Engenho cénico
do Trigo Limpo
teatro ACERT
sobrevoará o Mundo
O sonho, já dizia o poeta,
é uma constante da vida.
A Companhia teatral portuguesa
sonhou… e eis senão quando,
fazendo jus às palavras
de António Gedeão,
levantou voo um
“bichinho álacre e sedento
de focinho pontiagudo”…
O sonho, já dizia o poeta, é uma
constante da vida. A Companhia
teatral da Associação Cultural e
Recreativa de Tondela (ACERT)
sonhou… e eis senão quando,
fazendo jus às palavras de António Gedeão, levantou voo um
“bichinho álacre e sedento de
focinho pontiagudo”…
Descolagem: A arte “saiu à rua num dia assim(…)”
1
Prestes, larguei a vela
José Afonso
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura…
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
Voos cruzados
Miguel Torga, Viagem
Será um avião? Será um pássaro? E,
neste último caso, teremos um corvo, um pavão, uma pomba da paz,
um dragão ou mesmo um ser humano? Independentemente da sua forma,
Embora o Golpe d’Asa só tenha levantado voo em 2008, já desde a sua criação, em 1976, que o TRIGO LIMPO teatro ACERT faz a cultura voar de boca
em boca. Toda a sua história, ou melhor,
as suas estórias, são perpassadas por
uma busca de estratégias de comunicação e de intermediação com o público. Esta vertente de actuação comunitária encontra, pois, expressão
numa mão-cheia de actividades, valendo a Queima
e Rebentamento do
Judas, iniciada em
1986 e anualmente
revisitada, como um
poderoso símbolo
dessas saborosas
partilhas artísticas.
A par deste grandioso espectáculo,
muitos outros projectos: Os Cavaleiros,
de Aristófanes (1990);
Brincando com o Fogo, de
José Rui Martins (1993); Faldum, de
Herman Hesse (1996); Augaciar, de
Carlos Santiago e José Rui Martins
(1999); Transviriato, de Jaime Rocha
(2001); Num Abril e Fechar d’Olhos, uma
co-produção com Teatrosfera e encenação de José Rui Martins (2004); ou Em
Paz, de Aristófanes (2006) – encheram
de arte os cantos, recantos e encantos
de Portugal e do mundo.
Porém, o ponto alto deste esforço de
abertura à comunidade e apelo à participação cidadã ocorreu quando, numa
bela tarde estival pouco antes da viragem do milénio, um ciclista chamado
Caramulo pedalou sem parar no desfile diário da “Peregrinação”
na Expo 98, seguindo,
dois anos mais tarde,
para a Expo Hanover
2000. Tratava-se de
um brinquedo tradicional agigantado
que, transformado
na máquina de cena
“Memoriar”, marcou
de forma ímpar o panorama nacional com
a sua mui bicicletante arte. Apesar de hoje
desfrutar do seu merecido descanso num jardim de
Tondela, este desportista único deu azo
(e, sobretudo, asas!) ao desejo de uma
viagem aérea capaz de prolongar afectos e diálogos com o público.
Chocámos, assim, um outro elemento fortemente enraizado no imaginário
popular – o passarinho – que, tal como
o Caramulo, representa muito mais do
que um objecto de madeira de enormes
dimensões: por terra ou por ar, ambos
os engenhos se alimentam de uma pedalada transbordante de energias artísticas, sem recorrer a outro tipo de combustível que não o sonho de quem lhes
deu vida. Deste modo, à semelhança do
que acontecera com o seu antecessor,
o Golpe tornou-se um namoro criativo
acicatado pelas criações do nosso imaginário, para o qual arrastámos, de imediato, a asa. E então a ave – tal como a
arte – saiu à rua, onde actualmente permanece, pronta a encantar os que…
… não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
António Gedeão, Pedra Filosofal
estamos sem dúvida na presença de
uma ave rara, que abana as asas pela
transmissão do movimento das rodas e
vai sofrendo modificações parciais ao
longo do percurso. Estas metamorfoses
artísticas inscrevem o Golpe d’Asa no
contexto experimentalista que, hoje e
sempre, se assume como o cartão-devisita do TRIGO LIMPO teatro ACERT.
Com efeito, a Companhia não se restringe à mera reprodução de rituais e
tradições antigas, no sentido de garantir a sua continuidade, mas transporta
essas impressões digitais da cultura local para a contemporaneidade, fornecendo-lhes uma roupagem mais arrojada e permeável aos principais debates
Escola Superior
de Tecnologia de Viseu
hodiernos. À luz desta readaptação, as
típicas Festas de Santo António, espelho fiel das gentes e dos hábitos populares, deram lugar aos modernos Tons de
Festa – Festival de Músicas do Mundo,
enquanto o Judas primordial acabou
por levantar fervura num caldeirão de
dança, música e fogo-de-artifício, temperado com mensagens sociopolíticas
e ideológicas.
Este sentido de inovação, alicerçado
na conjugação multidisciplinar das artes do espectáculo, já estivera presente na bagagem do ciclista Caramulo,
que mesclou os sinais regionais (o dialecto de Molelos) com uma reinvenção
de influências musicais, estéticas e cenográficas. Por seu turno, o nosso jovem passarinho vai esboçando trajectos
horizontais, planados, descendentes e,
sobretudo, ascendentes e desafiadores:
A Escola Superior de Tecnologia de Viseu, tendo estatutariamente assumida como uma das suas
missões a cooperação com a sociedade empresarial
e cultural, decidiu ser parceira da Acert no desenvolvimento do Protótipo Golpe d’Asa.
Esta cooperação foi enquadrada por um protocolo
de parceria entre a ESTV e a ACERT salvagardando assim como principal objectivo a valorização dos
docentes, investigadores e alunos desta instituição;
Assim, a encargo da ESTV ficou a elaboração dos
estudos técnicos, a planificação e monitorização de
produção e montagem final no Laboratorio de Tecnologia de Madeiras.
Os estudos, planificação e montagem final foram
desenvolvidos e aplicados pelo ProtLab – Departamento de Engenharia de Madeiras, com a colaboração do Departamento de Engenharia Mecânica
um voo cruzado onde confluem as mais
variadas linhas artísticas, entretecidas
por animadores, actores e compositores. Não existem, portanto, frontei-
ras, numa criação em que a madeira casa com o ferro, o mecânico é o
escultor/cenógrafo da engrenagem
e a solda o parafuso luminoso. As artes movem-se ao ritmo de um grupo de
aves esvoaçando ao vento: cada uma
com o seu potencial e existência própria, mas bem coordenadas e articuladas num só bando harmonioso.
Difícil é quebrar os muros invisíveis de
que os reais são feitos.
Eduardo Lourenço
no desenvolvimento da estrutura metálica, tendo a
coordenação dos trabalhos ficado a cargo do Técnico do Laboratório de Maquetes e Protótipos, Pedro Pais de Brito.
Elementos da ESTV, envolvidos no projecto:
Adelino Trindade; Ângela Neves; António
Costa; Bruno Esteves; Carlos Chaves da
Silva; Carlos Santos; Carlos Vieira da Silva;
Cristina Coelho; Daniel Gaspar; Edmundo
Marques; Fernando Silva; Filipe Amaral;
Hugo Ferreira; João Luís Pereira; Jorge
Martins; José Salgueiro Marques; Marcelo
Oliveira; Nelson Santos; Nuno Garrido; Paulo Figueiredo; Pedro Pais de Brito
Ficha Artística e Técnica
Dramaturgia e Encenação
José Rui Martins e Pompeu José
Direcção de Construção
Pompeu José
Pedro Pais de Brito (Desenvolvimento e Produção)
Elenco Trigo Limpo teatro Acert
Actores - Ilda Teixeira e Ruy Malheiro
Técnico/Condutor/Actor - Cajó Viegas
Fanfarra Kaustika Músicos/Actores:
Abílio Liberal – Sousafone
Brian Carvalho - Trompete
Bruno Abel - Saxofone
Gabriel Caseiro - Bombo
Júlio Morgado – Trombone
Ricardo Oliveira – Tarola e Pratos
Rui Bandeira - Trombone
Tito Oliveira - Tuba
Apoio técnico e acompanhamento de
montagem
André Silva (Néné); Eduardo Araújo; Ilda
Teixeira; João Arede; Jorge Almeida; José
Ernesto; José Rosa; Luís Viegas; Marta
Fernandes da Silva; Miguel Torres; Pedro
Santos; Paulo Neto; Rui Ribeiro; Ruy Malheiro; Sandra Santos; Sérgio Moras;
Entidades que colaboraram na construção
Eixo: J. Tavares Costa & Filhos, S.A.
Falanges: Garagem S.ta Maria
Hidráulicos: Tojaltec
Oxicorte e calandragem: Calandra Basílio
Tondeltorno, Lda.
Desenho Gráfico
Zétavares
Fotografia
Eduardo Araújo
Cenografia
Zétavares
Vídeo
Zito Marques
Assistência de Cenografia e Coordenação
Plástica
Marta Fernandes da Silva
Textos – criação e revisão
Ana Martins e José Rui Martins
Música
Fran Pérez
Figurinos
Concepção e realização em colaboração
com o CEARTE – Centro de Formação
Profissional do Artesanato - Coimbra, sob a
direcção de Filipe Faísca.
Coordenação de Curso - Alzira Ferreira.
Orientação – Filipe Faísca (estilista)
Acompanhamento de produção
Ruy Malheiro
Confecção dos fatos dos músicos
Swetelana
Estudo técnico e construção em madeira
ESTV - Escola Superior de Tecnologia de
Viseu
Coordenador – Pedro Pais de Brito
Construção em metal
Tondagro
José Carlos Coimbra; Amândio Silva; Carlos
Henriques; Eduardo Vilareto; Hilário Vieira;
Jorge Almeida;
Tradução para espanhol
Pepe Sendón
Produção e Secretariado
Marta Costa, Paula Coelho e Raquel Costa
Gestão Financeira
Rosa Marques e Rui Vale
Estagiários da Escola Profissional Mariana Seixas
João Pedro Gonçalves; Eduardo José Faro;
Rui Sérgio Lemos Henriques
TRIGO LIMPO teatro ACERT
é uma Companhia financiada por:
Patrocinador Exclusivo
ARPT Centro de Portugal
Casa Amarela - Largo de Santa Cristina
3500 - 181 Viseu
Tel: +351 232 432 032 | Fax: +351 232 432 030
[email protected] | www.visitcentro.com
www.centrodeportugal.blogspot.com
Centro de Formação Profissional
do Artesanato – Coimbra
Este projecto contou com a activa colaboração
do CEARTE – Centro de Formação Profissional do Artesanato que, planificou e desenvolveu
acções de formação específicas que possibilitaram a concepção e execução dos figurinos do
espectáculo “Golpe d’Asa”.
Numa primeira fase, os figurinos foram concebidos no âmbito do curso de “Artes Cénicas –
Criação de Figurinos”, da responsabilidade do
CEARTE, orientado pelo estilista Filipe Faísca
e no qual participaram treze formandos. Foram
estes que, em 56 horas de formação desenvolveram a proposta final dos modelos a executar.
Numa segunda fase, o CEARTE planificou uma
acção de formação de 100 horas em “Técnicas de
Modelação e Confecção de Figurinos”, orientada
pela formadora Sandra Moura dos Santos. Este
curso foi frequentado por oito profissionais da
área da moda e confecção têxtil que, durante a
formação, desenvolveram competências técnicas
ao nível da construção de figurinos, com a mais
valia de ter como pano de fundo a inspiração
temática deste espectáculo.
A parceria do CEARTE com a companhia de
Teatro Trigo Limpo ACERT, para além de tornar possível a concretização de todo este projecto, justifica-se pela qualidade e pioneirismo da
formação ministrada por este Centro na área das
artes e ofícios e, neste caso específico, das artes
cénicas. Esta feliz e útil parceria representa um
exemplo e um estímulo para muitas outras a desenvolver no futuro
CEARTE, Junho 2008
Estagiários da Escola Superior de Educação de Viseu
Daniela Leitão; Jenifer Marques
Agradecimentos
Bombeiros Voluntários de Tondela, Escola
EB 1 e 2 de Tondela, Guarda Nacional Republicana - Tondela, Adriana Ventura, Carlos
Armando, Carlos Fernandes, Cláudia Barato,
Irene Pais, João Gil, José Carlos Coimbra,
Luís Correia, Miguel Valentim, Paula Cristina,
Rita Costa, funcionários do Estaleiro da Câmara
Municipal de Tondela e a todos os que, de forma anónima, voluntária e solidária, entregaram
o seu talento e empenhamento nas fases de
pesquisa, estudos e criação do engenho cénico.
78ª Producción
TRIGO LIMPO teatro ACERT
Participação EXPO ZARAGOZA 2008
Programação cultural do Dia de Portugal
Comissariado de Portugal – Parque Expo
CEARTE vestiu
Golpe D’Asa
Figurinos: Concepção e realização em colaboração com o CEARTE – Centro de Formação Profissional do Artesanato - Coimbra, sob a direcção de
Filipe Faísca (estilista)
Coordenação de Curso - Alzira Ferreira
Orientação – Filipe Faísca (estilista)
Curso de Artes Cénicas – Criação de Figurinos;
Formador: Filipe Faísca
Alexandra Cristina da Costa Matos; Alexandra Maria de Melo Barreto Monteiro; Ana Margarida dos
Santos Fernandes; Ana Maria Marques Loureiro;
Estela Maria de Abreu Ribeiro de Melo; Fernanda
Maria Gonzaga Tomás; Iria Kovacs; João Pedro
Serafino de Deus Amaral; Maria do Rosário Rocha
Pereira; Maria Manuela Braz Brito Ferreira ; Maria
Margarida Alves dos Santos; Paula Cristina de
Sousa Manhente; Silvania Valéria da Silva
Curso de Técnicas de Modelação e Confecção de
Figurinos; Formador: Sandra Moura dos Santos
Cidália Maria Salgado Alves da Cruz ; Esperança
Maria Dias dos Santos; Gracinda Fernandes de
Moura Nunes; Maria Ascenção Farinha Lopes Camacho; Maria Cristina Costa da Câmara Pestana;
Maria José da Silva Brito; Maria Salomé Ferreira
Forte; Rui Jorge Borges Campeão dos Ramos;
Um pássaro,
muitas penas
dade local. Aqui e ali debicam-se parcerias com associações, organizações públicas, empresas e marcas, sob o pano
de fundo de uma forte intervenção comunitária.
Nesta linha de pensamento, eis um somatório de talentos: Escola Superior de
Tecnologia de Viseu, Tondagro, CEART
e inúmeras empresas regionais e colaboradores associados da ACERT. Todos
acrescentaram, através da construção
e pesquisa dos melhores mecanismos,
diversas penas coloridas ao nosso passarinho, para que este aguentasse voos
longínquos e seguros.
Realizaram-se, além disso, parcerias
com diversas entidades locais (particularmente, com a Câmara Municipal
de Tondela) e organizações ligadas à
promoção turística regional (Portugal
Centro), mediante as quais se potenciaram valências concentradas no engenho cénico. Por fim, subjacente a todo
este processo, esteve naturalmente o
incontornável papel do Ministério da
Cultura, ou não fosse o organismo governamental que maior apoio concede
à actividade global do TRIGO LIMPO
teatro ACERT.
Se esta ave valeu pelo desafio artístico para a Companhia ACERTina, teve
igualmente a virtude de juntar um conjunto de progenitores (animadores,
actores, músicos, construtores, escritores, mecânicos, engenheiros,
serralheiros, carpinteiros e muitos colaboradores voluntários) que,
ao longo da gestação,
gravidez e parto, procuraram mimá-la e educá-la
a cada momento.
Depois de sobrevoar a Expo Zaragoza
2008, na sequência de um convite
do Comissariado de Portugal para
integrar a embaixada artística nacional, é favor apertar os cintos de
segurança, porque o passarinho se
prepara para aterrar noutras paragens. Antes da partida para
todos os ninhos de todos os países
que acolham a vontade de viajar até
ao infinito, em jornadas sempre atribuladas no grande aviário do mundo. Um périplo onde, numa roda-viva,
Repleto de amizades
e cumplicidades coroadas pelo encantamento de artistas
e pelo empenho
voluntário de activistas culturais,
o ninho da ACERT
abre-se à comuni-
Futuras
aterragens
Espanha, um ensaio de
vôo ainda em Viseu,
na ESTV, e uma
despedida simbólica com
o público
de Tondela
na antestreia de 5
de Julho,
seguindo depois
para o encerramento
do Festival
Andanças,
em Agosto —
num espectáculo que tem o apoio
da Região de Turismo
Dão Lafões. Neste espectáculo, que será a sua primeira
apresentação nacional, partilhará com
certeza um Golpe de satisfação com todos os companheiros que dançam, tocam e festejam a vida. Mas como lon-
ga é a migração de qualquer ave que
se preze, que a aguardem também
pode haver medos e hesitações antes
da celebração da grande festa, mas
que serão certamente dissipados quando os viajantes aprenderem
a deixar planar a
vida e a ver, na
linha do horizonte, qualquer coisa
inatingível... ou
quase…
Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
(…)
Mário de Sá-Carneiro, Quase
uma história de AVEnturas
Desenganem-se os que esperam
descobrir, por entre as camadas de
penas do nosso passaroco, a resposta àquela redondinha questão,
quase tão velha como o mundo:
quem nasceu primeiro foi o ovo ou
a galinha? Pois bem: permanecemos
na incógnita! Contudo, mesmo desconhecendo qual dos dois inaugurou o
ciclo da vida, sabemos que o nosso
animal teve origem no ovário da rica
inventiva popular. Aí se aconchegou,
embebido num líquido amniótico imaginativo destinado a conservá-lo durante a incubação.
Com tão intensos cuidados pré-natais, não é de estranhar que o bicho
tenha desenvolvido um especial gosto
por estórias, um sentido de aventura e
uma sede de descoberta. Um pássa-
ro inerte encontrado por um grupo
de animadores, uma avalanche de
ovos em catadupa, as estações do
ano, a festa, a viagem errática, a
normalidade e o andamento – todos estes ingredientes se escondem debaixo da asa do nosso protagonista.
(…) eu, que nunca voei, carrego as asas
como duas saudades. E, no entanto, só
piso felicidades.
Mia Couto, (Moçambique)
O Último Voo do Flamingo
O itinerário pauta-se ainda por uma
dramaturgia insuflada de referências
simbólicas a um passado partilhado
por todos. Por um lado, o enredo simples, do namoro ao ovo – ou do nascimento à cova – deixa entrever o bíblico
dilúvio que precedeu a construção da
arca de Noé, para o transformar numa
fonte purificadora que evoca a nossa
relação ancestral com a água. Por outro, o percurso alado parece evocar o
universo fantástico da ‘Passarola’ de
Bartolomeu de Gusmão, que nos confronta com a eterna (im)possibilidade
de voar. Perante este limite da condição humana, a asa representa, mais
do que um mero apêndice membranoso passível de projectar as aves nos
céus, uma utopia, uma meta impossível. A ornitologia é uma ciência; o voo
é um mistério…
Aproxima-se também um padre jesuíta
chamado Bartolomeu que inventou uma
máquina capaz de subir ao céu e voar
sem outro combustível que não seja a
vontade humana, essa que, segundo se
vem dizendo, tudo pode, mas que não
pôde, ou não soube, ou não quis, até
hoje, ser o sol e a lua da simples bondade ou do ainda mais simples respeito.
Contacto (informação e contratação)
TRIGO LIMPO teatro ACERT
Ap. 118; 3461-909 Tondela
Portugal
tel. + 351 232 814400
[email protected]
www.acert.pt
José Saramago, (Portugal)
Discurso na entrega do Prémio
Nobel
A alusão a estes períodos históricos,
revisitados por serem épocas em que
todos sonhavam levantar os pés do
chão, não invalida, contudo, que o
Golpe d’Asa pisque o olho ao tempo
presente. Se as interpretações – ainda
que em ambiente colorido – remetem
para o cinema a preto-e-branco (com a
devida vénia a Chaplin, Buster Keaton
e aos Irmãos Marx), a música singular
(mistura de ritmos do mundo com a ressonância do ‘rouxinol d’água’ em barro)
imprime ao engenho cénico um pulsar
de movimento, comunicação, medo,
espanto, sedução… enfim, de celebração da vida. O imaginário cultural do
pássaro reflecte, desta forma, uma
profunda ligação com a contemporaneidade, explorando a dialéctica
da relação do homem com a natureza, sem perder de vista um futuro
centrado na preservação dos recursos naturais, na paz, na igualdade e
na diversidade.
Eu só tenho existência... física, embora
quisesse ter uma espécie de existência
angélica. O que eu queria mesmo era
voar, voar!
Ruben Alves (Brasil)
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Jornal Golpe D`Asa (versão em português)