A ressignificação da individualidade a partir da multiplicidade em Sarah e os anjos Angela Maria Rodrigues Borges1, Salete Rosa Pezzi dos Santos(Colaboradora)2, Tânia Maria Cemin Wagner (Colaboradora)3, Cecil Jeanine Albert Zinani (Orientadora)4 Universidade de Caxias do Sul 1Graduanda do Curso de Letras da Universidade de Caxias do Sul, Bolsista FAPERGS, integrante do projeto de pesquisa Representações de gênero e constituição da identidade feminina na literatura latino-americana 2Doutora em Letras – Literatura Comparada (UFRGS); Professora e Pesquisadora no Departamento de Letras e do Curso de Especialização em Literatura Infanto-Juvenil (UCS) 3 Doutora em Psicologia do Desenvolvimento pela UFRGS; Professora e Pesquisadora no Departamento de Psicologia, Professora e Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Letras e Cultura Regional e do Curso de Pós-Graduação Lato sensu Especialização em Literatura Infanto-Juvenil (UCS) 4 Doutora em Letras – Literatura Comparada (UFRGS; Professora e Pesquisadora no Departamento de Letras e no Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Letras e Cultura Regional, Coordenadora do Curso de Especialização em Literatura Infanto-Juvenil (UCS) Resumo O objetivo do projeto de pesquisa Representações de gênero e constituição da identidade feminina na literatura latino-americana é investigar a problematização da constituição da identidade feminina, evidenciada na produção literária de escritoras latino-americanas contemporâneas, à medida que questiona o discurso hegemônico tradicional. Após a conclusão da primeira etapa do estudo, composta da revisão bibliográfica baseada nos conceitos provenientes dos estudos culturais acerca de gênero, teoria pós-colonial, regionalidade e, sobretudo, teoria psicanalítica, inicia-se a segunda fase, na qual se pretende investigar a obra Sarah e os anjos, de Patricia Bins, terceiro volume da Trilogia da Paixão, composta, ainda, pelas obras Pele nua do espelho (1989) e Theodora (1991). Ao analisar as variações do foco narrativo dentro da obra, observam-se conflitos de idéias e de sentimentos. O texto é composto por uma pluralidade de vozes, estimulando o leitor à reflexão sobre a condição humana/feminina e de possibilidades sobre a constituição da identidade feminina enquanto tal. A psicanálise será evocada na tentativa de compreender e interpretar a figura feminina, especificamente relacionada aos comportamentos e papéis, culturalmente, considerados apropriados para ela. A multiplicidade de personalidades encontradas na obra organiza uma ressignificação da individualidade da personagem principal. Um possível objetivo de Sarah seria refletir acerca da construção da individualidade no encontro com as várias personagens que a circundam. Introdução A personagem principal se apresenta com uma postura ativa frente às diferentes situações, expressando seu desejo com todas as suas potencialidades/capacidades, procurando refletir e compreender sua própria individualidade. Quem sabe não se trata de uma mulher que, em um momento de sua vida, encontra-se com dificuldades em relação a sua identidade, uma vez que não se identifica com a função materna, nem com o exercício profissional. Os aspectos psicológicos e sociais particularizam a narrativa, tendo em vista que ocorre uma alternância do foco narrativo, de modo que, no decorrer do texto, a percepção da individualidade é descrita e pautada nas especificidades das experiências das personagens entre si. A narrativa inicia in media res, com a cena do casamento de Sarah, que é melhor abordado no último capítulo, apresentando a descrição da instituição onde ela está internada e como são as pessoas que vivem lá. Metodologia O suporte epistemológico para este estudo fundamenta-se em: estudos culturais de gênero e teoria psicanalítica. Na primeira etapa, foi produzida pesquisa bibliográfica, no sentido de fundamentar as teorias utilizadas, a fim de dar sustentação à análise da obra Sarah e os anjos, de Patricia Bins. Já, na segunda fase, foi realizada a leitura e a análise da narrativa, procurando identificar, com base nos textos teóricos da estrutura do foco narrativo e nas teorias da psicanálise, o processo de representação das múltiplas personalidades da personagem-título, significando a busca por uma individualidade. Resultados O foco narrativo e a psicanálise podem ser percebidos enquanto agentes condutores de obra Sarah e os anjos, a qual retrata as experiências de Sarah, após oito anos de internação em um sanatório. Os anjos podem ser compreendidos enquanto representantes de várias personagens significativas para Sarah, inclusive seus dois cachorros: Raphael e Gabriel que, por concessão do diretor, puderam permanecer com ela. Considera-se psicótica, sem cura, e tem consciência das suas múltiplas personalidades, tentando conviver da melhor maneira possível com todas elas, ressignificando a sua individualidade. Sarah é plural, múltipla, vivendo a partir de identificações com pessoas com as quais teve algum tipo de relacionamento, como, por exemplo, David (o pai), Daisy (a mãe), Jonas (o marido), Hannah (a filha), Ida (a irmã) e Eva (babá e também a atendente do sanatório, ambas com função cuidadora). No total são oito personagens, número que pode estar representando o infinito e que é repetido inúmeras vezes durante toda a obra, podendo-se pensar em eterno começo/recomeço. Uma das considerações possíveis de fazer é a de entender Sarah como narradora intradiegética, ou seja, segundo os conceitos de narrador-personagem contidos em D'onofrio (2004, p. 64), personagem que, dentro do texto, assume o papel de narrador, algumas vezes contando a sua própria história e outras vezes assumindo os papéis de suas outras “personalidades”, a partir da sua percepção. Outra consideração possível, ainda segundo a teoria de D'onofrio, seria a de termos um narrador extradiegético, em que o papel de narrador não é exercido por nenhuma personagem: o sujeito do discurso está oculto, sendo apenas pressuposto, em que pese a presença de alguns elementos do aparelho formal de enunciação que revelam a participação ideológica do “autorimplícito”. Isso nos remete a Patrícia Bins como narradora-autora em várias passagens do romance. A autora realiza uma confraternização – casamento de Sarah, convidando todas as personagens de sua trilogia, vestidas em trajes de anjos, o que pode ser entendido como um ponto final das três obras, mas não necessariamente das histórias. O livro encerra-se nessa festa de casamento, de forma a indicar certa alusão a uma possível integração de suas várias partes projetadas nas diferentes personagens ao longo da trajetória percorrida pela protagonista. Conclusão Na conclusão deste estudo, pode-se considerar que a psicanálise subsidiou as análises acerca de uma personalidade dita patológica, referente à personagem principal. A obra demonstra constante ressignificação da identidade da protagonista, a partir de identificações/projeções com as diferentes personagens, vivenciando múltiplas personalidades. Algumas reflexões em relação à alternância do narrador e da psicanálise aqui expostas serão posteriormente melhor aprofundadas. Analisar a obra de uma autora contemporânea, como Patricia Bins, revela-se um exercício desafiador, na medida que dificulta/instiga algumas reflexões em função da alternância do narrador. Referências BINS, Patricia. Sarah e os anjos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993. D'ONOFRIO, Salvatore. Teoria do texto. 2. ed. São Paulo: Ática, 2004.