ANDREA MARCIA DE TOLEDO PENNACCHI A GUERRA FRIA E A POLÍTICA CONTENCIONISTA DE GEORGE KENNAN NO ESTUDO COMPARATIVO DE UMA ELITE DO PODER (1945-1950) ASSIS 2011 2 ANDREA MARCIA DE TOLEDO PENNACCHI A GUERRA FRIA E A POLÍTICA CONTENCIONISTA DE GEORGE KENNAN NO ESTUDO COMPARATIVO DE UMA ELITE DO PODER (1945-1950) Tese apresentada à Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual Paulista, para a obtenção do título de Doutor em História (Área de Conhecimento: História e Sociedade) Orientador: Prof. Dr. Milton Carlos Costa ASSIS 2011 3 Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca “Visconde de São Leopoldo” de Presidente Prudente P461g Pennacchi, Andrea Marcia de Toledo. A guerra fria e a política contencionista de George Kennan no estudo comparativo de uma elite do poder (1945-1950) / Andrea Marcia de Toledo Pennacchi. Assis, SP : Universidade Estadual Paulista, 2011. 161f. Orientador: Prof. Dr. Milton Carlos Costa. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual Paulista. Bibliografia: f.144-161 1. Doutrina de Contenção. 2. Elite do Poder. 3. George F. Kennan. 4. Guerra Fria. 5. Política Externa Norte-Americana. I. Costa, Milton Carlos. II. Universidade Estadual Paulista. III Título. CDD 909.829 4 ANDREA MARCIA DE TOLEDO PENNACCHI A GUERRA FRIA E A POLÍTICA CONTENCIONISTA DE GEORGE KENNAN NO ESTUDO COMPARATIVO DE UMA ELITE DO PODER (1945-1950). Tese apresentada à Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual Paulista, para a obtenção do título de Doutor em História (Área de Conhecimento: História e Sociedade) Orientador: Prof. Dr. Milton Carlos Costa Assis, 25 de fevereiro de 2011. _________________________________________________ Prof. Dr. Milton Carlos Costa ________________________________________________ Prof. Dr. Clodoaldo Bueno _________________________________________________ Prof. Dra. Karina Anhezini Araujo __________________________________________________ Prof. Dr. Francisco Assis de Queiroz __________________________________________________ Prof. Dr. Angelo Priori 5 AGRADECIMENTOS É muito difícil expressar em algumas linhas sentimentos de gratidão a todos aqueles que, cada qual à sua maneira, contribuíram para o processo de criação que culminou neste trabalho. No topo da lista, coloco meus pais, Marlene e Milton, os primeiros a incentivar a curiosidade de uma criança que adorava contar histórias e viver cercada de livros. A meu pai, especialmente, pelas histórias que descreviam os tesouros de Tutancâmon e a guerra de Tróia, povoando meu imaginário infantil com heróis da Antiguidade, obrigada! A meu marido José Roberto e a meus filhos Gabriela, Fabiana e Eduardo, testemunhas fiéis e vítimas pacientes dos esforços, ansiedades, inseguranças e insaciável sede de conhecimento, obrigada, sempre. Aos primeiros professores, Irmã Theolinda, D. Dulce e Prof. Caetano, que me apontaram os melhores caminhos para conhecer a História, quando ainda mal sabia distinguir as lendas e mitos de realidades e fatos, muito, muito obrigada. Ao Prof. Dr. Clodoaldo Bueno, que há mais de sete anos atrás generosamente me acolheu e me ajudou, nem sempre da forma mais fácil, a distinguir a ciência da ficção e a buscar a excelência acadêmica em tudo o que procurasse escrever, nunca poderei ser grata o suficiente. Ao meu querido Prof. Dr. Milton Costa, herói e modelo na sala de aula que, vibrando de entusiasmo e paixão por aquilo que faz, agradeço por ter-me feito rever a todas as correntes do pensamento histórico, redescobrindo seu fascínio. Com calma e perseverança, ele resgatou em mim o amor incondicional pela História que ficara dividido por tanto tempo com outras ciências irmãs e, por seu incentivo, orientação e amizade, muito obrigada, mestre! Ao meu cunhado enciclopédico, Prof. Dr. Sérgio Tibiriçá Amaral, por sua infindável disponibilidade, mesmo nos momentos de maior aperto, para atender às dúvidas e ansiedades que me assaltavam sobre metodologia, lógica e consistência acadêmica – tanto no mestrado, quanto no doutorado - e por todas as sugestões preciosíssimas que fez para melhorar a apresentação e qualidade deste trabalho, não tenho palavras para expressar gratidão eterna. À profa. Dra. Tania Regina de Luca, minha mestra brilhante, tão exigente e tão sensível às necessidades de seus alunos sedentos de saber, meu perene reconhecimento pelos ensinamentos de sala de aula e, principalmente, por todas as críticas e sugestões que fez durante a qualificação desta tese, acrescentando muito à sua clareza e definição de objetivos. 6 A meu amigo Prof. Dr. José Arthur Teixeira Gonçalves, pelo apoio histórico, pela paciente leitura do texto e por todas as sugestões que tão pertinentemente contribuíram para este trabalho, muito obrigada! À Iria Okuda Dalbem e à Zelia Maria Sousa Barros, por toda atenção dada ás minhas frequentes visitas à Secretaria atrás de documentos, matrículas e informações e pela amizade e carinho que demonstraram ao longo desses últimos longos anos, obrigada! Finalmente, à Diretoria Acadêmica das Faculdades Integradas ― Antonio Eufrásio de Toledo‖, à qual tenho a honra de participar do corpo docente, pelo incentivo material e acadêmico que sempre ofereceu para a qualificação profissional e pessoal de seus professores, meu reconhecimento. 7 PENNACCHI, Andrea. A Guerra Fria e a política contencionista de George Kennan no estudo comparativo de uma elite do poder. (1945-1950). 2011. 161p. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Assis, 2011. RESUMO A proposta deste trabalho é examinar comparativamente a trajetória política de um grupo de agentes dos Departamentos de Estado e da Defesa dos Estados Unidos, descrevendo seu papel na gênese da Guerra Fria, entre 1945 e 1950. Na primeira parte, é proposta uma discussão conceitual do tema e a configuração do contexto sócio-político, destacando o mercado de bens simbólicos em torno dos quais foi criada a Doutrina de Contenção de George F. Kennan. Em seguida, é feita a construção das origens e das trajetória de um grupo específico de intelectuais que deram suporte à referida Doutrina para, finalmente, comparar a evolução social, política e econômica de cada um a partir do papel que exerceram na conformação da Guerra Fria. Como fonte histórica, adotar-se-á a produção intelectual disponível de George F. Kennan e obras historiográficas, bibliográficas e documentos oficiais do Departamento de Estado, além de trabalhos biográficos e de memórias. Palavras Chave: Doutrina de Contenção. Elite do Poder. George F Kennan. Guerra Fria. Política Externa Norte-Americana. 8 PENNACCHI, Andrea. Cold War and George Kennan`s containment policy on a power elite comparative study (1945-1950). 2011. 161p. Thesis (PhD in History) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Assis, 2011. ABSTRACT This work intends to compare the political trajectories of some US State and Defense Departments’ officers related with Cold War’s genesis (1945-1950). Divided in three parts, the first one discusses the theoretical views that shaped the period social-political background, the power elite concepts and the symbolical market created around George Kennan`s containment policies. Then, the origins and trajectories of a group of officials and intellectuals who gave support to the referred policies will be described, to finally explore their social, political and economic backgrounds, as well as their role in shaping a new foreign policy for their country. George Kennan’s intellectual production was the chief historical source of this work, but historiographical and bibliographical volumes related to the period were also examined, along with official documents from State and Defense Department, biographies and memories written by the researched. Key words: Cold War. Containment Policies. George F. Kennan. Power Elite. US Foreign Policy. 9 LISTA DE SIGLAS CENTO - Central Treaty Organization (Organização do Tratado Central ou Pacto de Bagdá) CIA – Central Intelligence Agency (Agencia de Inteligencia Central) ERP – European Recovery Program ( Programa de Recuperação Européia ou Plano Marshall) FDR – Franklin Delano Roosevelt GATT – General Agreement on Tariffs and Trade (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) IBRD – International Bank for Reconstruction and Development (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento IMF – International Monetary Fund (Fundo Monetário Internacional) KGB - Komite Gosadarstvennoy Bezopasnosti (Comitê de Segurança Estatal) NARA – National Archives and Records Administration (Administração de Arquivos e Registros Nacionais NATO – North Atlantic Treaty Organization (Organização do Tratado do Atlântico Norte) PPS – Political Planning Staff (Gabinete de Planejamento Político) SEATO – Southeast Asia Treaty Organization (Organização do Tratado do Sudeste da Ásia) USAF – United States Air Force (Força Aérea dos Estados Unidos) 10 SUMÁRIO Introdução .......................................................................................................................... 14 1. Historiografia e Guerra Fria...................................................................................... 24 2. George Kennan e a doutrina de contenção................................................................ 35 3. Origens, trajetórias e capitais simbólicos da elite do poder ...................................... 44 3.1 Servidores legais ....................................................................................................... 46 3.2 Servidores burocratas e servidores políticos.............................................................. 60 4. O mercado de capitais simbólicos no governo Truman ............................................ 96 5. A elite do poder e a doutrina de contenção ............................................................. 106 5.1 Vocação pública e o Establishment .......................................................................... 116 6. Conjuntura econômica, política e social da Guerra Fria ........................................ 123 Conclusão ......................................................................................................................... 134 Referências Bibliográficas ............................................................................................... 144 11 (…) Os russos ainda acreditam em conceitos como a maldade básica do capitalismo, na inevitabilidade de sua destruição e na obrigação do proletariado em apoiar essa destruição e tomar o poder. O primeiro desses conceitos é o antagonismo inato entre capitalismo e socialismo e vimos o quão profundamente ele se inseriu nas bases do poder soviético (...) implicando que nunca poderá haver, da parte de Moscou, um compromisso sincero, ou objetivos comuns, entre a União Soviética e as potencias vistas por ela como capitalistas. (...) Se o governo soviético ocasionalmente assinar documentos que indicam o contrário essa ação não passará de uma manobra tática visando lidar com o inimigo (que não tem honra) e portanto, deve ser assumida no espírito de “caveot emptor”. Basicamente, o antagonismo permanece (...) e dele fluem muitos dos fenômenos que nos perturbam na forma que o Kremlin conduz sua política externa: a secretividade, a falta de franqueza, a duplicidade de comportamento, as suspeitas permanentes e a ausência de propósitos amigáveis. Esses fenômenos não mudarão em curto prazo (...) Quando houver alguma coisa que os russos desejem de nós, uma ou outra de suas características políticas pode ser temporariamente encobertas e quando isso acontecer, sempre haverá americanos que se adiantarão – satisfeitos - anunciando que “os russos mudaram” e alguns deles ainda tentarão levar o crédito por tais “mudanças”. Mas (...) as características da natureza soviética fazem parte da natureza intrínseca de seu poder e estarão sempre presentes entre nós – implícitas ou explicitamente. (...) Como a Igreja, eles lidam com conceitos ideológicos de longa duração e podem dar-se ao luxo de ser pacientes. (...) Cuidado, circunspecção, flexibilidade e mentiras são qualidades que eles valorizam (...) e o Kremlin não tem qualquer reserva em recuar diante de forças superiores. (...) Sua maio preocupação é garantir a utilização de qualquer meio válido, ou escuso, para obter o poder mundial; se encontrarem barreiras intransponíveis à sua frente as aceitarão filosoficamente e se acomodarão a elas. (...) Essas considerações fazem a diplomacia soviética ser, ao mesmo tempo, mais fácil e mais difícil de lidar que a diplomacia de outros líderes agressivos, como Napoleão ou Hitler. De um lado, os russos são mais sensíveis às forças contrárias e estão mais preparados para render-se em setores específicos da diplomacia quando a pressão que receberem for forte demais e portanto, são mais acessíveis à lógica e à retórica do poder. Por outro lado, não podem ser facilmente derrotados, ou desencorajados, com uma simples vitória de seus oponentes e a paciente persistência que os anima significa que só serão efetivamente contidos - não por atos esporádicos que representem o desejo momentâneo da opinião pública – se forem confrontados por políticas inteligentes e de longo prazo adotadas por seus adversários, políticas com objetivos não menos persistentes e não menos variada e cheia de recursos em sua aplicação. Nessas circunstancias, fica claro que o principal elemento de qualquer política dos Estados Unidos em relação à União Soviética deve ser a contenção de longo prazo, paciente, mas firme e vigilante, das tendências expansionistas de seu adversário(...)” George Kennan, Origens da Conduta Soviética, In Foreign Affairs, Junho, 1947 12 “As mudanças fundamentais no posicionamento das nações no cenário internacional causadas pela guerra, mudaram completamente a política do mundo (...). Quanto mais a guerra fica no passado, mais distintas se tornam as duas tendências predominantes da política internacional que dividem as forças políticas operantes na arena internacional em dois campos distintos: o campo dos imperialistas anti-democratas de um lado e do outro, o campo dos anti-imperialistas democratas. A principal força do campo imperialista são os Estados Unidos, aliados à Grã Bretanha e à França e também sustentados por países colonialistas; por países de regimes anti-democráticos e reacionários e por países politica e economicamente dependentes dos Estados Unidos, como os do Oriente Próximo, América do Sul e a China. A proposta principal do campo imperialista é fortalecer o imperialismo, tramar uma nova guerra imperialista, combater o socialismo e a democracia e apoiar regimes e movimento pró-fascistas reacionários e anti-democráticos em todas as partes do mundo. Para atingir esses objetivos, eles estão preparados para confiar em forças reacionárias e anti-democráticas - e a dar apoio a seus antigos adversários contra aliados do tempo da guerra. As forças anti-fascistas compreendem o segundo campo, que é baseado na União Soviética e nas novas democracias, além de países que tenham rompido com o imperialismo e se colocado firmemente no caminho do desenvolvimento democrático, como a Romênia, a Hungria e a Finlândia; a Indonésia e o Vietnam; a Índia, o Egito e a Síria. O campo anti-imperialista está apoiado por movimentos operários e democráticos e pelos fraternais partidos comunistas em todas as nações; pelos que lutam pela libertação das colônias em países independentes; por todas as forças progressistas e democráticas do mundo. Seu objetivo é resistir à ameaça de novas guerras e á expansão imperialista, é fortalecer a democracia e extirpar todos os vestígios do fascismo. O fim da Segunda Guerra confrontou todas as nações amantes da liberdade com a tarefa de assegurar uma paz democrática e duradoura que selasse a vitória sobre o fascismo. Na tentativa de levar a cabo essa tarefa fundamental, a União Soviética e sua política têm um papel de liderança que faz parte da própria natureza dos Estados Socialistas Soviéticos, a quem motivos de agressão e exploração são totalmente estranhos e cujo maior interesse é criar as condições mais favoráveis a uma sociedade comunista. Uma dessas condições é a paz externa. Ao representar um sistema social novo e superior, a União Soviética reflete em sua política externa as aspirações de uma humanidade progressista, que deseja uma paz duradoura e não tem nada a ganhar com uma nova guerra engendrada pelo capitalismo. A União Soviética é um campeão declarado das liberdades de todas as nações e um inimigo da opressão nacional e racial, bem como da exploração colonial em qualquer forma ou modelo. A mudança no alinhamento geral de forças entre o mundo capitalista e o mundo socialista trazido à superfície pela guerra tende a ampliar ainda mais o significado dessa política externa do estado soviético e aumentar o alcance de suas atividades na arena internacional. O sucesso e o crescente prestígio internacional do campo democrático não são bem visto pelos imperialistas. Mesmo durante a Segunda Guerra, forças reacionárias na Grã Bretanha e nos Estados Unidos foram ativadas para evitar uma ação coordenada entre os poderes aliados e com a finalidade de prolongar a guerra para sangrar a União Soviética e salvar os agressores fascistas da mais profunda derrota. Enquanto a guerra esteve em andamento, os círculos reacionários e americanos não se aventuraram a vir à tona claramente contra a União Soviética, ou contra os países democráticos, pois perceberam que estes tinham a simpatia incondicional das massas por todo o mundo. No entanto, a situação começou a mudar nos últimos meses da guerra e os imperialistas americanos e britânicos já começaram a demonstrar má vontade em respeitar os interesses legítimos da União Soviética e dos países democráticos, como o ocorrido na conferencia tripartite de Potsdam em 1945. A política externa da União Soviética e dos países democráticos, nesses dois últimos anos, tem trabalhado de forma consistente para manter os princípios democráticos dos acordos pós guerra. Os países do campo anti-imperialista têm, leal e consistentemente, se empenhado na implementação desses princípios, sem desviar-se deles em nenhuma circunstancia. Consequentemente, o maior objetivo da política externa soviética do pós-guerra tem sido o de uma paz democrática, a erradicação dos vestígios do fascismo e a prevenção contra a ressurgência de uma agressão imperialista fascista, o reconhecimento do princípio de igualdade das nações e o respeito por sua soberania, além da redução geral de todos os armamentos e o banimento das armas mais destrutivas destinadas a massacres em massa da população civil. Os esforços conjuntos da diplomacia soviética e dos outros países democráticos em assegurar a redução de armamentos e o banimento do mais destrutivo de todos eles - a bomba atômica – portanto, são de enorme importância. A política externa soviética parte do princípio de que haverá longa convivência entre os dois sistemas – capitalista e socialista. Disso segue que a cooperação entre a União Soviética e os países de outros sistemas deve ser possível desde que o princípio de reciprocidade seja respeitado e que as obrigações ora assumidas sejam honradas. Todos sabem que a União Soviética sempre cumpriu as obrigações que assume e que tem demonstrado permanente vontade e desejo por cooperação”. Andrei Zhdanov, Chanceler Soviético. In Relatório da 1ª. Conferencia do COMINFORM (International Communist Information Bureau), em Setembro, 1947. 13 “Nos últimos trinta e cinco anos o mundo vivenciou duas guerras mundiais de enorme violência. Viu acontecerem duas revoluções – a Russa e a Chinesa – de enorme abrangência e intensidade. Assistiu também ao colapso de cinco impérios – o otomano, o austro-húngaro, o germânico, o italiano e o japonês – e o declínio drástico de duas potencias imperialistas, a Grã-Bretanha e a França. Em uma geração, a distribuição internacional do poder foi alterada na base de suas estruturas. Por muitos séculos nenhuma nação foi bem sucedida em adquirir uma força tão preponderante, que a coligação de forças de outras nações não pudesse enfrenta-la. O cenário internacional sempre foi marcado por períodos recorrentes de guerra e violência, mas um sistema de estado soberanos e independentes sempre se manteve e sobre ele, nenhum estado foi capaz de exercer hegemonia. Dois conjuntos de fatores básicos alteraram essa histórica distribuição de poder. Primeiro, a derrota da Alemanha e do Japão e o declínio dos impérios britânico e francês interagiram com o desenvolvimento dos Estados Unidos e da União Soviética de tal forma, que o poder passou a gravitar, crescentemente, em torno desses dois centros. Em seguida, a União Soviética, ao contrário dos demais aspirantes à hegemonia e movida por um novo fanatismo contrário ao nosso, procurou impor sua autoridade absoluta sobre o resto do mundo. O conflito tornou-se, portanto, endêmico e vem sendo alimentado pela União Soviética por métodos que variam entre a violência e a diplomacia, de acordo com o exigido em cada circunstância. Com o crescente desenvolvimento de armas aterrorizantes de destruição em massa, todos os indivíduos enfrentam a possibilidade sempre presente de aniquilação, se o conflito entrar na fase de guerra total. De um lado, a população mundial anseia libertar-se da ansiedade crescente gerada pelo risco de uma guerra atômica. De outro, qualquer ampliação da área controlada pelo Kremlin poder aumentar a possibilidade de não existirem coalisões suficientemente adequadas para confrontá-los com a maior força que poderia ser reunida. Nesse contexto, esta República e os cidadãos que dependem de sua força estão vivendo seu momento de mais profundo perigo. Os fatos que estão diante de nós envolvem o crescimento ou a destruição, não apenas desta República, mas da civilização como um todo. São fatos que não esperarão que deliberemos. Com consciência e resolução este governo e o povo que ele representa deverão agora tomar novas e terríveis decisões. (...) Nos próximos quatro ou cinco anos, a União Soviética terá a capacidade militar de deslanchar um ataque atômico de surpresa de tal envergadura, que para evita-lo ou sobreviver à uma investida inicial e prover uma razoável segurança a seus cidadãos, os Estados Unidos devem ter sua força militar substancialmente ampliada em termos aéreos, terrestre e marítimos, bem como de sua potencia atômica e das defesas aéreas e civis para continuar a perseguição de seus objetivo. (...)” Paul Nitze, NSC-68. Abril, 1950. In Naval War College Review. Vol. XXVII (mai-jun) pp.51-108 14 Introdução A proposta do presente trabalho é fazer um estudo comparativo das trajetórias sócio-políticas de um determinado grupo de oficiais do Departamento de Estado e da Defesa que atuou na elaboração da política externa nos Estados Unidos nos primeiros anos da Guerra Fria (19451950), com a finalidade de identificar o papel que o grupo desempenhou em sua gênese. Seu objetivo principal é, por meio da comparação de suas origens e trajetórias, identificar os fatores que levaram à formação da equipe. Os primeiros anos da Guerra Fria serão reconstruídos a partir de homologias 1 estruturais e funcionais existentes no período, avaliando, comparando e, na medida em que a história dos personagens o permitirem, cruzando a atuação e as características específicas de cada um. Para discutir como a estrutura social do período foi incorporada por esses agentes, serão levadas em consideração: a) as trajetórias e estratégias adotadas pelo grupo para atingir objetivos de ascensão ou de manutenção de poder e b) a Doutrina de Contenção de George F. Kennan, na forma do Longo Telegrama enviado ao Departamento de Estado em 1946 e do artigo ― As origens da conduta soviética‖ publicado na revista Foreign Affairs2 em junho de 1947, documentos históricos que criarão os vínculos sociais e políticos entre o grupo, imbricando-os a partir das atividades de intervenção que exerceram no cenário internacional. Envolvendo vários processos biográficos cujos agentes interagem intensamente com os movimentos históricos, a análise comparativa que está sendo proposta será dividida em três partes. A primeira relaciona-se às concepções teóricas e conceituais do período e tem a finalidade de situar o leitor no contexto da Guerra Fria. Em seguida, as propriedades das várias frações do 1 Por homologia, um conceito utilizado por Pierre Bourdieu, entende-se o estudo de estruturas de diferentes organismos sociais que possuem a mesma origem, mas que podem ou não ter a mesma função. De maneira geral, implicam estruturas sociais que possuem relação de semelhança de posição entre suas partes. BOURDIEU, Pierre. O campo intelectual, In Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 169-80 2 A título de esclarecimento, a autora informa que as palavras grafadas em itálico ao longo deste trabalho têm duas funções. A primeira é a de identificar termos, nomes de escolas, cidades, empresas ou organismos norteamericanos que não soam bem aportuguesados. A segunda função das palavras em itálico é de, por iniciativa da autora, enfatizar a argumentação. 15 campo social às quais pertencem os atores sociais objeto dessa pesquisa serão sintetizadas em quatro Quadros de síntese, nos quais se procurará levantar os fatores de inserção social vinculados à posição familiar, acadêmica e profissional e política3 de cada um dos pesquisados, além de suas atuações profissionais e políticas durante a Primeira e Segunda Guerra Mundial e trajetórias seguidas para atingirem os centros de poder durante a Guerra Fria. Finalmente, como o enfoque tradicional da História (fundamentado exclusivamente em fontes escritas ou orais) pode ser insuficiente para a reconstrução do universo dos pesquisados se baseada exclusivamente nas duas fontes primárias intimamente interligadas - a saber, o Longo Telegrama e o artigo As Origens da Conduta Soviética produzidos por Kennan, origem intelectual da Doutrina de Contenção - procurar-se-á recompor, igualmente, o sistema de relações políticas e sociais que vigoravam, se não entre todos, ao menos entre alguns dos principais os agentes que interagiram com Kennan, ajudando-o a estruturar e aplicar suas propostas. O número de agentes que participaram da política de contenção à expansão soviética ao longo de quase cinco décadas é incalculável e evidentemente, seria impossível abarcar neste estudo todos aqueles que, efetivamente, estiveram vinculados à ela. Por isso, procurou-se privilegiar aqui alguns critérios de escolha: a) O período da pesquisa ficou restrito aos anos iniciais da Guerra Fria, ou mais precisamente de 1945 a 1950, marcados pelo fim da parceria que prevalecera durante a guerra entre norte-americanos e soviéticos, de um lado, até a saída de George Kennan do Gabinete de Planejamento Político, de outro. b) Com exceção dos dois Presidentes, todos os pesquisados fizeram parte do alto escalão do Departamento de Estado e do Departamento da Defesa no período em estudo e atuaram, tanto na elaboração da política externa que gerou a Guerra Fria, quanto em sua aplicação. c) De uma forma ou de outra, todos estavam direta e pessoalmente vinculados às propostas de George F. Kennan e às políticas de contenção ao expansionismo soviético emanadas do Gabinete de Planejamento Político. d) Os vínculos que esses agentes mantiveram entre si tinham origem em suas relações sociais, profissionais ou universitárias e na identificação comum com o ideário internacionalista e contencionista de Kennan. 3 BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987. 16 e) Todos apresentaram fontes primárias - além de documentos oficiais, entrevistas, reportagens e referências historiográficas - ou seja, algum tipo de biografia autorizada ou relatos de próprio punho pertencentes ao domínio popular. f) Todos vivenciaram o pico de suas carreiras nos primeiros anos da Guerra Fria e ocuparam posições centrais no campo político durante a década de 1940 e/ou nos primeiros anos de 1950. É preciso esclarecer ainda que, pela necessidade de racionalizar os dados e em nome da objetividade, deixou-se de aprofundar o estudo sobre a trajetória de muitos agentes que também foram relevantes do processo da contenção ao comunismo soviético, como Loy Henderson; Harvey, McGeorge e William Bundy; Dean Rusk; Clark Clifford; Paul Nitze; William Donovan; além de outros membros igualmente importantes do Departamento de Estado, mas espera-se que essas lacunas possam ser preenchidas por outros pesquisadores do tema no futuro. Além dos critérios relacionados acima, também é importante comentar alguns dos conceitos que serão utilizados ao longo dos próximos capítulos, qual seja, os de isolacionistas e internacionalistas4; os de servidores eleitos; servidores de carreira (burocráticos), servidores de confiança e militaristas (políticos), e finalmente, os de poder e dominação e os de elite do poder e Establishment. Por isolacionistas5 entendem-se norte-americanos – políticos, formadores de opinião ou grande massa – que, voltados exclusivamente para a expansão interna, crescimento industrial e contraposição à influencia inglesa no continente, praticavam ou aprovavam uma política 4 Isolacionismo e internacionalismo serão descritos no texto de acordo com seu significado padrão, mas é preciso que se observe que para George Kennan, ambos os termos são inadequados e imprecisos. Ele constatou bem cedo que a proposta internacionalista de Wilson - de salvar o mundo por meio da democracia era tão ilusória e perigosa quanto a crença na onipotência da América, com sua tentação de envolver-se em todo e qualquer canto do mundo. No entanto, o isolacionismo populista e nacionalista dos anos 1920 também não o atraía - como não atraíra muitos americanos sensatos e inteligentes - por causa de sua crença frívola de que os americanos seriam o Povo Escolhido, pela estreiteza de seus horizontes e por ignorarem voluntariamente o resto do mundo. In LUKACS, John. George Kennan: a Study of Character. New Haven: Yale University, 2007. 5 Até a virada do século a prática isolacionista orientou os governos norte-americanos que, voltados para si, recusaram-se a intrometer-se nos negócios europeus e afirmaram sua indústria, expandiram seu território e identificaram a América Central como uma extensão de seu território. O isolacionismo só foi abandonado definitivamente ao longo de duas gerações de políticos internacionalistas que governaram o país entre 1900 e 1945. Dentre eles, destacam-se, fundamentalmente, os presidentes Theodore Roosevelt (1901-1909), Woodrow Wilson (1912-1920) e Franklin Roosevelt (1932-1945). Eles representavam uma nova geração de políticos que viam na decadência do Império Britânico uma excelente oportunidade para seu país se adiantar e ocupar o vácuo que se abriria na manutenção da ordem internacional. KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências. Rio de Janeiro: Editora Campus.1988, p. 342-344) 17 externa que tinha o firme propósito de não interferir nos assuntos europeus e que igualmente, não aceitava ingerência estrangeira sobre seus próprios assunto ou territórios. Por internacionalistas entende-se um grupo de empresários, banqueiros e advogados de Wall Street que - tendo viajado para a Europa na infância; se encontrado profissionalmente em clubes masculinos de Londres, Paris e Berlim para entabular os melhores negócios para suas empresas; aprendido várias línguas e convivido com diversas culturas nesse processo entreviram na Europa destruída pela guerra um mercado maduro para absorver os excedentes de sua produção material e financeira 6. Todos os pesquisados deste trabalho foram considerados servidores públicos por fazerem parte de uma administração democrática, qual seja, por exercerem suas funções a partir de uma procuração popular, para servir à sociedade que direta ou indiretamente, lhe outorgou poderes. Por servidores legais, entendem-se os dois presidentes escolhidos por voto popular que, apesar de detentores do poder e do acesso à violência legalizada para governarem os Estados Unidos durante um período específico, são servidores pois dependiam de processo eletivo para servir seus liderados como dirigentes e seu mandato era temporário. Ambos lideraram o país durante a década de 1940 e foram incluídos neste trabalho por dominarem a posição central no campo político como fonte intrínseca de poder. Por servidores de carreira ou burocratas7,entendem-se os trabalhadores intelectuais especializados e não comprometidos diretamente com partidos políticos, que se colocaram a serviço da máquina administrativa do Estado por meio de concurso público para, funcionalmente e de forma apartidária e racional, auxiliar os governantes a administrá-lo. 6 Estimulado por despesas de guerra, o PNB norte americano, em dólares constantes de 1939, passou de US$ 88,6 bi para US 135 bi em 1945. Os recursos e a mão de obra que haviam sido subutilizados durante o New Deal passaram a ser devidamente explorados e a produção de guerra passou de 2% do PNB em 1939 para 40% em 1943. A produção de produtos não bélicos também aumentou, de modo que o setor civil da economia não foi prejudicado com a guerra, como aconteceu com os outros países envolvidos no conflito. Com o desaparecimento das grandes potências tradicionais, criava-se um vazio que poderia ser ocupado por exportadores norte-americanos. Os internacionalistas defendiam o argumento de que ― o comércio livre provocava a paz‖ e os interesses das industrias de exportação, que tinham receio de que uma depressão do pós-guerra pudesse seguir-se ao declínio dos gastos governamentais e exigiam que novos mercados além mar fossem abertos para absorver os frutos da maior produtividade da América. Havia, concomitantemente, um forte interesse em garantir a defesa - militar, se necessário – de matérias primas estratégicas, como petróleo, borracha e minérios metalíferos. KENNEDY, Op.cit. p. 344,345) 7 De acordo com Max Weber, a principal distinção entre os funcionários de carreira e os funcionários políticos é que os ― políticos‖ podem ser colocados em disponibilidade, enquanto os ― de carreira‖ seriam ― inamovíveis‖. WEBER, Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 76. 18 Como burocratas concursados, eram inamovíveis, ou seja, sua permanência na estrutura administrativa ocorria independentemente da vontade específica do governante ou dos partidos; suas funções os imbricavam à máquina administrativa do Estado e é por ele que velavam, independentemente de quem o capitaneasse. Os servidores políticos, por outro lado, seriam os funcionários de confiança do governante. Podiam ser trazidos da iniciativa privada sem concurso e serem deslocados á vontade em cargos públicos, ou serem colocados em disponibilidade quando seus serviços não fossem mais necessários - ou quando houvesse mudança na direção do Estado. Os servidores políticos pesquisados neste trabalho vinculavam-se ao Departamento de Estado e da Defesa podem ser divididos em diplomatas e militaristas. Os servidores políticos diplomatas tinham a confiança da Presidência para exercerem funções diplomáticas e para representarem os interesses de seu país perante as demais nações do concerto internacional por meio de acordos, tratados e negociações em geral. Cabia-lhes, igualmente, elaborar política externa e determinar o grau de relacionamento dos Estados Unidos com as demais nações. Por servidores políticos militaristas, identificam-se os servidores políticos que, tendo exercido funções militares e/ou administrativas nas Forças Armadas dos Estados Unidos antes e durante a Segunda Guerra e dado baixa do Serviço a seu término - mantiveram-se vinculados às altas camadas governamentais por meio de nomeações políticas e que atuaram em cargos funcionais voltados principalmente, às questões relacionadas à segurança nacional e aos efeitos da influência soviética no mundo pós-guerra. Como servidores legais vinculados às origens, elaboração e aplicação da Doutrina de Contenção no período escolhido, colocam-se os dois presidentes da Republica envolvidos no processo, Franklin D. Roosevelt e Harry C Truman; dentre os servidores de carreira ou burocratas, optou-se avaliar as trajetórias de George Kennan e de Charles Chip Bohlen; dentre os servidores políticos de confiança, William Harriman, Dean Acheson, John McCloy e Robert Lovett e finalmente, dentre os servidores políticos militaristas, George Marshall e James Forrestal. Outros atores importantes, apesar de atuarem em papéis secundários, serão citados ao longo dessa narrativa, mas, para privilegiar a clareza e objetividade dos dados levantados, optou-se por não aprofundar o estudo de sua atuação. É necessário, ainda, configurar o termo elite do poder, que será amplamente utilizado ao longo desta pesquisa, para que não pairem dúvidas sobre seu sentido. Por elite do poder, 19 entende-se um pequeno grupo de pessoas de grande influencia política e econômica que guardam identidade entre si por terem afinidades sociais, culturais e psicológicas, apesar de seus membros serem oriundos de camadas sociais distintas. Essa elite não é uma aristocracia tradicional, qual seja, não é um grupo político dominante baseado exclusivamente no poder da tradição ou dos costumes; nem em pequenos círculo de grandes famílias cujos membros poderiam ocupar – e ocupavam - as mais altas posições nos círculos superiores. Tampouco foi formada por indivíduos que pertencessem a todas as camadas sociais norte-americanas. Com raras e honrosas exceções, a maioria de seus membros era oriunda das classes superiores e das camadas profissionais e comerciais mais elevadas; eram americanos natos, filhos de pais americanos e oriundos de áreas urbanas predominantemente do Leste. A maioria frequentou Yale, Harvard e Princeton – ou Amherst e West Point 8. Utilizando-se de capitais simbólicos e financeiros pessoais para ascender e se consolidar nas estruturas burocráticas civis e governamentais, esses membros da elite se posicionaram de forma hegemônica na sociedade, integrando o Establishment9 que dominou a sociedade e a política norte-americana durante os últimos anos da década de 1940 e por todos os anos 1950. Instituição meritocrata, mais do que classista, o Establishment que gerou a elite do poder citada neste trabalho tinha Harry Truman, George Kennan, James Florestal, John McCloy e Dean Acheson como membros eméritos, pois, originários das camadas médias ou inferiores da sociedade, conseguiram ocupar posições significativas nas camadas superiores do campo político e/ou econômico por mérito próprio – por acúmulo de conhecimento ou de prestígio. Franklin D. Roosevelt, Averrel Harriman, Charles Bohlen, George Marshall e Robert Lovett, por outro lado, nascidos no seio das camadas dominantes do sistema, investiram suas origens, além do mérito pessoal, para ascenderem ou se consolidarem no poder. 8 MILLS, Charles Wright. The power elite. New York: Oxford Press Inc, 1956. 9 Establishment é um termo que se relaciona com a ordem ideológica, política e econômica que configura a elite de uma sociedade ou um Estado. Originariamente, o termo relacionava-se a uma aliança entre a burguesia urbana e grupos da aristocracia rural britânica que, tradicionalmente, concentravam em suas mãos os meios de ação do país. Ambos os grupos eram pouco abertos a inovação em todos os campos e extremamente hostis no compartilhamento do poder com outras facções políticas ou sociais. O termo foi popularizado em 1955, por um artigo escrito pelo jornalista Henry Fairlie, que descreve o círculo de homens poderosos que dominavam o Reino Unido naquela época. Seis anos mais tarde, Richard Rovere escreveu outro artigo, parodiando o anterior e intitulando-o como ― Notas sobre o Establishment na América‖, no qual ele cutucava habilmente os que levavam o conceito a sério, criticando-os de forma sagaz. In ISAACSON, Walter & THOMAS, E. The Wise Men: Six Friends e the World They Made. New York: Simon & Shuster Paperbacks, 1986, p. 28. 20 Fixado o cenário e esclarecidos os fundamentos dos conceitos que aqui serão utilizados na primeira parte deste trabalho e determinadas as origens e trajetórias dos atores na segunda, a terceira parte deste trabalho implicará no processo comparativo da movimentação social, econômica e política de George Kennan e dos demais atores relacionados à Doutrina de Contenção - seja no campo social, seja na estrutura da classe dirigente - procurando identificar as propriedades sociais, políticas e culturais específicas que motivaram e provocaram a intersecção de suas trajetórias. O que se pretende comprovar por meio dos argumentos levantados ao longo dos capítulos em referência é que: a) A Guerra Fria não foi consequência apenas de uma disputa por esferas de influência política e econômica, mas também da necessidade política de legitimar o domínio de uma elite emergente nos Estados Unidos que objetivava ampliar sua ação além das fronteiras nacionais. b) As camadas médias ascenderam em maior proporção ao poder por meio do acúmulo de capital simbólico (prestígio ou conhecimento), oportunizando para tanto as rupturas políticas causadas pelas transformações sociais ocorridas durante a década de 1930, a fragilidade dos grupos de poder tradicional em razão da crise do capitalismo e a ameaça representada pela expansão da ideologia soviética, apoiando-se nos argumentos de segurança nacional produzidos por George Kennan. c) A vacância do poder burocrático no Departamento de Estado, ocorrido com a morte de Roosevelt e de Harry Hopkins em 1945 abriu espaço para a ascensão de um grupo moderado de internacionalistas que utilizaram sua influencia sobre o Presidente Truman para estabelecer novas regras na relação com Kremlin. d) A morte de James Forrestal e a queda de prestígio de George Kennan do Gabinete de Planejamento Político, em 1950, de outro, promoveram conflitos de orientação, choque de disputas pessoas e concorrência entre as facções da elite do poder, fechando o ciclo de poder dos internacionalistas moderados e abrindo espaço para a ascensão de um grupo mais radical aos cargos-chave do Departamentos de Estado e Defesa – grupo que apoiava o NSC-68 e que concentrava, definitivamente, os objetivos da Guerra Fria em um militarismo bem mais acentuado do que o proposto por Kennan e seus associados. As fontes para esta pesquisa foram encontradas tanto na ampla produção simbólica de George F. Kennan, quanto na historiografia da Guerra Fria (John Lewis Gaddis, Walter LaFeber, 21 Melvin Leffler, Arthur Schlesinger Jr e William Williams, dentre outros). Os quadros descritivos da trajetória dos pesquisados foram levantados a partir de trabalhos biográficos e de memória (George Kennan, Dean Acheson, Charles Bohlen, William Harriman, Robert Lovett, dentre outros). Também foram consultadas fontes primárias disponíveis no Historical Office do Departamento de Estado, no Congressional Research Service da Biblioteca do Congresso, no National Security Archive, em vários projetos acadêmicos mantidos por Universidades Americanas (como o The Harvard Project on Cold War Studies) e em relatórios internos do Gabinete de Planejamento Político liberados recentemente para a pesquisa histórica sobre a Guerra Fria, abrangendo as operações de guerra política mantidos pelo National Archives and Records Administration (NARA). Em tempo, o critério para a escolha dos diplomatas ou servidores públicos e militares em questão foi a existência de memórias e biografias publicadas, bem como a disponibilidade de diários pessoais ou memorandos, entrevistas e correspondência pessoal, além de relatórios e despachos oficiais relativos à Administração Roosevelt e Truman, disponíveis nos arquivos do NARA. Para minimizar os riscos de reducionismo que se poderia incorrer com a utilização de fontes biográficas e memorialísticas num estudo comparativo, procurou-se analisar principalmente as propriedades sociais dos pesquisados, privilegiando o processo de consagração que os caracterizou e considerando que suas trajetórias variaram conforme as diferentes posições que ocuparam no campo ao longo do período. Esclarecendo a priori os conceitos ― memória‖ e ― biografia‖, também convém lembrar que biografias são obras geralmente dedicadas tanto a personagens dominantes no campo de sua projeção enquanto ainda vivos, quanto àqueles que se viram consagrados postumamente. Memórias, por outro lado, constituem estratégias de resgate utilizadas por intelectuais que, em formas variadas procuram justificar, idealizar ou eufemizar as circunstâncias que, numa dada conjuntura do campo, lhe foram desfavoráveis 10. As Memoirs de George Kennan11 e ― Present at the Criation‖ de Dean Acheson12, especialmente, se enquadram nesse perfil. O primeiro, por sua aversão à interpretação 10 MICELI, Sérgio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Cia das Letras, 2001, pg. 17 11 As memórias de George Kennan, cujo primeiro volume abrange o período de 1925 a 1950 e o segundo volume, de 1950 a 1963, oferecem ao leitor uma visão pessoal e fascinante desses anos na diplomacia dos Estados Unidos. Baseadas em sua experiência pessoal no serviço diplomático norte-americano, essa obra indica o posicionamento de Kennan em muitos dos mais importantes eventos ocorridos no período. Pontuada 22 militarista dada às propostas contencionistas dispostas no Longo Telegrama de 1946 e por suas tentativas em eximir-se do epíteto de ― pai intelectual‖ da Guerra Fria e das responsabilidades nefastas que lhe foram imputadas pela corrida armamentista nela implícita. O segundo, por defender-se contra as acusações que lhe foram dirigidas, enquanto Secretário de Estado, por membros radicais da imprensa e do Congresso, por ter ― perdido‖ a China para o comunismo. Convém informar, no entanto que a análise desses dois tipos de fontes pode fornecer ao pesquisador informações bem distintas 13. Ao reconstituírem vidas exemplares num registro apologético, biografias correm o risco de dissimular idealmente os mecanismos reais que movimentam as trajetórias sociais e intelectuais dos biografados e esse recurso só deve ser utilizado com o cruzamento de dados com outras fontes, para não distorcer a realidade do biografado. As memórias, por outro lado, tenderiam a desvelar mais abertamente o jogo de que seus autores participaram. Por sofrerem as consequências diretas de seus atos, os memorialistas sentiam-se mais qualificados do que eventuais biógrafos para compreender e discorrer sobre os motivos que levaram aos conflitos no campo e aos fatores que acreditam terem sido responsáveis por alijá-los de suas gratificações mais importantes. O gênero memórias, no entanto, foi mais consultado pela autora que o biográfico, pois quanto menor o grau de consagração relativa do memorialista, ou mais forte a crítica popular à sua atuação no campo, observa-se que ele se encarregará de consagrar a si mesmo ou de defenderse dos que o detratam. Os que não se sentem à vontade quanto à essa auto-consagração ou auto-crítica, mesmo ansiosos por expor os fatos sob o seu ponto de vista, tendem a adiar post por muitos insights de como ele acreditava que a política externa dos Estados Unidos deveria ser formulada, observa-se que a maioria deles ainda são aplicáveis aos dias de hoje. A obra recebeu o National Book Award e o Pulitzer Prize de Biografias em 1968. KENNAN, George F. Memoirs: 1925-1950. Little Brown & Company, 1992. 12 As memórias de Dean Acheson estão registradas em livro no qual, como secretário de Estado de Truman e sob o seu ponto de vista, ele descreve o tom e a direção dados à política externa adotada pelos Estados Unidos em relação aos soviéticos, no início da Guerra Fria. O livro versa sobre as decisões que ele tomou e como as políticas delineadas por ele foram aplicadas, explicando como foi sua participação em todo o processo relacionado, principalmente, à Revolução Chinesa e à Guerra da Coréia. ACHESON, Dean, Present at the Creation: my years in the State Department, WW. Norton & Co. 1987. 13 MICELI, Op. cit. 2001, p.21 23 mortem a publicação de suas memórias - ou de parte delas - por temerem interpretações que não lhes sejam favoráveis14. Como este trabalho tem a função de estabelecer mecanismos relativamente invisíveis na trajetória de seus objetos de estudo, haverá enfoque maior na análise das fontes memorialísticas, quando disponíveis, muito mais do que nas biografias, procurando-se não descuidar do cruzamento constante de informações de caráter pessoal com documentos oficiais, numa tentativa de recriar, da forma mais real possível, o inter-relacionamento dos atores objetivados. Isso não impede, no entanto, que o estudo do campo delimitado pelo Establishment desse período seja uma tarefa escorregadia e nesse ponto, solicitamos a compreensão dos que nos lêem. A amplitude e diversidade de contendores no campo, bem como dos dados que foram levantados, podem dificultam a tarefa de análise e síntese, principalmente no que tange à movimentação de cada agente no campo. Tentaremos fazê-lo delineando da forma mais clara possível os vínculos sociais que os imbricavam a um projeto de mundo comum – a doutrina de contenção – e, ao identificar as relações oficiais travadas entre eles no interior da Administração, situar da melhor forma possível as posições que ocuparam nesse processo. 14 MICELI, Idem, p. 18 24 1. Historiografia e Guerra Fria Contenção à expansão soviética é um termo geralmente utilizado para caracterizar a política externa norte-americana em relação a seus antigos aliados após a Segunda Guerra. Seu principal objetivo consistia em prevenir ou evitar que a União Soviética utilizasse o poder e a posição que conquistara naquele conflito para remodelar a ordem internacional de acordo com sua visão socialista de mundo, uma perspectiva que parecia, ao Ocidente, tão perigosa quanto a que Japão e Alemanha ofereceram durante a guerra. Apesar de George Kennan ter cunhado em 1947 o termo Contenção no sentido em que o conhecemos hoje, ao sugerir a seus superiores uma ― contenção vigilante e paciente, de longo prazo, às tendências soviéticas de expansão‖ esse conceito não era original e já havia sido manifesto anteriormente na obra do geopolítico Nicholas Spykman (1893)15, relacionada ás necessidades de expansão estratégica e marítima dos Estados Unidos por questões de segurança. Spykman acreditava que a política externa das maiores potências tinha o poder de afetar o alinhamento das demais nações do contexto internacional e que a mobilidade marítima, por meio da criação de impérios além-mar, seria o melhor caminho para se construir uma eficiente estrutura geopolítica. Partindo da interpretação geopolítica de Sir Halford Mackinder (1861)16 15 Nicholas J. Spykman (1893-1943) foi um geo-estrategista holandês, conhecido como o ‖avô‖ da doutrina da contenção. Como cientista político, foi um dos fundadores do realismo clássico das relações internacionais, introduzindo o pensamento político da Europa Ocidental nos Estados Unidos. Lecionou no Instituto de Estudos Internacionais na Universidade de Yale e uma de suas maiores preocupações foi tornar seus alunos versados em geografia, pois não acreditavam em geopolíticos que não tivessem absoluta compreensão estratégica dessa ciência. Influenciado pela Teoria da Heartland de Mackinder, ele publicou dois livros de relações internacionais. O primeiro, America´s Strategy in World Politics foi publicado em 1942 pouco antes da entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra e tratava de questões relacionadas ao equilíbrio do poder. Nele, Spykman afirmava que o isolacionismo baseado na proteção dos oceanos para proteger os Estados Unidos (defesa hemisférica) era ineficiente e em seus argumentos, procurou mostrar os problemas em que o país incorreria se se isolasse novamente após a Segunda Guerra, como fizera após a Primeira. No segundo livro, The Geography of the Peace, publicado em 1945, ele demonstra sua geoestratégia, argumentando como o equilíbrio de poderes na Eurásia afetava diretamente a segurança dos Estados Unidos. MELLO, Leonel I.. Quem tem medo de Geopolítica? Edusp e Hucitec: São Paulo, 1999, p.98-102. 16 Sir Halford J. Mackinder (1861-1947) foi um geógrafo inglês considerado um dos fundadores da geopolítica e da geoestratégia. Em 1904, em uma conferencia na Royal Geographical Society em Londres, ele mencionou pela primeira vez sua Teoria da Potência Terrestre (Heartland Theory), lançando a pedra fundamental da Geopolítica como um campo de estudo. Em 1919, publicou Democratic Ideals and Reality: a study in the politics of reconstruction, apresentando sua teoria da Heartland, afirmando que quem controla a Europa Oriental comanda a massa terrestre central (Heartland) e que quem controla a Heartland comanda o anel oceânico (World Island) e o resto do mundo. Sua mensagem tinha a finalidade de convencer os estadistas da Conferencia de Paris sobre a importância estratégica da utilização dos estados da Europa Central como um cinturão de proteção para separar a Alemanha da Rússia. Seu conceito foi levado em consideração pelos 25 a respeito do Heartland (potencia terrestre) 17, Spykman desenvolveu sua teoria sobre a influência da geografia nas disputas globais. Entre o Heartland e as fronteiras marítimas que separavam as nações umas das outras, Spykman identificava uma região intermediária (Rimland), uma espécie de zona anfíbia colocada entre potencias marítimas e terrestres, importante por seu peso demográfico, suas reservas naturais e desenvolvimento industrial. Esses territórios intermediários que constituíam o Rimland, no entanto, viam-se perenemente forçados a defender-se contra eventuais invasões das potencias que os circundavam e por isso, constituíam-se em permanente foco de insegurança. Spykman também defendia – opondo-se a Mackinder - que, como os aspectos geográficos das nações seriam determinantes na distribuição do poder mundial, seu detentor não seria quem dominasse o Heartland, mas quem conseguisse cercá-lo - ou contê-lo, como os Estados Unidos se propuseram a fazer durante toda a Guerra Fria – assim controlando seu Rimland18. De acordo com a visão de Spykman, constata-se que durante a Segunda Guerra Mundial estados antifascistas - potências navais (Estados Unidos e Inglaterra) e territoriais (União Soviética) - haviam se aliado para lutar contra o Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Após a vitória, no entanto, a aliança se desfez e a estratégia americana passou a ser a contenção da URSS dentro dos limites do Heartland, ou seja, em termos de política externa, a Teoria da Conteção que posteriormente seria advogada por George Kennan, implicaria na tentativa de impedir que os soviéticos controlassem o Rimland e tivessem saída para mares abertos, de onde poderiam projetar mundialmente suas forças. Para dar suporte a essa estratégia, Spykman propunha que os Estados Unidos, enquanto potência naval com supremacia incontestável na América do Norte e hegemonia nas Américas, estabelecessem uma rede de alianças com as demais potências navais como a negociadores, apesar de ter-se provado ineficiente em 1939. Mackinder era imperialista e anti-bolshevista. Como Alto Comissário para o Sul da Rússia em 1910 e 1920, defendeu que o Ocidente deveria continuar apoiando as forças dos Russos Brancos para evitar a vitória dos Vermelhos. KILPINEN, John T. Valparaiso University. Disponível em http://www.valpo.edu/geomet/histphil/test/mackinde.html. Acesso em 27/02/2001. 17 Para Mackinder, Heartland seria um território localizado no centro da Eurásia e que se estendia do Volga ao Yangtzé e do Himalaia ao Ártico, controlada historicamente pelo Império Russo e posteriormente, pela União Soviética. Idem. 18 O conceito de Rimland, para Spykman, implicava a área da Eurásia no entorno do Heartland, cujo papel é central. Esta região seria a chave das disputas geopolíticas mais importantes da Eurásia, pois quem a dominasse, decidiria o futuro da Eurásia. Ibidem. 26 Inglaterra, a Oceania, a África e a América do Sul, e que, paralelamente, impedissem que os adversários formassem alianças contrárias aseus interesses. Como se pode observar, Spykman influenciaria de forma significativa a estratégia norteamericana no início da Guerra Fria. Suas idéias e de MacKinder levariam George Kennan a formular o conceito do ― cordão sanitário‖ ou ― cinturão de segurança‖ no entorno da União Soviética, com a finalidade de conter a expansão do comunismo. O padrão defensivo desse ― cordão sanitário‖ proposto no Longo Telegrama de 1946, no entanto, por uma série de razões que serão analisadas ao longo desse trabalho, perdeu essa característica preventiva e passou a ter um caráter ofensivo quando, a partir de 1949, começaram a se formar várias alianças militares entre os Estados Unidos e países do Rimland, a saber, a NATO19, a SEATO20 e o Pacto de Bagdá21 que, aliás, também seriam fruto das ideias do geoestrategista holandês. Apesar de importantes, as teorias geopolíticas de Mackinder e de Spykman não foram as únicas a relacionar-se com a política externa do pós guerra e com a Guerra Fria e várias correntes historiográficas surgiram ao longo das últimas décadas para identificar as origens desse conflito. Apesar de não haver intenção de debater, ou questionar a validade de cada uma dessas correntes, pretende-se nos próximos parágrafos, formar um panorama geral sobre algumas das mais importantes relacionadas ao tema, visando situar o leitor no contexto das discussões e permitir-lhe um melhor entendimento das linhas adotadas pela autora. 19 A North Atlantic Treaty Organization (NATO ou OTAN), também conhecida como Aliança Atlântica, é uma organização de colaboração militar estabelecida em 1949 em suporte ao Tratado do Atlântico Norte, assinado em Washington a 4 de abril de 1949. Seus membros fundadores foram Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Portugal e Reino Unido. Grécia e Turquia aderiram em 1952, Alemanha Ocidental em 1955 e Espanha em 1982. Com o fim da Guerra Fria, outros países do leste Europeu se agregaram ao Tratado: Alemanha Oriental reunificada com Alemanha Ocidental (1990), República Checa e Polônia (1999), Bulgária, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Lituânia e Romênia (2004) e finalmente, Albânia e Croácia (2009). NATO. Disponível em <http://www.nato.int/cps/en/natolive/index.htm> Acesso em 27/02/2011. 20 A Southeast Asia Treaty Organization (SEATO) foi uma versão da NATO no Sudeste Asiático, criada com o objetivo de não permitir a expansão comunista naquela região. Firmado em 1955 e dissolvido em 1977, foi formada por oito países: Austrália, França, Nova Zelândia, Paquistão, Filipinas, Tailândia, Grã-Bretanha e Estados Unidos. SEATO Disponível em< http://www.britannica.com/EBchecked/topic/556523/SoutheastAsia-Treaty-Organization-SEATO>. Acesso em 27/02/2011. 21 O Pacto de Bagdá ou a Central Treaty Organization (CENTO), também foi uma aliança militar criada durante a Guerra Fria nos moldes da NATO. Fundada em 1955 e desfeita em 1976, foi composta por Irã, Iraque, Paquistão, Turquia e Reino Unido. Pacto de Bagdá. Disponível em <http://www.dwworld.de/dw/article/0,,778420,00.html> Acesso em 27/02/2011. 27 As primeiras análises historiográficas sobre as origens da Guerra Fria ocorreram durante os anos 1950 e em parte dos anos 1960. Foram desenvolvidas por historiadores norte- americanos considerados ortodoxos porque naquele momento22, representavam a visão corrente de mundo: uma sociedade fortemente influenciada internacionalmente pela dissolução da aliança militar russo-americana feita durante a guerra, pela expansão soviética na Europa Oriental, pela ― perda‖ da China para o comunismo e pela Guerra da Coréiaenquanto domesticamente, a histeria macarthista se propagava. Nesse contexto, historiadores ortodoxos como Herbert Feis23e Arthur Schlesinger Jr.24 identificaram a expansão da URSS na Europa Oriental e em outras partes do mundo como o motivo óbvio que desencadeou a Guerra Fria: aos Estados Unidos, como parte desafiada, coube apenas reagir à provocação. Pontualmente voltados para um ponto de vista norteamericano, os autores ortodoxos não aprofundaram a avaliação das ações soviéticas, nem as consideraram resultantes de um moderno imperialismo russo ou de uma expansão ideológica exigida pela revolução russa de 1917. A interpretação da história de Arthur Schlesinger Júnior foi descrita por Craig Calhoun25 como a ― versão oficial‖ da Guerra Fria, pois representava uma visão favorável ou uma justificativa ideológica às políticas de contenção que faziam, inclusive, o uso da força. Durante os anos 1960, no entanto, o envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Vietnam e a desilusão de muitos historiadores quanto à eficácia e viabilidade da política de contenção 22 Apesar de ter perdido seu papel dominante de interpretação histórica por causa das discussões acadêmicas surgidas no fim dos anos 1960, a visão ― ortodoxa‖ das origens da Guerra Fria continua a ter muito influência sobre a historiografia, conforme Jonathan Nashel em "Cold War (1945–91): Changing Interpretations" The Oxford Companion to American Military History. John Whiteclay Chambers II, ed., Oxford University Press 1999. 23 Dentre as obras de Feis sob o enfoque ― ortodoxo‖ podem-se citar Churchill-Roosevelt-Stalin: The War They Waged and the Peace They Sought (1957) e From Trust to Terror: The Onset of the Cold War (1970). 24 Arthur Schlesinger é um historiador norte americano e critico social. Detentor do Prêmio Pulitzer de História por The age of Jackson (1945), Schlesinger participou da OSS durante a Segunda Guerra e sua obra está voltada para a análise de líderes liberais norte-americanos como Franklin D. Roosevelt, John F. Kennedy e Robert F. Kennedy, sobre quem escreveu extensivamente. Foi assistente especial e ― historiador da corte‖ durante a administração do Presidente Kennedy(1961 e 1963) e em A Thousand Days, escreveu sobre esse governo desde o período de transição até o funeral do presidente. Popularizou o termo ― presidencialismo imperial‖ durante a administração Nixon, ao escrever um livro sob esse título. Suas impressões sobre as origens da Guerra Fria foram publicadas na revista Foreign Affairs, 46, October, 1967, pp. 22-52, sob o título Origins of the Cold War. MARTIN, Douglas. Arthur Sclesonger, Historian of power, dies at 89. The New York Times. Disponível em. <http://www.nytimes.com/2007/03/01/washington/01schlesinger.html>. Acesso em 27/02/2011. 25 Vide o verbete "Cold War" do Dictionary of the Social Sciences da Oxford University Press. (ISBN 0195123719) 28 praticada por seu país, levou ao aparecimento de uma corrente revisionista que passou a identificar as origens da Guerra Fria com questões econômicas, qual seja, com um choque de interesses produtivos envolvendo as duas potências querelantes. Esses revisionistas ou historiadores da nova Esquerda responsabilizavam mais os Estados Unidos pelo conflito, do que a União Soviética, argumentando que a ação expansiva dos russos na Europa Oriental para criar um cinturão de segurança em torno de seu território, teria sido semelhante à adotada por qualquer grande potência que se preocupasse com a própria segurança, principalmente após terem sofrido duas invasões alemãs em menos de trinta anos. Apesar de a nova escola ter-se dividido em várias vertentes, a maioria dos trabalhos revisionistas se reportavam à The Tragedy of American Diplomacy, de William A. Williams26 publicada em 1959. Contestando a visão ― ortodoxa‖ da historiografia, Williams classificou a política externa norte-americana do pós guerra como imperialista e afirmou que os Estados Unidos, tendo dominado os mercados da Europa Ocidental durante a Segunda Guerra e pretendendo repetir o feito na Europa Oriental, provocaram, dessa forma, a reação dos russos. Seguindo essa linha de pensamento, historiadores revisionistas responsabilizaram os Estados Unidos pela quebra da paz no pós-guerra, citando uma série de esforços daquele país no sentido de isolar e confrontar a União Soviética - muito antes do fim da Segunda Guerra, inclusive – pela necessidade que os produtores nacionais tinham de colocar além-mar o excedente de sua produção e de controlar o acesso a matérias primas estratégicas, como petróleo, borracha e minérios metalíferos. Essa linha historiográfica defende que, preocupados em manter o bom funcionamento do capitalismo internamente, os norteamericanos deram ênfase considerável à política das ― portas abertas‖ – atendendo aos grupos econômicos ligados aos governantes norte-americanos.. Ou seja, para revisionistas como Williams, como o desenvolvimento doméstico dos Estados Unidos no pós-guerradependia, proporcionalmente, da consolidação de seu poder no cenário internacional, a participação norte-americana na reconstrução da Europa e do Japão, por 26 Williams apoiou seus argumentos no polêmico trabalho do historiador Charles A. Beard ― An economic interpretation of the Constitution of the United States‖, que afirmava que o governo norte americano, apesar de advogar a causa da democracia liberal desde sua fundação em 1776, só visava atender aos interesses comerciais de sua elite burguesa. Além de William A. Williams, em The Tragedy of American Diplomacy (New York, 1959, 1962 e 1972) e The Roots of the Modern American Empire (New York, 1969); a historiografia revisionist também pode ser encontrada nos trabalhos de Gabriel e Joyce Kolko, The Limits of Power: The World and United States Foreign Policy 1945-1954 (New York, 1972) e de Thomas G. Paterson, Soviet-American Confrontation: Postwar Reconstruction and the Origins of the Cold War (Baltimore, 1973). 29 exemplo, não passou de uma iniciativa imperialista, voltado para as demandas do capitalismo – mercados externos, investimentos e fontes de matéria prima – e esse imperativo, somado à necessidade de manter controle sobre regimes políticos ao redor do mundo para proteger interesses norte-americanos ali estabelecidos, tornaram-se o objetivo central da política externa do país, chocando-se com a dos soviéticos. A nova corrente historiográfica também contestou o conceito ― ortodoxo‖ de que os líderes soviéticos visassem expansão territorial no pós guerra, argumentando que a ocupação soviética do Leste Europeu teve um caráter defensivo, qual seja, constituíra-se uma tentativa de evitar que os Estados Unidos e seus aliados os isolassem em um cinturão inamistoso. Para historiadores como Paul Kennedy em Ascensão e Queda das Grandes Potências, por exemplo, uma União Soviética enfraquecida e arrasada economicamente após o fim da Segunda Guerra jamais poderia representar uma ameaça concreta aos Estados Unidos, cujo território não fora devastado por tropas inimigas, cuja economia só florescera durante o período da guerra e que, naquele momento, detinha o monopólio sobre a energia atômica 27. Eric Hobsbawn28, também revisionista, aponta para um equilíbrio desigual de poderes - no qual os Estados Unidos tinham todas as vantagens, pois a União Soviética estava completamente arrasada pela guerra - mas que é aceito por ambos, que contavam com o bom senso do adversário para manter a paz, apesar do clima aparentemente agressivo e dos discursos histriônicos de seus líderes. Walter LaFeber, seguindo a linha de Williams em America, Rússia and the Cold War (1972), argumentava que as origens da Guerra Fria não estariam no imediato pós guerra, mas em disputas pré-existentes entre a Rússia e os norte-americanos no século XIX, por mercados e influência sobre os países da Ásia Oriental. Esse historiador também acreditava que o que desencadeou a Guerra Fria foi o empenho dos Estados Unidos, ao final da Segunda Guerra, em assegurar que todos os países do globo estivessem abertos à sua influência e comércio. Como essa política, evidentemente, se chocava com os interesses do comunismo soviético 29, principalmente em relação ao ― cinturão de segurança‖ representado para eles pelo Leste Europeu, o confronto teria sido inevitável. 27 KENNEDY, Paul. Op cit. p.346-349 28 HOBSBAWN, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Cia das Letras, 2005, p. 223-230. 29 Vide comentários e discussões sobre o tema em Alan Brinkley, American History: A Survey. New York: McGraw-Hill, pp. 798-799, 1986 e em Jonathan Nashel, op. cit, 1999. 30 Gar Alperovitz30, outro estudioso revisionista, não via a questão econômica como a origem da disputa entre as duas potências, mas a decisão dos Estados Unidos em utilizar armas atômicas contra Hiroshima e Nagasaki nos últimos dias da Segunda Guerra. Para ele, os norte– americanos não as utilizaram contra o Japão, já derrotado, com a finalidade de vencer a guerra, mas para intimidar os soviéticos, demonstrando que seriam capazes de usá-las para reestruturar o mundo de acordo com os interesses nacionais. Esse ponto de vista se apoiava em depoimentos biográficos de William Blum31 e de outros membros do Departamento de Estado32 que relataram que o Japão tentou render-se antes de agosto de 1945, mas que os Estados Unidos, desejosos de testar suas armas nucleares na guerra e mais importante, de mostrar seu poder à União Soviética, ignoraram tais tentativas diplomáticas. Thomas Paterson33 era um revisionista moderado que procurava conciliar a posição de seu bloco com a dos historiadores ― ortodoxos‖. Em Soviet-American Confrontation (1973), ele 30 In Atomic Diplomacy: Hiroshima and Potsdam (1965), apud Alan Brinkley, Op. cit. 1999 31 William Blum (1933) é um escritor e historiador norte-americano cujo trabalho critica veementemente a política externa adotada pelos Estados Unidos no período pós-guerra. Atuou como oficial menor no Setor de Informações do Departamento de Estado nos primeiros anos da década de 1960, quando ainda era anticomunista ferrenho e sonhava tornar-se diplomata, até desiludir-se completamente com a política externa de seu país durante a Guerra do Vietnam. Em 1967, demitiu-se do Departamento e ingressou no jornalismo alternativo. Em 1969, publicou uma denúncia revelando nomes e endereços de mais de duzentos agentes da CIA e em meados dos anos 1970, trabalhou em Londres com o ex-agente da CIA Philip Agee e seus associados em um projeto para expor o pessoal da CIA e suas ações interventivas em assassinatos e conspirações para depor ou instituir governos onde interessasse ao governo dos Estados Unidos. Sobre o tema de guerra política e práticas encobertas, vide também Tim Weiner, "U.S. Spied on its World War II Allies," New York Times, Aug. 11, 1993, p.9, Legado de Cinzas, uma história da CIA, Rio de Janeiro: Record, 2008 e Christopher Andrew, For the President´s Eyes Only, New York: Harper Perennial, 1995. 32 James Forrestal, Secretário da Marinha, Henry Stimson, Secretário da Guerra e Joseph Grew, Subsecretário de Estado aconselharam o Presidente Roosevelt, nos primeiros meses de 1945, a adotar uma política menos radical com o Japão, de forma que aquele país pudesse se render sem ― perder face‖. A principal preocupação desses oficiais, e de Forrestal, em especial, não era um movimento de re-militarização do Japão ou da Alemanha após a guerra, mas sim, a ameaça que o comunismo poderia exercer sobre as sociedades desestabilizadas e dizimadas na Europa e na Ásia. Para Forrestal, era fundamental manter a União Soviética fora da guerra contra o Japão. Ele acreditava tão firmemente em suas teorias que chegou a cultivar algumas negociações unilaterais com autoridades japonesas nesse sentido. Muitos viram essa atitude de Forrestal como uma espécie de insubordinação ao Presidente Roosevelt e ele foi desautorizado por seus superiores, tirando qualquer efeito das negociações. ZACHARIAS, Rear Admiral Ellis M., em "How We Bungled the Japanese Surrender," Look Magazine, June 6, 1950. Disponível em http://ussslcca25.com/zach12.htm. Acesso em 20/03/2010. A atitude de Forrestal e a reação de Roosevelt foram eventos que deram margem à vertente historiográfica liderada por Gar Alperovitz.. 33 Thomas G. Paterson é professor emeritus de História na University de Connecticut . É autor de SovietAmerican Confrontation (1973), Meeting the Communist Threat (1988), On Every Front (1992), Contesting Castro (1994), America Ascendant (com J. Garry Clifford, 1995), e A People and a Nation (com Mary Beth Norton et al., 2001). Também é editor de Cold War Critics (1971), Kennedy's Quest for Victory (1989), Imperial Surge (with Stephen G. Rabe, 1992), The Origins of the Cold War (com Robert McMahon, 1999), Explaining the History of American Foreign Relations (com Michael J. Hogan, 2004) e Major Problems in American Foreign Relations ( com Dennis Merrill, 2010). Com Bruce Jentleson, ele foi editor senior da American Encyclopedia of International Relations (1997) e fez parte da junta editorial do Journal of 31 creditava a Guerra Fria tanto à hostilidade soviética, quanto aos esforços dos Estados Unidos em dominar o mundo pós-guerra. Para ele, inclusive, o confronto resultou muito mais da atuação desastrosa das lideranças daquele momento histórico, do que das falhas ou tendências das estruturas e instituições vigentes, argumentando que caso Roosevelt não tivesse perecido em 1945 e a linha de relacionamento com Stalin houvesse sido mantida, a Guerra Fria poderia ter sido evitada ou amenizada. Em sua opinião, a impulsividade de Truman e o ímpeto anticomunista da equipe que o assessorava 34, somados à agressividade e constante paranoia de Stalin, é que se constituíram, na verdade, as principais determinantes de toda a tensão. Em The Limits of Power: The World and U.S. Foreign Policy, 1945–1954 (1972), Joyce e Gabriel Kolko, também revisionistas, argumentaram que a política externa norte-americana era tanto anti-comunista, quanto anti-revolucionária, ou seja, que estava voltada não necessariamente contra a influência soviética em si, mas contra qualquer ameaça às prerrogativas econômicas e políticas que gozavam no mundo: para defendê-las usariam ações militares, ou qualquer outro meio que julgassem necessário. No sentido que lhe é dado pelos historiadores revisionistas, portanto, a Guerra Fria teria sido menos uma história da rivalidade entre dois blocos ideológicos divergentes e mais a descrição dos meios pelos quais os estados dominantes de cada bloco controlavam e disciplinavam sua própria população e clientela e também sobre quem dava apoio e se beneficiava com a crescente produção de armas e com a ansiedade política criada a partir da percepção de uma ameaça externa35. Durante a década de 1970 e, principalmente nos últimos anos da década de 1980, uma liberdade maior de produção intelectual permitiu o acesso de pesquisadores do Ocidente a importantes arquivos soviéticos, oferecendo aos historiadores novas perspectivas sobre o estudo das origens da Guerra Fria, mesmo que as fontes soviéticas, evidentemente, fossem bem mais limitadas do que as ocidentais. American History and Diplomatic History. Presidiu a Society for Historians of American Foreign Relations, que em 2008 o homenageou com o Laura e Norman Grabner Award por sua atuação no ensino das relações internacionais. 34 Referindo-se, no caso, a Dean Acheson, a George Marshall, a George Kennan e, em especial a James Forrestal. 35 Vide mais sobre a historiografia revisionista em HALLIDAY, Fred. "Cold War". The Oxford Companion to the Politics of the World. Oxford University Press Inc., 2001, page 2e. 32 É importante deixar claro que ainda existe uma quantidade considerável de documentos da KGB36 relacionados à política externa, às atividades militares e ao Politburo37 russo que permanecem tão secretos e inacessíveis quanto o foram na era de Stalin. Muitos dos documentos liberados para o público acadêmico ao longo da última década foram retirados de circulação quando se mostraram controversos ou ameaçaram os interesses da elite política russa, mas, com o que havia disponível, a interpretação ― revisionista‖ sofreu uma reação crítica em seu próprio interior e originou uma terceira corrente historiográfica, denominada pós-revisionista. Os pós-revisionistas aceitavam boa parte dos preceitos revisionistas, mas negavam os que colocavam exclusivamente sobre os Estados Unidos a responsabilidade sobre o conflito. O trabalho pós-revisionista mais importante foi The United States and the Origins of the Cold War – 1941-1947, publicado em 1972 por John Lewis Gaddis. Criando uma nova escola de pensamento sobre a Guerra Fria, ele clamava sintetizar maior variedade de interpretações sobre as origens do conflito, criticando estudiosos ― revisionistas‖, como Williams, cujos estudos apontando as influências da economia sobre a diplomacia americana ele reconhece como importantes, mas falhos, ao subestimar outras forças igualmente formidáveis, como a limitações de ação políticas decorrentes da democracia, a inércia burocrática e as características pessoais dos líderes de ambos os bloco, além de ignorar que percepções inadequadas ou incorretas sobre as intenções soviéticas, também afetaram a ação dos funcionários do Departamento de Estado. Em 1997, já sob a luz dos arquivos liberados pelos soviéticos, Gaddis escreveu um ensaio, We know now: rethinking Cold War History, no qual se pergunta se em princípios de 1945 seria 36 KGB é o termo utilizado para a abreviação em russo de Komite Gosadarstvennoy Bezopasnosti ou Comitê de Segurança Estatal. Foi a agência de segurança nacional da União Soviética entre 1954 e 1991 e sua principal organização de segurança internacional, inteligência e polícia secreta durante esse período. Atualmente, é a agência de Segurança Estatal da Republica de Belarus quem usa o nome russo de KGB. A maioria dos arquivos da KGB russa continua secreta, mas há duas fontes online que disponibilizam documentos Uma delas contém arquivos de Andrei Sakarov, Joshua Rubenstein e Alexander Gribanov, disponível em http://www.yale.edu/annals/sakharov/sakharov_list.htm>, em russo e em inglês. O outro, está em <http://psi.ece.jhu.edu/~kaplan/IRUSS/BUK/GBARC/buk.html> , e se relaciona a documentos do Partido Comunista Soviético e da KGB, coletados por Vladimir Bukovsky. 37 Politburo é um acrônimo do russo Politicheskoe Byuro, contraído para Politbyuro, ou do alemão Politbüro. Trata-se de um comité executivo de numerosos partidos políticos relacionado aos antigos partidos comunistas do Leste Europeu e ao Partido Comunista de Cuba. Durante o período soviético, como era o Partido Comunista que dominava a sociedade, o Politburo do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética acabou se transformando, na época da Zastóia (Estagnação), na mais alta associação do país e seus vinte e sete membros plenos tinham o poder de decidir o futuro da nação. Disponível em <www.britannica.com/EBchecked/topic/467548/Politburo>. Acesso em 27/02/2011. 33 possível prever que a aliança do período de guerra iria desintegrar-se em poucos meses, deixando em seu lugar quase meio século de Guerra Fria. Ele conclui que não. Baseado principalmente na ampla obra de George Kennan, seu mentor intelectual, Gaddis afirma que geografia, demografia e tradição podem efetivamente ter contribuído para o confronto, mas não o determinaram. Apesar de não imputar a nenhum dos dois lados a total responsabilidade pelo conflito, o historiador ― pós-revisionista‖ argumentou em seu ensaio que os soviéticos tiveram maior culpa sobre a forma que os problemas emergiram, pois Stalin tinha mais condições de se comprometer com a paz, liderando um governo autocrático, do que Truman. O presidente americano, à frente de um regime democrático, sofria a feroz oposição interna do macarthismo -que influenciou as massas e boa parte das politicas mais radicais adotadas no período - e tinha que lidar com ela da melhor forma possível para manter-se no poder. Assim, de acordo com Gaddis, os homens no poder, respondendo de forma imprevisível às circunstâncias, é que desencadearam o processo que levou ao conflito e Stalin, em especial, com seu autoritarismo, paranoia e narcisismo, o selou de forma irreversível. Três anos após ter escrito o ensaio citado acima, Gaddis o justifica em comentário feito no prefácio da reedição de The United States and the Origins of the Cold War, afirmando que a abertura dos arquivos soviéticos e o distanciamento dos fatos lhe haviam permitido ver os acontecimentos, retrospectivamente, de forma bem mais clara que em 1972, mas reitera sua opinião de que o Partido Democrata e os congressistas daquele período tiveram um papel proeminente na configuração da política externa durante a Segunda Guerra e no início da Guerra Fria. Ele afirma ainda que na época da primeira edição do The United States and the origins of the Cold War, sua maior preocupação era com arquivos, teorias, quantificações, metodologia e historiografia, esquecendo-se de algo que, em nenhum momento, os Presidente Truman e Roosevelt perderam de vista: que operavam limitados por um ambiente político doméstico altamente contencioso e que tinham pouca margem para conduzir a política externa da forma que gostariam. Ou seja, os novos questionamentos levantados pelos pós-revisionistas, mostraram-se mais sensíveis às nuances do processo e ofereceram mais destaque às ações e perspectivas dos dois 34 lados, com menor interesse em questionar quem dera início a ele38. Essa linha de pesquisa examina como os atores da Guerra Fria sentiam e percebiam cada um dos eventos que levaram a ela, bem como a incompatibilidade entre os dois lados impediu que compreendessem adequadamente a evolução da aliança feita durante a guerra ou as disputas que se seguiram após seu termino39. Esta tese se encaixa principalmente na linha historiográfica pós-revisionista - apesar de concordar com alguns dos conceitos revisionistas, como a questão da expansão dos mercados externos - pois a pesquisa foi voltada, em especial, para a tentativa de compreender como características pessoais de um grupo seleto de atores políticos poderia tê-los levado a atuar de forma incisiva na aplicação da política de Contenção e como suas motivações e trajetórias se cruzaram, determinando e sendo determinadas pelo processo que levou à Guerra Fria. 38 39 Vide mais concepções pós-revisionistas sobre as origens da Guerra Fria nas obras de John Lewis Gaddis e de Melvin Leffler, comentadas em Peter Bastian, Interpreting the Cold War from Soviet Sources, Teaching History, Vol. 35, No 4. December, 2001, pp.5-10. John Lewis Gaddis também recomenda a leitura de Michael Hogan, Frank Costigliola, Elaine Tyler May, Marc Trachtemberg, Aaron Friedberg, Anders Stephenson e Carolyn Eisenberg, entre outros, para compreender com maior profundidade o papel dos Estados Unidos nos primeiro anos da Guerra Fria. HALLIDAY, 2001. Op. cit. 35 2. George Kennan e a doutrina de contenção Em fevereiro de 1946, as opiniões de Washington sobre o comportamento agressivo do governo soviético em relação ao Leste Europeu eram muito variadas. Havia oficiais do Departamento de Estado e da Defesa - como Dean Acheson, George F. Kennan e James Forrestal - que tinham clara percepção das diferenças ideológicas existentes entre os dois países e que se mostravam céticos em relação a compromissos definitivos com Moscou40. Por outro lado, também havia políticos liberais norte-americanos - como o senador Henry Wallace, ou o influente jornalista Walter Lippmann – que, influenciados pelo espírito rooseveltiano que prevalecera durante a guerra, ainda se esforçavam para ver as coisas sob o enfoque soviético, sem compreender porque estes se comportavam de forma tão beligerante em relação ao Ocidente41. Nesse clima, uma atitude do líder soviético acelerou a preocupação dos mais céticos quanto á parceria americano-soviética. Em 09 de fevereiro de 1946, em campanha eleitoral, Joseph Stalin declarou em palanque que a Segunda Guerra havia sido causada por contradições inerentes ao capitalismo e que, apesar dos soviéticos e seus aliados ocidentais ― amantes da liberdade‖ terem lutado juntos por uma causa comum - eliminar o nazismo - as ― hostilidades‖ do sistema internacional e o ― cerco‖ que o capitalismo fazia aos países soviéticos, criavam uma forte incompatibilidade entre Comunismo e Capitalismo e, 42 eventualmente, poderiam levar a uma nova guerra . Tal discurso foi identificado pela historiografia como o primeiro sinal de ruptura no clima de boa vontade incondicional de Washington em relação aos soviéticos, mesmo entre os mais 40 Vide The Forrestal Diaries, p. 134-135; Gaddis, The US and the Origins of the Cold War, p. 299-301; Acheson, Present at the Creation, p. 150-151. 41 Durante a guerra, internacionalistas como Cordel Hull argumentaram que a crise global dos anos 1930 havia sido causada, em parte, pelo mau funcionamento da economia internacional: tarifas protetoras, concorrência desleal, acesso irrestrito a matérias primas, políticas governamentais autárquicas, etc. Para evitar que esses erros voltassem a ocorrer, os Estados Unidos decidiram comprometer-se com a criação de uma nova ordem internacional, benéfica aos interesses do capitalismo ocidental. Daí a série de acordos internacionais firmados entre 1942 e 1946 (FMI, BIRD e GATT). Os países que desejavam obter os recursos disponíveis para reconstrução e desenvolvimento sob esse novo regime econômico, viram-se obrigados a aceitas as exigências americanas de livre conversibilidade das moedas e a da livre concorrência (como fizeram o ingleses, a contragosto) ou afastar-se totalmente do sistema (como fizeram os russos, quando perceberam a sua incompatibilidade com os controles socialistas). 42 Discurso de Stalin em 03/01/1946 registrado em Vital Speeches. In ISAACSON e THOMAS 1986, p. 350 36 bem intencionados. Paul Nitze 43, futuro chefe do Gabinete de Planejamento Político (Political Planning Staff – PPS) do Departamento de Estado, era um republicano realista que, juntamente com outros companheiros no governo, como Charles Bohlen, James Forrestal, William A. Harriman e Robert Lovett, mantinha-se em permanente alerta quanto a qualquer movimento expansionista do comunismo em relação ao Ocidente. Alarmado com o conteúdo implícito no discurso do ditador soviético, Paul Nitze contatou o Sub-Secretário da Defesa, James Forrestal, no Pentágono, para lhe dizer que tais palavras significavam uma declaração indireta de guerra aos Estados Unidos. Sem necessidade de ser convencido, já que Forrestal também tinha sérias reservas quanto à possibilidade de uma parceria produtiva entre americanos e soviéticos, o Secretário da Defesa encaminhou Nitze para Dean Acheson, então Vice-Secretário de Estado. Menos impulsivo e apesar de não acreditar que o problema tivesse a gravidade que Forrestal e Nitze intuíam, Acheson solicitou a George Kennan - um brilhante, mas obscuro oficial diplomático temporariamente encarregado dos assuntos russos na embaixada americana em Moscou - uma análise política que explicasse ―asorigens da conduta soviética‖. Diplomata de carreira e uma das mais conceituadas autoridades de sua era sobre os costumes, tradições e cultura russa, George Kennan enviou a seu superior um longo telegrama analítico44, expondo de forma clara e didática o seu ponto de vista sobre o tema e com isso desencadeou um processo que afetaria a a política externa norte-americana por quase meio século. Para Kennan, pelo próprio caráter da ideologia marxista, os líderes soviéticos não reconheciam qualquer oposição a seu sistema, não importando sob que mérito ou justificativa, exceto, em teoria, ― a que derivasse de forças hostis e incorrigíveis do capitalismo decadente‖. 43 Paul Nitze começou sua carreira política durante a 2ª. Guerra, no staff de James Forrestal quando esse militar ainda era Assistente Administrativo do presidente Roosevelt. Haviam trabalhado juntos na Dillon, Read em Wall Street. Nessa época, conheceu seu antecessor George Kennan no restaurante de um trem que ia para Nova York. Após discutirem amigos em comum, como Charles Bohlen, Kennan partilhou com ele suas opiniões radicais sobre o comportamento dos soviéticos e ambos perceberam que tinham muito em comum. Com idéias ainda mais radicais que as do diplomata, Paul Nitze irá substituí-lo, em 1950, na chefia do Departamento de Planejamento Político (Policy Planning Staff – PPS) . Nesse cargo, Paul Nitze tornou-se o principal autor de um documento altamente secreto emitido pelo Conselho de Segurança Nacional, o NSC-68, cujo objetivo era delinear as linhas estratégicas a serem adotadas pelos Estados Unidos para ― conter‖ a expansão armamentista dos soviéticos. Vide mais em NITZE, Paul. From Hiroshima to Glasnost: At the center of decision. New York, Grove Press, 1989. 44 KENNAN, George F. The sources of Soviet Conduct. In American Diplomacy. Chicago: The University of Chicago Press, 1951, 1979, 1984, p.107-128 37 Como qualquer oposição era vista pelos governantes russos como uma reação antagônica de forças estrangeiras contra o poder soviético, para defender-se, eles passaram a enfatizar de forma dramática a tese comunista original, qual seja, a da existência de um conflito estrutural entre os mundos capitalistas e socialistas. Essa prática tinha uma importante finalidade: manter em funcionamento e sob o firme controle do governo órgãos de repressão como o exército e a polícia secreta, com a finalidade de conservar as ameaças externas ao largo. Com o passar do tempo, o cultivo do semi-mito de hostilidade estrangeira implacável ajudou a promover a expansão da máquina burocrática e militar soviética e garantiu a segurança de seus governantes - por meio de uma disciplina de ferro do Partido, da severidade e ubiquidade da polícia secreta e do descompromissado monopólio econômico do Estado. Em seu relatório, Kennan observou também que grande parte da estrutura de poder soviética estava diretamente envolvida, ou com o aperfeiçoamento da ditadura de Stalin, ou com a manutenção do conceito de que a Rússia vivia em permanente estado de sítio, com inimigos se amontoando em torno de suas fronteiras. Sob tal background histórico, ficava claro porque qualquer tentativa dos Estados Unidos em reatar ou intensificar relações diplomáticas ou comerciais com os soviéticos seria vista por eles sob um prisma de desconfiança. Por considerarem os objetivos e interesses do mundo capitalista antagônicos aos seus, qualquer acordo firmado pelo Kremlin durante uma eventual parceria com os governos ocidentais - como a que fizeram para derrotar Adolf Hitler - seria considerado mera manobra tática, permissível apenas para lidar com um inimigo (que, sendo inimigo, não teria qualquer honra e portanto, dispensava conflitos morais na quebra posterior de qualquer compromisso). Ou seja, para Kennan, a contínua manutenção do antagonismo ideológico pelos russos poderia explicar, de certa forma, os fenômenos que tanto perturbavam os observadores ocidentais na condução da política externa do Kremlin: o permanente segredo nas ações governamentais, a constante falta de franqueza dos oficiais públicos, a duplicidade no discurso político de Stalin, as inefáveis suspeitas de guerra e, principalmente, a falta de propostas basicamente amigáveis no relacionamento entre os dois países. Nessa perspectiva, no entanto, ele reconhece que apesar de ser muito difícil para os Estados Unidos lidarem de forma adequada com os russos, aquele país havia sofrido muitas perdas 38 durante a guerra e não existia, em curto prazo, qualquer risco de revolução imediata que ameaçasse subverter a ordem capitalista no Ocidente. Ainda assim, Kennan recomendava a seus superiores uma política externa voltada para ― a contenção de longo prazo, firme e vigilante, das tendências expansionistas soviéticas‖. Na prática, essa contenção significaria uma vigilância direta sobre o estado socialista, contraatacando pontualmente cada uma de suas manobras políticas e geográficas até que, por uma série de circunstâncias internas - seja pela crueldade da ditadura, seja como fruto da desilusão popular com o ideal socialista - o comunismo entrasse em colapso e se auto-destruísse. Kennan sabia que meras atitudes diplomáticas em si, não seriam suficientes para apressar a queda do poder soviético, mas acreditava que, estrategicamente aplicadas, algumas medidas poderiam intensificar o stress sob o qual a política soviética operava, forçando o Kremlin a agir com moderação e circunspecção bem maiores do que as apresentadas nos anos anteriores, até que, eventualmente, os Estados Unidos encontrassem meios concretos para promover a queda, ou a eventual dissolução do poder soviético. Esse telegrama chegou a Washington num momento providencial para oficiais militaristas que, como James Forrestal, lutavam para conscientizar os políticos e a opinião pública isolacionista sobre as transformações que estava tendo lugar na governança internacional, uma vez que seu conteúdo ecoava os temores dos defensores de uma linha-dura contra os soviéticos: ― o governo russo é impermeável à lógica da razão, mas altamente sensível à lógica da força, (...) só retroagindo quando encontra forte resistência à sua frente‖. Essa clara alusão à necessidade de uso militar para ― conter‖ o expansionismo soviético - que já se manifestava no Leste Europeu - era atraente demais para os militarista, chegando a obscurecer outras recomendações mais moderadas feitas por Kennan, como o desenvolvimento de programas de propaganda capitalista, ou de esforços conjugados na reconstrução da vitalidade econômica e espiritual do Ocidente. Kennan foi imediatamente chamado de volta a Washington45, iniciando uma trajetória política apoteótica. Oficialmente, palestrava em universidades e academias militares norteamericanas, esclarecendo opiniões e fazendo um intenso trabalho de conscientização pública. Extra-oficialmente, preparava as estruturas de uma agencia centralizada de inteligência - a 45 Quando escreveu o Longo Telegrama, em fevereiro de 1946, George Kennan ocupava o posto de Chargé D`Affairs da Embaixada Americana em Moscou. KENNAN, Op. cit., 1992. 39 futura CIA - e planejava a implantação de uma série de medidas institucionais que visavam fortalecer o capitalismo no ocidente, como o Plano Marshall ou o BIRD, enquanto acumulava um poder simbólico extraordinário na cúpula do poder. Ora, George Kennan era um funcionário público de longa data. Já havia exposto seu pensamento de forma pragmática e alertado seus superiores sobre o perigo da leniência em relação aos soviéticos em centenas de relatórios anteriores. Por mais de dez anos, suas recomendações – as mesmas - encheram gavetas e gavetas do Departamento de Estado, sem nunca terem chamado a atenção de ninguém. Por que, repentinamente, ele se transformou no guru político da moda entre os membros no alto escalão governamental de Truman? Porque, aparentemente, o que fez do Longo Telegrama um documento tão influente em Washington, não foi o que Kennan expunha nele, mas o fato de seu conteúdo, naquele momento, conter exatamente o que Washington queria ouvir. Ele deu voz e autoridade à uma inquietude ainda inarticulada que começava a crescer entre alguns membros do governo e unificou a proposta governamental de política externa sob uma única palavra: contenção. Ou seja, a facção hegemônica que ascendera às camadas centrais do poder com Truman e que pretendia impor sua visão internacionalista de mundo e afastar contendores, só lograria seu intento em longo prazo se pudesse contar com o apoio das grandes massas e de seus representantes no Congresso. Como esse apoio só lhes seria outorgado quando os populares se identificassem com as políticas propostas, eles se viram instados a comissionar intelectuais como Kennan para ― criar‖ universalidades que atendessem a seus propósitos de dominação. Nos Estados Unidos do pós-guerra, existiam duas forças antagônicas relacionadas à prática de política externa. De um lado, distinguia-se um grupo tradicionalmente isolacionista, interessado em solucionar os problemas internos do país sem envolver-se com as mazelas das outras nações. De outro, posicionavam-se os internacionalistas, que ansiavam ampliar a influência norte-americana mundialmente e evitar que a expansão de outras potências - no caso, a União Soviética - ocupassem espaços que acreditavam seus de direito. Apesar de adversárias na disputa pela hegemonia e co-dependentes do voto popular para se manterem no poder, ambas eram facções de elites burocráticas ou tradicionais que tinham plena consciência de que a unidade seria um pré-requisito fundamental para partilharem um mesmo projeto de governo, principalmente em face da aparente ameaça externa que se configurava com as ações da União Soviética no Leste Europeu. 40 Para os adeptos ferrenhos do internacionalismo que almejam mais espaço no governo, qual seria a melhor forma de amenizar o confronto político internamente, incentivar a internacionalização para dar vazão ao crescimento da produção interna e manter a hegemonia das elites burocráticas e tradicionais sem rupturas? Em primeiro lugar, incumbindo intelectuais de sua facção democrata e internacionalista de conscientizar o outro lado do campo –republicano e isolacionista – da existência de interesses comuns entre eles, garantindo o sprit de corps da elite contra forças sociais externas e internas, representadas pelo comunismo. Para reforçar esse objetivo, Kennan foi providencialmente trazido de Moscou para Washington para perorar contra o sistema stalinista em toda e qualquer audiência de civis ou militares que tivesse formadores de opinião. Mas a conscientização era apenas um primeiro estágio do processo. O estágio seguinte seria criar e preencher cargos no aparato administrativo, cultural e coercitivo do Estado de forma a assegurar o consentimento passivo das classes populares e de seus representantes às novas práticas internacionalistas e militaristas que pretendiam colocar em funcionamento. Isso também foi possível – sob a batuta de Kennan - com a criação do Gabinete de Planejamento Político e posteriormente, de instituições como o Plano Marshall 46, o BIRD47, a CIA48, a NATO49, etc. Ou seja, quando o Longo Telegrama chegou a Washington, seu conteúdo ofereceu a justificativa moral – defesa contra uma ameaça externa - que a facção no poder necessitava 46 O Plano Marshall foi o Programa de Recuperação Européia (ERP) criado em 1947 para a reconstrução econômica dos países aliados, nos anos seguintes á Segunda Guerra. A iniciativa recebeu o nome do então Secretário de Estado George Marshall. Informações e documentos relacionados ao plano estão em USAID, disponível em http://www.usaid.gov/multimedia/video/marshall/. Acesso em 27/02/2011 47 O Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) se propõe a reduzir a pobreza em países pobres promovendo desenvolvimento sustentável por meio de empréstimos, garantias, produtos de gerenciamento de risco e serviços de analise e aconselhamento financeiro. Estabelecido em 1944 como uma instituição do Banco Mundial, o BIRD está estruturado como uma cooperativa que pertence e é operada em benefício de seus 187 países-membros. In WORLD BANK. Disponível em http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/EXTABOUTUS/EXTIBRD/0,,menuPK:3046081~pagePK: 64168427~piPK:64168435~theSitePK:3046012,00.html. Acesso em 27/02/2011. 48 A Agência Central de Inteligência (CIA) é uma agencia civil de inteligência do governo dos Estados Unidos que se reporta ao Diretor de Inteligência Nacional e é responsável por promover inteligência de segurança nacional aos políticos de alto escalão norte-americanos. A CIA também se envolve em atividades encobertas a pedido do presidente dos Estados Unidos e foi criada pelo Ato de Segurança Nacional de 1947. In CIA. Disponível em https://www.cia.gov/about-cia/history-of-the-cia/index.html. Acesso em 27/02/2011. 49 A Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), também chamada de Aliança Atlântica, é uma organização internacional de cooperação militar estabelecida entre 28 países democráticos na Europa e América do Norte, em suporte ao Tratado do Atlântico Norte assinado em Washington em abril de 1949. In NATO. Disponível em http://www.nato.int/cps/en/SID-A04ADEA6-9DB793D1/natolive/57772.htm . Acesso em 27/02/2011. 41 para construir a universalidade de interesses que desejava, provocando a adesão popular a seu projeto de governo. Ao amplificar ainda mais as ameaças externas pré-existentes, Kennan acentuou a necessidade de proteção pelo Estado e consequentemente, reforçou a legitimação política de seus dirigentes. Todo os oficiais convocados para colocar em prática a política de contenção à expansão soviética – desde Forrestal, Marshall, Bohlen, Kennan, Acheson, McCloy e Lovett até o mais insignificante oficial do Departamento de Estado – deveriam ocupar o aparato administrativo da máquina política enquanto o Presidente Truman, apoiando-se habilmente em uma coalizão apartidária, lhes outorgaria poderes para amplificar os eventos que garantiriam a ― universalidade‖ de propósitos de seu governo. A estratégia de utilizar a produção simbólica de um grupo de acólitos para dar suporte à hegemonia do grupo dirigente no pós-guerra, no entanto, gerou no médio prazo uma consequência inesperada: permitiu a consolidação no poder da elite burocrática que emergira durante o governo Roosevelt. Detentores de grande capital intelectual, alguns membros oriundos de classes médias e desprovidos de capital financeiro ou político - como Kennan, McCloy ou Forrestal – tiveram suas trajetórias intimamente entrelaçadas com os campos do poder político e econômico. É importante lembrar a essa altura que, à medida que novas estruturas liberais se consolidavam, tendências isolacionistas e poder tradicional da riqueza hereditária se dissipavam ao longo das décadas de 1940 e 1950, levando o domínio político no país a entrar em rotatividade. Ou seja, durante a década de 1930, paralelamente à emergência de novas instâncias de poder, novas oportunidades de ascensão social foram oferecidas a egressos da classe média e detentores de profissões especializadas, como o Direito, em cargos públicos criados na máquina política por programas sociais e acordos relacionados ao New Deal. Com frequência cada vez maior, membros periféricos do campo politico, apoiados em grandes volumes de capital intelectual - como Harry Hopkins50, George Kennan, James 50 Harry L. Hopkins era filho de um pequeno comerciante e cresceu vendo sua mãe participar ativamente de atividades assistenciais promovidas pela igreja metodista local. Influenciado por ela, logo após graduar-se em Cornell, empregou-se em uma entidade assistencial do gueto do Lower East Side de Nova York. Em 1915, sempre atuando em entidades voltadas para a criação de empregos, organizou um dos primeiros programas públicos nesse sentido estabelecidos nos Estados Unidos e foi apontado pelo prefeito de Nova York, John Purroy Mitchel, como secretário executivo no Bureau de Bem Estar Infantil, que administrava pensões para mães com filhos dependentes. Foi gerente geral da Cruz Vermelha durante a 1ª. Guerra Mundial e a seu 42 Forrestal e John McCloy - passaram a galgar posições cada vez mais importantes nas esferas da política ou da economia. Truman, per si, é um modelo capitular desse perfil51. Originário das camadas inferiores e tendo atingido o centro do poder burocrático legal por meio de várias estratégias pessoais envolvendo capital social acumulado no período da 1ª. Guerra e fraternidades sociais, o presidente procurou aconselhar-se sobre política externa, na medida do possível, com acólitos com os quais se identificasse, qual seja, com os que tivessem origens, valores ou méritos semelhantes aos seus sem, no entanto, desprezar os que vinham de boa linhagem e que poderiam fazer-lhe a ponte com o poder emergente ou tradicional, como era o caso de William Harriman, ou Robert Lovett. Servidores políticos como Harriman, Lovett, Acheson e McCloy receberam cargos de confiança do Presidente na área de política externa e, após outorgar-lhes poder político para intermediar relações entre Administração e Senado, Truman raramente interferia em seus projetos52. término, passou a atuar em projetos de saúde pública. Diretor Executivo da Administração Emergencial de Auxilio Desemprego (TERA) quando Roosevelt era governador de Nova York, chamou sua atenção por ter administrado com eficiência os US$ 20 milhões destinados àquela agencia. Ao ser eleito presidente dos Estados Unidos, Roosevelt atraiu Hopkins para sua equipe e este, devido a uma longa amizade com Eleanor Roosevelt, pode fortalecer ainda mais seu papel em programas de alívio social. Durante a 2ª. Guerra, foi enviado à Inglaterra como emissário extra-oficial do presidente e tornou-se o principal administrador do Lend-lease, um projeto do governo norte-americano no valor de US 50 bilhões, que visava suprir militarmente a Inglaterra para conter a invasão germânica. Posteriormente, por sugestão de Hopkins, a União Soviética e a China foram incluídas no programa e Hopkins foi o oficial norte-americano que mais manteve contatos diretos com Joseph Stalin. Atuou como conselheiro de Roosevelt em vários encontros com Churchill e sua influencia individual era maior do que a de todo o Departamento de Estado. Após a morte do presidente em abril de 1945, Hopkins tentou renunciar, mas Truman não aceitou sua demissão e o enviou para uma última missão a Moscou, já que durante a Guerra, fora o mais importante oficial a contatar os russos, desde os de graduação menos elevada até os mais graduados. Menos de um ano após a morte de Roosevelt, Hopkins faleceu de câncer, em Nova York. Disponível em Britannica Encyclopaedia. Disponível em http://www.britannica.com/EBchecked/topic/271544/Harry-L-Hopkins. Acesso em 27/02/2011. 51 Ao contrário de Franklin D. Roosevelt, que era originário das camadas superiores da sociedade norteamericana, Harry Truman vinha de uma família humilde e viveu sua infância em precária situação financeira. Impossibilitado de cursar a universidade como os jovens da elite, ele ingressou na vida profissional com empregos variados, trabalhando desde bancário até agricultor. Nos primeiros anos da década de 1920, ingressou no Partido Democrata e foi eleito juiz do Condado de Jackson por influencia de um cacique local. Para poder fazer frente às suas novas responsabilidades, finalmente fez um curso noturno de Direito em Kansas City e nas eleições de 1934 e 1940, foi eleito Senador pelo Kansas. Em 1944, chegou a vicepresidência da República na chapa de Franklin D. Roosevelt e com a morte do presidente em abril de 1945, foi catapultado para o cargo máximo da política norte-americana. In White House Library e Truman Library. Disponível em http://www.whitehouse.gov/about/presidents/harrystruman e em http://www.trumanlibrary.org/hst-bio.htm. Acesso em 27/02/2011. 52 ISAACSON & THOMAS, Op. cit. 1986, p. 452. 43 Servidores de carreira, como George Kennan e Charles Bohlen, por outro lado, exerciam funções burocráticas especificamente técnicas no aparelho estatal, qual seja, elaboravam políticas de recuperação econômica e tratados bilaterais com a Europa e com a Ásia, estruturando organismos supra-nacionais e de ajuda humanitária. Servidores militaristas, como George Marshall e James Forrestal, por sua vez, tinham cargos também de confiança e lidavam com projetos e ações relacionados à defesa nacional, como a elaboração do Plano de Segurança Nacional de 1947, a criação da NATO, a manutenção do Projeto Manhattan, etc. Dentre esses burocratas especialistas em política externa e em defesa - fossem eles de confiança, de carreira, ou militaristas– havia muitos que dependiam materialmente de seus cargos, como Kennan e Bohlen, mas também havia os que se colocavam à disposição dos governantes por desejarem o poder e o prestígio pessoal deles emanado, como Harriman e Lovett. Para serem merecedores dos privilégios que recebiam, atuavam no convencimento das massas e produziam os bens simbólicos que reforçavam a preponderância da facção que os convocara. Igualmente, eram responsáveis pela criação das visões universais de mundo que, além de submeter as classes subalternas à vontade das elites, facilitaria seu controle por meio do aparato coercitivo do Estado. Um estudo sobre as origens e trajetórias desses agentes sociais, delimitando os vínculos que criaram entre si ao longo de suas carreiras profissionais e políticas e que os levaram a reunirse em torno de Harry Truman para colocara em prática um novo estilo de política externa para os Estados Unidos, portanto, permitiria um enfoque único sobre as origens da Guerra Fria. Por questões metodológicas, as informações contidas nos Quadros que serão apresentados a seguir serão classificadas de acordo com as atividades que os pesquisados exerceram em relação à Guerra Fria, qual seja, Roosevelt e Truman, como servidores legais; Kennan e Bohlen como servidores burocráticos do Departamento de Estado; Harriman, Acheson, Lovett e McCloy como servidores políticos do Departamento de Estado ou Defesa e Marshall e Forrestal como servidores militaristas do Departamento de Estado e da Defesa. É importante ainda recordar que os quadros apresentados a seguir são sínteses de origens e trajetórias dos pesquisados e que, como seus dados foram levantados em biografias e memórias, estão reduzidos aos limites viáveis implícitos a tal empreitada. 44 Origens, trajetórias e capitais simbólicos da elite do poder Antes de proceder à discussão sobre origens e capitais simbólicos da elite do poder que será descrita nos Quadros abaixo, seria importante recordar o significado de dois conceitos importantes: poder e dominação. Por poder, entende-se a capacidade de induzir ou influenciar o comportamento de outra pessoa, utilizando-se de coerção, manipulação ou de normas estabelecidas. Dominação (ou autoridade), por outro lado, comporta o direito adquirido de se fazer obedecer e de exercer influência sobre um grupo, fundamentando-se a submissão em tradições e costumes institucionalizados, nas qualidades excepcionais de determinados indivíduos, em relações de afeto e de interesses, ou em regras estabelecidas racionalmente e aceitas por todos. Weber considera a dominação como uma forma de se exercer poder, já que numa relação entre dominador e dominado, existem bases jurídicas legitimando o domínio. A autoridade legal seria, portanto, o estado que permite o uso de certo poder e em seu estado ideal, vinculase a uma estrutura social e a um meio administrativo diferente para cada um dos três tipos de domínio para ser legitimada. Definidos poder e dominação a partir da formulação weberiana, cabe agora determinar o significado de elite do poder conforme os conceitos: a) de divisão do poder entre governantes e governados emitido por Gaetano Mosca53 (1858-1941), b) de luta das elites contra contendores no interior do campo político e econômico de Vilfredo Pareto54 (1848-1923) e c) da lei de ferro das oligarquias de Robert Michels 55 (1876-1936). 53 A teoria das elites surgiu com o filósofo e pensador político italiano, Gaetano Mosca que, ao publicar "Elementi di Scienza Política" (1896), estabeleceu os pressupostos do elitismo ao salientar que em toda sociedade, seja ela arcaica, antiga ou moderna, existe sempre uma minoria que é detentora do poder em detrimento de uma maioria que dele está privado. Esse restrito grupo de pessoas que detêm a força política é denominado por ele como classe dirigente. De acordo com esta teoria, as sociedades estão divididas entre dois grupos: governantes e governados. Os governantes são menos numerosos, monopolizam o poder e impõem sua vontade ao restante da sociedade valendo-se tanto de métodos legítimos, quanto arbitrários e violentos. CANCIAN, Renato. O poder político monopolizados pelos governantes. In UOL Educação. Disponível em http://educacao.uol.com.br/sociologia/ult4264u27.jhtm. Acesso em 27/02/2011. 54 PARETO, Vilfredo. Manual de Economia Política. São Paulo: Editora Nova Fronteira, 1990. 2 vol. 55 Robert Michels (1876-1936) foi um sociólogo alemão que analisou o comportamento político das elites intelectuais. Tornou-se socialista quando lecionava na Universidade de Marburg, tendo se envolvido com a ala radical do Partido Social Democrata alemão até 1907, quando o abandona, desencantado com a falta de 45 O conceito de elite do poder estabelecido por Mosca em 1896 não era uma ideia nova, já tendo sido discutida no trabalho de filósofos e pensadores como Maquiavel, Montesquieu e Marx, entre outros. A originalidade de seu enfoque, no entanto, se deve ao argumento de que para ele, a classe dirigente, ou seja, dos governantes, se constituiria sempre em uma minoria detentora do poder por ser mais organizada. Ou seja, que a afinidade de interesses econômicos, de classe, ou de filiação ideológica, permitiriam que grupos de elite – a elite do poder - criassem vínculos de homogeneidade e solidariedade entre si e, assim fortalecidos, se vissem melhor aparelhados para apropriar-se de instrumentos e recursos que lhes permitissem exercer dominação sobre o restante da sociedade (um grupo bem mais numeroso, mas menos capaz de se articular). Apesar de concordar com a teoria das elites de Mosca, Vilfredo Pareto mostrou-se preocupado com a interação entre as diversas elites do poder e classificou as elites políticas e as elites econômicas como as mais importantes na sociedade, além de ter destacado em seu estudo que os vários grupos que as compunham também passavam por processos de ascensão e decadência e, que por meio de luta interna, eles se sucediam uns aos outras no exercício da dominação política. Ele considerava como ― ordem natural‖ das coisas a existências de desigualdades sociais em qualquer sociedade, acreditando que eram essas desigualdades que contribuíam diretamente para o surgimento das elites econômicas e políticas. Ampliando o pensamento de Mosca e Pareto, surgiu o trabalho de Robert que analisaria a dinâmica da política democrática no interior de partidos políticos de massa. Baseado em evidências empíricas, Michels demonstrou que mesmo em organizações partidárias comprometidas com os princípios de igualdade e democracia - como partidos políticos de massa, sindicatos, corporações e grandes organizações sociais - existiam fortes tendências à elitização e à concentração de poder nas mãos de um grupo restrito de pessoas, por meio da lei de ferro das hierarquias. Ele constatou que organizações, partidos políticos ou movimentos sociais até poderiam surgir em decorrência de verdadeiros objetivos igualitários e democráticos, mas que, com o tempo, a tendência à elitização também se manifestaria em seu democracia no interior do partido. Em sua obra Partido Políticos: um Estudo Sociológico das Tendências Oligárquicas da Democracia Contemporânea (1916) ele analisou a lei de ferro da oligarquização nos sindicatos e partidos operários, e ao longo dos anos 20 e 30, escreveu sobre nacionalismo, socialismo e fascismo italiano, o papel dos intelectuais e das elites, a mobilidade social, a história das ciências sociais. Foi muito criticado por seu tom desiludido em relação á democracia e por sua tendência elitista. In Britannica Encyclopaedia. Disponível em http://www.britannica.com/EBchecked/topic/380041/Robert-Michels . Acesso em 27/02/2011. 46 interior e que um grupo sempre acabaria se sobrepondo aos demais para fazer valer suas vontades. Seria interessante que o leitor tivesse esses conceitos em mente ao fazer a leitura dos Quadros abaixo, que procuram representar as principais características de uma elite de poder, lembrando que fora do campo dos estudos acadêmicos, o termo elite também se refere aos grupos hierarquicamente superiores em organizações burocráticas educacionais, sociais, econômicas, religiosas ou militares. 3.1 Servidores legais A construção do perfil de atores sociais que atingiram as mais altas posições do governo norte-americano no período de 1945 a 1950 visa proporcionar um entendimento mais claro de como história e biografia podem se combinar para modelar o curso da política, sempre lembrando que cada época escolhe e forma seus representantes políticos e que, longo do século XX e especialmente após a Primeira Guerra Mundial, o conteúdo e a importância das instituições políticas nos Estados Unidos sofreram grandes alterações estruturais. A partir do desenvolvimento industrial daquele país e da necessidade de um Estado permeável aos interesses de uma nova classe emergente, a organização política dos Estados Unidos precisou ampliar seu alcance e aproximar-se mais de quase todas as instituições sociais, favorecendo a participação popular. Como as crises sistêmicas resultantes de tais transformações estruturais não conseguiam mais ser solucionadas com medidas políticas fundadas nas velhas bases locais e descentralizadas que haviam caracterizado o período préindustrial, a sociedade começou, lentamente, a se voltar para o Estado em busca de socorro. A demanda centralizadora modificou e ampliou a forma e o poder do Estado, aumentando igualmente a influencia dos grupos sociais que conseguiam conquistá-lo apropriando-se das instituições políticas que o sustentavam. No período entre 1945-1950, o cargo da Presidência foi ocupado por dois membros do Partido Democrata: Franklin D. Roosevelt, que em seu quarto mandato consecutivo, o ocupou por pouco tempo, vindo a falecer pouco mais de três meses depois da posse e por Harry Truman, seu vice, que se instalaria no cargo até o fim do mandato, reelegendo-se posteriormente, até 1952. 47 Como se pode observar no quadro abaixo, durante ambos os governos, grandes transformações no cenário externo, causadas pela crise de 1929, pela emergência dos estados fascistas e pelos movimentos operários, deram à vitória dos Aliados na Europa em 1945 uma dimensão muito maior e as decisões tomadas por eles configurariam uma nova ordem internacional, determinando e consolidando a hegemonia dos Estados Unidos sobre o mundo capitalista e ocidental. Quadro I. Origens, Capitais Simbólicos e Trajetórias de Servidores Legais Franklin D Roosevelt Origem Fratrias familiares e sociais (30/01/1882 a 12/04/1945) Hudson Valley, New York Família rica e tradicional de ascendência holandesa e francesa. Vivia na Costa Leste. Filho único. Mae o levava a viagens à Europa desde criança e exigia cumprimento estrito de regras sociais. Casou-se com Eleanor Roosevelt, sobrinha do Presidente Theodore Roosevelt, que a levou ao altar. Seis filhos. Membro do New York Civitan Club (1920), da Old Fellow Order (1908) da fraternidade Alpha Delta Phi em Harvard e da Maçonaria. (1911) Harry S Truman (08/05/1884 a 26/12/1972) Lamar, Missouri Família humilde e com precária situação financeira. Vivia no campo, no Meio Oeste. Mais velho de três irmãos. Muito ligado à mãe, que sempre o incentivou à leitura e á musica, por seus problemas com a vista o impedirem de atividades infantis. Casou-se com namorada de infância Bess Wallace. Uma filha. Jacobson foi seu sócio e amigo de toda vida, influenciando-o na decisão de reconhecer o estado de Israel em 1948. Amizade com James Pendergast durante treinamento na 1ª. Guerra e posterior apadrinhamento político por John Pendergast. Maçonaria Gestão do capital social Trabalhou como agricultor na adolescência. Aceito na Maçonaria em 1909. Em1940 era Grão Mestre do Missouri. Colocou suas qualidades de liderança em evidência durante 1ª. Guerra, como oficial. Viagens à Europa desde criança adquirindo fluência em alemão e Cursa Direito quando, após ingressar no francês. partido Democrata (1922), e ser eleito Juiz Na Universidade, foi presidente do diário Harvard Crimson. Administrativo de Jackson por influencia da Teve poliomielite (1921) e usava ferro nos braços e quadril. máquina partidária de John Pendergast, tio de Não se deixava fotografar em cadeira de rodas. seu amigo James. Gregário e bem humorado, construiu redes de relacionamento em Diretor do Programa Federal de Empregos do Groton e Harvard, usando amigos pessoais para apoio político. National Reconstruction Administration, em 1933, por indicação de James Fairley em troca dos votos obtidos em Kansas City por John Pendergast para Roosevelt, nas eleições de 1932. Nesse cargo tem os primeiros contatos com Harry Hopkins. Educação Groton School. (foi-lhe inculcado por Peabody o sentimento de Alfabetizado pela mãe. dever cristão e de auxiliar os menos afortunados, bem como o Independence High School (escola pública incentivo à participação no serviço público) local) Harvard High School Cursou dois anos de Direito em Kansas City Columbia (Direito-1907) (abandonou o curso ao passar nos exames no período noturno após a idade adulta. da Ordem dos Advogados de Nova York). Fraternidades Apha Delta Phi. (não foi aceito no Porcellian de Harvard) acadêmicas Membro honorário (aos 60 anos) da Alpha Delta Gama e da Lambda Chi Alpha de Kansas City. Membro dos clubes masculinos Sons of Revolution e Sons of Confederate Veterans 48 Partido Democrata Senador (1911 e 1912) pelo Partido Democrata (era wilsoniano). Secretário Assistente da Marinha (1913) e um dos fundadores da Reserva da Marinha. Participou de Intervenção na América Central e Caribe (sob Pres. Wilson), auto imputando-se a Constituição do Haiti. Forte vínculo com Marinha, advogando compra de submarinos (McKinley e Spykeman) durante Primeira Guerra. 1918: propões barreira de minas no Mar Norte e vai à Inglaterra e França para inspecionar trabalhos, onde tem primeiro contato com Churchill. Apesar de se opor ao desmantelamento da Marinha, foi encarregado da desmobilização no fim da guerra. 1920: Perde vice-presidência (com James Fox) para Warren Harding e filia-se ao New York Civitan Club. Já paraplégico, vence pleito para Governador de Nova York em 1928 e desenvolve programas sociais aconselhado por Frances Perkins e Harry Hopkins. Cargos e funções antes WWII Vence as eleições para a Presidência em 1932 pelo Partido Democrata, Problemas econômicos dificultam escolha de gabinete: apoio em acadêmicos (Raymond Molley, Cordell Hull e Henry Morgenthau: Conselho Cerebral/ Brain Board) Ampliação de Programas Sociais e Econômicos elaborados por Brain Board para criar emprego e alívio social (Harry Hopkins). Conferencia Monetária Mundial (1933) lhe dá livres poderes para atuar na economia. Primeira administração sofre reflexos do isolacionismo na política externa. Política da Boa Vizinhança com AL. Haiti, Cuba e Panamá deixam de ser protetorados. Convenção de Montevidéu (1933) retira direito norte-americano de intervir unilateralmente nos países latinos. Substituição radical do Supremo Tribunal (8/11) e acesso de Frankfurter ao poder. É contrario a Ato de Neutralidade (1935) que impedia embarque de armas dos EUA para qualquer país, mas é voto vencido por pressão pública e eleições próximas. Recondução à Presidência em 1936 com base eleitoral de pequenos fazendeiros, Sul tradicional., máquinas políticas urbanas, uniões sindicais, afro-americanos no norte, judeus, intelectuais e liberais. 1937: planos secretos para construir submarinos contra Japão, mas oficialmente, mantém discurso isolacionista. 1938: Bullitt, recém chegado da Rússia afirma na França que seu país estava unido a ela na guerra e na paz e é desautorizado por FDR, mas este , em seguida, envia Hopkins, Acheson e Forrestal em segredo à Inglaterra e França para tentarem burlar leis de neutralidade.. Correspondência secreta com Churchill, comandante do Almirantado Britânico (1939) Em 1940 nomeia republicanos Henry Stimson (Estado) e Frank Knox (Guerra) para ter apoio de adversários na reconstrução da estrutura militar dos Estados Unidos. Dez 1940: América como Arsenal da Democracia . 50 destroyers para UK em troca de bases no Caribe e Terra Nova. Início do Lend Lease (1941) s/repayment. Objetivo era acabar com Cargos e imperialismo e aplicar Open Door. funções Harry Hopkins era principal conselheiro sobre assuntos de guerra, durante WWII em detrimento de Estado. Terceiro mandato em 1940 com Henry Wallace (ex-secretário da Agricultura e tendências à esquerda) como vice. Apoio na Europa aos Aliados, firmado na Carta do Atlântico (ONU, GATT, descolonização) com Churchill. Lidera reconstrução das forças militares nacionais com enorme desenvolvimento econômico e geração de empregos. Demanda por mão de obra em centros produtores gera migração de afro-americanos, pequenos fazendeiros e subempregados para Democrata Durante treinamento para a 1ª. Guerra, Truman conheceu Edward Jacobson e James Pendergast de Kansas City. Ambos influenciaram em seu direcionamento para a política. Combateu na França. (1918) e mostrou habilidades de liderança. Ingressou no Partido Democrata (1922) Foi eleito Juiz Administrativo, em Jackson (1922 – 1926,1928) pela máquina política de James Pendergast. 1933: Diretor do Missouri do Programa Federal de Desemprego 1934: Nomeado Senador pelo Missouri pelo Partido Democrata, derrotando John. Cochrane e Tuck Milligan nas primárias. Era conhecido como o ― Senador de Pendergast‖ e apesar aceitar o patroneio do gangster, dizia votar sempre de acordo com sua consciência. Ele sempre defendeu a patroneio, dizendo que ao oferecer um pouquinho, sempre seria possível guardar muito mais. No Senado, luta contra a avidez corporativa e alerta contra os perigos da interferência de especuladores em Wall Street nos interesses nacionais. Era ignorado por Roosevelt e suas ligações não eram sequer retornadas. Nas eleições de 1940, Pendergast estava preso. Robert Hannegan, cacique político de St. Louis, apóia a nominação de Truman para o Senado e este consegue ser reeleito. (Durante a campanha, Truman foi eleito Grão Mestre da Loja Maçônica do Missouri). Comissão Truman para investigar desperdício de armamentos, expondo fraudes e má administração de bens públicos. Robert Patterson (Secretário da Guerra) que havia sido derrotado por ele nas eleições ao Senado em 1934, pede a Roosevelt para suspendera Comissão alegando que poderia provocar queda no moral de guerra. FDR manteve a Comissão Truman, que acabou poupando bilhões de dólares aos cofres nacionais e salvou milhares de vidas, colocando Truman no cenário nacional e em sua primeira capa da Time em 1943. 1944: Truman é lançado como Vice Presidente de Roosevelt por indicação de Robert Hannegan, escolhido entre Henry Wallace (muito liberal) e James Byrnes (muito conservador). Truman assume presidência ( abril 1945) e ao 49 grandes cidades, criando mudanças estruturais na sociedade. Henry Stimson (Guerra)e Albert Wedemeyer: Victory Program (Projeto Rainbow Five): plano supersecreto de preparação de dez milhões de soldados para retomar Europa é denunciado pelo Chicago Herald Tribune em 04/12/41. Pearl Harbor (1941) e fim do isolacionismo. Discurso da Infâmia e entrada na guerra em duas frentes: Europa (Hitler) e Pacífico (Japão). Cerco aos alemães: Mediterrâneo, Mancha e Rússia. Intensos bombardeios em 1944. Dia D com D. Eisenhower (EUA), Bernard Montgomery (UK) e Zukov (URSS) comandando tropas. Cairo (com Chiang Kay Check e Churchill - 1943) Teerã (com Churchill e Stalin- 1943). Novo mandato em 1944, com Harry Truman, pois Wallace era considerado muito favorável aos soviéticos. Yalta ( Churchill e Stalin- 1945) para convencer Stalin a ajudar contra Japão e a aderir a ONU. Em 1945, conferencia com Egito e países árabes para deliberar destino do Oriente Médio no pós guerra. Faleceu em Warm Springs em abril de 1945. Como internacionalista, apóia a criação da ONU e articula crescente linha dura nas relações com URSS. Consegue apoio bipartidário para a Doutrina Truman, que formalizava a doutrina de Contenção de Kennan - e para o Plano Marshall que reconstruiria a Europa. Ato de Segurança Nacional de 1947 merge Departamento da Guerra e da Marinha em Departamento da Defesa, cria Força Aérea e a CIA. Apoio à Grécia e Turquia e intervenção secreta na Itália. Fair Deal (prega assistência nacional à saúde, repele Ato Taft-Hartley contra sindicatos e propõe programa agressivo de direitos civis) para ser reeleito em 1948. Reconhecimento Israel (1948) e reeleição. Intervenção militar na Coréia do Sul para evitar invasão pela Coréia do Norte (1950), Comitê de Investigação de Atividades AntiAmericanas (MacCarthy). Retirou-se da política no fim do mandato. Faleceu em 26/12/1972 em Kansas City. Cargos e funções durante Guerra Fria Parcerias, Choques e Honrarias manter equipe de Roosevelt, afirma estar aberto a seus conselhos, mas informa a todos que seria ele quem tomaria as decisões e que deveria ser apoiado. Stimson o coloca a par do Projeto Manhattan imediatamente após a morte de FDR. Reúne-se em Potsdam (Churchill e Stalin) para divisão da Alemanha (julho/agosto) Hiroshima e Nagazaki (agosto 1945) Parcerias 1932: apoio político de William Hearst, Joe Kennedy e William G. McAdoo, das camadas que privilegiara com programas de emprego como governador de Nova York, dos sindicados, das minorias étnicas e dos brancos do Sul. Vínculos pessoais com Churchill desde a Primeira Guerra. Harry Hopkins para assuntos externos e programas assistenciais. Honrarias Membro dos Civitan de Nova York, Maçonaria, Skull & Bones e de vários clubes masculinos da costa Leste. Parcerias: Edward Jacobson (sionista e sócio, em Kansas City) James Pendergast (durante 1a. Guerra) Thomas Pendergast (cacique politico em Kansas City) Robert Hannegan (Presidente do Partido Democrata-1944) Choques Lloyd Starck e Maurice Milligan (Senado sob Democratas) Senador Henry Wallace ( inconformado por não ser o presidente). General Douglas McArthur Senador Joseph McCarthy Honrarias Nove capas da New York Times Advogado Honorário da Universidade de Oxford Bolsa de Estudos Truman universidades federais (1975) 50 Bolsa de Estudos Truman em Ciência de Segurança Nacional (2004) Truman, the Tiger (mascote da Universidade de Missouri) Truman State University (Missouri) (1996) Harry Truman Building (quartel general do Departamento de Estado) Estátua de Bronze no Hall of Famous Missourians (1991) Selo de 20 centavos da série de Great Americans Fontes: HARRY TRUMAN LIBRARY & MUSEUM; HESS &FELIX, 1972; TRUMAN, 1945; BENNET, 1985; BERTHON, 2008; BLACK, 2003; BROWNEL & BILLINGS, 1987; BUTLER, 2008; CURTISS, 1991; DONOVAN, 1966; DOWSON, 1959; FEIS, 1957; GOODWIN, 1995; HALBERTAM, 1972; HECKSHER, 1980; KURZMAN, 1974; LASH, 1999; LEUCHTEMBURG, 1963; MISCAMBLE, 2007; NARA; PATERSON, 1975 e 1988; PRESIDENTIAL MATERIALS; REAGAN, 2000, REINTER ; MILLER CENTER PUBLIC AFFAIRS; SCHLESINGER, 1991; SHERWOOD, 2001; SMITH, 1972; SMITH, 2007; TROY, 1981; TRUMAN, 1955; TRULY, 2005; WINKLER, 2006; ZACHARIAS, 1950. A análise biográfica dos dois presidentes que governariam os Estados Unidos entre 1933 e 1952 aponta para origens familiares, fratrias56, escolaridade e estratégias pessoais muito distintas, denotando como as mudanças estruturais ocorridas durante as décadas de 1930 e 1940 se refletiram em suas trajetórias. Roosevelt cresceu em família economicamente estável e dotada de prestígio social, teve oportunidades frequentes de desenvolver a intelectualidade e as relações de classe, cursar boas escolas e nunca precisou executar trabalho braçal para sobreviver. Detentor de duplos laços de parentesco com um Presidente da República e dono de considerável fortuna pessoal, ele circulava com desenvoltura entre os altos círculos do poder econômico e político. Ou seja, apresentava um perfil característico das elites que até então, haviam predominado nos postos mais elevados do governo norte-americano. Truman, por outro lado, cresceu em um ambiente pobre e instável economicamente, sob um pai rústico e simplório e, apesar da mãe tê-lo incentivado a acumular capital de conhecimento, não teve oportunidades de continuar seus estudos na juventude, nem de desenvolver polimento social, por deficiência de recursos financeiros. Enquanto Roosevelt criava na infância os primeiros laços fratriais que o alçariam ao poder tanto no ambiente sócio-familiar, quanto nas escolas preparatórias, nas fraternidades universitárias e nos clubes masculinos que frequentaria desde a adolescência - Truman só iria começar a criá-los em 1909, quando ingressou na maçonaria, desenvolvendo-os, posteriormente, durante a 1ª. Guerra, quando fez nome como líder de seu batalhão de 56 Por relações de frátria, entendem-se neste trabalho as relações travadas entre membros de uma mesma família ou clã, ou entre os associados de fraternidades sociais, universitárias ou profissionais. MICELI, Op. cit. 2001. 51 irlandeses e firmou os primeiros vínculos simbólicos com Edward Jacobson e James Pendergast. Roosevelt cresceu na costa Leste (New York e Pensilvânia) em centros urbanos e aprendeu a conviver com as camadas mais elevadas do poder civil e militar que desde muito cedo. A distinção de longa data de sua família lhe transmitia segurança na relação com os outros membros de sua fratria social e garantia o capital simbólico que o impeliria para a política. Truman não era um sofisticado homem do Leste, que estudara em boas escolas e convivia entre a elite. Ele crescera no centro oeste (Missouri e Kansas) em região rural e de imigração europeia recente, em meio a pessoas simples e sem muitos recursos econômicos ou culturais. Sua família era simples, sem nenhuma sofisticação ou capital simbólico consistente. Apesar das origens sociais de sua mãe serem mais distintas que as de seu pai e dela ter incentivado os filhos a desenvolverem habilidades como a leitura e o piano, a pobreza da família relegou os jovens Truman à lide com a terra e à criação de gado até que a morte do pai os direcionasse a outras formas de sobrevivência. A carreira política de ambos também se formou de maneira bem distinta. Roosevelt usou seu capital social e financeiro para eleger-se Senador57pelo Partido Democrata em 1910, um cargo eletivo que lhe deu capital político para ser nomeado Assistente em 1913 do então Secretário da Marinha, Josephus Daniels, amigo de sua família. Durante o período em que serviu no Departamento, ele desenvolveu, além de forte vínculo com a Marinha, grande experiência política na lide com líderes de comitês congressionais e de outros departamentos governamentais para conseguir aprovar orçamentos. Foi também por intermédio das redes de relacionamento criadas enquanto servidor nomeado do Departamento da Marinha e durante a Primeira Guerra, que ele manteve os primeiros contatos institucionais com George Marshall e James Forrestal - e com Winston Churchill, na Inglaterra. Truman não teve as mesmas oportunidades e precisou desenvolver outras estratégias para ascender ao campo político. Nunca pertenceu a fraternidades universitárias porque só conseguiu matricular-se na Faculdade de Direito de Kansas City quando já tinha mais de trinta anos e mesmo assim, em um curso noturno e apenas por dois anos. Seus clubes 57 Theodore Roosevelt, tio de Franklin em segundo grau, era Republicano, partido que defendia os interesses de sua classe social. FDR tinha outras ideias a respeito e – por uma questão de menor concorrência e mais vínculos políticos entre os Democratas – optou por eles ao lançar sua candidatura. In White House. Disponível em http://www.whitehouse.gov/about/presidents/franklindroosevelt. Acesso em 27/02/2011. 52 sociais58 estavam posicionados em outra camada da população, apesar de também se relacionarem às suas origens familiares. Sua rede de relacionamento só começou a se formar em 1909, com a iniciação na loja maçônica de Belton, Missouri - reforçada dois anos depois quando ajudou a fundar a loja de Grandview, da qual se tornou o primeiro Mestre59, mas sua carreira política propriamente dita só teria início após a Primeira Guerra. Durante o conflito, enquanto Roosevelt lidava com os altos escalões do Departamento da Marinha e viajava para a Inglaterra com o Secretário da Marinha, Truman lutava nos campos da França, liderando seu batalhão de irlandeses. Suas primeiras incursões na política ocorreram em 1922, quando, por influência da máquina política de John Pendergast foi eleito Juiz Administrativo de comarca de Jackson, Mississipi. Os vínculos que manteve com a maçonaria tiveram influência primordial no fluxo de sua vida política, principalmente em momentos como o das eleições de 1940 - quando concorreu à reeleição para o Senado sem poder contar com o apoio de seu antigo padrinho, Thomas Pendergast, o cacique político de Kansas City - e o de 1948, quando concorreu à reeleição para a Presidência da República contra Thomas Dewey, um forte candidato do Partido Republicano. Roosevelt testou o capital político que acumulara na função de Sub-Secretário da Marinha em 1920, lançando-se como candidato à vice-presidência, mas foi derrotado. Em 1928, no entanto, conseguiu eleger-se governador de Nova York e, graças à crise econômica que se abateu sobre o Ocidente após a quebra da Bolsa de Nova York em 1929 e aos programas sociais destinados a minimizar os problemas relacionados ao desemprego adotados em sua gestão, conseguiu acumular capital simbólico suficiente para, em 1932, arrebatar a nominação presidencial do Partido Democrata. Apoiado em uma coligação formada tanto por membros da riqueza emergente, como William Hearst (1863)60, Joseph Kennedy Sr (1888)61 e William Gibbs McAdoo (1863)62, quanto por 58 Harry Truman pertencia ao Clube dos Filhos da Revolução e dos Filhos de Confederados Veteranos, duas entidades relacionadas às atividades militares exercidas por seus ancestrais durante a Guerra de Independência e a Guerra Civil. In Truman Library. Disponível em http://www.trumanlibrary.org/hstbio.htm. Acesso em 27/02/2011. 59 Durante a Guerra, em 1940, quando se lançava candidato ao Senado, Harry Truman tornou-se Grão Mestre do Missouri e em 1945, já presidente da República, foi nomeado Grande Inspetor Geral e Soberano e Membro Honorário do Conselho Supremo de Washington. Idem. Acesso em 27/02/2011. 60 William R Hearst (1863-1951) foi um magnata da imprensa norte-americana. Em sua época áurea, foi proprietário de 28 jornais e dentre eles, o San Francisco Examiner, o Chicago Examiner, o The New York 53 representantes do trabalho organizado, minorias étnicas, urbanistas e brancos do Sul, conseguiu vencer as eleições e tomar o poder dos Republicanos. A comparação de suas trajetórias e de suas peculiaridades biográficas permitiu a constatação de que, como os homens da elite de outros setores da sociedade, políticos como Roosevelt e Truman se motivavam para a política pelo aspecto técnico de suas atividades – campanhas, conluios, posições burocráticas – e sentiam-se muito mais atraídos pelo prestígio e pelo poder que o cargo público lhes proporcionava, do que pela remuneração, em si, que recebiam como ocupantes do cargo. Suas carreiras se desenvolveram no interior do Partido Democrata – que oportunizou a crise do capitalismo para expulsar os republicanos do centro do campo político - e foram consequência dos vínculos sociais e políticos que ambos criaram ao longo de suas trajetórias públicas. O primeiro posto de Truman foi eletivo - Juiz do condado de Jackson - mas sua prática era administrativa e a experiência no Legislativo só veio com sua eleição ao Senado. Roosevelt começou carreira pública no Legislativo, como Senador, foi indicado para um cargo burocrático de Assistente no Departamento da Marinha e posteriormente, assumiu funções no Executivo, como governador do Estado de Nova York, antes da Presidência. Ou seja, as estratégias adotadas por Roosevelt para chegar à presidência foram, além do uso de capital social e financeiro de sua família, fundadas principalmente nos projetos sociais de reconstrução nacional colocados em prática por sua administração como governador de Nova Journal e o Boston American; além de 18 revistas como a Cosmopolitan e a American Weekly. Possuía também cadeias de rádio e uma produtora de cinema. É considerado um dos precursores da ― imprensa marrom‖. O filme Cidadão Kane, de Orson Welles foi provavelmente baseado em sua vida. In Notable Biographies. Disponível em http://www.notablebiographies.com/Gi-He/Hearst-William-Randolph.html. Acesso em 03/03/2011. 61 Joseph P Kennedy Sr, (1888-1969) foi um empresário e político eminente norte-americano. Pai do Presidente John F Kennedy, do Procurador Geral Robert F. Kennedy , do Senador Edward Kennedy, do oficial da marinha Joe Kennedy Jr, da co-fundadora dos Jogos Olímpicos Especiais Eunice Kennedy e da exembaixadora dos Estados Unidos na Irlanda Jean Kennedy Smith. Avô dos deputados Joe Kennedy II e Patrick Kennedy. Foi uma das lideranças mais importantes do Partido Democrata e da comunidade católica irlandesa nos Estados Unidos. Serviu como embaixador dos Estados Unidos na Inglaterra entre 1938 e 1940. In Virginia University XRoads. Disponível em http://xroads.virginia.edu/~ug03/omaraalwala/jpkennedy.html. Acesso em 03/03/2011. 62 William Gibbs McAdoo Jr. (1863-1941)foi um advogado e líder político que atuou como Senador dos Estados Unidos, como Secretário do Tesouro do Presidente Wilson (seu sogro) e como diretor da Administração das Ferrovias dos Estados Unidos (USRA). Por seu posto como Secretário do Tesouro, em 1914 ele serviu como um membro ex-office na primeira diretoria do Federal Reserve em Washington, DC. In Arlington Cemetery. Disponível em http://www.arlingtoncemetery.net/wgmcadoo.htm. Acesso em 03/03/2011. 54 York, os quais além de implicarem em uma tentativa de solucionar os problemas sociais que emergiram como consequência do desemprego e das falências, tinham o objetivo de projetar os democratas nacionalmente. Ao conquistar a Presidência e outros cargos eletivos importantes por seu intermédio, o Partido passaria a exercer controle sobre o mercado de cargos - eletivos ou burocráticos – que seriam disponibilizados ao vencedor e a partir desses cargos, poderia impor sua visão de mundo à sociedade. Truman, por sua vez, acumulou capital simbólico para ser lançado à vice-presidência com Roosevelt em 1944 em virtude de suas atividades no Senado durante a Segunda Guerra, quando protagonizou a Comissão que investigava uma série de irregularidades na produção e distribuição de armamentos para os soldados que lutavam contra o Eixo na Europa e na Ásia. O sucesso das investigações lhe deu enorme projeção nacional e favoreceu o acumulo de suficiente capital político na máquina partidária para sobrepujar oponentes no campo, como o Senador Henry Wallace (1888) 63, ou o Senador James Byrnes (1882)64, permitindo que fosse indicado para concorrer à vice-presidência com Roosevelt 65. A permanência de Truman na vice-presidência foi curta: em menos de três meses de mandato, o presidente faleceu e ele assumiu como titular o primeiro posto político do país, com várias crises internas e externas para administrar. Dentre elas, especialmente, a configuração de uma política externa relacionada aos soviéticos e a elaboração da Doutrina que levaria seu nome e que caracterizaria o novo equilíbrio do poder internacional. 63 Henry Wallace (1888-1965) foi o 33o. vice presidente dos Estados Unidos (1941-1945), Secretário da Agricultura (1933-1940) e Secretário do Comércio (1945-1946). Nas eleições presidenciais de 1948, foi nomeado como candidato pelo Partido Progressista. In US Congress. Disponível em http://bioguide.congress.gov/scripts/biodisplay.pl?index=w000077. Acesso em 03/03/2011. 64 James F. Byrnes (1882-1972) foi um estadista norte americano da Carolina do Sul. Durante sua carreira, Byrnes serviu como Deputado (1911-1925), Senador (1931-1941), Juiz da Suprema Corte (1941-1942), Secretário de Estado (1945-1947) e como Governador da Carolina do Sul (1951-1955). Tornou-se um dos poucos políticos que passou pelos três poderes do governo federal e que também atuou no governo do estado. Era amigo e confidente do Presidente Franklin D. Roosevelt e foi um dos mais poderosos homens nos Estados Unidos relacionados com política interna e externa durante meados dos anos 1940. In US Congress. Disponível em http://bioguide.congress.gov/scripts/biodisplay.pl?index=b001215. Acesso em 03/03/2011. 65 Não se deve desconsiderar o apoio que lhe foi dado pelo Senador Robert Hannegan, presidente do Partido Democrata e proeminente membro da comunidade irlandesa na época de sua nomeação - o qual, à guisa de agradecimento, recebeu o cargo de Procurador Geral em seu governo. In Truman Library. Disponível em http://www.trumanlibrary.org/photographs/displayimage.php?pointer=21012&people=&listid=0. Acesso em 03/03/2011. 55 Em virtude de suas limitações pessoais para assumir uma prática administrativa autocrática – como fizera Roosevelt, amplamente dotado para tanto – Truman teve o bom senso de, no início de seu mandato, não promover alterações de monta no Gabinete que havia sido escalado por seu antecessor. Na área de Política Externa, no entanto, Roosevelt não tinha executivos de sua confiança pessoal, exceto Harry Hopkins e este, sofrendo de uma doença terminal, não seria útil ao novo presidente por muito tempo. Quando declarou sua absoluta ignorância66 em relação às necessidades diplomáticas de seu país num momento em que decisões fundamentais deveriam ser tomadas em relação à política externa do pós-guerra, Truman deu margem para que dados membros de seu partido ansiosos por fazer parte da estrutura executiva do poder, como Harriman – oportunizassem o momento e se sobrepusessem aos demais, colocando-se imediatamente à disposição do Presidente para aconselhamento e orientação técnica. Harry Hopkins – que sempre fora favorável a uma aliança amigável com a União Soviética para a reconstrução das nações afetadas pela Segunda Guerra - faleceu poucos dias após Kennan ter redigido e enviado a Washington o Longo Telegrama - que originaria a Doutrina de Contenção - e seu passamento marcou o poente e o nascente de dois períodos distintos na relação do Departamento de Estado e do Gabinete da Presidência, em especial na relação com a União Soviética. Ou seja, não somente os fatos, mas também as características biográficas dos principais envolvidos na elaboração de uma nova política externa para os Estados Unidos contribuíram para o desencadeamento dos eventos que dariam origem á Guerra Fria. Truman assumira o poder em 1945 decidido a dar continuidade à política adotada por seu antecessor em relação aos soviéticos: vencer a guerra e assegurar a paz, mas as características pessoais e de liderança dos dois governantes eram muito diferentes para que essa decisão pudesse ser levada a cabo como desejado. Acostumado desde o berço a circular entre o poder e a conviver com os poderosos, Roosevelt lançara mão de suas habilidades carismáticas e de seus capitais simbólicos para estabelecer-se 66 Pouco após de ter feito o juramento de Presidente, Truman disse aos repórteres: ― Rapazes, se vcs forem religiosos, rezem por mim, agora. Eu não sei se algum de vocês já teve um fardo de feno caindo sobre suas cabeças, mas quando me contaram o que aconteceu ontem (morte de Roosevelt), eu senti como se a lua, as estrelas e todos os planetas tivessem caído sobre a minha...‖ In Thoughts of a President, 1945. Eye witness to History. Disponível em http://www.eyewitnesstohistory.com/tru.htm. Acesso em 24/04/2010. 56 no centro do campo político. Quando atingiu seu objetivo, pode dar-se ao luxo de ser manipulativo e conivente, tanto com pessoas, quanto com a opinião pública. Truman, por outro lado, tinha origens humildes e seguira uma trajetória bem diferente. Para galgar posição no partido, apoiara-se em capitais de prestígio com a comunidade irlandesa e com fraternidades como a maçonaria; tendo se submetido à proteção política de gangsters como Thomas Pendergast, tornara-se seu devedor. Mas também tinha carisma próprio e como conquistou capital político por meio de ações administrativas voltadas para o interesse público, ele se comportava com objetividade quase agressiva. Roosevelt se munia de diplomacia e condescendência para lidar com conflitos; Truman era suscetível a crises de profunda indignação quando algo o contrariava. Roosevelt tinha a característica de protelar decisões importantes, permitindo que as tensões se elevassem no limite em seu círculo mais próximo, enquanto manipulava homens e ideias. Truman, ao contrário, estava sempre atento a seus assessores e aprovava ou desaprovava entusiasticamente suas sugestões, tomando decisões de maneira quase impulsiva. Em relação à política externa, no entanto, observa-se a diferença mais significativa entre ambos. Roosevelt era completamente personalista em relação às decisões que deveriam ser tomadas na área externa, acessível, eventualmente, a sugestões de Harry Hopkins, mas deliberadamente ignorando as opiniões técnicas de oficiais burocráticos - e mesmo dos de sua confiança - no Departamento de Estado. Em Teerã, Yalta, ou na Casa Branca, ele poderia prestigiar ou ignorar os relatórios que Kennan, Bohlen ou Acheson colocavam à sua disposição e não se constrangia em, polidamente, deixar de lado a opinião de Secretários de Estado, como Edward Stettinius ou Cordell Hull, para agir de acordo com o que, pessoalmente, ele julgasse mais adequado aos interesses da Presidencia. Truman não tinha a menor intenção de fazer o mesmo 67. Quando assumiu o governo em abril de 1945, o mundo estava de pernas para o ar e logo em seu primeiro mês de governo, ele se viu instado a tomar decisões que iriam marcar definitivamente a história contemporânea: 67 Logo após ter assumido a presidência, Truman confidenciou a um membro de seu gabinete: ― Posso não ser um sujeito muito brilhante, nem muito preparado, mas sou inteligente o suficiente para me cercar de pessoas que o são e lhes dar a oportunidade de fazer o que sabem fazer bem melhor do que eu.‖ TRUMAN, Year of Decisions. New York: Doubleday, 1955. 57 a) As tropas americanas e soviéticas estavam finalizando a liberação da Europa e a aliança que fora feita durante a guerra estava para se dissolverem uma paz fria e complexa que exigiria comprometimentos pouco familiares a seu país. b) Vyachselav M. Molotov, ministro de Relações Exteriores da União Soviética, estava para chegar a Nova York para exigir que os Estados Unidos reconhecessem o governo que haviam colocado em Varsóvia e para participar da Conferencia de São Francisco, que daria início aos trabalhos da ONU68. c) A bomba atômica estava pronta e a Truman cabia tomar a decisão de se, quando e onde lançá-la. d) A guerra na Europa chegava ao fim e ele teria que determinar como deveria ser tratado o inimigo conquistado e como ajudar os países europeus que haviam sido devastados pelo conflito. e) No topo de todos esses problemas, estava também a questão de saber se seria desejável que a União Soviética participasse na guerra contra o Japão e, se esse fosse o caso, a que preço. Truman nunca se envolvera nas questões externas enquanto vice-presidente e não tinha a menor idéia de como deveria agir. Para lidar com os problemas que lhe caíam sobre a mesa, não teve a menor dúvida: atendendo às recomendações de Harriman e Acheson - que ele sabia serem da confiança de seu antecessor - amealhou à sua volta um grupo de conselheiros que, acreditava, poderiam ajuda-lo a manter as políticas prescritas por Roosevelt. Esse pequeno grupo de elite, com ampla experiência pública e privada respondeu ao chamado imediatamente, desejoso de aplicar os conhecimentos que haviam acumulado na área financeira (Harriman, Lovett, McCloy e Acheson) ou na escola soviética do Serviço Externo (Kennan e Bohlen) a serviço de seu país. Aproveitando a oportunidade única que se lhes apresentava, propuseram-se a tutorar o novo Presidente e a auxiliá-lo a formatar os Estados Unidos para o novo papel que deveria exercer no equilíbrio mundial do pós-guerra. Os novos fatores se configuravam, um a um, para mudar os rumos da História. Truman era um homem do campo - simples, direto e rude – e apesar de ter adquirido ampla experiência 68 Durante os primeiros contatos entre Truman e Molotov em maio de 1945, começaram a ficar claras as novas tendências nas relações dos Estados Unidos com a União Soviética. Principalmente durante os encontros em São Francisco, a imprensa e a opinião pública começaram a perceber as divergências que gradualmente, tornariam insuportável as relações entre os Estados Unidos e seu antigo aliado da Segunda Guerra. ISAACSON & THOMAS, Op cit, 1986, p. 262-268. 58 burocrática no cargo de Juiz administrativo, experiência parlamentar durante sua permanência no Senado e experiência na manipulação de pessoas e interesses em sua convivência com Pendergast, não tinha a menor ideia de como funcionavam as sutilezas diplomáticas ou as estruturas de equilíbrio de poder no cenário internacional: enfurecia-se com as atitudes adotadas por Stalin no Leste Europeu e nos projetos de reconstrução do mundo pós-guerra - e não procurava fazer nenhum segredo disso. James Byrnes – o conservador que substituíra Edward Stettinius Jr. no posto de Secretario de Estado a título de consolação por ter perdido as primárias do partido para Truman - adotava uma postura cautelosa, mas claramente desconfiada em relação aos soviéticos, partilhada e influenciada pelos aliados britânicos com quem estava em permanentes negociações. James Forrestal, Secretário da Marinha e responsável pela ampla divulgação do Longo Telegrama, também não escondia seus temores obsessivos em relação aos ex-aliados da Segunda Guerra. Sob o ponto de vista prático da governança internacional, a Europa cobrava medidas urgentes e a morte de Hopkins - que durante quase uma década e meia atuara como eminência parda nas relações externas - abriu um enorme vácuo no campo, incentivando uma disputa de forças na arena interna e a ascensão de uma nova facção política ao poder, com outra visão de mundo, especialmente avessa aos soviéticos. Truman não pertencia à elite tradicional, nem às elites emergentes da burguesia industrial, mas emergira no campo político como resultado de acordos e alianças partidárias e portanto, devia seu poder às forças internas do Partido Democrático e às massas que o haviam elegido. Para se manter hegemônico por quatro mandatos consecutivos, o Partido Democrata assumira alguns compromissos políticos com os que haviam contribuído financeiramente para isso – e em especial, com as camadas emergentes da burguesia industrial que visavam expandir-se no mercado internacional. 69 Na lógica simples do presidente, como os soviéticos poderiam apresentar entraves a essa expansão, especialmente considerando suas vocações ideológicas e as condições sócioeconômicas degradadas do continente europeu no pós-guerra, predispondo os países 69 Após a Segunda Guerra os Estados Unidos eram o maior exportador de mercadorias e mesmo alguns anos depois, forneciam um terço das exportações mundiais; devido à expansão maciça de seus estaleiros, controlavam metade do transporte marítimo mundial. Em 1945, Washington detinha US$ 20 bi do comércio internacional, quase dois terços do total mundial de US$ 33 bi. Economicamente, o mundo estava em suas mãos. KENNEDY, Op. cit.,1989, p. 343 59 devastados a levantes populares, o comunismo deveria ser combatido e seus representantes, tratados como inimigos e não como aliados. As vozes que ecoavam essa lógica soavam bem mais alto do que as vozes dos que ainda acreditavam na política de cooperação com os soviéticos, agora órfãos de Harry Hopkins e de Franklin D. Roosevelt. Nesse contexto, o Longo Telegrama chegou a Washington, esclarecendo didaticamente as origens do comportamento soviético e oferecendo algumas propostas fundadas na realpolitik para solucionar o problema. Não surpreende que tenha causado tanto alvoroço. Nos quadro II e III, descritos e analisados no próximo ítem, é possível observar-se os fatores históricos e biográficos que levaram George Kennan a acumular os capitais simbólicos que o encaminharam à embaixada de Moscou para aprofundar sua percepção sobre o universo soviético e tornar-se o principal responsável intelectual por uma política externa que iria polarizar o mundo por quase cinco décadas. Demonstram também como o Presidente Truman estruturou a elite burocrática – de confiança e concursada – que o assessoraria na condução de uma nova política externa que consolidasse os louros que os Estados Unidos haviam conquistado com a vitória contra Hitler, sem permitir que a União Soviética os reclamasse. 60 3.2 Servidores burocratas e servidores políticos Na década de 1950, como consequência das medidas centralizadoras adotados por Roosevelt durante a Grande Depressão e, posteriormente, durante a Segunda Guerra, o poder de iniciativa e decisão das instituições políticas norte-americanas havia se transferido gradualmente do Congresso para o Executivo 70 e para suas agencias e departamentos, que no processo, tornaram-se palco dos muitos conflitos de interesses e de lutas pelo poder71, em especial as relacionadas com o posicionamento das classes emergentes no centro do campo político72. Ora, as modificações institucionais introduzidas por Roosevelt na pirâmide política, - criando instituições como o National Recovery Administration (NRA) para atender às necessidades de sua política social, e consequentemente, abrindo centenas de novos cargos para serem loteados no mercado partidário - tornaram ainda mais compensadores os novos postos de comando político, principalmente porque – nomeados – dispensavam a passagem do escolhido por instâncias municipais e federais, elevando-o a funções diretamente federais e dando nova dimensão às carreira em ascensão. Como esses os cargos, no entanto, não eram de caráter eletivo, como a presidência ou o governo de Estado, multiplicaram-se os políticos que, ocupando posições de confiança - como as que Dean Acheson, William Harriman, John McCloy e Robert Lovett iriam ocupar passaram grande parte de sua vida funcional fora de organizações rigorosamente políticas, tendo sido levados a elas em dado momento de suas vidas, mas de forma esporádica, ou intermitente. Eles teriam formação não-política, sua carreira e vínculos se formaram em círculos nãopolíticos, voltados para outras áreas institucionais – de negócios, financeira ou jurídica - e 70 MILLS, Op. cit., 1956, p. 276. 71 Esse fenômeno pôde ser observado durante o governo Truman quando McCarthy, senador do partido Republicano (cargo eletivo), se propõe a criticar a postura cautelosa de Dean Acheson (cargo nomeado) e do Departamento de Estado em relação aos soviéticos e exige sua demissão. Truman, ciente de que o processo desencadeado pelo senador anti-comunista tinha cores muito mais partidárias que ideológicas, não se deixou envolver e, enfrentando a opinião pública e ignorando o clamor republicano, manteve seu secretário no cargo. ISAACSON & THOMAS, Op. cit., 1986. 72 De 1789 a 1921, geração após geração, a proporção da elite política que atuou em cargos municipais ou estaduais decresceu de 93% para 69%. Durante a administração de Eisenhower, essa proporção caiu para 57%. MILLS, Op. cit, 1956, p. 277-278. 61 apesar de geralmente serem considerados representantes ou agentes do mercado civil, defendendo em alguma comissão governamental algum tipo de interesse, eram nomeados por servidores democraticamente eleitos para exercerem funções políticas. Geralmente, esses servidores nomeados eram detentores de capital próprio, não dependiam de remuneração pública, nem eram, necessariamente, membros ativos de alguma organização partidária republicana ou democrata. Por suas qualificações profissionais, ocupavam cargos de confiança na estrutura funcional do governo e, não sendo concursados, não precisavam submeter-se às regras de seleção do Partido. Moviam-se livremente nos circulo mais íntimos do dirigente partidário - como consultores ou conselheiros - e tinham acesso fácil a eles, gozando de sua confiança e deles dependendo para manter o poder que exerciam. Durante o século XIX, era comum que nos Estados Unidos um indivíduo chegasse à cúpula por meio do voto popular: após passar por uma hierarquia de postos eleitos, seriam provados capazes até atingirem o nível nacional mais elevado. Nas décadas de 1930 e 1940, no entanto, numa época em que a administração pública se tornara mais burocrática e que o jogo dos interesses políticos ficou mais acirrado, grande parte dos cargos mais elevados passou a ser preenchida por pessoas nomeadas por pequenos grupos de pessoas eleitas. Entre 1933-1953, por exemplo, na cúpula do poder público, somente 28% dos políticos no alto escalão chegaram a seus postos de forma eletiva. Outros 62% , por outro lado, foram nomeados para todos – ou pelo menos, para a maioria – de seus postos políticos antes de chegarem à cúpula73, enquanto 9% tanto foram nomeados, quanto eleitos e 1% nunca havia ocupado qualquer posição na política anteriormente. Um dos sentidos mais comumente aceitos para o servidor burocrático ideal74 é o de um perito que, por meio de concurso público em que suas habilidades sejam devidamente comprovadas, desempenha um papel técnico e regular nas instituições públicas, dependendo da remuneração de seu cargo para manter-se materialmente. Existem também outros servidores públicos que, 73 Todas as informações percentuais lançadas neste capítulo são consequência de uma pesquisa desenvolvida por Wright Mills em relação à Elite Política dos Estados Unidos envolvendo 513 homens que, entre 1789 e junho de 1953 ocuparam cargos de presidente, vice-presidente, presidente da Câmara dos Deputados, membros do Gabinete e Juiz da Suprema Corte. Como os pesquisados neste trabalho ocuparam cargos na Presidência, na Vice-presidência ou foram membros do Gabinete de Roosevelt ou Truman, as estatísticas também se relacionam a eles. MILLS, Op. cit., 1956, p. 277-379. 74 WEBER, Max. Ciência e Política. São Paulo: Martim Claret, 2005. Pgs. 66-68. 62 nomeados para seus cargos em função da confiança dos dirigentes, tinham outras formas de sobrevivência, não gozavam de estabilidade funcional e estariam isentos das regras válidas para os servidores concursados. O servidor burocrático, ao contrário do nomeado, progride em direção aos postos mais elevados da hierarquia funcional de acordo com a meritocracia, ou com o tempo de serviço e experiência. É disciplinado o suficiente para colocar em prática políticas determinadas por seus superiores hierárquicos mesmo quando pessoalmente for contrário a elas e, funcionalmente, tem suas funções limitadas ao cumprimento de tarefas específicas e especializadas. Burocratas não são proprietários dos meios ou equipamentos necessários para o cumprimento de suas obrigações e não têm qualquer autoridade pessoal: toda autoridade que detêm é fruto do cargo que ocupam. Um dos requisitos fundamentais para a manutenção da integridade funcional de um servidor burocrata é a neutralidade política, pois este deverá servir qualquer nova administração com a mesma lealdade com que serviu à anterior. Um burocrata, como tal, não toma decisões, nem determina orientações: ele proporciona as informações importantes para tanto e sua principal tarefa é a de colocar em prática a política oficial determinada por seus superiores. Seu quadro é razoavelmente permanente e essa permanência é fundamental para garantir a continuidade dos projetos públicos. Nos Estados Unidos dos anos 1930-1950, as regras relacionadas à administração pública e à burocracia não eram as descritas idealmente por Max Weber, pois muitos funcionários não tinham estabilidade e suas funções podiam variar de acordo com mudanças de governo75. A comprovação de habilitação funcional definida em um governo podia ser alterada no seguinte com a criação de novas agencias e seus postos, podiam ou não estar sujeitos a exames de qualificação. Enquanto os postos inferiores eram ocupados por critérios meritocráticos, pessoas inexperientes, ou favoritos políticos ou pessoais, eram colocados em cargos de cúpula a cada mudança de administração, seja por pressões partidárias, seja por acordos pessoais dos eleitos, impedindo promoções e desmoralizando o serviço, como George Kennan pode 75 MILLS, Idem, p. 287. 63 impacientemente constatar várias vezes ao longo de sua carreira no Departamento de Estado 76 e como se poderá observar nos Quadro II e III, demonstrados e analisados a seguir. Quadro II. Origens, capitais simbólicos e trajetórias de servidores burocráticos Data e local de nascimento Fratrias familiares e sociais Gestão do capital Social 76 Charles Chip Bohlen George F. Kennan 30/08/1904 a 01/01/1974. Grindstone Island, Clayton, NY 16/02/1904 a 17/03/2005 Milwalkee, Winsconsin Segundo filho. Irmão mais velho, irmão menor. Pai (Charles Bohlen): herança modesta, mas confortável. Bon vivant, gostava de corridas de cavalo, bebida e ópera. Mãe (Celestine Eustis Bohlen): família tradicional de New Orleans, cujo avô fora Juiz da Suprema Corte da Louisiana e o pai herói da Guerra Civil, Senador e primeiro embaixador americano na França (1892). Viúvo, o embaixador leva Celestine para Paris como sua hostess. Aparentado pelo lado paterno com Alfried Krupp von Bohlen und Halbach, maior produtor de armas alemão durante II Guerra Herança creole de Celestine intensifica nos filhos amor a tudo o que fosse francês. Residência Bohlen: Grindstone Island e residência de inverno em Aiken, Carolina do Sul,(bem frequentado por famílias ricas). Em Ipswick, vilarejo próximo a Boston, Celestine recriou hospitalidade de sua infância sulina e filhos adquiriram desenvoltura social. Chip casou-se em 1935 com Avis Thayers) e tiveram três filhos. Filha Avis foi diplomata em Paris, Bulgária e Secretaria Assistente de Estado para Controle de Armas. Filha Celestine foi correspondente do New York Times em Moscou. Caçula, com três irmãs mais velhas. Meio irmão menor. Pai (Kossut Kennan) era jurista e falava várias línguas, além de ser amante de musica e teatro alemão. Ambiente familiar favorável às atividades intelectuais. Perde a mãe (Florence J. Kennan) recém nascido e é criado por madrasta, professora. Morou na Alemanha quando criança e no Serviço Externo, voltou a morar em Berlin para estudar Relações Internacionais. Tio, George Frederick Kennan, era expert na Russia do século XIX. Falava russo, alemão, francês, polonês, tcheco, português e norueguês, alem do inglês. Sempre solitário e cheio de conflitos internos, mesclava insegurança com arrogância, sensibilidade com frieza, firmeza com timidez e só começou a ter maior auto-estima quando se viu representante oficial dos Estados Unidos em Genebra ((1927) Casou-se em 1929 com Annelise Sorensen, norueguesa que conheceu em Berlim e teve duas filhas. Kennan, Bohlen e Henderson: influenciados por Robert Kelley, chefe da Divisão de Assuntos da Europa Ocidental, acreditavam haver pouca possibilidade de cooperação com Família tradicionalmente distinta, mas menos abonada que a URSS, mesmo contra adversários potenciais. outras, emergentes, como os Harriman.. Tinha poucos amigos em Princeton e, por falta de recursos, Convivência com high society desde tenra infância. não pertencia a nenhuma fraternidade, sentindo-se cada vez Viagens anuais à França quando criança e traquejo social mais alienado. intenso, por causa da família materna. Preenchia solidão lendo o que lhe caísse nas mãos. Não era estrategista incisivo nem advogado rigoroso, mas tinha personalidade tranquila, carismática e sociável de um Mente independente, combatia sentimento de inferioridade e não demonstrava aspirações de ser visto como igual entre diplomata (serviu seis administrações como especialista em ricos e poderosos. URSS e podia transitar em qualquer círculo) Não compareceu ás festividades de sua graduação, exceto à Casou-se com irmã de Charles Thayer, funcionário de da outorga do diploma. carreira de State e seu colega na embaixada em Moscou. Conheceu Loy Henderson e Robert Kelley na escola do Teve ações comuns com Nitze e Forrestal na Brown Bros, Serviço Externo, quando estagiava na Divisão de Assuntos de Harriman. Ambos eram da Dillon, Read e faziam da Europa do Leste. negócios comuns com a Paramount. Teve grande proximidade com seus professores na Usou experiências do cargo da 1ª. Guerra (bombardeio Universidade de Berlim, emigrantes de educação esmerada. intermitente) na 2ª. Guerra para lidar com armamentos e aeronáutica. Bohlen e Henderson o indicam a William Bullit quando este foi nomeado para chefiar a nova representação que seria aberta em Moscou, em 1933. As diferenças de Kennan com Joseph Davies na embaixada de Moscou, em fins da década de 1930, são um exemplo desse processo. Davies era amigo pessoal de Roosevelt e, ao ser enviado para Moscou para substituir James Bullit, não tinha a menor idéia de como lidar com os soviéticos. KENNAN, Op. cit. 1967, p. 84 e 85. 64 Educação St Paul`s School - anglófila, imitando Eton e Harrow, com valores tão rigorosos quanto Groton. Maior que Groton, seus alunos eram do eixo New York-Filadélfia. (Groton era frequentada pelos Brahmins de Boston). Ambas escolas atendiam nova riqueza Industrial, clérigos episcopais e a velha aristocracia que ainda mantivesse conexões com o Establishment. Fraco academicamente, bem resolvido e rebelde, foi expulso dois meses antes de formar-se, mas por tradição familiar, conseguiu ir para Harvard. Em Harvard, graduou-se em Direito (1927), como pai, tio e irmão. Não gostava de Direito, nem de Administração e interessou-se pela Rússia por causa de John Reed. Junto com Ducky Harrison, companheiro do Yale Naval Reserve Flying Corps (1ª. Guerra), inscreveu-se para o Serviço Externo (atual Departamento de Estado) em 1919. Fraternidades Clube Porcellian (não premiava feitos extraordinários) acadêmicas Só aceitava familiares de membros e gente simpática.) Sua principal finalidade era beber. Partido Cargos e funções antes WWII Cargos e funções durante WWII Cargos e funções durante Guerra Fria St John´s Militar Academy (Delafield). Escola pequena e rigorosa, onde se tornou um leitor ávido – e solitário. Princeton (1921-1925), onde o status dos clubes dominava a vida dos estudantes Herança da mãe era insuficiente para que cursasse Direito e ele optou por Serviço Externo do Departamento de Estado, recentemente reestruturado em bases profissionais. Cursou Seminário Oriental sobre História, Cultura e Lingua Russa na Universidade de Berlim, disciplina criada por Oto Von Bismark e teve o primeiro contato com a Realpolitik. Em Talin, Estônia (1928) procurou estudar remanescentes e presença do que fora a Rússia uma década antes. Em Riga, Letônia também conviveu com hábitos e tradições que um dia foram russos, pois a cidade lembrava St. Petersburg Key & Seal (insignificante e sem prestígio) Republicano Republicano Ingressa no Departamento de Estado (1929). Treinamento na França como especialista em URSS. Moscou em 1934 com Bullitt, Henderson, Thayer e Kennan. Washington em 1935, como expert em Rússia na Divisão Oriental Européia Volta a Moscou em 1936 para substituir Kennan, que voltara a Washington. Na embaixada de Berlim, (1939) recebe protocolo do Pacto Russo Soviético uma semana antes de Alemanha invadir Polônia. Formado no Serviço Externo, (1926), postos na Suíça, Alemanha, Estônia, Latvia e Letônia. Universidade de Berlim (1929): aperfeiçoar conhecimentos em historia, língua e politica russa 1933: acompanha Bullitt à primeira embaixada em Moscou, com Chip Bohlen, Charles Thayer e Loy W Henderson, de onde acompanhou o Grande Expurgo de Stalin em 1934. Conflito com sucessor de Bullit, Joseph Davies e é enviado para Praga, após rápida passagem pela Divisão de Assuntos Europeus, em Washington, onde irá ter o primeiro contatos com Harriman, que fazia negócios com os soviéticos. Quanto Praga caiu, em 1938, foi renomeado para Berlin. Embaixada em Tóquio (1940-41). Fica em campo de concentração por seis meses. Transferido para Departamento de Assuntos Soviéticos durante a 2ª. Guerra, acompanhando Harry Hopkins como interprete em todos os encontros com Stalin. Interprete de Roosevelt em Teerã (1943) e Yalta (1945) Em 1939,com início da guerra e para dar suporte a Lend Lease, foi enviado à embaixada de Berlim, onde ficaria até 1941, quando, por os EUA entrarem na guerra, ficou retido seis meses em campo de concentração. 1942: Lisboa como conselheiro (administrar operações de base e de Inteligência). 1944: nomeado para Comissão de Aconselhamento Europeu (Açores), para preparar política para Aliados após a guerra até Averrel Harriman, recém nomeado embaixador na Rússia, o nomear Chargé d`Affairs da Embaixada de Moscou. Abarrota mesa de superiores com recomendações para abandonarem cooperação com URSS e se concentrarem na criação de uma esfera de influencia na Europa para reduzir efeitos da proposta comunista sobre os trabalhadores afetados pela guerra, Propõe criação de uma federação européia para conter influencia soviética naquela região. Chargè D´Affairs e Vice Chefe da Embaixada de Moscou de Maio 1944 a Abril 1946. Em Fev 46 envia Longo Telegrama para Sec Estado James Com Marshall em State, (1947) Bohlen torna-se conselheiro Byrnes, para explicar ao Depto. Tesouro motivação do de Truman. governo russo contra FMI e Banco Mundial e nele, delineia Liberal, aceitava influência doméstica na governança. nova estratégia sobre como lidar diplomaticamente com Substitui Kennan em Moscou quando este se torna persona URSS. non grata (1952 - Eisenhower). É chamado de volta a Washington em Abril, para lecionar no Colégio Nacional de Guerra comunismo (1946 – 1947) e Conflitos com autoridades russas e com John Foster Dulles. fazer palestras a civis e militares s/ para formar entre eles Dispensado em 1957 e enviado para Filipinas, onde fica até uma mentalidade mais realista em relação aos soviéticos 1959. James Forrestal(Sec. Marinha), que adotara seu ponto de Quando Democratas voltam ao poder em 1963, é enviado vista e ajudara a trazê-lo de volta aos EUA, o influenciando a publicar o artigo X na Foreign Affairs (jun/1947), para a França como embaixador até 1968. propondo política externa de contenção às tendências Aposenta-se em 1969. expansionistas dos soviéticos por meio de pressão constante 65 em vários pontos geográficos e políticos, respondendo manobras soviéticas que não pudessem ser dissuadidas pela diplomacia. Em abril de 1947 foi nomeado Chefe do Gabinete de Planejamento Político (PPS, do Depto. Estado sob George Marshall, com carta branca para aplicar sua estratégia em relação aos problemas mundiais.. Doutrina Truman a partir de Longo Telegrama e artigo X (1947) Recomenda a George C. Marshal (Sec State) Plano Marshall, CIA, aproximação com Franco (fascista) para garantir posição no Mediterrâneo (intensa cooperação militar após 1950), a aumentar o cisma entre a Iugoslávia de Tito e Moscou com ações encobertas nos Balcãs. Com,Dean Acheson (1949-50), entra outro time em State e ele perde influencia, principalmente após suicídio de James Forrestal. Acheson considerava a ameaça soviética mais militar do que política (bloqueio de Berlim/1948, revolução Chinesa (1949) e guerra da Coréia (1950)) e cria aliança militar (OTAN) apoiada por armas militares e nucleares (NSC68/1950 de Paul Nitze). Kennan e Bohlen eram contra Bomba de Hidrogênio e rearmamento da Alemanha (inclusos no NSC-68). Acheson os ignora e radicaliza a questão, dando início formal à Guerra Fria. Opuseram-se ao avanço americano além do paralelo 38 na Coréia, chocando-se com MacArthur e Dean Rusk. Kennan se demite do PPS em dezembro 1949. Acheson o substitui por Nitze, mais à vontade com o militarismo do NSC-68.. Robert Oppenheimer (diretor) convida Kennan para professor visitante do Instituto de Estudos Avançados de (IAS) em Princeton. 1951: nomeado Embaixador em Moscou, com prioridade de consolidar alinhamentos contra a Rússia e não de atenuar as diferenças que encruaram. No ano seguinte, ao declarar em Berlim que se sentia preso em Moscou como na embaixada de Berlim no início da WWII, ofende Stalin que o expulsa e considera-o persona non grata na URSS. Preside Operação Solarium (1953) Ike querida diminuir gastos militares dos EUA, atuando apenas onde e quando necessário, mas principalmente, onde e quando os EUA pudessem. Embaixada na Iugoslávia (1961-63). Tornou-se professor no IAS - Princeton (1950) e seu nome foi dado à cadeira National Security Strategy ali e no National War College. Parcerias, Choques e Honrarias Parceria George Kennan, Loy Henderson e Charles Thayer (cunhado) desde Moscou (1934) Choques Joseph Davies (sucedeu Bullit em Moscou) tinha visão ingênua do processo soviético e, revoltado, Kennan insubordinava-se sempre que podia. Walter Lippman, jornalista que condenará militarismo implícito em ― X‖ e que exigia retirada de tropas da Europa Acheson confiava menos em seu Staff que Marshall e Kennan perde influencia, pois era considerado pouco ativo pelo Secretário (conflito de classe). MacArthur.Dean Rusk e Foster Dulles (K não queria invasão da Coréia do Norte, defendida por eles) Paul Nitze; companheiro de Kennan em State, mas era militarista. John Foster Dulles. Secretario de Estado de Eisenhower: divergências sobre ações noVietnam. Parceria Charles Chip Bohlen. William Harriman Dean Acheson Honrarias Freedom Award (1989) 66 Pullitzer de História, Bancrof Prize, Francis Parman Prize por ― Eussia Leaves the War‖ (1956). Pullitzer e \national Book Award por suas Memórias (1968) State Dpt Testimonial of Loyal and Meritorious Service (1953) Woodrow Wilson Award for Distinguished achievement in Nation´s Service (1976) Albert Einstein Peace Prize (1981) American Academy of Arts and Letters Gold Medal (1984) Franklin D. Roosevelt Foundation Freedom from Fear Medal (1987) Presidential Medal for Freedom (1989) State Dpt Distinguished Service Award (1994) Library of Congress Living Legend (2000) Fontes: AMERICAN EXPORT LINER EXCALIBUR, 1941; CLARE, 2009; CNN, 1996; GERGEN, 1996; KENNAN & LUCAKS, 1997; KENNAN, 1946, 1947, 1948, 1951-79-84, 1992, 1999, 2000a, 2000b.; NY TIMES, 1926, 1934, 1935a e 1935b, 1937, 1938, 1940, 1941, 1942. ATKINSON, 1947; CORKE, 2008. GADDIS, 1972, 1990, 1997, 2005, 2006; GARDNER, 1970; HARPER, 1995; HENDERSON, 1986; HIXSON, 1989; HOLBROOK, 2005; ISAACSON & THOMAS, 1986., JENSEN, 1993; KISSINGER, 1994; KROCK, 1947; LAFEBER, 2002; LEFFLER, 1994, 2006; LUKACS, 2007; MAYERS, 1990; MISCAMBLE, 1992, 2004; NARA; REDDY, 1976. SMITH, 1972; THOMPSON, 2009; TROY, 1981; TRUMAN LIBRARY; US POSTAL SERVICES, 2006. US STATE DEPARTMENT; WEINER, 2008; Quadro II – Servidores Burocratas Na análise comparativa das origens do grupo de servidores burocráticos de confiança de Roosevelt e Truman, alguns dados são recorrentes. No grupo descrito no Quadro II como servidores burocráticos estão George Frost Kennan (1904) e Charles Eustis Bohlen (1904), que tinham muitas coisas em comum, além de serem os maiores especialistas em assuntos soviéticos de sua era, mas suas origens, como as dos presidentes descritos no Quadro I, eram bem distintas. Charles Bohlen cresceu em um ambiente familiar alegre e aristocrático, cercado de privilégios; seu pai era uma pessoa despreocupada, amante de ópera, de boa bebida e de caçadas. Não eram tão abastados quanto os Roosevelt ou os Harriman, mas viviam confortavelmente e como segundo filho, Bohlen tinha maior liberdade que o irmão para escolher uma carreira. Sua mãe era de uma família tradicional de New Orleans e passara boa parte de sua juventude como hostess do pai na embaixada dos Estados Unidos em Paris 77. Do lado paterno, os Bohlen tinham laços de parentesco com Alfried Krupp von Bohlen und Albach, o maior produtor de armas alemão durante a Segunda Guerra. 77 Celestine Eustis Bohlen fazia parte de uma das famílias mais distintas de New Orleans, cuja riqueza começara com o avô, respeitável Juiz Federal da Louisiana e tivera continuidade com o pai, James Eustis, herói da Guerra Civil e senador, nomeado embaixador dos Estados Unidos na França em 1892. Informações sobre a infância de Chip Bohlen e sobre sua família, em geral, podem ser encontradas em entrevistas feitas por ISAACSON & THOMAS com os filhos do biografado, com seus amigos J Randolph Harrison,. Cecil Lyon, Paul Nitze e com membros da família Eustis em New Orleans. Informações mais detalhadas e pessoais sobre o tema também podem ser observadas na autobiografia de Bohlen (Witness to History). 67 George Kennan perdeu a mãe aos dois meses de idade e foi criado pelas irmãs mais velhas até os cinco anos e posteriormente, por uma madrasta rigorosa que reforçou ainda mais as tendências para a introversão e timidez que marcaram sua vida78. Kossuth Kennan79 era um estudioso de leis e o ambiente familiar em que seus filhos cresceram era sério e intimidador. Ao invés de conviver com pessoas em alegres resorts da moda, George Kennan conviveu com livros, música clássica e longos serões familiares. Descendente de imigrantes irlandesesescoceses que sempre haviam se dedicado a atividades rurais, sua única referencia familiar de distinção era um primo de seu pai, seu homônimo, que no século XIX, fora um expert em Rússia. Em termos de escolaridade, constatou-se que Charles Bohlen frequentou St. Paul e Harvard, duas das escolas mais elitistas da Costa Leste, frequentada pela nata do eixo Nova YorkFiladélfia e apesar de ter sido medíocre em termos acadêmicos, brilhou em qualquer ambiente social onde circulasse. George Kennan foi enviado aos doze anos de idade para a St. John, uma academia militar de algum mérito acadêmico, mas nunca se destacou nos estudos, exceto em Literatura e História. Socialmente, era introvertido e acanhado. Em Princeton, por onde graduou-se em História, sua introversão ficou ainda mais acentuada pois, detentor de pouco capital social e financeiro, ele não conseguiu integrar-se ao espírito princetoniano e o combatia, rebelando-se contra suas estruturas ou ignorando-as. Apesar de ter pensado inicialmente em continuar seus estudos com o curso de Direito, Kennan logo abandonou a idéia por constatar que a pequena herança que a mãe lhe deixara não seria suficiente para financiar seus projetos. Acabou decidindo-se pelo Serviço Externo, que acabara de ser reestruturado com características burocráticas formais e que selecionava seus 78 Em sua premiada autobiografia, Memoirs, apesar de dedicar quase duas páginas à sua ancestralidade, George Kennan faz poucas menções a seu núcleo familiar mais próximo. No entanto, detalhes sobre sua infância podem ser encontrados na obra de John Lukacs : George Kennan, a study of character e na dissertação de doutorado de Ben Wright: George Kennan: Scholar-Diplomat, Universidade de Wisconsin, 1972. Ambos autores entrevistaram o biografado, membros de sua família e vários de seus colegas no Departamento de Estado, além de – por terem criado vínculos pessoais com o mesmo - terem tido acesso às cartas que ele enviava aos pais e às irmãs enquanto estava servindo no Exterior. ISAACSON & THOMAS, 1986, p. 73 e LUKACS, 2007, p. 10-12. 79 Kossuth Kennan começou sua prática de Direito em 1878, em Milwakee e após 1882, especializou-se em impostos, atuando por vinte anos como Comissário de Impostos para a Wisconsin Central Railway. Uma das mais altas autoridades em legislação de Imposto de Renda de seu estado, Kossuth Kennan teve várias de suas sugestões adotadas na Lei Fiscal do Wisconsin colocada em vigor em 1911. Nomeado Comissário Fiscal do Estado naquela data, ele aposentou-se da vida pública dois anos depois e viveu em Milwakee até sua morte, em 1933. ISAACSON & THOMAS, Op. cit., 1986, 68 candidatos por meio de um concurso público. Durante o período que fazia um curso preparatório em Washington para prestar o concurso do Serviço Externo, os resultados sociais de seu diploma de Princeton se fizeram sentir pela primeira vez. Numa época em que os Estados Unidos embarcavam em uma era de competitividade financeira e industrial, a escolha de uma escola preparatória adequada era quase tão importante para determinar o status social de um sujeito, quanto o seu nascimento em uma família tradicional. Harvard, Yale e Princeton, particularmente, haviam se tornado grandes instituições nacionais que davam acesso à riqueza e ao sucesso a jovens que para ali afluíam de todas as partes do país e que se sentiam privilegiados e especiais por pertencerem a seus clubes e a seu limitado grupo de elite. Os vínculos criados entre os alumni de Groton ou St. Paul eram tão fortes, que estendiam raízes para suas vidas profissionais em Nova York, em Wall Street - ou em Washington, ao redor da Casa Branca e, em especial, do Departamento de Estado como já se pode observar na análise das trajetórias de Dean Acheson, Robert Lovett, William Harriman e John McCloy. Um ex-colega de Princeton, John Calbot, o convidou, juntamente com outro colega de classe, para um jantar em homenagem a um ex-professor, Joseph Grew, oficial do Serviço Externo que havia sido responsável por boa parte das mudanças burocráticas que estavam em andamento naquele órgão. Essa experiência permitiu que Kennan constatasse a importância da rede de relacionamentos proporcionada pela universidade e como esta poderia ter alguma utilidade em sua carreira. Bohlen, fez opção pelo Serviço Externo por sugestão de um amigo de St. Paul e Harvard, William Castle, que naquele momento ocupava o cargo de Secretário Assistente do Departamento de Estado. Academicamente melhor preparado do que Kennan e bem melhor relacionado, Bohlen conseguiu ser aprovado nas provas seletivas da instituição com mais facilidade. Kennan e Bohlen fizeram um trajeto semelhante para chegar ao Serviço Externo: frequentaram escolas de renome acadêmico e social e apesar de nenhum dos dois terem se destacado em termos acadêmicos, conseguiram ser aprovados para seguir carreira diplomática. Ambos vivenciaram experiências no exterior durante a infância. Chip Bohlen, por influência da mãe que, francófila, o levava anualmente à França. George Kennan por ter morado na Alemanha com a família na infância, tendo absorvido do pai a paixão pela cultura, literatura e música alemã. Ambos eram poliglotas e, muito cedo, tiveram as portas e janelas de 69 seus mundos escancarados para o universo que existia além das fronteiras do Atlântico. Por meio dessa experiência, perderam o espírito provinciano que caracterizava a maioria de seus contemporâneos e desenvolveram o forte espírito internacionalista que os diferenciaria das massas e os encaminharia para as funções que exerceriam no Departamento de Estado. Bohlen sempre demonstrou boa desenvoltura social, qualidade que iria posteriormente, ser-lhe fundamental como jovem oficial do Serviço Externo 80. Por natureza e por herança social, ele não era um estrategista incisivo, como Marshall, nem um advogado rigoroso, como McCloy, mas suas maiores aptidões estavam na personalidade tranquila e carismática que lhe permitiriam servir como especialista em política soviética, sem conflitos, seis Presidentes, por mais de quarenta anos. Em virtude do capital simbólico acumulado, ele transitava sem dificuldade em qualquer circulo do poder e, apesar de Republicano, estava plenamente preparado para atuar no consenso bipartidário que dominou a arena política norte-americana do pós-guerra. Nesse ponto do trabalho, seria importante aprofundar a análise do perfil e trajetória de George Kennan, para determinar as origens do Longo Telegrama, uma vez que acreditamos que seus escritos foram consequência da junção entre as experiências que vivenciou nos postos que lhe foram destinados pelo Departamento de Estado e as características de sua própria personalidade. Kennan era um solitário por natureza, demonstrando, principalmente em sua juventude e primeiros anos da idade adulta, enorme dificuldade em superar a timidez e suas inseguranças81. Seu sentimento contra qualquer socialização era tão forte que quando finalmente se graduou, por rebeldia, timidez ou sentimento de não pertencer, não compareceu a nenhuma das cerimônias universitárias de colação de grau, exceto na que lhe foi outorgado o diploma. Leitor ávido, no entanto, procurava compensar suas precárias qualidades pessoais e sociais ilustrando-se de forma quase obcecada; complementava com curiosidade intelectual e com uma aguda mente analítica o que lhe faltava em habilidades sociais. Quando o acúmulo desse capital intelectual se consolidou na idade adulta – principalmente em relação a seu conhecimento sobre a União Soviética - e ele se tornou ciente de uma superioridade novel em sua vida, Kennan tornou-se cada vez mais impaciente com as rotinas 80 Conforme ISAACSON & THOMAS em entrevistas com os filhos de Chip Bohlen, com J. Randolph Harrison, Cecyl Lyon, Paul Nitze e com membros da família Eustis em New Orleans. 81 LUCAKS, John. George Kennan. Study of a character. New Haven: Yale University Press 2007, p. 7 70 do serviço burocrático, irritando-se com as morosidades do Serviço Externo e desprezando o que ele considerava falta de visão política da maioria dos membros do Congresso e – bem mais frequentemente, de seus superiores em Washington. Por outro lado, era como se a superioridade intelectual sobre os demais em relação aos soviéticos lhe desse a impertinência e independência mental de que necessitava para superar suas deficiências sociais e, orgulhando-se delas, procurava sufocar o sentimento de inferioridade que tinha por ser, ― irremediavelmente e sem esperanças, um caipira do Meio Oeste‖82. Aparentemente, no entanto, não tinha interesse em imitar o modus vivendi ou em equiparar-se socialmente a pessoas que ocupavam funções hierárquicas ou posições sociais mais elevadas do que as suas, nunca tendo demonstrado ao longo da vida, aspirações em ser admitido como igual na companhia dos ricos e poderosos, como Acheson, Forrestal ou McCloy o fizeram, consciente ou inconscientemente. Aliás, algumas vezes, é preciso que se diga, suas demonstrações de relutância nesse sentido eram até um pouco exageradas. Quando a equipe do PPS estava formulando o Plano Marshall e deliberando sobre as estratégias necessárias para obter a aprovação no Congresso às suas propostas, muito frequentemente George Kennan convidava seus colegas de equipe para passar o fim de semana em sua pequena fazenda na Pensilvânia, mas alguns tinham horror a isso. A propriedade estava constantemente precisando de reparos e - essencialmente prático - ele não tinha qualquer problema em colocar os amigos para pintar cercas ou radiadores, nem de subir no telhado para fazer consertos, quando necessário 83. Esse comportamento lhe renderia alguns problemas no Departamento de Estado, especialmente durante o período em que chefiou o Gabinete de Planejamento Político, pois tinha grande dificuldade em aceitar as limitações práticas que lhe eram impostas pela política e seu relacionamento com superiores burocráticos foi marcado por vários laivos de rebelião e até mesmo de desobediência. Uma ocasião típica dessa ― insubordinação‖ hierárquica foi em Moscou, em meados da década de 1930, quando o embaixador William Bullit foi substituído por Joseph Davies – um servidor nomeado para o cargo por suas relações pessoais com o Presidente Roosevelt e que 82 KENNAN, George. Memoirs, Boston: Little, Brown & Company, 1967. Pg. 9 83 ISAACSON & THOMAS, Op. cit. ,1986, p. 434 e 435. 71 era completamente alienado da realidade soviética. As atitudes e o posicionamento naîve do novo embaixador em relação aos expurgos de Stalin afrontavam sua equipe técnica que, apesar de indignados, procuravam acatá-lo, exceto Kennan. Incapaz de lidar com as exigências hierárquicas do sistema burocrático, ele foi tomado de tal furor nessa ocasião, que se pôs a escrever uma série relatórios denunciando as medidas de Stalin ao Departamento de Estado em Washington e insubordinando-se contra o Embaixador sempre que podia. Resultado: foi demovido do cargo sob o argumento de ― tratamento de saúde‖, e como punição exemplar, foi enviado para Praga, após uma breve passagem por Jerusalém e pela Divisão Russa da Europa Oriental, para a embaixada de Berlin por três anos e posteriormente, para Lisboa quando os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra. Nesses postos ele exercia atividades burocráticas regulares, ficando completamente afastado do objeto de sua especialidade, que era a União Soviética, até 1945, quando o recém nomeado embaixador William Harriman o requisitou de volta a Moscou como Chargé d´Affair da Embaixada 84. Ele se sentia desconfortável no mundo social em que Bohlen circulava com tanta desenvoltura. Tomava como ofensa pessoal qualquer crítica a suas opiniões técnicas e se amuava com facilidade. O forte vínculo que havia entre os dois burocratas era principalmente intelectual e eles eram muito diferentes em termos profissionais. Enquanto Bohlen era mais cordato e flexível às nuances ideológicas dos que se colocavam hierarquicamente acima dele, submetendo-se profissionalmente às regras burocráticas de seu cargo e acatando ordens superiores que contrariassem sua opinião técnica sem grandes pruridos, Kennan se sentia pessoalmente afrontado quando contrariado e, por várias vezes, ameaçou deixar o Serviço. No entanto, apesar de suas opiniões realistas relação aos soviéticos serem frequente motivo de inquietude para seus colegas no Departamento de Estado, por afrontarem diretamente a vontade do Presidente Roosevelt e de Harry Hopkins, gradualmente, ele começou a criar renome entre eles, que o viam como um pensador intuitivo, com a rara capacidade de verdadeiramente entender a complexidade da conduta soviética. 85 As ideias elaboradas por ele para explicar o comportamento dos soviéticos e que abundavam em seus constantes relatórios para Washington, evidenciavam a) as linhas geoestratégicas de 84 LUKACS, Op. cit, 2007. p.1-20 e KENNAN, Op. cit. 1967, p. 81-82. 85 LUKACS, Idem. 72 Mackinder e Spykman; b) a prática da realpolitik aprendida em seus estudos na Universidade de Berlim e c) um forte sentimento anti-soviético, herdado de Robert Kelley, do Departamento de Assuntos da Europa Oriental. Na questão geoestratégica, o determinismo histórico e geográfico de Mackinder e Spykman pode ser apontado em sua análise de que o medo permanente de invasões estrangeiras sempre provocara nos russos uma suspeita quase histérica em relação às demais nações. Essa característica nacional, para ele, era resultado tanto da grande extensão territorial da Rússia, que incentivava extremismos, quanto da insegurança nas fronteiras, que impedia os habitantes de se considerarem nativos de um território com limites bem definidos. Além da questão geográfica, historicamente, ele acreditava que muitos séculos de invasões asiáticas haviam produzido na Rússia um sistema de despotismo oriental e xenofóbico que, somado à influencia da igreja bizantina, era marcado pela intolerância e por sistemas políticos de intrigas e despotismo. Quando à prática da realpolitik ou do realismo político, deve-se notar que o termo é utilizado para conceituar uma política externa ou prática diplomática baseada principalmente na força e em considerações práticas e materiais e não em noções ideológicas, morais ou éticas. Seus maiores defensores foram Klemens Metternik e Otto Von Bismarck, que a aplicaram durante a unificação da Alemanha, no século XIX. Modernamente, E.H. Carr descreve o realismo político como a aceitação do que deve ser , argumentando que não existe dimensão moral sob o ponto de vista de política externa, pois certo é o que é bem sucedido e errado, o que fracassa. A realpolitik se distingue do idealismo por não ter regras fixas, mas por ser orientada a objetivos finais, limitada apenas por exigências práticas e sua principal finalidade é garantir os interesses da segurança nacional, desfazendo-se, para tanto, de quaisquer entraves morais que possam interferir em sua prática. Um exemplo de como a realpolitik é praticada nos Estados Unidos - um país que internamente defende os direitos humanos - é o fato de que, nos governos de Richard Nixon e Ronald Reagan, vários governos autoritários latino-americanos que violavam esses direitos s receberam apoio político e militar desses presidentes sob a justificativa de que, dessa forma, os norte-americanos teriam garantidos não apenas a manutenção de seus interesses naqueles países, mas também a estabilidade regional. 73 Finalmente, o sentimento anti–soviético que Kennan partilhava com Charles Bohlen e Loy Henderson86, também especialistas em União Soviética, denota tanto a influencia do realismo objetivo de Robert Kelley, seu superior na Divisão de Assuntos da Europa Oriental (Divisão Russa), quanto o efeito que os expurgos de Stalin contra seus opositores exerceram sobre eles durante sua estadia na Embaixada de Moscou na década de 1930. Cabe lembrar que a visão realista desses oficiais de carreira Roosevelt sobre os soviéticos, conflitava frontalmente com a visão idealizada de já que o ponto de vista presidencial era, por sua vez, influenciado por Harry Hopkins e por Eleanor Roosevelt, que partilhavam da mesma visão romântica sobre o socialismo. Kennan não acreditava na luta de classes ou na ditadura do proletariado e, durante sua primeira estadia em Moscou nos anos 1930, perdeu quaisquer ilusões que pudesse ainda ter em relação ao regime stalinista. Por trás do marxismo, ele percebia nos russos o medo ancestral das diferenças humanas e do mundo exterior que explicavam parte das brutalidades e desonestidades do regime 87. Para ele, a Rússia havia mudado o bolchevismo e não viceversa e essa opinião, que era partilhada por Loy Henderson e Charles Bohlen, seus companheiros na Embaixada, estava a anos-luz de distancia em relação ao pensamento do Presidente Roosevelt e dos que ele havia escolhido como conselheiros, como Harry Hopkins – ou de embaixadores, como Joseph Davies - em relação aos soviéticos88. Apesar de decepcionado com as políticas estabelecidas para lidar com os expurgos de Stalin, Kennan permanecia ideologicamente fiel a seu país, baseado muito mais em princípios de lealdade do que em identificação ideológica nacionalista, pois apesar de desiludido, considerava-se um funcionário público por opção e via o Serviço como um dever que deveria cumprir da melhor forma que conseguisse. 89 Da mesma forma que fazia críticas intelectuais ao comunismo, Kennan também se arvorava o direito de criticar a ineficiência da democracia liberal e da dependência que os governantes 86 Loy Henderson (1892) entrou no Serviço Externo em 1922 e foi secretário da Embaixada de Moscou entre 1934 a 1938, participando, juntamente com George Kennan, Charles Bohlen e Charles Thayer da primeira equipe estabelecida na Rússia após o reconhecimento do regime socialista pelos Estados Unidos. Também foi chefe da Divisão dos Assuntos da Europa Ocidental, da Divisão do Extremo Oriente, além de embaixador no Iraque e na Índia. TRUMAN LIBRARY. Oral History Interview with Loy Henderson. Disponível em http://www.trumanlibrary.org/oralhist/hendrson.htm e HENDERSON, LOY. A Question of Trust: The Origins of U.S.-Soviet Diplomatic Relations. New York: George W. Baer, 1968. 87 KENNAN, Op. cit., 1967, p. 70 88 KENNAN, Idem, p. 74. 89 KENNAN, Ibidem, p. 77 74 tinham da vontade popular. Durante um curto período que passou na Áustria em 1935, ele chegou a impressionar-se com a forma que o regime autocrático de Viena lidava com os problemas sociais: sem demagogias, sem discussões públicas ou debates com leigos, e sem os apelos populistas que caracterizavam os regimes democráticos, atitudes que o levaram a concluir, na época, que o despotismo esclarecido poderia ter muito mais vantagens de governança do que a democracia. Sendo afastado de seu posto em Moscou, Kennan passou um período em Praga antes de ser enviado para Berlim, em 1939, no início da guerra pois, aparentemente, seu talento para escrever relatórios não passava tão desapercebido por Washington, como ele imaginava. Em Berlim, mesmo testemunhando as vitórias do exército alemão, ele chegou à conclusão que o nazismo não seria bom para a Alemanha em longo prazo, considerando que ― nenhum povo seria grande o suficiente para estabelecer e manter uma hegemonia mundial‖90. Quando a Segunda Guerra estava terminando na Europa, Kennan esteve postado em Portugal até ser chamado de volta a Moscou para dar assistência como ministro-conselheiro ao novo embaixador, William Harriman, por indicação de Charles Bohlen que, na ocasião, atuava como chefe da área russa na Divisão da Europa Ocidental. A princípio, Harriman e Kennan tinham uma visão muito distinta quanto à guerra e ao papel da União Soviética nela. Harriman sabia o quanto os Estados Unidos precisavam da Rússia durante o conflito contra Hitler, portanto, sua perspectiva era mais próxima de Roosevelt do que de Kennan; ele achava, inclusive, que a aliança era mais importante do que outros problemas relacionados à natureza do governo soviético e acreditava que deveria haver cooperação entre os dois países não apenas durante a guerra, mas também após seu término. Com o tempo, no entanto, seis ou, no máximo, oito meses após a chegada de Kennan a Moscou, Harriman começou gradualmente a interpretar as evidencias acumuladas do comportamento e ambições soviéticos da mesma forma que seu conselheiro e em menos de um ano, já não havia mais diferenças entre eles. Em 1945, lentamente, as relações russo-americanas começaram a se deteriorar, prenunciando a guerra fria e as definições da política externa norte-americana que se concretizariam dois anos depois. Kennan não havia sido convocado para atuar como interprete, como Bohlen, nos acordos de Yalta, São Francisco ou Potsdam, mas isso não fizera diferença para ele porque 90 LUKACS, Op. cit. 2007, p. 48. E KENNAN, Op. cit, 1967, p. 120-121 75 não acreditava nesse tipo de instituição: ele conhecia as limitações e a falta de sentido de qualquer acordo com Moscou. Seu conhecimento de história e sua compreensão da natureza humana sustentavam sua convicção básica de que interesses nacionais eram e continuariam a ser mais poderosos do que qualquer organização internacional dedicada a assegurar a paz. Por isso, em fevereiro de 1946, quando Kennan recebeu um telegrama de rotina do Departamento de Estado, no qual o Departamento do Tesouro solicitava uma explicação para o comportamento soviético, que não demonstrava interesse em aderir às propostas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, ele o respondeu com o Longo Telegrama. E o efeito, como se sabe, foi rápido e sensacional: em poucos meses o documento havia circulado, sido copiado, enviado e lido pelos secretários da Guerra e da Marinha e por todos os que tinham, ou poderiam ter, quaisquer relações com a União Soviética. Estava configurado um dos principais instrumento de mudança que originaria a nova política dos Estados Unidos em relação à União Soviética e essa grande repercussão do Longo Telegrama devia-se a uma nova configuração no cenário político. a) o cordato e diplomático Roosevelt morrera e com ele, sua visão idealizada da União Soviética. Truman ocupava seu lugar e certamente, guardava uma opinião bem diferente de seus aliados da Guerra. b) Harry Hopkins, gravemente enfermo, já não dirigia mais a política externa; c) As atitudes autoritárias de Stalin em relação aos países da Europa Central começavam a repercutir negativamente entre a opinião pública norte-americana; d) James Forrestal, anti-comunista ferrenho, ascendeu ao posto de Secretário da Marinha por morte do titular, o moderado James Fox; e) William Harriman e Dean Acheson, internacionalistas declarados, também estavam, naquele momento, ocupando postos-chave no Departamento de Estado e viram no documento produzido por Kennan um instrumento ideológico, ou uma justificativa moral adequada para configurarem uma nova ordem internacional. Se enviado seis meses antes, provavelmente, a mensagem de Kennan teria sido recebida em Washington com grande desaprovação ou com desinteresse. Se enviado seis meses mais tarde, provavelmente teria soado como redundante, ou como uma espécie de pregação a convertidos. Apesar da realidade descrita por Kennan no Longo Telegrama ser a mesma dos últimos dez anos - permanecendo assim, aliás, por mais de meia década - o momento ideal para que ela fosse alardeada chegara. 76 Analisadas as trajetórias dos servidores concursados, observa-se abaixo o quadro que descreve as trajetórias dos servidores burocratas, seguido da análise comparativa do capital social acumulado por eles. Quadro III. Origens, Capitais Simbólicos e Trajetórias de Servidores Polítivcos Data e local de nascimento Gestão do capital social Fratrias familiares, sociais e acadêmicas William A Harriman John McCloy Robert Lovett Dean Acheson 15/11/1891 a 26/07/1986 Nova York, NY 31/03/1895 a 11/03/1989 Philadelphia, Pensilvânia 14/09/1895 a 07/05/1986 Huntsville, Texas 11/04/1893 a 12/10/1971 Middletown, Connecticut Forte influencia paterna relacionada a trabalho, dedicação ao país e responsabilidade social (noblesse oblige). Viagem ao Alasca com os pais cientistas e geógrafos aos oito anos. Em Groton, conheceu Gracie Hall Roosevelt, irmão de Eleanor. Amizade por toda a vida. Sua casa de infância foi doada à Columbia University em 1951 Filiou´se aos Democratas e apoiou Roosevelt em 1932 ´por suas idéias internacionalistas. Irmã Mary no Conselho da National Recovery Administration´s Consumer Advisory Commitee e ele também tinha cargo voluntário como representante de NY na Emergency Reimployment Campaign (relações diretas com Harry Hopkins), o que vai interessá-lo em política. Em 1934, assume Chefia da NRA e deixa Wall Street. Aluno dedicado, fascinado pelo grego. Favorito do treinador da escola, aprende a jogar tênis e futebol para ensinar aos filhos de ― gente bem‖. Low profile e habilidade para lidar com seus ― melhores‖ Lewis Douglas – filho de um mineiro que fez fortuna no Arizona (melhor amigo e cunhado). Colega de Amherst. Alista-se na 1ª. Guerra com Douglas e torna-se assistente do Gal. Guy Preston que no retorno, em 1919, tenta convencê-lo a seguir carreira militar. Formado, vai para Wall Street Longa associação com a família Rockefeller, originária de seus anos de Harvard, quando ele ensinava os dois jovens irmãos Rockfeller a velejar. Voou na 1ª. Guerra com o Serviço Britânico Aéreo Naval e na França, Comandou esquadrão aéreo dos EUA, juntamente com dois futuros Secretários Assistentes da Marinha para a Aviação, Artemus Di Gate e David Ingalls. Brilhante em Hill School, ele assumiu a classe quando tutor de Latim adoeceu, Anglófilo por influência dos pais, fiéis súditos da Rainha Vitória Desenvolve intelecto apurado e devoção aos valores e ao dever herdados do pai. Reverenciava os protocolos do poder, inspirava profunda confiança entre quem servia e entre os que o serviam por sua dedicação a altos princípios e ao pragmatismo. Independente e atrevido, em Groton criou uma espécie de resistência emocional que o ajudou a resistir à agressividade de McCarthy Groton lhe ensinou a confrontar diferenças de status e nas férias, trabalhou como operário na construção da Grand Truck Pacific Railway, onde descobriu que também existiam hierarquias de classe rígidas nas classes inferiores e que o prestígio era fundamental na lide com grande volume de trabalhadores ignorantes. . Influenciado por Felix Frankfurter, professor de Direito Administrativo em Harvard, tornou-se estudioso e interessado pelo Direito.. Frankfurter, por sugestão de McCloy, o recomenda como estagiário ao Juiz Brandeiss, seu associado e amigo pessoal. Filho do meio (primeiro homem) de Mary Williamson Averell (1879), herdeira de pequena ferrovia ao norte de New York e de Edward H Harriman (EHH) EHH: Office boy em Wall Street aos 14 anos, especulando na bolsa com dicas de Jay Gould e de Cornelius Vanderbilt. Acumulou enorme riqueza e presidiu Union Pacific e Southern Pacific (Ferrovias). Adversário e concorrente de J P Morgan e e James Hill. Filho único, órfãos aos seis anos. Mãe cabelereira, viúva, pobre e de origem holandesa da Pensilvânia. Ambiciosa e tenaz, procurou dar ao filho boa educação e criar uma boa rede de relacionamento à sua volta. . Pai descendente de escoceses-irlandeses, Vendedor de seguros e morrera quando McCloy era criança. Trabalhou com entregador de leite, professor de tênis, Filho único. Pai era Juiz e Presidente do Conselho da Union Pacific Railway (da família Harriman). Mãe era da aristocracia de Huntsville, no Texas Companheiro de infância dos irmãos Harriman, com quem participou da Skull & Bones em Yale e de quem seria sócio, posteriormente. Amizade com McCloy Primogênito, com dois irmãos mais novos. Pai britânico, emigrante, cursou Teologia no Canadá. Era severo e moralista, mas relacionava-se muito bem com filhos e paroquianos, não fazendo distinção de classe. Seus sermões eram voltados para a esperança, caridade e trabalho do bem. Mãe era neta de um importante destilador de whisky de Toronto, recebendo todos em sua casa, mas era mais elitista e arrogante que o marido. 77 Educação Fraternida des Acadêmica s Partido Cargos e Funções antes WWII Desentendimento com Ted Roosevelt. (por causa de indicação política). Avô paterno era clérigo episcopal de mineiros na California até mudar-se para Jersey City. Assumiu fortuna paterna aos 18 anos. Casou-se com Kitty Lanier Lawrence, filha de um banqueiro (divorcio 1936). Tiveram uma filha, Mary. Segundo Casamento: Marie Norton Whitney (exCornelius Vanderbilt Whitney). Viuvez e terceiro casamento: Pamela Churchill Hayward, ex Randolph Churchill e viúva de Leland Hayward, (Broadway) frescobol, handball e vela , no verão. Casou-se com Ellen Zinsser, filha de um industrial químico alemão judeu Cunhado de Lewis Douglas, , seu melhor amigo de Amherst e sócio em Wall Street. durante a 2ª. Guerra, sob Stimson (os gêmeos divinos). Casou-se com Adele Q. Brown, filha de James Brown, da Brown Brothers em 1919. Colega de quarto de Cole Porter em Yale e Harvard. Casou-se em 1917 com Alice Stanley, jovem pintora que gostava de política. Tiveram três filhos. Groton, Massachusetts (Eton da Nova Inglaterra, dirigida por Endicott Peabody) 95% dos alunos eram elite e cujos pais frequentavam clubes como o Somerset, Knickerbockers, Philadelphia e Baltimore. Gerou presidentes, secretários de Estado, governadores, senadores e embaixadores., além de muitos membros da OSS e da CIA. A maioria dos egressos optou por atuar no mercado de ações e em bancos governamentais Yale (1913) Peddle School, New Jersey - 1907 (próximo a Princeton) Amherst College – 1912 (Bolsa de Estudos) Graduado cum lauda, mas não foi aceito em Phi Beta Kappa. Harvard - Direito 1916 (guerra) 1921 Pós Graduação em Stanford Hill School, N York Yale (1918) – diploma in absentia Harvard (Direito e Administração-1921) Abandonou faculdades para acompanhar amigos de Yale a Wall Street. Governanta e ensino local até nove anos. Em Hamlet Lodge em Pomfre, , transitava livremente em qualquer grupo social, dando pouca importância às diferenças de classes. Groton: elemento e meio de distinção social permitia convivência entre filhos da elite tradicional, dos grandes magnatas comerciais e financeiros e dos novos ricos, mas além dos filhos da fortuna, havia espaço para filhos do clero episcopal, como era o caso de Acheson. Yale (1912), Direito em Harvard (19151918) Psi Upsilon Skull & Bones Beta Theta Phi Phi Beta Kappa (mais estudioso, mais brilhante e mais esforçado) Skull & Bones Psi Upsilon Skull & Bones Democrata Republicano 1922 abre WA Harriman que, em 1927 se transforma em Harriman Bros, com adesão do irmão Roland. 1931 – criação da Brown Bros Harriman que teve, entre seus diretores George H. Walker e Prescott Bush . Proprietário Union Pacific Railroad, Merchant Shipping Corporation e várias ações em outras empresas de transporte , além da Polaroid Corporation e da Soviet Georgiam Manganese Concessions. Trabalho em firma jurídica que trabalhava com ferrovias. Em 1925 recrutado pela firma Cravath, Henderson & de Gesdorff , que recrutava os melhores de Harvard, Yale e Columbia, em New York, treinava-os e depois tomava-os como associado. Na Cravath, ele trava amizade com Harriman e Lovett, a quem se unirá mais tarde na diretoria da Union Pacific e relações profissionais com James Forrestal e Paul Nitze, da Dillon, Read Co.. Republicano (Democrata) Oficial da Marinha, voou com os ingleses na 1ª. Guerra. Auxiliar Administrativo (1919) no banco do sogro. Posteriormente, sócio e diretor na Brown Bros. (1927) e associado, posteriormente, à Brown Bros Harriman (1930) e Democrata Democrata, Acheson trabalhou na Covington & Burlington em Washington (indicado por McCloy) que sempre lidava com problemas legais internacionais. Sub-secretario do Tesouro (1933) de FDR, não concordou com planos de mudança do preço do ouro, ficou pouco tempo no cargo. Sub-secretário do Tesouro: embargos de 1940 que levaram à crise com o Japão e ao subseqüente ataque a Pearl Harbor em 1941. Anos mais tarde volta a ser chamado por FDR para atuar no State, onde desenvolveu 78 muito da guerra econômica dos EUA contra o Eixo antes de sua entrada formal na WWII. (Lend-Lease). Caso Black Tom de 1916 o projeta como advogado. Cargos e Funções durante WWII Cargos e Funções durante Guerra Fria 1941-43 – enviado especial de Roosevelt à Europa para representa-lo perante Churchill e Stalin 1943 - Carta do Atlântico com FDR e Churchill 1943-45 - Embaixador na União Soviética (presenteado com um cavalo de troia para a Spaso House, em Moscou.). 1946 – Embaixador na Inglaterra. 1946-48 – Secretario do Comercio substituindo Henry Wallace 1949 - Encarregado de implantar o Plano Marshall e de manter contato com Irving Wallace (CIA) 1951 – Teerã, para negociar, com Loy Henderson os problemas relacionados à nacionalização da Anglo Iranian Oil Company 1954 – Eleito governador de Nova York 1952-56 – Candidato democrata à nominação à Presidência, mas perdeu para Adlai Stenvenson por ser considerado à esquerda, ou muito liberal para o Partido. 1961–63 - Embaixador no Laos e Secretario Assistente para Assuntos no Extremo Oriente. 1961 - Acusado por Anatoly Golitsyn de ser agente soviético, é respaldado pela CIA 1963- 1965 - Sub Secretario de Estado para Assuntos Políticos 1965 – Embaixador em Laos e negocia paz em Paris (Vietnan) Secretário Assistente de Guerra de Stimson, foi criticado por ter se oposto ao bombardeamento de estradas de ferro próximas aos campo de Auschwitz e às explosões atômicas em Hiroshima e Nagasaki. Não aceitou pagar compensações aos japoamericanos reclusos em campos de internamento durante a WWII. Presidente do Banco Mundial, Alto Comissário dos Estados Unidos para a Alemanha . Conselheiro Presidencial. Atuou na Comissão Warren. Membro do Establishment que criou a política externa do pós guerra. 1953-60 - Presidente do Chase Manhattan Bank 1958-65 - Fundação Ford 1946-49 e 1953-58 Conselheiro da Fundação Rockfeller. 1954-70 - Dirigiu o Conselho de Relações Externas (NY); sucedido por David Rockfeller, com quem havia trabalhado no Chase Manhattan. Membro do Comitê Draper instituído em 1958 por Ike Eisenhower. Conselheiro nas administrações John Kennedy, Lyndon Johnson, Richard Nixon, Jimmy Carter e Ronald Reagan. (Democratas). Um dos principais negociadores no Comitê de Desarmamento Presidencia. Após a guerra McCloy tornou-se associado da Milbank, Tweed, Hadley & McCloy , firma de advocacia vinculada aos Rockfeller. Atuou para as ― Sete Irmãs‖ petrolíferas, como a Exxon, em seu confronto inicial com o movimento de nacionalização na Libia, bem como em suas 1940 - Assistente Especial para Assuntos Aéreos de Stimson. (McCloy era Assistente Assuntos Gerais, Harvey Bundy era Assistente Especial e Forrestal era Subsecretário de Knox ) Lovett supervisionou expansão massiva da US AF e Army. Lovett, McCloy e Bundy renunciam em 1945 Lovett retorna à Brown Bros Harriman . Em 1946, voltou ao governo como sub sec Defesa, com Marshall. Fundamental na criação da CIA. Preocupado com programa de rearmamento a longo prazo.. Opôs- se a reconhecimento de Israel. Retorno a vida privada em 49, retornando à Defesa em 1950, quando Marshall assumiu o Pentágono. Durante Guerra Coréia, criou programa de rearmamento para guerra e para dissuasão e mobilização futura. Defendia treinamento militar universal para construir força de reserva, com estabelecimento militar regular menor. Forte defensor da OTAN, encarregou-se de armá-la. Propôs redefinição do Supremo Comando Militar , do Conselho de Munição, do Conselho de P&D . Preparou transição ordenada para Charles Wilson. Em 1953, retornou a Brown Bros Harriman. Oferta de qualquer posto (Joe Kennedy) em 1960 quando John foi eleito, mas declinou, Participou da Conferencia de Bretton Woods em 1944 (formulação de diretrizes para criação do FMI, Banco Mundial e GATT) como chefe da delegação do Dpto. de Estado Toda a estrutura da economia internacional do pós guerra foi criada nesse encontro. Subsecretário de Estado (1945-1949) sob Stettiniu,s James Byrnes e George Marshall. Papel decisivo na elaboração da Doutrina Truman e do Programa de Recuperação Européia, em parceria com Kennan, com cujas idéias concordava plenamente. Secretario de Estado (Truman-1949/1953) antecedido por Marshall e sucedido por Foster Dulles, com a finalidade de aplicar a política de contenção formulada por Kennan (Gabinete de Planejamento Político). Atuou na OTAN, como signatário dos EUA Secretário de Estado durante Revolução Chinesa e Guerra da Coréia. Dissuadiu Truman de enviar ajuda às forças francesas na Indochina, mas posteriormente, aconselhou Lyndon B. Johnson a negociar a paz com Vietcongs. Muito criticado por McCarthy, juntamente com Marshall (Defesa) por não terem impedido comunismo na China em 1949, foi acusado de favorecer os comunistas não os atacando no exterior, nem domesticamente. (― ataque dos primitivos‖) Em 1952, retornou à prática privada de advocacia, mas continuou influente na Casa Branca. Liderou grupos democráticos durante os anos Eisenhower e com escritório no Park Laffayette, do outro lado da Casa Branca, foi conselheiro 79 negociações com a OPEP e com a Arábia Saudita. Parcerias Robert Lovett, desde a infância Hall Roosevelt desde Groton Parcerias, Choques e Honrarias Honrarias Presidential Medal of Freedom (1969) West Point Militar Academy Sylvanus Thayer Award (1975) Parcerias Germanófilo (perdoou vários criminosos de guerra nazistas) Robert Lovett como amigo pessoal (Heavenly Twins) por toda a vida Honrarias Cidadão honorário de Rothemburg. Premio Sylvanus Thayer de West Point (1963) Presidentia Freedon Award (1963) Incluído no US Achievement Business Hall (1977) Presidente do Establishment norteamericanos, por sua posição privilegiada no mundo legal e longa associação com Rockefellers argumentado problemas de saúde, Indicou Dean Rusk como Secretário de Estado (Kennedy queria Fullbright), McNamara para Defesa e Douglas Dillon para Tesouro. não oficial de Kennedy, Johnson e Nixon. Participou do Crise de Mísseis Cubana como conselheiro do Executive Commitee) de Kennedy. Parceria: Felix Frankfurter Parcerias John McCloy George Kennan Dean Acheson Honrarias Presidential Freedom Award (1963) e Sylvanus Tahyer Award de West Point Cadeira de História Naval e Militar de Yale , em sua homenagem, ocupada por John Lewis Gaddis. Choques: McCarthy o acusava veementemente de leniência com comunistas. Nixon queixou-se de seu Colégio de Conteção Covarde ao Comunismo. Protege Alger Hiss contra McCarthy (espião comunista comprovado mais tarde , pelo Projeto Venona). 1950: adversários tentam removê-lo do cargo, Apóia Truman contra MacArthur na Guerra da Coréia. MacArthur queria estender conflito á China e Truman e Acheson queriam limitá-la à Coréia. Honrarias Presidential Freedom Award (1964) Premio Pullitzer por Memórias ― Present at the Creation‖ (1970). FONTES: ACHESON, 1965, 1987; LIBRARY OF CONGRESS, J KENNEDY LIBRARY & MUSEUM; HARRIMAN & ABELL, 1975; HARRIMAN, 1960, 1971; AMHERST COLLEGE ARCHIVES; BROWN, BROTHERS HARRIMAN & CO.; CRAVTH, SWAINE & MOORE LLP; COVINGTON & BURLING LLP; GICKER, 2006: HALBERTAM, 1972; HARRIMAN, Roland, 1975. HECKSHER, 1980; HIGH BEAN, ISSACSON & THOMAS, 1986; JEWISH VIRTUAL LIBRARY, HARRIMAN PERSONAL PAPERS; NITZE,1980,1989; PEARSON, 1949; ROBBINS, 2002; SKULL & BONES SOCIETY; TASK, 1985; US DEPARTMENT OF DEFENSE; US POSTAL SERVICES; WORLD BANK ARCHIVES; Considerando no Quadro III a posição de cada um dos servidores políticos na fratria familiar, observa-se que havia dois filhos únicos (Lovett e McCloy) e dois primogênitos (Harriman e Acheson). Em termos de escolaridade, os quatro fizeram seus estudos básicos e preparatórios em escolas privadas, apesar de McCloy ter origens sociais bem inferiores às de seus companheiros. Harriman e Acheson frequentaram o ensino básico em Groton, uma escola de elite que dava grande importância à hierarquia social. Lovett frequentou The Hill, que se destacava entre as melhores da Costa Leste por dar mais valor à aprendizagem e ao conteúdo do que ao status social de seus alunos e McCloy fez seus estudos preparatórios em Amherst, uma escola presbiteriana de boa qualidade acadêmica que oferecia bolsas de estudo para jovens carentes e esforçados. 80 Dos quatro, William Harriman era o que melhor se posicionava no campo econômico. Órfão aos dezoito anos, ele recebeu um império na área de transportes como herança. Lovett e Acheson, apesar de não serem tão abonados, tinham uma condição social confortável e puderam frequentar a universidade sem se preocupar com as despesas de suas fraternidades, ou com sua manutenção. McCloy teve que trabalhar durante todo o curso para manter-se e que contentar-se a frequentar uma fraternidade menos menos onerosa. Quanto às fraternidades universitárias, observa-se que Lovett, Acheson e Harriman frequentaram Yale, onde foram aceitos nas fraternidades Phi Beta Kappa91, PsiUpsilon92 e Skull & Bones93, respectivamente. McCloy, pertencente a um segmento social menos privilegiado, tinha recursos limitados e só conseguiu ingressar na Beta Theta Nu, uma fraternidade que, apesar de também valorizar a excelência intelectual, era menos prestigiosa ou opulenta que a Phi Beta Kappa. Acheson foi aceito na Psi Upsilon tanto por seu espírito gregário e sociável, quanto por sua amizade com Cole Porter, pois em Yale ainda não era bom aluno, preferindo festas e garotas aos livros. McCloy foi aceito somente na Beta Theta Nu porque, apesar de estar entre os primeiros de sua turma, trabalhava para estudar e não tinha como financiar os eventos de uma fraternidade muito rica. 91 A Phi Beta Kappa Society é uma sociedade de honra acadêmica cuja missão é celebrar e defender a excelência nas artes liberais e nas ciências, atraindo para suas fileiras os mais extraordinários alunos de artes e ciências nos principais colégios e universidades da América. In Phi Beta Kappa Society. Disponível em http://www.pbk.org/infoview/PBK_InfoView.aspx?t=&id=8. Acesso em 03/03/2011. 92 A Psi Upsilon é uma fraternidade social que tem uma fundação que oferece bolsas de estudos a seus membros nos Estados Unidos e Canadá, além de cursos de aperfeiçoamento. In Psi Upsilon. Disponível em http://www.psiu.org/about.html. Acesso em 03/03/2011. 93 A Skull & Bones é a mais tradicional e disputada de todas as fraternidades seniores de Yale. Anualmente são selecionados quinze alunos entre os calouros para se juntarem á sociedade. Tradicionalmente, a escolha recai sobre os líderes do campus e sobre outras figuras notáveis em várias áreas. Grupos como a Delta Kappa Epsilon Fraternity, a Yale Political Union e o Yale Daily News são muito bem representados, além de também serem escolhidos os capitães de vários esportes, como futebol, basquete e remo. A Skull & Bones tem a reputação de ter membros muito intimamente ligados à elite do poder, como é o caso, por exemplo, de Henry L. Stimson (1888), Secretário da Guerra; Percy Rockefeller (1900), diretor da Brown Brothers Harriman, da Standard Oil e da Remington Arms; George L. Harrison (1910), banqueiro; presidente do Federal Reserve Bank of New York, antigo diretor do Conselho da New York Life Insurance Co. e consultor especial de Henry L. Stimson; Averell Harriman (1913), empresário e sócio fundador da Harriman Brothers & Company e mais tarde, da Brown Brothers Harriman & Co.; Embaixador dos Estados Unidos e Secretário do Comércio; governador de New York; Diretor do Conselho e Diretor Executivo da Union Pacific Railroad, da Brown Brothers & Harriman, e da Southern Pacific Railroad; Prescott Bush (1916), empresário, um dos sócios fundadores da Brown Brothers Harriman & Co.; Senador por Connecticut (1952–1963), pai de George Bush e avô de George W. Bush.; F. Trubee Davison (1918), Diretor de Pessoal da CIA; Robert A. Lovett (1918), Secretário de Defesa e de Briton Hadden e Henry Luce (1920), co-fundadores da Time Life Enterprises, dentre muitos outros, não menos distintos ou importantes. In Skull & Bones Society. Disponível em http://www.skullandcrossbones.org/articles/skullandbones.htm. Acesso em 03/03/2011. 81 Harriman pertenceu à PSi Upsilon, como Acheson, além da Skull & Bones. Apesar de não ter sido um aluno brilhante como Bob Lovett, nem uma estrela social como Dean Acheson, destacou-se como capitão do time de remo, era muito rico e além de poder fazer grandes doações à escola, tinha amizades certas nos círculos mais estritos e elevados, que certamente lhe facilitaram a aceitação em várias fraternidades de prestígio. Lovett foi aceito na Phi Beta Kappa por ser considerado o mais estudioso, o mais brilhante e mais esforçado de sua turma em Yale. Além disso, por suas relações muito próximas com Roland e Averrel Harriman e com o círculo de amizades dos dois jovens milionários, também foi aceito na Skull & Bones. Em suma, observar-se que Harriman e Acheson partilharam a Skull & Bones com Lovett e que ambos também foram aceitos pela Psi Upsilon. Em função da morte do pai e por ter que assumir seus negócios, Harriman não seguiu carreira acadêmica após graduar-se em Yale em 1913, mas Lovett, Acheson e McCloy foram para Harvard, para cursar Direito tão logo saíram de suas escolas preparatórias. A Primeira Guerra afetou a vida acadêmica de Lovett e McCloy, que se alistaram e interromperam a universidade, mas Acheson já havia se graduado em Direito em 1917, quando se alistou na Marinha e Harriman, já casado, decidiu não pegar em armas, mas construir navios para ajudar seu país a vencer a guerra. Quando Lovett retornou da guerra, tentou cursar Administração em Harvard, pois não se sentia atraído pelo Direito, mas após um ano sem conseguir motivar-se, abandonou a universidade e foi juntar-se a seus amigos que já estavam atuando em Wall Street. McCloy, sem fortuna e com um capital social ainda muito volátil,voltou para Harvard e terminou o curso de Direito, antes de ir tentar a vida em Nova York. Averell Harriman e Bob Lovett mantinham vínculos estreitos bem antes de atuarem juntos em Wall Street, pois se conheciam desde 1904, em virtude do relacionamento profissional de seus pais. Lovett era mais novo que Harriman e, a princípio, seu vínculo era maior com Roland Harriman, que tinha aproximadamente a sua idade. Acheson conheceu Harriman em Groton, quando este chefiava o time de remo e seu relacionamento se firmou em Yale, quando ambos frequentavam os mesmos círculos esportivos e sociais, com muitos amigos e fraternidades comuns. 82 McCloy nunca tivera contato social com Harriman, Lovett ou Acheson até Harvard, mas posteriormente, os quatro se cruzarão em Wall Street por intermédio de seus escritórios de advocacia. Harriman e Lovett eram filhos de self made men que fizeram fortuna no fim do século XIX com o boom das estradas de ferro, o que os situava nas camadas mais elevadas do estrato social na Costa Leste e no Sul, respectivamente. Harriman pertencia à rica elite emergente e Lovett, pelo lado materno, à elite tradicional empobrecida com a Guerra Civil. Dean Acheson era filho de um pastor presbiteriano de recursos moderados, mas com grande capital social entre seus paroquianos e John McCloy era órfão de pai, um imigrante irlandês de recursos escassos. Os pais de Harriman, Lovett e acheson casaram-se acima de sua classe: E H Harriman, com a filha de um proprietário de estradas de ferro no Norte dos Estados Unidos, quando ainda era filho de um ministro presbiteriano remediado; Robert S Lovett, já advogando, casou-se com uma dama de família aristocrática do Sul e Robert Acheson, quando ainda cursava Teologia para tornar-se ministro, com a neta de um destilador de uísque canadense. Ou seja, as mães de William Harriman, Bob Lovett e Dean Acheson eram mulheres mais finas, educadas e aristocráticas que seus maridos. E H Harriman e Robert Lovett eram workaholics, mas nunca tiveram estudo formal e sua desenvoltura social era relativamente limitada em relação às suas esposas. Robert Acheson, como pastor anglicano, era melhor preparado intelectualmente, mas também não tinha o trânsito social de sua esposa. Por isso, a influência materna sobre os filhos - sob o ponto de vista de traquejo social - foi tão importante para suas futuras carreiras políticas, quanto a exercida pelos pais, nas questões de ambição acadêmica e de postura moral. Anna McCloy casou-se em sua classe, mas como ficou viúva muito jovem e o marido não lhe deixou bens, teve que trabalhar para sustentar a si e ao filho. Além de Lavinia A. Lovett, que era professora da Escola Normal de Huntsville, Anna foi a única a exercer trabalho manual para sobreviver. Mary Averell Harriman e Eleanor Gooderham Acheson só exerceram atividades domésticas próprias da elite, mas por terem recebido a educação refinada do último período vitoriano, retransmitiram aos filhos os valores e os comportamentos sociais exigidos pelas classes mais elevadas. Durante o período escolar, todos os quatro rapazes criaram vínculos importantes para sua futura vida profissional e política. Groton, frequentada pela elite da Costa Leste, unificou sob 83 a mesma filosofia Harriman e Acheson, ligando-os a figuras proeminentes da política e do mercado financeiro por meio das fraternidades juniores a que aderiram e que posteriormente, reforçaram suas redes de relacionamento em Yale. Em Hill School, Lovett conheceu Artemus Gates e David Ingalls, os amigos que viveriam com ele, posteriormente, a experiência do Esquadrão de Reserva de Yale e que, sucessivamente, seriam Secretários Assistentes da Marinha para a Aviação no governo Roosevelt, antes dele. Ambos teriam grande influência no processo que o atrairia para a máquina administrativa governamental. Harriman foi o primeiro do grupo a casar-se, em 1915, com Kitty L Lawrence, filha de um rico banqueiro de New York. Ao divorciar-se, ele escolheu as duas esposas seguintes em seu círculo social94. Lovett casou-se em 1919 com Adele Brown, filha caçula do Juiz James Brown. O casamento lhe rendeu um emprego na Brown Brothers95 em 1921, estágio em Londres na Brown Shipley & Co, um banco mercantil que havia sido fundado pelos Brown em Liverpool no século anterior. Em 1926, sete anos após seu casamento, tornou-se sócio da Brown Brothers e passou a fazer parte do comitê executivo e de diretoria da Union Pacific. Para ele, o casamento significou um upgrade econômico, além ter sido muito conveniente sob o ponto de vista social pois, como a 1ª. Guerra havia quebrado barreiras sociais para receber os novos-ricos da indústria, ele pode mesclar-se livremente com o dinheiro patrício da sociedade tradicional, como o dos Brown. Dean Acheson casou-se em 1917, durante a guerra, quando ainda servia na Guarda Nacional, com Alice Stanley96, uma jovem artista plástica que fora colega de quarto de sua irmã Margot 94 Em segundas núpcias, William Harriman uniu-se a Marie Norton Whitney, ex-mulher de Cornelius Vanderbilt Whitney, com quem viveu até a morte dela, em 1970. Um ano depois, aos setenta e cinco anos, casou-se com Pamela Churchill Hayward, ex-esposa de Randolph Churchill e viúva de Leland Hayward, um produtor da Broadway. Viveu com ela até morrer, em 1986. BLAND, Larry I. Averell Harriman, the Russians and the Origins of the Cold War in Europe: 1943-45. Australian Journal of Politics and History, 1977. 23(3): 403416. 95A Brown Brothers fundiu-se com a Harriman Brothers em 1931 e se transformou na bem sucedida Brown Brothers Harriman & Co. que teve entre seus diretores George Herbert Walker e seu genro Prescott Bush, avô de George W. Bush. ISAACSON & THOMAS. Op.cit,, 1986. 96 Alice Stanley Acheson tornou-se uma proeminente pintora de Washington, originária de uma família em que os pais e os avós eram pintores. Ela expor seus trabalhos - óleos e aquarelas com cenas em Washington, retratos e paisagens dos locais em que ela e seu marido visitaram enquanto ele era Secretário de Estado - em galerias e museus em Washington e em outros locais por décadas. HIGH BEAN. Alice Stanley Acheson. Disponível em http://www.highbeam.com/doc/1P2-761673.html . Acesso em 03/03/2011. 84 na Wellesley University. Ela não lhe agregou capital financeiro ou político, pois sua família era, há algumas gerações composta por pintores e artistas plásticos, mas a estabilidade de seu casamento deu a Harriman enorme segurança emocional para enfrentar os embates que teria com McCarthy na década de 195097. John McCloy casou-se em1930, com Ellen Zinsser, filha de um industrial judeu de origem alemã que se estabelecera nos Estados Unidos em 1897 e fundara sua própria companhia de produtos químicos. Por influência da esposa, ele desenvolveu um olhar menos preconceituoso sobre o povo alemão do que a maioria de seus compatriotas, mesmo durante a 2ª. Guerra e principalmente depois dela, quando foi nomeado Alto Comissário para a Alemanha. William Harriman e Dean Acheson pertenciam ao Partido Democrata, mas McCloy e Lovett eram republicanos. As nomeações de ambos eram consequência da estratégia apartidária adotada por Roosevelt para convencer a oposição a aprovar suas medidas de auxílio aos Aliados e mantida por Truman; foram atraídos ao governo pelo igualmente republicano Henry Stimson98 quando este foi nomeado para o cargo de Secretário da Guerra em 1940. 97 ACHESON, Op. cit., 1969. 98 Henry Stimson pertencia a uma família rica e tradicional de Nova York, envolvida por muitas gerações com o Partido Republicano. Estudou na Phillips Academy em Andover, Massachusetts e em Yale, onde foi iniciado nas fraternidades Phi Beta Kappa e Skull & Bones, que lhe permitiram manter muitos contatos importantes para o resto de sua vida. Graduou-se em Direito por Harvard em 1890 e juntou-se à firma Root and Clark em Wall Street, onde conheceu Elihu Root, futuro Secretário da Guerra e de Estado, que se tornaria uma das maiores influências e modelo em sua vida. Casou-se nesse mesmo ano com Mabel Wellington White, uma tetra-neta de Roger Sherman, mas não tiveram filhos. Em 1906, Ted Roosevelt o nomeou Promotor de Justiça para o distrito sul de Nova York e em 1911, o presidente William Taft o nomeou Secretário de Guerra, cargo que ocupou até 1913, quando Wilson assumiu o poder. Em 1927 Calvin Coolidge o enviou para negociar a independência da Nicarágua e em seguida, Governador Geral das Filipinas, cargo que ocupou até 1929, quando o Presidente Hoover o nomeou Secretário de Estado. Nesse período, elaborou a Doutrina Stimson, como resultado da invasão japonesa à Manchúria, na qual os Estados Unidos se recusavam a reconhecer qualquer situação ou tratado que limitasse os direitos norte-americanos ou que fosse resultado de alguma agressão. Tendo retornado à vida privada no fim do governo Hoover, Stimson advogava firmemente que os Estados Unidos deveriam apresentar forte oposição às agressões japonesas. Durante a Segunda Guerra, para formar um governo de coalisão em 1940, o presidente Roosevelt – Democrata – o chamou de volta para chefiar o Departamento de Guerra. Durante a guerra, Stimson dirigiu a expansão das forças armadas, conseguindo administrar a convocação e o treinamento de doze milhões de soldados e a compra e o transporte para os campos de batalha de 30% de toda a produção nacional. Também foi encarregado do Projeto Manhattan, supervisionando-o diretamente com o General Leslie Groves. Após a Guerra, ele se opôs firmemente á desindustrialização da Alemanha e à sua divisão em vários pequenos estados. Como promotor de justiça, ele insistiu, contra a vontade inicial de Roosevelt e de Churchill em promover um julgamento formal contra criminosos de guerra. Tendo recebido a aprovação de Truman, juntamente com o Departamento de Estado, elaborou a primeira proposta para a formação de um Tribunal Internacional que mais tarde levaria aos Julgamentos de Nuremberg entre 1945 e 1946, que teriam significativa importância no desenvolvimento do Direito Internacional. Com o fim da guerra e aos 75 anos, Stimson renunciou ao cargo e voltou à vida privada. In US History. Disponível em http://www.u-s-history.com/pages/h1665.html. Acesso em 03/03/2011. 85 Antes da Segunda Guerra, as trajetórias desses internacionalistas se cruzaram em Wall Street: Harriman havia criado a Brown Bros Harriman fundindo as duas empresas em 1931 e consolidado materialmente os vínculos sociais que mantivera com Bob Lovett desde a infância. Acheson foi contratado pela Covington & Burlington99 por indicação de John McCloy – então sócio na Cravath100 firma legal que lidava com problemas internacionais em New York, - e a partir de vários casos comuns em que se confrontaram como adversários, ou como parceiros legais, os laços de amizade firmados com Harriman em Groton e Yale por causa do time de remo, foram reforçados. A primeira participação de Dean Acheson no governo foi em 1933 quando, por indicação de seu professor Felix Frankfurter101, foi nomeado Sub-Secretário do Tesouro. Por ter 99 A Covington & Burling LLP foi fundada em Nova York em 1919 e atualmente é uma firma de direito internacional com escritórios em Beijing, Bruxelas, Londres, Nova York, São Francisco, Vale do Silício, São Diego e Washington. Seus advogados fazem aconselhamento jurídico a corporações multinacionais em assuntos relacionados a transações de grande porte, litígios, regulamentação e políticas públicas. Está classificada entre as 20 maiores do país, tomando por referencia as atividades pro bono, a satisfação de seus associados e a diversidade de suas atividades. In Convington & Burling LLP. Disponível em http://www.cov.com/about_the_firm/firm_history/. Acesso em 03/03/2011. 100 A Cravath, Swaine & Moore LLP (Cravath) é uma firma advocatícia com sede em Nova York e com uma filial em Londres. É a segunda firma mais antiga do país e foi fundada em 1819, posicionando-se entre as mais importantes do mundo. In Cravath Swaine & Moore LLP. Disponível em http://www.cravath.com/ . Acesso em 03/03/2011. 101 Felix Frankfurter era judeu e austríaco. Emigrou com sua família para os Estados Unidos aos 12 anos, instalando-se no Lower East Side de Nova York, onde teve seu primeiro contato com palestras políticas sobre sindicalismo, socialismo e comunismo. Graduou-se pelo City College de NY, fazendo parte da fraternidade Phi, Beta Kappa e foi para a faculdade de Direito de Harvard, onde criou vínculos de amizade com Walter Lippman, tornou-se editor da Harvard Law Review e graduou-se com as melhores notas de sua turma. Após formar-se, juntou-se à firma jurídica Hornblower, Bryne, Miller and Porter e em 1906, tornou-se assistente de Henry Stimson, então Promotor do Distrito Sul de Nova York. Em 1911 o presidente William Taft indicou Stimson para Secretário da Guerra, e este o nomeou como oficial jurídico do Escritório de Assuntos Internos, onde se tornou assistente e confidente do Secretário. Suas opiniões progressistas impressionaram o diretor da Faculdade de Direito de Harvard, que o convidou para ensinar Direito Administrativo. Na mesma época, atuou como conselheiro da Liga Nacional de Consumidores defendendo causas progressistas, como o estabelecimento de salários mínimos e a diminuição do horário de trabalho. Durante a 1ª. Guerra serviu como assistente especial de Newton D. Baker, Secretário da Guerra, supervisionando como juiz geral as cortes marciais do Departamento. Em 1917 o presidente Wilson o nomeou para uma comissão de mediação que se propunha a resolver greves que estavam atrapalhando a produção de guerra. Seu trabalho lhe deu a oportunidade de aprofundar conhecimento sobre políticas trabalhistas e extremismos como o anarquismo, o comunismo e o socialismo evolucionário. Ele simpatizava com as reivindicações trabalhistas e suas atividades fizeram com que o público o visse como um advogado radical, defendendo opiniões radicais. No fim da guerra, foi um dos intelectuais que assinou a declaração de princípios para a formação da Liga das Nações e defendia a participação dos Estados Unidos em assuntos internacionais. Envolvido na questão sionista por Louis Brandeiss, seu amigo e Juiz do Supremo, ajudou a pressionar o Presidente Wilson a dar suporte à Declaração Balfour, um documento do governo britânico que apoiava o estabelecimento de um estado judeu na Palestina. De opiniões radicais, ele foi um dos maiores ativistas pelo reconhecimento da União Soviética pelos Estados Unidos em 1919, ajudou a fundar o Sindicato Americano das Liberdades Civis e sempre batalhou na defesa dos direitos civis e humanos das minorias. Professor do curso de Direito de Harvard, ele 86 discordado de Roosevelt quanto à mudança do preço do ouro, ficou pouco tempo no cargo, mas em seu terceiro mandato, o presidente o chamou de volta ao Tesouro e ele participou ativamente, tanto da elaboração legal dos embargos de 1940 que levaram à crise com o Japão, quanto do programa de ajuda econômico-militar aos Aliados (Lend-Lease102), juntamente com Harriman, Forrestal e Harry Hopkins Também foi em 1940 que Lovett e McCloy, que haviam trabalhado durante a Primeira Guerra como oficiais juniores de Henry Stimson, foram convocados para auxiliá-lo a estruturar as forças armadas norte-americanas para uma eventual intervenção no conflito recém iniciado na Europa. Sob Stimson, Bob Lovett tornou-se responsável pela área de Assuntos Aéreos e John McCloy, pelos Assuntos Gerais. Ambos trabalharam intensa e eficientemente com o Secretário na logística de produção e distribuição dos armamentos e das forças terrestres, navais e aéreas na Europa e na Ásia, e foi durante esse período que tiveram os primeiros contatos profissionais com George Marshall, então Chefe do Estado Maior e responsável pela reorganização e modernização da estrutura do Exército e Força Aérea, além da administração de todo o processo de moradia e suprimento de mais de oito milhões de soldados. Pelos vínculos pessoais que criara com Winston Churchill na Inglaterra e pelas relações comerciais que mantivera com a União Soviética durante a década de 1930, William Harriman foi nomeado enviado especial do Presidente à Europa, entre 1941 e 1943. Nesse período, trabalhou diretamente com Dean Acheson, sub Secretario de Estado e com James Forrestal, Sub-Secretário da Marinha que faziam lobby no Congresso em favor do Lend- continuou seu trabalho em defesa dos socialistas e das minorias religiosas e oprimidas, tendo se envolvido, nos últimos anos da década de 1920 com o julgamento de Sacco e Vanzetti, argumentando que ambos eram vítimas de preconceito contra imigrantes anarquistas. Por suas opiniões radicais, ele angariou muitos inimigos e não era muito bem vista pela elite de Boston. In Jewish Virtual Library. Disponível em http://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/biography/frankfurter.html. Acesso em 03/03/2011. 102 Lend-Lease ou Empréstimo-Arrendamento foi o nome dato ao programa sob o qual os Estados Unidos supriram a Inglaterra, União Soviética, China, França e outras nações Aliadas com grande quantidade de material bélico entre 1941 e 1945. O projeto foi transformado em lei em 11/03/1941, antes da entrada dos Estados Unidos na guerra e deu fim à pretensa neutralidade daquele país. Cerca de US$ 50.1 bi em suprimentos foram enviados para o teatro da guerra: US$ 31.4 bi para Inglaterra, US$ bi para União Soviética, US$ 3.2 bi para a França e US$ 1.6 bi para a China. Após a data determinada para a devolução, os suprimentos foram vendidos à Inglaterra com desconto, por £ 1.1 bi através de empréstimos de longo prazo oferecidos por bancos norte-americanos. O Canadá operou um programa semelhante, que enviou US$ 4.7 bi em suprimentos para Inglaterra e União Soviética. Esse programa foi um passo decisivo nas relações entre Europa e Estados Unidos – que desde o fim da Primeira Guerra haviam mantido uma politica isolacionista nas relações internacionais. In US History. Disponível em http://www.u-s-history.com/pages/h1600.html . Acesso em 03/03/2011 e in Navy History. Disponível em http://www.history.navy.mil/faqs/faq59-23.htm. Acesso em 03/03/2011. 87 Lease e trabalhavam nas pontas jurídicas e militares do acordo. No exterior, juntamente com Harry Hopkins, ele servia como elemento de ligação entre Roosevelt, Churchill e Stalin. Chip Bohlen o acompanhava, bem como ao Presidente, a Harry Hopkins e ao Secretário de Estado Edward Stettinius em todos os encontros com a liderança soviética como intérprete, enquanto Kennan digeria seu ― castigo‖ burocrático na Alemanha e em Portugal, por causa do conflito com Joseph Davies. Harriman, Hopkins e Acheson foram diretamente responsáveis pelo amarramento diplomático da Carta do Atlântico em 1943, firmada entre o presidente norte-americano e Winston Churchill. Após garantir diplomática e legalmente o acordo com a Inglaterra que promoveria a descolonização da Ásia e da África no pós-guerra, Harriman foi nomeado embaixador em Moscou, onde representaria os interesses de seu país entre 1943 a 1945. Enquanto embaixador em Moscou, Harriman teve o primeiro contato com George Kennan, a quem, por indicação de Chip Bohlen, convocara em Portugal para assumir o cargo de Chargé d´Affairs em sua embaixada. Em 1946, Harriman foi apontado como Embaixador em St. James por um curto período, logo sendo chamado de volta aos Estados Unidos para ocupar o cargo de Secretário do Comércio, substituindo Henry Wallace. Em 1949, transformou-se novamente em enviado especial de Truman na Europa, com a finalidade de implantar o Plano Marshall e de acompanhar os rumos do movimento socialista na Europa Ocidental por meio de contatos com Irving Wallace, que trabalhava para a CIA. Após a Guerra e durante todo o mandato de Truman, McCloy recebeu nomeações do Presidente para a Presidência do Banco Mundial e para o Alto Comissariado dos Estados Unidos para a reestruturação da Alemanha Ocidental. Pelas duas funções exercidas, intensificou seus vínculos com Lovett, nomeado Sub-Secretário da Defesa, sob Forrestal; com Acheson e Marshall, no Departamento de Estado e com Kennan, no PPS. A atuação de Lovett, na função de Sub Secretário de Forrestal, na Defesa, bem como a de Kennan, Henderson, Nitze e Acheson, no Departamento de Estado, foram fundamentais para a criação da CIA, em 1947, como parte da estratégia estabelecida pela Doutrina da Contenção para controlar e combater a subversão de valores capitalistas por forças soviéticas. Ao contrário do que Kennan defendia, Lovett demonstrou grande preocupação em rearmar os Estados Unidos a longo prazo pois, como James Forrestal e Paul Nitze, o rumo dos 88 acontecimentos na Europa e na Ásia o faziam temer um conflito direto com a União Soviética. Em 1949, por ocasião da morte de Forrestal, Lovett retornou à vida privada, mas em 1950, quando Marshall se cansou dos ataques de McCarthy ao Departamento da Defesa e foi para o Pentágono, ele o substituiu como titular da pasta e durante a guerra da Coréia e foi responsável pela implantação do programa de rearmamento que havia idealizado em sua gestão como Sub-Secretário. O novo programa, voltado não só para a guerra, mas também para atuar como elemento de dissuasão e de mobilização futura, implicava em treinamento militar universal e tinha a finalidade de constituir força militar de reserva, reduzindo o contingente militar fixo. Lovett também foi um ardoroso defensor da OTAN, tornando-se o principal responsável por armá-la de acordo com interesses do complexo industrial militar norte-americano e dos aliados. Em relação às forças militares dos Estados Unidos, propôs a redefinição do Supremo Comando Militar, do Conselho de Munição e do Conselho de Pesquisa e Desenvolvimento com a finalidade de agilizar o processo burocrático nas altas instâncias. Quando Truman foi apeado do poder por Eisenhower em 1952, ele retornou para a Brown Bros Harriman103 e para suas atividades jurídico-financeiras. Em 1960, quando Joe Kennedy o convidou para voltar ao governo no Gabinete de seu filho, Lovett declinou a honraria, argumentando questões de saúde - mas seu capital social ainda estava tão elevado, que fez a indicação de Dean Rusk para o Departamento de Estado (Kennedy queria Fullbright), de Robert McNamara para a Defesa e de Douglas Dillon (da Dillon, Read & Co. de Forrestal) para o Tesouro104. E só a título de lembrança: os Kennedy eram democratas e Robert Lovett, republicano. 103 A Brown Brothers Harriman & Co. (BBH) é o mais antigo e maior banco privado dos Estados Unidos. Além da prestação de serviços financeiros, a empresa oferece tutela global e troca de moedas estrangeiras; de serviços de private equity , fusão e aquisição de propriedades em qualquer país do mundo; gestão de investimento para pessoas físicas e jurídicas; administração de bens; seguros e assistência a clientes no mercado de ações. É particularmente notável o grande número de políticos norte americanos influentes e de servidores nomeados pela Presidência que trabalharam para ela desde sua fundação em 1931. Dentre eles, principalmente, W. Averell Harriman, Prescott S. Bush (avô de George W. Bush e pai de George Bush) e Robert Lovett (coincidentemente, todos eram membros da Skull & Bones e maçons). Atualmente, a firma tem 40 associados e cerca de 4.000 funcionários distribuídos em suas filiais pelo mundo. In Brown Brothers Harriman. Disponível em http://www.bbh.com/index.shtml. Acesso em 03/03/2011. 104 Department of Defense. Disponível em http://www.defense.gov/specials/secdef_histories/bios/lovett.htm. Acesso em 03/03/2011. 89 Dean Acheson - que atuara como Sub-Secretário de Estado de Edward Stettinius, James Byrnes e George Marshall e que acumulara imenso capital social pelas atividades desenvolvidas no governo tanto ao longo da Segunda Guerra, quanto após seu termino – participou em 1944 da Conferencia de Bretton Woods em que foram formuladas as diretrizes que criaram o FMI, o GATT (que não foi aceito pelo Congresso norte-americano e substituído mais tarde pela Organização Internacional do Trabalho) e o Banco Mundial – do qual John MCCloy seria presidente105, definindo legalmente as estruturas da economia mundial do pós guerra, como chefe da delegação do Departamento de Estado. Pelas funções que exercia no Departamento de Estado, Acheson aproximou-se muito do presidente Truman e teve um papel decisivo, ao lado de Forrestal e de Kennan, na elaboração do Ato de Segurança Nacional de 1947 (Doutrina Truman) e do Programa de Recuperação Européia (Plano Marshall). Entre 1949-1953, após a saída de Marshall do Departamento de Estado, Acheson assumiu como titular, sofrendo forte crítica da imprensa e, principalmente após 1950, do Senador Joseph McCarthy sobre as medidas adotadas por sua pasta em relação aos avanços do comunismo. Atuou na formação da OTAN como signatário dos Estados Unidos e tentou minorar os estragos causados ao capitalismo pela Revolução Chinesa e pela Guerra da Coréia. Em 1952, quando Truman passou a presidência para Eisenhower, Dean Acheson retornou à a prática privada da advocacia, mas continuou fazendo aconselhamento político e jurídico para a Casa Branca durante os governos Kennedy, Johnson e Nixon. Finalmente, segue abaixo a análise comparativa do Quadro IV, que contempla os servidores militaristas. 105 John McCloy foi o segundo presidente do Banco Mundial, indicado por Eugene Mayer como seu sucessor. Durante seu mandato, (1947 a 1949) ele priorizou a obtenção de recursos no mercado, o início das operações de empréstimo para reconstrução e desenvolvimento dos países afetados pela guerra, o fortalecimento da equipe administrativa que assumiria as questões técnicas do banco e principalmente, a definição de funções e de responsabilidades de cada diretor executivo e do presidente, além de definir, igualmente, o relacionamento que o Banco deveria ter com as Nações Unidas e com o governo dos Estados Unidos. In World Bank Archives. Disponível em http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/EXTABOUTUS/EXTARCHIVES/0,,contentMDK:2050472 8~pagePK:36726~piPK:437378~theSitePK:29506,00.html. Acesso em 03/03/2011. 90 Quadro IV. Origens, Capitais Sociais e Trajetórias de Servidores Militaristas George Marshall James V Forrestal Data e local de nascimento 31/12/1880 a 16/10/1959 Uniontown, Pennsilvanya 15/02/1892 a 22/05/1949 Matteawanm Beacon, NY Gestão do capital social Serviu em vários postos nas Filipinas entre 1901 e 1905. Primeira. Guerra: Assistente do Gal. John J. Pershings, ttreinando soldados e planejando suas ações Permaneceu no cargo após armistício e serviu na China (1924 a 1927) Foi instrutor no War College de West Point(1927), na Infantry School (1927 a 1932) e instrutor senior na National Guard of Illinois (1933 a 1936) Boxeador amador Era frio e indiferente com a família. Depois de sair de casa, raramente falava de seu passado ou visitava os pais. Ambicioso, workaolic compulsivo, introspectivo, obsessivo, tímido, filosófico, solitário e emocionalmente inseguro. Dizia que ― obscuridade‖ era seu hobby predileto. Família classe média alta, oriunda da Virginia. Seu pai tinha próspero negócio com minas de carvão Avô John Marshall ficara mais tempo como Juiz da Suprema Corte daquele estado do que qualquer outro (cargo eletivo) Caçula, não tinha os mesmos pendores acadêmicos que irmão mais velho. Família de imigrante irlandês, Pai diletante em política e trabalhador braçal em construção civil que conseguiu montar sua própria construtora. Mãe o educou como católico devoto, mas ele abandonou religião Casado com Josephine Ogden, jornalista da Vogue e ex-dançarina de Ziegfield (depressiva e alcoolista). Tiveram dois filhos. Instituto Militar da Virginia (1901) Escola de Cavalaria-Infantaria do Forte Leavenworth (1907) Colégio de Pessoal do Exército. Matteawam High School (1908). Dartmouth College (1911) transferiu-se para Princeton (1912), (editor do The Daily Princetonian), abandonou o curso no ultimo ano Votado pela classe como ― o mais provável a ser bem sucedido‖, Fratrias familiares e sociais Educação Fraternidades Acadêmicas Partido Cargos e funções antes WWII Cargos e funções durante WWII Kappa Alpha Order (1901) Democrata Serviu na França com Alto Comando, sob John Pershings treinando soldados e planejando operações desenvolvidas por eles. Após guerra e até 1924, manteve-se como auxiliar de campo de Pershings. Entre 1924-1927, assume funções na China Voltando aos EUA, assumiu como instrutor em escolas do exército, como o Colégio de Guerra de West Point, Em 1938 foi para o Alto Comando em Washington e no ano seguinte, assumiu a chefia do Estado Maior. Chefe do Estado Maior, reordenou a estrutura do Exército e Força Aérea em 1941. Administrou processo de moradia, suprimento e distribuição de oito milhões de soldados durante 2ª. Guerra. Compôs comitê que supervisionou estudos atômicos, com cientistas americanos e britânicos. Apontou D. Eisenhower como Comandante Supremo dos Aliados. Idealizou a Operação Overlord, que promoveu a invasão da Normandia para libertar a França dos alemães. Participou das seguintes conferencias: Carta do Atlântico (1941-42) Casablanca (19430 Quebec (1943) Cairo-Teerã (1943) Yalta (1945) e Potsdam (1945) . Em 1944 foi nomeado General de 5 estrelas. Democrata Durante I Guerra, alistou-se na Marinha e tornou-se aviador naval, treinando com o Royal Flying Corps no Canadá. 1918: Washington no Escritório de Operações Navais, para completar treinamento de vôo. Após a guerra, trabalhou como publicitário para o Partido Democrático em Dutchess County, NY. Dentre eles, Franklin D. Roosevelt. Voltou para a Read &Co. como sócio (1923), tornandose seu presidente em 1937. 1940 – Publicitário da 1ª. campanha de Roosevelt em Duchess, NY. Em junho, assume cargo de Assistente Administrativo Especial para fazer ligação do presidente com Depto Tesouro. Em agosto de 1940 - Sub-secretário de Guerra (agosto/40) para empreitar e conduzir confecção de materiais bélicos. Acompanhou Dean Acheson e Harry Hopkins a Londres para negociar Lend Lease. Mobiliza com eficiência produção industrial para guerra, quando trabalhou com McCloy, Bundy e Lovett.. Abril de 1944: nomeado Secretário da Marinha após morte de Frank Knox, fica responsável pela desmobilização. . Com Henry Stimson, Secretário da Guerra e Joseph Grew, sub-secretário de State , defendia menos pressão sobre Japão nos primeiros meses de 1945, para negociarem uma rendição Temia influencia do comunismo sociedades dizimadas e desestabilizadas da Europa e da Ásia‖ e queria manter a URSS fora da guerra com o Japão. Negociou paz unilateralmente com autoridades japoneses, mas foi desautorizado por Truman. 91 Em setembro 1946, como Secretário da Marinha: ajudou James Byrnes a pressionar Roosevelt para demitir Henry Wallace (Sec Comercio), quando este pede a pressão da opinião pública para parar Guerra Fria. Cargos e funções durante Guerra Fria Aposentou-se como militar em 1945. Convidado a representar Truman na China durante Rev Chinesa. Tentou criar governo de coalizão entre comunistas e nacionalistas e fracassou. Como Secretário de Estado em 1947, defende plano de recuperação econômica européia (Plano Marshall) em Harvard e pede adesão nacional. Contra o reconhecimento do estado de Israel, foi dispensado. do cargo em 1949 e substituído por Dean Acheson, mas no ano seguinte foi chamado como Secretário da Defesa de Truman, mas renunciou ao cargo por causa de disputas desgastantes com Senador Joseph McCarhy relacionadas á Guerra da Coréia. Presidente Cruz Vermelha dos Estados Unidos 1º. Secretário de Defesa (17/09/1947 a 28/03/1949) dos EUA. Contrário à unificação do Serviço Militar, mas ajudou a desenvolver o National Security Act de 1947 que criou o National Military Establishment. Secretário do Depto de Defesa (1949) foi contrario ao reconhecimento de Israel e propunha federalização da Palestina. Gestão na Defesa: crise na Checoslováquia e na China, Bloqueio de Berlin, invasão de Israel pelos árabes após declaração de independência e início de negociações para OTAN. Corte de orçamento para Serviços Militares e aumento de rivalidades entre Marinha e Aeronáutica Ocupação comunista da Europa Oriental, ameaça comunista na Grécia, Itália e França, eminente tomada de poder na China e invasão da Coréia do Sul. Demitiu-se em março/1949 e deu baixa no Hospital Naval de Bethesda com estafa, exaustão nervosa e psíquica, além de depressão severa. Suicidou-se em maio/1949. Choques Drew Pearson: jornalista liberal do Washington Post que era contrario a qualquer política externa contra URSS, acusa Forrestal de ter sonegado impostos na Dillon, Read & Co. Acusado de ter ações de empresas alemãs e de ter impedido bombardeio sobre várias cidades alemãs com sua influencia sobre Alto Comando. Parcerias, Choques e Honrarias Choques Truman: sobre Israel e substituição por Acheson (1949). McCarthy: Guerra da Coréia (1951) Honrarias Time Magazine Man of the Year(1944 e 1948). Premio Nobel da Paz (1953) pelo Plano Marshall Parcerias George Kennan (divulgação) do Longo Telegrama e incentivo a escrever X Trabalhou com Nitze na Dillon, no Departamento da Defesa e o encaminhou para Estado McCloy, Bundy e Lovett, para ampliar produção industrial de guerra Maior divulgador do Longo Telegrama de Kennan e incentivador de X Honrarias Teve seu nome em um super porta-aviões. Fontes: FORRESTAL DIARIES, 1951; MANUSCRIPT LIBRARY, PRINCETON UNIVERSITY; US DEFENSE DEPARTMENT; AKASHAH & TENNANT, 1908; ANDREW, 1996; ATKINSON, 1947; THE TIME MAGAZINE, 1949; CRAY, 1990; CURTISS, 1991; DILLON, READ &Co.; DOBSONn, 1986; DOWSON, 1959; GARDNER, 1970; HOOPED& BRINKLEY, 1992; HULEN, 1947; ISAACSON &THOMAS, 1986; BIOGRAPHY RESOURDE CENTER, 2009; KROCK, 1947; LAWRENCE, 1946; NATO; NAVY HISTORY; PATERSON, 1975, 1988; PEARSON, 1949; RESTON, 1947; ROGOW, 1963; SHAH & TENNENT, 1960; TANNENHAUS; 2003; TASK, 1985; TRUMAN LIBRARY; A análise do Quadro IV permite observar que George Marshall (1880) e James Forrestal (1892) também vieram de lares muito diferentes, mas suas trajetórias estavam intimamente ligadas com as funções que exerceram durante a Primeira e Segunda Guerra Mundial. Marshall era o segundo filho de uma família tradicional da Virgínia, cuja situação financeira era estável; Forrestal era filho caçula de imigrante irlandeses, cujo pai havia chegado aos Estados Unidos em 1857 como trabalhador braçal. 92 Marshall passou a interessar-se pela carreira militar quando cursou o Virginia Military Institute (VMI) onde, após graduar-se, prestou exames para ser oficial do exército. A carreira militar de Forrestal só teve início em 1917, quando se alistou na Marinha como aviador e, apesar de ter passado o último ano da guerra em Washington, fazendo trabalho administrativo no Escritório de Operações Navais enquanto completava seus treinamentos, atingiu a patente de sub-tenente. Marshall, por outro lado, atuou durante a Primeira Guerra no Alto Comando sob ordens o General John Pershings, treinando soldados e ajudando seus oficiais a criar estratégias de ação. Durante a década de 1920, Marshall manteve-se em funções militares, primeiro na China e depois, como instrutor em escolas do Exército, como West Point até 1938, quando foi chamado de volta ao Alto Comando em Washington, assim que começaram a ser dados os primeiros sinais de que uma guerra estava sendo preparada na Europa. No mesmo período, Forrestal deu baixa no exército e retornou à iniciativa privada após um curto período em que trabalhou para os candidatos democratas durante as eleições de 1920. Nessa época, um dos senadores que ele ajudou a eleger foi Franklin D. Roosevelt. Em 1923, associou-se à Dillon, Read Co106, onde iria fazer fortuna e ganhar nome no mercado, partilhando muitos casos em comum com a Brown Brothers & Harriman de Lovett e Harriman, com a Cravath de John McCloy e com a Covington & Burlington de Dean Acheson. Em 1938, após uma carreira eficiente como operador no mercado, sucedeu Clarence Dillon como presidente da Dillon Read e chegou ao topo, mas dois anos depois, abandonou a carreira em Wall Street para assumir o cargo de Sub-Secretário da Marinha na administração Roosevelt. Juntamente com Frank Knox (Marinha) e Henry Stimson (Guerra) empenhou-se em conta da tarefa colossal de lidar com as contratações de armamentos e de homens, com logística e com a expansão do Departamento da Marinha. A mobilização da produção industrial para a guerra vinculou seu trabalho ao de McCloy e Lovett, bem como com o de Marshall que, nomeado chefe do Estado Maior na Europa, tinha a tarefa de reordenar a estrutura do Exército e da Força Aérea em 1941 107. 106 A Dillon, Read & Co foi um Banco de Investimento norte-americano que se manteve proeminente no mercado desde os anos 1920 até os anos 1960. Lidava principalmente com empresas multinacionais e atuava em Wall Street. DILLON, READ & CO Disponível em http://www.dillonread.com/ . Acesso em 10/10/2010. 107 Seria interessante lembrar que durante a Primeira Guerra, o Presidente Roosevelt atuara na posição ocupada por Forrestal e que sempre demonstrara evidente preferencia por essa pasta de seu Gabinete. James Forrestal 93 Durante a Segunda Guerra George Marshall administrou a logística relacionada à moradia, suprimentos e distribuição de oito milhões de soldados nas frentes européias e asiáticas, além de compor o comitê que supervisionava os trabalhos do Projeto Manhattan e que idealizara a Operação Overlord, que promoveria a invasão da Normandia em 1944. Como representante do Estado Maior do Exército e conselheiro militar da confiança do presidente, juntamente com Forrestal, Acheson e Bohlen, Marshall participou dos encontros entre Roosevelt e Churchill ou Stalin na assinatura da Carta do Atlântico (1941-42) e nas Conferências de Casablanca (1943), Quebec (1943), Cairo-Teerã (1943), Yalta (1945) e Potsdam (1945). Após a guerra, Marshall deu baixa definitiva no Exército, mas por sua experiência em postos militares no Oriente, foi convidado por Truman para representá-lo na China durante a Revolução Popular e tentar formar um governo de coalização ente os comunistas e nacionalistas. Apesar de ter fracassado nesse intento, o capital simbólico que acumulara durante a guerra lhe serviu em 1947, quando foi novamente chamado para o governo, para assumir a pasta de Secretário de Estado, substituindo James Byrnes. Em sua gestão, foram colocadas em prática grande parte das propostas de Kennan relacionadas à Doutrina da Contenção; dentre elas, principalmente, o plano de recuperação das economias européias que ficaria conhecido como o Plano Marshall. Em 1948, quando juntamente com toda a equipe técnica de seu Departamento, Marshall identificou o reconhecimento de Israel como um grande problema em longo prazo para os Estados Unidos e posicionou-se contra a vontade do Presidente, este, pressionado por eleições e por forte ataque da imprensa contra sua política ― soft‖ em relação ao comunismo , reconheceu a nova nação e dispensou seu Secretário do cargo, substituindo-o por Dean Acheson. Nesse ínterim, como primeiro Secretário da Defesa dos Estados Unidos - em consequência da unificação dos Departamentos da Guerra e da Marinha, Forrestal se empenhava em divulgar o Longo Telegrama pelos quatro cantos de seu país, em preparar a Doutrina Truman (National Security Act de 1947) e a criar a CIA , com o apoio do PPS de Kennan e de outros órgãos do Gabinete Truman, como os coordenados por Lovett, McCloy e Henderson. atuou com tal eficiência no cargo que, em 1944, por ocasião da morte de James Fox, Secretário da Marinha, foi promovido a titular. 94 Forrestal, como Marshall, também foi contra o reconhecimento do Estado de Israel e, em sua gestão na Defesa, teve que enfrentar crises com os russos na Checoslováquia e na China, o Bloqueio de Berlim, a invasão de Israel pelos árabes após a declaração de independência, a ameaça comunista na Grécia, Itália e França, a invasão da Coréia do Sul e o início das negociações para a criação da OTAN. Com a imprensa liberal batendo pesadamente contra ele, acusando-o, como a Marshall de não estar lidando adequadamente contra os comunistas e de ter sonegado impostos na Dillon, Read & Co, ele implodiu: em março de 1949, demitiu-se do cargo e deu baixa no Hospital Naval de Bethseda com estafa, exaustão nervosa e psíquica, além de severa depressão. Poucos meses depois, suicidou-se. Em 1950, Marshall foi mais uma vez chamado governo, desta vez a pasta da Defesa, mas seu mandato teve curta duração: renunciou no ano seguinte desgastado por intensos ataques da imprensa e por disputas desgastantes que teve q ue enfrentar, juntamente com o Secretário de Estado Dean Acheson, contra o Senador Joseph McCarthy e com o próprio Presidente, relacionadas às suas posições em relação à Guerra da Coréia. Em suma, as trajetórias tratadas nos quatro Quadros demonstram que o cenário em 1950 era novamente de transição entre as eminências pardas do poder. Marshall afastado, Forrestal morto e Kennan, igualmente, afastado. Acheson, McCloy e Lovett – mais flexíveis ou com maior capital social para enfrentar as críticas do Senado e da imprensa, ainda se sustentaram em seus cargos por mais dois anos, até o fim do mandato de Truman e só retornaram à vida privada em 1952. Um ciclo se fechara. Entre 1947 e 1950, a temperatura no cenário internacional e o choque de vontades entre União Soviética e Estados Unidos subira a tal ponto que, para não explodir em uma nova guerra de enormes proporções, as forças governamentais acionaram as engrenagens da Guerra Fria. O processo que Kennan delineara em seu Longo Telegrama deslanchara, mas gradualmente tomara proporções que haviam saído de seu controle. Com a queda de prestígio do grupo progressista moderado que ascendera ao Departamento de Estado com Truman em 1945, uma facção mais radical e militarista, liderada por Dean Rusk, Paul Nitze e Foster Dulles os substituiu. Harriman, um camaleão político, manteve-se ativo no governo. Em 1951 – em nome do governo mas também defendendo os interesses da Brown Bros Harriman – foi enviado com Loy Henderson a Teerã para tentar solucionar com o Irã a nacionalização da Anglo Iranian Oil Company. Em 1954, dando continuidade à suas estratégia de reconversão, desvinculou-se 95 do grupo de servidores de confiança e passou-se para o lado dos servidores eleitos, assumindo o cargo de governador de Nova York. Harriman estava de olho na Presidência, mas nas primárias do Partido Democrata em 1952 e 1956, foi preterido por Adlai Stenvenson por ser considerado muito à esquerda por seus correligionários. Em 1961, enquanto servia ao Presidente Kennedy como Embaixador no Laos – em plena guerra do Vietnam – Harriman foi acusado de ser agente soviético, mas recebeu amplo respaldo da CIA para contestar seus detratores. Entre 1963-65, atuou como Sub-Secretário de Estado para Assuntos Políticos até ser novamente enviado para o Laos, em 1965, para negociar a Paz de Paris. De maneira geral, no entanto, o que se pode observar, antes, durante e principalmente após a Segunda Guerra, é que as trajetórias desses servidores nomeados estiveram em constante cruzamento nas altas esferas do campo político, como se pertencessem à uma mesma ― panela‖ ou ― igrejinha‖ e que, durante o período em que mantiveram as rédeas do poder, formaram um grupo coeso no propósito de reestruturar todas as práticas econômicas, sociais e políticas relacionadas à política externa de seu país. A ― igrejinha‖ tinha origem no fato de terem cursado as mesmas universidades de elite (Harvard, Yale e Princeton) e de suas trajetórias terem sido definitivamente interligadas durante a Segunda Guerra: Harriman, com Forrestal, Lovett e McCloy por causa das ações conjuntas que, como Enviado Especial do Presidente, tinha que realizar com o Departamento da Guerra e da Marinha; Harriman com Bohlen e Acheson, por causa das medidas adotadas departamento de Estado em relação a refugiados e às forças da Resistencia e da OSS; Harriman com Kennan, por ser seu Chargé d`Affairs na Embaixada em Moscou; Harriman com Marshall, por ter sido o contato de Roosevelt com Churchill e ter intermediado a invasão da Normandia com os ingleses. Ou seja, Harriman seria uma espécie de força catalisadora cuja ação diplomática, militar e econômica, agregava toda a força produtiva dos demais em torno do Presidente. Kennan seria a força intelectual que teria elaborado o convencimento ideológico de que necessitavam para colocar em prática um projeto internacionalista focado no papel a ser exercido pelos Estados Unidos na ordem internacional que se formaria após a Segunda Guerra. Eventualmente, foi por isso que em sua auto-biografia, sem falsa humildade, Dean Acheson se declarou, juntamente com os demais membros de sua clique, presente à ― criação‖ de uma nova era. 96 3. O mercado de capitais simbólicos no governo Truman Durante a era Roosevelt e mesmo nos primeiros meses após o fim da Segunda Guerra, observou-se que grande parte dos americanos - nas ruas ou nos corredores do poder - ainda sentia uma espécie de fascínio assombrado com a emergência da União Soviética como potência mundial, acreditando na possibilidade de uma parceria construtiva e pacífica a partir dos escombros da guerra. Enquanto a maioria só desejava retornar à normalidade da vida civil, a análise dos Quadros dispostos no capítulo 3 evidencia que havia uma pequena facção de elite política do país que não tinha a menor intenção de retornar ao contexto internacional anterior à guerra e que decidira tomar para si o que consideravam uma ― missão‖ patriótica: consolidar a hegemonia dos Estados Unidos e ― criar‖ um mundo mais livre e democrático, moldado nos valores e crenças capitalistas. Ao desfraldar a bandeira da liberdade por todo o mundo civilizado, esses ― escolhidos‖ do destino pretendiam reafirmar e consolidar o que Henry Luce108 descrevera em 1941, em editorial da Time Magazine, como o ― Século Americano‖. Os ― escolhidos‖ faziam parte de uma facção importante do Establishment norte-americano do pós-guerra. Os trunfos que acumularam ao longo quatro décadas, por meio de capitais sociais, econômicos, políticos e profissionais, lhes condicionou a trajetória e facilitou o acesso à carreira política e às posições dominantes nas frações dirigentes durante a Guerra Fria. Valorizavam, pragmática e objetivamente, a visão de mundo internacionalista e o realismo 108 Henry Luce graduou-se em 1920 em Yale, onde tornou-se membro da fraternidade Alpha Delta Phi e em seu último ano, da sociedade secreta Skull & Bones (Esqueleto e Ossos). Foi editor assistente de Briton Hadden, editor chefe do Yale Daily News, com quem faria uma parceria frutífera na fundação da Times Magazine em 1922, idealizada por eles quando ainda eram parceiros na Skulls and Bones. Em meados de 1960, a Time Inc. já era a maior e mais conhecida editora de revistas do mundo, consistindo de vários títulos além da Times Magazine, como a Fortune e a Life Illustrated (1936) , a House & Home (1952), a Sports Illustrated (1954) e a The March of Time. Durante sua vida, Luce apoiou financeiramente vários programas como o Save the Children Federation, o Metropolitan Museum of Art e a United Service to China, Inc. Anti-comunista convicto, Luce era membro influente do Partido Republicano e teve um papel importante no chamado China Lobby, quando utilizou sua força editorial para influenciar a política externa norte-americana, insuflando os sentimentos populares em favor da luta do líder nacionalista Chiang Kai-shek e sua esposa Soong Me-ling, contra os japoneses. Em 1941, desejoso de tornar-se secretário de Estado em uma administração Republicana, Luce escreveu um editorial (LUCE, H. R: "The American Century" reimpresso em The Ambiguous Legacy, M. J. Hogan, ed. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1999.), no qual definia o papel da política externa norte-americana para o restante do século XX e eventualmente, para além dele. No artigo, ele exigia que os Estados Unidos trocassem o isolacionismo praticado até então ― por um papel missionário, de Bom Samaritano do mundo, com a finalidade de espalhar a democracia entre todos os povos‖. De acordo com David Harvey (in The New Imperialism, New York: Oxford University Press, 2003, p.50.) ele acreditava que o poder de uma grande potencia deveria ser global e universal, muito mais do que especificamente territorial e portanto, para definir o papel dos Estados Unidos no cenário internacional, preferia usar o termo Século Americano, ao invés de Império Americano. In Henry Luce Foundation. Disponível em http://www.hluce.org/history.aspx. Acesso em 07/03/2011. 97 político. Engajados na luta comum contra o isolacionismo, eles perceberam que a adesão da opinião pública e de seus próprios pares ao seu projeto de poder seria mais facilmente conquistada, se o fizessem sob o argumento de coibir a expansão de um adversário externo que ameaçasse a segurança nacional - no caso, a União Soviética e o comunismo. As variações de rumo na trajetória desses diplomatas ou militares, por outro lado, foram consequência das mudanças ocorridas na transição da administração Roosevelt para a administração Truman, além da emergência da União Soviética como potencia hegemônica na arena internacional. Ou seja, o acesso a posições políticas dominantes aparece nos Quadros, de certa forma, como produto de uma estratégia de reconversão que os ― retirou‖ da vida privada para atuarem ao lado de Truman e os atraiu para os centros de poder, num conveniente ― chamado‖ da nação para defendê-la de ideologias contrárias109. O êxito e a permanência maior, ou menor, de cada um desses agentes no campo do poder foram determinados principalmente pelo grau de relações profissionais e pessoais mantidas entre eles e os dois presidentes em exercício e, em menor escala, com o Congresso, imprensa e grande massa. 109 Em suas memórias, Dean Acheson narra que em 8/8/45, decidido a retornar à pratica privada da advocacia e considerando-se liberado de seus deveres patrióticos com o fim da Segunda Guerra, apresentou sua demissão de Secretário Assistente ao Secretário de Estado James Byrnes, aceita no dia seguinte, conforme documentos que ele transcreve nas paginas 114 e 115 da obra acima referida. No mês seguinte, no entanto, foi chamado de volta a Washington para assumir o cargo de Sub-Secretário, que aceita após alguma hesitação, mas fortemente influenciado pelo mesmo ― espírito patriótico‖ que já o fizera abandonar a prática privada anteriormente. É ele também quem narra, (Pgs. 140-148) que o General George Marshall, Comandante em Chefe que havia solicitado baixa do serviço e aposentadoria após o fim da Segunda Guerra , aceitou por ― dever patriótico‖ ser enviado à China em novembro de 1945 como emissário especial de Truman para resolver a questão comunista e posteriormente, (pg192-193) em setembro de 1946, assumiu o cargo de Secretário de Estado que havia sido deixado vago por James Byrnes. Esse ― chamado‖ era mais facilmente identificado entre os servidores de confiança do Presidente e entre os militaristas, pois todos – sem exceção – tinham uma carreira civil bem sucedida e poderiam retornar a ela quando bem entendessem, como efetivamente retornaram. De acordo com Wright Mills, de modo geral, os membros da elite do poder nos Estados Unidos tendiam, convencionalmente, a negar que fossem poderosos. Segundo ele, nenhum americano se candidatava a cargos públicos para dominar ou mesmo para governar, mas apenas para ― servir‖. Não se tornavam simplesmente burocratas ou funcionários, mas ― servidores públicos‖, pois na democracia americana, são impotentes enquanto partido ou círculo: só o povo seria ― onipotente‖. No entanto, quando falam do poder do partido ou círculo do adversário, atribuem-lhe onipotência – e o povo é enganado. O argumento de Wright Mills explica, parcialmente, o desdém de Harriman, Acheson ou mesmo de Kennan, enquanto chefiava o PPS, em relação à opinião pública. Ocupantes nomeados de seus cargos, não dependiam do voto popular para se manter nele, mas Roosevelt ou Truman não podiam dar-se a tal luxo se quisessem permanecer no poder. Como os cargos de Harriman, Acheson, McCloy, Lovett, Marshall e Forrestal eram da confiança do governante e portanto, ― movíveis‖, todos eles retornaram à vida privada ao final do governo Truman. Após se desligarem da Casa Branca, Harriman e Lovett, reassumiram seus postos na Brown Brothers; McCloy, na Milbank, Tweed, Hadley & McCloy. Acheson também retornou à iniciativa privada em 1953. Forrestal, apesar de ser presidente da Read & Co, suicidou-se em 1949 após deixar o cargo. Marshall assumiu a presidência da Cruz Vermelha. ACHESON, Op.cit. 1987 ; MILLS, Op. cit. 1962, p. 30. 98 Por defenderem um projeto de relações externas objetivo e direcionado para a contenção da expansão soviética, suas trajetórias políticas e grau de influência se alteravam na mesma proporção em que, politicamente, mudassem ou se radicalizassem as relações com a União Soviética - ou de acordo com sua adequação, ou não, às consequências advindas das novas diretrizes. O mecanismo que dava acesso ao campo dependia da capacidade de cada agente utilizar de forma adequada o capital de prestígio de que dispunha, acionando a seu favor relações sociais de honorabilidade110 ou de conhecimento. Dentre os pesquisados, o presidente F. D. Roosevelt, William A. Harriman, Robert Lovett, Dean Acheson, Charles Bohlen e George Marshall utilizaram seu capital de honorabilidade como estratégia de acesso e manutenção de poder; George Kennan, John McCloy e James Forrestal o fizeram com seu capital de conhecimento. Tomando George Kennan e Charles Bohlen por exemplo, observa-se que experimentaram a proximidade com o poder soviético durante o período que serviram na embaixada americana em Moscou, na década de 1930. A partir dessa experiência comum, eles formaram uma opinião técnica bem definida de como os Estados Unidos deveriam se relacionar com os russos. Posteriormente, em meados dos anos 1940, uma nova convivência na embaixada de Moscou entre Kennan e Harriman alteraria a visão do mundo soviético do embaixador, que por sua vez, no decorrer na 2ª. Guerra, atrairia Lovett, McCloy, Acheson e outros a Washington, para formarem a equipe de internacionalistas que atuaria com Truman nos primeiros momentos do pós guerra. É difícil discutir a extensão do papel individual de cada um desses agentes no fluxo da História, mas uma coisa é certa: por intermédio das relações de poder que mantiveram no campo da política - e enquanto as sustentaram - eles tanto direcionaram as relações internacionais para o lado que melhor lhes aprouvera, quanto atraíram para sua ideologia internacionalista ― universal‖ o maior número possível de adeptos. Em suas memórias, todos apresentaram ao mundo uma versão própria dos eventos de que participaram111 e, ao retratarem o período com suas próprias cores, visavam oferecer à 110 As relações de honorabilidade aqui descritas são as referentes ao capital social da família, somado a outros capitais simbólicos, como a educação, a escolha dos cursos superiores, o casamento, etc. MICELI, Op.cit, 2001. 111Na elaboração de suas memórias, esses internacionalistas se comportaram, aliás, com a discrição característica de seu grupo de status. Para Bourdieu, comparativamente às classes sociais, os grupos de status 99 sociedade uma melhor dimensão dos papéis que desempenharam individualmente na configuração de uma nova ordem internacional. Os eventos desencadeados em consequência de ações individuais dos pesquisados e a análise das trajetórias de cada um deles permitiu, portanto, constatar como sua intersecção no campo político, suas atuações e predileções individuais contribuíram para a inspiração de uma nova política externa para os Estados Unidos 112. George Kennan era oriundo de uma classe média distinta e razoavelmente letrada, mas totalmente desprovido de recursos financeiros ou de capitais sociais consistentes. Quando por concurso público ele assumiu um cargo na burocracia do Estado, sua trajetória de ascensão hierárquica foi pouco significativa, apesar de sempre ter demonstrado competência comprovada. Em 1946, no entanto, ele foi subitamente catapultado para o topo e convocado a Washington para colocar em prática as propostas que delineara no Longo Telegrama. Sua aguda percepção analítica em relação aos soviéticos, no entanto, não foi suficiente para que compreendesse os interesses que moviam seus próprios conterrâneo, nem permitiu que percebesse que sua posição no Gabinete de Planejamento Político, frágil e dependente de instancias superiores, sustentava-se na disposição – que ele não tinha - de continuar ofertando ao grupo que o adotara uma produção simbólica compatível com os interesses dominantes. Como já se observou em outras passagens, Kennan tinha certa dificuldade em cumprir fielmente os cânones da burocracia, com tendência a contestá-los. Quando percebeu que a Doutrina da Contenção estava se desviando dos rumos que idealizara, tornando-se mais se definem menos por um ter do que por um ser, perseguindo a distinção com uma espécie de arte. Weber, por sua vez, afirma que os grupos de status cristalizam seus princípios em tipos específicos de estilo de vida. As diferenças mais significativas entre cada grupo de status, podem ser encontradas em distinções significantes diferenciando simbolicamente a posição de cada agente na estrutura social - como por exemplo, na maneira de vestir-se, na linguagem, na pronúncia e mesmo, na maneira de comportar-se em sociedade, seja em gestos pertinentes ao convívio social, seja na própria maneira de atuar ética e moralmente em relação aos demais grupos. As maneiras, o bom gosto e a cultura dos atores de grupo de status mais elevados têm a finalidade de distingui-los dos grupos que se posicionam abaixo de si, permitindo-lhes demonstrar uma natureza mais cultivada. Por esse motivo, aliás, Weber afirma que os grupos de status apresentam convenções próprias, específicas, que marca a todos como uma regra comum. No caso da elite do poder em questão, eles procuravam distinguir-se dos demais grupos sociais por meio de um discurso voltado à ― missão‖ de levar a democracia, a liberdade, o capitalismo, ou valores quejandos, ao restante do mundo, protegendo os povos oprimidos e defendendo sua nação contra quem não os adotasse. BOURDIEU, Pierre. Distinção: uma crítica social do julgamento do gosto. Cambridge: Harvard University Press, 1984 e SILVA, Augusto Santos, Entre a razão e o sentido, Durkheim, Weber e a Teoria das Ciências Sociais. Porto, Afrontamento, 1988. 112 Que fique bem claro, neste ponto, que o que se discute nos exemplos acima não é o ― se‖ da História, mas ― como‖ a ação desses agentes efetivamente deu outra configuração aos fatos. 100 militarista, passou a clamar independência intelectual e manifestar-se contrário a alguns de seus desdobramentos, insistindo obstinadamente que o Departamento de Estado deveria se manter na linha moderada e institucional nas relações com os soviéticos. Pregava uma guerra política e abominava a idéia de um confronto direto113. Sua insistência em perseguir objetivos mais institucionais e menos militaristas começou a incomodar um grupo de republicanos adeptos de uma linha mais incisiva e ao próprio Presidente, pois a opinião pública, devidamente inflamada contra o socialismo soviético, além de cobrar governantes atitudes mais enérgicas, certamente se horrorizaria com a idéia de criar estratégias secretas para dissolver grupos comunistas ao redor do mundo. Percebendo que Kennan e seu grupo estavam perdendo influencia, os militaristas entreviram a oportunidade de neutralizar os contencionistas moderados do campo e ocupar sua posição. Detentor de uma visão pessimista e desencantada em relação ao mundo político e aos mecanismos democráticos que movimentavam Washington, Kennan resistia obstinadamente em render-se ás características próprias da hierarquia funcional e insistia em desprezar convenções burocráticas corriqueiras114. Essa inabilidade política, além de lhe render conflitos de ordem prática e operacional no interior do Departamento, também se manifestou em outras áreas115 e seu comportamento independente e rebelde numa instituição que exigia respeito e obediência hierárquica, só poderia desestabilizar ainda mais a posição que ocupava no grupo. Em pouco menos de dois anos, sua trajetória de ascensão no campo se invertera: de reverenciado e respeitado, ele 113 O Gabinete de Planejamento Político chefiado por George Kennan aprovou um documento intitulado The inauguration of organizational political warfare, no qual era proposto um programa ― de apoio a comitês de liberação‖, ― atividades underground atrás da Cortina de Ferro‖ e ― apoio a grupos anti-comunistas em países ameaçados do mundo livre‖. Nele, Kennan procurou enfatizar o aspecto psicológico e político que estava sendo dado ao confronto com a União Soviética, justificando sua necessidade a partir das doutrinas de Clausewitz. As operações de guerra política deveriam ser abertas ou encobertas, variando entre ações abertas, como alianças políticas e medidas econômicas como o Plano Marshall e operações encobertas, como propaganda ― branca‖ de apoio a estrangeiros amigáveis e guerra psicológica ou encorajamento a resistência underground em países hostis. O projeto foi apresentado por Kennan ao NSC em 05/05/1948. NARA, RG 773 NSC 10/2 114 O desdém intelectual e a intransigência racional que reservava às grandes massas, a outros membros dirigentes da Administração Truman e à maioria dos representantes no Congresso, chegaram a render-lhe o epíteto de totalitário e se consagraram em sua absoluta incapacidade de adotar a flexibilidade política da maioria de seus parceiros no campo. Kennan era um crítico feroz do parlamentarismo e da democracia, abominando a inclinação dos líderes norte-americanos a ignorar ou se desfazer de fatos ou problemas que perturbassem a opinião pública ou os sentimentos populares. In LUCAKS, Op.cit, 2007, p.33 e 37-38. 115 Como quando Kennan manifestou sua contrariedade ao Presidente Truman pelo reconhecimento do Estado de Israel e nos embates que manteve com os Secretários Dean Acheson e Foster Dulles - que resultaram em seu pedido de demissão do Serviço Externo. LUKACS, Op. cit. 2007, p. 110 101 passou a ser negligenciado e ignorado até que, agastado por não ter mais voz, ele solicitasse o afastamento oficial de seu cargo. O contexto conjuntural que favorecera sua ascensão em 1946 e 1947 desaparecera. James Forrestal, que desde o primeiro momento em que pusera os olhos no Longo Telegrama, lhe dera o apoio integral do Departamento da Defesa, morrera em maio de 1949. George Marshall, Secretário de Estado que havia lhe dado carta branca para criar o Gabinete de Planejamento Político, corroborara todas as suas ações relativas ao plano de Recuperação Européia (plano Marshall) e à criação da CIA e fora ouvinte atento de seus conselhos, havia sido substituído por Dean Acheson e posteriormente, por John Foster Dulles, com quem ele não comungava a mesma visão de mundo. A China havia se tornado comunista, apesar de todas as ações contencionistas do Departamento de Estado. A dominação soviética se fechara em torno do Leste Europeu. O Estado de Israel fora reconhecido pelos Estados Unidos, apesar de todo o aconselhamento contrário dos oficiais do Departamento de Estado ao Presidente. Os russos também já tinham construído sua bomba atômica. Mais do que nunca, a ― guerra política‖ criada, organizada e orquestrada pelo Gabinete de Planejamento Político de Kennan permitia que a CIA e indiretamente, os Estados Unidos, tivessem acesso direto a todos os grandes eventos políticos do mundo. Desencadeado o processo e colocado em andamento para atender às demandas da opinião pública, ele deixara de ser necessário. A Guerra Fria não era mais uma possibilidade, um projeto disperso e fragmentado nas mãos de um pequeno grupo que se acercara do poder para fazer prevalecer as suas crenças no cenário externo: tornara-se um rebento concreto e ameaçador e saíra do controle de seus criadores. Ou seja, em fins da década de 1940, disputas com outros agentes do departamento de Estado ou exigências de outras facções contendoras do campo provocaram o declínio da influência do grupo e os que ocupavam postos no centro do poder se sentiram ameaçados de perder posição no campo dominante. Muitos mudaram de estratégia e reconverteram o processo, alinhando-se às novas correntes mais radicais do grupo e cedendo às novas tendências nas relações entre americanos e soviéticos. Kennan não se deu a esse trabalho. Quando pressentiu que deixara de ser útil ao grupo que o catapultara ao poder em 1949, se lhe fosse importante a permanecer no campo, ele poderia ter-se realinhado à proposta de um militarismo mais agressivo como o proposto por Nitze (NSC-68), quando a opinião pública e os militares pressionaram o Departamento de Estado e o Gabinete de Planejamento Estratégico por ações mais radicais contra os soviéticos. No entanto, desgostoso com os rumos que sua Doutrina de Contenção estava tomando e após receber de Robert Oppenheimer 102 um convite para exercer funções acadêmicas em Princeton - que lhe supririam necessidades materiais e simbólicas – ele preferiu manter-se firme em seu ponto de vista moderado e não militarista e abandonou qualquer estratégia de reversão. Outros agentes, ocupando posições em falso por terem dilapidado parte de seu capital social em conflitos com outros atores emergentes na arena do campo, como Dean Acheson ou George Marshall - nas questões da Revolução Chinesa 116 contra McCarthy e no reconhecimento de Israel, contra outros agentes próximos ao poder, como Harry Clifford e Dean Rusk - sabiam que ainda poderiam contar com algum capital social disponível. Para eles, a única possibilidade de reconversão ao campo, ou de evitar que se sujeitassem a rebaixamentos ainda maiores, dependia do uso adequado do capital social que haviam poupado e de outras conjunturas estratégicas pregressas, como a garantia de sobrevivência material por empreendimentos que já haviam desenvolvido antes de serem convocados ao governo, além de seus vínculos universitários, de casamento, de alinhamento ao partido dominante, ou de relações profissionais. Marshall passou a presidir a Cruz Vermelha Internacional117 por exemplo, e Dean Acheson, apesar de ter retornado à pratica privada, manteve-se em permanente contato com a Casa Branca, servindo de conselheiro a todos os presidentes que sucederam Truman, até sua morte. Os vínculos criados durante a Guerra em atividades militares, de inteligência ou diplomacia – muitas delas intimamente relacionadas entre si - também tiveram papel dominante na trajetória de cada um. Cada vez que um novo governante dos Estados Unidos - Roosevelt (1933-1945), Truman (1945 – 1952) e posteriormente, Eisenhower (1953 -1961) - descendia ou ascendia ao poder, 116 Durante o verão de 1949 o Departamento de Estado, chefiado por Dean Acheson, produziu um estudo sobre as relações recentes entre Estados Unidos e China. O documento, chamado de Relatório Branco, tentava desfazer qualquer interpretação incorreta das relações diplomáticas sino-americanas e, publicado no calor da ascensão de Mao Zedong ao poder, tentava demonstrar que a intervenção dos Estados Unidos na China estava destinada ao fracasso. Apesar da expectativa de Acheson e Truman de que o estudo pudesse desfazer rumores e conjecturas levantados por congressistas e populares que apoiavam o Senador McCarthy, na verdade, seu papel foi o de ajudar a convencer os críticos de que a administração havia realmente falhado por não terem diagnosticado com maior antecedência a disseminação do comunismo na China. GARSON, Robert, The United States and China since 1949. Madison: Fairleight Dickinson University Press, 1994 pp. 27–33. 117A Cruz Vermelha Internacional é uma organização humanitária que foi fundada em 1863 para assistir militares feridos, Em 1864, após a realização da Convenção e Genebra, para melhorar as condições de amparo aos feridos e a Convenção de Haia em 1899 disciplinando as ― normas‖ de guerras terrestre e marítimas, a assistência aos prisioneiros de guerra teve grande avanço. Atualmente, ela também atende a civis em situações de guerra e em nações que violam os Estatutos dos Direitos Humanos, bem como a vítimas de desastres naturais em nações com carência de recursos próprios para assistir às vítimas. In Red Cross International. Disponível em http://www.icrc.org/eng/who-we-are/history/index.jsp. Acesso em 07/03/2011. 103 observa-se que a fração dominante à sua volta evoluía no mesmo sentido, desaparecendo ou emergindo na arena política para desocupar ou ocupar as novas posições criadas com a expansão do mercado de postos administrativos, políticos e culturais vinculados à nova ordem bipolar delineada no pós-guerra. Para os agentes deste estudo, a rentabilidade do capital simbólico que haviam acumulado ao longo de suas trajetórias dependia, no limite, das exigências do trabalho de dominação legal118 e dos fatores externos à lógica do funcionamento desse capital119. Esses fatores foram determinantes para que, como internacionalistas, eles se encaixassem nos postos que estavam sendo abertos e cujo acesso, até então, estivera sob o controle de agentes das linhas políticas com visão de mundo diferente (idealista e isolacionista) da que começava a predominar. O capital das relações entre eles, facilitando o acesso às posições dominantes, se manifestou de formas diferentes em termos de valor. Em alguns casos, foram consequência de posição na fratria social (Harriman e Lovett), em outros, de relações com o partido (Roosevelt, Truman, Forrestal e Acheson), de vínculos com fratrias universitárias (Roosevelt, Harriman, Lovett e Acheson), de relacionamentos profissionais em Wall Street (Harriman, Lovett, Forrestal e McCloy), de funções em escritórios de advocacia que atendiam ao governo ou às grandes empresas (McCloy e Lovett), de cargos militares, administrativos ou de inteligência ocupados durante a 2ª. Guerra (Truman, Lovett, McCloy, Marshall e Forrestal),de relações profissionais na diplomacia (Kennan e Bohlen) e até mesmo do cruzamento de vários desses capitais . Quando George Kennan e os demais servidores que comungavam com sua visão sobre a União Soviética se tornaram desnecessários, foram gradualmente afastados do centro do poder e viram-se passando o bastão – involuntariamente – para que outros servidores, com 118 De acordo com WEBER, essa dominação se assenta em uma verdadeira constelação de interesses ou de monopólios econômicos e se estabelece a partir da autoridade legal, qual seja, do poder de dar ordens a pessoas em virtude de um estatuto sancionado e de uma burocracia fundada em hierarquia funcional, de profissionalismo, de atribuição de funções. A obediência se presta não à pessoa, em virtude de direito próprio, mas à regra, que se conhece competente para designar a quem e em que extensão se há de obedecer. Weber classifica este tipo de dominação como sendo estável, uma vez que é baseada em normas estatutárias, assegurando legalmente o poder de autoridade. WEBER, Op.cit. 2005. 119 Como por exemplo, situações de política externa em que esses oficiais fossem exigidos, como o confronto com a União Soviética, as necessidades da descolonização de Ásia e África, as cobranças internacionais por causa de divisão da Alemanha, a criação de organizações de caráter supra-nacional para exercer domínio indireto sobre as demais nações e as mudanças na ética de governança com o início das operações ― políticas‖ desenvolvidas pela CIA no ambiente internacional. 104 posturas bem mais radicais em relação aos soviéticos120, continuassem assessorando os interesses de um governo que se tornava cada vez mais militarista. O imenso capital social que Kennan acumulara durante sua estadia no Departamento de Estado não se esvaíra na mesma proporção que seu poder, mesmo porque seu capital de conhecimento continuava intacto, ou melhor, estava ainda mais fortalecido pela intima convivência com o poder e pela oportunidade de ver, aplicadas, várias de suas produções simbólicas. Portanto, ele ainda tinha recursos importantes para negociar no mercado simbólico, seja pelos postos prestigiosos e influentes que ocupara na hierarquia burocrática do governo, seja pelas relações fratriais que construiu nesse processo. Foi o que ocorreu. Outros parceiros na aplicação da Doutrina de Contenção, detentores de imenso capital econômico além do capital social acumulado em suas relações com o governo, retornaram às suas vidas produtivas no campo da economia liberal, mas Kennan migrou definitivamente para o campo intelectual, levando consigo parte do prestígio outorgado por seu profundo conhecimento da sociedade soviética. No novo campo, na Universidade de Princeton e mais especificamente no Institute of Advance Studies, ele se utilizou largamente desse capital em suas estratégias para ser aceito no novo grupo e para ocupar uma posição central entre eles121. Assim, invertendo ou controlando a trajetória descendente que o havia ameaçado no campo político, ele passou a ocupar uma posição dominante no interior do campo intelectual onde, das alturas de sua ― torre de cristal‖, sentiu-se completamente à vontade – já que sua sobrevivência material não estava mais vinculada a um cargo no Departamento de Estado – para dardejar uma prolífera produção crítica contra o grupo dominante do campo que o expulsara. 120 Paul Nitze era um produtor de bens simbólicos no Departamento de Estado subordinado a Kennan, como antes havia se subordinado a James Forrestal e, como um servidor mais afeito às regras do campo, soube oferecer à camada dominante uma produção intelectual mais afinada com os interesses militaristas do grupo que buscava a hegemonia no governo. Além de apresentar uma argumentação intelectual onde a força – representada pelos militaristas e pelo Departamento da Defesa - teria um papel mais predominante do que a diplomacia, que caracterizara a ação dos primeiros contencionista e que era representada pelos membros do Departamento de Estado, Nitze se consagrou ao elaborar o NSC-68 e ao insistir em sua aplicação, transformando-se na escolha natural do grupo que disputava o poder aos internacionalistas: substituiu seu mentor e passou a ocupar a chefia do Planejamento Político. THOMPSON, Nicholas. The Hawk and the Dove: Paul Nitze, George Kennan and the History of the Cold War. New York: Henry Holt and Co., 2009. 121 Em suas Memórias, Kennan enfatiza que não queria ter poder per si ou pelo prestígio que este trazia consigo, porque sabia que estes eram privilégios efêmeros, mas porque com poder, teria condições de colocar em prática o que acreditava ser melhor para seu país. KENNAN, Op. cit. 1992. 105 O mesmo processo de movimentação no mercado de capitais simbólicos pode ser observado em relação aos demais membros do Departamento de Estado e de Defesa: o que se pode constatar nos Quadros II, III e IV é que cada um dos pesquisados utilizou seus bens simbólicos de formas diferentes para se manterem no campo ou para preservarem o capital social acumulado. Todos eles, no entanto, ao serem afastados dos centros de poder, o utilizaram largamente em seus interesses privados, mantendo-se indiretamente vinculados ao governo como conselheiros ou como membros de comissões públicas. 106 4. A elite do poder e a doutrina de contenção Pessoas comuns, sozinhas, não mudam o mundo. No mundo imediatamente pós-guerra, caracterizado pela emergência de sociedades de massa122, as pessoas comuns faziam parte de grupos sociais fragmentados, heterogêneos e dispersos. Marcada por forte individualismo e alienação em relação ao mundo, a maioria não manifestava interesse, poder decisório, capacidade ou vontade suficiente para promover grandes transformações na sociedade. Mas nem todas as pessoas eram comuns123. Em qualquer grupo social existem pessoas que se destacam entre a grande massa disforme e, detentores de capitais sociais, econômicos ou intelectuais mais elevados, tendem a se aglutinar com os que partilhem uma visão de mundo comum à sua. No lugar certo, entre pessoas certas, podem se unir para formar uma elite e, em virtude de capitais simbólicos acumulados ao longo de suas trajetórias, têm acesso a uma quantidade desproporcional de riqueza e a instrumentos imensuráveis de domínio sobre os demais. Suas decisões – muitas delas de ordem corporativa ou institucional – afetam milhares de pessoas: são detentores de meios de produção, de informação e de prestígio político e acessam livremente o poder, ocupando posições privilegiadas em seus campos de atuação. Sua experiência técnica, política ou social é infinitamente superior à vivenciada pela grande massa e se constituem na nata da sociedade. Ocupam postos de comando estratégico em organizações produtivas, no Estado, em instituições de conhecimento, em instituições religiosas e em organizações militares. Controlam os instrumentos do poder e, ricos ou 122Por grande massa, a autora considera o sentido que lhe dá Emile Durkheim, qual seja, o de uma massa disforme, atomística, de indivíduos indiferenciados, pulverizados e fragilizados. O conceito também pode ser entendido como um grupo social que se opõe ideologicamente à elite, ou seja, como uma forma de sociedade teoricamente identificada como dominada por um pequeno número de elites interconectadas que controlam as condições de vida da maioria de seus membros, de maneira geral, por meio de persuasão e de manipulação. POGGI, Gianfranco Durkheim. Oxford: Oxford University Press, 2000 e McQUAIL, D. Mass Communication Theory Londres: Sage, 2006. 123 Segundo Gaetano Mosca (1858-1941) em Elementi di Scienza Politica (1896) em toda sociedade arcaica, antiga ou moderna, sempre existe uma minoria que é detentora do poder em detrimento de uma maioria que dele está privado. Os poderes econômicos, ideológicos ou políticos são igualmente importantes, mas a força política das elites, como um restrito grupo de pessoas que a detêm – a classe dirigente – foi mais enfatizada por ele. De acordo com essa teoria, as sociedades estão divididas em dois grupos: o dos governantes e o dos governados. Os governantes são menos numerosos, monopolizam o poder e impõem sua vontade valendo-se de métodos legítimos ou arbitrários e violentos ao restante da sociedade. ALBERTONI, Ettore. Mosca and the Theory of Elitism. Oxford: Basil Blackwell. 1987 107 notórios, posicionam-se de forma dominante nos campos em que atuam, emanando todas as diretrizes que determinam a estrutura de sua categoria social. Por isso não surpreende que a maioria dos servidores de confiança ou políticos pertencentes ao Departamento de Estado ou de Defesa, tivessem feito parte, em um dado momento, do Establishment124, ou da elite do poder norte-americano. O termo Establishment, em sentido abstrato, se relaciona com a ordem ideológica, política e econômica que configura uma sociedade ou um Estado, implicando o controle exercido por sua elite sobre o conjunto da sociedade e funcionando como base dos poderes estabelecidos. O termo se estende, igualmente, à nata das instituições que são controladas por essa elite de acordo com seus interesses e concepções. Ocupando posição dominante no campo, os membros do Establishment em questão mantiveram fortes vínculos com as frações dirigentes, estabelecidos por meio de estratégias sociais, acadêmicas ou profissionais, ou por meio de funções políticas, administrativas, diplomáticas ou militares exercidas antes e durante a Segunda Guerra Mundial. O que os aglutinava, criando valores e interesses comuns, era o meio em que transitavam. A rede de relacionamento que os conectava ao poder abrangia Wall Street, Washington, ricas fundações e clubes masculinos e eles formavam, segundo Arthur Schlesinger Jr., historiador e conselheiro da administração Kennedy ― a comunidade financeira e legal de Nova York, o coração do Establishment norte-americano. Suas deidades na área diplomática eram Henry Stimson e Elihu Root125; seus líderes eram Robert Lovett e John McCloy, seus organizadores principais eram as Fundações Rockfeller, Ford e Carnegie e o Conselho de Relações Exteriores‖126 O elitismo desses membros do Establishment sofria, na arena política norte-americana, a oposição de uma tendência populista com raízes no Grande Despertar de Jonathan Edwards 124Originariamente, o termo Establishment se relacionava a uma aliança entre burguesia urbana e grupos da aristocracia rural britânica que, tradicionalmente, concentravam em suas mãos os meios de ação do país. Ambos eram pouco abertos a inovações em todos os campos e extremamente hostis no compartilhamento do poder com outros grupos. In Dictionary Reference. Disponível em http://dictionary.reference.com/browse/establishment. Acesso em 07/03/2011. 125 Elihu Root foi Secretário da Guerra na administração William McKinley e Secretário de Estado de Theodore Roosevelt. Diplomada da ― velha escola‖, ajudou a elaborar os ideais wilsonianos. Henry Stimson foi seu sucessor como Secretário da Guerra e Secretário de Estado, sob Franklin D.Roosevelt. Breves notas biográficas dos dois diplomatas nas referências no. 125 e 98, respectivamente. 126 HALLBERTAM, David. The Best and the Brightest.New York: Random House, 1972. 108 contra a florescente sofisticação do século dezoito 127 e na revolta popular liderada por Andrew Jackson contra John Quince Adams 128. No entanto, apesar de imensamente poderoso per si, esse grupo de elite não consegue comandar as massas sozinho, principalmente no campo político. Necessitam de acólitos ou servidores técnicos-funcionais, que os ajudem a exercer o poder. Roosevelt ou Truman, por exemplo, estavam muito bem posicionados no centro do campo político e dele, outorgavam poder a seus servidores, mas para chegar ali ou para manterem essa posição, dependiam das estruturas da máquina partidária e da aprovação popular. Pelo próprio caráter da política administrativa, tinham que cercar-se de técnicos e burocratas de sua confiança e além de estarem sujeitos às alianças e a apoios políticos construídos no interior de seu partido, também sofriam forte pressão de partidos da oposição. No caso de Roosevelt, observa-se que sua ascensão ao poder se deu no início da década de 1930, em meio a uma crise econômica e social de caráter mundial. Oportunizando o momento, o Partido Democrata apeou os Republicanos do poder e, ao longo décadas seguintes, procurou monopolizar a máquina estatal apoiando-se em políticas sociais voltadas para a recuperação econômica do país e para melhorias nas condições de vida dos trabalhadores em geral. Com a crise de 1929, muitas fortunas tradicionais se desfizeram e 127Johnatan Edwards (1703-1758) , foi um ministro e teólogo calvinista de Massachusetts que deu início ao Grande Despertar, movimento interno norte-americano ocorrido durante as décadas de 1730 e 1740, visando o retorno às raízes calvinistas dos peregrinos. Esse movimento também pode ser interpretado como a última grande expressão dos ideais religiosos que motivaram a fundação das colônias da Nova Inglaterra. Disponível em http://www.jonathan-edwards.org/. Acesso em 07/03/2011. 128Andrew Jackson (1767-1845) foi advogado e presidente dos Estados Unidos de 1829 a 1837. Epônimo da Democracia Jacksoniana, foi uma figura polarizadora do Partido Democrata, ampliando a participação popular na política norte americana nas décadas de 1820 e 1830. Mais que qualquer outro de seus predecessores, Jackson foi eleito pelo voto popular e como presidente, procurou agir como um representante direto do homem comum e não da elite. Foi o primeiro homem do Tenessee eleito para o Congresso e serviu brevemente no Senado. Conseguiu consagração popular ao vencer militarmente os ingleses na Guerra de 1812, em New Orleans. Ele tentou democratizar os cargos oficiais federais em Washington desacreditando funcionários que ocupavam cargos vitalícios e propondo que os deveres de governança fossem claros e simples o suficiente para haver rotatividade dos cargos entre os que os merecessem. À medida que a política nacional se polarizava em torno de Jackson e de seus oponentes, o velho Partido Republicano se dividiu em dois: o Partido Democrata, que aderiu a Jackson e o Partido Nacional Republicano (Whigs), que se opunha a ele. Henry Clay, Daniel Webster e outros líderes republicanos se auto proclamaram defensores das liberdades populares, atuando contra o que consideravam uma usurpação por Jackson. Este, ao contrário de seus antecessores, não se curvava à política feita no Congresso e usava seu poder de veto e a liderança de seu partido para governar autocraticamente. Sua maneira de agir, no entanto, obteve a aprovação do eleitorado americano e em 1832, ele conseguiu mais de 56% do voto popular e quase cinco vezes mais votos eleitorais que Clay. Sua luta contra os bancos e contra os ricos comerciantes em benefício do populacho levou esse período a ficar conhecido como o da ― democracia jacksoniana‖. In Miller Center of Public Affair. Disponível em http://millercenter.org/president/jackson . Acesso em 07/03/2011. 109 novas oportunidades surgiram para jovens de classe média, ambiciosos e com bom acúmulo de capital intelectual, como Raymond Moley129 ou de capital de prestígio, como Harry Hopkins. Quando Roosevelt assumiu o poder em 1933, a burocracia do Estado começou a se ampliar para atender aos novos projetos sociais do governo e como a economia estava em franca espiral descendente, o presidente teve grandes dificuldades em preencher seus gabinetes com conselheiros políticos de sua confiança. Intelectuais por definição, a função desses servidores públicos seria a de construir um projeto de governo de acordo com a ideologia que a nova elite que se instalava no poder pretendia disseminar. Por serem servidores políticos e não concursados ou legalmente eleitos, não detinham o poder per si, mas circulavam tão perto dele que – enquanto servidores – eram tão poderosos quanto os que serviam. O Gabinete Roosevelt - composto por pessoas de sua confiança, ou da confiança do partido contava com conselheiros políticos130 como Harry Hopkins e Clark Clifford; com consultores acadêmicos como Raymond Moley, Cordell Hull e Henry Morgenthau Jr; com juristas como Felix Frankfurter e Louis Brandeis e com gestores corporativos como William Harriman, Robert Lovett e John McCloy, além de editores de mídia e de jornalistas de alto padrão, que ajudavam o governo a promover a opinião pública. O serviço – e é por isso que eram chamados servidores públicos - que deveriam executar seria capitanear os pensamentos e decisões da Presidência, ajudando-a a elaborá-los intelectualmente e a transmiti-los para as camadas inferiores. Nos Estados Unidos dos anos 40 e 50, como consequência do processo de transição social que marcou os anos imediatamente pré e pós-guerra, observa-se que, apesar das relações entre os 129 Raymond C. Moley (1886-1975) foi um intelectual que ajudou a formular o New Deal e que, posteriormente, tornou-se um de seus mais acirrados oponentes. Doutor em Filosofia pela Columbia University em 1918, ensinou Política na Western Reserve University e foi diretor da Cleveland Foundation e do Conselho de Defesa Estadual de Ohio. Em 1928 foi professor de Direito da Harvard University, especializando-se em justiça criminal. Moley apoiou a candidatura democrata de Roosevelt à Presidência em 1932 e o ajudou a recrutar colegas professores em Columbia para formar Conselho Cerebral (Brain Trust) que criaria os projetos sociais de desemprego divulgados em sua campanha. Após a vitória, seus membros se tornaram importantes figuras no governo e a Moley, coube o crédito de inventar o termo New Deal. Em meados de 1933 ele rompeu com Roosevelt e tornou-se um republicano conservador. Como colunista da revista Newsweek, de 1937 a 1968, tornou-se um dos mais conhecidos críticos do New Deal e do liberalismo In The New York Times. Disponível em em geral. http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,788997,00.html. Acesso em 07/03/2011. 130 A classificação da sociedade norte-americana adotada neste trabalho é originária de MILLS, Op. cit., 1956, pp.15-16. 110 indivíduos que ocupavam cargos políticos se darem em esferas distintas (funcionários de carreira e funcionários políticos), prevalecia dentre os que cercavam o presidente uma espécie de consenso e visão de mundo comum – homogeneizando-os sob um poder muito maior do que o que poderia derivar das sociedades de massa, ainda razoavelmente fragmentadas e impotentes. Oportunizando seu capital intelectual e valendo-se da influência derivada de seus cargos, os servidores políticos dos governantes transitavam livremente entre o campo econômico e o político, valendo-se de seu acesso simultâneo ao poder do Estado e ao poder corporativo para configurar a economia e a política conforme os interesses do grupo que os nomeara, enquanto, concomitantemente, externavam em público discursos de interesses nacionais. Suas trajetórias no momento histórico que fundamenta este trabalho eram coincidentes ou colidentes, na medida em que se aliavam ou concorriam entre si para atingirem o centro do comando, mas suas relações se condicionavam à necessidade de expandir a influência dos Estados Unidos no mercado internacional e principalmente, a eliminar os entraves que pudessem surgir nesse processo, no caso, os interesses similares da União Soviética. Seria importante reforçar aqui que, principalmente no mundo que emergiu no pós-guerra, a idéia de classe dominante, indicando uma formação social baseada em laços de nascimento, de riqueza tradicional e de status que monopolizava o poder, estava sendo gradativamente substituída por elite do poder131, termo que implicava riqueza e poder adquiridos e que reorganizava as classes proprietárias e as emergentes em um extrato mais ou menos homogêneo de ricos e poderosos, apesar das diferenças de origem. Em outras palavras, essa elite do poder132 seria composta por ricos tradicionais, que formaram a classe dominante no passado mas que haviam perdido a exclusividade de domínio no campo social; por ricos emergentes, cujas fortunas derivavam da expansão de estradas de ferro ou de industrias químicas, automotivas ou de comunicação no país e por poderosos burocratas, pois o comando, agora, emanava também de instituições econômicas e 131 MILLS, Op. cit., 1956, p. 147. 132 De acordo com Domhoff, os Estados Unidos da década de 1950 eram governado por proprietários e gestores de propriedades que geravam altas rendas, ou seja, por corporações, bancos e agro-business, com o suporte intelectual de gestores e especialistas altamente qualificados que empregavam para tanto. Esse domínio era exercido por meio de envolvimento aberto e direto com a política, seja influenciando os governantes no planejamento de políticas públicas, seja na participação de campanhas políticas e de eleições, seja por meio de nomeações de seus acólitos a posições-chave em um governo. DOMHOFF, William G. Who Rules America Now? Waveland Press. 1997, p. 2. 111 políticas. Nessas instituições, membros da elite do poder se vinculariam a membros diferenciados das classes inferiores e juntos, criariam as estruturas de um novo grupo dominante. Atuando em várias camadas privilegiadas dos campos econômicos, políticos e militares, partilhavam decisões de caráter nacional e internacional e podiam ser identificados em três setores: o das lideranças políticas, incluindo o presidente e um grupo seleto de membros de gabinete e conselheiros que constituem o objeto deste trabalho; o de grandes proprietários e diretores corporativos, de onde foram convocados muitos dos conselheiros presidenciais, e finalmente, o dos oficiais de exército de alta patente que, principalmente com a expansão do complexo industrial-militar durante a Guerra Fria, passaram, igualmente, a ter grande influência nas decisões governamentais 133. Por que se pode afirmar que eles compunham uma elite? Por que elite é um grupo de pessoas que sempre tem o máximo de tudo o que se pode ter: dinheiro, poder e prestígio. Alguns poucos privilegiados já nascem com tais regalias, mas pessoas comuns só os conquistavam por meio de estratégias simbólicas: com o acumulo de conhecimento técnico diferenciado, ou capitais de prestígio, para oferecê-los, posteriormente, no mercado simbólico em troca de poder. O acúmulo de capitais simbólicos permitiu, portanto, que os menos bem-nascidos circulasse em torno da elite, ou fossem nela inseridos- sempre cientes de que, quanto maiores os recursos simbólico acumulados, maiores seriam suas chances de galgar boas posições nas grandes instituições. Tais servidores, por receberem poder por outorga dos naturalmente poderosos, só seriam poderosos enquanto tivessem acesso ao comando de instituições econômicas, políticas, militares ou jurídicas. Fossem eles políticos de alto escalão, diretores ou acionistas de grandes empresas, ou oficiais de alta patente, o controle do poder institucional é que os tornava poderosos, principalmente porque esse controle deixara de ser exclusivamente tradicional ou hereditário, como no passado. Fundado na meritocracia e no prestígio, os cargos institucionais deixaram de ser perenes e aqueles que fossem destituídos desses instrumentos do poder ou afastados das instituições que davam acesso a eles, retornariam às grandes massas e à insignificância. Ou seja, deixariam de pertencer à elite. 133Classificação adotada de acordo com o verbete "Power elite" conceituado por Jason Powell in The Blackwell Encyclopedia of Sociology, Blackwell Publishing, 2007, pp. 3602-3603 112 O processo de descenso social era particularmente difícil, especialmente para servidores políticos com origens nas camadas inferiores da sociedade. Após fazerem parte do Establishment, ou seja, de se sentirem aceitos no grande circulo dos poderosos, era-lhes particularmente penosa a idéia de rebaixamento. Desejosos de se manter no poder, empenhavam-se vigorosamente em atender aos interesses dos que os haviam colocado em seus postos, esforçando-se para identificar-se com eles e absorver seus valores morais e psicológicos. E, inebriados pela proximidade que mantinham com a elite e iludidos pelo poder que emanava do cargo que ocupavam nas instituições dos poderosos, muitos deles se esqueciam de que seu papel era de coadjuvante – de servidor – no processo de dominação. George Kennan, por exemplo, iludido pela repentina projeção de seu Longo Telegrama e pelo poder derivado de seu cargo de Diretor de Planejamento Político, não conseguia aceitar que suas recomendações de contenção – mais diplomacia e menos armamentos na relação com a União Soviética - voltassem a ser ignoradas. Sua posição burocrática no campo de poder se tornara tão central, que ele se esqueceu de que era um servidor dos poderosos, um simples acólito sem luz própria. Enquanto servidores público, pessoas como Kennan existem – e recebem poderes – para criar uma visão de mundo que atenda aos interesses da administração que os colocou no cargo que ocupam. Sua neutralidade deve ser absoluta e eles jamais determinam a política a ser seguida: cabe-lhe apenas fornecer instrumentos para sua realização e manter-se fiel à orientação que lhe for traçada. Como Kennan, Dean Acheson e Marshall tiveram a oportunidade de aprender, quando servidores deixavam de produzir o que deles se esperava no campo, ou de atender aos interesses dos naturalmente poderosos, estes lhes retiravam o poder outorgado e os substituíam por servidores mais coniventes, adequados ou flexíveis. Que interesses que estavam em jogo? Durante a década de 1940, coexistiam nos Estados Unidos dois grupos de elite com uma visão oposta de política externa. Um deles pregava a postura tradicional do isolacionismo e continuava ignorando os problemas internacionais que não estivessem afetando diretamente os seus territórios ou seus quintais. O outro, mais progressista, percebia o vácuo de poder criado pelo declínio das potencias européias que, enfraquecidas com a guerra, não apenas ficaram destituídas de recursos para manter seus 113 impérios coloniais, como haviam se comprometido com a descolonização para receberem o Lend Lease. No fim da Segunda Guerra, potencias antigas, como a França e a Itália, já haviam se eclipsado. A tentativa alemã de dominar a Europa, bem como a do Japão, de controlar o Extremo Oriente e Pacífico fracassara. A Grã Bretanha, que suportara o maior peso da defesa contra Hitler, estava totalmente debilitada e dentre os Aliados, apenas os Estados Unidos e a União Soviética haviam ficado em pé no tabuleiro. Os Estados Unidos foram os únicos que se tornaram muito mais ricos com a guerra. Sua marinha mercante concentrava cerca de metade do transporte marítimo mundial. Entre 19401944, a produção industrial norte-americana – civil e militar – crescera em mais de 50%, num ritmo de mais de 15% ao ano. Embora o crescimento tenha sido causado principalmente pela produção de guerra - que passou de 2% da produção total de 1939 para 40% em 1943 os produtos não-bélicos também ganharam maior escala. Seu exército tinha 69 divisões na Europa e 26 na Ásia e Pacífico e apesar de muitos soldados estarem ansiosos para voltar para casa, a influencia militar informal que os Estados Unidos estavam exercendo em várias partes do globo transformava-se em formal à medida que encontravam ― novas fronteiras de insegurança. ] Na outra ponta, a União Soviética se fortalecera militarmente com a extensa campanha que manteve na frente ocidental, recolocando-se no nível que ocupara nas primeiras décadas do século XIX, quando seu exército policiava a Europa Centro-Oriental. Após a Segunda Guerra, suas fronteiras se ampliaram à custas da Finlândia, Polônia e Romênia e estados bálticos como Letônia, Estônia e Lituânia foram reincorporados a seu território. Um cordão sanitário de estados satélites a separava do Ocidente, permitindo que o Partido Comunista e a polícia secreta impusessem regras sem contestação. Mas sua economia havia sido profundamente afetada com imensas perdas de população e prejuízos materiais incalculáveis nas áreas ocupadas pelos alemães. Para poderem vencer militarmente o invasor, os russos concentraram toda sua produção no setor industrial-militar, reduzindo drasticamente os demais – bens de consumo, comércio e varejo, abastecimento agrícola. Ou seja, em 1945 a Rússia era um gigante militar, mas economicamente estava pobre, desgastada e com deficiência de recursos 114 humanos, ansiando por matérias primas estratégicas – como petróleo, borracha e minérios tanto quanto os Estados Unidos134. Econômica e estrategicamente, os Estados Unidos ocupavam uma posição mais favorável que a dos russos na nova ordem bipolar, mas temiam a disseminação da ideologia soviética entre os trabalhadores dos países ocidentais devastados pela guerra. Ao mesmo tempo, seus governantes passaram a sofrer intensa pressão das industrias de exportação que receavam que uma depressão de pós-guerra pudesse seguir-se ao declínio dos gastos governamentais a menos que novos mercados além mar fossem abertos para absorver seu excesso de produção . Era o momento adequado para a investida dos internacionalistas e não surpreende que tenham conseguido a aprovação da opinião pública para seu projeto: além de criarem uma justificativa moral para ocupar espaços vacantes na economia internacional com a ― pax americana‖, também usaram o argumento da ― segurança nacional‖ para não desativar o complexoindustrial militar que se provara tão eficiente, durante a guerra, para reativar a economia interna e manter inimigos à distância. Ora, a empresa moderna pode ser considerada, em nossos tempos, como a principal fonte de riqueza e poder, mas política e especialmente a praticada na democracia, também abre e fecha muitas portas para a fortuna. No caso dos Estados Unidos, entre 1940 e 1950, muitas fortunas foram criadas a partir da política e de decisões tomadas por membros da burocracia do poder, especialmente as fundadas no complexo industrial militar. A luta contra o nazi-fascismo, a princípio, e a contenda internacional levantada pela democracia contra o comunismo, posteriormente, foram muito oportunas para a criação de uma sociedade militarista-industrial nos Estados Unidos e o posicionamento de alguns servidores chave nos círculos de dominação foi fundamental para assentar as bases desse novo tipo de sociedade. Havia muita coisa em jogo. Ideais cavalheirescos, relações fraternais e ética política se mesclavam com segurança nacional, realismo político e com a necessidade de expandir o poder além das fronteirasdos Estados Unidos, justificados pela defesa da democracia. Grandes ideias surgiram. Novas estruturas burocráticas foram criadas para colocá-las em prática, tanto na política, quanto na economia. 134 KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1989. Pgs. 343347 115 Vários agentes das camadas subalternas, com competência comprovada nessas estruturas burocráticas ocuparam os espaços criados com a aplicação da doutrina elaborada por George F. Kennan por meio de instituições diplomáticas, se possível ou pela força das armas, se necessário, ao longo de quase meio século. Ou seja, a Doutrina de Contenção atendeu amplamente aos interesses das elites políticas, burocráticas e econômicas do pós guerra: criou um sentimento de coesão nacional contra uma ameaça externa, impôs a necessidade de ampliar o comércio além das fronteiras para resguardar o sistema capitalista da ofensiva socialista e principalmente, deu continuidade ao projeto econômico interno mais bem sucedido na criação de emprego e riqueza durante a décadas de 1940: o do complexo-industrial militar. 116 5.1 Vocação pública e o Establishment A observação das trajetórias paralelas ou perpendiculares dos membros do Establishment que constam desta pesquisa auxiliou muito a análise das forças que sustentavam o campo político do pós-guerra nos Estados Unidos, mas para evitar reducionismos, não seria produtivo tratar todos como parte de um mesmo processo monolítico. Apesar dos pesquisados circularem em ambientes sociais, universitários e profissionais comuns, seus Quadros de Origens e Trajetórias ilustraram bem a diversidade que pode ser encontrada no interior de um campo que, sem esse enfoque, poderia ser visto como compacto. O fator de integração e determinante de suas trajetórias - o ingresso à carreira pública - surge no discurso dos servidores políticos como uma espécie de chamado ou vocação, configurando o que Weber135 consagrou como o sentimento que levava um agente a viver para a política e não necessariamente dela, tornando-a o objetivo de sua vida, seja pelo prazer derivado da simples posse do poder, seja porque a atividade nesse campo a serviço de uma causa daria algum tipo de significação à sua vida. William A. Harriman, Dean Acheson, John McCloy ou Robert Lovett atuaram nos moldes descritos por Weber, encaixando-se no tipo dos que viviam para a política por serem independentes das vantagens econômicas que essa atividade lhes podia proporcionar. Possuíam fortuna pessoal ou ganhos suficientes assegurados e estavam economicamente disponíveis, não tendo necessidade de dedicar todo seu tempo e capacidade de trabalho perseguindo a própria subsistência. A disponibilidade de um grupo considerável de altos burocratas públicos atuando na máquina administrativa do Estado e vivendo para a política e não dela, implicava que - desejosos apenas dos dividendos simbólicos da máquina estatal - os burocratas em questão viam-se menos constrangidos pelas regras ou exigências cobradas de funcionários menos autônomos e eram bem mais independentes no campo. Dean Acheson, por exemplo, era originário de uma distinta família de classe média de pastores presbiterianos. Estudara em Groton e ao graduar-se em Direito por Harvard, acumulou vultoso capital social nas relações com seu professor de Direito Administrativo, Felix Frankfurter, que seria sob Roosevelt, nomeado para o Supremo Tribunal. 135WEBER, Max. Ciência e Política: Duas Vocações. São Paulo: Ed Martin Claret, 2005, p.68 117 Muito bem sucedido na carreira jurídica e recebendo altos dividendos como associado da Convington & Burling, Acheson tinha uma posição confortável em termos financeiros e uma extensa rede de relacionamento entre a elite do poder. Democrata, auxiliou na campanha de Roosevelt em 1932 e, em reconhecimento por sua participação, foi nomeado Sub Secretário do Tesouro pelo Presidente. Durante a década de 1930 os Estados Unidos estavam atravessando uma enorme depressão econômica causada pela quebra da Bolsa de Nova York e dentre as medidas propostas pelos assessores de Roosevelt para amenizar as dificuldades do mercado, estava a desvalorização do dólar em relação ao padrão ouro. Acheson, atuando como Secretario do Tesouro por motivo de doença do titular, considerou a proposta ilegal e emitiu sua opinião em documento dirigido ao Presidente. Roosevelt lhe respondeu que a função de um advogado seria de encontrar meios para contornar as filigranas da lei e cobrou-lhe uma ação mais efetiva no sentido de agilizar tais procedimentos. Acheson manteve sua posição, afirmando que estava sendo solicitado a fazer algo com que não concordava e irritado com a insubordinação de seu servidor, Roosevelt o dispensou do cargo. Diplomático e tremendamente ético, Acheson escreveu uma renuncia breve e polida, agradecendo ao presidente por ― todas as demonstrações de gentileza‖ manifestas á sua pessoa. Roosevelt nem sequer respondeu e Acheson soube pela imprensa que o presidente havia escolhido Henry Morgenthau para substituí-lo. Apesar de não ter sido convidado para a cerimônia de diplomação de Morgenthau no Salão Oval, Acheson compareceu assim mesmo e foi quase ignorado pelo presidente, que discursou longamente aos poucos presentes sobre as virtudes da lealdade. No final da fala, constrangido, Acheson dirigiu-se ao Presidente, estendeu-lhe a mão e agradeceu pela oportunidade que lhe fora dada de estar a seu serviço. Roosevelt o abraçou. ― Estou realmente furioso com você‖ disse-lhe ao ouvido ― mas você é um grande esportista‖. Alguns anos mais tarde, quando outro oficial lhe enviou um carta grosseira de renuncia, Roosevelt a entregou à sua secretária e disse: ― Devolva isso para ele e diga-lhe para perguntar a Dean Acheson como é que um cavalheiro deve pedir sua renúncia.‖ 136 136Esses fatos foram narrados a partir de várias referências. Vide ACHESON, Dean em Morning and Noon, pgs. 161-194; TULLY, Grace (secretária de Roosevelt) em FDR, My Boss p. 178 e ISAACSON & THOMAS, Op. cit., 1986, pp.133-135. 118 A narrativa desses eventos demonstra alguns aspectos importantes na trajetória de Acheson como servidor político. Primeiramente, dentre os fatores que aumentaram seu capital social e o aproximaram do poder do poder, é possível apontar o início de sua carreira como pupilo do Juiz Felix Frankfurter, bem como a parceria profissional com o Juiz Brandeiss, ambos altamente influentes no governo pela amizade pessoal com o Presidente e por seus cargos no Tribunal Supremo Federal. Outro fator importante de prestígio, foi o fato de Acheson ter sido grotoniano, maçom e Bonesman, como Harriman e Roosevelt. Como pertencia a vários clubes sociais137 na cidade e abundava charme pessoal, acumulou capitais sociais que lhe seriam muito úteis no governo e, ao atuar na campanha de Roosevelt em 1932, adicionou mais capital político às suas estratégias para aproximar-se dos círculos centrais do poder. Advogado bem sucedido na firma Convington & Burley, acumulou o confortável capital financeiro que lhe ensejou participar da política pela política, com relativa independência de suas recompensas pecuniárias. No caso citado acima, como não dependia dos recursos financeiros de seu cargo, Acheson não apenas pode dar-se ao luxo de manter sua opinião perante Roosevelt como, mesmo não pertencendo ao Establishment por origem, sua convivência com essa elite e a absorção de seu habitus o levou a agir, no caso da demissão, com a nobreza de atitude que seria esperada de um agente das camadas dominantes. Outros servidores, se desprovidos de fortuna, não poderiam dar-se ao luxo de manter convicções pessoais contra interesses das camadas de poder, pois dependiam da remuneração que o Estado lhes provia para sobreviverem e portanto, eram mais suscetíveis às variações da opinião publica e de seus representantes, sendo obrigados a levá-los em consideração se quisessem viver da política Se o conceito de que o Estado moderno 138 é de um agrupamento de dominação que monopoliza nos limites de seu território a violência física legítima e garante os meios materiais de gestão aos dirigentes, aqueles que conseguem manter sua independência desses recursos atuam de forma mais livre, como demonstrado pelo exemplo acima com Dean Acheson. 137Acheson pertencia ao Peguim, um grupo de discussão liberal, ao Royal Bengal Bicycle, uma organização social bem ativa e ao Alphapha, nome dado a uma planta cujas raízes entram fundo na terra em busca de bebida (era um grande amante Martinis e Scotch), além de recebeer frequentemente em sua casa. ISAACSON & THOMAS, Op. cit. 1986, p.32 138 WEBER, Op. cit, 2005, pps. 86 a 93. 119 Alguns dos funcionários que cercaram Kennan para colocar em prática sua proposta de contenção, como Harriman e Acheson, empenharam-se na luta política com um intuito claro: estarem próximos aos círculos do poder e, ao administrar seus interesses (idealisticamente ou para atender negócios pessoais) encontravam nessa atividade tanto um ganha-pão, quanto um conteúdo moral para suas vidas. Outros, como McCloy e Lovett, praticaram a política como profissão secundária, mesclando passagens pelo governo com retornos às atividades civis e a seus interesses econômicos pessoais, conforme as tendências do campo e a importância de suas contribuições pessoais no confronto com os soviéticos. Além de benefícios materiais, as posições que Acheson, McCloy ou Harriman ocuparam no governo, os municiaram com um imenso capital social, com um prestígio que, no retorno à vida civil e principalmente à prática jurídica ou empresarial, foi adequadamente aplicado para implementar suas atividades profissionais. Integraram embaixadas importantes (Harriman), ocuparam cargos de destaque no Departamento de Estado (Marshall, Forrestal, e Acheson)e participaram da criação de órgãos de importância vital para a Contenção aos soviéticos, como o Banco Mundial (McCloye Lovett), bem como de dezenas de Conselhos de Estado e de órgãos consultivos, mesclando tais atividades com suas atividades civis. Nos Estados Unidos, a participação das elites na estrutura burocrática do governo vinha de longa data, apesar de aquele país caracterizar-se por uma cultura política em que as crenças e valores da classe média sejam predominantes 139. A igualdade de oportunidades é um valor importante na sociedade americana e, sem dúvida alguma, ajudou a limitar o crescimento de classes aristocráticas na política, mas críticos radicais dessa perspectiva de cultura política, como Samuel Huntington140, argumentam que as crenças e valores públicos norte-americanos são impostos por grupos que ocupam posições centrais nos campos do poder e que as crenças 139 Há muito indicadores que confirmam a predominância da cultura da classe média: em 2002, 45% dos trabalhadores americanos atuavam em profissões técnicas, gerenciais ou administrativas. Outros 28% atuavam em atividades burocráticas de alto escalão, 25% em empregos braçais e 2% em atividades rurais. Mais de 80% dos jovens de 18 anos graduaram-se na High School e destes, 30% seguiram carreira universitária. (Fonte: US Census Bureau, disponível em <http://www.census.gov>, com acesso em 12/08/2010.) No entanto, alguns acadêmicos questionam a objetividade desses indicadores, apontando que o relacionamento entre empregadores e empregados é um pouco diferente para trabalhadores do setor privado e os do setor público e principalmente. 140 HUNTINGTON, Samuel. American Politics, Boston: Harvard University Press, 1981. p. 14 120 que praticam , na verdade, constituem uma ideologia com a função de legitimar o sistema vigente de autoridade política e de organização econômica. A ideologia dominante é muito poderosa nos Estados Unidos e está tão voltada para os interesses dos grupos dominantes que todo e qualquer arranjo econômico e político é apresentado às massas, frequentemente, não apenas como os melhores possíveis, mas como os únicos viáveis, como foi o caso da Guerra Fria. Uma análise crítica da Constituição dos Estados Unidos141, por exemplo, indica que uma das diretrizes mais importantes da tradição federalista era que os direitos de propriedade se colocavam moralmente acima do governo. Ou seja, independentemente do discurso democrático emitido, os pais fundadores criaram instituições governamentais para apoiar as necessidade privadas de seus cidadãos, reconhecendo o vínculo íntimo entre bem estar público e desejo de poder e propriedade dos indivíduos. Para Charles Beard, empresários como William Harriman, portanto, envolviam-se em atividades políticas para atender a interesses pessoais e específicos, ou para atender necessidades de auto-estima e reconhecimento e não por ― vocação‖ ou ― chamado‖, como afirmado por Weber. Filhos de boa linhagem – tradicional ou emergente – eram preparados desde a infância para se integrarem ao projeto de poder familiar e atuar de forma representativa ou executiva no governo, adequando-o aos seus interesses individuais e de sua classe. Considerando os Quadros de Origens e Trajetórias, essa perspectiva pode ser observada principalmente entre os grotonianos e entre membros do Establishment que se inauguravam nas redes de relacionamento universitárias, na maçonaria e em clubes masculinos, onde cultivavam vínculos sociais como estratégias políticas e econômicas de ascensão social ou de manutenção do poder. Importantes para reforçar a legitimidade do poder outorgado pelo povo aos seus governantes, os membros da elite econômica e intelectual que circulavam em torno das instituições democráticas emprestavam-lhe parte do poder simbólico que traziam de seus campos e cercavam o dirigente com membros de sua própria classe. Durante os primeiros anos do 141Apesar da primeira publicação do trabalho crítico de Charles Beard ser datada de 1913, seu conteúdo ainda é atual quase um século depois, por tratar-se de um trabalho seminal na criação de uma nova – e polêmica maneira de pensar a democracia norte-americana. BEARD, Charles. An Economic Interpretation of the Constitution of the United States. New York: The Free Press, 1986. 121 governo Roosevelt observou-se no departamento de Estado uma maior incidência de servidores de confianças pertencentes ao mesmo círculo social do Presidente142 mas, à medida que a crise dos anos 1930 se aprofundava e eram criadas instituições públicas para dar suporte à política de recuperação do New Deal, tornando o Estado mais burocrático e funcional, membros de outras classes também lograram ascender aos círculos funcionais de poder. Quando Truman assumiu a presidência em 1945, uma série de transformações sociais já estavam se consolidado nos Estados Unidos, aceleradas por alguns fatores decorrentes da guerra na Europa: a) intensa migração rural, com rapido processo de urbanização; b) ascensão do trabalho feminino nos centros urbanos, para substituir a mão de obra masculina que havia perecido durante a guerra; c) emergência de novas forças econômicas entre imigrantes europeus e latinoamericanos, que haviam feito fortuna durante a guerra; d) disseminação de centros econômicos importantes para outras regiões além da Costa Leste, para atender á demanda interna e externa gerada pela guerra e e) maior inserção dos afro-americanos no mercado produtivo, pela acentuada divulgação dos direitos humanos e pela necessidade de mão de obra em uma economia em crescimento. Sendo o próprio presidente fruto dessas transformações, seria natural que procurasse se cercar de iguais, principalmente porque os servidores políticos das classes aristocráticas gozavam de muita independência e consequente, tinham menor comprometimento com os valores democráticos que cercavam o cargo da presidência. Muitos eram advogados e advogados, além de dispor de mais tempo para a política, também detinham um domínio maior sobre o discurso escrito e falado, pelas próprias exigências da profissão. O fato desses profissionais terem atuado na configuração da política externa norteamericana como servidores políticos com mais constância e em maior volume do que as demais categorias de trabalhadores ou proprietários no período estudado, provocou uma série 142 Mantiveram vínculos pessoais com o Presidente Roosevelt, por meio de fraternidades universitárias ou sociais os seguintes oficiais citados neste trabalho:, Joseph Grew (Boston´s Back Bay, Groton e Harvard), Henry Stimson (Yale, Harvard, Skull & Bones) , William Bullit (Yale, Harvard, Scroll & Key), William Harriman (Groton e Skull & Bones) , Dean Acheson (Groton, Harvard e Skull & Bones), e muitos outros que ocuparam cargos importantes em sua administração. 122 de reações favoráveis ou negativas em algumas pessoas que atuavam com eles naquela área143. Grande parte dos servidores políticos era da confiança do Presidente e ocupavam cargos rotativos, mas como a funcionalidade burocrática das instituições públicas necessitava de continuidade, havia também especialistas sem vínculos políticos com as classes dirigentes. Esses agentes sociais se dedicavam integral e exclusivamente à burocracia política, como Kennan e Bohlen, fazendo dela sua atividade principal e tornando-se responsáveis pela manutenção da estrutura administrativa governamental. Por isso, o peso desses dois oficiais, em relação às forças que determinavam as posições de cada um no campo político era bem menor que o dos servidores nomeados ou de confiança e, para eles, além da política ser permanente fonte de rendas, viviam dela e para ela, simultaneamente. 143 Jean Monet, por exemplo, especulava se a aglomeração de tantos advogados no Departamento de Estado se devia à necessidade da área ter técnicos devidamente treinados para lidar com situações complexas a partir de precedentes e de formas inovadoras. Acheson e McCloy partilhavam dessa visão e Acheson, inclusive, acreditava que os melhores estadistas eram aqueles que possuíam os atributos de um grande advogado, qual seja, manter-se emocionalmente afastado de um caso, apreciando os fatos dos dois lados. Kennan, por outro lado, abominava os juristas da política externa, argumentando que viviam preparando tratados complexos que nunca eram utilizados e que tinham pouca relação com as realidades do poder. Lovett, eminentemente prático, via o Direito como a força coercitiva que, contratual e pacificamente, teria a capacidade de reforçar comportamentos desejados e atender ao projeto de governança. MONNET, Jean. Memoires. Paris: Arthème Fayard. 1976, pp. 20–28 e ISAACSON & THOMAS, Op. cit., 1986. 123 5. Conjuntura econômica, política e social da Guerra Fria Em termos históricos, observou-se que o período em questão foi uma espécie de intermezzo nas relações internacionais, delineando e consolidando a ruptura de valores e comportamentos isolacionistas, ratificando o internacionalismo e determinando as regras do realismo político adotado pela política externa norte-americana pelas cinco décadas seguintes. Do início da República em 1776 até 1929, independentemente do discurso em vigor e das tendências democráticas dos governantes que se intercalavam à frente dos Partidos Republicano ou Democrata, observou-se nos Estados Unidos uma prática altamente centralizada de poder, fundada nos interesses econômicos de um grupo de elite que controlava a política nacional e apoiada em um relativo isolacionismo político em relação ao restante do mundo144. A partir da crise de 1929 e das transformações sociais, econômicas e políticas que configurariam um novo cenário internacional, esse isolacionismo começou gradativamente a perder espaço para uma nova prática nas relações externas até que em 1941, os Estados Unidos se viram diretamente envolvidos na guerra européia. Após a Segunda Guerra, o papel dominante exercido pelos Estados Unidos, como se observou anteriormente, foi objeto de muitas análises acadêmicas conflitantes, seja sob o ponto de vista histórico, seja econômico, seja de relações internacionais. No centro dessas diferentes visões em relação à posição central dos Estados Unidos nos eventos internacionais durante o último século, estava a primazia dos norte-americanos na economia mundial. Apesar das muitas evidências a esse respeito, autores ortodoxos do período analisavam política e economia como duas esferas separadas e ignoravam qualquer conexão entre a posição política dominante dos Estados Unidos e a natureza da economia internacional do pós guerra145. 144 Essa visão é partilhada pelo economista Robert Gilpin, que descreve as relações internacionais e a economia política internacional a partir de um ponto de vista realista, na tradição de E. H. Carr e de Hans Morgenthau, conforme evidencia em Global Political Economy – Understanding the International Economic Order. Princeton: Princeton University Press. 2001, pp. 15-23. O tema também foi tratado em The Political Economy of International Relations (1987). 145 De acordo com GILPIN, Robert. The Rise of American Hegemony, in Two Hegemonies: Britain 1846-1914 and the United States 1941-2001 edited by Patrick Karl O'Brien and Armand Clesse .Aldershot: Ashgate Publishing, Ltd., 2002, pp. 165-182 124 Autores marxistas ou de esquerda, por outro lado, viam essas duas esferas como profundamente interligadas em função do desejo ― insaciável‖ dos capitalistas de acumulação continua e julgavam que as necessidades econômicas teriam sido o mote das políticas relacionadas à Guerra Fria 146. Robert Gilpin, por exemplo, apesar de entender as duas esferas como intimamente ligadas, não as via exatamente sob a perspectiva marxista. Para ele, o sistema político internacional tinha profunda influência sobre a natureza e sobre o funcionalmente da economia internacional, mas sua principal expressão dessa perspectiva seria a teoria da estabilidade econômica. Ou seja, para ele os Estados Unidos emergiram da Segunda Guerra com uma visão clara da nova ordem internacional que gostaria de criar, criando para tanto, uma série de instituições importantes: as Nações Unidas e seu Conselho de Segurança, que tinham a finalidade de garantir a paz; a Conferência de Breton Woods (1944), que propunha uma nova constelação de instituições econômicas como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Internacional do Trabalho, que tinham a responsabilidade de promover e administrar uma economia mundial aberta e multilateral147. Além disso, toda a ordem internacional do pós-guerra teria sido fundada na Carta do Atlântico e em suas quatro liberdades (hoje conhecidas como os direitos humanos), em nome das quais os Estados Unidos e seus aliados haviam lutado no confronto contra o Eixo. Nessa estrutura, 146 Immanuel Wallerstein é um autor muito representativo desse grupo de esquerda. Seu trabalho O Moderno Sistema Mundo surgiu em três volumes, em 1974, a980 e 1989 e nele, são observadas três influências importantes. De Karl Marx, ele se apropria da ênfase nos fatores econômicos se sobrepondo aos ideológicos em política global, das dicotomias existentes entre capital e trabalho, da visão do desenvolvimento econômico mundial a partir de estágios como o feudalismo e o capitalismo, da crença na acumulação do capital e do conceito de dialética, entre outros. Como Fernand Braudel, ele admite a descrição do desenvolvimento e a implicação política de uma rede extensa de trocas econômicas no mundo europeu entre 1400 e 1800. Finalmente, Wallerstein adota a teoria da Dependência, especialmente em seus conceitos de potencias centrais e periféricas, presumivelmente, pela experiência prática adquirida na elaboração de sua obra relacionado à África pós-colonial. Suas teorias provocaram fortes críticas, não apenas entre círculos neoliberais ou conservadores, mas alguns historiadores chegam a negar a veracidade histórica de parte de suas afirmações. Alguns críticos sugerem que ele tende a negligenciar a dimensão cultural das potencias em detrimento da dimensão econômica, reduzindo-a a uma ideologia ― oficial‖ de países, quando estas poderiam ser facilmente identificadas como meras agencias de interesse econômico. Seu enfoque analítico, no entanto, juntamente com o de outros teóricos associados a ele, como AndreGunder-Frank, Samir Amin, Christopher Chase-Dunn e Giovanni Arrighi tiveram um impacto significativo no pensamento econômico moderno e estabeleceram uma base institucional mais voltada para uma visão geral da economia. WALLERSTEIN, I. The Politics of the World-Economy. The States, the Movements and the Civilizations. Cambridge: Cambridge University Press. 1984 e WALLERSTEIN, I, ARRIGHI, G. e HOPKINS, T. Anti-systemic Movements. London: Verso, 1989. 147 Quando a Organização Mundial do Comércio (OMC) não foi aprovada pelo Congresso norte-americano, os Estados Unidos e seus parceiros comerciais estabeleceram o GATT como fórum de negociações, mesmo faltando-lhe o status completo de organização internacional. 125 os vitoriosos se propunham construir o mundo pacífico, próspero e humano que havia sido prometido à espécie humana após a Primeira Guerra. Esse ideal ― rooseveltiano‖ de uma economia mundial unificada durou pouco, segundo Gilpin, desintegrando-se quando o confronto americano-soviético sobre territórios na Europa Central e Oriental destruiu o espírito de colaboração que animara os Aliados, colidindo com a realidade da devastação econômica trazida pela Segunda Guerra e pela Guerra Fria que a seguiu. A economia mundial se dividiu, a partir de então, em dois sistemas antagônicos capitalismo e socialismo - e os Estados Unidos e seus aliados responderam à situação assumindo a tarefa de criar arranjos econômicos, políticos e de segurança que restaurassem as economias destruídas do Japão e da Europa Ocidental, além de prover por sua segurança, qual seja, criando um Sistema Americano que abarcaria todas as potencias capitalistas. No centro desse Sistema Americano e de suas alianças militares estava a percepção de um perigo supremo - a ameaça soviética. Com a finalidade de manter unidade política para enfrentar esse novo problema, os Estados Unidos e seus aliados fizeram um acordo tácito e subordinaram suas diferenças econômicas de curto prazo e políticas de longo prazo para priorizar a contenção do poder soviético. Qual seja, o perigo soviético teria sido responsável pelo ― grude‖ político que, entre 1946 e 1950148, ajudou a manter a economia internacional do pós-guerra e facilitou o comprometimento das nações à solução dos sérios problemas econômicos que as afligiam. Apesar de concordar com esse contexto econômico e político, é importante que se observe que algumas realidades sociais internas também se refletiram de forma preponderante na formação da política externa adotada pelos Estados Unidos do pós-guerra. A partir, principalmente de 1930, quando se configurou uma forte crise no interior do sistema capitalista, novas forças internas começaram a emergir na política norte-americana. Aproveitando-se do colapso econômico instaurado após o crack da Bolsa de Nova York o partido Democrata149 quebrou a hegemonia política dos Republicanos e elegeu Franklin D. 148GILPIN, Op. cit. 2002. 149 O Partido Democrata e o Partido Republicano são os dois maiores partidos políticos dos Estados Unidos. Historicamente, a plataforma do Partido Democrata é liberal e ocupa uma posição de centro-esquerda no espectro político, apoiando trabalho organizado, minorias étnicas e reformas progressivas. Tende a favorecer maiores intervenções governamentais na economia e a se opor a intervenções públicas em assuntos privados e não econômicos dos cidadãos. Apesar de ter suas raízes no pensamento de Thomas Jefferson, que advogava um governo federal menos poderoso e mais descentralizado, o partido Democrata moderno defende um governo federal forte com poderes para regulamentar os negócios e a indústria em nome do interesse público; 126 Roosevelt em 1932, apoiado em uma grande coligação social que se propunha a reconstruir a economia nacional com políticas sociais de emprego e com a intervenção do Estado na economia (New Deal). Para legitimar a posição de seu mandatário perante as massas, a primeira administração Roosevelt começou a abriu espaço na máquina administrativa para a participação política de setores até então deixados á margem do poder150. No final da década, durante o segundo mandato de Roosevelt, às instituições criadas pelas necessidades de reconstrução nacional, juntou-se a guerra europeia contra o fascismo e seu desenvolvimento ofereceu a novas camadas da burguesia emergente, até então limitadas as círculos restritos do poder, oportunidades político-comerciais até então inimagináveis. Apesar de isolados da guerra na Europa por determinação do Congresso, a oferta de LendLease feita aos Aliados em 1940, envolveu os Estados Unidos em um enorme processo de produção, organização e distribuição de bens, armas e homens às potências que lutavam contra Hitler. A falta de quadros devidamente qualificados na elite tradicional decadente para supervisionar e acompanhar esse processo, favoreceu a emergência de burocratas oriundos de camadas menos centrais dos campos econômicos ou políticos e estes, em virtude de habilidades pessoais, empenho político ou vínculos sociais, lançaram mão desse capital simbólico para se aproximarem dos centros de poder. Tão logo ocupavam os vários cargos burocráticos disponíveis na área de política externa, esses burocratas se aliavam ou subordinavam a um setor do poder tradicional que almejava substituir a fração então dominante no centro do campo, integrando-se a eles e sua intervenção na elaboração de novas estratégias e posturas em relações internacionais foi fundamental, tanto para configurar a disputa bipolar entre Estados Unidos e União Soviética, quanto para criar as instituições supra-nacionais que seriam proeminentes na reconfiguração de relações de coexistência entre capitalismo e socialismo após 1945. financiamento federal de serviços sociais e de benefícios para os pobres, desempregados, idosos e outros grupos; e a proteção dos direitos civis. Em relação à política externa, os Democratas tendem a ser mais internacionalistas e multilateralistas do que isolacionistas e unilateralistas. Desde as eleições gerais de 2006, o Partido Democrata tem sido o partido majoritário em ambas as Casas do Congresso e no Senado. Também detêm a maioria no governo dos estados. Barack Obama, o atual presidente dos Estados Unidos, é o 15º. Democrata a ocupar o posto. Democrat Party. Disponível em http://www.democrats.org/about/our_history. Acesso em 07/03/201 e The origins of the Republican Party. In US History. Disponível em http://www.ushistory.org/gop/origins.htm. Acesso em 07/03/2011. 150 Com a convocação, por exemplo, de jovens talentosos das camadas médias e inferiores da sociedade - como Harry Hopkins, James Forrestal, John McCloy e George Kennan, dentre muitos outros, para participarem das instituições burocráticas que estavam se formando na nova estrutura de governo. 127 Como e porque essa ― elite do poder‖, composta por membros tão diversos e de origens tão distintas conseguiu promover tantas mudanças no cenário internacional? Acompanhando respeitáveis correntes acadêmicas151 e analisando os Quadros de Origens e Trajetórias, a autora constatou que grande parte dos acontecimentos que marcaram o cenário internacional naquela época (1945-1950)152, apesar de intermediados pelo Congresso e eventualmente, de terem sido limitados por ele, foram consequência direta dos valores e interesses da elite que dominava - por meio da representação pública ou em imensas corporações econômicas - as principais esferas do poder político e econômico nacional. O recrutamento e as trajetórias possíveis no interior dos partidos Democrata e Republicano ou da máquina administrativa governamental; os mecanismos de consagração, por meio de nomeações para cargos de confiança, como Secretário de Estado, ou a chefia do Escritório de Planejamento Político, bem como as demais condições técnicas ou políticas, respectivamente, necessárias à atuação de servidores de burocráticos, como Kennan e Bohlen, de servidores políticos como Harriman, Acheson, Lovett e McCloy, ou de servidores militaristas, como Marshall e Forrestal nas diferentes modalidades da governança, dependiam quase completamente de instituições publicas como a Presidência, ou a Secretaria de Estado ou da Defesa e dos grupos políticos que exerciam o trabalho de dominação, como o Partido Republicano ou o Partido Democrata. Por esse motivo, o capital social ou intelectual acumulado pelos aspirantes ao poder foi negociado no mercado simbólico dessas instituições para conquistarem e manterem posições dominantes no campo. Em troca, adotaram medidas que atendiam às facções emergentes e economicamente poderosas que disputavam o poder com a elite tradicional. 151 Nas questões econômicas relacionadas à Guerra Fria, a autora concorda com a maioria dos conceitos relacionados ao expansionismo norte-americano emitidos por Charles Beard em An Economic Interpretation of the Constitution of the United States; por William Willians em The tragedy of American Diplomacy e por Robert Gilpin em A economia política das relações internacionais. Nas questões voltadas à análise hierárquica da sociedade norte-americana e aqui explicitadas, foram adotados os conceitos levantados por C. Wright Mills, em The Power Elite. De Max Weber, em Ciência e Política, Duas Vocações, foram emprestados os conceitos funcionais do poder burocrático e tradicional. Na análise historiográfica relacionada às origens da Guerra Fria e ao papel de um determinado grupo de elite na formulação da política norteamericana do pós-guerra, apesar de aceitar alguns dos conceitos emitidos por autores revisionistas como Williams, a autora se posiciona principalmente de acordo com as perspectivas lançadas por John Lewis Gaddis em The Cold War e em The United States and the Origins of the Cold War (1941-1947). 152 Como a ascensão das grandes redes de comunicação em massa e do poder da mídia, ao lado de outros fatores de igual importância, como o desenvolvimento da tecnologia industrial, a ampliação dos meios de transporte de massa, do controle da energia nuclear e o crescimento galopante da urbanização. 128 Todos acreditavam na liberdade e na democracia, em vários graus de intensidade - desde os mais obsessivos, como Forrestal, até os mais autocráticos, como Kennan e Harriman. Alguns tinham bens materiais de monta e negócios, inclusive, situados na União Soviética, como Harriman e mesmo assim, usaram e abusaram de políticas econômicas para equilibrar o poder diplomático. Conflito de interesses? Eles não viam as coisas sob esse prisma. O que os motivava, aparentemente, não eram somente os impulsos imperialistas ou o medo de uma crise eminente no sistema capitalista. Apesar de nem todos terem as mesmas origens e de tecerem considerações bem distintas sobre ideais democráticos puros, eles eram unânimes em abominar as táticas políticas utilizadas pelo Kremlin e, de forma compreensível, estavam ansiosos em evitar que se disseminassem. Em suas mentes, livre comércio, livre mercado e homens livres eram termos intimamente interligados e indissolúveis. O fato dos Estados Unidos serem os principais beneficiários de um sistema de mercados livres mundiais era algo bem claro para eles, mas a imbricação dos interesses pessoais de alguns dos que transitavam entre o governo e a iniciativa privada com imensa liberdade e naturalidade, não se lhes configurava como um elemento conflitante com a ética profissional, ou os tornava menos sinceros na busca de um melhor posicionamento de seu país no cenário internacional. Ao desenvolverem mecanismos econômicos para reconstruir e militares para proteger a Europa contra a União Soviética, por exemplo, a afinidade com as tradições e aspirações europeias, observadas em Kennan e McCloy (germanófilos), Harriman e Acheson, (anglófilo) ou Bohlen, (francófilo), pode ter pesado em suas decisões relacionadas à abertura de novos mercados para as indústrias norte-americanas naquele continente. A doutrina de contenção soviética adotada por eles refletia uma centralização pragmática de objetivos: Harriman, Kennan e Bohlen, tendo vivenciado em Moscou a realidade do sistema soviético, sabiam que era perigoso confiar em excesso em uma cooperação pós-guerra com a Rússia e gradualmente, ajudados, inclusive, pelas ações beligerantes de Stalin no leste europeu, persuadiram Acheson, Lovett, McCloy - e Truman, a adotar o mesmo ponto de vista. Diretos e objetivos, não se concentraram na discussão da questão ideológica entre capitalismo e comunismo, mas em conter, com medidas efetivas, a disseminação de um poder contrário que poderia estreitar a esfera de influencia dos Estados Unidos no restante do mundo. Para tanto, ampliaram os riscos da ameaça externa para manipular a aprovação da opinião pública 129 e atraíram os representantes no Congresso para essa cruzada. Por algum tempo, foram bem sucedidos, mas o remédio acabou se tornando mais forte que a doença: lutas internas no centro do campo do poder levaram ao enfraquecimento dos que ocupavam as posições centrais e forças opostas se apropriaram das configurações do comunismo como um inimigo externo, exacerbando-as e utilizando-as contra eles para destituí-los de seus cargos. Aliás, é interessante observar que a divisão entre populistas e membros do Establishment se manifesta com mais constância na política dos Estados Unidos do que as manifestas entre esquerda e direita, ou entre liberais e conservadores. Democratas como Jimmy Carter, Ronald Reagan, Bill Clinton e Barack Obama – bem como seus predecessores, Franklin D. Roosevelt e Harry Truman – conseguiram, invariavelmente, chegar á Casa Branca com um discurso que explorava a seu favor as veias anti-Establishment existentes no seio das grandes massas. E essa espécie de ressentimento contra o Establishment, aliás, partilhada tanto pela velha, quanto pela nova esquerda ou direita, pode ser apontada como a causa de muitas das dificuldades encontradas pelos governos Roosevelt e Truman em lidar com o Congresso. Num sistema democrático como o norte-americano, a oposição ao governo podia, fatalmente, afetar muitas das decisões da elite dirigente e nos Estados Unidos, como a ― voz do povo‖ sempre retumbou com muita força nos salões da Casa Branca e na imprensa nacional, seus anseios ou receios sempre tiveram razoável influencia sobre o comportamento dos dirigentes nacionais. A maioria dos membros do Congresso, como representantes distritais, dedicavam-se quase exclusivamente a temas locais e provinciais de seus constituintes e por isso, eram desprovidos da visão macro que caracterizava a presidência. Política externa - ou o mundo além das fronteiras do país - para a maioria deles, significava apenas uma intrusão aborrecida em seus interesses principais, qual seja, nos assuntos internos do país e especialmente, nos relacionados às regiões que representavam153. Como consequência da forte influência que a opinião pública exercia sobre seus representantes, governantes democratas como Roosevelt e Truman ou os republicanos, em geral, tiveram sérias dificuldades para equacionar questões internas com as externas durante 153 Comentário de Dean Acheson em Present at Criation. New York: W W Norton & Company, 1987, p. 99, citando suas próprias relações com o órgão representativo do povo norte-americano. 130 seus governos154. Em anos eleitorais, em especial, era mais difícil ajustar decisões políticas com a vontade popular e muitas das decisões presidenciais - nem sempre adequadas para estadistas, mas necessárias para políticos – tiveram um impacto decisivo na história das décadas seguintes155. Além de apontar para todos os problemas que Roosevelt e Truman tiveram que contornar para manter uma prática de governança adequada às novas configurações internacionais sem melindrar a opinião publica que mantinha seu Partido no poder, a análise dos Quadros de Origens e Trajetórias permitiu identificar que boa parte das hostilidades enfrentadas por Acheson, McCloy e por seus companheiros na consecução dos projetos de contenção no governo, origina-se em outra característica que definia esse grupo. Como não dependiam pessoalmente do voto popular ou distrital, nem dos proventos do cargo que ocupavam, os servidores políticos que atuavam nos altos círculos do Departamento de Estado eram decididamente não-populistas e, enquanto elaboravam executavam as políticas relacionadas ao leste Europeu e ao sudeste asiático, ou criavam organismos como o Plano Marshall ou a OTAN para lidar com os soviéticos, mantiveram-se desdenhosamente alheios às pressões da opinião pública e à sua expressão no Congresso. Observe-se, no entanto, que o uso do termo não-populista não implica, necessariamente, que fossem autocráticos no sctrictu sensu da palavra, mas que lidavam com as massas a partir de um ponto de vista elitista. Apesar das muitas diferenças de opinião que havia entre o grupo de elite que ocupava o poder, todas as decisões e medidas adotadas em relação à política externa sempre foram exaustivamente discutidas pelos membros do Departamento de Estado, tanto 154 Como John Lewis Gaddis afirma no prefácio de The United States and the Origins of the Cold War. New York: Columbia University Press, 2000, implicando que muitas das decisões da presidência relacionadas à Guerra Fria foram muito mais influenciadas por cobranças internas dos eleitores, do que por aconselhamento de sua acessória técnica. 155 A decisão da criação do Estado de Israel, por exemplo, foi tomada em 1948 num momento delicado da campanha de Truman para se reeleger. Os ingleses haviam encaminhado a questão palestina para a ONU e haviam planejado deixar o território em 15 de maio. A luta entre palestinos e judeus estava se acirrando dia a dia. Apesar do aconselhamento contrário de todos os oficiais do Departamento de Estado consultados sobre a questão (Marshall, Lovett, Forrestal, Kennan), que mais pragmáticos que anti-semitas, consideravam a criação de um estado judeu no Oriente Médio um tremendo risco para a segurança nacional dos Estados Unidos, o presidente Truman queria ajudar a criar o novo país por motivos humanitários. Além de considerar justo que após tantas perseguições o povo judeu merecesse um território próprio, ele também e sofria enorme pressão dos grupos judaicos norte-americanos que ameaçavam retirar seu apoio financeiro e político à campanha de reeleição e ele precisava deles desesperadamente para vencer nas urnas Thomas Dewer, o popular governador de Nova York. De maneira geral, Truman sempre concordava com a opinião de seus conselheiros sobre política externa, mas o caso de Israel foi uma exceção e em 15 de maio de 1948, os Estados Unidos tornaram público o reconhecimento. ISAACSON & THOMAS, Op. cit., 1986. 131 em encontros informais, quanto documentalmente, como foi possível constatar com a leitura de centenas de memorandos e relatórios que discutiam propostas como a criação do Banco Mundial, do Plano Marshall ou da CIA156. Nem sempre havia consenso entre eles, obviamente e, apesar de no dissenso prevalecer a opinião da fração dominante nos Departamentos de Estado ou da Defesa, haviam questões que eram postergadas indefinidamente até que se chegasse a um denominador comum 157. No entanto, como a maior parte deles comportava-se de forma elitista em relação às massas e a seus representantes, foi justamente necessidade intelectual de justificar as ações do governo na área externa de forma racional e lógica com um discurso convincente para as grandes massas, que vinculou George Kennan - um agente de claramente destoante desse grupo de elite – a seus interesses políticos. Os membros do Establishment ou dessa elite não eram adeptos a uma única ideologia partidária, nem ideologia partidária era uma força motriz que impulsionasse suas vidas 158. Preocupados com a visão macro do cargo, abominavam os exageros da esquerda e da direita, desprezavam os fervores ideológicos e suas ações valorizavam, acima de tudo, o pragmatismo, o realismo, a moderação e o consenso. Apesar das diferenças significativas que os caracterizava e os distribuía em frações distintas no interior do campo político, havia algumas premissas básicas que eram partilhadas por todos os pesquisados. A mais importante dentre elas era a oposição absoluta ao isolacionismo que marcara a política externa das administrações anteriores. 156 Fato que pode ser constatado pelas estratégias criadas por Acheson e Marshall para promover a aprovação do Plano Marshall no Senado e nos vários memorandos elaborados pela burocracia do Departamento de Estado e disponíveis nos arquivos do NARA. Disponível em http://www.archives.gov/research/arc/. Acesso em 07/03/2011. 157 A criação da CIA a partir de algumas unidades que foram preservadas da OSS e toda a discussão em torno de ― guerra política‖ estimulada pelos Departamentos de Estado, Defesa, FBI e militares em geral e formalizada por um memorando de Kennan em 1947, exemplifica claramente esse processo, que pode ser observado em memorandos trocados entre departamentos, secretarias e conselhos, referentes à criação da CIA, e que estão disponíveis em http://www.state.gov/www/about.state/history/Intel/intro6.html, com acesso em 02/02/2010. 158 Mais do que um princípio, o apartidarismo praticado pelos democratas Roosevelt e Truman foi uma tentativa pragmática de obter aprovação para seus projetos em Congresso hostil, com oposição majoritária. Os dois únicos cargos públicos ocupados por John McCloy ou por Robert Lovett, ambos republicanos, foram em governos democráticos. Henry Stimson, Secretário da Guerra e Frank Knox, Secretário da Marinha durante a administração Roosevelt, eram, igualmente, membros influentes do Partido Republicano e foram escolhidos para esses cargos para diminuir as críticas republicanas contra os esforços que o Presidente fazia para ajudar os ingleses durante os primeiros anos da 2ª. Guerra. ISAACSON & THOMAS. Op. Cit., 1986. 132 Os servidores burocráticos e políticos que cercavam Roosevelt e Truman eram diplomatas primordialmente internacionalistas e todos se sentiam diretamente comprometidos com as mazelas mundiais. Acreditavam que o papel de liderança a ser exercido pelos Estados Unidos - e por eles próprios – na constituição de um mundo melhor fazia parte de um destino moral inevitável159. Atiravam-se afoitos aos problemas do mundo, acreditando-se depositários da honra nacional e comprometendo-se pessoalmente com a liberdade do todos os povos. Esse era o primeiro fator. Em seguida, vinha o comprometimento com os interesses que os levaram a perseguir ou a aceitar os cargos que ocupavam. Exceto Bohlen e Kennan, que eram servidores burocráticos de carreira, todos os demais eram egressos de grandes escritórios jurídicos ou de investimento que atuavam em Wall Street - ou membro das Forças Armadas, como Marshall. Aos primeiros, como já se observou em capítulos anteriores, não cabia determinar as políticas a serem seguidas, mas fornecer recursos para que pudessem ser executadas. Já aos demais, estava reservada a missão de – ― além de serem depositários da honra nacional e comprometer-se pessoalmente com a liberdade de todos os povos‖ - utilizar a máquina do Estado para determinar práticas políticas que atendessem aos seus interesses privados ou aos interesses de suas empresas. Ou seja, para abrir os mercados externos para a produção americana, instalar bases militares em postos estratégicos para defesa e controle de matérias primas necessárias para a manutenção de seu crescimento industrial e dispor de poder de decisão em órgãos supra-nacionais que controlassem a economia e a segurança de todos os países ocidentais – interesses claramente internacionalistas e muito distintos do regionalismo isolacionista de seus antecessores. Como também já se observou anteriormente, a constituição norte-americana foi elaborada por uma elite burguesa que se esforçou por fazer prevalecer entre os norte-americanos a ideia de que propriedade privada e defesa dos direitos do indivíduo estava acima dos interesses nacionais. Portanto, era-lhes natural que os preceitos elaborados no Longo Telegrama, perfeitamente adequados para preservar os interesses e a segurança nacional dos Estados 159 Em sua biografia, Dean Acheson deixa bem claro esse conceito de ― dever‖ para com o próximo e principalmente, para com a coisa pública. Ele considerava a ― criação‖ de uma nova forma de política externa uma missão de enorme responsabilidade moral para todos os envolvidos e quando solicitado, abandonou sem titubear uma lucrativa prática jurídica privada e dedicou-se ao cargo público com o maior empenho possível. Vide em ACHESON, Op. cit. 1987, p. 162 e 163. 133 Unidos contra a indesejada expansão de um inimigo poderoso e ideologicamente contrário, também beneficiasse os seus próprios interesses. A Doutrina da Contenção, diferentemente da prática que até então havia sido adotada pela diplomacia norte-americana, dava-lhe um objetivo mundial: limitar a todo custo e em todo o globo, a expansão do comunismo soviético, fosse por meio de força, fosse por meio de diplomacia, fosse por outros meios, não confessáveis ou publicáveis. Era justamente essa premissa internacionalista que direcionaria todas as ações políticas dos pesquisados, formando um credo consensual de política externa que prevaleceria por quase uma geração e que, apesar de legar algumas heranças indesejadas à posteridade - a saber, o envolvimento destrutivo com o Vietnam, as dificuldades com a China ou os desencontros com Cuba - continuaria a ser aplicada, até muito recentemente, com diretrizes muito similares às concebida por eles. 134 Conclusão A proposta desta pesquisa não foi descobrir responsabilidades sobre a Guerra Fria, nem estabelecer suas origens, já suficientemente discutidas por boa parte dos autores relacionados à historiografia do período. O que se pretendeu foi analisar as trajetórias de uma elite de servidores públicos do governo Truman que influenciaram diretamente na elaboração da política externa dos Estados Unidos pós-guerra e por meio delas, procurar identificar as estratégias que utilizaram para atingir seus objetivos de ascensão política e de legitimar a hegemonia dos Estados Unidos no cenário internacional. O que se constatou, a partir dos dados levantados, foi que parte da elite que tomava as mais importantes decisões nos Departamentos de Estado e Defesa dos Estados Unidos nos primórdios da Guerra Fria logrou, efetivamente, atingir posições centrais no campo político em consequência de uma série de transformações estruturais sofridas pelo Estado durante as décadas de 1930 e 1940, mas não exatamente na proporção que a autora esperava encontrar. O cruzamento das trajetórias dos pesquisados permitiu concluir que o poder de tomar decisões de caráter nacional e internacional estivera, até o inicio do século XX, efetivamente centrado exclusivamente nas mãos de uma elite tradicional, poderosa econômica e socialmente, mas que, após os anos 1930, a sociedade norte-americana assistiu à emergência de uma nova elite de administradores, muito bem posicionados em instituições políticas, econômicas e militares e com livre trânsito entre suas instâncias e as do Estado. Em termos políticos, com algumas exceções dentre o grupo de pesquisados - como McCloy e Lovett - a maioria dos membros da elite que cercou Truman nos anos 1940 eram democratas. Seu partido havia afastado os republicanos do poder na década de 1930 com um discurso de reconstrução nacional e assumido o controle do Estado e de suas estruturas visando modernizá-lo de acordo com sua visão de mundo. Durante a Grande Depressão, confirmou-se que a criação de várias instituições de assistência ao emprego, de alívio aos mais pobres e de incentivos à produção favoreceu à criação de uma nova estrutura burocrática e que, em seus cargos principais, foram assentados os aliados que apoiaram o Partido em seu projeto de dominação. Como a convocação de quadros administrativos representando todas as classes poderia reforçar a legitimidade do projeto de poder partidário, levantou-se a hipótese de que esse foi um dos fatores que levou os altos ocupantes de cargos eleitos a selecionarem acólitos para os cargos de sua confiança não 135 apenas em critérios fundados na hereditariedade ou em privilégios, mas também na meritocracia de membros brilhantes de outras classes. Supunha-se que a emergência de novas elites poderia ser mais facilmente identificada se a trajetória de seus membros fosse comparada quando estruturas sociais ou políticas sofressem transições históricas importantes, como as que se observou ocorrer entre 1945-50 já que, nesse período, uma série de eventos internos e externos desencadeados por decisões e interpretações conflitantes de ambos os lados, levou Estados Unidos e a União Soviética criarem uma bipolarização que desembocou na Guerra Fria. Esperava-se igualmente, confirmar o fato de que, nos Estados Unidos, a crise institucional provocada pela quebra da Bolsa de Nova York havia quebrado a espinha dorsal das grandes lideranças econômicas e políticas tradicionais e ensejado a emergência de uma nova camada de elite oriunda da recente elite industrial, ou dos impérios de transportes, ou principalmente, das instituições burocráticas políticas que davam suporte aos programas de auxilio social e de segurança nacional, criados pelo New Deal. Supunha-se que um número significativo de indivíduos sem grande tradição social ou econômica foram catapultados aos altos círculos financeiros ou burocráticos da nova política nacional, disputando em condições de igualdade o mercado dos altos cargos públicos com os bem-nascidos por terem acumulado um volume considerável de capitais simbólicos. Os capitais simbólicos acumulados por esses indivíduos foram representados nesta pesquisa pelas relações sociais que travaram em ambientes universitários de elite, em fraternidades sociais - como os clubes masculinos, de filantropia ou de classe da Costa Leste - e em escritórios de advocacia ou financeiros influentes de Wall Street. Por terem acesso a esses ambientes através de uma série de estratégias pessoais, acreditava-se que os capitais simbólicos acumulados foram aplicados na negociação dos postos gerados pela burocracia do New Deal e esperava-se que, dessa forma, uma camada significativa dessas classes tivesse ascendido ao poder. Supunha-se igualmente, que a ascensão de membros das classes menos privilegiadas em uma escala maior do que a tradicionalmente presente no governo, teria sido responsável pelas transformações estruturais ocorridas na política externa de Roosevelt e Truman, pois sua visão de mundo era menos conservadora e portanto, mais adequada às novas circunstancias históricas criadas pela crise do capitalismo, pela emergência de estados totalitários de direita e de esquerda na Europa e na União Soviética, pela aceleração da produção industrial nas 136 potencias centrais e pelo consequente aumento, tanto das forças operárias em todo o mundo, quanto da demanda por commodities e recursos energéticos. Nem todas essas hipóteses, no entanto, se confirmaram tal como esperado. Em termos do aumento percentual esperado de membros de camadas inferiores no governo e comparando os dados estatísticos de uma pesquisa 160 feita no principio dos anos 1950 com as trajetórias dos sujeitos deste trabalho, observou-se que as transformações ocorridas na hierarquia das elites do poder ensejadas pela crise dos anos 1930 tiveram um caráter muito mais institucional do que social. Apesar de a crise ter afetado de forma significativa as estruturas da riqueza tradicional norte-americana verificou-se, no grupo pesquisado, não ter havido uma alteração muito sensível no volume da elite política em si, mas que a nova burocracia estatal e suas exigências técnicas favoreceram o surgimento de mais um canal de acesso a elas, além da riqueza ou da notoriedade: o conhecimento. Qual seja, se para superar a crise econômica que se abateu sobre o país, o Estado criou milhares de cargos burocráticos nas instituições públicas - voltados para a reconstrução nacional, para a criação de empregos e para a assistência aos mais necessitados - seus membros mais elevados, diretamente vinculados aos altos círculos do governo e independentemente de origens sociais lograram acumularam tanto poder que, ao invés de nivelarem as relações de domínio político em patamares mais democráticos, simplesmente passaram a ocupar o espaço que havia sido deixado vago pelos membros da hierarquia proprietária tradicional falida com o colapso econômico. Deve-se ressalvar, no entanto, algumas diferenças entre dois grupos de elite que partilhariam o poder na administraçãoTruman: enquanto algumas parcelas das elites de poder tradicional ainda mantinham seus cargos de confiança na estrutura pública de forma quase hereditária, os membros emergentes que ascenderam à nova elite do poder apresentavam um caráter meritocrata e, para se manterem no poder, dependiam de suas qualificação e de capitais 160 A pesquisa em referencia foi feita por Wright Mills para determinar quem compunha a elite do poder dos Estados Unidos na década de 1950. Seu critério para a composição da cúpula política foi o levantar as origens de 513 membros da elite política norte-americana, eleitos direta ou indiretamente pela sociedade, tais como Presidentes e Vice-presidentes da República, presidentes do Congresso e do Senado, membros do Alto Gabinete presidencial e juízes da Suprema Corte que ocuparam seus cargos entre 1789 e 1953, não estando aí incluídos os representantes do legislativo, com exceção de seu presidente. A idéia era de, efetivamente, elencar apenas a elite, ou seja, aqueles que efetivamente chefiavam politicamente o poder formal. MILLS, Op. cit, 1956, p. 277 - 280. 137 simbólicos tanto quanto dos interesses tradicionais colocados em jogo nas estruturas partidárias ou econômicas nacionais. A pesquisa de Wright Mills citada no início deste capítulo constatou que em 1953 seis em cada dez membros da cúpula política nacional haviam usufruído de uma juventude confortável e que seus pais eram prósperos, ricos ou influentes em suas comunidades locais. O fato de pertencerem a famílias mais tradicionais ou distintas161 os havia direcionado para escolas exclusivas e diferenciadas e, mesmo não sendo primogênitos, para carreiras específicas em grandes firmas jurídicas ou financeiras, quando não em grandes conglomerados emergentes – químicos, de transportes, de comunicação e até mesmo, de armas162. Desses seis políticos pertencentes às camadas mais elevadas da sociedade, aproximadamente três (28%) eram oriundos de classes superiores como os latifundiários, os grandes comerciantes, os industriais e financistas de destaque, ou os membros de família profissional de grande fortuna. Os outros três (30%), pertenciam à classe média próspera, formada por homens de negócios, agricultores e profissionais liberais muito bem sucedidos que, embora não gozassem de notoriedade nacional, tinham grande prestígio regional. Os quatro (42%) restantes não pertenciam à nata da sociedade: dois (24%) eram originários da classe média remediada e seus pais ou eram pequenos homens de negócios, pequenos agricultores e advogados ou médicos de pouca projeção, ou estavam mortos quando o estadista concluiu seus estudos, deixando a família – anteriormente mais próspera – em situação menos confortável, apesar de razoável. Os dois últimos membros do grupo pesquisado por Wright Mills (18%) teriam origens em classes definitivamente inferiores: ou eram filhos de pequenos comerciantes ou lavradores que viviam com dificuldade, mas que conseguiam manter-se acima da linha da pobreza por intermédio de trabalho braçal (13%) ou eram filhos de trabalhadores assalariados ou agricultores realmente muito pobres (5%). 161 O grupo de famílias mais ricas e poderosas dos Estados Unidos no período pesquisado por Wright Mills compunha de 5 a 6% da classe superior norte-americana. Op. cit. Idem. 162 Seria interessante observar que não há, dentre as grandes famílias proprietárias dos impérios formados com o complexo-industrial militar, um número significativo de membros que tenham se dedicado à politica, sendo uma prática bem mais comum no setor apoiar a campanha de representantes públicos que ocupassem postos chaves em comitês relacionados às contratações de seus produtos. 138 Se compararmos os dados acima com a configuração social dos dez políticos das altas instancias públicas pesquisados neste estudo poderemos confirmar os resultados encontrados por Wright Mills e identificar seis dos pesquisados que pertenciam ao grupo que tivera ― juventude despreocupada e pais prósperos e influentes‖. Roosevelt pertencia ao grupo dos muito ricos da elite burguesa tradicional e Harriman aos bilionários emergentes da indústria de transportes; Marshall, Lovett e Acheson à classe próspera de famílias bem sucedidas e conceituadas e Bohlen, às famílias distintas socialmente, mas decadentes economicamente. Os outros quatro membros das camadas interiores seriam representados por Kennan, que pertencia à classe remediada, pois seu pai fora apenas um advogado de pequena projeção em Milwakee; por Truman, cuja família era composta de pequenos lavradores do Kansas que, apesar de pobres, viviam com alguma dignidade acima da linha da pobreza e por Forrestal e McCloy, que mesmo filhos de pais assalariados e irremediavelmente pobres, conquistaram espaço entre a elite por mérito exclusivo de seu profícuo trabalho intelectual. Considerando os argumentos acima, conclui-se que a segunda hipótese levantada no início desta pesquisa, qual seja, a de que as camadas médias oportunizaram as rupturas causadas pela crise de 1929 para chegar ao poder em grande escala, não se confirmou plenamente. O percentual de membros da elite tradicional no poder se manteve razoavelmente semelhante aos níveis observados em décadas anteriores a 1930 e os casos de ascensão política de membros das camadas inferiores, como a de Kennan Truman, Forrestal ou McCloy – extraordinárias em si, coadunavam no entanto, com o caráter da política americana e com os percentuais estatísticos esperados em um país com raízes democráticas tão fortes. Por outro lado, considerando a hipótese seguinte de que o período de Kennan constitui-se em uma transição entre duas elites distintas de poder, não há como negar que a ameaça representada pela expansão da ideologia soviética foi um importante fator de propulsão na formação de elites com imenso poder burocrático, político e, após Kennan, militar. Não apenas nos setores militaristas, representados por Forrestal e Marshall neste trabalho, diretamente interessados em não permitir o desmonte das estruturas das forças armadas nacionais após a Segunda Guerra, mas também no impulso que foi dado às carreiras públicas de Lovett, McCloy, Acheson, Bohlen e especialmente, de Kennan, com a criação de organismos institucionais contencionistas como o Banco Mundial, o Plano Marshall e a CIA e de cargos como o de Secretario de Assuntos Soviéticos ou o de Chefe do Planejamento Político no Departamento de Estado. 139 O discurso muito bem articulado de Kennan, de que os soviéticos representavam uma séria ameaça à segurança nacional e que precisavam se contidos pontualmente onde quer que se manifestassem foi fundamental para que os internacionalistas sacudissem a letargia isolacionista que prevalecera por décadas no país e obtivessem a adesão da opinião pública para seus projetos. É importante recordar aqui o caráter democrático do país e portanto, a dependência que os dirigentes eleitos tinham da aprovação pública para lograrem não apenas colocar em prática suas propostas de governo, mas principalmente, para manterem a hegemonia de seu partido no poder. A reação política do governo Truman à ameaça soviética teria sido, como se constatou na evolução das trajetórias dos pesquisados, o elemento catalisador que forneceu ao governo a aprovação do Senado aos orçamentos necessários à criação das instituições contencionistas e a adesão popular àquela linha de política externa, mesmo que gerada pelo medo. Independentemente das questões econômicas que alavancaram inicialmente as propostas internacionalistas – mercados de consumo europeus e asiáticos e garantia de continuidade do fluxo de recursos energéticos e de matérias primas externos – observou-se igualmente que a necessidade do governo em obter o apoio popular por meio da argumentação teórica eficiente de Kennan apresentou efeitos colaterais inesperados. Geralmente, como se pode observar em outros exemplos históricos recentes163, não é difícil persuadir as massas a confiar maiores poderes e recursos institucionais a seus governantes para que estes defendam suas famílias de ameaças externas. Mas não em países democráticos, principalmente, que têm que lidar com essa situação de uma forma muito mais convincente do que os de caráter autoritário e que são obrigados a equacionar adequadamente o grau de medo a ser gerado em seus discursos alarmistas. Se a ameaça externa não for suficientemente forte para motivar as massas a lhes dar suporte, os governantes democráticos ficarão impedidos adotar as medidas planejadas. Se anunciada com cores exageradas, a eventual ameaça pode provocar pânico coletivo, tendendo a rumos e proporções inesperados e podendo levar a radicalizações sobre as quais os governantes podem perder o controle. 163 Em termos contemporâneos, é possível citar a atitude adotada nesse sentido pelos governos fascistas e comunistas estabelecidos na Itália, Alemanha e União Soviética. Mussolini e Hitler usaram a crise do capitalismo da década de 1930 e a ameaça representada pelo fortalecimento dos movimentos operários para obter a adesão da burguesia a seu projeto totalitário de governo. Stalin, por sua vez, apoiou-se na ameaça representada pelos países capitalistas à ditadura do proletariado para centralizar poderes ilimitados em suas mãos. 140 De uma forma muito peculiar, foi a segunda hipótese que se manifestou nas relações entre o governo e a sociedade norte-americana nos primeiros anos da Guerra Fria. A princípio, as propostas envolvidas na política contencionista de Kennan pareceram a Truman, ao partido Democrata, ao Departamento de Estado e ao Departamento da Defesa e mesmo à opinião pública em geral, uma solução extremamente oportuna para reagir às atitudes de Stalin no Leste Europeu e para favorecer o projeto internacionalista. No entanto, em pouco menos de um lustro, começaram a surgir divergências não apenas no interior do Departamento de Estado sobre o grau efetivo de coerção que o contencionismo deveria exercer nas relações com a União Soviética, mas também no seio da sociedade norte-americana. Alguns pretendiam que a coerção tivesse um caráter mais incisivo do que o previamente estabelecido por Kennan. Em virtude da crescente inversão da disposição amigável que a sociedade norte-americana apresentara em relação aos soviéticos durante e imediatamente após o fim da Segunda Guerra, temia-se nos últimos anos da década de 1940 que a aplicação exclusiva de medidas diplomáticas ou políticas contra os russos, sem uma retaguarda militar adequada para intimidá-los, pudessem gerar insegurança entre os formadores de opinião e ao público em geral - genuinamente aterrorizados com a possibilidade de um ataque soviético – além de tornar o Kremlin ainda mais audacioso em suas investidas contra o Ocidente. Por outro lado, também havia fortes vozes dissidentes contra uma escalada armamentista, principalmente em virtude das enormes perdas humanas e materiais sofridas durante a Segunda Guerra. O fato dos isolacionistas ainda contarem com muitos adeptos, com um grande volume de votos e com numero significativo de representantes no Congresso Nacional dificultava a ação governamental, forçando o Presidente a dispender esforços políticos dobrados para atender aos interesses de ambos os lados. Para gáudio dos internacionalistas, uma série de atitudes de Stalin após a Segunda Guerra – ocupação autoritária do Leste Europeu, incentivo encoberto aos movimentos operários em países europeus devastados pela guerra (como Itália, Turquia e Grécia), apoio à Revolução Chinesa, dentre outras - contribuiu oportunamente para que o Departamento de Estado colocasse em prática as medidas contencionistas planejadas sem ferir os melindres pacifistas da opinião pública e atendendo de forma satisfatória àqueles que demandavam mais atitudes mais veementes nas questões de segurança nacional. Após 1950, no entanto, a bipolaridade se acirrou e algumas tendências mais radicais começaram a delinear-se na no cenário interno e externo, desgastando politicamente 141 contencionistas mais moderados como Kennan e Marshall e definindo a transição do poder para um novo grupo de aspirantes da elite. Como se observou na periodização das trajetórias, os desentendimentos de George Kennan com Dean Acheson o levaram a pedir demissão de seu cargo no início de 1950 e tão logo foi apeado do PPS, Paul Nitze, um antigo financista de Wall Street que havia sido seu assessor, recebeu do Secretário de Estado a missão de criar um documento que acentuasse de forma ainda mais veemente que o artigo ― X‖ o risco militar representado pelos soviéticos. O que se pretendia, conforme assumido por Acheson muitos anos mais tarde, era dar elementos à Presidência para que esta pressionasse o Congresso a aumentar o orçamento militar severamente limitado após a guerra164 sem provocar a ira da opinião pública contra tais medidas. Obedientemente, Nitze produziu o NSC-68165, no qual reforçava a iminência de uma invasão soviética e recomendava que, para contê-la, medidas econômicas e políticas, como as até então sugeridas e aplicadas por Kennan, só seriam eficientes se tivessem o apoio de uma considerável força militar. Para ele, a melhor forma de se evitar uma guerra nuclear era preparar-se para ganha-la, mantendo-se militarmente à frente dos adversários166. Pressionado pela opinião pública - que o acusava de leniência em relação ao agravamento dos problemas no Oriente com a China e com a Coréia - o Secretário de Estado Dean Acheson tinha consciência de que havia um certo exagero na peroração do novo Chefe do Planejamento Político, mas viu-se forçado a adotar as cores fortes de seu discurso, pois o acreditava eficiente na dissuasão das massas. Para o diplomata, o Kremlin tinha por objetivo intrínseco a dominação mundial e como adotava medidas de força para eliminar qualquer oposição efetiva a seus interesses – interna ou externamente –procuraria, inexoravelmente, destruir seu principal oponente, os Estados 164 Em suas memórias Acheson admitiu que a linguagem utilizada no NSC-68 era um tanto hiperbólica, mas considerava-a necessária para assustar os altos círculos do governo. Assim, não apenas o presidente seria levado a agir de forma peremptória contra os russos, como as ações contencionistas aprovadas pelo Congresso também teriam o apoio de todas as camadas da sociedade. Acheson acreditava, no entanto, que os termos explícitos no documento e as propostas agressivas que fazia jamais teriam sido levados efetivamente a sério pela sociedade americana ― se os russos não tivessem sido estúpidos o suficiente para instigar o ataque contra a Coréia do Sul, abrindo a campanha do ódio americano‖. ACHESON, Op. cit., 1969, p.374 165 O documento, intitulado Objetivos e Programas para a Segurança Nacional, foi produzido por Paul Nitze para o National Security Counsel (NSC) em abril de 1950 e ficou popularmente conhecido como NSC-68. 166 THOMPSON, Nicholas. The Dove and the Hawk: Paul Nitze, George Kennan and the history of the Cold War. New York: Henry Holt and Co., 2009. 142 Unidos. Segundo os cálculos de Paulo Nitze, os russos acumulariam capacidade atômica superior à dos americanos por volta de 1954 e só poderiam ser contidos se os Estados Unidos ampliassem substancialmente suas defesas terrestres, aéreas e navais, seu arsenal nuclear e a defesa civil imediatamente. O documento foi entregue a Truman em abril de 1950, fechando o ciclo de descenso que os contencionistas moderados sofreram a partir da morte de Forrestal em maio do ano anterior e encerrando o período de transição em que a Guerra Fria havia sido definida. Em junho, a Coréia do Norte atacou a Coréia do Sul. Talvez o NSC-68 não tivesse sido a melhor solução para o problema que os norte-americanos tinham em mãos, mas era um roteiro de ação que já havia estava escrito e que de certa forma, alertara para acontecimentos como aquele conflito. Também pressionado, o National Security Counsel (NSC) aprovou o projeto em setembro e imediatamente - para prover recursos não apenas para combater a Coréia do Norte, mas também para contrapor-se ao comunismo em qualquer lugar em que essa ideologia se manifestasse – o orçamento de Defesa alcançou as alturas e não baixou mais por muitas décadas. O ciclo de Kennan terminara e a política externa norte-americana passou a ser aplicada a partir da visão maniqueísta de Nitze: toda e qualquer luta em países que fizessem parte das áreas de influência norte-americanas ou soviéticas, seriam reflexo do ― conflito implícito‖ entre o ― mundo livre‖ do Ocidente e a ― sociedade escravizada‖ que se estendia atrás da Cortina de Ferro. À nova elite que passaria a controlar a política externa dos Estados Unidos, caberia o papel de não permitir que essa ― escravização‖ prevalecesse ou se ampliasse 167. Os eventos históricos e a trajetória comparada dos pesquisados mais uma vez confirmaram, portanto, a terceira hipótese deste trabalho. A política de contenção foi colocada em andamento em função das transformações ocorridas no Departamento de Estado após a morte de Roosevelt e de Harry Hopkins e foi prestigiada até 1950, quando a escalda da campanha do ódio e as ações soviéticas no Leste Europeu e no Oriente forçaram a radicalização da opinião pública contra os russos. A demissão e morte de Forrestal indicaram a primeira ruptura grave na evolução do projeto de poder do grupo que apoiava o contencionismo e a expulsão de Marshall e de Kennan do centro do campo político consolidou sua falência e permitiu a ascensão de uma nova elite do 167 NSC-68. In Naval War College Review. Vol. XXVII (mai-jun/75) pgs. 51-108 143 poder. A era Kennan no Gabinete de Planejamento Estratégico foi, definitivamente, um período de transição entre duas forças políticas opostas. Os internacionalistas conseguiram atingir os seus objetivos principais com Kennan, sobrepondo-se aos isolacionistas e consolidando-se no poder. As perspectivas levantadas pelo Longo Telegrama, radicalizadas no artigo ― Origens da Conduta Soviética‖ publicado pela Foreign Affairs e colocadas em prática por meio das ações diplomáticas do PPS garantiram a hegemonia norte-americana em todos os mercados ocidentais, bem como asseguraram o fluxo de matérias primas e de recursos energéticos necessários para alimentar o desenvolvimento econômico do país, efetivamente contendo o avanço da expansão soviética. Os acordos firmados com os fragilizados governos europeus permitiram a instalação de bases militares em dezenas de pontos estratégicos por todo o mundo e o mercado financeiro norteamericano fervilhou com os empréstimos realizados a governos e a particulares que tentavam revigorar suas economias destroçadas pela guerra. A criação de instituições supragovernamentais chefiadas por representantes dos Estados Unidos garantiu a legitimidade da dominação de uma elite do poder sobre os assuntos de política externa e permitiu a consolidação de posições importantes no Departamento de Estado e da Defesa, confirmando a hipótese inicial de que a Guerra Fria não foi consequência apenas de uma disputa por esferas de influencia política e econômica, ou um conflito de caráter ideológico, mas também da necessidade de legitimar no poder uma elite burocrática emergente. Assim, observa-se que apesar da História sempre fluir como consequência de fenômenos sociais e políticos muito mais distintos do que os que podem ser controlados por um ou mais indivíduos, ela também pode ser construída pela ação de pessoas que tomam decisões e que podem formar e transformar a estrutura econômica. Qual seja, por mais distintas que tenham sido suas origens, trajetórias, interesses, estratégias ou motivações, entre os anos 1945- 1950, o pequeno grupo que partilhou do poder no Departamento de Estado e da Defesa, constituiu-se uma elite diferenciada e, no conjunto, a soma de sua influencia como meros indivíduos permitiu que criassem e consolidassem muitas das instituições que atualmente fazem parte da vida contemporâneo, dando-lhe novas formas e perspectivas. 144 Referências Bibliográficas 1. Fontes ACHESON, Dean. Present at the Creation: my years in the State Department. (Memories) New York: W.W. Norton & Co, 1987. ACHESON. Morning and Noon. (Memories) Boston: Houghton Mifflin, 1965. AMERICAN EXPORT LINER EXCALIBUR. List of passengers sailing for Lisbon, in The New York Times, March 15th, 1941 AVERELL HARRIMAN PAPERS. Library of Congress. Disponível http://lcweb2.loc.gov/cgibin/faidfrquery/r?faid/faidfr:@field(SOURCE+@band(harriman+w+averell). Acesso 12/01/2009. em em CLARE, John D. An interview with George Kennan: Kennan on the Cold War, April 1, 2009. Disponível em http://www.johndclare.net/cold_war7_Kennan_interview.htm, Acesso em 30/07/09. CNN Cold War Interview with George F. Kennan. In CNN. Maio e junho/1996. Disponível em: http://www.cnn.com/SPECIALS/cold.war/episodes/01/interviews/kennan/ Acesso em 25/07/2006. DEAN Acheson Oral History, 27/04/1964, JK Kennedy Library & Museum, Boston, 1964. Disponível em http://www.jfklibrary.org/Historical+Resources/Archives/Summaries/col_acheson.htm . Acesso em 15/07/2008. FORRESTAL, James; MILLIS, Walter; DUFFIELD, E. S., (Org.), The Forrestal Diaries, New York: Viking Press, 1951. GERGEN, David. Entrevista com George Kennan. 18/04/1996. In US News and Word Report por ocasião da publicação do livro At A Century's Ending: Reflections 1982-1995 e publicada na seção de Essays and Dialogues da PBS News, Arlington, Virginia. Disponível em: http://www.pbs.org/newshour/gergen/kennan.htmlAcesso em 12/10/2006. HARRIMAN, W. Averell & ABELL, Elie. Special Envoy to Churchill and Stalin, 19411946. (Memories) Random House Inc, 1975. HARRIMAN. America and Russia in a changing world: A half century of personal observation. New York: Double Day, 1971. ______. Public papers of Averell Harriman, fifty-second governor of the state of New York, 1955-1959 (1960). Disponível em http://lcweb2.loc.gov/service/mss/eadxmlmss/eadpdfmss/2003/ms003012.pdf. Acesso em 21/07/2009. 145 HARRY TRUMAN Library & Museum. Disponível http://www.trumanlibrary.org/oralhist/wright.htm. Acesso em 03/03/2010. em HESS, Jerry N & FELIX, E. Larkin. Oral History Interview. (18/09/1972 e 23/10/1972). Truman Library. Disponível em http://www.trumanlibrary.org/oralhist/larkin.htm. Acesso em 26/03/2009. KENNAN George F & LUKACS, John. George F. Kennan and the origins of Containment. 1944-1946: The Kennan/Lukacs correspondence. Jefferson City: University of Missouri Press, 1997. KENNAN, George F. ("X") The Sources of Soviet Conduct, Foreign Affairs 25 (4): 566–582, Julho, 1947. Disponível em http://en.wikisource.org/wiki/The_Sources_of_Soviet_Conduct. Acesso em 13/07/2006 ______. After the cold war: American Foreign Policy in the 1970s. In Foreign Affairs, October, 1972 ______. America and the Russian Future (1951). In Foreign Affairs, Spring, 1990. ______. An American Family: The Kennans, the First Three Generations, New York: W. W. Norton & Company, 2000a. ______. Around the Cragged Hill: a personal and political philosophy. New York: W.W. Norton Inc, 1999 ______. At a Century's Ending: Reflections 1982–1995, New York: W. W. Norton & Company, 1996 ______. Containment: 40 years later. Containment then and now. In Foreign Affairs, Spring, 1987. ______. From Prague after Munich: Diplomatic Papers, 1938–1940, Princeton: Princeton University Press, 1968 ______. Memoirs 1925-1950. Boston: Little Brown and Company, 1992. ______. Morality and Foreign Policy, In Foreign Affairs, Winter 1985/86 ______. On American Principles, In Foreign Affairs, March/April 1995 ______. Polycentrism and Western Policy, In Foreign Affairs, January, 1964. ______. Realities of American Foreign Policy, New Haven: Princeton University Press, 1954. ______. Rússia and the West under Lenin and Stalin, Boston: Little, Brown and Company, 1961. ______. Rússia Leaves the War, New Haven: Princeton University Press, 1956. ______. Sketches from a life. New York: W W Norton &Company Inc, 2000b. 146 ______. The Decision to Intervene, New Haven: Princeton University Press, 1958 ______. The Decline of Bismarck's European Order: Franco-Rússian Relations, 1875– 1890. New Haven: Princeton University Press, 1979. ______. The Fateful Alliance: France, Rússia, and the Coming of the First World War, New York: Pantheon Books, 1984. ______. The long telegram. Answer to Dept’s 284, Feb. 3, Moscow, Feb, 22. 1946 ______. The Marquis de Custine and his "Rússia in 1839", New Haven: Princeton University Press, 1971 ______. The Nuclear Delusion: Soviet-American Relations in the Atomic Age, New York: Pantheon Books, 1982. ______. The sources of Soviet Conduct. In American Diplomacy. Chicago: The University of Chicago Press, 1951, 1979, 1984. ______. Two hundred years of American policy: the United States and the Soviet Union: 1917-1976. In Foreign Affairs, July, 1976. ______. Memorandum by the Director of the Policy Planning Staff to the Secretary of State and the Under Secretary of State. PPS23: Review of Current Trends in U.S. Foreign Policy. In Foreign Relations of the United States, 1948, Volume I, pp. 509529. ______. The Cloud of Danger: Current Realities of American Foreign Policy, London: Hutchinson, 1978. ______. The long telegram. Disponível http://www.gwu.edu/~nsarchiv/coldwar/documents/episode-1/kennan.htm. Acesso 06/07/2006. em em MCCLOY, John J. - John J. McCloy Papers, 1897-1989 (set: 1940-1979) Amherst College Archives. Disponível em http://asteria.fivecolleges.edu/findaids/amherst/ma35_main.html. Acesso em 20/04/2008. MUDD, Seeley G. Diaries of James V. Forrestal 1944-1949. Manuscript Library, Princeton University. Disponível em http://www.adam-matthewpublications.co.uk/collections_az/DiariesJVForr/contents-of-reels.aspx. Acesso em 10 Fev 2010. PRESIDENT HARRY TRUMAN Address Before a Joint Session of Congress, March 12, 1947. Disponível em http://avalon.law.yale.edu/20th_century/trudoc.asp. Acesso em 29/07/2009 US STATE DEPARTMENT. Kennan’s Foreign Service assignment as Consul at Vienna, in The New York Times, Jan 27, 1935. ______. Kennan’s Foreign Service assignment as Consul at Jerusalem, in The New York Times, Jun 27, 1937 147 ______. Kennan’s Foreign Service assignment as Consul at Vienna, in The New York Times, Jan 27, 1935. ______. . Kennan’s Foreign Service assignment as Second Secretary at Praha Legation, in The New York Times, Sep 4,1938. ______. Kennan’s Foreign Service assignment as Second Secretary at Berlin Embassy, in The New York Times, May 19, 1940. ______. List of American officials and civilians repatriated from European Axis Contries, in The New York Times, May 29, 1942. ______. List of Foreign Officers attached to embassies in Axis capitals, in The New York Times, Dec 12, 1941. ______. List of appointments for first Embassy and Consulate General representation at communist Russia. In The New York Times, Feb 10, 1934 ______. Pass for Foreign Service. Special to The New York Times. May 5, 1926. TRUMAN. Harry. Thoughts Of A President, 1945. In EyeWitness to History. Disponível em www.eyewitnesstohistory.com. Acesso em 24/04/2010. (1999). 2. Bibliografia ADAMWAITHE, Anthony. France and the Coming of the Second World War 1936-1939, London: Frank Cass, 1977. AKASHAH, Mary & TENNANT, Donald. Madness and politics: the case of James Forrestal. Oklahoma State University, Acad. Sci.60:89-92 (1980). ALBERTONI, Ettore. Mosca and the Theory of Elitism. Oxford: Basil Blackwell. 1987 ALBUQUERQUE, J Augusto. Guillhon. Sistemas Internacionais: a ordem internacional da Guerra Fria, in Relações Internacionais Contemporâneas. Petrópolis: Vozes, 2005 ALLIN, Dana H. Cold War Illusions: America, Europe, and Soviet Power, 1969-1989. New York: Palgrave MacMillan, 1998 ANDREW, Christopher. For the President's Eyes Only: Secret Intelligence and the American Presidency from Washington to Bush. New York: Harper Perennial, 1996. ARLINGTON CEMETERY. William Gibbs McAdoo. Disponível http://www.arlingtoncemetery.net/wgmcadoo.htm. Acesso em 03/03/2011. ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações. Brasília: IPRE, 2002. em 148 ATKINSON, Brooks. America’s Global Planner. In The New York Times, Jul.13, 1947. BACEVICH, Andrew. American Empire. Cambridge: Harvard University Press, 2002. BASTOS, E. e REGO, W. (orgs.) Intelectuais e Política. São Paulo: Olho D’água, 1999. BEARD, Charles. An Economic Interpretation of the Constitution of the United States. New York: The Free Press, 1986 BENNET, Edward M. Franklin D. Roosevelt and the Search for Security: AmericanSoviet Relations, 1933–1939, Wilmington, Delaware: Scholarly Resources, p. 24, 1985. BERTHON, Simon & POTTS, Joanna. Os senhores da Guerra: Hitler, Stalin Churchill e Roosevelt. Rio de Janeiro: Record, 2008. BESCHLOSS, Michael. FDR's Auschwitz Secret, Newsweek, 14/10/2002. Disponível em http://history.sandiego.edu/gen/ww2timeline/beschloss.html. Acesso em 12/10/2009. BLACK, Allida et al. Lucy Page Mercer Rutherfurd in The Eleanor Roosevelt Papers. Teaching Eleanor Roosevelt, in Hyde Park, New York: Eleanor Roosevelt National Historic Site. Disponível em http://www.nps.gov/archive/elro/glossary/mercer-lucy.htm. Acesso em 31/03/2010. BLACK, Conrad. Franklin Delano Roosevelt: Champion of Freedom. Cambridge: Public Affairs, 2003. BLAIR, Clay. The Forgotten War: America in Korea, 1950-1953. Washington: Naval Institute Press, 2003 BLAND, Larry I. Averell Harriman, the Russians and the Origins of the Cold War in Europe: 1943-45. Australian Journal of Politics and History 1977 23(3): 403-416. BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1997a BOHLEN, Charles. Witness to History, 1929-1969, New York: W.W. Norton, 1973, BOOKMAN, Jay. Let's just say it's not an empire. In Atlanta Journal-Constitution. 25/ 06/2003. Disponível em http://www.dailykos.net/archives/003167.html. Acesso em 03/05/2009. BOOT, Max. Neither New nor Nefarious: The Liberal Empire Strikes Back. In Current History 102 (667), Nov 2003. Disponível em http://www.mtholyoke.edu/acad/intrel/bush/boot.htm. Acesso em 22/05/2009. BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987. ______. Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990. ______. Distinção: uma crítica social do julgamento do gosto. Cambridge: Harvard University Press, 1984 ______. O Poder Simbólico. Lisboa: Difel, 1989. 149 ______.Os usos sociais da ciência. São Paulo: Editora Unesp, 2003. BRANDS, Henry W. Inside the Cold War: Loy Henderson and the Rise of the American Empire, 1918-1961. London: Oxford University Press, 1991. BRINKLEY, Alan. American History: A Survey. New York: McGraw-Hill, 1986 BRITANNICA ENCYCLOPAEDIA. . Robert Michels. http://www.britannica.com/EBchecked/topic/380041/Robert-Michels 27/02/2011. Disponível . Acesso em em BRITANNICA ENCYCLOPEAEDIA. Harry Hopkins. http://www.britannica.com/EBchecked/topic/271544/Harry-L-Hopkins. 27/02/2011. Disponível Acesso em em BROWN BROTHERS HARRIMAN & CO. Disponível em http://www.bbh.com/index.shtml. Acesso em 03/03/2011. BROWNEL, William & BILLINGS, Richard N., So Close to Greatness, New York: Macmillan, 1987. BULL, Hedley. A sociedade anárquica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. BUTLER, Susan (org). Prezado Sr. Stalin: Os Bastidores da Segunda Guerra Mundial na Correspondência Completa entre Roosevelt e Stalin. Pref. Arthur M. Schlesinger Jr. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. BYRD, Peter Byrd. Cold War. In The Concise Oxford Dictionary of Politics. Ed. Iain McLean & Alistair McMillan. Oxford: Oxford University Press, 2003. Cabinet: The man from Middletown, In Time Magazine. Editorial. 20-23. 18/02/1949. Disponível em http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,799822-1,00.html Acesso em 22/10/2008. CAHN, Anne, Team B: The trillion-dollar experiment. Bulletin of the Atomic Scientists 49 (03): 22–27. Disponível em http://books.google.com/books?id=aAsAAAAAMBAJ&pg=PA22. Acesso em 22/01/2010. CALHOUN, Craig. Cold War. Dictionary of the Social Sciences. Oxford University Press. 2002. Disponível em http://books.google.com/books?id=SvSZHgAACAAJ&dq=Dictionary+of+the+Social+Scienc es. Acesso em 13/02/ 2009. CALLENDER, Harold. US to strenghten ties in Paris talks. In The New York Times. New York, 30/08/1947. CHOMSKY, Noam. Hegemony or Survival: America’s quest for global dominance. New York: Owl Book, 2004. CIA. Central Intelligence of America. Disponível em https://www.cia.gov/about-cia/historyof-the-cia/index.html . Acesso em 27/02/2011 150 COHN, G. (org.) Introdução. In Weber. Col. Grandes Cientistas Sociais, n.13. São Paulo: Ática, 1982. CORKE, Sara-Jane. US Covert Operations and Cold War. New York: Routledge, 2008. COVINGTON & BURLING LLP. Disponível http://www.cov.com/about_the_firm/firm_history/. Acesso em 03/03/2011. em CRAVATH SWAINE & MOORE LLP. Disponível em http://www.cravath.com/ . Acesso em 03/03/2011. CRAY, Eduard. General of the Army: George C. Marshall, Soldier and Statesman. New York: Norton, 1990. CURTISS, Richard H. Truman Adviser Recalls May 14, 1948 Decision to Recognize Israel, Washington Report on Middle East Affairs, May, June 1991. DANIEL, E.C. London foresees broad US talks. In The New York Times, New York, 02/04/1944. DEMOCRAT PARTY. Disponível em http://www.democrats.org/about/our_history. Acesso em 07/03/201 DICTIONARY REFERENCE. Establishment. Disponível http://dictionary.reference.com/browse/establishment. Acesso em 07/03/2011. em DILLON, READ & CO. Disponível em http://www.dillonread.com/ . Acesso em 10/10/2010. DOBSON, Alan P. U.S. Wartime Aid to Britain, 1940-1946. Palgrave Mcmillan, London, 1986. DOMHOFF, William G. Who Rules America Now? New York: Waveland Press, 1997. DONOVAN, Robert J. Conflict and Crisis: The Presidency of Harry S. Truman, 19451948. Jefferson City: University of Missouri Press, 1966. DOWSON, Raymond H. The Decision to Aid Rússia, 1941: Foreign Policy and Domestic Politics, Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1959. DUROSELLE, Jean Baptiste. Todo império perecerá. Brasília: Ed. UNB, 2000. ENCYCLOPEDIA BRITANICA. Funcionários burocráticos. 11ª. Edição, vol. 6, pg. 414 FEIS, Herbert. Churchill-Roosevelt-Stalin: The War They Waged and the Peace They Sought. New Jersey: Princeton University, 1957. ______. From Trust to Terror: The Onset of the Cold War. New York: WW Norton, 1970. FERGUSON, Niall. Colossus: the price of America’s Empire. New York: Penguin Press, 2004. FINER, Herman. Civil Service. Verbete em Encyclopedia of Social Sciences, vol III. 151 GADDIS, John Lewis. História da Guerra Fria. São Paulo: Nova Fronteira, 2006. ______. Russia, the Soviet Union, and the United States: An Interpretive History. New York: McGraw Hill, 1990 ______. Strategies of Containment: a critical appraisal of American national security policy during the Cold War. New York: Oxford University Press, 2005. ______. The United States and the Origins of the Cold War. New York, Columbia, 1972, 2000 ______. We Now Know: Rethinking the Cold War. New York: Oxford University Press, 1997. GAP, Marshal. Will U.S. close it? In The New York Time, New York, 07/09/1947 GARCIA, M. Manuela A. O campo das produções simbólicas e o campo científico em Bourdieu. In Caderno de Pesquisas, São Paulo, .97, p.64-72, maio 1996. GARDNER, Lloyd. Architects of Illusion. Chicago: Quadrangle, 1970. GARSON, Robert. The United States and China since 1949: A Troubled Affair. Madison: Fairleigh Dickinson U. Press, 1994. GERSHMANN, J. Democracy and the making of Foreign Policy. In Foreign Policy in Focus. 03/02/2006. Disponível em http://www.fpif.org .Acesso em 26/05/2006. GICKER, William J. US Postage Stamps Commemorate Distinguished American Diplomats. Charles E. Bohlen – US Department of State. USA Philatelic11 (3): 14, 2006. GILPIN, Robert. A economia política das relações internacionais. Brasília: UNB, 2002 ______. The Rise of American Hegemony, In Two Hegemonies: Britain 1846-1914 and the United States 1941-2001Aldershot: Ashgate Publishing, Ltd., 2002. GONZALES, Horácio. O que são intelectuais. São Paulo: Ed. Brasiliense. Coleção Primeiros Passos, 2001. GOODMAN, Melvin A. Righting the CIA. In The Baltimore Sun. In 19/11/2004. Disponível em http://www.livejournal.com/users/bailey83221/51190.html. Acesso em 22/01/2010. GOODWIN, Doris K. No ordinary time: Franklin and Eleanor Roosevelt: The home front in World War II. New York: Simon & Schuster, 1995. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, Vol. 2. Rio de Janeiro Ed. Civilização Brasileira, 2004. GRANDE DICIONARIO LARROUSSE CULTURAL DA LINGUA PORTUGUESA. Verbete Guerra. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1999. Pg. 482. GRIFFITS, Martim. 50 Grandes Estrategistas das Relações Internacionais. São Paulo, Ed. Contexto, 2004. 152 HALBERTAM, David. The Best and the Brightest. New York: Randon, 1972. HALLIDAY, Fred. Cold War. Verbete in The Oxford Companion to the Politics of the World. Oxford University Press Inc., 2001. HARPER, John L., Friends, Not Allies: George F. Kennan and Charles E. Bohlen, In World Policy Journal 1995 12(2): 77-88. Texto completo: in Ebsco HARRIMAN, Roland. I Reminisce. New York: Doubleday, 1975. HARRIS, Stephen. Duffy's War: Fr. Francis Duffy, Wild Bill Donovan, and the Irish Fighting 69th in World War I. Dully: Potomac Books, 2006. HARVEY, David . The New Imperialism. New York: Oxford University Press, 2003. HECKSCHER, John J. St Paul´s: the life of a New England School. New York: Scribners, 1980. HEINRICH, Waldo. American Ambassador Joseph C. Grew and the development of the US Diplomatic . Boston: Little, Brown, 1966. HENDERSON, Loy W. A question of trust: the origins of the US-Soviet diplomatic relations. New York: Hoover Press, 1986 HENRY LUCE FOUNDATION. Henry http://www.hluce.org/history.aspx. Acesso em 07/03/2011. Luce. Disponível em HERRING JR. George C. Aid to Rússia, 1941-1946: Strategy, Diplomacy, the Origins of the Cold War. New York: Columbia University Press, 1973. HIGH BEAN. Alice Stanley Acheson. Disponível em http://www.highbeam.com/doc/1P2761673.html . Acesso em 03/03/2011. HIXSON, Walter L. (1989), George F. Kennan: Cold War Iconoclast. New York: Columbia University Press, 1989 HOBBES, Thomas. O leviatã. São Paulo: Ed Martin Clairet, 2002 HOBSBAWM, Eric. A Guerra Fria. In A era dos extremos. São Paulo: Cia. das Letras, 2005. HODGSON, Godfrey. America in our time. Garden City, New York: Doubleday, 1976. HOLBROOKE, Richard. The paradox of George F. Kennan. Washington Post, 21/03/2005. P. A19. Disponível em http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/articles/A525332005Mar20.html. Acesso em 12/05/2006. HOOPED, Townsend & BRINKLEY, Douglas. Driven Patriot: The Life and Times of James Forrestal. Washington Naval Institute Press, 1992. 153 HOPKINS, June. Harry Hopkins: Sudden Hero, Brash Reformer. New York: Palgrave Macmillan, 2009. HOWARD, Donald S. The WPA and Federal Relief Policy. San Francisco: UCLA Press, 1943. HULEN, Bertram D. Marshall reshapes “team” at the State Department. In The New York Times. New York, 29/06/1947. HUNTINGTON, O choque de civilizações. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997. HUNTINGTON, Samuel. American Politics: the Promise of Disharmony. Cambridge: Harvard University Press, 1981. HYDE, Henry. Introduction to Embassy Moscow: attitudes and errors. In Libray of the Congress. Relatório do Partido Republicano (Illinois): 26/10/1988 p.E3490. Disponível em http://thomas.loc.gov/cgi-bin/query/R?r101:FLD001:E53490,E53490Acesso em 18/12/2010. IOOF News, Vol 12, edição 2, março-abril 2009, pg.1 da The Sovereign Grand Lodge, Independent Order of Old Fellows. Disponível em http://www.ioof.org/news.aspx . Acesso em 15/12/2009. ISAACSON, Walter & THOMAS, E. The Wise Men: Six Friends e the World They Made. New York: Simon & Shuster Paperbacks, 1986 JAMES VICENT FORRESTAL. "Dictionary of American Biography Supplement 4: 19461950‖. American Council of Learned Societies 1974. Reproduzido in Biography Resource Center. Farmington Hills, Michigan: Gale 2009. Disponível em http://galenet.galegroup.com/servlet/BioRC. Acesso em 20/02/2010. JENSEN, Kenneth M. The origins of the Cold War: the Novikov, Kennan and Roberts ‘long telegrams’ in 1946. Revised Edition. USIP Press Books, 1993 JEWISH VIRTUAL LIBRARY. Felix Frankfurter. http://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/biography/frankfurter.html. 03/03/2011. Disponível Acesso em em JONATHAN EDWARDS ORG. Disponível em http://www.jonathan-edwards.org/. Acesso em 07/03/2011. KENNEDY, Paul. Estabilidade e mudança num mundo bipolar, 1943-1980. In Ascensão e queda das grandes potências. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Campus, 1989. KEYLOR, William. France and the Illusion of American Support, 1919-1940 in The French Defeat of 1940 Reassessments. Providence: Joel Blatt Berghahn Books, 1998. KISSINGER, Henry. Diplomacy. New York: Simon and Schuster Paperbacks, 1994. KROCK, Arthur. Marshall Plan Genesis.In The New York Times. New York, Oct.1, 1947. KURZMANN, Paul. Harry Hopkins and the New Deal. New Jersey: Publishers, 1974. R. E. Burdick 154 LAFEBER, Walter, America, Russia, and the Cold War: 1945–2002, Boston: McGrawHill, 2002. LASH, Joseph. Eleanor and Franklin. New York: William S. Konecky Associates , 1999. LAWRENCE, W.H. Tough man for a tough job. In The New York Times, New York, March 17, 1946. LEFFLER, Melvyn. A Preponderance of Power: The Truman Administration, National Security, and the Cold War. Palo Alto: Stanford University Press, 1992. ______., Remembering George Kennan: Lessons for Today? Project Report Summary for United States Institute of Peace. 04/05/2006. Disponivel em: http://www.usip.org/fellows/reports/2006/0504_leffler.html. Acesso 13/10/2009. ______. The Specter of Communism: The United States and the Origins of the Cold War, 1917—1953. New York: Hill and Wang, 1994. LENIN. Imperialismo, fase superior do capitalismo. Tradução de Olinto Beckerman. São Paulo: Ed. Global, 1982. LEUCHTENBURG, William. Franklin D. Roosevelt and the New Deal, 1932-1940. New York: Harper Perennial, 1963. LIPPMANN, Walter, The Cold War: A Study in U.S. Foreign Policy, New York: Harper, 1947. LUCE, Henry R. The American Century. Reimpresso In The Ambiguous Legacy, M. J. Hogan, New York: Cambridge University Press, 1999. LUKACS, John. George Kennan: a Study of Character. New Haven: Yale University. 2007 LUZILLE, Vincent. Les belles aventures de la CIA en France. In Bakchich, 08/01/2008. Disponível em http://www.bakchich.info/article2289.html. Acesso em 03/03/10) MACKINDER, Halford J, Sir. Democratic ideals and Reality: a Study in the Politics of Reconstruction. New York: Greenwood Press Reprint, 1981. MAYERS, David. George Kennan and the Dilemmas of US Foreign Policy. Oxford: Oxford University Press, 1990. McJIMSEY , George T. Harry Hopkins: Ally of the Poor and Defender of Democracy. Cambridge: Harvard University Press, 1987. MCKAY, David. Beliefs, Values and American Society. In American politics and society. Oxford: Blackwell Publishing, 2005, 6th Edition, pps. 6-38 MCMAHON, Robert. The cold war: a very short introduction. New York: Oxford University Press, 2003 McQUAIL, D. Mass Communication Theory Londres: Sage, 2006. 155 MELLO, Leonel I.. Quem tem medo de Geopolítica? Edusp e Hucitec: São Paulo, 1999CANCIAN, Renato. O poder político monopolizados pelos governantes. Disponível em http://educacao.uol.com.br/sociologia/ult4264u27.jhtm. Acesso em 27/02/2011. MERRIMEN, C., Hart. Harriman Alaskan Expedition, in Harriman Personal Papers. Disponível em http://lcweb2.loc.gov/cgibin/faidfrquery/r?faid/faidfr:@field(SOURCE+@band(harriman+w+averell). Acesso em 12/01/2009 MICELI, Sérgio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Cia das Letras, 2001. MILLER CENTER OF PUBLIC AFFAIR. Andrew Jackson. http://millercenter.org/president/jackson . Acesso em 07/03/2011. Disponível em MILLS, Charles Wright. The power elite. New York: Oxford Press Inc, 1956. MISCAMBLE, George F. Kennan and the Making of American Foreign Policy, 1947– 1950, New Haven: Princeton University Press, 1992. ______. George Kennan: A Life in the Foreign Service, Foreign Service Journal81 (2): 22–34, 2004. ______. From Roosevelt to Truman: Potsdam, Hiroshima, and the Cold War, Cambridge: Cambridge University Press, 2007. MONNET, Jean. Memoires. Paris: Arthème Fayard. 1976, pp. 20–28. MORGENTHAU, Hans. Política entre as nações. Brasília: IPRE, 2002. NARA-National Archives and Records Administration. NSC 68. RG 773 NSC 10/2 NASCHEL, Jonathan, Cold War (1945–91): Changing Interpretations In The Oxford Companion to American Military History. John Whiteclay Chambers II, Oxford University Press 1999. NATIONAL GEOSPACIAL-INTELLIGENCE AGENCY. NGA History. Disponível em http://www.nga.mil/StaticFiles/OCR/nga_history.pdf. Acesso em 16/09/2007. NATO. North Atlantic Treaty Organization. http://www.nato.int/cps/en/natolive/index.htm Acesso em 27/02/2011. Disponível em NAVY HISTORY. Lend Lease. Disponível em http://www.history.navy.mil/faqs/faq5923.htm. Acesso em 03/03/2011. NEWTON, W. A Soviet Agent? Harry Hopkins? In The New York Times October 28, 1990 NITZE, Paul. From Hiroshima to Glasnost: At the center of decision. New York, Grove Press,1989. ______. Strategy in the Decade of the 1980´s.In Foreign Affairs. Fall 1980:1. Disponível em http://www.foreignaffairs.com/issues/1980/59/1. Acesso em 23/01/2010. 156 NOTABLE BIOGRAPHIES. William R. Hearst. Disponível http://www.notablebiographies.com/Gi-He/Hearst-William-Randolph.html. Acesso 03/03/2011. em em NSC-68. In Naval War College Review. Vol. XXVII (mai-jun/75) pgs. 51-108 NYE, Joseph S. O paradoxo do poder americano. São Paulo: Ed. Unesp, 2002. OPEN VAULT. Entrevista com Paul Nitze sobre negociações do SALT I. Série Guerra e Paz na Era Nuclear da WGBH. Disponível em http://openvault.wgbh.org/wapina/barcode49748nitze2_2/index.html/. Acesso em 25/01/10. ORTIZ, R. (org). Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo: Ática, 1983. ______. The Geography of the Peace. New York: Harcourt, Brace and Company, 1944. PACTO de BAGDA. Disponível em http://www.dw-world.de/dw/article/0,,778420,00.html Acesso em 27/02/2011. PARETO, Vilfredo. Manual de Economia Política. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1990. 2 vol. PATERSON, Soviet-American Confrontation. New York: The Johns Hopkins University Press, 1975. PATERSON, Thomas G. Meeting the Communist Threat: Truman to Reagan. New York: Oxford University Press, 1988. PERSON, DREW. Washington Head-Hunters, in The New York Time Magazine, 24/01/1949 PHI BETA KAPPA SOCIETY. Disponível http://www.pbk.org/infoview/PBK_InfoView.aspx?t=&id=8. Acesso em 03/03/2011 em PIPES, Richard. Team B: The Reality Behind the Myth. Commentary Magazine 82 (4). Disponível em http://www.commentarymagazine.com/Summaries/V82I4P27-1.htm. Acesso em 25/01/2010. POGGI, Gianfranco. Durkheim. Oxford: Oxford University Press, 2000 POWELL, Jason L. "Power elite" Verbete in George Ritzer (ed.) The Blackwell Encyclopedia of Sociology, Blackwell Publishing, 2007, pps. 3602-3603 PRESIDENTIAL MATERIALS, September 11: Bearing Witness to History, Smithsonian Institution, 2002. Disponível em Acesso http://americanhistory.si.edu/september11/collection/supporting.asp?ID=695&z=0. em 22/11/2009. PSI UPSILON. Disponível em http://www.psiu.org/about.html. Acesso em 03/03/2011. REAGAN, Patrick D. Designing a New America: The Origins of New Deal Planning. 1890-1943. Boston: University of Massachusetts Press, 2000. 157 RED CROSS INTERNATIONAL. Disponível are/history/index.jsp. Acesso em 07/03/2011. em http://www.icrc.org/eng/who-we- REDDY, T. Michael, Charles E. Bohlen: Political Realist. In Perspectives in American Diplomacy, ed. Jules David. New York: Arno Press, 1976. REITER, Ed. Franklin D. Roosevelt: The Man on the Marching Dime. PCGS. 1999. Disponível em http://www.pcgs.com/articles/article984.chtml. Acesso em 11/10/2009. RESTON, James. New policy staff will aid Marshall frame his plans. In The New York Times, New York, 25/04/1947. ROBBINS, Alexandra. Secrets of the Tomb: Skull and Bones, the Ivy League, and the Hidden Paths of Power. Little, Brown and Company, 2002. ROGOW, Arnold. James Forrestal: A Study of Personality, Politics and Policy. New York: MacMillan, 1963. ROOSEVELT, Franklin D. Great Speeches. InMiller Center Public Affairs. Disponível em http://millercenter.org/scripps/archive/speeches . Acesso em 28/11/2009. RUSSIAN WAR RELIEF SOCIETY. Women’s Division to sponsor benefit fete here today. In The New York Times, 24/05/1942. SCHLESINGER, Arthur M. America Since 1945. New York: St. Martin's Press, 1991. SCHUMPETER, Joseph. Capitalistam, Socialism and Democracy. New York: 1950. SEATO. South East Treaty Organization. Disponível em http://www.britannica.com/EBchecked/topic/556523/Southeast-Asia-Treaty-OrganizationSEATO . Acesso em 27/02/2011. SEELEY, G. Mudd Library. The Willcutts Report on the Death of James Forrestal. Disponível em http://jamesforrestal.ariwatch.com/WillcuttsReport.htm. Acesso em 20/02/2010 SHAH, Mary e TENNANT, Donald, Madness and Politics: The Case of James Forrestal. Disponível em Oklahoma Academy of Science 60: 89–92. http://digital.library.okstate.edu/oas/oas_pdf/v60/p89_92.pdf . Acesso em 18/02/2010. SHERWOOD, Robert E. Roosevelt and Hopkins (1948), Pulitzer Prize. New York: Enigma Books, 2001. SILVA, Augusto Santos, Entre a razão e o sentido, Durkheim, Weber e a Teoria das Ciências Sociais. Porto, Afrontamento, 1988. SILVA, Franklin Leopoldo. O imperativo ético de Sartre. In O silêncio dos intelectuais. São Paulo: Cia das Letras, 2006. SIRINELLI, Jean François. Os intelectuais. In Por uma história política. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1996. 158 SKULL & BONES SOCIETY. Members. Disponível http://www.skullandcrossbones.org/articles/skullandbones.htm. Acesso em 03/03/2011 em SMITH, Harris. OSS: The Secret History of America's First Central Intelligence Agency. Los Angeles: University of California Press, 1972. SMITH, J. Y., Outsider Forged Cold War Strategy, 18/03/1985. In The Washington Post. Disponível em http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/articles/A45242-2005Mar17.html. Acesso em 14/07/2009 SMITH, Jean Edward. FDR. New York: Random House, 2007. SPYKMAN, Nicholas. America's Strategy in World Politics: The United States and the Balance of Power. New York: Harcourt, Brace and Company, 1942. STATE DEPARTMENT. United States Army in World War II: The War Department Chief of Staff: Prewar plans and preparations. Washington: Center of Military History of the United States Army, 1950 TANENHAUS, Sam. The Hard Liner. The Boston Globe em 11/11/2003. Disponível em http://www.boston.com/news/globe/ideas/articles/2003/11/02/the_hard_liner/. Acesso em 27/01/2010. TASK, Roger R. The Secretaries of Defense, United States Department of Defense Historical Office, 1985 THE NEW YORK TIMES. Civitans Organize Here. 16 June 1922. Artigo disponível em http://query.nytimes.com/mem/archive.free/pdf?_r=1&res=9A06E7DC1231EF33A25755C1A9609C946395D6CF. Acesso em 21 January 2009. THE NEW YORK TIMES. Raymond Moley. Artigo disponível em http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,788997,00.html. Acesso em 07/03/2011. THE TELEGRAPH OBITUARY. Paul H. Nitze. 21 October 2004. In The Daily Telegraph. Disponível em http://www.telegraph.co.uk/news/obituaries/1474744/Paul-H-Nitze.html. Acesso em 11/02/2010. THE TIMES OBITUARY. Veteran Strategist of US Cold War Policy who took his soviet counterpart for a “walk in the woods” to trashout an arms deal. In The New York Times. October 22, 2004. Disponível em http://www.timesonline.co.uk/tol/comment/obituaries/article497316.ece. Acesso em 11/02/2010. THEOBALD, Robert. The Final Secret of Pearl Harbor. New York: Devin-Adair, 1954. THOMPSON, Nicholas. The Hawk and the Dove: Paul Nitze, George Kennan and the History of the Cold War. New York: Henry Holt and Co., 2009. TROY, T.F. Donovan and the CIA: A history of the Establishment of the Central Intelligence Agency. Langdon: CIA Center for the Study of Intelligence, 1981. 159 TRUMAN LIBRARY. Harry Truman. Disponível em http://www.trumanlibrary.org/hstbio.htm. Acesso em 27/02/2011. Oral History Interview with Loy http://www.trumanlibrary.org/oralhist/hendrson.htm ______. Henderson. Disponível em Robert Hannegan. Disponível em http://www.trumanlibrary.org/photographs/displayimage.php?pointer=21012&people=&listid =0 ______. TRUMAN, Harry. Year of Decisions. New York: Doubleday, 1955 TULLY, Grace. Franklin Delano Roosevelt, My Boss. Whitefish: Kessinger Publishing, LLC, 2005 TUTTLE, Dwight W. Harry L. Hopkins and Anglo-American-Soviet Relations, 19411945. New York: Garland Publication, 1983 UOL . Gaetano Mosca. Disponível http://educacao.uol.com.br/sociologia/ult4264u27.jhtm. Acesso em 27/02/2011. em US CONGRESS. Henry Wallace. Disponível em http://bioguide.congress.gov/scripts/biodisplay.pl?index=w000077. Acesso em 03/03/2011 James P. Byrnes. Disponível em http://bioguide.congress.gov/scripts/biodisplay.pl?index=b001215. Acesso em 03/03/2011 ______. US DEPARTMENT OF DEFENSE. Robert Lovett. Disponível em http://www.defense.gov/specials/secdef_histories/bios/lovett.htm. Acesso em 03/03/2011. US HISTORY. Henry Stimson. Disponível history.com/pages/h1665.html. Acesso em 03/03/2011. em http://www.u-s- Lend Lease. Disponível em http://www.u-s-history.com/pages/h1600.html . Acesso em 03/03/2011 ______. The origins of the Republican Party. http://www.ushistory.org/gop/origins.htm. Acesso em 07/03/2011. ______. Disponível em US POSTAL SERVICES. Six Distinguished Diplomats honored on US postage Stamps. Publicado em 30/05/06 Disponível em http://www.usps.com/communications/news/stamps/2006/sr06_036.htm. Acesso em 17/06/2008. US STATE DEPARTMENT. CIA - Central Inteligence Agency. Disponível em http://www.state.gov/www/about.state/history/Intel/intro6.html, com acesso em 02/02/2010. ______. Kennan and Containment. Disponível http://www.state.gov/r/pa/ho/time/cwr/17601.htm . Acesso em 13/07/2009. em: ______. Loy Henderson. Office of the Historian/ People. Disponível http://history.state.gov/departmenthistory/short-history. Acesso em 03/03/2010. em 160 USAID. Disponível em 27/02/2011 http://www.usaid.gov/multimedia/video/marshall/. Acesso em WALLERSTEIN, I. The Politics of the World-Economy. The States, the Movements and the Civilizations. Cambridge: Cambridge University Press. 1984 WALLERSTEIN, I., ARRIGHI, G. e HOPKINS, T. Anti-systemic Movements. London: Verso, 1989. WALTZ, Kenneth. Teoria das relações internacionais. Lisboa: Gradiva Publicações, 2002 WATSON, Mark S. The Victory Program. Washington: Center of Military History of the United States.1950 WEBER, Max. Ciência e Política: Duas Vocações. São Paulo: Martim Claret, 2005. WEDEMEYR, Albert. Wedemeyer Reports, Henry Holt Co, 1958. WEINER, Tim. Legado de Cinzas: uma história da CIA. Rio de Janeiro: Record, 2008. ______. U.S. Spied on its World War II Allies. In The New York Times, 11/08/1993. WEINER, Tim & CROSSETE, Barbara. George F. Kennan Dies at 101. The New York Times, 8/05/2005. Disponível em : http://www.nytimes.com/2005/03/18/politics/18kennan.html?pagewanted=1. Acesso em 14/09/2009. WERTHER, The architect of the Cold War, In Bound Magazine. 21/03/2005. Disponível em http://www.counterpunch.org/werther03212005.html Acesso em 12/10/2008. WHITE HOUSE BIOGRAPHIES. President Franklin D. Roosevelt. Disponível em http://www.whitehouse.gov/about/presidents/franklindroosevelt. Acesso em 02/02/2010. ______. President Harry Truman. Disponível http://www.whitehouse.gov/about/presidents/harrystruman. Acesso em 02/02/2010. em WILLIAMS, William A. The Tragedy of American Diplomacy. New York: WW Norton & Co, 1972. WINKLER, Allan. Franklin D. Roosevelt and the Making of Modern America. Pearson Education, New York, 2006. WORLD BANK ACHIVES. John McCloy. Disponível em http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/EXTABOUTUS/EXTARCHIVES/0,,conte ntMDK:20504728~pagePK:36726~piPK:437378~theSitePK:29506,00.html. Acesso em 03/03/2011. WORLD BANK ARCHIVES. World Bank. Disponível em http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/EXTABOUTUS/EXTIBRD/0,,menuPK:30 46081~pagePK:64168427~piPK:64168435~theSitePK:3046012,00.html. Acesso em 27/02/2011. 161 XROADS. Joe P. Kennedy Sr. Disponível em http://xroads.virginia.edu/~ug03/omaraalwala/jpkennedy.html. Acesso em 03/03/2011. ZACHARIAS, Rear Admiral Ellis M., "How We Bungled the Japanese Surrender," Look Magazine, June 6, 1950. Disponível em http://ussslcca25.com/zach12.htm . Acesso em 20/03/2010.