XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" CAPITAL SOCIAL E A DINÂMICA DO DESENVOLVIMENTO COLONIZAÇÃO ALEMÃ NA REGIÃO CENTRAL DO RIO GRANDE DO SUL - JOSÉ MARCOS FROËHLICH (1) ; EVERTON LAZAZARETTI PICOLOTTO (2) ; HEBER RODRIGUES DA SILVA (3) ; MATHEUS ALEGRETTI OLIVEIRA (4) . 1,3,4.UFSM, SANTA MARIA, RS, BRASIL; 2.CPDA/UFRRJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. [email protected] APRESENTAÇÃO ORAL DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E RURALIDADE CAPITAL SOCIAL E A DINÂMICA DO DESENVOLVIMENTO – A COLONIZAÇÃO ALEMÃ NA REGIÃO CENTRAL DO RIO GRANDE DO SUL Social capital and the dynamics of development – The German colonizing in the central area of Rio Grande do Sul. Grupo de Pesquisa: Desenvolvimento territorial e ruralidade Resumo O presente trabalho objetivou levantar aspectos históricos da colonização alemã na região central do RS que foram fatores importantes para a sua consolidação e contribuição ao desenvolvimento regional. As informações foram obtidas através de pesquisas bibliográficas, documentais e relatos orais a partir de entrevistas não padronizadas com vinte produtores rurais descendentes de imigrantes germânicos. Após o estabelecimento dos colonos alemães na região central do RS, verificou-se que as inovações conduzidas por eles no espaço rural e na agricultura resultaram numa rápida consolidação econômica, impulsionando novas condições sociais que atenderam às intenções do governo da época e também as suas próprias aspirações. Com o dinamismo da agricultura colonial logo surgiram as agroindústrias e associações de produtores, bem como se difundiu no tecido social os valores culturais e religiosos dos colonos, consolidando a colonização alemã na região central do RS. Ressalta-se neste processo a religiosidade ancorada no protestantismo luterano e a origem diversificada de muitos imigrantes, oriundos de centros urbanos e com habilidades técnicas e culturais amplas, o que favoreceu o desenvolvimento tecnológico e o 1 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" estabelecimento de redes de sociabilidade, constituindo desde logo capital social favorável ao desenvolvimento regional. Palavras-chaves: colonização desenvolvimento territorial alemã; capital social; desenvolvimento regional; Abstract The present work had the aim to search for historical aspects of the German colonizing in the central area of Rio Grande do Sul which were important for the consolidation of the state and contributed to the development of the region. The data was obtained through bibliographic and documental research and from oral narratives and non-standardized interviews with twenty rural producers of German descent. It was verified that the changes conducted by the German colonizers in the rural area and in agriculture after they settled downin the central area of Rio Grande do Sul resulted in a fast economic consolidation and brought up´new social conditions which responded to the intentions of the government at the time, as well as their own aspirations. As the agriculture at the colonial period was very dinamic soon appeared the agronomic industries and the associations of rural producers. On the other hand, the social and religious beliefs of the colonizers were disseminated in he society, contributing to the consolidation of the German colonizing in the central area of Rio Grande do Sul. The religious faith based on the protestantism of Luthero and the diversified origin of many of the immigrants stand out in this process. Many of them came from urban centers and had wide technical and cultural habilities and this contributed to the technological development of the area and helped to establish social nets which worked as social capital and favoured the development of the region. Key Words: German colonizing; social capital; development of the territory 1. INTRODUÇÃO Embora a imigração européia para o Brasil Meridional, especificamente para o Rio Grande do Sul (RS), já viesse ocorrendo desde os primeiros séculos de ocupação da América1, o fluxo mais intensivo de imigrantes de origem européia para o Rio Grande do Sul se insere no fenômeno das migrações transoceânicas entre a Europa e o Brasil no século XIX. Conforme Pesavento (2002), a imigração é um processo que se insere na dinâmica de desenvolvimento do capitalismo na medida em que se formou, em determinadas nações européias, um excedente populacional que, sem terra e sem trabalho, convertia-se em foco de tensão social e que necessitava ser instalado em outros países que oferecessem, além da terra, condições de reprodução social a esta população sobrante. O fenômeno da imigração, no Brasil, vincula-se ao momento histórico em que se dá, no âmbito nacional, a transição das relações escravistas para as relações assalariadas. Além disso, segundo o próprio discurso oficial da época, a introdução do imigrante europeu alemão no RS teve como objetivo superar a agricultura praticada pelos caboclos, pois a carência de produção de excedentes agropecuários para abastecer os núcleos urbanos 1 Imigração que contava principalmente com elementos humanos provenientes das áreas de domínio dos impérios de Portugal e Espanha. 2 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" era uma situação que obrigava o Estado a incentivar a implantação de colônias para produção diversificada de excedentes, o que na concepção corrente da época só poderia ser feito pelos colonos europeus2. Sendo assim, foram instaladas colônias de imigrantes alemães em regiões “desabitadas” consideradas estratégicas, como em São Leopoldo próximo a Porto Alegre - e na região central do Estado do RS. A criação da Colônia Oficial de Santo Ângelo, atuais municípios de Agudo, Paraíso do Sul, parte de Dona Francisca e Cachoeira do Sul (Região Central do RS), constituiu-se em um resultado concreto das aspirações do governo provincial em estabelecer um núcleo de produção agrícola nesta região, até então desprezada pelos criadores de gado por ser uma região de banhados, matas fechadas e montanhas. A vinda de imigrantes alemães, por motivos múltiplos, trouxe inovações à paisagem agrária da região central do Rio Grande do Sul, onde, anteriormente, predominavam as criações animais em larga escala. O estabelecimento dos colonos germânicos propiciou, de um lado, a implantação de novas culturas agrícolas, técnicas diferenciadas de manejo de solo e planta, e o nascimento de um formato de organização comunitária e de agricultura de base familiar até então pouco conhecidos e praticados nesta região. De outro lado, os imigrantes alemães, ao contrário do que almejavam as autoridades da época, não se constituíam somente de agricultores. Existiam dentre os imigrantes várias profissões, desde carpinteiros, marceneiros e ferreiros, até comerciantes, professores e artistas. Estes diferentes profissionais vinham para a América para melhorarem de vida e apesar de terem sido obrigados a dedicarem-se inicialmente a atividades agrícolas, muitos logo passaram a desenvolver outras atividades nas colônias ou nas cidades próximas. Com o desenvolvimento da produção agrícola das colônias, novas oportunidades se abriam para comerciantes, artistas, professores, entre outros profissionais, transformando as colônias e as cidades fundadas pelos alemães em pólos dinâmicos de desenvolvimento. Outro fator de destaque que a implantação das colônias germânicas no RS possibilitou foi a introdução do protestantismo luterano e a sua carga cultural em um meio de catolicismo predominante. Estas inovações trazidas pelos imigrantes germânicos logo geraram mudanças na economia e na vida cultural da região central gaúcha, gerando certo dinamismo econômico e fortalecimento da organização social, o que tornou possível o desenvolvimento da colônia e sua integração na economia do Estado. Cabe questionar quais os fatores que possibilitaram o desenvolvimento das colônias alemãs em regiões desprezadas pelos primeiros colonizadores (portugueses). O processo de desenvolvimento da colônia de Santo Ângelo pode fornecer alguns indicativos a esta questão. E o conceito de capital social pode auxiliar nesta investigação, tendo em vista que estudos feitos em outras regiões do mundo e do Brasil3 mostram que a aplicação da noção 2 De acordo com Roche (1969), a imigração no RS teve duas fases. A primeira, que contou com a entrada de imigrantes de origem alemã, vai de 1824 a 1845, ficou a cargo do governo Imperial. Nesta fase se verificou um período de escassez de entrada de imigrantes, tendo como causas a falta de dinheiro para pagamento das despesas de transporte e as crises políticas decorrentes da renúncia de D. Pedro I e da Regência, além da deflagração da Revolução Farroupilha em 1835, que opôs a Província ao governo Imperial. A segunda, que vai de 1845 a 1889, marcou o início da colonização provincial e privada que não tinha ocorrido antes por falta de recursos. 3 Putnam (1996) cita exemplos que vão desde uma aldeia Ibo na Nigéria até os fundos rotativos animados por certas organizações internacionais de desenvolvimento (passando pelas regiões “cívicas” do Norte da Itália, a 3 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" de capital social pode ajudar a desvendar processos de desenvolvimento de territórios específicos, onde estão envolvidos elementos materiais e culturais próprios. Este trabalho teve por objetivo investigar como ocorreu a implantação e que fatores foram importantes para a consolidação e o desenvolvimento da colônia de Santo Ângelo, na região central do RS. Adotou-se como referencial metodológico os princípios da pesquisa qualitativa, a qual envolveu, inicialmente, levantamento bibliográfico, fotográfico e documental, onde foram analisadas as causas da imigração alemã na região central do RS e, também, a potencialidade da mesma antes da chegada dos imigrantes germânicos, região habitada, até então, por nativos locais, negros cativos e primeiros colonizadores europeus. A coleta de dados foi realizada no verão do ano de 2006, no município de Agudo, parte da antiga Colônia Santo Ângelo. Os dados foram coletados mediante entrevistas não-padronizadas realizadas com vinte produtores, a título de informantes qualificados, todos descendentes germânicos com mais de 50 anos, oriundos de diversas regiões da Alemanha. As entrevistas tiveram como base a tradição oral, onde houve a busca do conhecimento e confirmação dos fatos que marcaram o estabelecimento do povo germânico na nova terra e o que ali se desenvolveu, delineando um novo modelo de vida rural, social, econômica e cultural no centro do estado do Rio Grande do Sul. O artigo está estruturado em duas partes: a primeira trata da formação e do desenvolvimento da colônia de Santo Ângelo até sua extinção e formação dos atuais municípios de Agudo, Paraíso do Sul, parte de Dona Francisca e Cachoeira do Sul; e a segunda parte, trata propriamente da análise do processo de desenvolvimento da colônia segundo a luz da noção de capital social. 2. FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA COLÔNIA DE SANTO ÂNGELO Em novembro de 1857 desembarcaram na margem esquerda do rio Jacuí, em Cerro Chato, atual município de Agudo, os primeiros imigrantes germânicos, pioneiros da Colônia Santo Ângelo, os quais iniciaram um núcleo de desenvolvimento cultural e econômico na região central da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Os mais antigos diziam que de primeiro, tudo era muito difícil, que foram abandonados nesta terra.(...)Aqui era tudo mato, e que com bastante dificuldade e com união e trabalho foi se abrindo picada tudo a facão. Até as mulher e as crianças ajudavam. (V.W., agricultor aposentado, 71 anos) A ocupação da Colônia na segunda metade do século XIX, segundo Mello (2006), pode ser dividida em duas fases, uma primeira, que comporta um boom inicial de ocupação com ritmo posterior decrescente e uma segunda em que se acelera esse ritmo, como se pode observar na Tabela 1. A primeira fase engloba os quatro primeiros qüinqüênios, os cujo funcionamento virtuoso está voltado seu livro). No Brasil, a respeito, citam-se os trabalhos de Abramovay (2000), Boschi (1999), Mayorga;Tabosa (2006), entre outros. 4 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" quais apresentam ritmo de ocupação decrescente. Após a rápida ocupação das primeiras linhas mais próximas das vias de transporte, linhas do Rio, Morro Pelado e Teutônia, que abarcaram 6 mil hectares no primeiro qüinqüênio (1857 a 1861), houve um decréscimo sucessivo das ocupações para as áreas mais distantes das vias de transporte. Em uma segunda fase, a partir do quinto qüinqüênio (1877 a 1881), ocorre uma aceleração da ocupação da fronteira agrícola em direção ao nordeste da Colônia, em área equivalente ao boom da primeira fase. O crescimento populacional nas quatro primeiras décadas da colônia atingiu uma taxa média de 5,5% ao ano, dois pontos percentuais acima da taxa para o Rio Grande do Sul no último quartel do século XIX (Mello, 2006). Tabela 1 – Evolução da área ocupada, da população e da densidade demográfica na colônia Santo Ângelo, 1859-1886 Fonte: Dados básicos em Werlang (1995 e 2002), Mello (2006). Obs: crescimento anual estimado entre os períodos expostos na tabela. Mesmo vivendo em condições precárias e adversas ao desenvolvimento, os colonos, utilizando da mão-de-obra familiar, transformaram o panorama da região, considerada improdutiva e indesejada pelos pecuaristas por serem áreas pantanosas, alagadiças e montanhosas, de difícil acesso, detalhes estes que superados, consagraram a produção de várias culturas pelos imigrantes, tornando-as em áreas bem quistas aos olhos rigorosos da província. Os primeiros anos foram marcados pela preocupação - devido à experiência da escassez vivenciada na Europa - em garantir a produção de alimentos para o consumo (Froehlich; Diesel, 2004, p.31). No ano de 1858, os agricultores da Colônia Santo Ângelo cultivaram 7,73% da área plantada de feijão preto, 14,95% de milho e 77,32% de batata inglesa, sendo esta predominante ao passar um ano da chegada dos primeiros imigrantes (Tabela 2). Tabela 2: Descrição da produção agrícola da Colônia Santo Ângelo (computados somente as que foram vendidas em outros centros) nos anos de 1859 e 1866. Cultura 1859 1866 Milho 6304 sacas 2701 sacas Trigo 8 sacas 13 sacas Feijão 479 sacas 1511 sacas Batata 70 sacas 338 sacas 5 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" Arroz Fumo 42 sacas 1140 Kg 221 sacas 3765 Kg Fonte: Froehlich; Diesel, 2004. É importante analisar que a produção agrícola na Colônia Santo Ângelo aumentou significativamente no decorrer dos anos. As primeiras safras eram destinadas ao consumo interno. Já em 1866, nota-se um aumento da produção para o mercado externo, fator este que situou a colônia como um dos expoentes da economia da época. A exportação só não foi válida totalmente para a cultura do milho, já que as condições das estradas para o tráfego das carretas de boi que transportavam o grão eram precárias, tornando elevado os custos dos fretes e, aliado a isso, a grande rentabilidade de utilizar o milho na forma de forragem e ração para o engorde de porcos. Assim, a criação de suínos propiciou a produção de banha, o chamado “ouro branco”, um dos primeiros produtos comercializado pelos colonos (Flores, 2004, p.92/93). O transporte era a base de carreta de boi, e também tinha as balsas que cruzavam o rio Jacuí, mas a balsa não era muito usada, mais eram as carretas de boi que cortavam os campos. O transporte era ruim e tinha um preço alto para fazer o transporte da produção. (P.T.P., agricultor, 52 anos) O milho era mais usado na alimentação dos porcos, do que no comércio, na forma de grão, porque tinha mais retorno financeiro engordar o porco e fazer a banha, porque a banha de porco custava naquela época três vezes mais que o quilo de carne. (H.S., Arrozeiro, 69 anos) A evolução do número de porcos por estabelecimento da Colônia pode ser visualizada na Tabela 3. Tabela 3: Número de porcos por estabelecimento na Colônia Santo Ângelo (1858 a 1864). Ano Porcos/estabelecimento 1858 2,6 1860 6,6 1862 22,8 1864 33,5 Fonte: Froehlich; Diesel, 2004. A Colônia Santo Ângelo despontou como primeira produtora de arroz irrigado da província. Posteriormente, foram utilizadas em larga escala nas várzeas do Rio Jacuí, máquinas à vapor (Dampfbetrieb) e bombas para irrigação, além de trilhadeiras e descascadores (Reischalmaschine) importados pela Bromberg & Cia., da Alemanha (Werlang, 2002, p.73). Essa produção ampliou a riqueza entre os proprietários das lavouras, casas de comércio, transportadores, moinhos, entre as pequenas manufaturas como a fundição de Gerdau4. O relativo desenvolvimento já se evidenciava em 1878, 4 O Grupo Gerdau atualmente é uma das maiores multinacionais de capital doméstico, com atuação concentrada no setor siderúrgico. Seu acelerado crescimento no pós anos 80 do século passado o colocou entre os quinze maiores grupos siderúrgicos mundiais, estando cotado a ser um dos dez maiores quando terminar a era de consolidação da indústria siderúrgica mundial. Na indústria, o Grupo iniciou suas atividades 6 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" quando a Colônia Santo Ângelo constituía-se no maior exportador de arroz de toda a Província. Eles plantavam arroz medindo a quantidade em um dedal, e colocando num buraco aberto com a enxada (covas). - E como funcionava o sistema de irrigação? Ah, inicialmente era realizado com água desviada de sangas e arroios, alguns aproveitavam águas de vertentes. Só em 1925 e 1927 foram instaladas as máquinas a vapor ou locomóvel, onde se colocava a lenha que fazia o vapor, movimentando o pistão que puxava a água. - E a colheita como era feita? Primitivamente predominava o corte manual, a foice ou o facão e mais adiante trilha com trilhadeiras. (I.G., engenheiro agrônomo, 66 anos) Da introdução da agricultura ao surgimento da agroindústria foi um processo relativamente rápido. Surgida da necessidade de subsistência após as primeiras safras, a agroindústria teve a importante capacidade de agregar valor aos produtos e consequentemente capitalizar a economia da colônia. Em 1858, a cevada era utilizada, basicamente, para a produção de cerveja, em humildes fabriquetas, pelos próprios imigrantes. Da cana-de-açúcar provinha, além do açúcar bruto, o melaço e também a aguardente. Os colonos também cultivavam plantas oleaginosas e têxteis, sendo que o linho e o algodão foram amplamente trabalhados pelas rodas de fiar, em suas próprias casas, onde confeccionavam panos e logo após os revestiam e pintavam. Vale destacar que grande parte dos imigrantes, como pode ser visualizado na Tabela 4, eram oriundos de diversificados centros urbanos, não exerciam a atividade agrícola em sua pátria de origem, dedicando-se às mais diversas profissões, desde soldados, artistas e professores, até engenheiros, carpinteiros e agrimensores. Todas estas habilidades profissionais tiveram de adequar-se às intenções do governo provincial, o qual almejava o desenvolvimento e crescimento da produtividade agrícola. A colônia foi nivelada numa única classe, a de agricultores, que, com um lote de terras, passaram a produzir, utilizando-se da exploração da mão-de-obra familiar (Werlang, 1995, p.205), pois a principal condição para a posse do lote colonial era nele residir e também cultivá-lo no prazo mínimo de dois anos. Meu avô veio para o Brasil em 1885. Na Alemanha ele possuía o ofício de marceneiro e inspetor de madeiras, mas chegando aqui ele teve de se dedicar a atividades agrícolas, pelo menos nos primeiros anos. (...) Ele, junto com a família plantou fumo de galpão secado em paióis, mandioca, milho e batata. (A.J.D.,professor aposentado, 81 anos) em 1901; no entanto, a acumulação primitiva de capital originou-se três décadas antes, enquanto capital comercial em região de fronteira agrícola no Rio Grande do Sul, iniciado pela imigração alemã na Colônia de Santo Ângelo (Mello, 2006). 7 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" Tabela 4: Profissão e opção religiosa dos primeiros imigrantes da Colônia Santo ÂngeloRS Profissão Agricultor/ lavrador Agrimensor/ Eng. Agrônomo Alfaiate Brummer* Carpinteiro Comerciante Construtor de Pontes Coveiro Engenheiro Escrivão civil Ferreiro Fotógrafo Jardineiro Lapidário Marceneiro Médico e Pintor Militar alemão Moleiro Músico Oleiro Pedreiro Professor Retratista Sapateiro Tecelão Torneiro Técnico instalação de moinhos Tipografista Vidraceiro Total Imigrantes 8 2 1 5 5 2 1 1 1 1 2 1 1 1 3 1 1 2 1 1 1 1 1 3 3 2 1 1 1 55 Protestantes 5 1 1 5 4 2 0 1 0 1 2 1 1 1 3 1 0 2 1 1 1 1 1 3 3 2 1 1 46 Católicos 3 1 0 0 1 0 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 8 Fonte: pesquisa de campo e Werlang(1995) * Militar mercenário. A colonização trouxe, para a região, além de novos profissionais para o meio rural, grande expansão cultural, que, sem dúvida veio a dinamizar a economia da região. Em termos religiosos, foi introduzida uma grande novidade, o luteranismo, tendo em vista que a maioria dos imigrantes da Colônia Santo Ângelo era protestante e não abdicaram desse direito quando imigraram para um país católico como o Brasil. No ano de 1862 foi realizado o primeiro culto, pelo pastor Erdmann Wolfram, no moinho de Augusto Pötter. Quando não havia pastor, os próprios colonos presidiam cultos, batismos, casamentos e enterros. 8 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" Manter a fé luterana era uma questão de manter a sua confissionalidade. Os imigrantes não tinham a intenção de converter os católicos para a sua confissionalidade. - O que o senhor diria sobre a instauração do luteranismo na região? É difícil isolar a regionalidade dos demais setores da vida, como é o caso da colonização, do trabalho, a confissionalidade luterana trazia no bojo a mentalidade do trabalho, o luteranismo veio, então, para incentivar o desenvolvimento regional como apoio à força de trabalho. (E.H., Pastor da IECLB, 60 anos) O ensino era ministrado em alemão até a Segunda Guerra Mundial (quando então foi proibido pelo governo central brasileiro) e não passava de uma instrução primária, ministrada pelo pastor ou professores homens, que incentivavam o germanismo, a cultura da pátria de origem e, ainda, disponibilizavam orientações conjugais aos colonos. (...)A cultura alemã era muito incentivada na escola, através de festas, nas festas eram feitos teatros em alemão.(...)A Bíblia era uma forma de incentivo ao cultivo do germanismo na colônia, pois eram lidos textos da Bíblia todos os dias aos alunos, sempre em alemão. (A.J.D., professor aposentado, 81 anos) As associações (de variadas finalidades como: canto, dança, bolão, tiro ao alvo, damas, entre outras), surgidas como forma de recreação e integração social, também foram um legado interessante para criação das estruturas sociais coloniais. Havia muito incentivo nas sociedades e associações. As mais tradicionais eram as de dança, de bolão, de tiro ao alvo e sociedade de damas. Ainda tinham as “schützenverein”, que mantinham o tiro ao alvo com espingardas mais potentes, que terminaram, foram proibidas com o advento da Segunda Guerra Mundial, por serem consideradas ofensivas à pátria. (A.J.D., professor aposentado, 81 anos) Tinha muito rigor nos bailes e festas, onde a bebida principal nas festas populares era a “schnaps” (cachaça), mas também tinha “chopp”. Nos casamentos a bebida tradicional era o vinho. (E.T.,técnico agrícola, 55 anos) 9 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" Assim, as associações contribuíram para engrandecer o panorama cultural, originando as sociedades de jogos, canto e dança, que evidenciaram o valor da cultura germânica e entrosaram os colonos, que sentiam-se unidos não só dentro das associações, mas também quando, em momentos de necessidade, ajudavam-se entre si nas atividades agrícolas, como as colheitas, por exemplo, estreitando os laços de amizade e companheirismo, firmando a relação entre cultura e atividades rurais. Ainda um elemento de destaque na trajetória da colônia foi o desenvolvimento do comércio. Para Mello (2006), o desenvolvimento mercantil da colônia foi lento em seu início, uma vez que a capacidade de escoamento da produção era limitada. O centro regional de vendas dos produtos agrícolas era Cachoeira do Sul, cerca de 70 km à sudeste da colônia, e que era atingido pelos modais terrestre e fluvial. A estrada era precária em virtude da quantidade de rios a serem atravessados e que não permitiam a travessia a vau, exigindo a construção e reforma de pontes, que muitas vezes o governo não executava. Os meios de transporte parecem ter se desenvolvido desde então, pois a fronteira se expandiu e, com ela, a produção e exportação de produtos agrícolas. Com os dados disponíveis pode-se supor a passagem, nessa época, de uma economia de subsistência para outra, de exportação de excedentes, pois, conforme os dados da Tabela 5, já na terceira década de existência da colônia Santo Ângelo, os valores das exportações e importações reais foram dez vezes superiores àqueles do final da primeira década, a renda per capita com as exportações cresceu três vezes e a produtividade da área ocupada, em cinco vezes. Tabela 5 - Evolução dos valores reais de exportação, de importação, do saldo comercial, da renda real per capita de exportações e do valor real da produtividade por área ocupada na colônia Santo Ângelo, 1859-1887 (em valores de 1887) FONTE: Dados básicos em Werlang, (1995 e 2002) e Mello (2006). (*) o valor real da produtividade é a razão entre o valor real das exportações e a área ocupada na colônia n.d.: dados não disponíveis A análise dos dados esparsos permite inferir que a colônia experimentou uma dinâmica virtuosa, pois o ritmo de crescimento de suas exportações foi superior ao do conjunto das colônias. Segundo Mello (2006), em 1859 as exportações da colônia de Santo Ângelo equivaliam à 0,3% do valor de exportação agrícola do Rio Grande do Sul, em 1867 respondiam por 1% e, vinte anos mais tarde, por 17% . O crescimento do valor da renda per capita de exportação permitiu maior interação da população com o mercado, alterando seu padrão de demanda, que incorporou ao 10 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" consumo baseado na auto-suficiência (feijão preto com abóboras, mandioca, batata doce assada ou cozida em molho azedo, espigas de milho cozidas ou assadas, broa de milho cozida) a demanda de tecidos importados vários, de açúcar, sal e cachaça, mais alguns insumos, como soda e prego (Mello, 2006). O aumento da produtividade por hectare indica maior dedicação à produção de exportação, bem como a introdução de inovações tecnológicas. O crescimento do volume de comércio em dez vezes no período 1867-87 permitiu o surgimento de pequenas vendas dispersas entre as linhas abertas pela expansão da fronteira agrícola, pequenas manufaturas, como oficina de carroças, ferrarias e moinhos (Werlang, 1995, p. 193-9). Como a economia no âmbito colonial não era monetarizada, mas de moeda escritural, o saldo comercial positivo indicava a geração de capital de giro em mãos dos comerciantes, que lhes permitia aumentar e diversificar estoques, bem como realizar empréstimos.5 3. CAPITAL SOCIAL, ORGANIZAÇÃO DESENVOLVIMENTO COLONIAL DOS COLONOS E Como destacado na parte anterior, o próprio processo de formação da colônia com elementos humanos que compartilhavam elementos culturais comuns (germanidade e luteranismo) e com diversas habilidades sócio-profissionais, parece indicar que a colônia de Santo Ângelo contou com formação diferenciada em relação a outras colônias instaladas apenas com agricultores ou com cristãos católicos. Especula-se, portanto, se esta formação diferenciada foi fator determinante no desenvolvimento socioeconômico da colônia. A noção de capital social pode ser uma ferramenta útil à análise dos processos de desenvolvimento das colônias de imigrantes europeus no Sul do Brasil, como a colônia Santo Ângelo. A noção de capital social, apesar de não ser nova na sociologia, resgata com propriedade uma discussão que esteve presente desde os primórdios da disciplina6. Para Portes (2000, p.134) a originalidade e o poder heurístico da noção de capital social provêm de duas fontes: “incide sobre as conseqüências positivas da sociabilidade, pondo de lado as suas características menos atrativas” e “enquadra estas conseqüências positivas numa discussão mais ampla acerca do capital, chamando atenção para o facto de que as formas não monetárias podem ser fontes importantes de poder e influência”. 5 Em 1882, a Colônia de Santo Ângelo teve abolida a sua autonomia administrativa e foi incorporada como distrito à administração de Cachoeira do Sul. Enquanto, sob o regime anterior, a colônia era isenta de tributação na circulação de mercadorias, como distrito passa a recolher tributos para a sede do município. Acabara o regime especial de colonização patrocinado pelo governo provincial, sob o qual eram concedidos isenção de impostos, pagamento para instalação nos lotes coloniais e subsídios em dinheiro para a manutenção do colono até esse conseguir ser auto-suficiente (Werlang, 2002, p. 155). 6 Alguns autores – como Portes (2000) – chamam a atenção que Durkheim e Marx já tratavam de noções com sentido bastante próximos. Na obra de Durkheim a vida em grupo serve como antídoto para a anomia e a auto-destruição. Já em Marx ocorre a distinção de uma “classe em si”, atomizada, e uma “classe para si”, mobilizada e eficaz (Portes, 2000). 11 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" A noção de capital social permite ver que os indivíduos não agem independentemente, que seus objetivos não são estabelecidos de maneira isolada e seu comportamento nem sempre é estritamente egoísta. Neste sentido, as estruturas sociais devem ser vistas como recursos, como um ativo de capital de que os indivíduos podem dispor. Na perspectiva de Putnam (apud Abramovay, 2000, p. 02), capital social diz respeito a “características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas”. Segundo Coleman (1990, p.302) capital social é uma “variedade de diferentes entidades que possuem duas características em comum: consistem em algum aspecto de uma estrutura social e facilitam algumas ações dos indivíduos que estão no interior desta estrutura”. O capital social, neste sentido, é produtivo, já que ele torna possível que se alcancem objetivos que não seriam atingidos na sua ausência. Quando, por exemplo, os imigrantes formaram associações variadas para manterem costumes germânicos e criarem certa organização social comunitária e de ajuda mútua, estes criaram relações de cooperação e confiança que podem ser entendidas como geradoras de capital social importante para o desenvolvimento da colônia. Dessa forma, segundo a perspectiva de Putnam e de Coleman, o capital social é um conjunto de recursos (boa parte dos quais simbólicos), de cuja apropriação depende em grande parte o destino de certa comunidade. Neste sentido o capital social na obra de Putnam e na de Coleman está bastante próximo ao uso precursor que faz desta noção Pierre Bourdieu7. Para Bourdieu, o capital é definido como um conjunto de “recursos e de poderes efetivamente utilizáveis” (Bourdieu, 1979, p.128), cuja distribuição social é necessariamente desigual e dependente da capacidade de apropriação de diferentes grupos. Embora Putnam não enfatize esta desigualdade, a acumulação de capital social é um processo de aquisição de poder (empowerment) e até de mudança na correlação de forças no plano local. Tanto Coleman como Bourdieu sublinham a intangibilidade do capital social em comparação com outras formas. Enquanto o capital econômico se encontra nas contas bancarias e o capital humano nas cabeças das pessoas, o capital social reside nas estruturas das suas relações. Para possuir capital social, um indivíduo precisa se relacionar com outros, e são estes – não o próprio – a verdadeira fonte dos seus benefícios. Assim, o capital social corresponde a recursos cujo uso abre caminho para o estabelecimento de novas relações entre os habitantes de uma determinada região. Em outras palavras, “capital social é diferente de outros tipos de capital humano, pois é transmitido por mecanismos culturais, tais como: religião, tradição, hábito histórico, costume e sobrevivência” (Baquero, 2003). Alguns destes elementos, sem dúvida, foram mobilizados no processo de desenvolvimento da Colônia Santo Ângelo. A organização comunitária dos imigrantes, a busca da preservação do germanismo, a instalação da igreja luterana, sem dúvida, foram fatores que contribuíram para a superação das condições adversas iniciais e para estruturação de uma organização social 7 A primeira análise sistemática contemporânea do capital social foi produzida por Pierre Bourdieu, que definiu o conceito como: “o agregado dos recursos efetivos ou potencias ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de conhecimento ou reconhecimento mútuo” (Bourdieu apud Portes, 2000, p. 134). 12 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" relativamente sólida. Os excedentes de produção logo geraram a necessidade de organização de uma rede de agroindustrialização e de comércio; e estruturados estes setores econômicos, a Colônia dinamizou-se e tornou-se um centro de desenvolvimento na região. O protestantismo luterano professado pela grande maioria dos imigrantes germânicos que se instalaram na Colônia Santo Ângelo foi um elemento religioso que alicerçou as bases culturais e as trocas sociais do grupo de colonos. Pode-se afirmar que compôs o capital social deste grupo na medida em que reforçou os laços de sociabilidade, pois estavam em terra estrangeira, inóspita, cuja língua e a própria fé não eram compartilhadas pelos demais grupos sociais residentes no entorno da colônia. Assim, o grupo de colonos intensificava suas relações muito mais internamente do que se voltando para a relação com outros grupos étnicos. Cabe observar, ainda neste sentido, que o protestantismo luterano trazia em sua profissão de fé e visão de mundo uma ética do trabalho e de valorização da poupança (Cf.Weber, 1992) que podem ter sido propulsores poderosos na geração de riquezas e investimentos que dinamizaram a economia e a vida da Colônia como um todo. Outro fator importante a destacar no processo de colonização alemã no Rio Grande do Sul, e portanto também na Colônia Santo Ângelo, deve-se a comunicação permanente por meio de cartas que os colonos mantiveram com seus parentes e conhecidos que ficaram na Alemanha. Esta comunicação, embora bastante morosa devido às condições da época, além de servir como elemento de manutenção de contato familiar e com a pátria-mãe, também servia como um instrumento de atualização cultural e tecnológica. Através das trocas de correspondências, em meio aos assuntos pessoais e familiares, também eram relatados novidades sociais, políticas, econômicas e tecnológicas que estavam tendo lugar na Europa. Novos produtos ou instrumentos de trabalho, por exemplo, podiam ser mais rapidamente conhecidos pelos imigrantes nestes contatos com os seus que haviam ficado na pátria-mãe, e inclusive podiam mandar buscar, recebiam ou tentavam mesmo replicar tais avanços nas paragens da própria Colônia. Tal rede de relações, sem dúvida, constituiuse em capital social diferenciado que possibilitou e resultou em maior dinamismo sócioeconômico. Esta rede de relações que foi estabelecida e mantida, mediante tais trocas de correspondências, entre a comunidade de colonos assentados na região central do RS e seus compatriotas na Alemanha, inclusive, reveste-se de particular importância no que toca às considerações sobre a noção de capital social. Para muitos autores, o capital social é produzido (e acumulado e reproduzido) sempre em um local, ou seja, mediante a vivência histórica de um dado agrupamento humano em um território delimitado. Esta vivência por parte de um dado coletivo humano necessitaria ser sempre sedimentada histórica e localmente. Redes abertas, que não se constituem como sujeitos, não fornecem evidências suficientes de serem usinas de capital social. Ou seja, redes não localizadas não seriam produtoras de capital social. O caso da Colônia Santo Ângelo, no entanto, constituindo-se de comunidade de recém-imigrados, enquanto grupo social localizado suas vivências comuns eram de curto prazo, não se podendo dizer que apresentava sedimentação histórica nas suas relações enquanto comunidade nem com o próprio território onde se assentaram. No entanto, não se pode negar que o sentimento de Germanidade expresso na língua e, talvez principalmente, na religião, acionou rapidamente os vínculos sociais que permitiram que constituíssem redes de relações intra-grupais fortalecidas e, a partir destas redes, rapidamente reconstituíram redes de relações com familiares e conhecidos na Europa. 13 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" Assim, o caso da Colônia Santo Ângelo parece indicar que a vivência com sedimentação histórica e localizada não é sempre tão fundamental na produção de capital social. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho objetivou levantar aspectos históricos da colonização alemã na região central do RS, particularmente na Colônia de Santo Ângelo, que foram fatores importantes para a sua consolidação e contribuição ao desenvolvimento regional. A chegada destes imigrantes alemães em 1857, por motivos múltiplos, trouxe inovações à paisagem agrária da região central do Rio Grande do Sul, onde, anteriormente, predominavam as criações animais em larga escala. No contexto de se indagar sobre os fatores que possibilitaram o desenvolvimento das colônias alemãs em regiões desprezadas pelos primeiros colonizadores (portugueses), o processo de desenvolvimento da colônia de Santo Ângelo apresenta alguns indicativos interessantes, sobretudo se olhados desde a perspectiva da noção de capital social. O estabelecimento dos colonos germânicos propiciou, de um lado, a implantação de novas culturas agrícolas, técnicas diferenciadas de manejo de solo e planta, e o nascimento de um formato de organização comunitária e de agricultura de base familiar até então não conhecidos nesta região. Estas inovações trazidas pelos imigrantes germânicos logo geraram mudanças na economia e na vida cultural da região central gaúcha, gerando certo dinamismo econômico e fortalecimento da organização social, o que tornou possível o desenvolvimento da colônia e sua integração na economia do Estado. Por outro lado, os imigrantes alemães, ao contrário do que almejavam as autoridades da época, não se constituíam somente de agricultores. Existiam dentre os imigrantes várias profissões, desde carpinteiros, marceneiros e ferreiros, até comerciantes, professores e artistas. Estes diferentes profissionais vinham para a América para melhorarem de vida e, apesar de terem sido obrigados a dedicarem-se inicialmente a atividades agrícolas, muitos logo passaram a desenvolver outras atividades nas colônias ou nas cidades próximas. Com o desenvolvimento da produção agrícola das colônias, novas oportunidades se abriam para comerciantes, artistas, professores, entre outros profissionais, transformando as colônias e as cidades fundadas pelos alemães em pólos dinâmicos de desenvolvimento. Ressalta-se, portanto, neste processo a origem diversificada de muitos imigrantes, oriundos de centros urbanos e com habilidades técnicas e culturais amplas, o que promoveu o desenvolvimento tecnológico e o estabelecimento de redes de sociabilidade, tanto na própria Colônia quanto com a pátria de origem, constituindo desde logo capital social favorável ao desenvolvimento regional. Destaca-se, ainda, como elemento catalizador do capital social na referida Colônia, a presença e o culto do protestantismo luterano e a sua carga cultural diferenciada em um meio de catolicismo predominante. A profissão de fé do luteranismo dos colonos imigrantes trouxe uma visão de mundo onde desempenhavam papéis centrais a ética do trabalho e a valorização da poupança, elementos que podem ter sido poderosos no impulso para a geração de riquezas e investimentos, que dinamizaram a economia e a vida da Colônia como um todo. 14 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY, R. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural. Economia Aplicada, n. 2, vol. IV: 379-397, abril/junho 2000. BAQUERO, Marcello. Capital social. In: CATTANI, Antonio David (org). A outra economia. Porto Alegre: Veraz Editores, 2003. BOSCHI, Renato Raul. Descentralização, Clientelismo e Capital Social na Governança Urbana: Comparando Belo Horizonte e Salvador. Dados v.42 n.4, 1999. BOURDIEU, P. La distinction: critique sociale du jugement. 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