O Medo do Novo
( Fiz a síntese do livro de Fanny Abramovich. É instigante! .
Desejo boa leitura e vitórias, para todos nós. Profa. Christina Rocha.)
Espantoso o quanto se teme o novo. Mudancinha ou mudançona, homeopática ou cirúrgica, é vista – em geral –
como perigosa e desestabilizadora. Capaz de provocar terremotos, maremotos ou outros cataclismos
incontroláveis e de efeitos devastadores.
Quanto mais olho/percebo/sinto/escuto as eternas repetições girando em torno do mesmo tema, sem o encanto
musical original, rodando nos mesmos sulcos do velho e gasto disco, produzindo sons rangentivos e
desarmoniosos e tantas vezes ainda tocando em 33 rotações e ignorando a existência dos Cds, mais me pergunto
se perigoso ou temível, não seja exatamente o estagnado, o já conhecido, o repetitivo e que – por isso – produz
inércia. O que não provoca coceiras, dúvidas, impasses, desejos, não causa surpresas, não traz novos ângulos e
facetas, não ajuda – exatamente – a crescer. Por uma ou todas estas razões... Por que preferir a pasmaceira
sonolenta e bocejante ao frêmito do ainda não testado, não experimentado, não vivido?
Quanto mais me deparo com as repetições, com as preferências ou conivências pelo bis, pelo já sabido e
conhecido, já feito e refeito, já incorporado e acomodado, menos compreendo o não se permitir alguma ousadia,
um rasgo de audácia, um abrir algumas portas para novas vivências, referências, novas perplexidades... Um
tantinho só duma nova e saudável vitalidade. Visceral, fundamental, verdadeira. Como disse agudamente
Clarice Lispector: “Ah, não me descompreendas: não estou tirando nada de ti. Estou é exigindo de ti”.
Quanto mais vejo o desânimo, o medo diante do não dominado nos olhos das pessoas, mais me lembro dum
diálogo entre um lavrador e um comerciante, dito no filme americano de Sidney Franklin (de 1937) – “Terra
dos deuses”. Lá pelas tantas, os dois personagens se olham, se entreolham e dizem: “Aquilo deve ser uma
escada. – É. Vamos experimentar para ver onde vai? – Não. Eu nunca tirei os pés do chão em toda a minha
vida”.
Pobres homens dum faz-muito-tempo... Até foram informados da existência dum objeto chamado escada, que
não se presta apenas a ser olhado. Exige ser subido, pra saber aonde se chega através dela e até onde ela vai. A
curiosidade existe. Mas é menor do que o temor de tirar os pés do chão. É menor do que a compreensão de que
qualquer material usado para construir uma escada – por definição – agüenta e suporta o peso do corpo
humano. É menor do que a licença poética de erguer os pés pra poder voar pelo mundo. Como subir montanhas,
colinas, ladeiras, escadas, rampas, dunas, cadeiras – se os degraus, os pontos de apoio, amedrontam? Como
conhecer o que existe lá em cima, mais em cima, do outro lado, se fica obstinadamente – sempre e apenas –
palmilhando o mesmo terreno? Como chegar em outros chãos, outros lugares, saber novas paisagens, se inteirar
de outros cultivos, se deleitar com outras cores e formas da terra – se espairar e se moldar, se recusa a ir? Pra
longe ou pra perto, pro próximo ou mui distante, pra onde se possa hastear a própria bandeira e dizer: “Neste
território, eu pisei! Sinalizando para si e pros outros, a amplitude do seu mapa. Sem perder a nitidez do próprio
processo de andança, de escalada e escorregões, com suas dúvidas, hesitações, paradas.
Ou como é tão lucidamente dito, num dos diálogos do filme musical “Camelot”:
(Sir Lancelot) – Por que? Tinha dúvidas, Majestade?
(Rei Arthur) – Mas, claro... Só os loucos não têm dúvidas.
(...) Não quero passar a minha vida repetindo o que já sei. Não quero trabalhar com aquelas perguntas, cujas
respostas conheço. Não quero repetir pontos de vista. Quero ir adiante, ir além. Quero alterar muito e
substancialmente o que já fiz/propus/pensei. Quero fazer o que ainda não sei. Não quero (...). Não sei para onde
vou. Mas sei para onde não volto...
Melhor ser desafiado e topar o desafio, se for “mexetivo”. Sentir comichão, ímpeto de arregaçar as mangas e ir
em frente. Sabendo dos medos, incertezas, dúvidas, inseguranças, que fazem parte do processo de muita
procura e alguns poucos achados. Mas, sempre vitais, como descoberta até de dificuldades, despreparo,
imaturidade, queima de etapas. Ou lindamente anunciadores e indicativos de novas possibilidades pessoais, até
então insuspeitadas... Vale o risco. Não por que o novo seja melhor do que a anterior. Pode até ser pior, como
resposta, como resultado. E muito menos, pela pura novidadice. Mas por ser instigação, mergulho, procura
duma resposta ainda desconhecida. A ser clareada. A ser testada. A ser comparada. A ser encarada. A ser
vivida.
(...) Cada vez que olho/sinto/escuto/ as eternas cantilenas justificantes da paralisia, inércia, da acomodação,
lembro do alerta fotografado poeticamente por Sam Shepard: “As pessoas aqui se tornaram às pessoas que estão
fingindo ser”.
Medos, temores, indecisões, existem. Permeiam nossa existência. Em todas as fases de nossas vidas.
Emocionais, sociais, políticas, profissionais, de sobrevivência e de formas de encarar a vida. Lembro dum belo
filme, “Touros bravos”, dirigido por Robert Rossen. Nele Mel Ferrer interpreta um toureiro, suando e vitorioso,
declara: “Dedico a morte deste touro, não a vocês (platéia), mas para o que sei agora. Que um homem pode
viver em temor”.
Pode-se viver em temor. E fazer dele uma conquista, ao compreendê-lo. E uma vitória, ao enfrenta-lo. E uma
declaração, ao incorpora-lo como parte da sabedoria de quem se conhece. E encarar cada novo desafio, cada
nova situação, com tremor e frêmito, pois indicativo duma nova resposta. Ainda não conhecida, ainda não
sabida. Que provoca ansiedade até ser resolvida e alívio, amplidão, quando bem concretizada. Ou sufoco,
apertão, quando não satisfatória, impulsionando pra um recomeço. Novo, necessário, vital. Ou parado,
empurrado, asfixiado. Dependendo de cada um, em cada etapa da vida.
O já conhecido pode ser confortável como um chinelo velho. Mas também tão feioso e gasto que nem nos
atrevemos a sair de casa com ele. Ao contrário, só é colocado quando há certeza de que não haverá mais rua ou
chegada de pessoas, neste dia. Serve pra descansar. Não pra caminhar. Como pessoas não deveríamos estar
mais preocupados com tudo aquilo que está velho, puído, roto, dentro de nós? E com tantas manifestações,
declarações, realizações, que envelhecem nas nossas ações? Por semanas, meses, anos, lustros, décadas?
Dependendo de como cada um vem se checando, se confrontando, se olhando, em cada etapa e setor de sua
vida.
Lindamente escreveu Aníbal Machado: “Limpa de vez em quando as tuas gavetas, ninho de fantasmas. Queima
os papéis velhos, os arquivos mortos. Ajuda o esquecimento a esquecer... Antes o virgem vazio do que a
sufocação de entulhos. Que em tua cabeça as idéias não se imobilizem nunca em arranjos de museu, mas
fermentem para novas metamorfoses”.
C. Christina RochaC. Christina Rocha
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O medo do novo - Faculdade Batista