instrumentais
e artefatos semióticos.
Fatores apontados também por Margolin e Margolin (2004, p. 46) propõem
uma Agenda Social para o exercício do design, que não vise exclusivamente ao mercado
e se transforme em um vetor de transformação social. Aplicado ao setor artesanal, isso
tem sido visto como um caminho para evitar a extinção do artesanato e incentivar o
desenvolvimento de comunidades artesãs.
É necessário lembrar também que a relação com o artesão não comporta
imposições. O designer deve reconhecer o valor da identidade cultural do artesanato,
partindo de critérios básicos de respeito às tradições locais e, em sua atuação, buscar o
desenvolvimento de produtos com valores comerciais agregados, porém sem perder os
valores culturais intrínsecos que distinguem o produto artesanal. Além dessa postura,
outro importante aspecto que precisa estar presente nesse trabalho é a continuidade do
processo de interação, que corresponde ao retorno dos designers às comunidades e ao
acompanhamento das atividades desenvolvidas.
15
Alguns designers que vêm estabelecendo tais relações com o artesanato já se
autodenominam “designer de artesanato” e, segundo o Termo de Referência do
Artesanato (SEBRAE, 2004, p.23), o fruto de sua intervenção se define como
“artesanato de referência cultural”, ou também produto cultural, como designamos nesta
pesquisa. O que se origina desse processo é um produto diferenciado que atende a um
novo posicionamento do artesanato. Esse produto cultural vem suprir a lacuna da
identificação cultural e do pertencimento, ausentes na globalização.
O desenvolvimento desse produto, manifestado por meio dos valores inerentes
à sociedade em que está inserido, está intimamente ligado ao estudo de sua própria
cultura material, que conta sua história na produção dos artefatos e nos simbolismos a
eles ligados.
No estudo da cultura material por uma visão antropológica, percebeu-se uma
forma de encaixar o consumo como uma faceta dessa própria cultura, e o produto
cultural como sua principal moeda de troca. O mercado mundial volta seus olhares a
produtos culturalmente diferenciados, e nesse contexto, o artesanato fruto de
comunidades tradicionais tem se apresentado como um campo vasto de valores
simbólicos relacionados à singularidade e ao pertencimento.
Pensando nesse artefato artesanal de tradição, e sua valoração cultural e
simbólica, iniciou-se a busca por uma comunidade artesã tradicional, plena desses
simbolismos e que estivesse experimentando sistematicamente a interação de design,
para fazer dela objeto de um estudo de caso. Como a pesquisadora mora no estado do
Tocantins e vem desenvolvendo estudos acerca do artesanato do capim dourado desde a
graduação, a escolha por ele foi feita logo em primeira instância, tendo sido detectadas
inúmeras comunidades que trabalham com essa matéria prima. A definição da
comunidade Mumbuca se deu principalmente pelo fato de ela ser o berço do artesanato
e conservar sua identidade e tradição, mantendo-se ainda um pouco mais afastada e
fechada do que as comunidades do entorno, tanto por dificuldade de acesso quanto por
motivos culturais.
A comunidade artesã da Mumbuca é remanescente quilombola, reconhecida no
ano de 2003 pela Fundação Palmares2. Está situada em uma região que foi transformada
em parque – o Parque Estadual do Jalapão, TO. Essa inclusão de suas terras em uma
2
Criada em 1988, a Fundação Cultural Palmares é uma instituição pública vinculada ao Ministério da
Cultura, com a finalidade de promover e preservar a cultura afro-brasileira.
16
reserva desencadeou uma série de processos para reconhecimento e titulação de terras,
na busca por manter sua existência e práticas.
O artesanato de capim dourado está intimamente ligado à cultura e ao
desenvolvimento local da comunidade, e passou a ser divulgado em todo o estado, em
grandes cidades brasileiras e também no exterior a partir de meados da década de 1990.
Chegou a ser tema do caderno +B, da ABEST (Associação Brasileira de Estilistas), sob
o título “Identidade Brasil – Verão 2013”, abordando um trabalho realizado em parceria
e com apoio do SEBRAE-Tocantins, retratado em três temas: Traço, GPS e Casulo. As
atividades com capim dourado se inserem no tema GPS.
Para o presente texto, o estudo da comunidade foi realizado em pesquisa de
campo sob a forma de visitas, entrevistas e observação acompanhada de gravações, com o
objetivo de traçar um perfil das interações de design que têm sido feitas e a resposta dos
artesãos a essas ações.
À luz da antropologia, o estudo revelou detalhes importantes dessa comunidade
tão remota e estabeleceu diálogo entre o pesquisador e o pesquisado, dando voz à
comunidade, que manifestou sua opinião sobre produção artesanal, tradição, cultura
local e a inclusão do design no processo produtivo local.
Foi possível perceber a importância do artesão, nesse caso o da Mumbuca,
como sujeito ativo e participante de todos os processos desenvolvidos na comunidade
para além de beneficiários sociais. Os artesãos demonstraram participação crítica e
efetiva em todas as mudanças propostas e apresentadas nas oficinas de design, filtrando
e aplicando somente as que pareceram pertinentes às suas realidades.
Antes do trabalho de campo, foram realizadas pesquisas bibliográficas e um
estudo sobre alguns dos principais programas de design vinculados ao artesanato no
Brasil, além de um estudo sobre alguns designers com atuação nesse segmento.
Pretendeu-se estabelecer os parâmetros para a análise crítica e comparativa entre tais
ações e a própria comunidade, identificando linhas de trabalho que vêm se
intensificando nessas relações.
Tentando abordar todos esses aspectos, a pesquisa procurou refletir sobre a
inserção do design na produção artesanal, sobre a existência ou não de contribuições
significativas por parte do design, sobre a importância do artesanato como patrimônio
passível de conservação, a utilização do design como ferramenta nesse processo, a
posição do artesão brasileiro frente a essas mudanças e seu lugar dentro da produção
industrial.
17
Dessa forma, a presente dissertação está assim estruturada:
O primeiro capítulo – Design e artesanato: uma relação social – traz uma
leitura histórica das aproximações entre design e artesanato e o desenvolvimento de
iniciativas ligadas a essas aproximações. Apresenta também o estudo de instituições
públicas e privadas fomentadoras do artesanato, e introduz alguns designers que são
considerados referências nesses processos.
O segundo capítulo – Design e Cultura: uma relação política e (i)material –
traz uma abordagem política e cultural do fazer manual, começando pela apresentação
das leis promulgadas na Constituição Federal de 1988, que inseriram os fazeres manuais
no patrimônio cultural brasileiro e como essa mudança na lei contribuiu para o aumento
das interações entre design e artesanato. Na sequência, aborda a cultura material,
entendendo seus desdobramentos e processos, e posicionando o fazer manual como um
artefato cultural; insere também a sua importância no estudo da cultura material de um
povo em que o design é interpretado como ferramenta, por ser, de acordo com os
autores citados, um sítio privilegiado para a formação de artefatos.
O terceiro capítulo – Design e Cultura: um olhar sobre o artesanato do capim
dourado – traz as pesquisas de campo e o estudo de caso. Tratando, no início do
capítulo, da situação conflitante que a comunidade enfrenta, ao ver seu território
incluído no Parque Estadual do Jalapão, e os avanços no tocante a sua afirmação como
remanescente de quilombos. Adiante, traça um esboço da comunidade e da prática
artesanal que pôde ser observada como forma de afirmação da sua identidade. Por fim,
relata as entrevistas e pesquisas feitas junto à comunidade e aos designers sobre as
interações de design ocorridas na comunidade e seus efeitos segundo os artesãos,
procurando vislumbrar um diagnóstico desses processos, dando voz aos artesãos para
relatarem suas experiências e queixas acerca dessas ações desenvolvidas e finaliza com
um processo de identificação das aproximações que, de fato, pareceram contribuir para
o desenvolvimento, manutenção e autonomia dos membros na comunidade.
O quarto e último capítulo – Considerações finais – apresenta a retomada dos
temas estudados e apontados ao longo da pesquisa para uma possível conclusão.
18
Designer sonha com objetos que, como os
gênios, sejam servidores intangíveis. O
contrário do artesanato, que é uma
presença física que nos entra pelos sentidos
e onde se quebranta continuamente o
princípio da utilidade em benefício da
tradição, da fantasia e ainda, do capricho.
(OCTÁVIO PAZ, 2006)
19
CAPÍTULO 1 – DESIGN E ARTESANATO: UMA RELAÇÃO SOCIAL
1.1
RELAÇÕES HISTÓRICAS
As discussões sobre as relações entre design e artesanato sempre estiveram
presentes, desde a formação de um pensamento em design, e são discutidas e postas em
questão sob os mais diversos pontos de vista, inclusive o social.
O design como conceito e prática está envolvido historicamente em qualquer
fazer artesanal. Quando se estabeleceu como disciplina, surgiu vinculado aos processos
produtivos tradicionais (artesanato) e também aos emergentes (indústria). Mas Bonsiepe
e Fernandez (2008, p. 308) asseveram que
[...] devido à carência de análise teórica da prática do design, ele foi
posto numa posição oposta ao artesanato, o que derivou em uma
distinção prática entre produção em série e produção manual.
Essa distinção criou uma imagem do artesão como mão de obra obsoleta, com a
perda de prestígio de sua função. Sobre isso, Cardoso (2000, p. 28) chama atenção para o
fato de que,
Em vez de contratar muitos artesãos habilitados, bastava um bom
designer para gerar o projeto, um bom gerente para supervisionar a
produção e um grande número de operários sem qualificação
nenhuma para executar as etapas [...].
Na tentativa de lidar com essas contradições da Revolução Industrial, vários
movimentos foram criados. William Morris e John Ruskin fundaram um dos mais
notáveis, o grupo Arts and Crafts3 na segunda metade do século XIX, na Inglaterra, com
o intuito de valorizar o trabalho artesanal e se opor à mecanização.
Segundo Pevsner (2002), o Movimento Arts and Crafts foi o disparador do
pensamento social para o design. Essa tendência artística lutou para revitalizar o
artesanato e as artes aplicadas em uma época de crescente produção em série, defendendo
o artesanato criativo como alternativa à mecanização e à produção em massa.
3
Em oposição ao crescente prestígio do industrialismo, o Movimento Arts and Crafts, liderado pelo
escritor e projetista britânico Wiliam Morris (1834-96), partiu da Europa e da América do Norte no
final do século XIX, influenciando desde as artes decorativas de papéis de paredes e tecidos até o
projeto de livros (STRICKLAND, 1999).
20
Morris também propunha a ideia da união entre o artesão e o
designer. Para ele, os artistas deveriam ser transformados em
artesãos-designers. Para tanto, o designer aprenderia com os técnicos
e artesãos, e estes aprenderiam com os designers [...], aprimorando
assim a qualidade do produto final e solidificando um pensamento de
design social, onde o artista manual não perderia seu espaço no
mundo industrial (Ibid., p.36).
Já no início do século XX, surge a campanha intitulada Deutscher Werkbund,
liderada por Hermann Muthesius (1861-1927) com conceitos semelhantes ao
movimento Arts and Crafts. A preocupação, na época, era centrada na padronização das
partes construtivas dos objetos industrializados e nas formas de inserção de artistas nas
indústrias. Sobre isso, Pevsner (ibid., p. 20) afirma que
A aspiração desse movimento era reunir os melhores representantes da
arte, da indústria, do artesanato e do comércio, conjugar todos os
esforços para a produção de trabalho industrial de alta qualidade e
constituir uma plataforma de união para todos aqueles que quisessem e
fossem capazes de trabalhar para conseguir uma qualidade superior.
Em 1919, surgia a Bauhaus na Alemanha, com objetivos semelhantes.
Inicialmente sob a direção de Walter Gropius4, a escola acreditava no artesanato como
metodologia didática e visava habilitar os projetistas para desenvolverem produtos
industriais com uma orientação formal, e não apenas focados no uso.
Gropius pregava uma relação de mão dupla entre o artesanato e a indústria, e
não como dois polos opostos (CARMEL-ARTHUR, 2001, p. 34). Em seu discurso de
inauguração da Bauhaus, ele afirmou: “Criemos uma nova corporação de artesãos sem
as distinções de classe que erguem uma barreira de arrogância entre o artista e o
artesão” (GROPIUS, 2001, p. 10).
Em uma linha de pensamento um tanto mais radical, Victor Papanek lançaria o
livro Design For The Real World (1971), que veio a ser um dos marcos na história dessa
relação entre design e artesanato. No livro, Papanek propôs que os designers voltassem
a sua atenção prioritariamente para a solução de problemas sociais, em favor de uma
abordagem mais solidária, encorajados a abandonar a política de design pelo lucro. Essa
abordagem social ainda é utilizada como referência para o desenvolvimento de projetos
4
Gropius esteve à frente da Bauhaus do ano de 1919 até 1928 (CARMEL-ARTHUR, 2001).
21
de design social, que aproximam a atividade industrial da atividade artesanal
(WHITELEY, 1998).
Radicais ou sociais, essas discussões e uma significativa mudança de
pensamento no design foram abrindo alguns caminhos possíveis para a sua relação com
o artesanato. Os anos 1980 e 90 foram caracterizados pela compra de produtos e
serviços socialmente responsáveis e éticos e estimulados pela disseminação de
pesquisas no campo da sustentabilidade (SANTOS 2005). Esse conceito de
sustentabilidade sempre fez parte do trabalho do artesão: as matérias-primas regionais; o
modo de fazer tradicional, passado de geração a geração; e o respeito pelo meio
ambiente (CAVALCANTE; NASCIMENTO, 2009).
Nos anos 2000, disseminou-se o conceito de acessibilidade e inclusão. A
produção artesanal ressurgia como uma importante função laboral e ocupacional,
permitindo que excluídos do mercado de trabalho formal criassem novas ocupações
para geração de renda. Sampaio (2005, p. 1) acredita que
[...] precisamos entender mais esse processo em que novos usos vêm
sendo atribuídos à cultura e o que isso pode acrescentar às políticas de
promoção do artesanato como vetor de desenvolvimento local.
Nesse campo, temos a construção do Design Social que, conforme Margolin e
Margolin (2004) aponta para as necessidades sociais e é regido pela lógica do usuário,
em vez da lógica da produção.
Margolin e Margolin (2004) também se aproximam das ideias apontadas por
Bonsiepe5 (2005) quando esta diz que:
[...] o paradigma de design dominante sempre foi o de desenhar para o
mercado e devem ser criadas alternativas para um design que não vise
exclusivamente este setor.
É preciso lembrar que “não estamos propondo o abandono da indústria
tradicional pelo artesanato, mas rogando pelo reconhecimento de sua importância
cultural” (CIPINIUK, 2006, p. 5).
Desse modo, a relação entre o design e o artesanato ganha espaço como campo
de atuação, e revela que, apesar das diferenças entre ambos, o design vinculado à
produção industrial pode coexistir com a prática artesanal.
5
Ideias apresentadas em seu artigo Design e Democracia (2005).
22
1.2
COMPREENDENDO O ARTESANATO
O mundo feito à máquina não compreende os bordos irregulares do
barro, não gosta dos vidrados escorridos desigualmente, não aprecia a
boniteza das canecas, das jarrinhas sem equilíbrio total (MEIRELES,
1968, pp. 53-54).
1.2.1 Origem e Características
Os artesanatos pertencem a um mundo anterior à separação entre o útil e o belo
(PAZ, 2006)
A história do artesanato confunde-se com a própria história da humanidade.
Estudos demonstram indícios de artesanato já no período neolítico como modo de
sobrevivência e para suprir necessidades do dia a dia, pois os homens, ao afiar peças,
criavam ferramentas que os ajudavam nos afazeres diários.
Podemos entender, então, que o artesanato existe desde os primórdios de nossa
história, “quando o ser humano passou a criar e a desenvolver artefatos para garantir sua
sobrevivência e bem-estar individual e coletivo, produzindo objetos com suas próprias
mãos” (CHITI, 2003, p. 25). Mayworm (2009, p. 10) acrescenta que
O artesanato surgiu da necessidade. Desde as épocas mais remotas,
os povos, por mais primitivos que fossem, sempre utilizaram materiais
existentes na natureza (barro, madeira, areia, palha, contas, pedras,
penas de aves, bambu, juta, bucha, vime, couro) para confeccionar
utensílios que pudessem facilitar seu modo de vida. É bem provável
que um pote ou um jarro, por seu formato côncavo, tenha surgido da
necessidade de armazenar água para o resto da semana, da mesma
forma que uma faca tenha se originado da necessidade de cortar a
carne de animais recém-caçados para serem distribuídos para o resto
da tribo, ou um espeto para que estas mesmas pessoas não
queimassem a mão com as iguarias cozinhadas na fogueira.
Dessa forma, a compreensão sobre a dimensão da produção artesanal não pode
ser linear; requer a observação de sua origem, do seu processo de criação e de todas as
nuances em que o artesanato está inserido, por se tratar de uma realidade complexa. Como
diz Lima (2002, p. 01), “o universo artesanal não é uma realidade homogênea; pressupõe
modos de fazer diferentes, estilos de visões de mundo e estéticas diferentes também”.
Necessitamos, portanto, estudar o artesanato como um processo e não como
um resultado, como produtos inseridos em relações sociais e não como objetos voltados
para si mesmos (CANCLINI, 1983).
23
Quanto às suas características, Servetto et.al. (1998, p. 12) apresentam as
seguintes definições, que caracterizam o artesanato tradicional:
Trabalho predominantemente manual; utilização de recursos naturais
locais; conhecimentos transmitidos pelas gerações passadas; caráter
utilitário e funcional da obra; bagagem cultural plasmada na criação
individual; expressão de uma cultura e fator de identidade.
Partindo de uma linguagem menos pragmática, Paz (1991, p. 16) assim
caracteriza o artesanato:
[...] no artesanato, há um contínuo vaivém entre utilidade e beleza;
esse vaivém tem um nome: prazer. As coisas dão prazer porque são
úteis e belas. [...] o artesanato é uma espécie de festa do objeto:
transforma o utensílio em signo de participação.
O artesanato, então, sobreviveu ao processo de industrialização como modelo
produtivo, sustentando-se em um tipo de conhecimento especializado, não massificado
e autorrenovável.
1.2.2 Tipos de Artesanato
Com todos os processos de intervenção e adequação do artesanato ao mundo
industrial, houve uma divisão do artesanato em outras vertentes, o que resultou em tipos
diversos. Serão utilizadas neste estudo as conceituações propostas pelo Termo de
Referência do Artesanato (SEBRAE, 2004), que o divide em cinco categorias:
Artesanato Indígena, Artesanato Tradicional, Artesanato de Referência Cultural,
Artesanato Conceitual e Industrianato.
O objeto de estudo desta pesquisa pertence a duas categorias – artesanato
tradicional e artesanato de referência cultural. É o artesanato de capim dourado feito
pela comunidade Mumbuca, localizada no Parque Estadual do Jalapão, no estado do
Tocantins. O Termo de Referência do Artesanato (SEBRAE, 2004) caracteriza o
artesanato tradicional da seguinte forma:
Artesanato tradicional: conjunto de artefatos mais expressivos da
cultura de um determinado grupo, representativo de suas tradições.
Sua produção é, em geral, de origem familiar ou de pequenos grupos
vizinhos. Sua importância e seu valor cultural decorrem do fato de ser
depositária de um passado, de acompanhar histórias transmitidas de
geração em geração (Ibid, p. 22).
24
O artesanato tradicional encontrado na Mumbuca coexiste com o artesanato de
referência cultural, pois ambos fazem parte da gama de produtos tradicionais,
principalmente as peças utilitárias, como cumbucas de diversos tamanhos.
De outro lado, o Artesanato de Referência Cultural consiste em:
Produtos cuja característica é a incorporação de elementos culturais
tradicionais da região onde são produzidos. São, em geral,
resultantes de uma intervenção planejada de artistas e designers, em
parceria com os artesãos, sempre preservando seus traços culturais
mais representativos (Ibid, p. 23).
Dentro dessa categoria, encontram-se na comunidade da Mumbuca diversas
peças inventadas e reinventadas em oficinas e em trabalhos realizados em parcerias com
designers, como sousplats (oficina realizada com Renato Imbroisi, em 2001), além de
acessórios como brincos, pulseiras, colares e artigos de ornamentação.
Fig 1: Sousplat Capim Dourado.
Fonte: Foto da Autora (2011)
Fig 2: Pulseiras de Capim Dourado com inserção de outros materiais.
Fonte: Foto da Autora (2011)
25
Em entrevista realizada na pesquisa de campo para o presente trabalho, pode
ser constatado que os artefatos propostos nas oficinas têm boa aceitação por parte dos
artesãos. No entanto, eles explicam que o desenvolvimento de novos produtos, e até de
novas técnicas, não significa o fim das tradicionais. Em razão disso, encontram-se à
venda na comunidade produtos pertencente às duas categorias, com características bem
diversas, desde o modelo até o modo de trançar e os materiais usados em associação
com o capim dourado.
Essa postura dos artesãos de aceitar as mudanças sem abrir mão das tradições é
muito importante porque, além de preservar a cultura tradicional, faz com que mesmo
os novos produtos desenvolvidos não percam o seu valor agregado mais importante, que
é toda a história por trás do objeto artesanal.
1.2.3 Interações entre design e artesanato nos dias atuais
O artesanato, [assim como o design], é patrimônio inestimável que
nenhum povo pode se dar ao luxo de perder. Mas esse patrimônio não
deve ser congelado no tempo. Congelado ele morre. E é na
transformação respeitosa que entra o papel dos designers (BORGES,
2009, p. 68).
Nos últimos anos, vêm se propagando no Brasil iniciativas promovidas por
instituições públicas e privadas para a inclusão das pessoas pela potencialização das
suas vocações produtivas. Esta pesquisa constatou a existência de uma crescente
participação do design junto ao segmento do artesanato.
Tal aproximação, hoje vista como possível, se iniciou na década de 80, com
destaque para dois importantes artistas – Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães – no
processo de construção de caminhos para o trabalho conjunto entre design e artesanato.
Bardi e Magalhães foram pioneiros na reflexão sobre o artesanato como cultura nacional
e na aproximação entre ele e o design.
A arquiteta Lina Bo Bardi se interessou pela arte, artesanato e cultura
brasileira. Mudou-se para o Brasil no ano de 1946, trazendo consigo a experiência do
design italiano desenvolvido a partir de habilidades e tradições artesanais. Em seu
livro Tempos de Grossura: o design no impasse, que começou a ser redigido em 1980,
mas só foi concluído e lançado pelo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi em 1994 (dois
26
anos após sua morte), ela faz uma análise apaixonada da criação popular, e mostra seu
trabalho e empenho pela inserção do artesanato e da cultura brasileira em grandes
salões de artes. Há fotos e relatos de estudos, das exposições, salões e projetos que
visavam configurar uma identidade brasileira, principalmente no período em que
trabalhou com artesãos no Nordeste.
Risério (1995, p. 116) relata que Bardi tinha um modo peculiar de enxergar o
artesanato, pois
[…] não olhava o produto do artesanato popular com o fascínio
esnobe, pelo frescor, pelo ingênuo ou pelo espontâneo, não era das que
interpretavam e engrandeciam imperfeições em “primitivismo”. Nem
submetia a idealizações o que estava comprometido pela miséria. Com
ela, o objeto popular era visto em sua inteireza e dignidade. Respeitado
como trabalho humano e como solução criativa diante de certo
problema e a partir de determinados materiais.
Com trajetória de aspirações semelhantes à de Lina Bo Bardi está Aloísio
Magalhães (1997, p. 79), que se empenhou pela inserção do artesanato em uma categoria
que equivalesse à arte e ao design, e ainda afirmou que “o artesão brasileiro é um designer
em potencial, muito mais do que propriamente um artesão no sentido clássico”.
No intuito de fazer com que o Brasil valorizasse os conhecimentos do povo e
buscando referenciá-los, Magalhães criou o Centro Nacional de Referência Cultural
(CNRC), que tinha como objetivos revelar a diversidade da cultura brasileira e
documentar referências do saber popular, de forma a conhecer os processos de
produção, comercialização e consumo, as matérias primas e as técnicas artesanais. “A
intenção era ir além do conhecimento, era possibilitar a continuidade daquele processo”
(LEITE, 2003, p. 237).
Magalhães demonstra claramente a sua vontade de que o brasileiro se
preocupasse com a sua própria cultura e voltasse os olhares para dentro do seu país. Isso
já fica claro no título do livro E Triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil, em
referência a uma cidadezinha nordestina chamada Triunfo, rica em cultura, mas
esquecida pelos grandes centros de artes elitistas.
Tanto Lina Bo Bardi quanto Aloísio Magalhães trabalharam pela valorização
da cultura e do artesanato brasileiro, e propunham um intenso relacionamento entre
designers e artesãos. As reflexões, projetos e pesquisas por eles desenvolvidos são
utilizados até hoje como referência para um design nacional aliado ao artesanato.
27
Todas essas importantes iniciativas ajudaram a criar um panorama positivo
para a interação. A mudança mais eficaz para o fortalecimento dessa linha de trabalho
veio com a promulgação da Constituição Federal de 19886, que trouxe uma nova
perspectiva sobre o que seriam os bens culturais e reconheceu as formas de
representação manual (como os artefatos artesanais) como sendo parte integrante desse
patrimônio cultural. Desde então, pesquisas no tocante à preservação e continuidade de
suas práticas vêm sendo estudadas e difundidas.
Com isso, após a mudança na lei a partir dos anos 907, as interações entre
design e artesanato passaram a ser observadas como uma forma de valorização e
conservação do patrimônio cultural brasileiro. Políticas de incentivo e fomento ao
artesanato foram e têm sido priorizadas por instituições públicas e privadas, como
também por várias Organizações Não Governamentais (ONGs). Empresas e
movimentos ligados à “revitalização” da atividade artesanal têm aproximado cada vez
mais o design do artesanato como uma ferramenta importante nesse processo conhecido
como “revitalização do artesanato”. Podemos destacar que, especialmente no ano de
2003, foram criados no Brasil 120 núcleos de design, dos quais vinte por cento tinham
atuação voltada para o artesanato (SEBRAE, 2004).
Por intermédio da comercialização dos produtos artesanais, essas parcerias
buscam maior inserção no mercado globalizado, desenvolvimento socioeconômico dos
artesãos e a consequente manutenção e autossuficiência da atividade artesanal.
É importante ressaltar que todas essas parceiras devem ter sempre em mente a
continuidade das tradições artesanais, que também se renovam, como Paz (2006)
afirma: “o artesão não quer vencer o tempo, mas unir-se ao seu fluir”.
Assim, não deve ser um mero trabalho de repetição, visto que a cultura é
dinâmica e possui uma lógica própria, como afirma Laraia (2002, p. 65). E
complementa, dizendo que “qualquer sistema cultural está num contínuo processo de
modificação” (Ibid, p. 95), e essas modificações são desejadas pelos próprios artesãos.
6
7
Assunto que será tratado mais especificamente no Capítulo 2
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) – Programa de Artesanato
Brasileiro (PAB) – 1991; Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (SEBRAE) –
Programa SEBRAE de Artesanato – 1997; Ministério do Desenvolvimento Agrário – Programa
Talentos do Brasil – 2006; Programa Artesanato Solidário – 1998; Paraná – Secretaria de Estado do
Trabalho e Ação Social – Programa de Artesanato Paranaense (PAP) – 1984.
28
Aloísio Magalhães (1997, p.172) também demonstrava preocupação em relação à
cristalização do fazer artesanal, entendendo que o artesanato evolui com o tempo. “Então, o
artesanato é um momento da trajetória, e não uma coisa estática”. E acrescentava que:
O remédio, a coisa que se oferece, é a ideia que ele repita mais. Que
passe a ter mais benefícios através da repetição reiterada e monótona
daquele momento da trajetória. E isso é inadequado porque você
corta o fio da trajetória, o fio da invenção, da evolução, para que ele
permaneça parado no tempo (Ibid., p. 172).
Lina Bo Bardi também enxergava o artesanato como manifestação cultural
dinâmica e criticava a arte popular conservadora. Citada por Suzuki (1994, p. 21), afirma:
Procurar com atenção as bases culturais de um País, (sejam quais
forem, pobres, míseras, populares) quando reais, não significa
conservar as formas e os materiais, significa avaliar as possibilidades
criativas originais. Os materiais modernos e os modernos sistemas de
produção tomarão depois o lugar dos meios primitivos, conservando,
não as formas, mas a estrutura profunda daquelas possibilidades.
Canclini (1983, p. 138), como Bardi, também se coloca contrário a posições
[...] conservadoras que enxergam apenas a questão cultural ou
meramente estética, e se consagra a vigiar as tradições
embalsamando os desenhos, técnicas e as relações sociais diante das
quais alguma vez os indígenas se reconheceram.
Podemos perceber que ambos veem a produção artesanal como uma prática
viva e mutante, que amadurece ao lado da modernização. Canclini (Ibid., p. 139) ainda
vai além, quando destaca que, nessas parcerias, é necessário permitir uma participação
democrática e crítica aos próprios artesãos:
Necessitamos que os artesãos participem, critiquem e se organizem,
que redefinam a sua produção e o seu modo de relacionar-se com o
mercado e com os consumidores; mas também precisamos que se
forme um novo público, um novo turismo, um outro modo de exercer o
gosto e de pensar a cultura.
Com o crescimento dessas parcerias, alguns designers como Renato Imbroisi8,
Marcelo Rosenbaum e Heloísa Crocco9 se autodenominam designers de artesanato, e o
8
Será retomado mais à frente por meio de seu trabalho desenvolvido na comunidade da Mumbuca, estudo
de caso desta pesquisa.
9
Idem nota acima.
29
fruto de sua intervenção como artesanato de referência cultural – segundo o Termo de
Referência do SEBRAE (2004). Eles têm se destacado por prezarem um diálogo com os
artesãos e pela busca de um comércio tido como justo, em que a política utilizada valoriza
a produção, além de abrir possibilidades de escoamento dos produtos e dos serviços entre
o artesão (produtor) e o comerciante, eliminando a presença dos intermediários.
Esse artesanato de referência cultural vem ganhando cada vez mais importância
dentro do processo de “revitalização” do artesanato. Segundo o SEBRAE,
Este é um dos segmentos mais promissores para o incremento
competitivo do artesanato brasileiro, pois se trata de produtos
concebidos dentro de uma lógica de mercado, orientados para a
demanda, acompanhados por designers, tendo como referência os
elementos mais expressivos e significativos da cultura regional. Além
disso, é o que mais favorece a ampliação de postos de trabalho.
Incremento importante da diversidade de produtos de uma região ou
grupo de produtores é a realização de consultorias em design para
grupos de artesãos, para o desenvolvimento de coleções temáticas
inspiradas na iconografia regional. A introdução de novas técnicas,
novas ferramentas, novos processos e/ou novas matérias primas é
uma ação estratégica para esta subcategoria, objetivando agregar
valor aos produtos [...].(2004, p. 59)
A interação entre design e artesanato que possibilita a concepção de novos
produtos artesanais de referência cultural é defendida por diversos autores, como Cipiniuk10
(2006), que considera possível o diálogo entre o desenho industrial e o artesanato; isso
porque a maior parte da produção nacional não decorre da indústria de alta tecnologia, já
que trabalham na produção artesanal aproximadamente 8,5 milhões de pessoas.
Para se ter uma ideia da dimensão da produção artesanal, segundo dados do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC, 2002), o artesanato é
responsável por 2,8% do PIB – Produto Interno Bruto Brasileiro, enquanto a indústria
do vestuário representa 2,7%, a da bebida representa 1%, e a indústria automobilística
5,4%. O que causa estranheza é que, apesar dessa significativa importância econômica,
o artesanato, e principalmente os artesãos, que produzem essa riqueza, estão logrados no
trabalho informal em sua quase totalidade no país.
10
Alberto Cipiniuk é Doutor em História da Arte e professor assistente no Departamento de Artes e
Design – DAD/PUC – Rio.
30
Pensando em formas de mudar essa realidade, outro autor que apoia a interação
é João Branco11 (2003, p. 6), para quem:
[...] esta aproximação entre o artesanato e o design,
independentemente da fórmula exata, parece poder constituir um polo
inesgotável para parcerias, para atuações interativas, que os
mercados sublimam com agrado.
No entanto, em alguns momentos, essa relação é posta em questão, pois, se de
um lado políticas de fomento estimulam a atuação do designer sobre o artesanato, de
outro existem críticas a atuações com caráter de dominação no processo de imposição
do saber do designer sobre o saber dos detentores do artesanato tradicional.
Bonsiepe (2008, p. 309) classifica seis linhas de relação entre design e
artesanato que podem ser identificadas atualmente:
1- Atitude Conservacionista: protege o artesanato contra qualquer
influência externa do design.
2- Atitude Esteticista: trata o artesanato como representante da
tradição da cultura popular e eleva os trabalhos de artesanato ao
status de arte.
3- Atitude Produtivista: considera os artesãos como força de
trabalho qualificada e utiliza suas habilidades para produzir
projetos em conjunto.
4- Atitude Essencialista: trata o design vernacular12 do artesanato
como verdadeira base e ponto de partida para produzir um design
tradicional.
5- Atitude Paternalista: trata os artesãos como clientes de política
de programas assistenciais, e implanta um intermediarismo
facilitador da comercialização de seus produtos com altos ganhos
só para quem os vende.
6- Atitude de Estímulo: estimula a inovação para que os artesãos
obtenham mais autonomia e possam melhorar suas condições de
subsistência.
Ao observar a realidade da Comunidade da Mumbuca, identificam-se três
dessas linhas de atuação: atitude produtivista, paternalista e de estímulo, as quais
balizarão parcialmente a análise proposta neste estudo.
11
João Branco é português, trabalha como assistente no Departamento de Comunicação e Arte na
Universidade de Aveiro. Tem mestrado em Design e Marketing pela Universidade do Minho.
12
A expressão Design Vernacular é frequentemente usada para descrever uma forma não acadêmica de
design, ou seja, despido do conhecimento formal que cerca o design “erudito”. São soluções materiais ou
visuais e artefatos presentes no cotidiano, com forte ligação com a cultura local. A expressão se origina da
junção do termo design, no sentido de desenho, projeto ou desígnio, com o termo vernáculo que designa
uma língua nativa. Por design vernacular, porém, pode-se compreender qualquer produto desenvolvido a
partir de um hábito cultural (VALESE, 2007).
31
A atitude paternalista pode ser identificada no modo de relação dos órgãos
atuantes na região, principalmente aqueles ligados ao governo e às políticas públicas;
enquanto a atitude produtivista e a de estímulo estão mais ligadas ao trabalho dos
designers e ONGs (e serão apresentadas a partir da página 33 desta dissertação).
Tais atitudes demonstram modos possíveis de relação entre o design e o
artesanato e, principalmente, formas de o designer atuar como tradutor e mediador
entre o artesanato e o mercado consumidor. Como afirma Cipiniuk (2006, p. 6), “o
design deve atuar na configuração de produtos, mediando os interesses da comunidade
e do mercado”.
Continuando em sua reflexão, Cipiniuk (ibid.) acrescenta que o projeto
desenvolvido deveria ser feito de uma forma que
[...] complementasse os trabalhos e incentivos já desenvolvidos e que
deveria considerar o resgate das referências culturais na produção de
artefatos, elaborando linhas de produtos que refletissem o
conhecimento técnico tradicional da comunidade em produtos que
atendessem as novas vertentes do mercado.
Refletindo sobre o trabalho do designer, Bonsiepe (1982, p. 20) aponta:
O desenho industrial é uma atividade projetual, responsável pela
determinação das características funcionais, estruturais e estéticoformais de um produto, ou sistemas de produtos, para fabricação em
série. É parte integrante de uma atividade mais ampla denominada
desenvolvimento de produtos. Sua maior contribuição está na
melhoria da qualidade de uso e da qualidade estética de um produto,
compatibilizando exigências técnico-funcionais com restrições de
ordem técnico-econômicas.
Como se pode ver na citação de Bonsiepe (1982), o trabalho do designer consiste
principalmente em identificar problemas formais, propor soluções criativas e implementar
melhorias da qualidade para o desenvolvimento de produtos, além de estar intimamente
ligado à indústria (produtos em série). Por isso, ele se torna a melhor ponte entre o
artesanato e ela. O designer, pensando como um mediador e tradutor dessa linguagem do
artesanato, pode desenvolver direcionamentos em conjunto com a comunidade artesã e
identificar formas possíveis de trabalho e necessidades apresentadas por ela. Isso
possibilita a esse profissional alcançar a meta da base do tripé proposto por Heloisa
Crocco (2000): desenho, ofício de mãos criadoras e canais de distribuição adequados – na
tentativa de encurtar a distância entre o trabalho artesanal e a sociedade.
32
Conforme afirma Branco (2003, p. 17), “a interação entre design e artesanato
renovará as ofertas dos produtos, deixando-os mais diferenciados e atrativos para os
consumidores”.
Barros (1971, p. 115) também concorda com esse tipo de interação, no sentido
de trabalhar o design para valorizar ainda mais o produto artesanal, e reflete que
[...] a valorização do artesanato como objeto de consumo passa a ser
ao mesmo tempo uma fórmula contra o risco de extinção da atividade e
uma forma de satisfação do desejo gerado na sociedade pós-industrial.
Neste sentido, vale ressaltar que, em todas essas atitudes, relações, interações e
projetos, a transformação tem de ser respeitosa e, principalmente, caracterizada por uma
ética que Helena Sampaio, coordenadora executiva da ArteSol13, nomeia como a ética do
“interferir sem ferir”, que respeita e valoriza as tradições e cultura locais; não impõe formas,
mas dialoga sobre caminhos e trocas possíveis em que artesãos e designers se beneficiam,
ética que já pode ser vista nos exemplos de Canclini (1983) citados anteriormente, que
buscava a participação crítica dos artesãos em todo o processo de interação.
Barroso (1999) faz uma consideração parecida com a da ética do interferir sem
ferir, quando afirma que a inserção do design na produção do artesanato deve obedecer
a um limite para não se tornar nociva. O autor assevera que “cada produto, de acordo
com sua origem e natureza, pertence a uma determinada categoria que irá definir o tipo
de apoio de que necessita” (Ibid, p. 26). Propõe uma pirâmide com níveis de atuação
distintos quando trata do artesanato tradicional, uma vez que suas principais qualidades
e valores estão na história e nas técnicas aprendidas com as gerações passadas. Para ele,
a interação deve ocorrer de modo a
[...] agregar mais valores sem alterar a essência original dos
produtos, para tanto se faz imprescindível respeitar o processo pelo
qual o objeto é confeccionado além da preservação de elementos
estético-formais, que identifiquem o universo simbólico do artesão.
Essa recriação deve ser realizada em conjunto com a comunidade,
sem imposições. (Ibid, p. 26)
Seja como for, o designer deve continuar propondo formas de “atuar, considerando
principalmente o contexto em que o artesão vive, buscando compreender o modo de
13
[...] ArteSol (Artesanato Solidário), OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público)
criada em 2002 para gerar alternativas de trabalho e renda em regiões pobres. Em lugar de ser
simplesmente mais um elo entre artesãos e mercado, a ArteSol busca oferecer soluções em tecnologia
social (REVISTA RAIZ, 2006, p. 73).
33
produção” (FREITAS, 2006, pp. 128-129). Nesse contexto, a mudança na produção de
artesanato aconteceria de forma mais tranquila, pois os saberes do artesão estariam sendo
considerados, isto é, reconhecidos em um processo de transformação e preservação.
Borges (2009, pp. 66-67) demonstra a mesma preocupação com os modos
como essas interações ocorrem e demonstra como isso poderia ser feito de forma
respeitosa, ao afirmar que
Se a interferência sempre existe, que seja para o bem. Que parta de
uma postura não de adulteração e imposição como fazem os
intermediários, e sim de respeito e diálogo como fazem os (bons)
designers. Esses, ao chegarem a uma comunidade, via de regra
começam por um trabalho de reconhecimento dos signos de
identidade cultural local. Convidam os artesãos a olharem ao seu
redor e para a sua história, e tirarem daí seus motes, seu norte.
Nessa linha de pensamento quanto à postura do designer frente ao artesanato,
Cipiniuk (2006, p. 5) comenta que os envolvimentos entre design e artesanato “devem
procurar respeitar antigas práticas sociais, o seu entorno cultural e, a partir daí, propor
integrações com o mercado justamente com a intervenção do designer”.
Então, pode-se entender o design como mais uma ferramenta dessas políticas
públicas e, quando utilizado, que seja de forma a respeitar e saber reconhecer os valores
do artesanato e do artesão, estabelecendo um sistema de trocas possíveis, de mão dupla,
em que tanto os artesãos quanto os designers atuem e se beneficiem.
1.2.4 Principais programas brasileiros de desenvolvimento do artesanato
ligado ao design
Foi realizado estudo sobre alguns dos principais programas de design e
artesanato e se constatou que tem se intensificado a ideia do trabalho conjunto entre
artesãos e designers. Inclusive várias ONGs, empresas privadas e públicas têm sido
criadas, além de movimentos com o objetivo de ajudar os artesãos de hoje a resgatar sua
cidadania, sua dignidade e sua fonte de renda. Mas ainda falta muito para a formação de
uma mentalidade empreendedora, com a capacitação das organizações e de seus
artesãos para a sociedade de mercado, em que o padrão de qualidade e a capacidade de
produção são alguns dos fatores que determinam a aceitação do produto.
34
A seguir apresentam-se alguns órgãos/agentes que realizam intervenções no
artesanato brasileiro.14
1.2.4.1 Programa do Artesanato Brasileiro (PAB)
O Programa do Artesanato Brasileiro (PAB) é vinculado ao Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Foi instituído em 1995 e atua na
elaboração de políticas públicas envolvendo órgãos das esferas federal, estadual e
municipal, além de entidades privadas, com foco nas potencialidades do setor artesanal.
Figura 3 – PAB
Fonte: Portal do Artesanato, 2008
O PAB tem como missão
Estabelecer ações conjuntas no sentido de enfrentar os desafios e
potencializar as muitas oportunidades existentes para o
desenvolvimento do Setor Artesanal, gerando oportunidades de
trabalho e renda, bem como estimular o aproveitamento das
vocações regionais, levando à preservação das culturas locais e à
formação de uma mentalidade empreendedora por meio da
preparação das organizações e de seus artesãos para o mercado
competitivo (MDIC, 2007).
O PAB é representado em cada uma das 27 unidades da Federação por meio
das Coordenações Estaduais do Artesanato. O Programa desenvolve suas atividades
com base nas seguintes macroações: capacitação de artesãos e multiplicadores; feiras e
14
É importante ressaltar que o objetivo desse estudo não é ter caráter censitário e universal, mas sim
pontuar uma amostra diversificada e representativa, a qual, de alguma forma, possa ser relacionada com
a comunidade Mumbuca – objeto de estudo desta pesquisa.
35
eventos para comercialização da produção artesanal; e estruturação de núcleos
produtivos no segmento artesanal.
As ações do Programa possibilitam a consolidação do artesanato brasileiro
como setor econômico de forte impacto no desenvolvimento das comunidades, a partir
da consideração de que a atividade é disseminada em todo o território nacional, com
variações e características peculiares, conforme o ambiente e a cultura regional.
Seguem algumas das ações já realizadas pelo PAB:
Estímulo e apoio à participação dos artesãos em importantes feiras de
artesanato no país, por meio da compra de stands; estímulo e apoio à
adoção de método de organização e gestão do negócio e produto por
meio da capacitação de 184 multiplicadores; doação de 27 caminhões
para o transporte dos produtos; apoio à construção de galpões
multiuso; exposição do artesanato brasileiro nos principais
aeroportos do país, em parceria com a Infraero e Banco do Nordeste;
Publicação da cartilha "O Artesão e a Previdência Social", em
parceria com o Ministério da Previdência e apoio do Banco do
Nordeste; publicação do livro "A Arte do Artesanato Brasileiro" em
três idiomas (MDIC, 2007).
1.2.4.2 Programa SEBRAE de Artesanato
O SEBRAE é um dos pioneiros na criação de programas voltados para essa
interação e gerencia diversos projetos em todo o Brasil, com forte atuação e aceitação
principalmente no norte e nordeste. Possui um programa que vem sendo desenvolvido
no Jalapão com o nome de Capim Dourado e atende à comunidade pesquisada nesta
dissertação.
No final da década de 1990, foi implantado pelo SEBRAE o seu programa de
artesanatos (Programa SEBRAE de Artesanato), hoje presente nas 27 unidades
federativas do país e em 16,6% dos municípios brasileiros. Segundo a entidade, o
programa visa estimular o crescimento e a melhoria da produção artesanal,
reconhecendo a sua importância econômica sem diminuir as expressões culturais ligadas
às técnicas de construção do artefato. O SEBRAE expõe que
O objetivo geral do programa é fomentar o artesanato de forma
integrada, enquanto setor econômico sustentável que valoriza a
identidade cultural das comunidades e promove a melhoria da
qualidade de vida, ampliando a geração de renda e postos de
trabalho. (2004, p. 13)
36
De acordo com o Termo de Referência do Programa SEBRAE de Artesanato
(PSA, 2004), as intervenções do design no artesanato visam à criação de produtos
artesanais com agregação de valores iconográficos e culturais e de acordo com
tendências e demandas do mercado. O resultado dessa produção, cujos atores sãos os
artesãos que detêm a técnica da produção artesanal e os designers que utilizam o design
como ferramenta inovadora, é a criação de uma coleção de peças classificadas como
“artesanato de referência cultural”.
Dois programas se destacam dentro da linha de atuação do SEBRAE: o
Programa Talentos do Brasil e o Talentos do Brasil Rural. Esses programas atuam
inclusive no estado do Tocantins e já desenvolveram alguns projetos com comunidades
artesãs do Parque Estadual do Jalapão, onde está também localizada a comunidade
Mumbuca.
Segundo o site15 do Programa, o Talentos do Brasil é um importante instrumento
de geração de trabalho e renda para artesãs da agricultura familiar, por meio do
fortalecimento do processo de gestão, promoção e comercialização dos grupos artesanais.
Cerca de duas mil artesãs integram os 18 grupos produtivos apoiados pelo Programa,
reunindo técnicas manufatureiras repassadas de geração a geração, com a beleza da
matéria prima natural, retirada da biodiversidade brasileira de forma sustentável.
Figura 4 – Logo Talentos do Brasil.
Fonte: Blog Talentos do Brasil
Atualmente, o Talentos do Brasil une artesãs e artesãos do meio rural de 12
estados brasileiros. Organizadas, 18 cooperativas, formam a Cooperativa Nacional
Marca Única – Cooperunica – que comercializa um portfólio com mais de 1.500
produtos. Estilistas e designers reconhecidos nacional e internacionalmente fazem parte
do Programa – eles compartilham saberes e experiências com as artesãs, adequando os
produtos às exigências do mercado nas oficinas promovidas pelo projeto.
15
Disponível em: <http://talentosdobrasil.com.br/blog/>. Acesso em: ago/2012
37
Além disso, os produtos resultantes dessas oficinas são comercializados no
Blog do programa, o que proporciona maior alcance e distribuição desse artesanato de
referência cultural.
Figura 5 – Oficina de Artesãs.
Fonte: Blog Talentos do Brasil
Tanto no Programa SEBRAE de Artesanato quanto no Programa do Artesanato
Brasileiro, ambos de abrangência nacional, nota-se uma classificação de categorias e
tipologias que legitima suas práticas, criando uma nivelação de conceitos para a execução
das atividades nos mais diversos pontos do Brasil. Para o PAB, o artesanato
[...] é o produto resultante da transformação da matéria prima com
predominância manual, por um indivíduo que detenha o domínio
integral de uma ou mais técnicas previamente conceituada, aliando
criatividade, habilidade e valor cultural, com ou sem expectativas
econômicas, podendo no processo ocorrer o auxílio limitado de
máquinas, ferramentas, artefatos e utensílios (PAB, 2006, p. 3).
Essa conceituação foi elaborada no Seminário Nacional com os Coordenadores
do PAB em Brasília, em outubro de 2006. De forma semelhante, em 2004, o SEBRAE
elaborou o documento Termo de Referência para orientar e sistematizar suas ações
voltadas para o artesanato, caracterizando a atividade e orientando as ações de design.
38
1.2.4.3 Outros programas
Partindo de uma atuação em âmbito nacional, têm-se dois importantes
programas de artesanato, descritos a seguir.
a) ArteSol
Inicialmente idealizado como projeto de combate à pobreza em regiões
castigadas pela seca, o ArteSol16 (Artesanato Solidário) foi concebido em 1998 como
um programa social e, a partir de 2002, tornou-se uma OSCIP (Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público). Suas ações, que priorizam trabalhos relacionados
ao artesanato, são direcionadas para localidades de baixo IDH (Índice de
Desenvolvimento Humano). Sua atuação ocorre por meio de projetos e ações voltados
para a “valorização da atividade artesanal de referência cultural brasileira, a
Salvaguarda do Patrimônio Cultural Intangível, e inclusão cidadã e produtiva dos
artesãos” (ARTESOL, 2012). Tem como objetivos
Promover o artesanato de tradição como patrimônio cultural;
apoiar os processos de requalificação do objeto artesanal
brasileiro; estimular a formação continuada dos artesãos;
promover o fortalecimento das associações, apoiando-as em seus
processos de sustentabilidade; articular os agentes que atuam em
diferentes frentes no setor, em nível nacional e internacional
(ARTESOL, 2012).
Em 2006, o ArteSol foi reconhecido pela Organização Mundial de Comércio
Justo (World Fair Trade) como uma instituição que segue os princípios do comércio
justo, passando a atuar mais intensamente na difusão desses princípios não só entre os
artesãos, mas também entre seus parceiros e clientes.
Uma inovação ao programa de apoio à comercialização do ArteSol foi inserida
neste ano de 2012, quando ele passou a potencializar a comercialização direta feita pelas
próprias associações/cooperativas de artesãos, a fomentar um maior protagonismo e
empreendedorismo dos artesãos no relacionamento com o mercado e a atuar como
articulador, ao fornecer os contatos das associações para os clientes e orientar os
diálogos para que os pedidos sejam efetivados. Essa negociação direta com os artesãos
16
Disponível em: <www.artesol.org.br>. Acesso em: ago/2012
39
tem como objetivo estimular a autonomia das associações, já que encara o comércio
como uma ferramenta fundamental para a redução da pobreza e para a conquista de
maior desenvolvimento sustentável.
As ações de capacitação em diversas áreas têm como objetivo transformar o
artesanato em oportunidade de geração de trabalho e renda, com projetos que respeitam
e valorizam as comunidades envolvidas. Sobre esse fato, Lima (2005, p. 13) afirma que
[...] O ArteSol tem se revelado um programa de artesanato de
qualidade, especialmente porque lida com o respeito. Respeito aos
valores populares, respeito aos artesãos, que são produtores de
objetos e são também produtores de cultura.
No site do ArteSol, também é possível comprar produtos artesanais das mais
variadas comunidades brasileiras e frutos de suas oficinas de capacitação. Além disso,
também atua na promoção de mesas redondas, debates e estudos que se transformam em
cases de trabalho e publicações com vistas a expandir e a auxiliar o desenvolvimento
dessas ações de interação com o artesanato em todo o Brasil.
b) A CASA – Museu do Objeto Brasileiro
A CASA tem o objetivo de contribuir para o reconhecimento, valorização e
desenvolvimento do artesanato e do design brasileiros, incrementando a percepção
consciente a respeito do produto brasileiro.
Sua forma de atuação está em
[...] coletar, pesquisar, selecionar, documentar e conservar produtos e
referências culturais; comunicar, difundir e disponibilizar informação e
conhecimento a respeito desses produtos e referências, por meio de
exposições físicas e virtuais, publicações, vídeos, debates, ações
educativas, entre outros; promover e instituir mediações, atuando como
rede que interliga iniciativas e pessoas envolvidas e interessadas na
expressão cultural brasileira; estimular a reflexão crítica sobre a
expressão cultural brasileira, por meio da realização de encontros,
seminários, conferências, cursos etc.; instituir critérios de avaliação de
iniciativas relacionadas ao design e artesanato, estabelecendo
parâmetros quanto à ética e qualidade dos projetos; promover a
capacitação dos agentes culturais envolvidos (A CASA, 2011)
40
Em julho/2011, A CASA recebeu a exposição Capim Dourado: costuras e
trançados do Jalapão, que foi considerada uma oportunidade para o público de São
Paulo apreciar e adquirir peças artesanais produzidas por artesãos de cinco comunidades
dos municípios de Ponte Alta, São Félix, Mateiros e Novo Acordo, situados na região
do Jalapão, no estado do Tocantins.
Figura 6 – Folder exposição Capim Dourado.
Foto: Divulgação
A exposição foi realizada pelo Programa de Promoção do Artesanato de
Tradição Cultural (PROMOART), o Programa Mais Cultura, do Ministério da Cultura,
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Centro Nacional de
Folclore e Cultura Popular (CNFCP) e Associação Cultural de Amigos do Museu de
Folclore Edison Carneiro (ACAMUFEC), com a parceria de A CASA – museu do
objeto brasileiro.
Outra importante iniciativa aliada a essa exposição foi a promoção de uma
mesa redonda sob o título: Capim dourado: como manter o brilho deste capim?, que
contou com a presença do designer Renato Imbroisi, de artesãs do Jalapão e outros
profissionais da área, debatendo a preservação, a biopirataria e outras ameaças que o
artesanato de capim dourado vem enfrentando.
Passando a uma atuação mais regional, na comunidade, objeto de estudo desta
pesquisa, têm-se dois importantes programas, o PERCAD e o PEQUI.
41
c) PERCAD
O PERCAD é uma iniciativa da ONG tocantinense “Trabalha Brasil”, com
apoio do Ministério da Justiça e do Governo do Estado, por meio da Setas – Secretaria
do Trabalho e Desenvolvimento Social, Secretaria da Indústria e Comércio, entre outras.
Nomeado Programa Estadual de Reflorestamento do Capim Dourado
(PERCAD), foi idealizado em 2006 e aprovado em 2008 com recursos do Ministério da
Justiça. Desde sua idealização, tem como principal foco combater o desaparecimento da
matéria prima que vinha sendo coletada de forma indiscriminada, “agregar” valor aos
produtos, capacitar e qualificar artesãos e introduzir, por meio do design, peças mais
elaboradas com uma linguagem atual. O programa também acompanha os artesãos em
feiras e exposições do ramo de artesanato, tanto em eventos estaduais, como o Palmas
Fashion Week e a Feira Agrotins, como em outros eventos em nível nacional.
A primeira ação do PERCAD foi um curso de capacitação em design com 120
horas/aula na comunidade Mumbuca, a 35 km de Mateiros. Segundo o designer Divino
Alves, o curso deu oportunidade a 60 artesãs de conhecer novas técnicas e aprender a
combinar cores, formas e texturas. Ele explica que as alunas só sabiam trançar o capim,
mas agora aprenderam a costurar, crochetar e bordar. “Para elas, foi uma experiência
completamente nova, assimilaram muito bem as técnicas, e agora podem usar menos
capim e agregar outros produtos” (CAVALCANTE, 2010).
Figura 7 – Mostra de produtos confeccionados na oficina do PERCAD.
Fonte: Heverton Lacerda (2010)
42
Essa capacitação procurou oferecer alternativas de produtos que utilizassem
menor quantidade de capim dourado, concentrando a matéria-prima em lugares de
destaque e mesclando com outros materiais. A bolsa, que antes era toda de capim
dourado, agora recebe a inclusão de tecidos, e apenas os detalhes ficam a cargo do capim.
d) PEQUI
A PEQUI17 é uma associação sem fins lucrativos que trabalha com pesquisas
para a preservação do cerrado e tem desenvolvido e apoiado diversos projetos de
pesquisa. Enfoca espécies ameaçadas da fauna brasileira, faz levantamentos de
biodiversidade, uso sustentável dos recursos naturais do Cerrado, educação ambiental,
entre outros.
Apesar de não estar relacionada diretamente com o trabalho de design, essa
associação tem desenvolvido um trabalho muito importante desde 2002, em conjunto
com associações extrativistas do Jalapão, realizando estudos para testar e acompanhar
os efeitos do extrativismo sobre o capim dourado. Os estudos são importantes para o
manejo sustentável da matéria prima, o que garante a manutenção dessa atividade
artesanal, principal fonte de renda dos artesãos do Jalapão.
A partir desses resultados das pesquisas científicas, aliados aos conhecimentos
dos artesãos, foi montada uma cartilha ensinando a forma correta de colher o capim.
Isso porque há uma data no ano em que a colheita do capim possibilita o replantio das
sementes, ou seja, as sementes estão prontas para serem germinadas e as hastes do
capim se encontram na fase mais bonita com o brilho dourado mais intenso. Em seu
site, a PEQUI (2004) expõe que
Com base nos resultados obtidos, a partir de 2004, o Naturatins –
Instituto Natureza do Tocantins – elaborou regras para a colheita das
hastes de capim dourado utilizadas na confecção artesanal. Estas
regras estão na Portaria 092/2005, que determina que: as hastes
apenas podem ser colhidas após 20 de setembro; as flores (capítulos,
ou frutos) devem ser cortadas e dispersas no solo logo após a
colheita; as hastes de capim dourado não podem sair da região in
natura, apenas em forma de artesanato.
17
Disponível em: <www.pequi.org.br> Acesso em: ago/2012
43
Figura 9 – Capa da Cartilha Capim Dourado e Buriti.
Fonte: Site PEQUI (2007)
Mais um trabalho que a PEQUI realizou com apoio de outras empresas foi a
produção de um catálogo de produtos de capim dourado confeccionados pelas
comunidades do Parque Estadual do Jalapão. O catálogo, além de fornecer algumas
explicações sobre a matéria prima, traz fotos de todos os produtos desenvolvidos, com
especificações de tamanho e dados de contato para que as compras possam ser feitas
diretamente junto às comunidades, o que facilita o escoamento dos produtos e evita
intermediários.
Figuras 10 e 11 – Capa e folha interna do catálogo de produtos realizado pela PEQUI.
Fonte: Site PEQUI (2009)
44
1.2.4.4 Designers
Constata-se também que tem crescido o número de designers envolvidos em
projetos de artesanato. Para esta pesquisa, elegeram-se três deles: Heloísa Crocco,
Marcelo Rosenbaum e Renato Imbroisi, por já terem desenvolvido trabalhos na área do
Jalapão, aproximando-se do estudo de caso proposto.
a) Heloísa Crocco
Heloísa Crocco18, designer brasileira, trabalha tanto em programas do
SEBRAE como em outros próprios. É considerada um dos principais nomes da junção
design e artesanato no país. Pelo seu pioneirismo, foi uma das primeiras designers a
incursionar no artesanato, em 1993.
Crocco é responsável pelo Laboratório Piracema Design, um núcleo de
pesquisa da forma brasileira. Idealizadora do Projeto Piracema, conta que o laboratório
é feito através de “vivências que ajudam na formação de profissionais para atuação em
programas de aproximação entre design e artesanato”. O projeto, que já passou por
diversas regiões do Brasil, objetivou valorizar a cultura tocantinense com o resgate do
uso do Capim Dourado, desenvolvido em parceria com o SEBRAE na comunidade de
Ponte Alta, no Jalapão. A coleção recebeu o nome de Jalapa.
Figuras 12 e 13 – Oficina no Jalapão e produto confeccionado para a coleção Jalapa.
Foto: Fabio Del Re (2009)
18
Disponível em: <www.croccostudio.com> Acesso em: ago/2012
45
Segundo a designer (CROCCO, 2000), em seu procedimento de trabalho com
as várias comunidades, ela busca tirar o cerne do projeto das condições locais, nunca
impor ou levar pronto, estabelecendo uma relação ética. Por meio do diálogo, procuram
eleger um referencial básico da identidade local e desenvolver o design a partir daí,
valorizando o saber local e chamando a atenção para o fato de que o artesão é um
conhecedor nato dos recursos materiais empregados nos artefatos e das tradições da sua
comunidade. Crocco (2000, p. 26) aponta que
Uma relação entre esses dois universos pode contribuir para o
processo de renovação cultural. O papel do designer ultrapassa os
limites do apuro estético que sua interferência possa trazer à
manualidade do artesão. Ele esclarece ideias e sentimentos e faz com
que o objeto reflita o que o homem descobre de seu meio e de si
próprio, incentivando a busca de novas soluções para a confecção
dos produtos.
Um trabalho recente da designer foi feito em parceria entre a ABEST
(Associação Brasileira de Estilistas) e o SEBRAE. O projeto prevê ações durante os
anos de 2012 a 2015. Entre as diversas atuações das duas entidades, estão a
profissionalização de comunidades artesanais e o lançamento do caderno +B da
ABEST, intitulado Identidade Brasil, que tem como fonte de inspiração, segundo
Maurício Medeiros, representante da Associação, o país e suas riquezas iconográficas e
etnográficas.
No projeto, serão beneficiadas 15 comunidades de artesanato por meio de
capacitações para incorporar o design e incluir seus produtos na indústria da moda
brasileira de alto valor agregado.
As comunidades serão escolhidas por critérios
específicos, como localização em áreas de baixo Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) e elevada presença de artesãos que dominem uma técnica específica e que já
tenham sido atendidos pelo SEBRAE.
A primeira comunidade a receber a oficina foi a comunidade Mumbuca, em
Mateiros/TO. Crocco ministrou uma oficina de 9 a 15 de abril/2012, cujo objetivo
(segundo informações do SEBRAE) foi treinar os artesãos para o desenvolvimento de
produtos inovadores e competitivos, fazendo com que essas comunidades incorporem
práticas sustentáveis em sua produção.
46
Figura 14 – Oficina ministrada por Heloisa Crocco na Mumbuca:
Fonte: Fabio Del Re (2012)
O caderno +B foi lançado pela ABEST em maio/2012. Essa edição do livro
intitulada Identidade Brasil foi dividida em três grandes temas – Traço, GPS e Casulo –
e cada um deles mostra uma faceta da essência brasileira por meio de textos, fotos e
ilustrações. O tema do capim dourado foi incluído dentro de GPS.
Figura 15 – Caderno +B ABEST 2013.
Foto: Divulgação
47
b) Marcelo Rosenbaum
Marcelo Rosenbaum é brasileiro, nascido em 1968 em Santo André, São Paulo.
O designer atua há mais de 20 anos à frente do escritório Rosenbaum 19. Seu trabalho
tem como inspiração principal os valores da brasilidade.
A síntese do pensamento de trabalho da Rosenbaum é o conceito do
MORAR
20
ampliado, além do projeto do espaço físico e da estética do objeto. O
MORAR é interpretado sob seu recorte dos valores de conexão, identidade cultural,
cultura popular, memória e inclusão.
Rosenbaum, a convite de Heloísa Crocco, participou da edição do Projeto
Piracema – Vivências junto aos artesãos que já trabalham com capim dourado. O
workshop, que aconteceu entre os dias 8 a 18 de julho de 2009, teve como propósito
criar protótipos de produtos novos para os artesãos, orientando-os na continuidade dessa
produção e na maior geração de trabalho e renda para o artesanato local. A coleção
desenvolvida recebeu o nome de Jalapa.
Segundo Rosenbaum, após a chegada ao município de Ponte Alta/TO, o
contato com as artesãs e, principalmente, com a matéria prima, procurou também
conhecer melhor as artesãs e o entorno daquela prática artesanal. Após isso, descreve
em seu site o método utilizado nessa vivência no Jalapão:
Levei referências de tendência das maxi bijoux, tipo que se usa hoje e
que aparecem em todas as revistas de moda, até nas novelas. Fizemos
o exercício de observar o cotidiano delas, as belezas da região e
buscamos incorporar essas formas nos objetos, valorizar o brilho do
capim dourado como matéria mais nobre, e usar outros materiais que
contrastassem, mas que não roubassem a cena. Optei por trabalhar
mais com bijoux, pois necessitam de menos matéria de capim e podem
ser mais valorizadas, já que a aceitação é imediata. Só sei que
gostaria de dedicar cada vez mais do meu tempo para trazer esse
artesanato em potencial, essa riqueza natural para o benefício de
todos. Todos nós temos muito que aprender! É isso, espero que essa
vivência tenha sido tão transformadora para as artesãs e para a
equipe Jalapa, como foi pra mim (ROSENBAUM, 2009)
19
Disponível em <www.rosenbaum.com.br> Acesso em: ago/2012
20
Trabalho permanente do escritório Rosenbaum®, que desenvolve projetos e produtos para o segmento casa.
48
Figuras 18 e 1921: Colar Raimunda com fio preto e Mesa Amélia com pés de lixeira.
Fonte: Fabio Del Re (2009)
c) Renato Imbroisi
Renato Imbroisi, segundo o perfil em seu site pessoal22, é tecelão e designer de
artesanato. Trabalha em parceria com artesãos têxteis, dirigindo oficinas de criação e
desenvolvendo novos produtos. Já participou de muitos projetos em todas as regiões do
Brasil e também trabalha na África (Moçambique, e São Tomé e Príncipe), além de já
ter realizado workshops e oficinas de criação na Itália e no Japão.
Tecelão por formação, iniciou o desenvolvimento de um método criativo junto a
artesãos em 1987, ao chegar ao município de Carvalhos, no Sul de Minas Gerais, onde se
localiza o bairro rural do Muquém. Sem eletricidade, vivendo de pequenas criações e
hortas em sistema de agricultura de subsistência, a pequena população ainda produzia
tecido em teares antigos, feitos à mão com madeira local. A partir da criação de novos
tecidos junto com as tecelãs locais, criou seu método de trabalho, adotado desde 1996 –
ano de seu primeiro convite para atuar como consultor do SEBRAE junto a artesãos do
Distrito Federal. Imbroisi é também um dos pioneiros nesse tipo de atuação no país.
Como ele mesmo afirma:
Eu já tinha um nome, eu já me destacava nessa área, fui um pioneiro.
O SEBRAE me chamou porque já sabia desse meu trabalho. Iniciei o
trabalho com o SEBRAE em 1996, foi 12 anos depois do começo em
Muquém. Foi quando começou o programa de artesanato SEBRAE
(CANANI, 2008, p. 200).
21
Fotos do catálogo Jalapa, produzido ao final da vivência.
22
Disponível em <www.renatoimbroisi.com.br> Acesso em: ago/2012
49
O designer-artesão também é conhecido por sua habilidade em mesclar as
matérias-primas mais diversas, como o algodão, a corda, galhos, seda, sementes etc.
Entre suas exposições, estão Meninas Geraes (BNDES, Rio de Janeiro, 2003),
Que Chita Bacana (SESC Belenzinho, São Paulo, 2005), Desenho de Fibra (Bento
Gonçalves e São Paulo, 2011). Imbroisi também mantém produção própria de tecidos e
outros objetos têxteis no povoado do Muquém.
Figura 20 – Artesã africana faz colar sob orientação de Imbroisi.
Fonte: Casa Brasil (2011)
Figura 21 – Mostra Brasil na África.
Fonte: Casa Brasil (2011)
50
Imbroisi foi pioneiro no trabalho de inserção do design na comunidade da
Mumbuca. Também foi o primeiro a realizar oficinas com as artesãs da região do
Jalapão, sob iniciativa de um trabalho da Secretaria da Cultura, de 1997 a 2001.
No ano de 2011, quase 10 anos depois da sua primeira oficina, o designer foi
convidado a retornar para novas oficinas e desenvolver outras linhas de produtos na
região do Jalapão, em Mateiros e Mumbuca, do dia 14 a 17 de outubro, quando as
artesãs receberam a segunda etapa da capacitação em Capim Dourado ministrada pelo
designer. Ele explica:
Nesta etapa, elas incorporaram melhor a ideia de trabalhar temas
específicos, que darão forma a novas peças da coleção exclusiva que
pretendemos lançar no final do projeto. Como, por exemplo, molduras
de espelho, cúpula de luminárias e peças de acessórios no formato de
folhas em capim dourado (SOUZA, 2011).
Renato Imbroisi também está desenvolvendo um catálogo do artesanato em
capim que delineará a história do artesanato e dos artesãos da região para mostrar como
foi o início e toda a evolução da arte com o capim dourado nessas comunidades.
Considerando esse breve estudo de programas brasileiros de desenvolvimento
do artesanato ligado ao design, torna-se crucial estabelecer algumas conexões com o
design. Para tanto, voltamos às linhas de atuação propostas por Bonsiepe (2008)23.
Primeiramente, observa-se que projetos ligados direta ou indiretamente ao
governo acabam por adquirir uma Atitude Paternalista (Bonsiepe, 2008, p. 309) como o
PAB e também o Programa de Artesanato Brasileiro, citados anteriormente. Mesmo que
unam esforços para o desenvolvimento e comercialização dos produtos artesanais,
muitas vezes acabam caindo na rede de um programa de Gestão de Artesanato, como o
que o SEBRAE mantém na área do Jalapão, e que muitas vezes, com um projeto linear
de atuação, massificam os produtos artesanais num processo de adequação ao mercado e
escoamento de produtos que beneficiam mais os intermediários do que a própria
comunidade, visto que a melhoria e o desenvolvimento que chegam a lugares tão
remotos são pequenos em comparação ao crescimento das vendas dos artefatos
artesanais brasileiros dentro e fora do país.
Margolin e Margolin (2004) afirmam que desde a revolução industrial, o
paradigma do design tem sido o de desenhar para o mercado, enquanto alternativas
23
Conforme apresentado na página 30 dessa dissertação
51
recebem pouca atenção. Ou seja, o papel do designer que atua em linhas de trabalhos
sociais, como aquelas ligadas ao artesanato também é o de questionar o conceito de
“mercado” e o de domínio de mercado.
Sobre isso, Bonsiepe (2005, p. 3) cruza o significado de mercado com o de
democracia e diz:
Nas versões neoliberais, a democracia é sinônima da predominância
do mercado como conceito quase sacralizado e como máxima e
exclusiva instância para regular as relações sociais dentro das e
entre as sociedades.
Pensando neste conceito de democracia, o autor ainda reflete ao dizer:
Utilizo uma interpretação simples de democracia, no sentido de
participação para que dominados se transformem em sujeitos que
abrem espaço de autodeterminação, e isto quer dizer espaço para um
projeto próprio, para um design próprio. [...] Faço minha adesão a
um conceito substancial e menos formal de democracia no sentido de
redução de heteronomia, heteronomia entendida como subordinação
a uma ordem imposta por agentes externos. [...] Mencionamos aqui o
papel do mercado e o papel do design dentro do mercado.
Entretanto, o autor faz uma ressalva e diz que não está propondo um design
universalista e idealista, mas sim uma postura crítica dos designers frente às imposições
vigentes. Imposições que podem ser vistas em alguns projetos de design feitos na
comunidade da Mumbuca, que nascem de uma ideia sem diálogo com os artesãos, um
acordo unilateral. Isto pode ser constatado na pesquisa de campo por meio do recorrente
apontamento dos entrevistados.
Ao que parece, a ONG PEQUI vem se destacando em contraponto a essa
imposição e dominação paternalista de certos projetos. Nasceu de uma ideia não
propriamente dita de design, mas dentro de um conceito de preservação e
desenvolvimento do cerrado e de suas comunidades, aproximando-se das Atitudes
Produtivista e de Estímulo (BONSIEPE, 2008, p. 39), uma vez que busca, em conjunto
com os artesãos, a conscientização para a preservação ambiental e a criação de
alternativas de vendas que excluam a necessidade de intermediários, se encaixando no
modelo social de design proposto por Margolin e Margolin (2004).
Os designers Crocco, Rosenbaum e Imbroisi apresentados neste estudo foram
escolhidos não só por sua importância na relação entre design e artesanato, mas também
pelo reconhecimento por sua ética de trabalho junto aos artesãos. Ao que parece em
52
seus diálogos, demonstram respeito pela cultura tradicional do artefato artesanal,
percepção das necessidades reais dos artesãos e cuidado com juízos de gosto. Isso é
reiterado na fala dos artesãos entrevistados.
Voltando a Bonsiepe e às Atitudes Produtivista e de Estímulo, é necessário
ressaltar que para o desenvolvimento do trabalho dos designers se encaixar à luz dessas
atitudes, a postura do designer deve ir além da superficialidade da renovação estética.
O design mais e mais se distanciou da ideia de ‘solução inteligente
de problemas’ e mais e mais se aproximou do efêmero, da moda, do
rapidamente obsoleto – a essência da moda é a obsolescência rápida
–, ao jogo estético-formal, à ‘boutiquização’ do mundo dos objetos
(BONSIEPE, 2005, p. 1)
Uma alternativa para a fuga dessa efemerização do trabalho do designer junto
às comunidades artesanais pode estar na continuidade e acompanhamento dos processos
propostos. O acompanhamento regular do trabalho desenvolvido nas oficinas, a volta do
designer à comunidade e a conversa com seus membros sobre o trabalho sendo
realizado pode revelar aspectos novos e contribuir para o desenvolvimento,
permanência e emancipação da atividade.
Longe do idealismo e da negação ao mercado propostos por Papanek (1971), as
relações apresentadas neste estudo auxiliam a embasar e referenciar a pesquisa, já que
também foi constatada a falta de estudos direcionados ao design social e à sua interação
em comunidades, como afirmam Margolin e Margolin (2004, p.46): “não existe mais
suporte a serviços de design social, por ausência de pesquisas que demonstrem como
um designer pode contribuir para o bem-estar humano”.
Os programas, ações e designers pesquisados, sua forma de atuação, métodos e
resultados analisados possibilitaram um direcionamento maior no estudo e na própria
pesquisa de campo, fundamentando e ajudando a perceber as diversas faces do objeto de
estudo também em outros envolvimentos e, com isso, voltando-se para um dos objetivos
do Design Social: o de revelar uma metodologia que ressalte os interesses e
necessidades culturais de um povo e promover a interação social (SENA, 1995).
Além disso, através deste estudo, observou-se o crescimento do número de
interações entre design e artesanato que dizem priorizar a ética e o mútuo
desenvolvimento, visando à conservação da produção artesanal e consequente inserção
no mundo industrial/pós-industrial.
53
A religião artística moderna gira sobre si
mesma sem encontrar a via de saúde: vai
da negação do sentido pelo objeto à
negação do objeto pelo sentido.
(OCTÁVIO PAZ, 2006)
54
CAPÍTULO 2 – DESIGN E ARTESANATO: UMA RELAÇÃO
POLÍTICA E (I)MATERIAL
Como vimos no capítulo anterior, a aproximação do design para com o
artesanato se intensificou nos últimos anos, e o uso do design como ferramenta de
trabalho aliada no campo do artesanato tem se dado em larga escala.
Neste capítulo, vamos compreender como essa relação extrapola uma simples
interação entre áreas de criação consideradas distintas, e passa a ser um processo para
conservação do patrimônio histórico e cultural (material/imaterial) brasileiro à luz da
Constituição Federal de 1988.
2.1
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Os avanços nos estudos jurídicos sobre patrimônio cultural trouxeram uma
nova perspectiva sobre o que seriam esses bens culturais:
Patrimônio cultural não se limita aos monumentos de ’pedra e cal‘,
ou seja, aqueles bens materiais e tangíveis; ao revés, reconhece nas
manifestações culturais imateriais mais uma dimensão desse
patrimônio. (AGUINAGA, 2006, p.4)
Assim como os artefatos artesanais estudados nesta pesquisa, os quais, além de
objetos, são manifestações culturais, as formas de representação manual passaram a ser
reconhecidas como integrantes desse patrimônio cultural, de acordo com a Constituição
Federal de 1988. Pesquisas que já vinham sendo realizadas no tocante a preservação e
continuidade dessas práticas ganharam maior visibilidade, e sua aplicação passou a ser
mais estudada e difundida desde então.
O capim dourado, matéria prima do artesanato que a comunidade Mumbuca24
produz, teve seu valor reconhecido pela lei nº 2.186 de 14 de julho de 2009 como sendo
bem de valor cultural e patrimônio histórico do estado do Tocantins25. Com isso, tornou
24
Estudo de caso
25
Conforme publicado no Diário Oficial do Tocantins Nº 3.013, 2009 (ANEXO 1)
55
ainda mais importante a manutenção de suas práticas e a conservação das tradições e
comunidades relacionadas a ele.
O tratamento constitucional do bem cultural está previsto nos artigos 215 e 216
da Carta Federal de 1988. O artigo 215 trata da proteção ao patrimônio cultural de modo
amplo, mencionando o direito de todos ao exercício dos direitos culturais e o acesso às
fontes da cultura nacional, cabendo ao Estado garantir o exercício desses direitos, assim
como a valorização e difusão das manifestações culturais. O artigo 216 traz o conceito de
patrimônio cultural e os meios utilizados para sua proteção. Apresenta a seguinte redação:
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se
incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá
e protegerá o patrimônio cultural brasileiro por meio de inventários,
registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras
formas de acautelamento e preservação.
§2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da
documentação governamental e as providências para franquear a sua
consulta a quantos dela necessitem.
§3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento
de bens e valores culturais.
§4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos na
forma da lei.
§5º Ficam tombados todos os documentos e sítios detentores de
reminiscências históricas dos antigos quilombos [...]
Portanto, numa primeira leitura, patrimônio cultural abrange a ideia de
conjunto de bens, materiais e imateriais, portadores de valores culturais. Porém o artigo
216 reporta a necessidade de dotar de significado as manifestações culturais ou bens
culturais. Nesse sentido, Reale (1983, p. 212.) observa que:
As manifestações ou bens são “suportes”. Para que sejam contados
como pertencentes ao patrimônio cultural brasileiro, necessitam do
“significado”, que sejam portadores de referência à identidade, à
ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira.
56
Nesse contexto, a comunidade Mumbuca além de possuir o suporte – suas
manifestações culturais (cantigas de roda, festas) e bens culturais (artefatos artesanais) –
conta também com o significado: como remanescentes quilombolas, são portadores de
referência à identidade e constituem Patrimônio Cultural Brasileiro, uma vez que estão
ligados à memória de um dos grupos formadores da sociedade brasileira – a matriz afro,
como caracteriza Ribeiro (1995, p.20):
A sociedade e a cultura brasileiras são conformadas como variantes
da versão lusitana da tradição civilizatória europeia ocidental,
diferenciadas por coloridos herdados dos índios americanos e dos
negros africanos, resultando na confluência de tantas e tão variadas
matrizes formadoras de uma sociedade multiétnica.
Conforme apontado pelo autor, a matriz afro é um dos grupos formadores da
sociedade brasileira, mesmo tendo, muitas vezes, sua participação e importância
encobertas. Segundo Merlo,
Lendo os históricos, torna-se cada vez mais evidente o encobrimento
da presença negra. Algumas referências, no entanto, limitam-se em
atribuir ao negro a condição de escravo, sem valorizar sua
contribuição à vida [...] (2005, p. 31)
Esse fator, somado aos já apresentados, torna ainda mais relevante o
desenvolvimento da presente pesquisa com uma comunidade remanescente de
quilombo, no sentido não só de resguardar, mas de dar visibilidade e voz a memórias
suprimidas ou silenciadas.
2.2
PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL
Como vimos, a Constituição Federal de 1988 ampliou o alcance do patrimônio
cultural, nele inserindo os bens imateriais, uma vez que não é apenas de aspectos físicos
que a cultura de um povo se constitui.
Existe uma porção intangível de ‘herança cultural’, que está contida
nas tradições, no folclore, nas línguas, nos saberes, dentre outros, que
é a própria fonte da identidade do povo brasileiro (AGUINAGA,
2006, p.4).
57
Segundo a Unesco, na Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural
Imaterial (2003), o patrimônio cultural imaterial consiste nas
[...] práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas –
junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares que lhe são
associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os
indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio
cultural.
Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é
constantemente recriado pelas comunidades e grupos, em função de seu ambiente, de
sua interação com a natureza e de sua história, “gerando um sentimento de identidade e
continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à
criatividade humana” (IPHAN,s/d). Enfim, o que a Constituição Federal chama de
modos de criar, fazer e viver do povo.
Diante disso, e segundo Machado (2003, p. 872.):
O conceito de patrimônio cultural dado pela Constituição Federal
permite uma proteção dinâmica e adaptável às contingências e
transformações da sociedade. Daí a previsão de se resguardar as
formas de expressão e os modos de criar, fazer e viver.
2.2.1 Conhecimentos Tradicionais
Somado ao que pode ser considerado patrimônio cultural imaterial,
identificamos na comunidade da Mumbuca outro patrimônio que foi reconhecido na
Medida Provisória nº 2.186-16/10, definido como conhecimento tradicional em seu
artigo 7º, § II: “informação ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou
de comunidade local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético”. O
§ III assim define comunidade local:
[...] grupo humano, incluindo remanescentes de comunidades de
quilombos, distinto por suas condições culturais, que se organiza,
tradicionalmente, por gerações sucessivas e costumes próprios, e que
conserva suas instituições sociais e econômicas.
58
Este tema está relacionado aos saberes de minorias, como indígenas,
quilombolas26 e comunidades ribeirinhas, dentre outros grupos que compõem o povo
brasileiro.
Além do enfoque jurídico, os conhecimentos tradicionais vêm ganhando
espaço na mídia, não por se tratar de um “bem cultural imaterial, referência para o
processo
formador da
sociedade brasileira”
(LEONEL,
2010, p.186),
mas
principalmente pela abordagem de empresas com interesse econômico, que visam
transformá-los em matéria prima.
Pensando nessas formas de resguardar o patrimônio cultural e suas expressões,
veremos a seguir as mudanças nos modos de proteção ao longo do tempo, em seus
desdobramentos jurídicos, até o momento em que podemos encaixar o design como
ferramenta passível de utilização em tais processos.
2.3
PROTEÇÃO E CONSERVAÇÃO
Conforme mencionado anteriormente passaremos a uma abordagem histórica
das mudanças nas leis de proteção ao patrimônio, a fim de entendermos a importância
do que foi promulgado em 1988.
Ao longo da história de nossas Constituições, é possível identificar a evolução
do interesse pelo patrimônio cultural e as formas de proteção, pela observação dos
respectivos momentos históricos e políticos.
A Constituição Federal de 1934, em seu artigo 148, dispunha que “cabe à
União, aos Estados e aos Municípios, [...] proteger os objetos de interesse histórico e o
patrimônio artístico do País”.
Na Constituição Federal de 1937, seu artigo 134 destaca que os monumentos
históricos, artísticos e naturais gozam da proteção da Nação e que “os atentados contra
eles cometidos serão equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional”.
Já no Texto Constitucional de 1946, o assunto foi retratado no artigo 175: As
obras, monumentos e documentos de valor histórico e artístico, bem como os
monumentos naturais, as paisagens e os locais de particular beleza ficam sob a proteção
do Poder Público.
26
Como a comunidade da Mumbuca.
59
Em 1967, o artigo 172 da Constituição Federal previa que o amparo à cultura
seria dever do Estado, e o parágrafo único dizia que “ficam sob a proteção especial do
Poder Público os documentos, as obras e os locais de valor histórico ou artístico, os
monumentos e as paisagens notáveis, bem como as jazidas arqueológicas”.
Nessa abordagem das mudanças na lei, ao analisar o Texto Constituinte de
1988, percebemos que ele extrapolou as propostas anteriores e tratou do meio ambiente
cultural sob nova óptica, desde a essencialidade do meio ambiente em todas as suas
formas como o estabelecimento de mecanismos de preservação, esclarecendo no § 1º do
artigo 216 que “o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e
protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância,
tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento”. Leonel (2010,
p.188) diz que este rol é exemplificativo, o que permite certa liberdade para que o
legislador possa criar outros instrumentos que respondam com precisão e adequação às
demandas da preservação do patrimônio cultural.
Pensando nesses outros instrumentos, inserimos a atuação dos designers junto a
comunidades tradicionais – no caso desta pesquisa, comunidades produtoras de artesanato
– que, através das oficinas e projetos em conjunto com os artesãos, buscam a manutenção
dessas práticas culturais e o consequente desenvolvimento e autonomia de seus membros.
Por outro lado, há muitos atravessadores e aproveitadores que, dotados ou não
de conhecimentos em design, usam o discurso de ajudar e desenvolver, e acabam por
roubar ideias ou produzir linhas de produtos com lucro só para si, sem compartilhá-lo
com a comunidade, o que gera desconfiança entre os artesãos, conforme verificado nas
entrevistas com artesãos e nas pesquisas bibliográficas.
Muitas vezes há má-fé dos designers ou dos empresários. Há casos de
comunidades que têm uma repercussão de mídia significativa e os
designers buscam tirar partido disso desonestamente (BORGES,
2011, p.151)
Com isso em mente, Leonel (2010, p. 191) diz tornar-se necessário para o combate
deste desequilíbrio a “efetivação de instrumentos protetivos que garantam a continuidade,
bem como a identificação da cultura brasileira, numa perspectiva sustentável”.
Ressaltamos que quando utilizamos a palavra proteção, não estamos propondo
um tipo de protecionismo conservador, que alienaria a comunidade das interações
externas, mas sim uma proteção de iniciativas que não visem ao desenvolvimento da
comunidade, objetivando resguardar o próprio patrimônio cultural brasileiro, já que
60
entendemos que “os interesses de preservação e de desenvolvimento não são conflitantes
entre si” (IPHAN, s/d), ou seja, este objetivo vai muito além da esfera projetual e estética,
e penetra um campo de valoração e salvaguarda da cultura brasileira.
Com o objetivo de preservar o capim dourado que, conforme mencionado
anteriormente, foi reconhecido pela lei nº 2.186 de 14 de julho de 2009 como sendo
bem de valor cultural e Patrimônio Histórico do estado do Tocantins, realizou-se um
Inventário Cultural da Produção Artesanal com Capim Dourado de Mumbuca a partir da
perspectiva de patrimonialização.
O Inventário é uma das formas de proteção dos bens culturais que a
Constituição Federal prevê no § 1º do artigo 216: “O Poder Público, com a colaboração
da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de
inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de
acautelamento e preservação”.
O inventário recebeu o nome de Capim Dourado – trançando a tradição e foi
realizado pela Fundação Cultural do Tocantins e aprovado pelo Ministério da Cultura
em dezembro de 2008, tendo o seu resultado entregue à comunidade da Mumbuca em
setembro de 2010.
Este projeto objetivou a produção de um conhecimento sistematizado acerca
desse bem cultural que é o artesanato produzido com o capim dourado. Teve como
centro de pesquisa a comunidade da Mumbuca, por ser o berço da prática.
A cultura dos artesãos de Mumbuca, ao se espalhar pelo Jalapão e
outras regiões do estado e do país, imprimiu uma marca ao
Tocantins, tornando-se por força dessa impressão uma referência
cultural para o estado, o seu patrimônio cultural (NAVES, 2010, p.3).
Ainda pensando na adoção de instrumentos de proteção, como o caso do
inventário realizado na comunidade da Mumbuca, o Decreto nº 3.551/10 exemplifica
como sendo tarefas que permitem não só a sobrevivência do grupo detentor do saber
sustentar-se economicamente, mas principalmente preservar sua identidade, de modo a
poder transmitir esses saberes às futuras gerações.
O decreto fornece embasamento jurídico a esta pesquisa que, através do design,
estuda relações que proporcionem o desenvolvimento socioeconômico das comunidades
artesãs e a manutenção de suas tradições. Nossa expectativa é de que, mesmo
interagindo com áreas contemporâneas, como o design, elas preservem os traços que as
identificam e caracterizam, voltando à ética do interferir sem ferir.
61
2.4
CULTURA MATERIAL
O artesanato, como vimos, é considerado elemento do patrimônio cultural,
agregando-se aos demais elementos que dão corpo à memória coletiva de um povo.
Também é compreendido como patrimônio imaterial, além de estar sendo estudado
como elemento que compõe a cultura material, no que tange o sistema sociocultural de
determinada sociedade. O design e o artesanato estão integrados a essa categoria maior,
a cultura material, e, portanto, representam valores sociais, econômicos e culturais de
uma determinada sociedade humana (PAULA, 2012, p. 9).
A expressão cultura material está relativamente difundida na história e, embora
em menor grau, também em diversas ciências humanas.
Nos primeiros vinte anos do século XX, a noção de cultura material
completa o seu longo processo de maturação e toma realmente corpo,
tornando-se quase indispensável em vastos sectores das ciências
humanas, como a pré-história e certas formas de arqueologia que se
alargaram consideravelmente (BUCAILLE e PESEZ, 1989, p.7).
Segundo Rede (1996), a expressão cultura material é polissêmica e pode dar
margem a ambiguidade: a polissemia deriva do fato de indicar tanto o objeto de estudo
quanto uma forma de conhecimento (implicando uma proposta de método etc.). Essa
ambiguidade, relacionada à definição ou conceituação do que seria a cultura material
propriamente dita, existe desde os primeiros registros da expressão ou dos estudos da
produção material de diferentes culturas.
Quanto à sua origem, Cardoso (1998) aponta para os estudos etnológicos
realizados pelos colonizadores europeus a respeito de povos considerados primitivos. A
visão europeia adotava uma classificação da cultura material baseada no
desenvolvimento das artes industriais dos países ditos “superiores” em relação às
culturas primitivas. Com isso, o termo cultura material não era aplicado aos objetos
produzidos pela própria cultura europeia.
A expressão ‘cultura material’ era reservada para uma classe de objetos
indignos mesmo de inserção no universo capitalista de compra e venda,
cujo único valor para a sociedade moderna era o de curiosidade ou de
objeto de estudo antropológico (ibid., p.21).
62
Com o avanço dos estudos nessa área, somando-se a vários outros analistas,
Whewell (1851) acreditava ser possível verificar o progresso da civilização humana
através do estudo da arte material dos vários povos. Esses estudos levaram ao
surgimento da Academia de História da Cultura Material da URSS, em 1919, por um
decreto de Lênin, marcando o reconhecimento institucional do termo.
Esta data sanciona um facto relativamente novo, o ingresso oficial da
noção no campo da história. O decreto de Lênin fala de história da
cultura material; enquanto dantes as principais ciências humanas
tinham participado na sua gestação, a cultura material, com
instrumento intelectual acabado, passará a ser objeto de história
(BUCAILLE e PESEZ, 1989, p.7).
No período compreendido entre 1920 e a Segunda Guerra Mundial, o termo
cultura material passa a ser de uso corrente na história, principalmente na França, em que
seus historiadores dedicavam-se à “elaboração de uma história nacional que legitimasse o
plano ideológico do novo Estado republicano e centralizado” (ibid., p.10)
Na contracorrente, em 1929, Febrve e Bloch fundaram a Escola de Annales, a
qual pode ser considerada responsável pela contribuição mais significativa aos novos
estudos da cultura material e representou o movimento precursor da História da
Cultura Material.
Com os Annales, os estudos de cultura material distanciaram-se da
abordagem tradicional da história das técnicas, restringiram-se
finalmente ao papel de complemento à história das mentalidades
(REDE, 2003, p.282).
Essa nova forma de olhar a cultura material considerou também a existência de
culturas diferentes, e não mais de culturas opostas ou inferiores.
Atualmente, o estudo da cultura material não tem mais como objetivo
diferenciar as sociedades civilizadas das sociedades selvagens,
quando era comum o uso do termo artefato, mas sim entender melhor
o papel dos artefatos em um mundo em que o consumo de
mercadorias e o consumismo constituem-se em fenômenos da maior
importância social e cultural (CARDOSO, 1998, p.22).
Essa preocupação em descrever o papel das coisas materiais na sociedade
moderna e, sobretudo a valorização da função sígnica dos objetos já era tratada no livro
Le systéme des objets, (BAUDRILLARD, 1968). Esse viés proposto por Baudrillard
estava intimamente ligado a uma abordagem semiológica da cultura material,
entendendo que o “objeto é, antes de mais nada, um signo; a cultura material é um
63
sistema discursivo, e seu estudo, uma operação semiótica, identificando Baudrillard
como o mais representativo autor dessa corrente” (REDE, 2003, p.285)
Esses objetos aos quais Baudrillard se referia, segundo Prown (2000, p. 15)
seriam o conjunto de “manifestations of culture through material productions”27. E
Prown complementa:
The underlying premise is that human-made objects reflect,
consciously or unconsciously, directly or indirectly, the beliefs of the
individuals who commissioned, fabricated, purchased or used them
and, by extension, the beliefs of the larger society to which individuals
belonged”28 (Ibid, p.15).
Ou seja, os objetos fabricados, usados e trocados pelos indivíduos fazem parte
da sociedade em que eles estão inseridos. Sendo assim, contam histórias e refletem o
momento em que foram produzidos.
Cultura material é apenas uma formulação muito restritiva dos
múltiplos aspectos que compõem essa noção, e não abarca a sua
totalidade: a cultura material é composta em parte, mas não só, pelas
formas materiais da cultura. (BUCAILLE e PESEZ, 1989, p.7).
Para entendermos melhor a cultura material, Bucaille e Pesez (Ibid, p. 13)
dizem ser necessário evidenciar algumas características essenciais:
1. A cultura material pode ser definida, antes de tudo, como a
cultura do grosso da população;
2. O estudo da cultura material dedica-se a observar, em vez da
sucessão de fatos diversos, os fatos que se repetem
suficientemente para serem interpretados como hábitos,
tradições reveladoras da cultura que se observa;
3. Constituem um dos domínios mais evidentes e característicos
dos estudos sobre a cultura material os fenômenos
infraestruturas (segundo a terminologia marxista);
4. Estudar a cultura material significa atribuir importância
causal, nos fatos culturais, aos limites materiais que devem
ter em conta.
Ou seja, para os autores, a cultura material é o conjunto de objetos concretos,
produzidos e usados pelo coletivo, com ocorrência constante e estável, para poderem
caracterizar o modo de vida e os valores do grupo social estudado.
27
Manifestações culturais através de produções materiais (tradução nossa)
28
A premissa fundamental é que os objetos construídos pelo homem refletem, consciente ou
inconscientemente, direta ou indiretamente, as crenças dos indivíduos que os encomendaram,
fabricaram, compraram ou utilizaram. E, por extensão, as crenças da sociedade à qual pertenceram
esses indivíduos (Ibid, p.15, tradução nossa)
64
Feito com as mãos, o objeto artesanal guarda impressas, real ou
metaforicamente, as impressões digitais de quem o fez. Essas
impressões não são a assinatura do artista, não são um nome;
também não são uma marca. São mais bem um sinal: a cicatriz
quase apagada que comemora a fraternidade original dos homens
(PAZ, 2006, p.6)
A expressão cultura material, como vimos, teve seu nascimento mais ligado ao
campo da arqueologia e da antropologia. Entretanto, várias áreas do conhecimento,
hoje, a reconhecem como instrumento de estudo.
Segundo Rede (2003), a cultura material é estudada e usada como instrumento
de estudo sob duas perspectivas; a primeira seria uma perspectiva histórica,
demonstrando as formas de interação entre as sociedades e sua cultura material; e a
segunda insere a cultura material no processo historiográfico de produção de
conhecimento, figurando como fonte documental.
Para estudar a produção material de uma cultura sob uma perspectiva histórica,
Wright (1993, p.245) fala da importância da contextualização desses objetos:
“centralizar a análise em objetos em movimento em contextos de produção e consumo,
mais do que objetos isolados, permitiria um melhor entendimento da dinâmica social do
grupo envolvido”. Fazendo isso, podemos refletir, por meio do objeto, sobre a estrutura
social de seu contexto de fabricação e uso.
“Os artefatos consistem em testemunho material de uma determinada
sociedade, ao retratar modos de vida e revelar múltiplas expressões culturais” (Velthem,
1998, p.21).
Os objetos/artefatos
se transformaram
em
ícones
representantes
de
determinadas características de uma época ou de uma cultura, e conforme ressalta
Csikszentmihalyi (1993), representaram papéis diferentes ao longo do tempo, inclusive
como demonstradores de poder e distinção social. O autor (ibid.) ainda estabelece os
aspectos psicológicos das relações entre homens e coisas, ressaltando a função dos
artefatos na construção simbólica do processo de formação histórica do indivíduo.
Antes de prosseguirmos, faz-se necessária a conceituação de artefato, utilizada
largamente neste estudo. Segundo Nunes (2006), a natureza é composta de coisas brutas
e organismos animados; no âmbito artificial, estão localizados os objetos ou artefatos,
os quais surgem de uma ação gerada pela necessidade humana.
65
Cardoso (2008, p.21) diz que mais correta que o uso da palavra objeto no
contexto atual seria a palavra artefato, a qual “se refere especificamente aos objetos
produzidos pelo trabalho humano, em oposição aos objetos naturais ou acidentais”.
O termo artefato abrange diversas categorias de objetos, tecnológicos
e industriais, a artísticos e artesanais, independente da função,
utilidade ou valor simbólico, além de que uma cultura se constitui de
um determinado conjunto de artefatos, relacionados por critérios de
contiguidade temporal, geográfica, étnica ou de uso (ibid., p.22).
Retomando o significado simbólico dos artefatos dentro do estudo histórico da
cultura material, podemos perceber que, na sociedade moderna, o uso ou o acúmulo de
artefatos como demonstrativos de status ou poder se tornou uma constante.
A sociedade moderna se caracteriza pela proliferação de bens e de
circuitos, cuja definição passa justamente pela distinção: os critérios
históricos ou geográficos, a tradição, a produção de origem
controlada, são mobilizados para conferir um estatuto distinto ao
objeto (REDE, 2003, p. 287)
Essa atitude de reconhecer nos objetos qualidades abstratas que não possuem
se configura como “fetichismo dos objetos”, o que, segundo Rede (1996) seria o ato de
transferir qualidades orgânicas (biológicas ou sociais) aos objetos que, por definição,
possuem apenas propriedades físico-químicas.
Para Miller (1987, p.143), o fetichismo consiste em “privilegiar os objetos no
lugar das pessoas”. Para Cardoso (1998), o fetichismo funciona ao mesmo tempo como
atribuição de valores subjetivos ao objeto e como apropriação de valores subjetivos
representados pelo objeto (ou nele embutidos).
Assim, ao falar dos aspectos materiais da cultura (material), torna-se necessário
falar também da imaterialidade que lhes confere existência e distinção.
É justamente por não se limitarem aos seus ingredientes materiais que
as coisas têm um papel que excede ao de quadro físico da vida social.
O universo material não se situa fora do fenômeno social,
emoldurando-o, sustentando-o. Ao contrário, faz parte dele como uma
de suas dimensões e compartilhando de sua natureza, tal como as
ideias, as relações sociais, as instituições (REDE, 1996, p. 274).
Passamos agora à segunda perspectiva de estudo da cultura material proposta
por Rede (2003), situada no nível historiográfico e que faz da cultura material uma fonte
documental.
66
Segundo Lubar e Kingery (1993), existe uma resistência ao uso da cultura
material como fonte documental, predominando ainda o uso dos documentos escritos. E
mesmo quando a cultura material é utilizada como fonte documental, ela fica
dependente da confirmação por textos escritos.
Para Bucaille e Pesez (1989, p.25), os artefatos ou objetos concretos são a
forma mais segura de estudo:
É indispensável o conhecimento simultâneo dos objetos materiais – as
suas dimensões, formas, matéria e, indiretamente, os seus modos de
fabricação – e a sua proveniência exata, de modo a reconstruir ou
explicar o ambiente que os originou.
Com uma linha de pensamento semelhante, Prown (2000) reflete que os
artefatos permitem um contato direto com a cultura estudada, sem a intermediação do
entendimento do observador.
Pela sua própria materialidade, os objetos perpassam contextos
culturais diversos e sucessivos, sofrendo reinserções que alteram sua
biografia e fazem dele uma rica fonte de informação sobre a dinâmica
da sociedade (REDE, 1996, p.276).
Nas discussões sobre o uso da cultura material sob um ou outro aspecto, a
solução que parece viável, segundo Rede (ibid.), está na interação mútua e no controle
recíproco:
Uma solução consistente ao problema da inserção da cultura material
no processo de produção do conhecimento histórico não poderá
partir da defesa de sua superioridade ou da exclusão dos documentos
escritos, e sim apontado para uma perspectiva de informações
provenientes dos dois campos de análise (ibid., p. 277).
Enfim, torna-se necessário entender que a cultura material tem uma dimensão
mais ampla e diversificada do que objetos e artefatos, podendo ser observada também
como um fenômeno social.
67
2.5. CONSUMO DE VALORES SIMBÓLICOS
Passaremos agora a pensar sobre o consumo como aspecto da cultura material,
conforme apontado por Miller (2007) e Baudrillard (1997), como representação das
estruturas de significação da sociedade capitalista.
Seja o bem cultural de natureza material ou imaterial mais do que
simplesmente garantir a preservação da memória das tradições
formadoras de uma identidade nacional, o que se quer hoje é
reconhecer a existência de múltiplas identidades, e gerar, a partir
da patrimonialização, perspectivas de inserção econômica, num
imbricamento cada vez maior entre patrimônio e mercado (BELAS,
2008, p.4).
Neste tópico, enfatizaremos a dimensão simbólica do consumo que se torna
verdadeira prática ritual e representa a organização social e o universo simbólico dessas
sociedades, pois, conforme Baudrillard (1997, p.206)
[...] o consumo é um modo ativo de relação (não apenas com os
objetos, mas com a coletividade e com o mundo), um modo de
atividade sistemática e de resposta global em que se funda todo o
nosso sistema cultural [...]. O consumo, pelo fato de possuir um
sentido, é uma atividade de manipulação sistemática de signos.
Esse modo ativo de relação de que nos fala Baudrillard sugere que o consumo é
o deslocamento das relações interpessoais para a representação delas próprias por meio
dos objetos (apresentado no tópico anterior como o fetichismo dos objetos). O indivíduo
não consome a materialidade do produto (razão pela qual o aspecto funcional dos
produtos de grandes marcas é menos importante do que seu valor de representação),
mas os significados que, por intermédio do produto, geram um conluio social em torno
de valores compartilhados pela sociedade capitalista.
Os artefatos artesanais são objetos repletos desses valores compartilhados pela
sociedade, e o crescimento do interesse por esse segmento gera preocupação no sentido de
[...] encontrar um meio sustentável de preservar e incentivar a
diversidade cultural, mantendo certo equilíbrio na correlação de
forças entre: as populações tradicionais portadoras de saberes e
práticas culturais; os agentes da economia de rede global
interessados em transformar bens culturais em bens de consumo; e os
consumidores que cada vez mais valorizam produtos com
componentes étnicos e/ou ecológicos (BELAS, 2008, p. 8).
68
Poucos anos atrás, a opinião geral era de que os artesanatos estavam
condenados a desaparecer, deslocados pela indústria. “Hoje ocorre precisamente o
contrário: para o bem ou para o mal, os objetos feitos com as mãos já são parte do
mercado mundial” (PAZ, 2006, p. 10).
Fruto da globalização, o mercado mundial impõe um viver, um sentir, um
pensar cada vez mais parecido e comum. Nesse sentido, a valorização da diversidade
cultural constitui um bem de incomensurável valor, como diz Semprini (2010), que
A padronização da produção industrial leva inevitavelmente a
produtos mais homogêneos, mais banais [...] e que esse excesso de
formatação e de padronização acabou criando soluções alternativas:
o turismo verde, a frequência em lugares rurais em progressão
constante. (ibid., p. 83)
Com o processo de globalização influenciando todos os aspectos da
vida humana, a questão cultural surge como um importante elemento
dessa dinâmica. Nesse sentido, o mercado vai impondo elementos da
cultura de massa, indispensáveis à expansão das formas de
globalização econômica, financeira, técnica e cultural (SANTOS,
2001, p. 143).
A questão cultural torna-se mais visível, assim como a preocupação com a sua
proteção e continuidade. Nessa linha de pensamento, trabalhos de interação do design
com o segmento do artesanato também buscam formas possíveis de inserção do
artesanato no mercado contemporâneo. Para Silva (2007, p.1),
[...] o artesanato possui valores simbólicos e de identidade cultural
que vêm sendo resgatados e inseridos na sociedade como elementos
de diferenciação, gerando crescente demanda por produtos
artesanais.
Ou seja, a utilização do artesanato como um diferencial na indústria do
consumo vem ganhando força, conforme aponta Silva (ibid.), ao afirmar que a
valorização do artesanato como objeto de consumo passa a ser, ao mesmo tempo, uma
fórmula contra o risco de extinção da atividade e uma forma de satisfação do desejo
gerado na sociedade pós-industrial.
Essa volta dos olhares a produtos artesanais já era entendida por Canclini
(1983) como uma forma de expressar a recusa de uma sociedade mecanizada e a
capacidade de ela “escapar” mediante a aquisição de peças singulares elaboradas à mão.
69
O artesanato supre uma lacuna deixada pela produção industrial, que
é a lacuna da identificação e da individualização simbólica dos
objetos diante do grupo ao qual o indivíduo que consome artesanato
pertence. (BARROSO, 2002, p.10)
E como estamos falando de uma configuração pós-moderna, Semprini (2010,
p.37) comenta que
[...] não se pode esquecer que o espaço social pós-moderno é, por
definição, dominado pelo imaterial, pelos conflitos de significados,
pelas construções simbólicas e discursivas.
Segundo Canclini (1983), o artesanato traz consigo toda essa expressão e o
fascínio simbólico explorado pelo capitalismo. Dessa forma, cada vez mais, enfatiza-se
o diferencial em termos culturais do produto artesanal, que lhe confere qualidade e uma
distinção que se converte em vantagem competitiva frente ao mercado consumidor, ao
contrário dos produtos industriais, que são “instrumentos exatos, serviçais, mudos e
anônimos” (PAZ, 2006, p.4). Ou seja, entramos num momento em que os valores
culturais tornam-se o próprio diferencial para o desenvolvimento econômico de uma
sociedade, porque seus valores e conhecimentos são únicos e farão a diferenciação desta
sociedade em um contexto globalizado.
Segundo
Borges
(2009),
diante do avanço da globalização e
da
desterritorialização, o mundo passa por momentos de perda de identidade, de
descaracterização. Consequentemente, aumentou a necessidade de o homem pertencer a
um lugar específico no mundo que o defina. E ele busca, cada vez mais, por objetos
típicos gerados no decorrer do tempo, pela região com a qual ele se identifica.
Semprini (2010) afirma que uma marca com identidade forte e definida será
mais valorizada socioculturalmente; e assegura que é a identidade de uma marca que o
público conhece, reconhece e aprecia. Através dessa busca por uma identidade que seja
reconhecida pelo público, a cultura cada vez mais tem surgido como opção para a
diferenciação das marcas. Os olhares se voltam a características e produtos nacionais,
como o artesanato que, segundo Borges (2009, p.64),
[...] exprime um valioso patrimônio cultural acumulado por uma
comunidade ao lidar, através de técnicas transmitidas de pai para
filho; por tudo isso, ele acaba se tornando um dos meios mais
importantes de representação da identidade de um povo.
70
E afirma ainda, que há uma valorização dos chamados ‘produtos étnicos’,
objetos feitos à mão nos mais longínquos países e presentes nas lojas sofisticadas de Nova
Iorque e Milão, onde se veem os últimos lançamentos do design internacional (Ibid).
Mais do que simplesmente inovações nos produtos, hoje, essa
inovação na marca, como qualquer outra manifestação social em um
contexto pós-moderno, tem um obrigação de sentido. Uma forma de
inovação crucial para o desenvolvimento das marcas contemporâneas
está ligada a uma interpretação correta das tendências socioculturais
do momento. Uma tendência sociocultural atual é a chamada MarcaPaís (SEMPRINI, 2010, p.35).
A existência de uma marca nacional que destaque e identifique bons produtos e
serviços pode ser usada como estratégia. Este caminho foi feito por diversos países,
como vemos a seguir:
No mundo inteiro, a Itália é reconhecida por seu design, a França,
por sua moda e perfumes, a Suíça, pela precisão de seus relógios. Se
estes países utilizaram seus valores culturais para destacarem-se no
mundo dos negócios, podemos nos valer destes sucessos como
referências para tornar a brasilidade um bem econômico valioso.
(SEBRAE, 2002, p.8)
A marca-país, o made in escrito nas etiquetas, passa a ter um papel muito
importante nesse nicho de mercado que busca distinção e um sentimento de
pertencimento em um mundo de fronteiras tão invisíveis como este em que vivemos.
Os programas de desenvolvimento social voltados para a preservação
do “fazer artesanal” estão sendo fortemente disseminados na
sociedade pós-industrial. Esses projetos visam ao desenvolvimento
sustentável dos artesãos com base na formação de cooperativas e
associações. E podem partir de iniciativas do governo, ou de
organizações não governamentais (ONGs) e até de empresas
privadas. Por outro lado, a existência de uma imagem nacional que
destaque e identifique bons produtos e serviços pode ser usada como
estratégia para conquista de mercados. Valorizar e difundir o
patrimônio cultural e humano está sendo um método largamente
utilizado para marcar a identidade local como uma forma de
marketing. O Made In Brasil, por exemplo, é um dos mecanismos
emergentes para a valorização da identidade local como resposta às
tendências globalizantes (CANCLINI, 1983, p.51).
Percebe-se então que ferramentas estratégicas de valorização cultural e de lugar
aplicadas nas relações entre design e artesanato podem apresentar novas formas de
participação do artesanato, em sintonia com a diversidade cultural e com o mundo
globalizado; mais do que isso,
71
[...] essas iniciativas desenham um contexto demandante de crescente
protagonismo dos detentores de bens culturais, para além do simples
papel de beneficiário de políticas sociais ou vítimas de apropriação
(BELAS, 2008, p.11).
Trata-se de um processo constante de apreensão e reinvenção do significado
cultural, econômico e político da produção artesanal no qual o designer, após conhecer,
reconhecer e identificar esses processos e características do artesanato, pode sugerir
procedimentos ou inserções na produção artesanal os quais, de alguma forma,
contribuam para que os artesãos encontrem e firmem seu lugar num mundo feito à
máquina.
Neste capítulo, trouxemos uma visão política e histórica dos artefatos que
compõem nossa cultura e nossa cultura material, ressaltando a importância dos bens
culturais materiais ou imateriais para a constituição do patrimônio, e sua inclusão na
Constituição Federal de 1988, que apresentou uma nova visão e alcance dos
significados dos bens culturais e dos artefatos culturais.
Passamos a entender os artefatos como parte importante de nossa cultura
material e de nossa história. Dessa forma, para preservar comunidades tradicionais
artesãs e sua produção material, o trabalho – seja de designers ou não – perpassa o
universo estético, aproximando-se de questões de preservação de fontes históricas.
A comunidade Mumbuca, através de sua produção material, desde a confecção
dos primeiros artefatos utilitários para o dia-a-dia até o momento de inclusão de novos
objetos e conceitos de design, apresenta fatores importantes do seu desenvolvimento
social, já que entendemos que os artefatos são “plenos de significados e vão além de sua
utilização, pois carregam consigo uma história social” (Velthem, 1998, p.21).
Estudos de cultura material trabalham através da especificidade de
objetos materiais para, em última instância, criar uma compreensão
mais profunda da especificidade de uma humanidade inseparável de
sua materialidade (MILLER, 2007, p.47).
Nessa perspectiva de produção de artefatos, é verossímil compreender a relação
do design com a cultura material, já que, segundo Cardoso (1998), na sociedade
industrial, o design representa um sítio privilegiado para a geração de artefatos e constitui,
grosso modo, a fonte mais importante da maior parte da cultura material, sendo possível
72
também, por seu intermédio, entender melhor o papel desses artefatos num mundo em que
o consumo de mercadorias constitui um fenômeno de grande importância social e
cultural, sendo também esse entendimento um atributo da cultura material.
Essa parece ser justamente uma das características do design: a de
materializar ideais, valores e conceitos, configurando-os através de
objetos utilitários, correspondentes às mais diversas necessidades,
demandas e anseios sociais (CIPINIUK; PORTINARI, 2008, p.65).
Mais do que materializar ideais ou mesmo ideias, o design passa a figurar
como ferramenta no processo de atribuir valores simbólicos aos artefatos que produz,
numa perspectiva ligada ao fetichismo do objeto, que tem se expandido no mercado
consumidor, o qual busca produtos culturalmente diferenciados e que evoquem emoções
como apego, pertencimento e raízes, em contraponto aos objetos massificados pela
globalização.
Essa corrente de consumo de valores simbólicos vê no artesanato tradicional um
campo vasto de simbologias e signos capazes de preencher as lacunas deixadas pelo
objeto industrial, que tendeu a desaparecer como forma e a confundir-se com sua função.
Os artesanatos pertencem a um mundo anterior à separação entre o
útil e o belo. [...] O artesanato é uma mediação: suas formas não
estão regidas pela economia da função, mas pelo prazer, que sempre
é um gasto e não tem regras. O objeto industrial não tolera o
supérfluo; o artesanato se satisfaz nos adornos. [...] O objeto
artesanal satisfaz uma necessidade não menos imperiosa que a sede e
a fome: a necessidade de recrear-nos com as coisas que vemos e
tocamos, quaisquer que sejam seus usos diários (PAZ, 2006, p.6).
Enfim, entende-se que, ao estudar e desenvolver pesquisas acerca da interação
entre o design e o artesanato, com vistas à continuidade desses processos de produção
de artefatos carregados de historia e de valores simbólicos, acessa-se uma esfera mais
ampla do que o mero entendimento dos desdobramentos entre design e artesanato – que
seria a compreensão da própria sociedade moderna da qual fazemos parte e que,
segundo Baudrillard (1997, p.206), configura-se como um “sistema de objetos”. Por
isso, faz-se necessário “abordá-la pelo estudo dos objetos que a constituem”
(CARDOSO, 1998, p.22).
73
O artesanato não nos conquista unicamente
por sua utilidade. Vive em cumplicidade
com os nossos sentidos; é daí que seja tão
difícil desprender-nos dele. É como por um
amigo na rua.
(OCTÁVIO PAZ, 2006)
74
CAPÍTULO 3 – DESIGN E ARTESANATO: O CAPIM DOURADO DA MUMBUCA
Neste capítulo, trataremos da pesquisa de campo e do estudo de caso em si,
abordaremos desde os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa até os
estudos relativos à situação da comunidade Mumbuca, como remanescente quilombola,
sua relação com o artesanato de capim dourado e, por fim, as interações de design
estabelecidas na comunidade.
Antes de iniciarmos esses relatos dos estudos desenvolvidos na pesquisa de
campo, faz-se necessário demonstrar os procedimentos metodológicos usados ao longo
da pesquisa e, principalmente, aqueles utilizados em campo, para melhor compreensão
do que será apresentado adiante.
3.1
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A metodologia de pesquisa adotada foi de caráter exploratório e descritivo,
baseada em estudo de caso, com análise comparativa por procedimentos qualitativos.
O embasamento inicial deu-se pela pesquisa bibliográfica, além do trabalho de
campo junto a artesãos que usam o capim dourado na produção de artefatos. Este estudo
começou na pesquisa para o trabalho de conclusão do Bacharelado em Design de Moda,
embora de forma menos abrangente e mais direcionada a perceber o processo de moda e
seus desdobramentos, associados ao artesanato de capim dourado e seu papel social no
desenvolvimento da comunidade, no intuito de criar uma linha de produtos de moda que
agregasse valores simbólicos e sociais. Para tanto, foi realizada observação informal, bem
como entrevistas semiestruturadas, o que concedeu um primeiro contato. Deste trabalho
realizado, retomou-se o contato para a continuidade da pesquisa no mestrado.
O retorno a campo propiciou outros olhares e a realização da observação
participante29, que resultou em um estudo mais próximo da realidade da comunidade e
29
“A observação participante se distingue da observação informal, ou melhor, da observação comum.
Essa distinção ocorre na medida em que pressupõe a integração do investigador ao grupo investigado,
ou seja, o pesquisador deixa de ser um observador externo dos acontecimentos e passa a fazer parte
ativa deles” (BONI; QUARESMA, 2005, p. 71).
75
mais consistente, pela inserção de conceitos antropológicos. Isto se tornou salutar,
principalmente, na pesquisa de campo, quando nos deparamos com a seguinte questão:
Saber ouvir, escutar, ver, fazer uso de todos os sentidos. É preciso
aprender quando perguntar e quando não perguntar, assim como que
perguntas fazer na hora certa [...]. As entrevistas formais são muitas
vezes desnecessárias, devendo a coleta de informações não se restringir
a isso. Com o tempo, os dados podem vir ao pesquisador sem que ele
faça qualquer esforço para obtê-los (WHYTE, 2005, pp. 303-304).
Nesse momento da pesquisa, foram realizadas entrevistas informais, não
estruturadas e semiestruturadas, filmagens e a produção de fotografias, que
contemplaram a coleta de história oral, de vida e de depoimentos dos artesãos da área de
estudo. As entrevistas e/ou gravações das narrações foram feitas de modo a dar
liberdade para os entrevistados discorrerem livremente sobre o assunto. Porém, foram
incluídas perguntas sobre a inserção do design na comunidade e das oficinas realizadas,
fortalecendo a abordagem da problemática central do estudo.
Trabalhar com história oral é ter a compreensão de que essas fontes
nos informam mais sobre o significado do que sobre os acontecimentos.
Através delas, informamo-nos não só sobre os fatos, mas sobre aquilo
que eles significam para quem os viveu e os reconta; não só sobre o
que as pessoas fizeram, mas sobre o que queriam fazer, creem que
podiam fazer, creem que tenham feito e sobre as motivações, juízo e
racionalizações (PORTELLI, apud VELÔSO, 2005, p.27)
A definição da metodologia adotada para este estudo veio pela luz da
Antropologia, como dito anteriormente, e balizada pelo Design. Optar por realizar um
estudo de caso com observação participante do cotidiano dos artesãos possibilitou criar
laços de confiança entre a pesquisadora e os pesquisados, e ter uma compreensão mais
profunda de sua realidade, o que só foi possível pela vivência e convivência durante a
estada na comunidade, atendendo ao tipo de pesquisa qualitativa adotada neste trabalho.
A pesquisa de campo foi realizada no mês de julho/2011, durante um período de dez
dias em que estive acampada na comunidade, acompanhando sua rotina.
A seleção dos entrevistados tomou por base principalmente o vínculo com a
produção artesanal. Foram entrevistados artesãos envolvidos diretamente com a causa
da comunidade, como a presidente da Associação dos Artesãos da Mumbuca.
Priorizaram-se, na seleção, entrevistados de faixas etárias diversas, possibilitando obter
inúmeros pontos de vista sobre o assunto, desde a artesã mais velha da comunidade – a
76
matriarca – até a artesã de 21 anos, responsável pelo grupo mais jovem. No intuito de
preservar a identidade dos artesãos, seus nomes serão suprimidos e sujeitos à
identificação ‘artesã/artesão’.
A comunidade escolhida para estudo de caso foi a Mumbuca. Isto se deu pelo
fato de ser ali o berço do capim dourado e, apesar de todas as intervenções, ainda
conservar os traços tradicionais de seu artesanato, o que não ocorre com frequência nas
outras comunidades do Parque. A opção por um estudo de caso derivou do propósito de
mostrar, por meio da pesquisa de campo, a visão dos artesãos acerca da sua situação
sociocultural e econômica, além de entender o artesanato hoje produzido pela
comunidade, com toda a problemática de matéria-prima e preservação da tradição.
3.2
O PARQUE ESTADUAL DO JALAPÃO
Meio ambiente, homem e cultura são conceitos que se acham
intimamente relacionados, em interações recíprocas e dinâmicas.
(AGUINAGA, 2006, p.1)
Em 12 de janeiro de 2001, foi criado o Parque Estadual do Jalapão (PEJ)30, que
inseriu parte da região em uma Unidade de Conservação de Proteção Integral,
restringindo o uso e exploração dos recursos naturais, e admitindo apenas o
aproveitamento indireto de seus benefícios. Compreende uma área de 53.341km2,
distribuídos em 15 municípios, com densidade populacional extremamente baixa,
correspondendo a menos de um habitante por quilômetro quadrado (SOUZA-JÚNIOR
et.al, 2002). Apresenta uma situação comum a outras partes do mundo, onde áreas de
elevada biodiversidade estão associadas à pobreza da população humana residente
(MARSHALL; NEWTON, 2003). O objetivo da criação do Parque, segundo a lei n°
1.203 que o rege, é
A proteção desse ecossistema frágil, coberto por uma extensa área
de cerrado ralo e campo limpo com veredas, bem como a fauna a
ele associada. É o maior Parque do estado, cuja posição é
estratégica como elo de continuidade entre as áreas protegidas
pela APA do Jalapão, Estação Ecológica da Serra Geral e Parque
Nacional das Nascentes do Parnaíba, formando um mosaico de
Unidades de Conservação e garantindo o fluxo genético entre as
populações silvestres. Essa característica é seu principal atributo,
30
Lei nº 1.203, 2001 – Cria o Parque Estadual do Jalapão (ANEXO 2)
77
na medida em que garante a manutenção da biodiversidade dessa
extensa área de cerrado ainda bem conservado, talvez uma das
últimas áreas de Cerrado nessas proporções. (GOVERNO do
estado do Tocantins, 200831)
É nessa área que se localiza a comunidade da Mumbuca. Segundo o Plano de
Manejo do PEJ (2003), a área do parque nos moldes atuais representa evidente
incompatibilidade legal no que se refere à permanência da Mumbuca e das demais
comunidades residentes. Além da proibição do uso das terras da reserva para produção
de sua subsistência, coloca entraves significantes à continuidade e sobrevivência delas
na região.
Por meio de audiências públicas, a comunidade vem tentando solucionar este
problema de estar dentro de uma área de preservação ambiental, e já solicitou que sua
área territorial seja delimitada fora dos limites do parque, uma vez que sua inscrição na
área do parque significa não poder plantar, criar animais ou até mesmo colher o capim
dourado e o buriti – matérias primas com as quais o grupo produz o artesanato, sua
principal fonte de renda.
Essa incompatibilidade fez também com que recorressem à Constituição
Federal de 1988, que reconhece o direito à propriedade definitiva das terras ocupadas
por comunidades quilombolas32.
3.3
REMANESCENTES QUILOMBOLAS
Segundo dados do IBGE, pouco menos de três mil remanescentes de quilombos
vivem no estado do Tocantins. Nos últimos anos, a Fundação Palmares reconheceu 15
comunidades quilombolas. A comunidade Mumbuca foi reconhecida no ano de 200633, e
o processo para a titulação das terras se encontra em andamento junto ao INCRA.
31
Parque Estadual do Jalapão. Disponível em <http://areasprotegidas.to.gov.br/conteudo.php?id=40>
Acesso em ago/2012
32
O artigo nº 68 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) declara: “Aos remanescentes
das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva,
devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
33
Portaria nº2, de 16 de Janeiro de 2006, reconhece a comunidade Mumbuca como remanescente de
quilombos (ANEXO 3)
78
Criada em 1988, a Fundação Cultural Palmares é uma instituição pública
vinculada ao Ministério da Cultura, com a finalidade de promover e preservar a cultura
afro-brasileira, sendo o primeiro órgão federal criado para tal objetivo.
O decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, regulamenta o procedimento
para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras
ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o artigo nº 68
do ADCT. Segundo o § 1º deste decreto, a caracterização dos remanescentes das
comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da comunidade junto à
Fundação Palmares, a qual expedirá a certidão que reconhece sua origem quilombola. Isso
dará início ao processo para titulação das terras pelo Ministério do Desenvolvimento
Agrário através do INCRA.
Emitida essa certidão pela Fundação Palmares, o processo que se sucede é longo
e exaustivo: um processo administrativo realizado pelo INCRA, o qual se concretiza no
Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), reconhecendo o território
quilombola e a situação fundiária da terra. A produção do RTDI conta com a participação
da comunidade quilombola interessada, e ele é composto de Relatório Antropológico,
Levantamento Fundiário, Planta e Memorial Descritivo, Cadastramento das Famílias
Quilombolas, Levantamento da eventual sobreposição a unidades juridicamente
protegidas e Parecer Conclusivo da Área Técnica e Jurídica sobre a proposta de área a ser
titulada, nos termos dos artigos 6º e 7º do Decreto nº 4.887/2003. O dossiê resultante será
analisado pelos órgãos competentes, podendo ser aprovado ou não.
Esse caminho de conquista e reconhecimento se iniciou com a carta
constitucional de 1988 que confirmou a existência de um Estado pluriétnico no Brasil,
reconhecendo e garantindo as diferenças étnicas, conforme o artigo nº 68 do ADCT, que
serviram também para ampliar o conceito de quilombos, entendidos anteriormente
apenas como grupos de escravos fugidos, negligenciados e colocados à margem da
sociedade.
Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para
os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de
autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações
territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra
relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida (Art. 2º do
Decreto nº 4.887/2003).
79
A questão da autoatribuição a que o artigo se refere é importante nesse
processo, na medida em que a comunidade, para ser reconhecida, precisa primeiramente
se reconhecer como remanescente de quilombos e deixar (re)nascer sentimentos de
pertença e evocação das raízes históricas e negras, como aponta Merlo (2005, p.53)
[...] para terem suas terras reconhecidas e legitimadas pelo Estado
precisam passar por um processo de autoidentificação como
remanescente de quilombos; isto se faz presente não só na prova de
que são afrodescendentes, mas no fato de que permanecem com uma
identidade cultural. Aqui não é só o território que comprova o “ser
quilombola”, mas, sobretudo o se sentir quilombola [...]
Essas comunidades tradicionais, como a Mumbuca, detêm características
culturais próprias e peculiaridades que as distinguem umas das outras, bem como de toda
a sociedade circundante, e constituem patrimônio cultural brasileiro, segundo o artigo nº
216 da Constituição Federal, por ostentarem “referência à identidade, à ação, à memória
dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, nesse caso, os negros.
3.3.1 Avanços e Conflitos
Se por um lado, o reconhecimento como parque é bom para a manutenção do
ecossistema, por outro tem dificultado a vida das comunidades tradicionais da região do
Jalapão, que vêm lutando para conseguir a titulação de suas terras junto ao INCRA, já
tendo sido reconhecidas pela Fundação Palmares como remanescentes quilombolas e
possuindo o direito de permanecer nas suas terras.
Essa situação de conflito entre a criação de parques e a permanência de
comunidades tradicionais em suas terras não acontece apenas no Jalapão; é uma
situação mais comum do que deveria, incompatível com o artigo nº 68 da Constituição
Federal de 1988, como diz Merlo (ibid., p. 186):
O fato de a Constituição Federal, de um dia para o outro, reconhecer
a existência dos territórios negros não trouxe efetivas garantias
quanto à titulação de muitas propriedades quilombolas. Há todo um
processo longo, exaustivo e que em vários momentos os obriga a
enfrentar oposições à posse ou à reintegração das terras.
A demora nos processos de titulação das terras é outro fator agravante dos
conflitos gerados com o estabelecimento do PEJ; depois de 12 anos da criação do
Parque, ainda não existe nenhuma comunidade quilombola com área titulada.
80
Em 2010, o Movimento Estadual dos Quilombolas procurou o Ministério
Público Federal para resolver esse impasse, e com isso, foi criado o Fórum Permanente
de Acompanhamento da Questão Quilombola no estado do Tocantins. O objetivo do
fórum é encontrar um modo de conciliar a conservação ambiental com a sobrevivência e
manutenção dos modos de vida desses povos.
Temos que encontrar um modo de conciliar nossa sobrevivência, que
vem de longa data, com a legislação ambiental, mas não sairemos da
terra onde nascemos e vivemos (Ana Cláudia, moradora da Mumbuca
– informação verbal).
Segundo o Procurador da República, o governo do estado errou ao criar o PEJ
sem um estudo prévio das áreas ocupadas – “o Estado não pode impedir que as
comunidade exerçam seu modo de vida, isso é direito delas”. (MANZANO, 2010)
Atualmente, o processo da comunidade da Mumbuca está em aberto junto ao
INCRA, o qual, em parceria com a Universidade Federal do Tocantins – UFT, está
realizando os laudos antropológicos iniciados em março de 2012. Segundo o site do
Ministério do Desenvolvimento Agrário,
O laudo antropológico é peça do processo administrativo de
regularização dos territórios quilombolas e integra o Relatório
Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), composto ainda por
laudo agrônomo e memorial descritivo da área, que serão executados
por servidores do INCRA. O relatório determina a área do território
de cada comunidade quilombola e é fundamental para assegurar a
titulação para as famílias (MDA, 2012).
É preciso salientar que o ecossistema inclui também as pessoas, e que a
preservação do meio ambiente não pode acontecer em detrimento dos seres humanos.
Toda essa luta tem feito com que os integrantes das comunidades se unam e
busquem não só seus direitos, mas também respeito e dignidade, e compreendam a
necessidade de se organizarem por um objetivo comum.
[...] percebem a importância de seguir com as novas autodenominações,
para conquistar as terras, o direito ao plantio e a dignidade. Se antes se
organizaram em associações para lutar contra a especulação fundiária e
a indústria turística, depois se denominaram comunidade tradicional
para reivindicar o direito ao plantio e à extração de gêneros diversos
necessários à existência dentro da área de reserva, agora se reconhecem
como remanescentes de comunidade de quilombo para legitimarem suas
posses e obterem a titulação. Isso só demonstra a consciência e a
resistência dessa gente aberta às mudanças para se preservarem na terra
que é sua (MERLO, 2005, p.230).
81
De fato, essas conquistas só têm se tornado realidade devido às iniciativas do
movimento negro, que lutou pelo cumprimento do preceito constitucional. De certa
forma, isso acabou contribuindo para o reconhecimento de sua própria existência.
3.4
A COMUNIDADE MUMBUCA
A comunidade Mumbuca, escolhida para a pesquisa deste estudo, é
remanescente quilombola resultante da miscigenação entre índios e negros, situada no
município de Mateiros, região do Jalapão, no leste do estado do Tocantins. Essa
miscigenação é frequente entre comunidades quilombolas, como cita Gomes (PINSKY;
PINSKY, 2005, p.450):
Não raras vezes no Brasil, existiram relações interétnicas, envolvendo
populações indígenas com populações escravas africanas e seus
descendentes. Em varias regiões do Brasil, assim como das Américas
– para além dos conflitos e confrontos – escravos fugindo aliaram-se
a grupos indígenas, formando inclusive pequenas comunidades.
A comunidade recebeu esse nome por causa de uma espécie de abelha da
região: “Era a abelha que mais encontrava aqui nesse período desse chão aqui, nesse
local aqui, era Mumbuca e aí ele ficou Mumbuca” (Artesã, 2009 – informação verbal).
A ocupação iniciou-se no começo do século passado, por volta do ano de 1909,
quando a região ainda era parte do estado de Goiás. Desde então, há quase 100 anos, a
comunidade tem construído seu espaço, cultura e atividades. É matriarcal e mantém
vivos os traços de sua organização social e tradições e abriga cerca de 230 pessoas. Suas
atividades são basicamente a agricultura de subsistência e a produção de artesanato com
o capim dourado, o que levou também ao trabalho com turismo, visto que a região do
Jalapão se tornou conhecida por esses artefatos e suas belezas naturais.
Segundo depoimentos dos moradores, por muito tempo, a maior parte da
população se mantinha isolada, o contato com outras comunidades era esporádico,
principalmente por estarem situados em um local de difícil acesso. A comunidade
começou a ter visibilidade pela expansão da produção artesanal do capim dourado, que
82
passou a ser reconhecido no início dos anos 90. Mesmo assim, esse contato não causou
o abandono nem de suas terras, nem de suas tradições.
3.5
O ARTESANATO DE CAPIM DOURADO
A produção artesanal começou na região há cerca de 100 anos, através dos
ensinamentos de índios Xerentes 34 locais, que deixaram para alguns moradores a
técnica de trançar fibras naturais, principalmente o buriti, abundante na região
(informação verbal colhida na pesquisa de campo e confirmada por Schmidt, 2005).
Da herança indígena, a produção das peças em capim dourado conserva o
ponto da costura, chamado pela comunidade de “costura do capim”. Segundo
Munduruku35 (Naves, 2010, p.17)
O ponto usado no capim dourado, nas costuras dos Xerentes e na
costura dos Karajá quando eles fazem os trançados é o mesmo ponto
que nós chamamos de ponto atrás, que é feito com a palha do buriti.
A prática artesanal manteve papel secundário nas atividades comunitárias,
sendo revitalizada por volta dos anos 1990 por Dona Miúda, que viu na arte com o
capim dourado uma solução de subsistência para seu povo36:
A prática começou aqui mesmo na Mumbuca, minha mãe já trançava
outras fibras como o buriti, e um dia andando por aqui, ela viu aquele
capim amarelo, e chamou de capim ouro. Então ela trouxe um molho
de capim dourado e fez um chapéu e uma bolsa, foi a primeira arte
feita com o capim dourado. Daí, isso ficou parado depois que ela
morreu. Depois de um tempo eu já estava casada, minhas filhas já
tinham crescido, mas eu nunca tinha praticado nada de artesanato.
Foi quando eu vi a oportunidade de retomar essa arte para ganhar
dinheiro, porque nós somos pobres. [...] E através disso, eu consegui
tirar o meu povo do cativeiro (Transcrição de vídeo, 2008)
34
Os Xerente, junto com os Xavante e Xakriabá, são classificados como Jê Centrais e se localizam no
município de Tocantínia (TO), cerca de 70 km ao norte da capital, Palmas, entre os rios Tocantins e Sono,
nas terras indígenas Xerente e Funil, que somam 183.245,902 hectares (SCHROEDER, 2010, p.67).
35
Munduruku é mestre em história e especialista em assuntos indígenas, pertence ao povo Munduruku.
36
Entrevista realizada em julho de 2008 para a pesquisa da conclusão do bacharel em Design de Moda da
autora. A entrevistada em questão era Guilhermina Ribeiro da Silva conhecida como Dona Miúda,
matriarca da comunidade e principal difusora do artesanato com capim dourado. Dona Miúda morreu
na comunidade no ano de 2010 aos 80 anos.
83
Esse artesanato tradicional, objeto de nosso estudo, pode ser entendido como
Um subcampo das culturas populares, com conhecimentos e modos de
fazer enraizados no cotidiano das comunidades, onde a reprodução
dos enunciados simbólicos é realizada por intermédio da observação
das práticas dos mais velhos ou da oralidade, em relações de trabalho
doméstico e família (CIPINIUK, 2006, p. 7).
Por tudo isso, a prática carrega consigo toda a valoração cultural e simbólica
mencionada no capítulo anterior, passível de preservação por órgãos públicos e
privados, não só por sua origem, mas também pela importância social, econômica e
cultural para os artesãos.
É interessante observar como a história da produção de artesanato de capim
dourado está entrelaçada com a história da própria Mumbuca, como afirma Dotora,
atual matriarca da comunidade: “A comunidade vive é da força do capim dourado, do
cerrado, que é a nossa inteligência. Ele nos ensina tudo, é a nossa própria vida”
(informação verbal, 2011).
O capim dourado (Syngonanthus nitens) usado na produção desse artesanato é
uma sempre-viva da família botânica das Eriocauláceas. Sua característica principal é a
cor, que lembra o ouro. A planta adulta constitui-se de uma roseta de folhas que fica
próxima à superfície do solo e tem cerca de quatro centímetros de diâmetro
(GIULIETTI et al., 1996). Da flor, estendem-se os fios usados para o artesanato, que
são colhidos uma vez por ano.
Figura 22 – Ramalhete de Capim Dourado
Foto: Fernando Zarur (2007)
84
Os primeiros artefatos desenvolvidos com o capim dourado eram utilitários,
como cestos e cumbucas. Com o passar do tempo, o reconhecimento dessa prática, a
busca dos turistas por novos produtos, além das oficinas de design realizadas na
comunidade, passou-se a desenvolver também chapéus, brincos, anéis, pulseiras, bolsas
de capim dourado costurados com “seda” de buriti (Mauritia flexuosa) e também com
fio dourado.
Uma parte da expansão da produção artesanal do capim dourado pode ser
considerada como resultado dos programas de incentivo do governo do estado do
Tocantins37, na intenção de que os produtos e o próprio estado ganhassem destaque,
dentro e fora do país. Assim ampliou o número de artesãos e coletores de matéria-prima,
o que aumentou a coleta das espécies utilizadas. Hoje, a venda de artesanato constitui a
mais importante fonte de renda para diversas comunidades da região.
3.5.1 Importância Socioeconômica
O impacto do artesanato feito com o capim dourado na região foi grande – as
comunidades e os artesãos se mobilizaram para produzir e ser reconhecidos, percebendo
nessa nova arte uma forma de mudar sua condição de vida. E avançaram muito, visto
que o artesanato feito a partir do capim dourado tem influenciado diretamente a
mudança na condição socioeconômica dos moradores do Parque Estadual do Jalapão,
conforme observado nas pesquisas. O artesanato com o capim dourado constitui
importante fonte de renda para muitas famílias, especialmente aquelas geridas por
mulheres. Dona Miúda, precursora dessa prática, conta que é preciso
[...] ter amor e sinceridade por uma obra dessas que nos foi estendida
é de muito valor, onde muitas pessoas pobrezinhas não tinham nada e
hoje estão com o capim, costurando nas bancadas de noite para
sobreviver, não é? Em outra hora, não tinha essa oportunidade,
vendiam o prato de arroz, o prato de feijão. Não estava sendo
suficiente nem para a despesa da casa. Agora, esse prato de feijão e
de arroz fica para a casa, e a comida, as roupas, os remédios, é com o
capim dourado. [...] Quantos abraços, quantos beijos eu não tenho
levado, agradecendo o meu trabalho nesse “Brasil Velho”. Você
37 “
Em cinco de outubro de 1988, com a promulgação da Constituição, é legitimada a criação do Estado, o norte
de Goiás é finalmente emancipado e passa a se chamar Tocantins, e em 1° de janeiro de 1989 foi instalada a
Unidade Federativa do Tocantins” (DUARTE et.al, 2010, p.4). Ao que parece, o incentivo do governo do
estado à expansão do capim dourado foi fruto de estratégias para promover não só o desenvolvimento do
interior do estado, mas principalmente atrair olhares e turistas para o estado recém-formado.
85
forma não só os pobres, mas também as pessoas de condição
(Transcrição de Vídeo - 2008).
Figura 23 – Lília Diniz em visita a Dona Miúda.
Fonte: foto da Autora (2008)
Essa prática tem mudado a vida dos habitantes do entorno. Schmidt (2005)
calculou que o rendimento mensal dos artesãos oscila entre meio e quase dois salários
mínimos (R$ 260,00 à época da aferição de preço), apresentando-se como uma forma de
trabalho mais rentável do que outras existentes na região.
Segundo estudo socioeconômico do Instituto Natureza do Tocantins
(Naturatins) em 2008, a atividade artesanal é considerada uma fonte de geração de renda
por 90,7% das famílias que trabalham com artesanato em capim dourado. Para 98,6%
dessas, a atividade artesanal permite o pagamento de contas e a aquisição de bens de
consumo duráveis (NATURATINS, 2008).
A prática ainda é predominantemente feminina, mas se expandiu também para
os homens, e hoje é raro ver uma família que não tenha alguém trançando fios dourados.
O capim dourado é uma joia que Deus deu pra nós da Mumbuca, ele
mudou nossas vidas. Temos conquistado muitas coisas através do capim
dourado, ele nos abriu portas que não pensávamos que pudessem existir,
criamos nossos filhos e nossos netos com o dinheiro que o artesanato nos
dá (Artesã da Mumbuca, 2011 – informação verbal).
É visível que o artesanato feito com capim dourado trouxe novas perspectivas
em uma área antes tão isolada. Porém, o desenvolvimento local não foi o único
benefício: as mulheres também apontam a autonomia gerada pela renda obtida com o
capim dourado, já que elas começaram a contribuir com a despesa em suas casas,
86
sentiram-se valorizadas, empoderadas na região e com autoestima elevada, fato também
observado por Sousa (2009).
Assim, instituições governamentais e não governamentais de pesquisa e gestão
ambiental têm unido esforços ao dos artesãos, com foco em objetivos comuns: a
conservação associada à geração de renda, à melhoria de qualidade de vida e à
valorização do Cerrado, voltando-se para um dos objetivos do Design Social, que é o de
revelar seu potencial de contribuir para uma qualidade de vida melhor e sustentável
(WHITELEY, 1998).
Dessa forma, o capim dourado e sua importância cultural e social vêm sendo
estudados para propor formas de dar continuidade ao artesanato e condições de
desenvolvimento da comunidade que vive dele.
3.5.2 Conservação Ambiental
Nesse contexto, a geração de emprego e renda a partir do uso sustentável das
espécies nativas constitui estratégia para melhorar a qualidade de vida e promover a
conservação da biodiversidade do cerrado. O emprego de técnicas de manejo que visam
a garantir a conservação da espécie explorada e seu ambiente de ocorrência deve ser
divulgado para agregar também valor socioambiental aos produtos vendidos
(CUNNINGHAM; MILTON, 1987).
Ecossistemas naturais são atrativos para turistas e investimentos, o que
contribui para gerar mais renda na região. No entanto, o desenvolvimento e aplicação de
formas de manejo sustentável de espécies nativas são desafios que dependem de
inúmeros fatores, como o conhecimento científico da ecologia das espécies exploradas e
dos efeitos do extrativismo. Regina Spinelli (s/d) cita que
Algumas comunidades carentes das regiões onde nasce o Capim
Dourado viram a possibilidade de geração de renda através da
confecção de artesanato. Para a qualificação desses artesãos locais e
para garantir o uso sustentado do capim, o SEBRAE, em parceria
com o Ministério do Meio Ambiente, desenvolveu um projeto na
região envolvendo 200 famílias carentes com a formação de
associações de artesanato locais.
A preocupação com a conservação das espécies de capim dourado na região é
uma constante para aqueles que dele vivem. A ONG PEQUI se destaca nesse trabalho
de conservação das espécies do cerrado e, com os resultados de suas pesquisas, tem
87
contribuído para a elaboração de portarias junto ao Naturatins, regulamentando a
colheita do capim dourado, conforme explica Schmidt (2005, p.68):
Os artesãos devem coletar o capim dourado dentro do período que vai
de 20 de setembro a 30 de novembro, colhendo somente as hastes que
estejam bem douradas, que é o sinal de que a semente já está madura.
Devem cuidar para não arrancar as sapatas (base), evitando a morte
da planta, e cortar as flores do capim ainda em campo, espalhando as
sementes para que germinem e produzam novas plantas.
Isto também se fez necessário, devido ao aumento no número de artesãos que
alcançou a popularidade do artesanato com o capim dourado. Artesãos relatam que
alguns anos atrás, vinham pessoas de todos os cantos do país em busca de capim
dourado e que, na maioria das vezes, não respeitavam as datas estabelecidas, o que
provocou uma enorme preocupação por parte dos artesãos, que requereram maior
vigilância pela direção do Parque.
A retirada indiscriminada levou o Naturatins a instituir a Portaria Naturatins nº
362, de 25 de maio de 200738, regulamentando a atividade de coleta, e evitando a
comercialização do capim in natura.
Outra forma de proteção à subsistência dos artesãos foi a criação das
associações, que se iniciou no ano de 2000 e, além de regulamentar a produção e venda
dos artefatos, também cadastrou todos os artesãos da região, de forma que somente os
artesãos cadastrados podem colher o capim dourado e deixar o Parque portando a
espécie. Ao todo, são nove associações que se uniram formando a AREJA (Associação
de Artesãos em Capim Dourado da Região do Jalapão), que tem por objetivo:
Reunir as nove associações existentes na região, formando uma
única que representará o artesanato produzido, estabelecendo um
regulamento conjunto, visando principalmente à apresentação do
pedido do Registro de Indicação Geográfica do Jalapão /
Tocantins do artesanato em capim dourado ao INPI – Instituto
Nacional da Propriedade Industrial, vinculado ao Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, para análise e
aprovação (SEFAZ, 2008).
38
Vide a íntegra da Portaria no ANEXO 4
88
3.5.3 Registro de Indicação Geográfica
Conforme exposto anteriormente, o artesanato com o capim dourado se
popularizou muito, e já pode ser encontrado em qualquer região do país, e também no
exterior. Isso afetou a produção das comunidades do Jalapão, que viram trabalho e
esforços desvalorizados pela massificação de sua arte nos centros urbanos.
A consequente descaracterização nos artefatos de capim dourado produzidos
em centros urbanos por pessoas sem qualquer vínculo com a cultura do Jalapão não só
resultou em objetos banais, como também na perda do valor simbólico atribuído à
história contida no artefato que é produzido pelos artesãos da Mumbuca.
Em 2008, com o apoio do governo do estado, a AREJA foi em busca de
reconhecimento do artesanato genuíno, proteção de sua origem e também de seus
artesãos, e apresentou ao INPI o pedido do selo de indicação geográfica para os
trabalhos manuais confeccionados em capim dourado na região do Jalapão, na categoria
“indicação de procedência” (IP).
As indicações geográficas são definidas no artigo 22 do Acordo de Propriedade
Intelectual relativo ao Comércio (ADPIC) como
[...] indicações que identifiquem um produto como originário do
território de um membro, ou região ou localidade deste território,
quando determinada qualidade, reputação ou outra característica do
produto seja essencialmente atribuída à sua origem geográfica.
A legislação brasileira de propriedade industrial, lei nº 9279/96, define dois tipos
de Indicações Geográficas: a Indicação de Procedência e a Denominação de Origem:
A Indicação de Procedência designa o nome geográfico de um país,
cidade, região ou uma localidade de seu território, que se tornou
conhecido como centro de produção, fabricação ou extração de
determinado produto ou prestação de determinado serviço (art. 177);
a Denominação de Origem designa produtos ou serviços não apenas
associados a uma determinada região, mas cujas qualidades ou
características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio
geográfico, incluídos fatores naturais e humanos (art. 178).
A comunidade da Mumbuca recebeu o selo de indicação geográfica pelo INPI
em agosto de 2011, sendo o primeiro de sua categoria no centro-oeste do Brasil. A
coordenadora do INPI destacou a importância desse selo para o artesanato local:
89
É o reconhecimento de uma reputação da área delimitada para
artesanato em capim dourado. [...] O artesanato em capim dourado
do Jalapão passa a ser mais valorizado a partir de agora. Tem
estudos na Europa de que produtos com indicação geográfica têm um
plus [melhoria] no preço. É questão também de um maior
desenvolvimento local, maior fluxo de turistas (PORTAL BRASIL,
2011).
Para os artesãos, o selo significa um diferencial, garantindo a qualidade e a
competitividade do produto. Outro aspecto importante do selo é a conservação das
espécies, já que ele será concedido somente a artesãos que obedecerem as normas
ambientais que garantem a coleta sustentável da espécie.
3.6
ARTESANATO E AFIRMAÇÃO DE IDENTIDADE
Quando se fala da interação entre design e artesanato, a primeira preocupação
que vem à mente é a descaracterização do artefato tradicional e a perda de identidade.
Quanto a essa questão, em entrevista realizada, foi possível observar que existe a mesma
preocupação por parte dos artesãos, e a alternativa encontrada por eles é a coexistência do
artefato ressignificado de design e do artefato tradicional, como explica Dotora39 (2011):
Não vamos deixar de produzir o que aprendemos com nossos
antepassados. O que temos feito há muitos anos, vamos continuar
fazendo, com o respeito que temos pela colheita e pelo capim, agora a
inovação, a criatividade, novos modelos, é bom aprender. Porém
nunca vamos deixar de ser e produzir aquilo que nos caracteriza.
Quando questionada acerca da diferença entre os primeiros artefatos
produzidos por eles, sem intervenção externa, e os produtos frutos de oficina, ela afirma
que “não vê muita diferença, pois as pessoas que fazem são as mesmas. Agora,
melhorar a técnica, o acabamento, isso só ajuda para nós produzirmos ainda mais e
melhor”. Relata ainda que outra mudança que ocorreu foi na nomenclatura dos
produtos, que receberam novos nomes após as oficinas.
A mesma pergunta foi feita a outra artesã sobre a descaracterização do artefato,
e ela respondeu:
39
Filha de Dª Miúda e atual matriarca. Informação verbal (2011)
90
Depende da metodologia adotada pelas oficinas. Se vem ensinar com
procedimentos mais naturais, respeitando o que nós fazemos, não
muda, mas se é uma proposta com outros materiais, principalmente
artificiais, descaracteriza e dificilmente a comunidade vai adotar essa
ideia (Artesã da Mumbuca, 2011 – informação verbal).
Os artesãos também relatam que os dois tipos de produtos artesanais atendem a
diferentes tipos de consumidores: tantos os que vão em busca de conhecer o berço do
artesanato de capim dourado, e assim encontrar peças artesanais mais específicas e
tradicionais, quanto os que também gostam dos artefatos frutos de interações de design.
O pessoal tem um respeito muito grande pela Mumbuca. O artesanato
de capim dourado nasceu aqui, né? Os turistas respeitam muito,
deixam tudo pra trás e vêm comprar aqui. A história do capim é aqui,
por isso que eles vêm pra cá. Lá não tem história, né? E eles querem
saber a história, quem fundou, por quem começou [...] É importante
isso, e é o que segura nós aqui, é a história do capim dourado, a
história de quem começou, que nasceu, isso é muito importante pra
nós. Quem segura todo o valor do capim dourado é a nossa história
(Artesão da Mumbuca, 2011 – Informação verbal).
Ao que parece, o turista que vai até a Mumbuca, busca a história por detrás do
objeto, busca valores culturais; senão, compraria em outros lugares ou centros urbanos
(conforme relato dos artesãos). Os artesãos da Mumbuca dizem que ali, os turistas são
“exigentes”.
Existe uma preocupação muito grande por parte da comunidade em manter
suas tradições. Com isso, fica visível a diferença entre o artesanato produzido na
Mumbuca e os de outras regiões, mesmo o artesanato de referência cultural, que carrega
consigo traços de identidade que o diferenciam, quando comparado a outros. Esse fato
também foi observado por Schmidt (2005, p.32):
Há diferenças marcantes nos tipos de peças confeccionadas por
artesãos de associações e localidades diferentes. O uso de materiais
além do capim dourado e da seda do buriti [...] é mais frequente nas
áreas urbanas do que em comunidades rurais; assim como é mais
comum, nas áreas urbanas a confecção de peças totalmente diferentes
das tradicionais [...].
91
Como podemos ver nas fotos a seguir:
Fig 24: Artesanato Tradicional
Fig 25: Artesanato de Ref. Cultural
Fonte: Foto da Autora, 2011
A figura 24 apresenta uma peça de artesanato tradicional, trançado com seda de
buriti, sem intervenção de outros materiais, e com trama circular, como é comum nos
produtos tradicionais. Já a figura 25 apresenta colar resultante de uma oficina de design,
onde o capim dourado é usado em menos quantidade e em associação com outros
materiais, como correntes e miçangas. Só pelo fato de a peça na figura 25 ser um
acessório já se distancia do artesanato tradicional, composto por cestos, potes e outros
utilitários do dia-a-dia. Entretanto, ambos os tipos são encontrados na associação dos
artesãos da Mumbuca, onde se comercializam as peças produzidas pela comunidade, e
onde também as fotos foram registradas.
Ou seja: mesmo com o frequente contato com os entornos urbanos, percebe-se
que o fazer artesanal da comunidade Mumbuca tornou-se parte de sua tradição, pautada
pelo respeito e seguimento dos ensinamentos transmitidos pelos mais velhos aos mais
novos. Isso, além de solidificar os laços da comunidade, propicia a agregação de valores
aos artefatos produzidos por eles, posto que se diferenciam culturalmente dos demais.
A convivência com o meio ambiente, principalmente com o capim
dourado, permitiu mudanças na vida local. O artesanato abriu as
portas da comunidade para o mundo exterior e fez com que a cultura
em torno do capim e os elos do seu povo com as tradições do passado
fossem conhecidas (SOUSA, 2009, p.43).
Apesar da significativa inserção do design, que veio com a abertura das portas
da comunidade e é bem-vista pelos artesãos, eles parecem conceber tradição e
92
modernidade pacificamente em seu presente, seja como forma de afirmação de
identidade ou como forma de preservar os moldes de vida de seus ancestrais.
A Mumbuca é um povo que aprendeu com seus antepassados a lidar
com o capim dourado, transmitir conhecimentos e habilidades acerca
da planta para os seus descendentes, estabelecendo assim uma
tradição de manter junto com a sua, a história do capim dourado.
Esta união já dura mais de um século, e, mesmo assim, a tradição dos
primeiros moradores continua preservada [...] (SOUSA, 2009, p.44)
Podemos observar, então, que o artesanato de capim dourado produzido pela
comunidade exerce uma função maior do que a prática laboral ou alternativa de renda: à
medida que integra outros esforços da comunidade, reafirma os laços entre seus
membros, com suas raízes e com o ambiente em que vivem. Nesse processo de
afirmação de identidade através de suas práticas, podemos mencionar que o isolamento
experimentado pela comunidade até o início dos anos 90, quando seu artesanato
começou a ser difundido, gerou um tipo de desenvolvimento local que brotou no seio do
próprio grupo, como reflete Junqueira (2000, p.118)
Desenvolvimento Local é entendido como um espaço dinâmico de
ações locais, tendo como pressuposto a descentralização, a
participação comunitária e um novo modo de promover o
desenvolvimento que possibilita o surgimento de comunidades
capazes de suprir suas necessidades imediatas, descobrindo ou
despertando para suas vocações locais e desenvolvendo suas
potencialidades específicas.
Esse tipo de desenvolvimento é acompanhado de um sentimento que percola
entre os moradores, de pertença ao lugar em que vivem (onde nasceram, criaram suas
famílias e do qual tiram seu sustento). É esse sentimento que Tuan (1980, p.105)
conceitua como topofilia – “[...] o elo afetivo que a pessoa ou um determinado grupo
social tem em relação ao lugar ou ao ambiente físico”.
Esse sentimento e compromisso com o desenvolvimento local incentivam a
comunidade na busca por melhorias internas, em vez de optar pelo êxodo para lugares
mais acessíveis. As fronteiras que vêm se expandindo pela comercialização de seu
artesanato e do ecoturismo no parque deram acesso da comunidade a outros modos de
vida. Porém, nos recenseamentos realizados no local, não se percebeu redução no
número de moradores, fato também relatado em entrevistas por uma das artesãs jovens
93
da comunidade, que disse que os jovens têm vontade de fazer uma faculdade e melhorar
de vida, mas não pretendem abandonar a Mumbuca.
Estou cursando o 3º ano na escola em Mateiros, dou aula para as
crianças na escola fundamental na comunidade e trabalho como
promoter da comunidade, e líder jovem. Tudo que podemos
conquistar de melhorias para a Mumbuca, nos empenhamos em fazer
(Artesã da Mumbuca, 2011 – informação verbal).
É esse o caso do processo pelo direito à posse das terras, previsto no art. 68 do
ADCT aos remanescentes de quilombos.
3.6.1 Festa da Colheita
É perceptível como o fazer artesanal está intimamente ligado à manutenção das
tradições da comunidade, e uma ocasião em especial é responsável por relembrar isso e
reavivar na memória outras tradições centenárias: a Festa da Colheita.
A festa é uma iniciativa dos moradores da Mumbuca para celebrar o início da
colheita do capim dourado. A data de 20 de setembro foi escolhida por marcar a melhor
época para a colheita das hastes do capim – a parte utilizada na produção das peças, de
forma a não comprometer a manutenção dos estoques e a utilização pelas gerações
futuras. Durante muitos anos, foi festejada somente entre os membros da comunidade;
contava com brincadeiras e cantigas de roda, cavalgada ao campo, e também era o
momento de contar histórias e lendas. Quando o capim dourado estava pronto para ser
colhido, a comunidade ia para o campo a cavalo, vivenciando a festa, tanto na saída
como na chegada. O objetivo principal da festa é resgatar a história e a cultura do
Povoado de Mumbuca, seu conhecimento da arte do Capim Dourado, suas
lendas, músicas e outras tradições.
A partir do ano de 2009, a Festa da Colheita se expandiu e conta agora com
parceiros, como a Secretaria da Cultura do Tocantins, o Ibama, o Ministério Público
Federal e o Centro Nacional de Cultura Popular, que reforçam a importância da festa
para a comunidade e aproveitam o momento para também
•
Incentivar a coleta coletiva e sustentável da matéria-prima,
dando continuidade aos modos tradicionais do Povoado;
•
Minimizar os impactos negativos ao capim dourado, incentivando
a colheita ordenada na época certa e de forma adequada,
reduzindo o desvio da matéria prima para o tráfico;
94
•
Promover a conservação ambiental, o turismo e a interação entre
as comunidades e as instituições parceiras (MPF, 2011)
No ano de 2011, em decorrência do processo para titulação das terras, a
comunidade recebeu o promotor do Ministério Público, Álvaro Manzano, e o
antropólogo Márcio Santos.
Manzano proferiu palestra que abordou os direitos e deveres dos
remanescentes de quilombos, e ajudou a comunidade a entender, tirar
suas dúvidas e continuar lutando pelos seus direitos (MPF, 2011).
Na ocasião, representantes do Ibama e do Centro Nacional de Cultura Popular
trouxeram informações sobre o processo de indicação geográfica que estava em
andamento, e os progressos nos estudos para conservação do capim dourado.
Nos dias da festa, a comunidade se organiza para receber os
visitantes, principalmente aqueles que vieram das outras
comunidades, com o intuito de compartilhar os saberes sobre a
confecção do artesanato e os procedimentos que os artesãos de
Mumbuca adotaram para que o capim dourado não desapareça
(Artesã, 2011 – informação verbal).
O momento tradicional de celebração se une agora também a outros interesses
da comunidade, que viu na festa uma oportunidade não só de expandir e celebrar sua
cultura, como também um momento de conscientização, trazendo para seus membros
assuntos de interesse e esclarecimentos sobre os possíveis entraves para a continuidade
de sua existência, tanto no Jalapão quanto no artesanato de capim dourado.
Outra iniciativa que surgiu no seio da comunidade para preservar e celebrar
suas tradições foi a vontade dos filhos de Dª Miúda de criar um museu em homenagem
à vida e obra da matriarca e precursora do artesanato.
Gostaríamos de criar um museu na casa da Dª Miúda, de coisas da
história dela. O turista vem aqui para conhecer o berço do capim
dourado e conhecer também a grande responsável por tudo isso.
Agora que ela morreu, o museu é uma forma de homenageá-la e
também dar acesso aos turistas a conhecerem um pouco da vida dela
(Artesãos, 2011 – informação verbal).
A iniciativa foi levada à Secretaria da Cultura, mas até a finalização desta
pesquisa, o órgão responsável não tinha se manifestado sobre o assunto.
95
3.7
A QUESTÃO DO DESIGN
Nos itens anteriores desse capítulo, apresentamos o artesanato de capim
dourado, sua importância, desenvolvimento e aplicação para as comunidades que vivem
dele. Passaremos a abordar as interações entre o design e o artesanato na comunidade da
Mumbuca, para refletirmos sobre nosso objeto de estudo.
A partir do ano de 2000, com financiamento da Fundação Cultural do
Tocantins e apoio do SEBRAE-TO, foi promovida uma série de ações, dentre elas a
catalogação das comunidades, o incentivo à formação de associações, além de oficinas
de qualificação e design de peças, sempre com o intuito de desenvolver e comercializar
os produtos resultantes de tais ações. Desse trabalho decorre a maioria das ações de
designers na região.
A primeira oficina de design na comunidade foi ministrada por Renato
Imbroisi, que, na oportunidade, compartilhou a ideia de criação de mandalas ou
sousplats, como ficaram conhecidos os círculos de capim dourado. Os primeiros
trabalhos realizados pelo designer ocorreram numa época em que o capim dourado
ainda era pouco conhecido e a infraestrutura da região era bastante precária, inclusive
sem energia elétrica. Mesmo assim, as oficinas tiveram resultados significativos e a
iniciativa é sempre lembrada pelo grupo.
No ano de 2011, o SEBRAE também levou à comunidade da Mumbuca uma
oficina com a designer Heloísa Crocco. Esse projeto, em parceria com a ABEST
(Associação Brasileira de Estilistas), conforme mencionado no primeiro capítulo,
objetivou o desenvolvimento de produtos inovadores e competitivos, fazendo com que
essas comunidades incorporassem práticas sustentáveis em sua produção.
3.7.1 Contato e Percepção do “Design”
No início de cada entrevista com os artesãos, foi perguntado se ele/ela já havia
participado de alguma oficina de design: todos haviam participado da maioria das
oficinas realizadas, fosse dentro ou fora da comunidade, pois os habitantes da Mumbuca
são convidados a participar das oficinas nas comunidades próximas. Esse dado
demonstrou o interesse dos artesãos pelo trabalho de interação com o design.
96
Os artesãos relatam que não tomam contato com novidades somente na
aproximação com os designers, mas também com os turistas que visitam a comunidade:
Pegamos ideias com os turistas também, às vezes alguém vem aqui e
fala que em São Paulo está usando tal modelo, faz um desenho e nós
copiamos, se gostamos do resultado, repetimos. Senão, deixamos de
lado. Temos facilidade de reproduzir os desenhos que são mostrados
pra nós (Artesã, 22 anos, 2011 – informação verbal).
Entrevistados, os artesãos também foram perguntados acerca da importância do
design para eles. Em suas respostas, disseram que ele lhes proporcionou melhorias e
ajudou no desenvolvimento de produtos, especialmente através das oficinas, pois sabem
da importância de manter relação com o que está sendo divulgado nas mídias, não
apenas criar conforme o próprio gosto ou apoiados incondicionalmente nas tradições.
Na entrevista com a designer Heloísa Crocco, quando perguntada sobre a
recepção e percepção do design pelos artesãos, ela respondeu que esse processo “depende
muito da sensibilização da coordenadora local. Como ela prepara este trabalho, é claro
que, da experiência da equipe, tudo tem que ter um tempo e um elo de confiança mutua”
(Entrevista por email em dez/2012/ Vide ANEXO 5).
Alguns artesãos relatam que sentem muita desconfiança em relação a alguns
designers que surgem com a prerrogativa de ensinar, mas aparentam querer aprender as
técnicas da comunidade para utilizar em outros projetos.
Eu acho que existe um aproveitamento por parte de alguns designers,
que vêm dizendo que vão ensinar design e tal, mas querem é aprender
o conhecimento da comunidade, vêm com um discurso pronto, mas
querem é aprender a técnica da costura, do trançado do capim
dourado para ganharem dinheiro depois às nossas custas (Artesã,
2011 – informação verbal).
Infelizmente, de forma pontual ou não, a apropriação dos saberes de
comunidades tradicionais por designers existe e é frequente (BORGES, 2011;
NUSSBAUM, 2010, BONSIEPE, 2011; THACKARA, 2008), e uma ou outra
experiência ruim pode atrapalhar todo o processo orientado por outros designers, que
realmente visam contribuir com os artesãos. Segundo Crocco, existe a necessidade de
criar um elo de confiança entre artesãos e designers. Aparentemente, esse vínculo se
97
estabeleceu entre Imbroisi40 e a comunidade, já que seu trabalho é muito lembrado e
respeitado por todos. Uma artesã mencionou que a lembrança e respeito pelo trabalho de
Imbroisi se dão principalmente pela forma como ele trabalha e respeita os artesãos.
O diferencial do trabalho do Renato Imbroisi é que quando ele chega
à comunidade, não fala assim: “Faz esse modelo”. Ele fala: “Vamos
criar juntos”. Aí alguém diz: “Ah, Renato, eu pensei em criar um
jabuti”. E ele responde: “Então cria o jabuti, se vira com o jabuti”.
Ele dá a liberdade para a pessoa desafiar sua própria inteligência (A
CASA, 201141).
Ao que tudo indica, o trabalho de Imbroisi foi feito de maneira ética e
respeitosa – isso demonstra um diálogo possível de ser construído com os artesãos, e
que os faz perceber a importância de estar conectados com o mercado atual; de aplicar
certo apuro nas técnicas aprendidas de geração em geração, para a composição de novos
arranjos e combinações, utilizando-se, também, de diferentes materiais, sem perder os
traços característicos de antes.
O Renato veio pra somar, pra ajudar, ele já sabe a língua da
comunidade, porque ele foi um dos primeiros a vir até a comunidade.
Então, ele já conhece, já tem uma afinidade com a comunidade, o
perfil da comunidade. Ele anda por esse mundo afora e sabe o que vai
surtir efeito na comunidade, e nós continuamos a fazer o design que
ele propõe (Artesã, 2011 – informação verbal)
Essa fala nos faz refletir sobre um ponto de vista que vem sendo cada vez mais
advogado pelos atores envolvidos: a forma como deve ser elaborado o trabalho junto a
comunidades, considerando que as ações devem ser dosadas e pensadas para cada local,
de modo a consentir uma maleabilidade dos artesãos na aceitação e apropriação das
ideias propostas nas oficinas.
Os artesãos também fazem uma distinção clara entre seu trabalho e o dos
designers, identificando-se como detentores da técnica, enquanto os designers são os
propiciadores da novidade e portadores da criatividade. “[os designers] vêm ensinar
40
Foram feitas várias tentativas de contato com o designer Renato Imbroisi para uma entrevista sobre seu
trabalho na comunidade. Infelizmente, as respostas a nossas perguntas não foram possíveis por
dificuldades em sua agenda.
41
Disponível em: <http://www.acasa.org.br/ensaio.php?id=348&modo=>. Acesso em: mar/2012.
98
outros modelos, porque costurar42 nós sabemos, mas não conhecemos tantos modelos
como eles” (Artesã, 2011 – informação verbal).
Crocco também se referiu a este assunto, dizendo que as artesãs da Mumbuca
“são todas grandes mestras”. É necessário esse respeito pelo saber da comunidade, de
forma a possibilitar trocas, não imposições (Entrevista por email em dez/2012).
Quando o designer se aproxima do artesanato e do artesão, ele tem
que se colocar no mesmo nível, porque ele não tem a capacidade do
fazer. Posso admirar um cesteiro ou uma bordadeira e posso até
desenhar alguma coisa, mas não sei fazer. Precisaria de anos para
aprender. Desenhar está no mesmo nível do fazer, porque ambos
exigem anos de aprendizado. (BORGES apud COSTA, 2011, p.149).
Essa relação entre técnica e desenho nos fez refletir sobre o que já se incutiu
por meio da história e das mídias, pois reitera de forma significativa a ideia de que
design é a “solução inteligente de problemas estético-formais” (BONSIEPE, 2005, p. 2).
3.7.2 Oficinas
Segundo dados coletados, a comunidade da Mumbuca vem recebendo oficinas
de design desde o ano de 2001, quando da primeira interação de design com Imbroisi.
Vale lembrar que a participação em oficinas e a absorção de conceitos de
design exigem muita flexibilidade por parte do grupo, visto que o artesanato tradicional,
além de seguir um modelo de trama específico, é trançado com a seda do buriti,
enquanto os artefatos resultantes de oficinas normalmente recebem a inserção de outros
fios, novas tramas e formas, novos materiais, como sementes, miçangas, tecidos etc.
Observou-se que as oficinas são desejadas pelos artesãos, mas sua percepção é
que recebem poucas, se comparado com outras associações do Parque. Este fato talvez
se deva à questão da localização da comunidade que, por ser de difícil acesso, oferece
obstáculos maiores do que aquelas em áreas mais urbanizadas.
A principal e recorrente reclamação nas entrevistas é o fato de que, nesse
processo de aprendizado, eles muitas vezes sentem falta de ser consultados acerca do
que será apresentado nas oficinas, e acabam por receber projetos com temas menos
relevantes às suas realidades, fato que dificulta todo o processo de interação.
42
Costurar: termo utilizado pelos artesãos da Mumbuca se referindo ao processo de transformar o capim
dourado in natura em artefato artesanal
99
Eu vejo muita riqueza nesses cursos, que poderia ser aproveitada
muito mais, mas a comunidade nem sempre para pra aprender,
porque chegam falando assim, vai ter um curso tal, tal dia, nesse
horário e pronto. Não conversam com a gente antes, não tem
demanda, acho que deveriam vir aqui antes com a proposta, mostrar
a metodologia, os modelos e ver se a comunidade se interessa (Artesã,
2011 – informação verbal).
Essa falta de diálogo também é criticada por Borges (apud COSTA, 2011, p.149)
que consente:
[...] não se pode chegar aos artesãos já com o desenho pronto, com o
projeto feito. É preciso estabelecer um consenso entre a nossa opinião
e a deles. E que eles compreendam o porquê da intervenção, para que
possam dar continuidade depois.
No caso das oficinas realizadas na Mumbuca, os temas são definidos
previamente. Conforme Crocco: “Pesquisamos tendências e inovação nos materiais;
depois, sensibilizamos a comunidade para mudar”. (Entrevista por email em dez/2012)
Apesar da aceitação e reconhecimento da importância das oficinas para o
desenvolvimento do artesanato, essa falta de diálogo foi uma queixa recorrente:
Falta oportunidade de dizermos o que queremos, não perguntam o que
gostaríamos de aprender. A gente gosta das oficinas, mas gostaríamos
de ser questionados antes sobre o tema. Mesmo porque conhecemos
nossas dificuldades e facilidades, e também o gosto dos compradores, e
por isso às vezes vem oficinas com ideias que sabemos que não vai
funcionar na nossa realidade, e acabamos por gastar nosso tempo com
um produto que no final não vai vender, ou que simplesmente não
vamos fazer (Artesã, 2011 – informação verbal).
Quanto ao resultado das oficinas e sua contribuição para o desenvolvimento da
produção artesanal, os artesãos observam resultados positivos, porém referem que os
principais produtos vendidos pela comunidade não são fruto dessas interações, e sim o
artesanato tradicional, porque, como já mencionado anteriormente, o turista que viaja
até a Mumbuca, busca trabalhos com essas características.
Outro problema também relatado pelos artesãos é a duração das oficinas, que
consideram insuficiente para aprender e por em prática. Essa reclamação reitera uma
crítica de Borges (2011, p. 153) ao processo: “um ponto crucial sobre o qual o gestor é o
principal responsável se refere à duração ou frequência das oficinas. [...] Oficinas
isoladas de curta duração podem desestruturar uma comunidade”.
100
Nas entrevistas, quando o tema era a duração, muitos mencionavam a questão
do tempo, “do nosso tempo, do tempo da comunidade”: as comunidades têm outro
tempo de produção, o tempo do objeto feito à mão:
A lentidão do tempo artesanal é fonte de satisfação; a prática se
consolida, permitindo que o artesão se aposse da habilidade. A
lentidão do tempo artesanal também permite o trabalho de reflexão e
imaginação – o que não é facultado pela busca de trabalhos rápidos.
Maduro quer dizer longo; o sujeito se apropria de maneira duradoura
da habilidade (SENNET, 2009, p.328).
É preciso haver respeito pelo ritmo de trabalho do artesão; caso contrário, a
contribuição ao final é inexistente – acaba quando a oficina termina. O respeito pelo
tempo do artesão demonstra respeito por todo o sistema que envolve o artesanato, e abre
a possibilidade de continuidade dos trabalhos.
3.7.3 Continuidade
Além do interesse pelo trabalho dos designers, os artesãos demonstram desejo
de continuidade dos processos desenvolvidos nas oficinas, já que gostariam de aprender
mais e compartilhar o resultado das mudanças propostas no escoamento dos produtos.
Esse processo de continuidade, segundo os órgãos responsáveis, existe no
sentido de frequência, que é a volta do designer para ministrar outras aulas, como no
caso de Imbroisi, que já participou de várias oficinas na comunidade desde 2001. Existe
também na criação de outras oficinas com outros designers.
Outro aspecto desse trabalho de continuidade são as feiras de artesanato, onde
os artesãos muitas vezes são levados pelo governo do estado para vender seus produtos
e fazer contatos. Entretanto, com o crescimento do artesanato de capim dourado, alguns
atravessadores vão até essas feiras, expõem o artesanato como sendo da comunidade e
tiram a oportunidade dos artesãos de viajarem e fazerem novos negócios.
Relacionando a continuidade a um conceito de monitoramento ou
acompanhamento pós-oficina, os artesãos relatam que
Não existe esse acompanhamento, não tem não, e isso não é só no
design, é em todos os cursos. Todos os outros cursos que já vieram
não têm monitoramento, não procuram saber como está a produção
do que foi ensinado. Essa parte ai ficou faltando (Artesã, 2011 –
informação verbal)
101
Esses são fatores que, somados, podem estar contribuindo para que a Mumbuca
não seja a principal responsável pela venda dos produtos de capim dourado da região, e
sim associações mais próximas à cidade. Mesmo tendo iniciado o trabalho, a venda
efetiva acontece em outras regiões, principalmente nas associações em núcleos urbanos.
Em comparação com as vendas nos núcleos de produção tradicionais
(Mateiros e Mumbuca) as ações de difusão da técnica artesanal
acabaram favorecendo muito mais o comércio nos núcleos de
produção recentes, como o município de Ponte Alta, que possui
melhores vias de acesso e infraestrutura, como hotéis, correios,
bancos e internet, fundamentais enquanto suporte a atividade
comercial (BELAS, 2008 43).
Pode-se ver que essas ações, por um lado, abriram novas perspectivas de
mercado aos núcleos tradicionais e ao desenvolvimento de produtos, mas por outro,
levaram ao aumento da concorrência e à homogeneização da produção, fator um tanto
inevitável quando se fala em mercado. Entretanto, essa massificação ocorre mais nos
centros urbanos, não afetando diretamente a produção de artesanato da Mumbuca, que
se mantém diferenciada pelos próprios valores históricos já mencionados.
Pensando nas características únicas do artesanato diante de uma realidade de
massificação da produção e também sob o risco de ver extintos os recursos naturais, têm
se realizado novas intervenções sob a perspectiva da singularização das peças. Com
isso, a conquista do Registro de Indicação Geográfica se torna ainda mais importante
para legitimar o verdadeiro artesanato de capim dourado, surgido na Mumbuca.
3.7.4
Identificando Aproximações
Passamos agora a uma análise mais pontual, em diligência para identificar
ações de design na Mumbuca que possam ter contribuído para o desenvolvimento da
comunidade, como objetivo proposto nesta pesquisa.
Para tanto, recorremos ao livro de Adélia Borges – Design e Artesanato, o
caminho brasileiro (BORGES, 2011). A autora busca construir um diagnóstico
profundo dessas aproximações no Brasil, e afirma “não existir um procedimento-padrão
43
Disponível
em
<http://secom.to.gov.br/noticia/2008/4/1/pesquisadores-iniciam-trabalhos-paraexposicao-do-capim-dourado-no-cnfcp/> Acesso em ago.2012
102
ou receituário para essas situações” (Ibid., p.59). Ela organiza em eixos principais os
caminhos trilhados nessas parcerias. A partir desses eixos, foi possível identificar sua
presença ou ausência no trabalho desenvolvido na Mumbuca. São eles:

“Melhoria das condições técnicas

Potencialidade dos materiais locais

Identidade e diversidade

Construção das marcas

Ações combinadas” (Ibid, p.59)
Observando os eixos em mais detalhe:

Melhoria das condições técnicas
Nesse eixo, Borges trata do trabalho do designer para desenvolver critérios de
qualidade de produção e acabamento. A autora comenta que vários dos problemas de
acabamento não podem ser atribuídos a um eventual desleixo do artesão e sim à
ausência de informações e perda de referências que faziam parte do repertório local,
mas foram esquecidos ao longo dos anos (Ibid.).
A preocupação com a qualidade é uma constante na Mumbuca. Os artesãos
lembram que Dona Miúda “era exigente em relação ao artesanato em si, que deve ter a
costura compassada e as peças firmes”. Nesse quesito, os trabalhos de design realizados
ajudaram no estabelecimento de critérios de produção e acabamento.
O incentivo à organização da comunidade em forma de associação também
propiciou esse controle de qualidade, já que se observa a qualidade e o acabamento dos
objetos antes de colocá-los à venda na sede da associação.
A associação ajudou e ajuda a gente muito, nos organizamos melhor,
e trabalhamos em conjunto. Além disso, existe a preocupação com o
bom acabamento, o que valoriza ainda mais o nosso trabalho, temos
que nos esforçar mais, o produto só pode ser vendido na loja da
associação se estiver bem costurado, firme e com o capim bem
dourado, que significa que foi colhido na época certa (Artesã, 2011 –
informação verbal).
Mais do que um incentivo por parte dos designers e das ações para a qualidade
dos objetos, são perceptíveis o empenho e dedicação dos artesãos em produzir peças
bonitas, bem acabadas e bem estruturadas.
103

Potencialidade dos materiais locais
“Aproveitamento das potencialidades dos materiais encontrados na região: nesse
quesito, os designers têm mais a aprender com os artesãos” (BORGES, 2011, p.79).
O capim dourado, riqueza natural da região do Jalapão, já vem sendo utilizado
no artesanato. Projetos conjuntos de design têm auxiliado os artesãos a procurarem
também por outros materiais locais, que possam ser utilizados junto com o capim
dourado, como sementes e outras fibras naturais.
A palha de buriti é usada para costurar o capim dourado, e mais recentemente,
tem se iniciado um trabalho para usar outras partes do buriti, como o fruto que, cortado
em lâminas, pode ser aproveitado no artesanato. Trabalho parecido é feito com o coco
do babaçu em diversas regiões do Tocantins.
Nessa busca pela potencialidade dos materiais da região, em 2011, a Secretaria da
Cultura do estado do Tocantins levou o designer Renato Imbroisi para ministrar uma oficina
com instruções de técnicas de tingimento vegetal para seda do buriti e novos produtos.
Sobre essa oficina, uma das artesãs da Mumbuca que participou disse que “a oficina foi
muito produtiva, enriqueceu nosso artesanato e é muito importante que a Secretaria da
Cultura continue trazendo incentivos desta qualidade para os artesãos de nossa região”.
(Artesã, 2011 – informação verbal).
Encontrar novas fórmulas e/ou funções para os materiais já utilizados, bem
como incorporar novos elementos, tem ajudado a valorizar o artesanato e os artesãos,
que passam a criar com mais liberdade e com uma gama maior de produtos. Nesse
sentido, o trabalho de design realizado na comunidade tem sido muito importante.

Identidade e diversidade
“Gestação de objetos com clara identidade dos lugares em que são feitos;
manutenção e desenvolvimento das técnicas e materiais locais através de sua
linguagem” (BORGES, 2011, p.97).
Conforme mostrado anteriormente, a comunidade da Mumbuca visa reafirmar
seus valores culturais e identitários através do seu produto artesanal. Nessa busca pela
manutenção de suas tradições, as oficinas de design têm ocupado papel secundário, já
que existe internamente a preocupação com a identidade e a busca de referências no
104
cotidiano da comunidade, a qual, como passou muito tempo isolada, tirou do próprio
seio a inspiração para a criação de seus artefatos.
Nesse sentido, o trabalho da designer Heloísa Crocco, que mantém o
laboratório Piracema de Design, busca essa diversidade em seus trabalhos e define-se.
[...] como um núcleo de pesquisa da forma cultural brasileira, o
laboratório sacramenta o princípio de que o artesão é soberano,
ponto de partida e de chegada de qualquer intervenção. [...] A
compreensão é a de que o produto do artesão deve ser visto como
materialização de seu complexo patrimônio cultural (Ibid, p.107)
Em sua oficina realizada na Mumbuca, a designer buscou, juntamente com os
artesãos, trazer outras referências locais que pudessem ser trabalhadas, na busca pela
criação de produtos inovadores e de práticas sustentáveis, mas fazendo uso da essência
cultural que caracteriza o artesanato tradicional local.
Imbroisi também realizou um trabalho de diagnóstico em 2011, buscando
conhecer as características da produção que vem sendo realizada, para criar uma linha
de produtos voltados para a cultura da comunidade.
Foi um design muito natural, assim bem rústico, nada artificial.
Foram feitos desenhos de bichos da fauna do cerrado, animais que
conhecemos como borboletas e formigas, tudo muito natural. Colares,
cintos, presilhas de cabelo, tudo característico da nossa região. O
Renato [Imbroisi] é o designer de que a comunidade mais gosta, é um
destaque para nós. (Artesã, 2011 - informação verbal)
Imbroisi referiu-se às oficinas, dizendo que “as artesãs foram muito
participativas e demonstraram muita vontade de se capacitar com novas técnicas,
trabalhar em equipe e desenvolver novos produtos” (SECULT, 2011 44).
Nesse eixo, nota-se que a parceria entre os artesãos envolvidos com suas raízes,
e designers que apreciem e incentivem esses valores culturais é aceita e os produtos dela
derivados são incluídos nas práticas artesanais da comunidade.

Construção das marcas
Equipar os objetos dentro de um programa de identidade visual,
marcas, etiquetas, embalagens bem feitas, catálogos, recursos que são
importantes para comunicar os valores intangíveis dos objetos
artesanais (BORGES, 2011, p.117).
44
Disponível em: http://encantosdocerrado.com.br/n/6709. Acesso em nov/2012
105
A criação de identidade visual dos produtos artesanais é muito importante.
Porém, ao que parece, este detalhe foi esquecido ou abandonado na comunidade da
Mumbuca. Na pesquisa realizada no ano de 2008, todos os produtos estavam com
etiquetas padronizadas, identificadas com o nome do artesão que produzira aquele
artefato, endereço e telefone da associação, e ainda informavam sobre a
responsabilidade social e identificação local da produção.
Essas etiquetas faziam parte de um projeto desenvolvido pela ONG PEQUI em
parceria com a Embrapa/Cenargem, a Universidade Federal de Brasília, o Programa de
Pequenos Projetos (PPE) e o Naturatins. Como resultado, foram desenvolvidas uma
cartilha para o manejo correto dos recursos naturais e etiquetas que, segundo o projeto,
visavam à diferenciação e agregação de valor às peças dos artesãos no mercado,
informando que cumpriam com as especificações ambientais.
Figura 25: Tag
Fonte: Foto da Autora, 2008
Entretanto, na pesquisa realizada no ano de 2011, o panorama foi outro: os
produtos não possuíam mais essas etiquetas, apenas folhas de caderno recortadas, onde
figuravam o nome do produto, do artesão e o preço de venda.
Fig. 26: Identificação dos produtos
Fonte: foto da Autora, 2011
106
Não é possível constatar o real motivo para a falta de uma identidade visual
mais completa. Porém, duas possibilidades foram levantadas: a falta de continuidade do
trabalho de identidade visual promovido pelos órgãos responsáveis ou a falta de
sensibilização dos artesãos quanto à importância desses itens.
Teve uma oficina para embalagens e etiquetas, só que foi assim meio
que relâmpago, a comunidade não se atentou para isso. Foi pouco
tempo e não houve a oportunidade de explicar a importância disso, de
sensibilizar os artesãos da importância de se incluir esse tipo de coisa
na produção (Artesã, 2011 – Informação verbal).
A artesã segue dizendo que as etiquetas eram fornecidas pelo estado, o qual
interrompeu a impressão e a entrega na comunidade, sem informar o motivo.
Esse eixo, que poderia contribuir para a valorização dos produtos, está aquém
das expectativas, não sendo perceptível a efetividade de um trabalho nesse sentido. Por
conta disso, produtos esteticamente criativos e bem acabados acabam sendo
comercializados em embalagens básicas e sem identidade, às quais falta inclusive
menção ao valor simbólico do artefato ali contido.
Fig 27: Artesanatos expostos para venda
Fonte: foto da Autora, 2011
107
Situação oposta é experimentada pelas associações localizadas na cidade, onde
a identidade visual já merece mais atenção e se estende dos produtos à embalagem,
aliada ainda aos catálogos e sites de revenda disponíveis.
Fig. 28: Página do catálogo de produtos de capim dourado
Fonte: Site PEQUI

Ações combinadas
Borges (2011, p. 129) exemplifica outras formas de o designer se relacionar com
as comunidades artesãs. Dentre elas, pelas pesquisas realizadas na Mumbuca, identificouse a contribuição do design e dos processos vinculados às ações dos designers para:
a) Redução da matéria-prima aliada à combinação de processos e materiais;
Um aspecto a ser destacado no trabalho sendo desenvolvido nas oficinas é a
conscientização para a colheita não predatória do material; o resultado vem sob a forma
de redução no uso de matéria-prima na confecção do artefato, pela combinação com
outros materiais, como ocorreu na oficina realizada pela ONG Percad em 2010, que
levou o designer Divino Alves para ministrar oficinas de produção de bolsas em tecido
com alças e detalhes em capim dourado.
108
Fig. 29: Oficina de bolsas
Foto: Heverton Lacerda, 2010
Além disso, a temática da sustentabilidade do capim dourado é reforçada por
técnicas apropriadas de manejo, visando à manutenção da espécie que só é encontrada
nessa região.
Outra forma de interação entre designer e artesão proposta por Borges (2011):
b) Facilitação do acesso dos artesãos ou de sua produção à mídia;
Ninguém reconhece o valor do que não conhece. Exposições,
publicações, seminários e prêmios têm um papel na divulgação da
revitalização do artesanato, contribuindo para aumentar a percepção
consciente do público sobre o objeto feito à mão e ao mesmo tempo
incentivando boas práticas. Eles podem sensibilizar olhares. Ao
colocarem o artesanato em outro lugar que não o do cotidiano –
sejam as salas dos museus, sejam as páginas dos livros –, permitem
também que se aumente a reflexão sobre os temas (ibid., p.164)
Pensando nisso, um projeto que se evidencia no trabalho feito junto ao
artesanato de capim dourado, com vistas à ampliação de sua visibilidade, foi a parceria
entre a Fundação Cultural do Tocantins e o Centro Nacional de Folclore e Cultura
Popular (CNFCP), que busca manter um espaço diferenciado e permanente de
comercialização no Rio de Janeiro. Essa aproximação ocorreu em 2008, por meio do
projeto Sala do Artista Popular que, segundo Borges (ibid., p.164), “é a iniciativa de
maior longevidade na divulgação do artesanato”.
Dessa parceria, resultou a produção de um catálogo etnográfico e a organização
de uma exposição com venda de peças artesanais no Museu do Folclore Edson
Carneiro, no Rio de Janeiro. As peças expostas foram feitas por artesãos da Mumbuca e
de Mateiros; a exposição contou a história da produção artesanal, ressaltando os valores
simbólicos, tradicionais e a importância dessa atividade para as comunidades.
109
O objetivo é fazer uma pesquisa bem detalhada sobre a cultura do
capim dourado na região, buscando, através de entrevistas,
informações da origem e de como é feito o artesanato na região. Além
de exposto, o artesanato em capim dourado também estará disponível
à venda, onde além da presença dos próprios artesãos, será agregado
valor às peças, com informações sobre a sua origem e como são
confeccionadas (BELAS, 2008 45).
Iniciativas como essa, em que se forma uma equipe multidisciplinar com
sociólogos, arte-educadores, designers e fotógrafos, ajudam a desenvolver um trabalho
mais coerente e completo para a divulgação e valorização do objeto artesanal
tradicional, tão importante para a existência de comunidades como a Mumbuca.
Considerando as ações propostas por Borges (2011, p.134), percebemos que
ainda há perspectiva de trabalho em muitas frentes, no caso da comunidade Mumbuca,
tais como otimização de processos de fabricação, interlocução sobre desenhos e cores,
aumento da percepção consciente dessa qualidade pelo consumidor; comunicação dos
atributos intangíveis dos objetos artesanais; contribuição na gestão estratégica das
ações, entre outros.
Analisando o que foi discutido neste capítulo e levando em consideração as
interações de que a comunidade da Mumbuca já participou, observamos que o designer,
quando interage com comunidades de forte tradição e identidade, assume um papel
secundário, menos relacionado à autoria e mais à intenção de auxiliar os artesãos a
criarem e identificarem as próprias referências de sua cultura e história – postura
diferente do que ocorre em grupos de artesanato recente e sem laços culturais.
Muitas vezes, o papel do designer tem que ser esse, menos ligado à sua própria
autoria e à mídia, e mais atento a incentivar o artesão a criar, valorizar a autoria, a
cultura e os signos que já fazem parte de sua tradição.
Percebe-se também que, neste tipo de relação abordada no presente estudo, os
artesãos devem ser respeitados, que para respeitar é preciso conhecer, e também que
esse conhecimento traça o caminho da relação a ser desenvolvida com os artesãos.
45
Disponível
em
<http://secom.to.gov.br/noticia/2008/4/1/pesquisadores-iniciam-trabalhos-paraexposicao-do-capim-dourado-no-cnfcp/> Acesso em ago.2012
110
Tem gente que chega aqui querendo colocar muito material artificial
nos nossos trabalhos. Não gostamos disso, trabalhamos com o
natural, com o que a terra nos dá. Não quero participar de uma
oficina que vai trazer um fio pronto, se posso usar fibra de palmeira e
tantas outras belezas da natureza (Artesã, 2011 – informação verbal).
O caminho é longo e as possibilidades são muitas, e mais do que
ressignificações na forma, é preciso um envolvimento em todos os elos da cadeia
produtiva artesanal, desde a transformação da matéria prima até as atividades de
produção, comércio e serviço.
O envolvimento dos artesãos deve também ocorrer em todas as fases desses
processos, e não simplesmente como receptores das interações, sem opinião sobre o que
será desenvolvido. O diálogo entre as partes, como vimos, é o principal ingrediente para
o sucesso ou o fracasso das interações propostas.
Conhecer para reconhecer parece uma saída plausível, tanto para os designers
quanto para os artesãos. Além do estabelecimento de uma interlocução, esse
conhecimento e reconhecimento fará com que seja possível tentar eliminar o risco de
tornar raso o que é profundo, como as culturas manuais tradicionais.
111
O artesanato é um sinal que se exprime à
sociedade não como trabalho (técnica) nem
como símbolo (arte, religião), mas como
vida física compartilhada.
(OCTÁVIO PAZ, 2006)
112
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Antes de qualquer ponderação, é preciso entender que
Durante certo tempo, se acreditou que a industrialização iria matar o
artesanato, da mesma forma que a globalização iria matar as
expressões culturais. [...] Os prognósticos de desaparecimento,
contudo, não se confirmaram (BORGES, 2011, p.203).
Nesta pesquisa, constatou-se a expansão do artesanato no mundo
contemporâneo, aliada ou não à sua aproximação com o design.
Tendo abordado o histórico de aproximações e distanciamentos ocorridos entre
design e artesanato, e também os reflexos da revolução industrial, assunto sobre o qual
Margolyn, Bonsiepe e Papanek, entre tantos outros, já emprestaram suas vozes para
compreensão das mudanças ocorridas, vimos salientar que o design mais e mais se vê
envolvido em projetos em parceria com o artesanato.
A aproximação entre designers e artesãos é, sem dúvida, um fenômeno
de extrema importância pelo impacto social e econômico que gera e
por seu significado cultural. Ela está mudando a feição do objeto
artesanal brasileiro e ampliando em muito o seu alcance (Ibid., p.137).
No Brasil, essa tendência é perceptível nas mais diversas esferas, e novos
“designers de artesanato” parecem surgir a cada dia. Não se sabe ao certo o motivo para
a intensificação dessas aproximações, e nem sua perspectiva de duração. Entretanto, tem
se popularizado o uso do design como ferramenta, até mesmo pelo governo, para
reposicionar, “revitalizar” e “valorizar” a atividade.
A legislação de 1988 – que reconheceu o artesanato como parte do patrimônio
cultural material, e seus conhecimentos tradicionais como parte do patrimônio cultural
imaterial, todos passíveis de proteção e conservação – está aliada ao crescimento dessas
ações em que se inclui o design.
O artigo 216 da Constituição Federal de 1988 ampliou o reconhecimento dos
bens culturais. Segundo Aguinaga (2006, p.4), “patrimônio cultural não se limita aos
monumentos de ‘pedra e cal’, ou seja, aqueles bens materiais e tangíveis; ao revés,
reconhece nas manifestações culturais imateriais mais uma dimensão desse
patrimônio”. Essa mudança na lei acarretou também uma nova forma de encarar o
113
artefato artesanal, que passou a ser visto como símbolo, como parte de nossa cultura
material e de nossa própria história.
[...] como único fenômeno cultural codificado duas vezes: uma vez na
mente do artesão e a outra na forma física do objeto. Essa dupla
codificação permite comparar os três fenômenos culturais, ou seja, o
artefato, bem como seus aspectos cognitivos e comportamentais.
Constitui ao mesmo tempo, o único meio de se inferir algo sobre
formas culturais do passado (NEWTON, 1989, p.15).
Estamos diante de uma questão de identidade vista por meio da cultura
material/imaterial e entendida pelos mecanismos de representação que são atribuídos
aos objetos. E essa questão de identidade ganha sempre mais importância, uma vez que
a globalização mexeu com antigas fronteiras, acarretando uma ressignificação do objeto
artesanal, o qual passou a “aportar aos usuários valores que vêm sendo cada vez mais
reconhecidos como calor humano, singularidade e pertencimento” (BORGES, 2011,
p.203).
A volta ao artesanato não significa um retrocesso. Consiste em uma volta dos
olhares, da construção de uma sensibilidade que revisita o passado diante de mudanças
significativas na contemporaneidade, posto que nenhuma volta é idêntica.
A volta ao artesanato é um dos sintomas da grande mudança
sensibilidade contemporânea. Estamos perante outra expressão
crítica à religião abstrata do progresso e à visão quantitativa
homem. [...] Por isso a popularidade do artesanato é um sinal
saúde (PAZ, 2006, pp.10-11).
da
da
do
de
Difunde-se cada dia mais o interesse pelo produto cultural repleto de valores
intangíveis. De uma forma ou de outra, essa busca levou os designers a se tornarem
parceiros dos produtores desse artefato, no caso, o artesanato – e para fins desta
pesquisa, o artesanato de capim dourado.
Acredita-se que, ao estudar o capim dourado e sua importância cultural e
social, reitera-se a luta pela preservação da comunidade de Mumbuca por meio do
artesanato, agora fortalecido por elementos do design, ressignificando o artefato em si e
a noção de desenvolvimento da comunidade em questão. Estabelece-se uma
possibilidade de diálogo intercultural necessário ao design na contemporaneidade, não
somente para valorizar os aspectos estéticos do consumo exótico, mas, sobretudo, para
apresentar outros modos de produção e uso, propondo novas considerações à atividade
projetual, por meio da diversidade cultural.
114
Ainda existe o senso comum de que designers atuam simplesmente na
forma, na superfície ou na aparência de produtos e serviços. No
entanto, pelo caráter trans e multidisciplinar da atividade, bons
designers têm tido uma atuação ampla, sendo capazes de interagir
com desenvoltura em equipes com competências distintas (BORGES,
2011, p.133)
Entretanto, o design é mais uma ferramenta disponível. Podemos ver no
exemplo da Mumbuca que a situação da comunidade e sua prática artesanal vão além de
uma ressignificação de seus produtos ou uma maior inserção no mercado. A disputa
pela terra e a luta pelo reconhecimento como remanescente quilombola direcionam os
esforços da comunidade na busca pela manutenção de seu território, de suas tradições e
de sua própria existência.
Esse fortalecimento da comunidade como grupo social com identidade cultural
reconhecida por um estado de direito, em função de seu passado escravista, demonstra
que o desenvolvimento que vem ocorrendo é caracterizado pela preservação das
tradições locais e reafirmado em seu fazer artesanal. Este é um fato que muito nos
revela de sua dinâmica social, a qual aceita as mudanças sem abrir mão das tradições,
como na coexistência dos dois tipos de artesanato. “A arte com o capim dourado,
internalizada e apropriada pelos primeiros habitantes mumbuquenses, não foi
enfraquecida pela diminuição do isolamento a que estavam submetidos nem pelo
contato com outras culturas” (SOUSA; 2009, p.45).
A solidificação da estrutura e organização social propiciou a interação com
outras culturas sem a sua própria descaracterização, o que não é frequente,
demonstrando o profundo vínculo da comunidade com suas raízes culturais e um forte
sentimento de pertencimento. Isso parece demonstrar que é possível a inserção do
design em comunidades tradicionais sem mutilar sua singularidade.
Menos tangível do que o impacto econômico, a transformação social,
propiciada pelo empoderamento e aumento da autoestima das mulheres, é também
portentoso. Entretanto, é preciso salientar que a principal responsável por essas
mudanças e transformações sociais é a própria comunidade que, engajada com a causa,
busca, filtra e aplica o que lhe parece pertinente.
Designers, pesquisadores, empresas privadas e órgãos públicos devem
combinar esforços para obter mudanças efetivas, não apenas estéticas, mas também na
forma como se encara o artesanato e as comunidades tradicionais do Brasil.
115
É preciso, finalmente, refletir sobre os parâmetros éticos a serem
observados no encontro entre designers, artesãos e gestores, para que
haja efetivamente uma melhora, e não a piora da situação anterior. É
compartilhar e desenvolver metodologias que levem a um diálogo
real. Esses parâmetros não podem ser construídos sobre o conceito de
“caridade” ou de “ajuda”- que trazem dentro de si uma posição de
superioridade e, portanto, de desprezo pelo “outro”-, e sim sobre a
ideia das trocas e aprendizagens mútuas (BORGES, 2011, p.155).
Ações de cunho paternalista, com o desprezo citado pela autora, podem
transformar o design tido como social em uma nova forma de imperialismo
(NUSSBAUM, 2010; THACKARA, 2010). A imposição com rótulo de revitalização,
valorização, agregação de valores ou adequação ao mercado produz consequências
devastadoras, não só no produto artesanal, mas no modo de vida das comunidades.
Primeiramente, há que se entender até que ponto é necessária a intervenção, e
considerar o pensamento e a vontade dos artesãos, em vez de simplesmente
desclassificar o saber popular em detrimento do saber acadêmico, e mesmo de novas
linguagens tecnológicas e estetização. É errônea a interpretação de que “o fazer é um
ato totalmente desprovido do saber” (ARANTES, 1994, p.14).
A comunidade da Mumbuca se mostrou cética quanto à interação com o
design, melhor dizendo, com “qualquer tipo de design” – aquele designer que chega a
qualquer tempo, em uma situação inoportuna, sem metodologia ou temas coerentes com
os anseios do grupo.
Acho que a comunidade está saturada, saturada desse monte de
oficinas, desse tanto de pessoas e reuniões, saturada da mídia, e de
pessoas que vêm aqui “ensinar”. Ensinar o que? Se nós já sabemos
como tecer, precisamos entender o que estão querendo dizer quando
vêm aqui para ensinar (Artesã, 2011 – informação verbal).
A fala da artesã evidencia a falta de diálogo em certos tipos de ações: realizar
oficinas para “cumprir tabela” ou para atrair a atenção da mídia interessada nesse tipo
de comunidade não contribui em nada para a produção artesanal, quiçá para o design
que se pretende diferenciado; pelo contrário, pois, ao não estabelecer uma relação ética
entre as culturas em questão, cria uma pré-indisposição dos artesãos no tocante a ações
futuras. É visível que esse tipo de trabalho não é aceito, muito menos incorporado às
práticas existentes. As oficinas reconhecidas pela comunidade são aquelas que
conseguiram, de alguma forma, enxergar através dos olhos do artesão e valorizar o que
116
ele já faz, e não aquelas que partiram da negação do tradicional em prol de uma
modernização falsa e supérflua.
Ao que parece, esse processos de design que foram incorporados pela
comunidade contribuíram para o aumento das vendas, na medida em que abriram novas
perspectivas de mercado aos núcleos tradicionais e ao desenvolvimento de novos
produtos. Por outro lado, levaram ao aumento da concorrência e à homogeneização da
produção em outros núcleos. Ainda assim, essa situação parece não comprometer o
desenvolvimento da comunidade, o qual, como vimos, está pautado no seu fazer
artesanal tradicional, que, para o bem ou para o mal, se tornou atração turística.
Esses olhares da mídia, de programas assistencialistas e do próprio design não
só cansam os artesãos como não produzem benefícios efetivos em sua realidade. A
noção de desenvolvimento nos termos reconhecidos pela comunidade é muito diferente
do senso comum; é o que indica o relato dos artesãos da Mumbuca, os quais preferiram
vetar a construção de casas de alvenaria, em detrimento do barro utilizado nas
construções tradicionais.
O que precisa ser evitado nessa aproximação do design é a inclusão do artefato
artesanal no ciclo da obsolescência programada. O boom do capim dourado ocorrido
nos últimos anos se amornou; houve um momento em que o artesanato foi mais
valorizado, talvez pela novidade – conceito inerente aos campos do design e da moda.
Há que se entender que o artesanato tradicional não é um produto sazonal, está
imbricado em um modo de vida e não pode simplesmente cair no desuso ou na
banalidade.
Mais importante do que levar oficinas de design, é necessário o apoio, o
incentivo social e político, seja o design parte dele ou não, sobretudo porque, existindo
o artesanato, também a comunidade continuará existindo através de sua arte, e
principalmente de suas histórias, tradições e heranças que, somadas às nossas,
constituem o que temos de mais importante – o patrimônio histórico e cultural do nosso
país.
Finalizada, esta pesquisa está longe de apontar considerações românticas e
idealistas em torno do artesanato tradicional, apesar de considerar que, ao adentrar esta
temática em relação ao design contemporâneo, explicita-se sempre um posicionamento
político. Entendemos que os designers não vão salvar o mundo, os artesãos tampouco.
Mas talvez, e isso é apenas um talvez, o artesanato possa “salvar” pelo menos a
sensibilidade que a mecanização de produtos, mentes e processos nos fez esquecer ou
117
apagar as imagens que tínhamos de outros tempos, sem saudosismos, mas como
possibilidades de análise e compreensão – memória viva.
O artesanato não quer durar milênios, nem está possuído pela pressa
de morrer em breve. Decorre com os dias, flui conosco, gasta-se
pouco a pouco, não procura a morte nem a nega, aceita-a. Entre o
tempo sem tempo do museu e o tempo acelerado da técnica, o
artesanato é a pulsação do tempo humano. É um objeto útil, mas que
também é belo; um objeto que dura, mas que se acaba e se resigna a
acabar-se; um objeto que não é único como a obra de arte e que pode
ser substituído por outro parecido, mas não idêntico. O artesanato
nos ensina a morrer, e assim nos ensina a viver (PAZ, 2006, p.11).
118
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Acesso em nov/2012.
128
ANEXO 1 – LEI Nº 2.186
Reconhece o Capim Dourado como bem de valor cultural e Patrimônio Histórico
do Estado do Tocantins
129
ANEXO 2 – LEI Nº 1.203
Criação do Parque Estadual do Jalapão
130
131
ANEXO 3 – FUNDAÇÃO PALMARES RECONHECE A COMUNIDADE
MUMBUCA COMO REMANESCENTE DE QUILOMBOS
132
ANEXO 4 – PORTARIA NATURATINS Nº 362
Coleta e manejo do capim dourado
133
ANEXO 5 – ENTREVISTA COM A DESIGNER HELOÍSA CROCCO
Pesquisa para a dissertação de mestrado em Design
Universidade Anhembi Morumbi
Orientadora: ProfªDrª Márcia Merlo
Aluna: Lília Diniz
Entrevista com a designer Heloisa Crocco por email em 2012.
1) Como surgiu a oportunidade trabalhar com as comunidades no
Jalapão?
Pelo Programa Brasileiro do Artesanato/SEBRAE Nacional
2) Como são definidos os temas que são trabalhados nas oficinas?
Pesquisamos tendências e inovação nos matérias . Depois
sensibilizamos a comunidade para mudar.
3) Qual comunidade dentre as visitadas no Jalapão foi mais receptiva?
Ponte Alta
4) Como é a recepção e a percepção dos artesãos em relação ao design?
Depende muito da sensibilização da coordenadora local;Como ela
prepara este trabalho.E claro que da experiência da equipe.tudo tem
que ter um tempo e um elo de confiança mutua
134
5) Você conseguiu identificar diferenças entre o artesanato produzido
na Mumbuca em relação ao de outras regiões do Jalapão? Se sim,
cite as principais.
Sim. Mumbuca , apesar de ter iniciado este trabalho, fica distante e
assim fica difícil de atender as demandas.Com isto eles estão
chateados por que iniciaram o trabalho , mas a venda efetiva se dá
através de outras comunidades
6) Houve alguma queixa por parte dos artesãos? Algo que eles
gostariam que melhorasse principalmente no que diz respeito à
prática artesanal?
Não , não houve queixa neste sentido.Elas são todas grandes
mestres.O problema é onde fica Mumbuca e como se chega até lá.A
comunicação é terrível.
7) Qual foi o tema da oficina realizada na comunidade da Mumbuca?
TOQUE BRASIL foi uma oficina direcionada para complementos
de moda >projeto ABEST/SEBRAE Nacional
8) Existe algum tipo de acompanhamento realizado após as oficinas, no
sentido de dar continuidade aos trabalhos?
Sim existe acompanhamento do Sebrae do Tocantins e a
coordenadora é ótima Magvan Botelho.
9) Você acha que é possível trabalhar com o artesanato sem
descaracterizá-lo?
Sim acho. Poderíamos falar muito mais sobre isto.Mas o tema é
muito extenso e complexo.Cada caso é um caso .
10)
Em sua opinião qual a importância desse tipo de interação que
vem se estabelecendo cada dia mais entre design e artesanato?
135
Na maioria das vezes é positiva esta junção em todos os sentidos no
sentido de ingresso para o artesão, no sentido de conhecimento e
abertura de mundo para ele.
11)
Você acredita que as oficinas têm apresentado resultados
significativos para o desenvolvimento e autonomia da comunidade?
Tudo depende da comunidade e da liderança. Acho que sim ,é
positivo é maravilhoso ,oportuna muito e não deixa morrer.
136
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universidade anhembi morumbi dissertação de mestrado mestrado