Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 JORNALISMO COLABORATIVO, CAUDA-LONGA DA INFORMAÇÃO E HIPERLOCALIDADE NO WEBJORNAL “THE LOCAL” Juliana Marcelino da Silva Carlos Alberto Zanotti Faculdade de Jornalismo Centro de Linguagem e Comunicação [email protected] Sociedade midiatizada: Processos, Tecnologias e Linguagem Centro de Linguagem e Comunicação [email protected] Resumo: The Local foi uma experiência de jornalismo hiperlocal levada a efeito pelo prestigiado diário The New York Times (NYT) em duas comunidades daquela metrópole norteamericana: Fort Green / Clinton Hill e East Village. Inicialmente produzido pelos funcionários do jornal, com apoio de internautas das comunidades mencionadas, o experimento envolveu em sua última etapa estudantes de jornalismo de duas universidades novaiorquinas. Ali foram desenvolvidos modelos de negócio que se utilizaram de conceitos de jornalismo colaborativo, hiperlocalidade e cauda-longa da informação e da propaganda. Durante a elaboração deste trabalho, quando eram analisados os conteúdos das versões do The Local para uma categorização por gêneros, a experiência foi abandonada pelo NYT, tendo as universidades se lançado a outros projetos próprios. Ao que se apurou, havia um equilíbrio em relação à publicação de informação e opinião naqueles webjornais, que também abriam espaços para inserção de vídeos e fotos enviados por seus usuários. O fracasso da iniciativa sinaliza a dificuldade que ainda existe para a criação de conteúdos jornalísticos rentáveis na internet, para onde tem havido a migração de leitores de jornais impressos de todo o mundo. Palavras-chave: Hiperlocalidade, modelo de negócio, sociedade mediatizada. Área do Conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas – Comunicação Social- Jornalismo – CNPq. 1. INTRODUÇÃO As redefinições constantes de produtos, processos, mercados e insumos econômicos, assim como capital e informação [1], formam um contexto cada vez mais favorável aos empreendimentos virtuais, suscitando a busca por modelos de negócio sustentáveis na rede de computadores. O The Local foi uma dessas experiências, levada a efeito na cidade de Nova York pelo centenário The New York Times. O projeto foi adotado em duas comunidades Fort Green / Clin- ton Hill e East Village, em 2009, apostando-se em um modelo hiperlocal de sítio de notícias, com a participação não só dos moradores dos bairros, como também de estudantes de duas universidades, a NYU – Arthur L. Carter Journalism Institute e a CUNY Graduate School of Journalism. The Local nasceu na rede de computadores com o objetivo de incentivar sugestões de histórias e contribuições das comunidades beneficiadas, baseando-se na produção descentralizada de notícias locais. Descentralização esta que se tornou possível graças ao contexto no qual a aldeia global cede lugar a domicílios sob medida, com relatos globalmente produzidos e localmente distribuídos, permitindo que fatos antes isolados participem de uma rede mundial de comunicação com possibilidades infinitas de expressão e de interatividade [1]. Lévy [2] aponta que não se pode compreender o que se passa no ciberespaço a não ser pela participação ativa. Bem por isso, o The Local estimulou a participação do cidadão-repórter, aquele sujeito que informa algo porque deseja que algo seja feito: que a rua seja limpa, que o buraco da calçada seja consertado [3]. É na esfera do jornalismo hiperlocal, modalidade de cobertura e produção jornalística a respeito de uma comunidade específica [4], que se evidencia o jornalismo participativo, responsável pela superação dos veículos jornalísticos digitais às fronteiras geográficas, misturando-se notícias globais com locais, em um ambiente em que todos têm acesso à informação. É nesta autonomia dos usuários da web que Chris Anderson advoga o conceito do que veio a chamar de “cauda-longa da informação”, processo em que a não limitação do espaço virtual faz com que se valorizem os nichos, permitindo-se a inserção de informações customizadas no sistema colaborativo ou participativo [5]. Esse destaque aos nichos é resultado da democratização das ferramentas de produção e distribuição de informação, principalmente após o Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 advento do computador pessoal. São propriedades que ajudam a desmassificar a informação, permitindo que a mensagem seja melhor direcionada aos interessados [6]. Com o fenômeno, alteram-se também os meios de financiamento de empreendimentos na área, agora voltados a encontrar novas maneiras para explorar os anúncios publicitários. Também proposta por Anderson, a filosofia de uma “cauda-longa da propaganda” possibilita que os mercados de nicho sejam explorados da mesma forma que os de massa [6], garantindo espaço aos anunciantes locais em sítios como o The Local. 2. METODOLOGIA A análise do empreendimento experimentado pelo The New York Times, aqui empreendida, entendendo-se que a escolha do instrumento metodológico está diretamente relacionada com o problema a ser estudado e com a pesquisa em si [7], foi feita a partir de pesquisa bibliográfica e da observação sistemática do portal. Durante os meses de novembro e dezembro de 2012 e janeiro de 2013, o portal foi visitado diariamente, a fim de se apurar quais os gêneros jornalísticos ali mais utilizados. Tendo em vista que as tecnologias digitais permitiram novas análises sobre os gêneros jornalísticos, agora presentes na internet, foi aqui utilizada a grade classificatória criada por Klein e Kurtz [8]. Pelo instrumento, os textos são divididos nos gêneros leitura (artigo, comentário, resenha) e reprodução (nota, notícia, reportagem, entrevista, serviço e link). Como as imagens e os links são utilizados na linguagem hipermidiática possibilitada pela internet, e tendo em vista que portais exibem publicações de fotos acompanhadas apenas pelo título, sem texto de referência, optamos por classificar as imagens em: fotoinformação (slide show, foto, link) e foto-ilustração. 3. WEBJORNAL THE LOCAL Inicialmente, o The Local era formado pelos portais Fort Green / Clinton Hill, no Brooklyn; e Maplewood, Millwood / South Orange, em New Jersey. Este último, no entanto, deixou de existir logo no começo de suas atividades. O portal de Fort Green / Clinton Hill funcionou, no início de suas atividades, com uma pequena equipe de jornalistas do The New York Times, contando com a participação da comunidade. Em março de 2009, a CUNY Graduate School of Journalism já contribuía com o portal, permitindo que alguns estudantes ajudassem no gerenciamento de seus conteúdos. Todavia, somente em 2010 o Times oficializou esta participação, ano em que criou o por- tal do East Village, que passou a contar com o apoio da NYU – Arthur L. Carter Journalism Institute. A participação oficial das universidades permitiu sistematizar o intercâmbio entre o jornal e os blogs comunitários, tendo o tradicional periódico o papel de de captar recursos para financiar a iniciativa. Jere Hester [9], gerente do programa NYCITY News Service da universidade CUNY –que produz conteúdo dos jovens repórteres para uma série de mídias, informou que a universidade passou a se empenhar mais na iniciativa do Times no começo de 2010, o que fez com que a CUNY criasse uma sala de estudantes para abastecer conteúdos do The Local. A ideia não era apenas reportar histórias, mas ajudar os cidadãos a cobrir acontecimentos de seu bairro. Assim, o The Local contou com editorias como The Day (O Dia), em que eram mostrados os principais acontecimentos do cotidiano; Crime Report (Boletim do Crime), em que se exibiam as principais ocorrências policiais da região; e Local local’s (Moradores do Local) e Dog of the Day (Cachorro do Dia), em que eram contadas histórias dos próprios moradores e de seus animais de estimação. No entanto, o The Local, devido à baixa rentabilidade, deixou de ser prioridade para o jornal norteamericano, que em 2010 resolveu transferir o controle editorial deste empreendimento para universidades interessadas. Assim, elas passaram a se responsabilizar pelo pagamento do salário do editor responsável pelo portal, tendo inúmeros profissionais de imprensa se alternado na função. É importante ressaltar que os estudantes, desde o princípio, receberam algum tipo de recompensa financeira. O Times ainda continuou no processo, oferecendo sua plataforma online. Em junho de 2012, o The New York Times anunciou o fim da parceria com os portais hiperlocais e com as universidades, dando a elas o período de um ano para encontrarem meios de se financiar na manutenção do serviço. Em 2013, tanto o portal do East Village como o de Fort Green / Clinton Hill pararam de ser atualizados. O portal do East Village, comandado pela NYU, firmou parceria com a revista New York Magazine e lançou outro portal, o Bedford+Bowery. Já o portal Fort Green / Clinton Hill, comandado pela universidade CUNY, lançou o portal The Nabe no lugar do anterior; ambos baseados na filosofia de trabalho do antigo The Local. 4. ANÁLISE DE CONTEÚDO A análise aqui empreendida apontou que a participação da comunidade, apesar de incentivada, era sub- Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 metida ao crivo da equipe envolvida no experimento. Mesmo em seções como Open Assignments (Tarefas em Aberto), em que os cidadãos eram chamados a sugerir pautas e cobrir eventos, havia controle de professores e do editor sobre o conteúdo publicado. Por meio do acompanhamento sistemático dos conteúdos do empreendimento, foi possível verificar que o The Local era majoritariamente informativo, sendo predominante a publicação de notícias, elaboradas concisamente, sempre acompanhadas por fotos ou outros recursos hipermidiáticos, como vídeos e/ou slide show. O portal East Village apresentou maior frequência para a adoção de tais recursos, com 5 a 7 publicações diárias, ao contrário de Fort Green / Clinton Hill, que possuía frequência de 3 a 4 posts diários. Ambos apresentaram entrevistas e notas. A categorização por gênero deu origem ao quadro abaixo: da região. Com a análise das imagens, foi possível elaborar a tabela abaixo: Tabela 1. Volume de postagens por gênero. Segundo Hester [9], os negócios locais participavam do portal por meio de anúncios de eventos e de reportagens especiais. A contribuição do The New York Times para com a iniciativa, após o controle editorial passar para as universidades, limitou-se à manutenção do sítio em sua webpage, além de assistência técnica e editorial quando solicitadas. A adoção do paywall1 pelo Times, possibilitando apenas acesso limitado a seus conteúdos, estendeu-se ao The Local, hoje um empreendimento abandonado no emaranhado da internet. A experiência aqui registrada evidencia que ainda existem enormes desafios quanto a cobrar por acesso a conteúdos na internet, bem como à dificuldade em financiar empreendimentos do gênero apenas com recursos publicitários. Muito embora haja interesse da audiência por informações hiperlocais inseridas em ambientes com dimensões globais, o problema está em monetizar adequadamente iniciativas desta natureza. Gênero leitura Gênero reprodução Total Artigo Fort Green/ Clinton Hill 1 East Village 7 Comentário Resenha Nota 0 7 20 0 23 38 Notícia Reportagem Entrevista Serviço Link 103 33 5 3 3 175 207 38 19 15 6 353 Quanto às imagens, o portal do East Village se destacou pela utilização da editoria The Scene (A Cena), na qual eram exibidas fotos sem legendas ou textos de referência, sendo estas publicadas apenas com títulos; assim, a imagem funcionava quase que exclusivamente como uma informação visual. Também foram utilizadas imagens ilustrativas, como as encontradas na seção The Day (O Dia), em que se destacaram cenas do cotidiano das regiões e paisagens locais, funcionando apenas como ilustrações. A utilização de ícones esteve presente na editoria Crime Report (Boletim de Crimes). Os links se restringiram a publicações de ranqueamentos das postagens mais acessadas ou dos principais eventos esportivos Tabela 2. Classificação das imagens postadas. Fotoinformação Fotoilustração Total Slideshow Fort Green/ Clinton Hill 10 East Village Foto Link Ilustração 87 0 58 204 1 63 155 286 18 AGRADECIMENTOS Agradeço ao CNPq e à PUC- Campinas pela oportunidade de participar da Iniciação Científica, assim como ao orientador e grupo de pesquisa, pelos aprendizados e discussões acerca de temas extremamente importantes para nossa profissão. REFERÊNCIAS [1] Castells, M. (1999), Sociedade em rede – a era da informação: economia, sociedade e cultura, Paz e Terra, São Paulo, SP. 1 Sistema que impede que usuários da internet acessem conteúdos de portais sem efetuar pagamentos. Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 [2] Lévy, P. (1999), Cibercultura, Editora 34, Rio de Janeiro, RJ. [3] Malini, F. (2008), Modelos de colaboração nos meios sociais da internet: uma análise a partir dos portais de jornalismo participativo, Anais do XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Natal, RN. [4] Lemos, C. E. B. e Pereira, R. M. (2011), Jornalismo hiperlocal no contexto multimídia: um relato da experiência do jornal- laboratório Contramão Online, Anais do XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, São Paulo, SP. [5] Anderson, C.(2006), A Cauda Longa: do mercado de massa para o mercado de nicho, Tradução Afonso Celso da Cunha Serra, Elsevier, Rio de Janeiro, RJ. [6] Guedes, C. e Machado, C. (2009), Internet e a fragmentação da audiência: novos paradigmas para uma publicidade interativa, Anais do XIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, Rio de Janeiro, RJ. [7] Lakatos, E. e Marconi, M. (1992), Metodologia do trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos, Atlas, São Paulo, SP. [8] Klein, O. e J. Kurtz, J. V. (2009), Gêneros jornalísticos na internet – uma proposta para blogs, Artigo apresentado no X Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, Blumenau, RS. [9] Hester, J. (2013), Entrevista concedida, por email, à autora, em 24 de Julho.