Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 PASSANDO UM “CAFEZINHO”: MISTURAS E SEPARAÇÃO DE MISTURAS A PARTIR DE UM EXPERIMENTO COM MATERIAIS DO COTIDIANO Making a black coffee: Chemical mixture and mixture separations from an experiment with common materials Adjane Maia UCHÔA1 Renatha Fraga do NASCIMENTO1 Adezuita Pinto da SILVA1 Aline Araújo Dias BARROS1 Ana Maria Botelho de LIMA1 Elaine Sueli da Silva PINTO1 Geovana da Silva Vieira LEMES1 Joicemara de Queiroz SOUZA1 Josiane Silva de OLIVEIRA1 Maria Jailane Pereira da SILVA1 Patrícia da Silva GOMES1 Priscila de Andrade Barbosa SANTOS1 Viviane Martins GARCIA1 Gilvan José Pereira JÚNIOR2 Ana Carolina Garcia de OLIVEIRA3 Miyuki YAMASHITA4 Wilmo Ernesto Francisco JUNIOR5 RESUMO O presente trabalho relata uma atividade desenvolvida no âmbito do PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) da Universidade Federal de Rondônia-UNIR, conduzida com 76 alunos de três turmas do primeiro ano do ensino médio de uma escola pública localizada na cidade de Porto Velho, Rondônia. A atividade visou à discussão dos temas misturas e separação de misturas e foi dividida basicamente em duas etapas. A primeira etapa foi o levantamento prévio de algumas concepções acerca desses temas a partir de uma situação-problema cotidiana. O intuito foi analisar quais os fenômenos os alunos tinham conhecimento na preparação do café. Em seguida, foi realizado e discutido um experimento que consistia no preparo de um “cafezinho” e sua consequente destilação. Após a explanação dos conceitos envolvidos, foi solicitada aos estudantes 1 Graduanda em Licenciatura em Química pela UNIR e bolsista do PIBID Química. Professor da rede estadual de educação de Rondônia (EEEM Major Guapindaia) e supervisor do PIBID. 3 Professora do Departamento de Química da UNIR e colaboradora do PIBID Química. 4 Professora do Departamento de Química da UNIR e coordenadora do PIBID área de Química. 5 Professor do Departamento de Química da UNIR e Coordenador Institucional do PIBID/UNIR. 2 Vivências. Vol.8, N.14: p.181-191, Maio/2012 181 Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 uma atividade avaliativa em que deveriam desenhar e explicar os processos. Todas as respostas continham desenhos, mas poucos utilizaram o nível microscópio para explicá-lo. Ao fim, a maior parte dos estudantes soube identificar os processos ocorridos na preparação de um café, porém, ainda encontraram dificuldades para explicar os processos adequadamente. Palavras-chave: PIBID, experimentação, ensino de química. ABSTRACT This work reports an activity developed in PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) scope from Federal University of Rondonia and conducted with 76 high school students from Porto Velho. The aim was discuss chemical mixture and mixture separations themes. The proposal was divided in two parts. At first, it was realized a survey about theme based on a common problematic situation. The objective was analyze phenomenons had been known by students about black coffee preparing and its distillation. At second part was realized an experiment that consisted in make a black coffee and its consequent distillation. After concepts explanation, evaluative activity in which the students should draw and explicate the process was performed. In all answers had contained draws, but just some students employed a microscopic level in their explanation. The most of students was able to identify the process involved during black coffee preparation. However, they still presented difficulties to explain the process suitably. Keywords: PIBID, experimentation, chemistry teaching. INTRODUÇÃO Não obstante a existência de vários recursos que contribuem para o ensino de química, a experimentação ainda possui grande apelo para a motivação do aluno em sala de aula. É comum entre os professores de ciências a crença no fato de a experimentação despertar um forte interesse entre alunos de diversos níveis de escolarização (HOODSON, 1994; GIORDAN, 1999; GONÇALVES; GALIAZZI, 2004). Se retornarmos ao passado, veremos que a experimentação possuía um papel fundamental para a construção do pensamento científico, primeiramente através da observação de fenômenos, até então explicados de forma teológica. Giordan afirma que Aristóteles já defendia a experimentação quando falava que “quem possuía a noção sem a experiência, e conhecia o universo ignorando o particular nele contido enganar-se-ia a muitas vezes no tratamento” (1999, p. 43). E assevera também a experimentação como tendo um papel essencial na consolidação das ciências naturais a partir do século XVII, quando ocorreu uma ruptura com o senso comum, onde se estabelecia que a explicação para todos os fenômenos era simplesmente de natureza divina. Conforme assinala Laburú (2006), a partir de experimentos apropriados torna-se possível estimular o aluno em sala de aula e, consequentemente, engajá-lo no conteúdo a ser ensinado. O autor acena preocupação com o experimento que é escolhido, que deve ser potencialmente motivador (LABURÚ, 2006). Também concordamos que o experimento tenha um papel fundamental em ativar a curiosidade dos alunos, mas isso também se coloca em um contexto mais amplo da estratégia de ensino, envolvendo, além do experimento em si, a forma com que o mesmo é trabalhado. Nesse sentido, a experimentação é um recurso que pode ser bastante explorado de variadas formas. Muitos professores e estudantes da área de ciências identificam a importância da experimentação para a aprendizagem e alguns dos objetivos das aulas experimentais (GALIAZZI et Vivências. Vol.8, N.14: p.181-191, Maio/2012 182 Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 al., 2001; GALIAZZI; GONÇALVES, 2004), mas o que ainda se nota, sobretudo nas escolas de educação básica, é certa resistência na realização dessas atividades. Essa resistência está concentrada, muitas vezes, no discurso da carência ou da deficiência de algo, além das deficiências formativas para a condução desse tipo de prática e das condições de trabalho, especialmente tempo para busca, seleção e preparo de propostas experimentais. Por outro lado, vale sublinhar que para Assis et al. (2009), a não adesão às atividades experimentais também evidencia-se a partir da relação com o saber profissional que alguns professores mantêm, que é de simples emprego, e não de profissão. Nesse caso, as propostas alternativas de experimentação dificilmente farão eco nas escolas. De uma maneira geral, são duas as formas básicas com as quais a experimentação pode ser trabalhada: ilustrativamente e investigativamente. Para Francisco Junior (2010, p. 205): A experimentação ilustrativa, por vezes denominada demonstrativa, geralmente é mais fácil de ser conduzida. Ela é empregada para demonstrar conceitos discutidos anteriormente, sem muita problematização e discussão dos resultados experimentais. O professor apresenta o problema, relacionando-o com outros anteriores, e conduz a demonstração fornecendo informações do tipo “receita”. Já experimentação investigativa, por sua vez, visa obter informações que subsidiem a discussão, reflexão, ponderações e explicações, de forma que o aluno compreenda não só os conceitos, mas a diferente forma de pensar e de se falar sobre o mundo por meio da ciência. A aula prática, se bem empregada, pode levar o aluno a confrontar o pensamento do senso comum adquirido por meio de experiências cotidianas com o conhecimento científico, induzindo os estudantes a ampliar seus conhecimentos, preparando-os para tomar decisões e ter pensamento crítico diante da sociedade, conforme definido em documentos oficiais como a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) e sugerido nos PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais). A LDB estabelece a necessidade de [...] preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. (LDB, Lei nº 9.394/96 art. 35°, § II, III,IV.) Baseados nessa lei, os PCN’s reforçam a ideia de que [...] a escola contribua para a constituição de uma cidadania de qualidade nova, cujo exercício reúna conhecimentos e informações a um protagonismo responsável, para exercer direitos que vão muito além da representação política tradicional: emprego, qualidade de vida, meio ambiente saudável, igualdade entre homens e mulheres, enfim, ideais afirmativos para a vida pessoal e para a convivência. (BRASIL, 2000, p. 59) Por meio da experimentação poderá também ser aberto um canal para que o professor saia do tradicionalismo da sala de aula, contribuindo com a motivação e a curiosidade dos discentes através de experimentos que tenham ligação direta com o cotidiano, proporcionando o envolvimento mais próximo da química em sua vida. Assim, se faz necessário a prática de um Vivências. Vol.8, N.14: p.181-191, Maio/2012 183 Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 ensino mais contextualizado, onde se pretende relacionar os conteúdos de química com o cotidiano dos estudantes, respeitando as diversidades de cada um, visando à formação do cidadão e o exercício de seu senso crítico. Uma importante proposta para a experimentação é um trabalho que envolva o uso de materiais alternativos, como por exemplo, um destilador feito com uma lâmpada e garrafa PET (material usado na prática experimental apresentada nesse trabalho). Segundo Valadares (2001), a inclusão de protótipos e experimentos simples em nossas aulas é fator decisivo para estimular os alunos a adotar uma atitude mais empreendedora, permitindo rescindir a passividade que, em geral, lhes é subliminarmente imposta nos esquemas tradicionais de ensino. É pautado nestas hipóteses que neste trabalho mostraremos os resultados de uma aula experimental com materiais alternativos, cujo tema é comum à maioria das pessoas. O intuito é também incentivar outros professores na realização de atividades que, assim como esta, envolvam aspectos do dia-a-dia no ensino de química. Esta é uma ação que se desenvolve dentro do PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – da Universidade Federal de Rondônia/UNIR. O PIBID foi criado pelo governo federal, no ano de 2008, com a finalidade de contribuir para o aperfeiçoamento da formação docente e para a melhoria da educação no país mediante o fomento da iniciação à docência. Dentre os objetivos principais do Programa está a inserção dos futuros professores no cotidiano das escolas da rede pública de educação. Condizente com uma proposta extensionista, o PIBID busca integrar ações de pesquisa e ensino no cotidiano escolar. A construção, aplicação e avaliação de propostas didáticas mediante colaboração entre pesquisadores, licenciandos e professores foi um dos meios encontrados para o trabalho de extensão dentro do subprojeto de Química. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A atividade foi conduzida com três turmas do primeiro ano do ensino médio da Escola Estadual de Ensino Médio Major Guapindaia, localizada na cidade de Porto Velho, Rondônia. Participou da atividade um total de 76 alunos. Inicialmente, foi feito um levantamento prévio de algumas concepções acerca de processos de separação de misturas, a partir de uma situaçãoproblema (Quadro 1). O intuito foi analisar quais conhecimentos possuíam e se eram capazes de aplicá-los numa situação-problema. Quadro 1. Situação-problema apresentada para o levantamento das concepções prévias. Joãozinho queria um café, então colocou água em uma chaleira e a pôs sobre o fogão para esquentar. Assim que a água começou a ferver, Joãozinho colocou o pó de café e em seguida despejou o café no coador. Quais os fenômenos (processos) físico-químicos você consegue identificar no texto? Em seguida, foi realizado o experimento que consistia no preparo de um “cafezinho” e sua consequente destilação. De início, os estudantes misturaram o pó de café com a água quente, agitando a mistura. Neste processo, tem-se a formação de uma mistura heterogênea, caracterizada por mais de uma fase. Após algum tempo de repouso, a parte do sólido (café em pó) insolúvel na água se deposita no fundo do recipiente, o que sinaliza o primeiro processo de separação (decantação ou sedimentação). Após, a mistura passou por filtração simples (outro processo de separação), a partir do qual é recolhida a solução de café (água + componentes solúveis do café em pó). Ao fim, esta solução passou pelo processo de destilação simples. Neste, a parte sólida solúvel Vivências. Vol.8, N.14: p.181-191, Maio/2012 184 Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 do café fica retida “balão de destilação” (lâmpada) e a água evapora sendo condensada em uma mangueira de borracha (utilizada como condensador) e recuperada em um béquer (Figura 1). Em outro experimento, uma parte da solução de café também foi aquecida em uma colher para a discussão do processo de evaporação. Nessa atividade propomos que através da preparação de um café fossem debatidos alguns métodos de separação de misturas, tais como: decantação, filtração, evaporação e destilação. Para isso, foram empregadas algumas vidrarias e um destilador feito com material alternativo (BELTRAN; CISCATO, 1991), conforme ilustrado pela Figura 1. Figura 1. Fotografia do aparato alternativo empregado para a destilação, com destaque para a solução de café contida no “balão de destilação” (lâmpada) e a mangueira mergulhada em uma garrafa PET cheia de água que foi empregada como condensador. Para a realização dos experimentos, os alunos foram divididos em 6 grupos distribuídos pelas seis bancadas do laboratório. Em cada uma das bancadas havia uma monitora do PIBID que auxiliou na realização das atividades e nas discussões conceituais. Após o experimento, foi solicitado aos estudantes que desenhassem e explicassem os processos de separação discutidos com os experimentos. Os registros serviram como fonte de dados para identificar as principais dificuldades e analisar a compreensão dos processos pelos alunos. A análise dos registros produzidos pelos estudantes levou em conta a correção conceitual e a linguagem com que expressaram suas ideias. RESULTADOS E DISCUSSÃO Para a análise do material escrito produzido a partir da situação-problema inicial, as respostas foram enquadradas em três categorias que representam a correção conceitual: incorretas (nenhum processo foi identificado adequadamente), sem incorreções (aquelas que apresentavam pelo menos um dos três processos, evaporação, decantação e filtração identificados de forma correta, mas nenhum explicado de forma incorreta) e parcialmente corretas (aquelas que apresentavam a identificação do processo de forma adequada, mas continham alguma explicação de forma equivocada). Os resultados estão apresentados na Figura 2. Vivências. Vol.8, N.14: p.181-191, Maio/2012 185 Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 Figura 2. Distribuição das respostas conforme as categorias de correção conceitual. Dos 76 alunos avaliados, 58 repostas se apresentaram sem incorreções, onde 34 alunos identificaram três fenômenos (processos), a evaporação, a decantação e a filtração, 10 levaram em conta a evaporação da água e a filtração, 12 alunos observaram a decantação e a filtração, 2 alunos consideraram somente a filtração, conforme Figura 3. Figura 3. Processos de separação identificados pelos dos alunos na análise prévia. Onze alunos ainda apontaram a mistura da água com o pó de café como processo ocorrido, incluindo também a filtração. Porém, afirmaram que a mistura seria homogênea, não explicando quando isso teria ocorrido, se antes ou depois da filtração. Somente um dos alunos classificou a mistura como heterogênea. Quatro alunos deram como resposta todos os processos de separação apresentados. Três alunos apresentaram como respostas os processos de “destilação simples” e “destilação fracionada” que não correspondiam à preparação de um café,uma vez que a destilação realizada foi do tipo simples. O que se pode perceber é que a maioria dos estudantes consegue identificar os processos físico-químicos de separação presentes na preparação de um café. Contudo, menos da metade foi capaz de identificar todos os processos e, embora não solicitado, uma parcela muito pequena conseguiu explicá-los. Apesar de estes processos serem estudados em diferentes momentos da educação escolar, com exemplos de suas aplicações (geralmente o tratamento de água), poucas vezes os estudantes têm a oportunidade de vivenciar isso na prática. Quando têm de aplicar o conhecimento a outro contexto, encontram dificuldades por não estarem habituados a tal tarefa. Uma das formas de se avaliar a aprendizagem é, justamente, analisar como os indivíduos Vivências. Vol.8, N.14: p.181-191, Maio/2012 186 Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 aplicam o novo conhecimento em uma situação-problema similar àquelas estudadas anteriormente, porém, inédita. Isso exige utilizar aquilo que foi aprendido ao invés de reproduzir ideias ou conceitos. A incapacidade de aplicar o conhecimento a um novo contexto, desde que a situação-problema não esteja muito acima do nível cognitivo dos estudantes, indica, na maioria das vezes, que o conhecimento não foi totalmente incorporado a ponto de ser utilizado pelo indivíduo. Essa questão merece especial reflexão, uma vez que, na vida diária, somos chamados a mobilizar conhecimentos para lidar com situações-problemas. Após o levantamento dessas concepções, deu-se início ao experimento. Os estudantes se mostraram bastante entusiasmados e curiosos, querendo saber o que iria ser feito. Primeiramente, apresentamos a eles as vidrarias que seriam usadas, e em seguida foi efetuada a leitura em conjunto do roteiro experimental (que receberem individualmente). Iniciaram o experimento com o processo de decantação onde puderam observar o pó de café indo para o fundo do recipiente. Após, iniciaram a filtração na qual verificaram a separação das partículas sólidas (pó de café) da parte homogênea (solução de café). Os processos de evaporação e de destilação foram conduzidos de forma demonstrativa por medida de segurança, sendo explicado passo a passo o que ocorria em cada processo. Foi notável a expressão dos estudantes ao verem toda a água da solução de café sendo recuperada através da destilação, e também quando viram o pó de café extraído da solução, ou pela evaporação ou pela destilação. A discussão dos experimentos foi conduzida pelas monitoras nas bancadas, buscando sempre a explicitação e problematização das observações dos estudantes. A proposta foi partir dos aspectos fenomenológicos palpáveis para, em seguida, buscar a interpretação em nível microscópico. Jonhstone (2000), por exemplo, vem apontando como fundamental essa relação entre os três níveis de realidade do conhecimento químico. Aprender química exige relacionar esses níveis de compreensão, o que não é tão simples de ser realizado e pouco difundido entre aqueles que fazem educação científica. É necessário integrar o macroscópico (observação de fenômenos naturais) ao microscópico ou nanoscópio (nível no qual ocorrem as interações e modificações atômico-moleculares) e ao simbólico (onde há representações de moléculas, átomos e íons para a interpretação dos níveis microscópico e macroscópico). Após, foi solicitado aos estudantes uma atividade avaliativa em que deveriam desenhar e explicar os processos, demonstrando o que entenderam. A análise dessa atividade avaliativa seguiu os seguintes critérios: • Tipos de representações presentes no desenho; • Correção conceitual; • Emprego de terminologia adequada. A solicitação por desenhos vem ao encontro de trabalhos recentes os quais estão debatendo os benefícios de representações multi-modais na aprendizagem científica. Waldrip et al. (2006) acenam sobre a necessidade de investigações que considerem a mudança entre diferentes modos de representação para a compreensão do conhecimento científico. A representação por meio de desenhos permite promover reflexões professor-estudante, abrindo diálogos para que os problemas conceituais e dificuldades de compreensão do aprendiz possam emergir e serem trabalhadas (FRANZONI et al., 2011). Todas as avaliações (76) estavam representadas por desenhos, porém, poucos se referiam ao nível microscópico. Apenas 4 tentaram representar os processos em nível microscópico. Na Figura 4 temos um dos desenhos apresentados. Vivências. Vol.8, N.14: p.181-191, Maio/2012 187 Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 Figura 4. Desenho feito por um aluno para a representação em nível microscópico. Como pode ser observado, o estudante emprega o modelo particulado para representar o processo de dissolução e filtração durante a preparação do café. Há o cuidado em representar a água e o café de maneira diferente. Pode ser visto que a maior parte das partículas do café é retida no filtro, enquanto na solução (partículas que passam pelo funil) as partículas de água predominam. É possível notar, nesta situação, que embora de maneira simplificada, há a incorporação de questões atinentes ao nível microscópico para explicar o processo, o que constitui a base do pensamento químico, sendo este um indicativo de aprendizagem. Todavia, a grande maioria (72 estudantes de um total de 76) não usou representações em nível microscópico, apesar da ênfase nesta questão durante a discussão dos resultados experimentais. Os estudantes, em geral, demonstram dificuldades em empregar o modelo particulado da matéria para explicar fenômenos químicos (NAKHLEH, 1994). Das 76, somente 15 respostas estavam completamente corretas, 16 estavam completamente erradas, onde 10 descreviam as etapas do procedimento e 6 apresentavam confusão entre os conceitos. Os erros mais frequentes foram atinentes ao processo de decantação. Neste, os estudantes consideraram a decantação como sendo a mistura de água e pó de café (Figura 5). Outro erro muito comum foi o uso inadequado de expressões e/ou da linguagem científica. Figura 5. Explicação do processo de decantação apresentado por um dos participantes ao final da atividade. Na Figura 6, o estudante, ao se referir à solução de café (água e compostos extraídos do pó) a denomina de água. Na realidade, o que se tem após a extração e solubilização de alguns compostos do pó café não é água, mas sim uma solução. Vivências. Vol.8, N.14: p.181-191, Maio/2012 188 Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 Figura 6. Explicação do processo de filtração apresentado por um dos participantes ao final da atividade. A dificuldade que os alunos têm em identificar a diferença entre solução e substância pura ficou bastante clara em muitas das respostas. Tais dificuldades estão associadas a explicações que enfatizam os aspectos perceptíveis do processo, como também reportam Carmo e Marcondes (2008) em trabalho que envolveu o tema soluções. Como já salientado em outro momento, compreender química exige a interpretação dos aspectos perceptíveis (macroscópicos) a partir de modelizações mentais, isto é, da imaginação de como ocorrem os fenômenos em nível microscópico. As dificuldades na construção de noções mais complexas em relação a esse tema poderiam estar ligadas a não articulação dos conceitos prévios pelo aluno e à ausência de visão microscópica durante o processo de ensino. Ainda que esta atividade tenha buscado a ênfase da visão microscópica, essa é uma habilidade que se desenvolve gradativamente. Não podemos deixar de salientar a destilação, na qual poucos alunos souberam explicar o processo de maneira correta. Devemos ainda considerar as respostas que estão parcialmente corretas (aquelas que estavam com as respostas incompletas, ou seja, não apresentaram todos os processos de separação abordados no experimento ou que continham alguma delas explicada de forma incorreta), que foram 45 ao todo. Na Tabela 1 é apresentado o número total de respostas adequadas distribuídas para cada processo de separação. Tabela1. Número de respostas certas para cada um dos processos de separação envolvidos. DECANTAÇÃO FILTRAÇÃO EVAPORAÇÃO DESTILAÇÃO 42 43 36 25 Quanto à terminologia, os resultados são apresentados na figura a seguir: Figura 7: Número de vezes em que as terminologias foram empregadas adequadamente pelos alunos em cada processo de separação. Vivências. Vol.8, N.14: p.181-191, Maio/2012 189 Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 A Figura 7 mostra que maior parte os alunos (10) usou termos adequados ao descreverem o processo de filtração; 7 tiveram melhor desempenho quanto aos termos corretos ao explicarem o processo de evaporação; 4 estudantes explicaram com êxito o processo de decantação e somente 3 explicaram a destilação utilizando terminologia adequada. Os demais alunos que explicaram de maneira correta não usaram termos científicos em suas explicações, desenvolvendo linguagem própria que se aproximam da linguagem cotidiana. A Figura 8 mostra a explicação para dois processos. Figura 8. Explicação dos processos de decantação e filtração apresentada por um dos participantes. Pode ser notado que a explicação do processo de filtração, embora adequado, contém uma linguagem mais próxima da cotidiana. É importante que os estudantes sejam instruídos sobre a diferença das linguagens científica e cotidiana, aprendendo quando e como empregá-las, o que pode ser conduzido aproveitando-se as próprias expressões utilizadas. Apesar de este não ter sido o enfoque da pesquisa, nota-se a importância dessa questão. CONSIDERAÇÕES FINAIS Analisando os resultados é possível concluir que a maior parte dos estudantes soube identificar os processos ocorridos na preparação de um café quando colocados diante de uma situação-problema. Porém, na atividade final, boa parte ainda não soube explicar os processos adequadamente, principalmente o processo de destilação, provavelmente por este não fazer parte do dia-a-dia dos alunos. Muitos descreveram as etapas do experimento, não se preocupando em explicar os processos ali presentes. Infiltrar a química no cotidiano do aluno é uma tarefa que ainda necessita de muitos esforços. Ainda que possam ter estudado muitos destes processos, raras são as ocasiões em que os estudantes experienciam esses fenômenos. Atividades com materiais presentes no cotidiano podem ser uma forma de aproximar os estudantes de fenômenos que, em geral, passam desapercebidamente por eles, mas cuja compreensão exige conhecimentos científicos. Isso pode atuar favoravelmente no aumento de interesse pelos temas científicos. Também se observou que praticamente todas as explicações ficaram em aspectos observáveis. A dimensão microscópica, fundamental para a compreensão destes e de outros fenômenos da química, ainda é intangível para a maioria. Apesar da dificuldade, é fundamental se Vivências. Vol.8, N.14: p.181-191, Maio/2012 190 Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 atentar a tal questão. O trabalho com desenhos e animações pode ser de grande valia para auxiliar o raciocínio imaginativo dos estudantes, melhorando assim a compreensão que têm da química e de outras ciências. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Lei n° 9.394/96, 1996. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) – Ensino Médio, Brasília, 2000. BELTRAN, N. O.; CISCATO, C. A. M. Química. Coleção Magistério 2º grau. São Paulo: Cortez, 1991. CARMO, M. P.; MARCONDES, M. E. R. Abordando soluções em sala de aula – uma experiência de ensino a partir das ideias dos alunos. Química Nova na Escola, n. 28 maio de 2008. FRANCISCO JUNIOR, W. E. Analogias e situações problematizadoras em aulas de ciências. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010. FRANZONI, G.; LABURÚ, C. E.; SILVA, O. H. M. O desenho como mediador representacional entre o experimento e esquema de circuitos elétricos. 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