Messias José Rodrigues
MEMÓRIAS DO
MESSIAS
Messias José Rodrigues
MEMÓRIAS DO
MESSIAS
editora
são paulo – 2010
editora
Esta obra é uma publicação da
Editora Lexia Ltda.
www.editoralexia.com.br
© 2010. São Paulo, SP
Editores-responsáveis
Fabio Aguiar
Alexandra Aguiar
Projeto gráfico
Fabio Aguiar
Revisão
Bianca Briones
Capa e Diagramação
Equipe Lexia
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP
R696m
Rodrigues, Messias José
Memórias do Messias / Messias José Rodrigues. São Paulo: Lexia, 2010.
234p.
ISBN: 978-85-63557-15-5
1. Autobiografia. I. Título.
CDD – 920.71
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Impresso no Brasil. Printed in Brazil.
Irmãos Rodrigues, da esquerda para a direita:
Aparecido, Alonso, José, Messias e Salvador
aGRADECIMENTO
D
edico este livro a papai e mamãe que não economiza-
ram esforços para encaminhar seus cinco filhos para
uma vida melhor, cujo método de ensino foi sempre os bons
exemplos. Lutaram sempre com enorme fibra e esforço incomum para nos ver bem encaminhados. Mamãe morreu
quando ainda éramos crianças estando o filho mais velho
com apenas quinze anos. Sua bondade, dedicação e principalmente amor à família deixaram para todos nós agradável
e imorredoura lembrança. Sou imensamente grato também
a todos os meus irmãos: Aparecido, Alonso José e Salvador.
Precisando sair de casa com apenas doze anos de idade
para fazer o quarto ano primário, jamais poderia esquecer-
me das pessoas que sempre me ajudaram a realizar meus
sonhos. Mansur, Ramira, Dr. Arrobas, Dona Lazinha, Família Bassini e todo corpo docente do Colégio Comercial de Pirajuí. . Não posso esquecer também da minha esposa Gladis,
meus filhos Juliano e Paulo Emílio, meus netos Ian e Felipe,
razão maior de minha existência.
Sumário
Capítulo i ..................................................................................... 11
Capítulo ii ............................................................................... 57
Capítulo iii ............................................................................. 85
Capítulo iv ............................................................................. 103
Capítulo v .............................................................................. 139
Capítulo vi .............................................................................. 171
Capítulo vii ............................................................................ 181
Capítulo viii .......................................................................... 201
Capítulo I
M
inha história começa com a vinda de papai da cidade de Caetité, interior baiano, quando tinha ape-
nas dezesseis anos de idade por volta de 1920. Veio em
companhia de vários conterrâneos a fim de trabalhar em
lavouras de café na região de Bebedouro, Estado de São
Paulo. Naquela época, havia na região de Ribeirão Preto
36.000.000 de pés de café. Cada baiano trazia em sua bagagem um couro de carneiro mal curtido e, como chovia
muito, os couros começaram a exalar mau cheiro, tendo
eles sido obrigados a jogá-los fora.
Mamãe nasceu em Sete Lagoas e foi criada em Pedro
Leopoldo e tinha treze irmãos, sendo que duas meninas
morreram ainda pequenas. Foram seus irmãos, sem men11
cionar as duas que faleceram, João, Antônio, Raimundo,
Emília, Francisca, Amélia, Joaquim, Maria, Madalena, Mariinha, José, Lídia e Diomar.
Papai tinha vinte e um anos quando se casou e mamãe
tinha apenas dezoito. Meu avô materno Ilídio Gonçalves
Vieira não queria esse relacionamento.
Vovô Ilídio gostava muito do tio Antônio, irmão do
papai, e queria que sua filha Mariinha casasse com ele, mas
a tia não o amava. No dia 30 de outubro de 1926 na Igreja
São Sebastião,
Matriz de Pirajuí casaram-se. No mesmo dia e na
mesma Igreja, casou-se também sua irmã Maria, com
João Alves Pereira.
Os anos passavam e mamãe não conseguia engravidar.
Todas suas irmãs e irmãos casados já tinham filhos. Tal situação começou a lhe afetar psicologicamente. Teve um filho,
mas não sobreviveu. Com oito anos de casada engravidou e
ficou com muito medo de perder o tão esperado herdeiro.
Católica fervorosa fez então uma promessa para Nossa Senhora Aparecida: se fosse mulher chamaria Aparecida. Nasceu homem e recebeu na pia batismal o nome de Aparecido.
Isso em 26 de junho de 1934. Já livre da carga emocional que
tanto lhe afetara vieram filhos em série. Alonso José Gonçalves, José Joaquim Filho, eu e Salvador José Rodrigues.
Segundo relato do meu irmão mais velho, Aparecido, nasci num lugar horroroso que se chamava Capinzeiro,
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pequeno retiro da Fazenda Canaã, de propriedade do Sr.
Franklin Machado. Mamãe, segundo palavras do meu irmão, costumava declamar o versinho de sua autoria em “homenagem” ao tal Capinzeiro.
“Quem vier para o Capinzeiro
Traga o terço pra rezar,
Capinzeiro é purgatório,
Aonde as almas vêm penar”
O relato a seguir é a partir de quando comecei a
entender a existência do meu ser, isso por volta dos três
anos de idade.
Morávamos numa casa rústica numa propriedade
chamada Retiro do Zeca. Ficava ao lado de uma floresta,
e era de propriedade do senhor José Cândido Carneiro,
descendente e do mesmo nome de um dos fundadores
da cidade de Pongaí. Nesse local nasceu meu irmão caçula, Salvador. De lá, mudamos para a Fazenda Santa
Adélia, do senhor David Laneza. Vivíamos numa casa
de tábua, com dois quartos, sala e cozinha. Ao lado tinha
um pequeno paiol, onde papai guardava milho. Ficava
na beira de um rio. Sapos entravam em casa em grande
quantidade. Estávamos sobre a cama, e a saparia passeava por baixo. Não nos causava horror à companhia
dos anfíbios.
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Quando morava nessa casa fui batizado. Mamãe tinha
muito ciúme de papai, por isso convidou dona Ramira para
ser minha madrinha. Pensava que sendo comadre poderia
evitar possíveis traições. Lembro-me quando fui preparado
para a cerimônia. O padrinho foi um moço chamado Morais, cunhado da Ramira. José Morais era um peão muito
bem-apessoado que era separado da esposa, tinha um filho
que se chamava Antoninho e vivia maritalmente com a irmã
da Ramira. O casal tinha uma filha ainda pequena. Dona
Ramira morava com sua irmã, amigada do Morais e pouco
tempo depois Ramira casou-se com o senhor Mansur João
Francisco, pequeno empresário da cidade. Chegando à Igreja, por curiosidade, somente para ver o que tinha na sala do
sino, subi ainda engatinhando os degraus da escada que me
levava ao sótão. Dona Ramira ficou muito amiga de mamãe
e uma vez quando morávamos na cabana do sítio do senhor
José Dias, foi nos visitar ocasião em que juntas fizeram um
delicioso taxo de pamonha.
Meus irmãos Aparecido e Alonso faziam parte do time
de futebol local. Numa ocasião, combinaram um jogo amistoso com um time da região de nome Terenciani. O jogo foi
realizado na fazenda São José, ali ao lado e terminou dois
a dois. Era mais ou menos quatorze horas debaixo de um
sol escaldante. Passei uma sede terrível. Pela minha idade e
timidez não consegui pedir a alguém para tirar água da cisterna que ficava ao lado do campo. Fui carregado pra casa,
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que ficava acerca de um quilômetro do local da porfia. Lá,
além de água, mamãe deu-me uma deliciosa canjica. Mamãe e outras mulheres da fazenda levavam sempre comida
à roça para os seus respectivos maridos. Passávamos numa
porteira, a qual me fazia lembrar-me da música “mourão da
porteira” que fazia muito sucesso na ocasião nos meios sertanejos, interpretada por Torres e Florêncio. Nessa fazenda,
o proprietário deixava os empregados plantarem arroz, feijão, etc., para a própria subsistência. Meus pais não perdiam
essa oportunidade. Mamãe por ocasião da colheita ajudava
papai bater e ensacar o arroz. Papai tinha também criação
de porcos, galinhas, duas vacas (Mansinha e Vitrola) e um
cachorro preto e branco de nome Malhado.
A cem metros de nossa casa morava o senhor Thomaz
Linardi de mais ou menos 70 anos, o qual ficava o dia todo
enrolando fumo. Tinha uma família numerosa. Seu filho caçula Antônio Natalino Linardi, apelidado de Nem, jogava
bola de meia comigo e a meninada da fazenda.
No final do ano íamos pedir ao pessoal o chamado “bom ano novo” onde ganhávamos algumas moedas
e doces.
Passou por lá no começo do ano um conjunto da
folia de Reis. Mais ou menos dez pessoas tocavam e cantavam músicas do gênero e ainda tinha um membro do
grupo fantasiado de palhaço que fazia maravilhosa coreografia. Esse grupo visava arrecadar dinheiro para a
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festa de seis de janeiro ocasião em que é comemorado o
dia dos Reis Magos.
Na fazenda tinha a família do Sebastião Alves, o qual
era pai de Artur, Oswaldo, Japona, Idalina, Terezinha e
Nair, a caçula. Idalina, a meu ver era a mais bela, casou-se
com o Sebastião Pedra ocasião em que houve até um banquete para comemorar o evento. Tinha também na fazenda
a família do senhor Américo Stefano cuja filha mais velha
era a Ilda. Esta casou com o Miguel Linardi, carreiro da
fazenda São José, e tiveram dois filhos. Ilda tinha problema de saúde, sofria de epilepsia cujo mal a levou a morte.
Mamãe estava sempre em sua casa, assistindo-a durante a
enfermidade até o final de sua existência. Na fazenda tinha
também um cantador chamado Odorico. Ele ia às casas dos
empregados mostrar sua arte, muitas vezes pela madrugada. Lembro-me de uma noite que chegou à nossa casa às
quatro horas. Papai deixou-o entrar e ele ficou cantando e
tocando seu violão até o amanhecer.
Diariamente, íamos à sede da fazenda a poucos metros
de nossa residência, ver as vacas serem ordenhadas e muitas
vezes darem cria.
Certa manhã fiquei muito chateado ao olhar o trabalho dos peões, e vendo os animais em movimento, deleitando com a beleza da natureza, referindo-me aos pequenos
bezerros eu disse em voz alta.
– Que maravilha!
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Um menino da fazenda que estava ao meu lado respondeu.
– Tomara que morram!
O administrador era o senhor José Marques Neto. Não
sei qual o motivo, um dia papai desentendeu-se com ele, o
que fez com que mudássemos daquele local. O senhor José
Marques era genro do proprietário da fazenda de nome Davi
Laneza. A esposa do José Marques era uma senhora de pele
clara, jovem e muito bonita chamada Irene.
Papai mudava de emprego constantemente. Mudamos
para a fazenda São José de propriedade do senhor José Miguel. Era uma casa de barro coberta com sapé e chão batido.
Um pouco abaixo tinha uma olaria, e ficávamos lá constantemente só pra ver o processo na fabricação de tijolos.
Logo acima a esquerda da nossa casa, morava o senhor
José Siqueira. Tinha uma filha conhecida por Cida, e meus
irmãos mais velhos gostavam de tirar uma com os mais novos fazendo versinho como: “Messias José da Cida ele é”.
O administrador era o senhor Fernando Adriano
do Couto. Eram seus filhos Osvaldo, Olivério, Fernandinho e Dinda. Os dois últimos, por serem da minha
idade, eram meus amigos de brincadeiras. Estávamos
em 1947. Nessa ocasião, o São Paulo Futebol Clube, era
o bom do Estado, e por influência do meu irmão mais
velho tornei-me são paulino também, graças a Deus. Seu
Fernando tinha uma pequena vitrola e colocava no apa17
relho discos para ouvirmos. Uma das músicas que tocava constantemente era a Carolina.
“Carolina foi, foi, foi, foi. Ela foi-se embora, sentiu saudade e tornou voltar. Estava na estação o trem de ferro apitou Carolina disse adeus no vagão ela embarcou. Meu coração deu um balanço dentro do peito chorou, a saudade nesse
dia no meu peito ela morou.”
Mamãe sempre foi muito prestativa. Era muito amiga
da esposa do senhor Fernando e sempre ajudava em sua casa
no que fosse preciso. A sede da fazenda era uma casa muito
grande com paredes brancas e ao lado ficava um grande curral onde as vacas eram ordenhadas.
Quando íamos levar comida para papai à lavoura, passávamos sempre ao lado de um tronco de uma árvore muito
alta que fora queimada ao ser atingida por um raio. Numa
ocasião quando voltávamos da lavoura eu e meu irmão José,
aconteceu um eclipse total do Sol o que embora fosse uma
manhã, provocou uma escuridão total como se fosse noite.
Mudamos embora na mesma fazenda, para uma casa
mais abaixo. Quando papai casou, era analfabeto. Mamãe o
ensinou a ler e escrever. Dada a sua inteligência, pode repassar a terceiros o que aprendera com mamãe, só pelo prazer
de ensinar, graciosamente. Em frente a essa casa, havia uma
residência de madeira, onde papai e o Aparecido davam aulas a noite, a luz de lamparina. Um pouco mais acima, ficava
uma família cujo patriarca era o senhor Jorge Stefano, irmão
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do senhor Américo e tio da Ilda. Íamos lá constantemente
para brincarmos num balanço instalado no galho de uma
árvore ao lado de sua casa. Abaixo, num ranchinho de sapé
e paredes de barro vivia um preto velho de nome Francisco.
Quase todo o dia ia a nossa casa receber graciosamente um
prato de comida da mamãe.
Havia nas proximidades o casal Nem e Japona, filha do
Senhor Sebastião Alves. Tinha filho único adotivo chamado
Eurico. Quando a Japona ia nos visitar muito me chateava
porque o seu filho mexia nos meus modestos brinquedos e
não tinha o menor cuidado ao manuseá-los.
Um dia propus ao Fernandinho, filho do administrador, a troca de meu único par de sapatos pelo seu caminhão
de madeira. Fiquei feliz em ter um brinquedo tão bonito.
O par de sapatos a meu ver naquele momento não era tão
importante. Mamãe ao saber do negócio não aprovou e tive
que o desfazer. Mamãe era uma santa. Não criava problemas
nem batia em filhos. Atendia-nos sempre com muita urbanidade. Só me lembro de uma vez ter levado uma surra dela.
Diga-se de passagem, merecida.
A noite choveu muito. No dia seguinte o céu estava
claro e o Sol espalhava seus raios por toda a região. Estava
eu acerca de cem metros de casa numa estrada de chão que
passava em frente a nossa residência, e comecei a falar mal
de mamãe em altos brados sem motivo algum. Ela saiu de
casa veio correndo atrás de mim e eu correndo na frente.
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Alcançou-me ao passar sobre uma rústica ponte, e com vara
de marmelo deu-me uma bela surra. Jogou-me no chão e
deixou-me sujo até que meus irmãos chegassem da escola e
ela os informasse o porquê de tanta sujeira.
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