DOMINGO, 15 DE AGOSTO DE 2010 DIÁRIO DO GRANDE ABC SETECIDADES ▼ Usar sacola retornável contribui mais do que assinar manifesto 5 ‘Não adianta culpar os países ricos, o problema também é nosso!’, afirma Waldman Especialista em gestão de lixo, Maurício Waldman lança livro André Vieira H á 11 anos ele abandonou o uso do carro próprio. Desde de 1993, faz a separação do lixo em casa. Na sua cozinha, não entra quase nada de comida pronta. Para adoçar pratos e bebidas, só açúcar orgânico. Quando procura o outro extremo do paladar, vai de sal marinho. O que para muitos poderia ser sacrifício, para Maurício Waldman, um dos mais antigos ambientalistas do Estado, é só hábito, que não tem nada de radical, não soa ecochato e nem de salvador do planeta. “Toda vez que usamos sacola retornável e separamos o lixo para o catador levar, contribuímos bem mais do que assinar manifesto em favor do panda”, simplificou. Autor do livro Lixo: Cenários e Desafios, apresentado oficialmente ontem durante a Bienal Internacional do Livro de São Paulo, Waldman falou ao Diário sobre a ne- André Henriques cessidade cada vez mais urgente de se melhorar a gestão dos recursos sólidos. “O Brasil é 3,06% da população mundial e 3,5% do PIB global. Mas somos, de acordo com estudos, origem de 5,5% ou 6,9% do total mundial do lixo urbano. Não adianta culpar os países ri- cos, o problema também é nosso! Só reduzir, reutilizar e reciclar não serve. É preciso repensar o modelo de consumo”, afirmou. Envolvido com os temas ambientais desde a década de 1970, Waldman enxerga evolução no comportamento da sociedade. Professor realizou trabalhos no Grande ABC ▼ O Grande ABC também é parte da longa da trajetória do professor e pesquisador Maurício Waldman, 44 anos, reconhecido como um dos especialistas mais respeitados quando o assunto é gestão de resíduos sólidos. Nos dois primeiros anos da década de 1990, Waldman foi coordenador de Meio Ambiente em São Bernardo. Em Ribeirão Pires, trabalhou em cursos de capacitação sobre lixo, água e afro-educação. Em 2006, voltou à região, mas dessa vez defendendo tese sobre a gestão dos recursos hídricos, enfocando também os mananciais do Grande ABC, com destaque para a Represa Billings. Waldman é graduado em sociologia, mestre em antropologia e doutor em geografia, todos pela USP (Universidade de São Paulo). Sua atuação profissional está concentrada em três esferas: no ativismo ecológico, na administração pública e no meio acadêmico. Entre atividades realizadas no Brasil e no exterior, Waldman também se destaca pela publicação de livros e consultoria em relações internacionais, religião, topologia, antropologia, cidadania e racismo. Atualmente, Waldman, que foi assessor do histórico ambientalista Chico Mendes, defensor das causas da floresta Amazônica, é pósdoutorando na área dos resíduos sólidos junto ao Instituto de Geociências da Unicamp, onde também é professor da disciplina Geografia da África Negra. POLÍTICA NACIONAL O tema abordado no seu mais recente livro, Lixo: Cenários e Desafio, deverá receber mais atenção dos governos a partir da nova Política Nacional dos Resíduos Sólidos – sancionada pela presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no começo de agosto. Entre outras regras, a norma prevê a extinção dos lixões e o aumento dos índices de reciclagem. AV Contudo, ao mesmo tempo em que mudança aponta uma saída, mostra também como é longo o caminho. “A conscientização cresceu. Muitos setores do empresariado avançaram. Nos anos 1990 se fabricavam 64 latinhas com 1 quilo de alumínio. Hoje, se fabricam 74, um avanço indiscutível.” Longe dos holofotes que iluminam os que vêm a público angariar prestígio divulgando suas ações ambientais, o exército de homens e mulheres que trabalha coletando, separando e transportando o lixo, pode ser marginalizado para muitos, mas é vital para a sobrevivência das cidades, segundo Waldman. “É obrigatório lembrar dos catadores. As pessoas que dizem que a gestão do lixo está um caos não fazem idéia de como as coisas estariam sem o trabalho deles.” Para o especialista, como no título de sua publicação, entender o cenário e o desafio que o lixo apresenta para a qualidade de vida de todos é uma tarefa para Poder Público, indústria e sociedade. “Os segmentos da economia que mais crescem relacionam-se com a preservação ambiental: energia solar, agricultura orgânica e a reciclagem. Apenas atrasados insistem na sacolinha e nos descartáveis. Não existe vida sem mudança.” Mais informações na página 1 de Economia Trechos “Decorrência da manifesta vocação das sociedades humanas para transformar o meio natural, o lixo é indissociável das atividades desenvolvidas pelo homem, tanto no tempo quanto no espaço. Assim sendo, sem que nesta afirmação exista qualquer exagero, já nos primórdios da humanidade o lixo constítuia um foco obrigatório de atenções.” Página 11 “Exibindo nos dias atuais uma performance que a mais audaciosa das profecias jamais ousou vaticinar, pela primeira vez na história o homem se sente ameaçado, no âmago de sua alma, pelo lixo. (...) Tomada de incerteza quanto à sua capacidade de solucionar um problema engendrado, no final das contas, por ela mesma, a sociedade contemporânea tornou-se presa da sensação de impotência em dar conta da questão.” Página 45 “(...) O plástico parece ter invadido todas as redes sociais e econômicas. Até as feiras de rua, bastião de formas tradicionais de aquisição de alimentos, também capitularam diante do material. Atualmente, os fregueses levam junto com suas compras tanto plástico-filme quanto se estivessem retornando de um moderno supermercado. A insidiosa invasão do plástico em todos os espaços planetários tornou-se um descalabro mundial. Objetos feitos com esse material estão boiando em praticamente todas as águas marinhas do globo terrestre.” Página 58 “Em síntese, os almejados ‘R’ de Repensar, Reduzir e Reutilizar, apenas poderão se impor – ombro a ombro com práticas ecológicas efetivas abraçadas pelo conjunto da população – mediante um corpo de leis que imponha ações restritivas, coercitivas e/ou punitivas para o setor produtivo e uma atuação do Estado na qual ele demonstre agilidade e efetivo interesse público em fazer com que sejam cumpridas.” Página 214 ▼ INICIATIVA O lixo de Diadema na Alemanha Ari Paleta Pesquisa de alunas da Unifesp será apresentada em encontro mundial Michelly Cyrillo ▼ Pesquisa realizada por alunas do campus de Diadema da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) será apresentada na Alemanha no próximo mês. O estudo Mapeamento e Caracterização dos Resíduos Sólidos Urbanos do Município de Diadema, elaborado entre janeiro de 2008 e fevereiro de 2009, indicou que metade do lixo produzido na cidade era composto de materiais recicláveis, com potencial de reaproveitamento de aproximadamente 30% dos resíduos gerados. As estudantes Carolina Yume Sawamura Theophilo e Rafaela Andrade foram selecionadas para participar do 3rd World Student Environmental Summit, que será realizado na Universidade de Tubingen, Alemanha, de 20 a 26. Ao todo, serão 80 estudantes de 25 países selecionados pela comissão organizadora do evento com base na indicação de professores e nos projetos de sustentabilidade das instituições. “É uma troca de informação entre os alunos sobre o que os países fazem na área de sustentabilidade e geração de energia alternativa. O projeto foi selecionado e estará exposto. A parte mais importante é a troca de experiência”, comenta Rafaela. Já a estudante Carolina participou de uma segunda etapa deste projeto. “Depois do estudo concluído, aplicamos em aulas de educação ambiental em uma escola municipal de ensino fundamental. As crianças aprenderam e repassaram o conhecimento aos pais.” Na primeira etapa as estudantes foram no lixão analisar a carga de cada caminhão que chegava. O trabalho teve como objetivo conhecer a composição física dos resíduos domicilia- res urbanos para auxiliar no planejamento e na gestão dele no município. Os dados desse estudo também servirão para avaliar a necessidade de ampliação do programa de reciclagem, já implantado em algumas áreas de Diadema, além de servir de apoio para programas de educação ambiental, incentivando o consumo consciente para que a quantidade de lixo gerado seja reduzida, segundo a professora Ivone Silva, coordenadora do projeto. A população produz cerca de 400 ton/dia de resíduos sólidos urbanos. ▲ Carolina, em outra etapa do trabalho, aplicou estudo em alunos da cidade