1. Da legislação que prevê o direito às férias - previsão constitucional e infraconstitucional Preconiza o artigo 7º da Constituição Federal que o trabalhador possui direito a férias anuais, com um adicional de um terço sobre o valor do salário normal, como se vê: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; Referido dispositivo é aplicado aos servidores públicos por força de previsão expressa do artigo 39, parágrafo 3º, o qual dispõe o seguinte: Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. (...) § 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. O direito às férias também está previsto na Lei nº. 8.112/90, que dispõe, em seu art. 77, o seguinte: Art. 77. O servidor fará jus a trinta dias de férias, que podem ser acumuladas, até o máximo de dois períodos, no caso de necessidade do serviço, ressalvadas as hipóteses em que haja legislação específica. § 1o Para o primeiro período aquisitivo de férias serão exigidos 12 (doze) meses de exercício. § 2o É vedado levar à conta de férias qualquer falta ao serviço. § 3o As férias poderão ser parceladas em até três etapas, desde que assim requeridas pelo servidor, e no interesse da administração pública. Além disso, é necessário frisar que o servidor faz jus ao adicional de férias, correspondente a 1/3 da remuneração do período de férias, de acordo com o disposto no art. 7º, inciso XVII da Constituição Federal e art. 76 da Lei nº. 8.112/90. Então, além do direito às férias, também está sendo negado à Requerente o direito ao adicional de férias, o que representa prejuízo financeiro concreto e enriquecimento indevido por parte da administração. Como visto, existe previsão constitucional e infraconstitucional sobre o direito às férias remuneradas, sendo direito social, inserido entre as garantias fundamentais, que não pode ser preterido pela vontade do administrador. Eduardo Gabriel Saad, em nota ao artigo 129 1 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, assevera que o direito às férias é irrenunciável, como se vê: 10) A norma legal que garante ao empregado as férias anuais remuneradas é de ordem pública. Por isso, é irrenunciável o direito do assalariado ao repouso anual. A cláusula contratual alusiva a essa renúncia é nula. Interessa à sociedade que o empregado goze de boa saúde, pois, só assim, continuará sendo útil à coletividade e a seu grupo familiar. Desistindo do descanso de 30 dias a cada 12 meses de trabalho para o mesmo empregador, o trabalhador acaba adoecendo e convertendo-se num peso morto no seio da população ativa da Nação. A figura jurídica das “férias”, em qualquer instância profissional, deriva da própria necessidade de manutenção da qualidade do serviço que está sendo prestado, através do descanso daquele que trabalha. Não é outro o ensinamento de Yvelise de Cássia Druziani: “O direito a férias somente foi reconhecido, aos trabalhadores em geral, neste século. O Brasil foi o segundo país, no mundo, a reconhecê-lo, em relação aos servidores públicos, e o sexto a estendê-lo aos trabalhadores comuns. O fundamento da concessão do direito é de ordem física e mental, revelando uma preocupação com a saúde, o descanso e o lazer dos trabalhadores 2 em geral.” Não há, pois, como elidir o direito da Requerente às férias, mesmo quando esteve afastada das atividades do cargo, sobretudo porque o afastamento para pós-graduação é considerado efetivo exercício, para todos os fins, como se verá adiante. 2. 1 Do direito às férias durante o afastamento ou licença para estudo ou capacitação, tendo em vista o caráter de efetivo exercício desse afastamento – previsão expressa do art. 102, I da Lei nº. 8.112/90 Art. 129. Todo empregado terá direito anualmente ao gozo de um período de férias, sem prejuízo da remuneração. 2 O Servidor Público e a Nova Administração Pública Brasileira. Campinas: Copola Livros, 1996. p. 224. Demonstrado o caráter cogente do direito às férias, incumbe evidenciar que o afastamento para qualificação, devidamente autorizado pela instituição e sem prejuízo da remuneração é tido legalmente como efetivo exercício, para todos os fins. Preconiza o artigo 102, I da Lei nº 8.112/90 que: Art. 102. Além das ausências ao serviço previstas no art. 97, são considerados como de efetivo exercício os afastamentos em virtude de: VII - missão ou estudo no exterior, quando autorizado o afastamento, conforme dispuser o regulamento; (...) VIII - licença: (...) e) para capacitação, conforme dispuser o regulamento; Houve, portanto, preocupação especial do legislador estatutário em deixar clara a característica de “efetivo exercício” quando o servidor se afasta das suas funções normais para qualificação. Outra interpretação não poderia haver, pois se trata de uma hipótese de afastamento regular, que atende o interesse da Administração na medida em que estará ocorrendo um ganho para a instituição através da qualificação de seus quadros. Portanto, o que se tem é um direito indisponível, garantido pela Constituição Federal, e que deve ser mantido durante o afastamento para qualificação, uma vez que tal afastamento, para fins legais, não difere da prestação do serviço no local de lotação e no desempenho das atribuições do cargo. Qualquer ato que retire ou restrinja tal direito, por certo fere o ordenamento jurídico pátrio. 3. Da previsão legal referente ao afastamento para qualificação – preservação de todos os direitos inerentes ao cargo Analisando a Lei nº 8.112/90, vislumbra-se, como já demonstrado acima, a existência de previsão relativa a afastamento para estudo no exterior e a licença para capacitação. Ambos os afastamentos estão previstos no RJU, sendo que na ordem dos artigos, o primeiro a aparecer é a licença para capacitação, que está expressa no artigo 87: Art. 87. Após cada qüinqüênio de efetivo exercício, o servidor poderá, no interesse da Administração, afastar-se do exercício do cargo efetivo, com a respectiva remuneração, por até três meses, para participar de curso de capacitação profissional. Já o dispositivo que prevê o afastamento para estudo no exterior é o art. 95: Art. 95. O servidor não poderá ausentar-se do País para estudo ou missão oficial, sem autorização do Presidente da República, Presidente dos Órgãos do Poder Legislativo e Presidente do Supremo Tribunal Federal. § 1o A ausência não excederá a 4 (quatro) anos, e finda a missão ou estudo, somente decorrido igual período, será permitida nova ausência. § 2o Ao servidor beneficiado pelo disposto neste artigo não será concedida exoneração ou licença para tratar de interesse particular antes de decorrido período igual ao do afastamento, ressalvada a hipótese de ressarcimento da despesa havida com seu afastamento. § 3o O disposto neste artigo não se aplica aos servidores da carreira diplomática. § 4o As hipóteses, condições e formas para a autorização de que trata este artigo, inclusive no que se refere à remuneração do servidor, serão disciplinadas em regulamento. A regulamentação do afastamento para qualificação era, inicialmente, dada pelo Decreto nº. 2.794, de 1º de outubro de 1998, que Instituiu a Política Nacional de Capacitação dos Servidores Públicos para a Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional. Atualmente, a Política Nacional de Capacitação é regulada pelo Decreto nº. 5.707, de 23 de fevereiro de 2006, o qual dispõe, em síntese, o seguinte: Art. 9o Considera-se treinamento regularmente instituído qualquer ação de capacitação contemplada no art. 2o, inciso III, deste Decreto. Parágrafo único. Somente serão autorizados os afastamentos para treinamento regularmente instituído quando o horário do evento de capacitação inviabilizar o cumprimento da jornada semanal de trabalho do servidor, observados os seguintes prazos: I - até vinte e quatro meses, para mestrado; II - até quarenta e oito meses, para doutorado; III - até doze meses, para pós-doutorado ou especialização; e IV - até seis meses, para estágio. O artigo acima transcrito faz referência expressa ao que se deve entender por treinamento regularmente instituído, expressão esta que consta do já transcrito artigo 102, do RJU o qual, como se viu, menciona quais afastamentos são considerados efetivo exercício. A leitura conjunta dessas normas elimina qualquer margem de dúvida que poderia haver em relação a necessidade de preservação de todos os direitos do servidor no decorrer do seu afastamento para qualificação. Mesmo assim, não é demais referir que também o artigo art. 47, inciso I do Decreto nº 94.664/87, que regulamenta a Lei nº 7.596/87, que criou a carreira docente nas instituições federais de ensino, expressamente prevê o pagamento, durante o afastamento, de todos os direitos e vantagens que o servidor fizer jus em razão do cargo: Art. 47 – Além dos casos previstos na legislação vigente, o ocupante de cargo ou emprego das carreiras de Magistério e Técnico-Administrativo poderá afastar-se de suas funções, assegurados todos os direitos e vantagens a que fizer jus em razão da atividade docente: I – para aperfeiçoar-se em instituição nacional ou estrangeira; Também a Portaria 475 do MEC, que expede normas complementares para a execução do Decreto nº. 94.664/87, corrobora a necessidade de manutenção de todos os direitos e vantagens inerentes ao cargo efetivo durante o afastamento para qualificação, como se observa no seu art. 31, § 3º: Art. 31. Os afastamentos para os fins previstos no artigo 47 do Anexo ao decreto nº. 94.664/87, serão concedidos à vista do parecer do departamento ou Unidade de Ensino correspondente, no caso do servidor docente, e da unidade de lotação no caso do servidor técnico- administrativo ou técnico-marítimo. (...) § 3º - Durante os períodos de afastamentos de que trata este artigo e seu § 2º, serão assegurados aos docentes e aos servidores técnico-administrativos ou técnico marítimos todos os direitos e vantagens a que fizerem jus em razão do respectivo cargo ou emprego.” Como visto, não há como proceder à leitura restritiva, no sentido de não conceder férias aos servidores que estiverem afastados ou licenciados para capacitação, uma vez que as normas que regulam o afastamento ou licença para capacitação são claras em assegurar a manutenção de todos os direitos e vantagens, cabendo restabelecer o direito da Requerente.