ELAINE CRISTINA LINHARES DINIZ A GASTRONOMIA COMO PATRIMÔNIO IMATERIAL E RECURSO TURÍSTICO - O CASO DO PASTEL DE ANGU EM ITABIRITO/MINAS GERAIS - Belo Horizonte – MG Centro Universitário UNA Junho/2009 Livros Grátis http://www.livrosgratis.com.br Milhares de livros grátis para download. ELAINE CRISTINA LINHARES DINIZ A GASTRONOMIA COMO PATRIMÔNIO IMATERIAL E RECURSO TURÍSTICO - O CASO DO PASTEL DE ANGU EM ITABIRITO/MINAS GERAIS - Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Turismo e Meio Ambiente do Centro Universitário UNA, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Turismo e Meio Ambiente. Área de Concentração: Turismo e Patrimônio Cultural. Orientador: Prof. Dr. Reinaldo Dias Belo Horizonte – MG Centro Universitário UNA Junho/2009 DEDICATÓRIA Aos queridos, amados e eternos em minha memória, Vovôs Itagiba Diniz e Elson Linhares, Vovós Filomena Jardim (Loló) e Marieta Sampaio, as bases da minha base, o meu “patrimônio cultural imaterial”. AGRADECIMENTOS Em muitas de nossas caminhadas, aparentemente, estamos sozinhos, porém, apesar das aparências, não estamos no mundo por termos surgido como um passe de mágica e nem alcançamos os nossos objetivos através, exclusivamente, de nossos esforços particulares. Há muito e muitos que contribuem na caminhada de qualquer ser humano. O amor, o carinho, a dedicação, a paciência, os “puxões de orelha” e o eterno e total incentivo aos estudos formam a base familiar que fez de mim uma pessoa digna, honesta, descente, batalhadora e capaz. Obrigada pai e mãe, pelo exemplo que são, pela presença constante e pelos pilares bem estruturados que me ofereceram. Cada uma de minhas vitórias é e será sempre dedicada a vocês. Obrigada Yeyé e Kiko pelas aventuras, pelo companheirismo e pela história de vida que traçamos juntos, na infância, na adolescência e que continuamos traçando. Obrigada Ana Clara e Luiz Gustavo, sobrinhos amados que reavivaram em nossa família os prazeres da infância. Neném, você me torna melhor a cada dia. Vocês todos são pessoas sagradas em minha vida. Tios, tias, primos e primas, que, em determinados momentos eram exemplo, em outros eram companheiros e, em todos os momentos eram, são e, sei muito bem que, sempre serão incentivadores. Denise, obrigada por dar conta da minha baderna generalizada com os papéis e livros durante o período de “gestação” deste filho. Os momentos de fuga, abstinência de raciocínio científico, relaxamento mental e busca de fôlego novo para continuar minha caminhada também foram proporcionados e acompanhados por pessoas tão nobres quanto a família: os amigos verdadeiros. Estes formam a minha segunda família: Maria do Socorro (mãezinha), Waldênia, Wanêssa e Pedro, Walena, Keyle, Laura, Jajá, Érmiton e Martinha, Léa e Humberto, Milene e Tia Bem. Sou grata por vocês sempre fazerem parte da minha caminhada. À turma do mestrado, um agradecimento generalizado, pelas discordâncias que levaram a reflexões mais elaboradas sobre determinados assuntos e ampliaram as linhas de raciocínio, pelas concordâncias que fortaleceram o sentimento de capacidade, pelo companheirismo e união em momentos extremamente tensos e pelo suporte dado em períodos delicados de minha vida. Dea, Tom, Rachel, Dani, Bruna, Gilmara, Danilo e Cássio, muito mais que colegas, vocês se tornaram amigos e espero, de verdade, que a vida jamais nos distancie. Aos mestres e doutores da grade curricular, a gratidão pela disposição em repassar seus conhecimentos propiciando um aprendizado científico enriquecedor. À Isabel, MESTRE (com letras maiúsculas) em todos os sentidos e que me deu o primeiro “norte” para esta pesquisa. Um exemplo de ser humano que, do alto de sua sabedoria, bondade e doçura se apresenta como uma menina em constante aprendizado. Ao Professor Reinaldo, a gratidão fica estampada na folha de rosto deste trabalho. Mestre que acompanhou e se dedicou a esta pesquisa, de maneira criteriosa e esclarecedora, sem que, em momento algum, eu me sentisse “desorientada” e, por isso, verdadeiramente merecedor do título de orientador. Um agradecimento especial ao Ubiraney, amigo desde os primeiros movimentos em prol da estruturação da Estrada Real e do Circuito do Ouro, pessoa que “abriu as portas de Itabirito” para que eu pudesse desenvolver este trabalho de pesquisa, facilitando contatos, fornecendo todas as informações às quais tinha acesso e minimizando as dificuldades quando essas surgiam. Ao MESTRE do universo, obrigada por tudo e por todos. “... E as coisas lindas muito mais que findas essas ficarão.” (Carlos Drummond de Andrade) LISTA DE APÊNDICES APÊNDICE 01 – Foto do XI Festival de Gastronomia de Tiradentes / 2008 APÊNDICE 02 – Umbigo de Bananeira e Pastel de Angu APÊNDICE 03 – Umbigo de Bananeira APÊNDICE 04 – Entrevista com o Secretário Ubiraney e a Chefe de Divisão Gilmara APÊNDICE 05 – Entrevista com Dona Inês de Souza Lima APÊNDICE 06 – Boneco alusivo à escrava Philó APÊNDICE 07 – Boneco alusivo à escrava Maria Conga APÊNDICE 08 – Bonequinhas PHILÓ e MARIA CONGA, em cerâmica APÊNDICE 09 – Detalhe das bonequinhas de cerâmica APÊNDICE 10 – Pesquisa de Demanda – Participantes do Festival do Pastel de Angu 2008 APÊNDICE 11 – Público do Festival do Pastel de Angu – 2008 LISTA DE ANEXOS ANEXO 01 – Folder da Oktoberfest de Blumenau ANEXO 02 – Localização de Itabirito na Estrada Real RESUMO O presente trabalho de pesquisa se desenvolveu de uma forma explicativa, analítica e exemplificativa, objetivando realçar a gastronomia como uma vertente do patrimônio cultural imaterial voltado para a atividade turística. Visando descrever o que se considera patrimônio cultural e o caminho percorrido até a definição de suas interfaces material e imaterial foi apresentada uma análise geral do tema no contexto mundial e brasileiro, bem como a importância e a interdependência da educação patrimonial em relação ao reconhecimento identitário e à inclusão social ligados à gastronomia. O estudo, de natureza descritiva e exploratória, teve como base o município de Itabirito, Minas Gerais, devido à importância do Pastel de Angu para a cidade e a busca do seu registro como patrimônio imaterial. A unidade empírica analisada foi o pastel de angu como patrimônio imaterial, tendo os métodos e técnicas analíticas utilizados, centrados na pesquisa bibliográfica e documental, complementada com estudo de caso sobre o Festival do Pastel de Angu de Itabirito e entrevistas com atores envolvidos no citado evento. Palavras-chave: Patrimônio Imaterial; Turismo Gastronômico; Turismo de Eventos; Gastronomia e Cultura; Educação Patrimonial. ABSTRACT This present research paper was developed in an explanatory, analytical and illustrative way with the purpose to highlight the cuisine as a part of the intangible cultural heritage focused on tourism. Seeking to describe what is considered cultural heritage and the path to the definition of its tangible and intangible interfaces, a general analysis of the topic, considering the context of the world and Brazil, was presented, as well as the importance and interdependence of heritage education on identity recognition and social inclusion related to gastronomy. The study was descriptive and exploratory in nature, its focus was the municipality of Itabirito, Minas Gerais, due to the importance of Pastel de angu for the city and the search for its record as intangible heritage. The empirical unit of analysis was the pastel de angu as an intangible heritage, and the methods and analytical techniques used were focused on bibliographical and documentation research, supplemented by a case study on the Pastel de Angu Festival of Itabirito and interviews with actors involved in that event. Keywords: Intangible Heritage, Gastronomic tourism, Tourism Events, Gastronomy and Culture, Heritage Education. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................12 1. PATRIMÔNIO ........................................................................................................... 14 1.1. Patrimônio Cultural: a evolução do tema ................................................................. 14 1.1.1. Aprimoramento da Visão Cultural .................................................................20 1.1.2. Concepções de Cultura 1.2. Patrimônio Cultural Imaterial ..............................................................................25 ............................................................................... 27 1.3. O Patrimônio no Brasil: do material ao imaterial 1.4. A Gastronomia ................................................... 32 ....................................................................................................... 41 2. TURISMO, PATRIMÔNIO CULTURAL E EDUCAÇÃO ............................................. 49 2.1. O Turismo e a Diversidade Gastronômica ............................................................ 49 2.2. Patrimônio Cultural, Identidade e Inclusão Social ................................................... 54 2.3. Processo de Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, Educação, cultura e turismo ....................................................................................................... 58 2.4. Educação Patrimonial e Algumas Práticas Bem Sucedidas ................................ 64 3. EDUCAÇÃO PATRIMONIAL EM ITABIRITO E O PASTEL DE ANGU .................. 69 3.1. O Município de Itabirito ........................................................................................ 69 3.2. O Pastel de Angu, o Projeto Pastel de Angu e seus Desdobramentos ...................... 70 3.3. A Festa Anual do Projeto Pastel de Angu ................................................................. 74 3.4. A Pesquisa ............................................................................................................75 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................87 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................89 6. APÊNDICES 7. ANEXOS .................................................................................................................94 ...................................................................................................................112 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CNCR – Centro Nacional de Referência Cultural DPHAN – Diretoria de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional DPI – Departamento de Patrimônio Imaterial GTPI – Grupo de Trabalho do Patrimônio Imaterial IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICCROM – International Organization for Conservation of Cultural Heritage (Centro Internacional de Estudos para a Conservação e Restauração de Bens Culturais) ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços ICOMOS – International Council on Monuments and Sites (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios) IEPHA – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico INRC – Inventário Nacional de Referências Culturais IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional LDBEN – Leis de Diretrizes e Base da Educação Nacional MERCOSUL – Mercado Comum do Sul OEA – Organização dos Estados Americanos OMT – Organização Mundial do Turismo ONG – Organização Não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais PNPI – Programa Nacional de Patrimônio Imaterial SEBRAE – Serviço de Apoio a Micro e Pequenas Empresas SHU – Sítio Histórico Urbano SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional UNEP – Organização das Nações para o Meio Ambiente UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1 – Origem-Local de residência.........................................................................77 GRÁFICO 2 – Principal motivo para estar no evento..........................................................77 GRÁFICO 3 – Companhia para o evento.............................................................................78 GRÁFICO 4 – Participação no evento.................................................................................78 GRÁFICO 5 – O que mais agradou no evento.....................................................................79 GRÁFICO 6 – O que mais desagradou no evento...............................................................79 GRÁFICO 7 – Participaram da festa em 2007.....................................................................80 GRÁFICO 8 – Avaliação geral do evento............................................................................80 GRÁFICO 9 – Pretensão de gastos no período....................................................................81 GRÁFICO 10 – Meio de transporte.....................................................................................82 GRÁFICO 11 – Tipo de hospedagem..................................................................................82 GRÁFICO 12 – Utilização de bares e restaurantes locais....................................................83 GRÁFICO 13 – Tempo de permanência em Itabirito..........................................................83 GRÁFICO 14 – Como ficou sabendo do Festival................................................................84 GRÁFICO 15 – Quantas vezes já esteve em Itabirito..........................................................84 GRÁFICO 16 – Visitou algum atrativo em Itabirito............................................................84 GRÁFICO 17 – Pretende retornar a Itabirito.......................................................................85 GRÁFICO 18 – Avaliação geral do município....................................................................85 GRÁFICO 19 – Sexo............................................................................................................86 GRÁFICO 20 – Faixa etária.................................................................................................86 GRÁFICO 21 – Escolaridade...............................................................................................87 GRÁFICO 22 – Renda mensal.............................................................................................87 INTRODUÇÃO São legítimas a importância e a necessidade de se promover a proteção da memória e das manifestações culturais existentes em todo o mundo, como, por exemplo, os sítios históricos, os monumentos e as paisagens. Desta forma, questões como patrimônio cultural da humanidade, ou patrimônio histórico–cultural nacional, estadual e municipal há muito vêm sendo pesquisadas, difundidas e trabalhadas visando à preservação de todo um patrimônio cultural que represente, entre variadas formas, a importância histórica, cultural, identitária e social de determinadas localidades, em todos os níveis e esferas possíveis. Após anos de debates e desenvolvimento do pensamento preservacionista contemporâneo baseado na historicidade dos atos e produtos da humanidade de uma maneira geral, percebe-se que há muito mais contido nas tradições, no folclore, nos saberes, nas línguas, nas festas e em outros aspectos e manifestações, transmitidos oral ou gestualmente, recriados coletivamente e modificados ao longo do tempo do que se identificava há alguns anos. Devido a toda esta gama de representações da vida humana, iniciou-se uma linha de pensamento voltada para a importância histórica do patrimônio imaterial em busca de formas para sua definição e preservação. Mesmo sendo recente a discussão sobre Patrimônio Imaterial em âmbito mundial e, também, nacional, vários são os motivos para o Brasil, seus Estados e Municípios se dedicarem à catalogação, aos trabalhos para estruturar o inventário e, principalmente, à realização do registro e da salvaguarda de muitas de suas manifestações culturais, pois, estas expressam uma enorme variedade quanto às formas e significados, além de representarem parte de uma história que pode ser contada de maneira singular. Durante o congresso da UNESCO realizado em Havana (Cuba), em novembro de 1996, tendo como tema o Turismo Cultural na América Latina e no Caribe, aprovou-se uma carta-documento que “reconhece as receitas culinárias como um bem cultural tão relevante e valioso quanto à arquitetura, os casarões e casarios, as igrejas, os monumentos etc.”. No documento destaca-se “que toda política cultural, se bem fundamentada, deve consagrar o gesto de comer não somente como uma tradição, mas, também, como uma ação de criatividade, não se constituindo simplesmente, num ritual biológico de apenas alimentação” (TRIGUEIRO E LEAL, 2006: 12). 12 Corroborando com esses pensamentos, o presente trabalho de pesquisa se desenvolve de uma forma explicativa, analítica e exemplificativa, objetivando realçar a gastronomia como uma vertente do patrimônio cultural imaterial voltado para a atividade turística e impulsionadora da economia local. Visando descrever o que se considera patrimônio cultural e o caminho percorrido até a definição de suas interfaces material e imaterial apresentar-se-á uma análise geral do tema no contexto mundial e brasileiro, a importância e a interdependência da educação patrimonial face ao reconhecimento identitário e à inclusão social ligados à gastronomia. Como base da descrição sobre patrimônio lançou-se mão às cartas patrimoniais e declarações oficiais, diante das quais, identificou-se uma grande quantidade de documentos relativos ao patrimônio cultural material em relação ao patrimônio cultural imaterial. Sendo os assuntos “patrimônio imaterial” e “gastronomia enquanto atrativo turístico” algo relativamente recente no mundo acadêmico, deparou-se com a dificuldade de referenciais inéditos sobre os mesmos, sendo que, a maioria das referências estudadas citam-se umas às outras, quer sejam referências nacionais ou internacionais. Como complemento para elucidação da problemática, permeou-se por caminhos que permitissem avaliar, ainda, o potencial da atratividade turística de um evento baseado na gastronomia, sua interferência na economia local, a principal atratividade do evento, as características dos freqüentadores do evento, os recursos de infra-estruturas básicas e turísticas mais utilizados pelos freqüentadores do evento. O estudo, de natureza descritiva e exploratória, teve como base o município de Itabirito localizado na Rodovia dos Inconfidentes – BR040/BR356, a 55 km da capital de Minas Gerais, Belo Horizonte. A escolha de Itabirito para desenvolvimento deste projeto vai de encontro à importância do Pastel de Angu e a busca do seu registro como patrimônio imaterial no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. A unidade empírica de análise é o pastel de angu como patrimônio imaterial, tendo os métodos e técnicas analíticas utilizados, centrados na pesquisa bibliográfica e documental, complementada com estudo de caso sobre o Festival do Pastel de Angu de Itabirito e entrevistas com atores envolvidos no citado evento. 13 1. PATRIMÔNIO 1.1. Patrimônio Cultural: a evolução do tema Por vários séculos, muito se perdeu das representações materiais referenciais da vida humana de diferentes grupos sociais, ou seja, patrimônio cultural material, devido às formas de desenvolvimento das sociedades e devido a pouca valorização de tais objetos ou construções como representações da história de um povo. Essa perda se dá, não por falta de estudos sobre o patrimônio e de estabelecimento de normas para sua preservação, mas, muitas vezes, por falta de adequação dos mesmos ao avanço do tempo, por falta de divulgação destes estudos e normas e falta de reconhecimento de sua importância por parte da população. Por meio de um esquema cronológico baseado em documentos de organismos que trabalham as questões patrimoniais, apresentar-se-á as principais ações relacionadas ao patrimônio cultural ocorridas internacionalmente, visando facilitar a compreensão sobre a trajetória e a evolução do tema através dos tempos. Como um dos primeiros passos oficiais relativos às questões patrimoniais e tomado aqui como ponto inicial da cronologia em nível mundial tem-se a Carta de Atenas – aprovada pela conferência do Escritório Internacional dos Museus da Sociedade das Nações em outubro de 1931. Este documento versa sobre a reconstituição, a manutenção, a conservação e a restauração de edifícios e monumentos de caráter histórico ou artístico do passado, sem prejuízos ao estilo de nenhuma época. Além disso, quando trata sobre a valorização do monumento, recomenda “a supressão de toda publicidade, de toda presença abusiva de postes ou fios telegráficos, de toda indústria ruidosa, mesmo de altas chaminés, na vizinhança ou na proximidade dos monumentos, de arte ou de história” 1. Nesse mesmo documento, já se autorizava a utilização de materiais modernos para os restauros, inclusive o cimento armado, substituindo os materiais originais das construções, desde que não alterem os aspectos e o caráter do edifício. Na Carta de Atenas (Op. cit.) cabe atenção especial ao capítulo VII, alínea b – O papel da educação e o respeito aos monumentos, que trata do seguinte: 1 Carta de Atenas, 1931. Disponível em <http://www.iphan.gov.br>. 14 A conferência, profundamente convencida de que a melhor garantia de conservação de monumentos e obras de arte vem do respeito e do interesse dos próprios povos, considerando que esses sentimentos podem ser grandemente favorecidos por uma ação apropriada dos poderes públicos, emite o voto de que os educadores habituem a infância e a juventude a se absterem de danificar os monumentos, quaisquer que eles sejam, e lhe façam aumentar o interesse, de uma maneira geral, pela proteção dos testemunhos de toda a civilização. Conforme pode-se perceber, já no início do século passado – XX – enxergava-se a necessidade de intervenções de novos materiais e da ação conjunta de esforços educativos para que se possa manter erguidos e íntegros os monumentos representativos da história e da arte de todo o mundo, porém, a palavra patrimônio é expressa uma única vez e sem maior amplitude em seu significado, pois se delimitava como artístico e arqueológico, direcionado apenas às construções/edifícios e aos grandes monumentos. Novo movimento de alcance mundial concedendo maior abrangência às questões patrimoniais ocorreu em meados do século XX com a criação da UNESCO (Organizações das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Em 16 de novembro de 1945 foi assinada a Constituição da UNESCO, entrando em vigor em novembro de 1946, com o objetivo de “criar condições para um genuíno diálogo fundamentado no respeito pelos valores compartilhados entre as civilizações, culturas e pessoas” (UNESCO, 2007). Começavam então, mesmo que em passos relativamente lentos, os trabalhos e as ações vislumbrando melhorias nas condições da educação e a preocupação e ocupação com as questões relativas à preservação do patrimônio cultural mundial. Nesta época, se trabalhava com a arqueologia enquanto principal representação patrimonial conforme pode se confirmar através da Recomendação de Nova Delli, aprovada pela UNESCO em dezembro de 1956 2, que, apesar de mencionar “conservação de monumentos e obras do passado”, trata, no decorrer de todo o texto, sobre vestígios arqueológicos, pesquisas arqueológicas e obrigações dos escavadores e descobridores de peças e objetos arqueológicos. No início da década de 60 – dezembro de 1962 – a UNESCO aprovou a Recomendação de Paris sobre as Paisagens e Sítios, inserindo-os como fatores de extrema relevância para a preservação, somando-os aos monumentos e obras até então recebedores preferenciais de atenção preservacionista. A Recomendação de Paris de 1962 tinha como definição o seguinte texto: 2 Recomendação de Nova Delli, 1956. Disponível em <http:// portal.unesco.org>. 15 Para os efeitos da presente recomendação, entende-se por salvaguarda da beleza e do caráter das paisagens e sítios a preservação e, quando possível, a restituição dos aspectos das paisagens e sítios, naturais, rurais ou urbanos, devidos à natureza ou obra do homem, que apresentam um interesse cultural ou estético, ou que constituem meios naturais característicos. As disposições da presente recomendação visam também a complementar as medidas de salvaguarda da natureza 3. No que se refere aos métodos para assegurar a salvaguarda, a recomendação indica: a) Controle geral por parte das autoridades competentes. b) Inserção de restrições nos planos de urbanização e no planejamento em todos os níveis: regionais, rurais ou urbanos. c) Proteção legal por zonas, das paisagens externas. d) Proteção legal dos sítios isolados. e) Criação a manutenção de reservas naturais e parques nacionais. f) Aquisição de sítios pelas coletividades públicas. 4 Ou seja, há aproximadamente 50 anos já havia preocupação, de abrangência mundial, com questões relativas à conservação da natureza e estratégias de divisão e formas de utilização do espaço, ao que hoje denominamos Lei de Uso e Ocupação do Solo. Desta forma, visava-se garantir a diversidade natural e cultural consideradas representativas de uma maneira geral, mas, ainda, sem dimensionar o que viria a se chamar patrimônio cultural. Essa definição foi dada inicialmente em 1964, pela nova Recomendação de Paris, que tratava das “medidas destinadas a proibir e impedir a exportação, a importação e a transferência de propriedade ilícitas de bens culturais” 5. O tópico destinado à definição da Recomendação de Paris de 1964 expõe que: [...] são considerados bens culturais os bens móveis e imóveis de grande importância para o patrimônio cultural de cada país, tais como as obras de arte e de arquitetura, os manuscritos, os livros e outros bens de interesse artístico, histórico ou arqueológico, os documentos etnológicos, os espécimes-tipo da flora e da fauna, as coleções científicas e as coleções importantes de livros e arquivos, incluindo os arquivos musicais. 6 A Recomendação de Paris, dentre as cartas e recomendações até agora examinadas, foi a primeira a identificar e detalhar a noção de bem e patrimônio cultural, difundindo-a entre os países-membro da UNESCO e criando uma uniformidade na definição dos termos citados. 3 Recomendação de Paris sobre Paisagens e Sítios, 1962. Disponível em <http://portal.unesco.org> Ibden 3. 5 Recomendação de Paris, 1964. Disponível em <http://portal.unesco.org> 6 Ibden 5. 4 16 Além das definições citadas, a publicidade de grande alcance, atualmente realizada pelos meios de comunicação do Brasil, para identificação, reconhecimento, localização e re-apropriação de um bem cultural desaparecido, também já se fazia sugerida na Recomendação de 1964, bem como permaneceu o tópico específico recomendando e alertando sobre a importância da ação educativa já existente na Carta de Atenas. No mesmo ano aconteceu, em Veneza, Itália, o II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos Históricos do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios – ICOMOS – do qual resultou a Carta de Veneza, que surge como um complemento à Carta de Atenas, visto que também versa sobre a conservação e restauração de monumentos e sítios, porém, dando maiores detalhes sobre as formas de conservação, os tipos de materiais permitidos para restauração e, apresentando, em seu artigo 1°, uma definição mais detalhada do que vem a ser monumento: A noção de monumento histórico compreende a criação arquitetônica isolada, bem como o sítio urbano ou rural que dá testemunho de uma civilização particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento histórico. Estende-se não só às grandes criações, mas também às obras modestas, que tenham adquirido, com o tempo, uma significação cultural7. Segundo Rodrigues (2001:18), em 1967, três anos após a Carta de Veneza e a Recomendação de Paris, “o Departamento de Assuntos Culturais da Organização dos Estados Americanos (OEA) promoveu um encontro no Equador que teve como resultado a Carta de Quito”, oficialmente denominada Normas de Quito 8, onde o termo patrimônio cultural apareceu, pela primeira vez de maneira mais explícita, englobando bens culturais e assumindo a posição de algo ao qual se agrega valor”. Dois capítulos da Carta de Quito merecem atenção especial – VI- A Valorização do Patrimônio Cultural e VII- Os Monumentos em Função do Turismo – e são apresentados de forma sucinta por Rodrigues (2001:18) explicando que “se recomendava que os projetos de valorização do patrimônio fizessem parte dos planos de desenvolvimento nacional e fossem realizados simultaneamente com o equipamento turístico das regiões envolvidas” e reforça a importância do envolvimento com a educação. Diante de tantas Cartas e Recomendações com definições não muito concretas, surge, em 1968, a Recomendação de Paris sobre Obras Públicas ou Privadas, que em seu capítulo I – Definições, elucida que a expressão bens culturais se aplicará á: 7 8 Carta de Veneza, 1964. Disponível em <http://icomos.fa.utl.pt> Normas de Quito, 1967. Disponível em <http://portal.iphan.gov.br> 17 a) Bens imóveis como os sítios arqueológicos, históricos ou científicos, edificações ou outros elementos de valor histórico, científico, artístico ou arquitetônico, religiosos ou seculares, incluídos os conjuntos tradicionais, os bairros históricos das zonas urbanas e rurais e os vestígios de civilizações anteriores que possuam valor etnológico. Aplicar-se-á tanto aos imóveis do mesmo caráter que constituam ruínas ao nível do solo como aos vestígios arqueológicos ou históricos descobertos sob a superfície da terra. A expressão bens culturais se estende também ao entorno desses bens. b) Bens móveis de importância cultural, incluídos os que existem ou tenham sido encontrados dentro dos bens imóveis e os que estão enterrados e possam vir a ser descobertos em sítios arqueológicos ou históricos ou em quaisquer outros lugares. 9 Quatro anos depois, o Governo da Itália, através da Circular n° 117 do Ministério de Instrução Pública, de 6 de abril de 1972, demonstrando estar um pouco à frente em relação às questões patrimoniais, divulgou a Carta do Restauro, que, em seu artigo 1° ordenava: Todas as obras de arte de qualquer época, na acepção mais ampla, que compreende desde os monumentos arquitetônicos até as de pintura e escultura, inclusive fragmentados, e desde o período paleolítico até as expressões figurativas das culturas populares e da arte contemporânea, pertencentes a qualquer pessoa ou instituição, para efeito de sua salvaguarda e restauração, são objeto das presentes instruções, que adotam o nome de Carta do Restauro 1972 10. Além de tratar das questões patrimoniais até então apresentadas por documentos de alcance mundial, também incluía, no artigo 2°, preservação de cunho ambiental: Além das obras mencionadas no artigo precedente, ficam assimiladas a essas, para assegurar sua salvaguarda e restauração, os conjuntos de edifícios de interesse monumental, histórico ou ambiental, particularmente os centros históricos; as coleções artísticas e as decorações conservadas em sua disposição tradicional; os jardins e parques considerados de especial importância11. Somente no final deste mesmo ano foram apresentadas definições mais abrangentes dos termos anteriormente utilizados nas diversas cartas e recomendações e incluída a questão ambiental como algo que requeresse atenção mundial. Em novembro 1972, em Estocolmo, a UNESCO, em sua décima sétima Conferência Geral, movida pela preocupação com as transformações ocorridas ao longo do tempo, estabeleceu a Convenção para Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural com o intuito de preservar monumentos, conjuntos arquitetônicos e sítios 9 Recomendação de Paris sobre Obras Públicas ou Privadas, 1968. Disponível em <http://portal.iphan.gov.br> 10 Carta do Restauro, 1972. Disponível em <http://portal.iphan.gov.br> 11 Op. Cit. 18 históricos que representassem um “valor universal excepcional do ponto de vista da história [...]” 12. Nesta Convenção integrou-se, oficialmente, a questão ambiental como objeto de interesse de preservação em conjunto com o que era denominado patrimônio cultural. Os quesitos a serem preservados que simbolizavam os bens materiais representativos do patrimônio cultural foram caracterizados da seguinte forma: - os monumentos: obras arquitetônicas, esculturas ou pinturas monumentais, objetos ou estruturas arqueológicas, inscrições, grutas e conjuntos de valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência, - os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas, que, por sua arquitetura, unidade ou integração à paisagem, têm valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência, - os sítios: obras do homem ou obras conjugadas do homem e da natureza, bem como áreas, que incluem os sítios arqueológicos, de valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico 13. O tema em questão tornou-se importante objeto de estudos, debates e discussões atingindo uma proporção cada vez maior e acarretando o aumento do número de países que se engajavam na preservação patrimonial tanto através da referida convenção quanto através da criação de legislação nacional devido à necessidade e desejo de resguardarem suas próprias histórias e referências culturais. Já no final de 1974 a O.E.A. e o Governo Dominicano realizaram, em Santo Domingos, o I Seminário Interamericano sobre Experiências na Conservação e Restauração do Patrimônio Monumental dos Períodos Colonial e Republicano e, com base na Carta de Veneza e Normas de Quito, geraram a Resolução de São Domingos propondo diversas ações em relação aos países do Continente Americano, integrantes da O.E.A. No plano social, a Resolução de São Domingos 14 avaliava que “a salvação dos centros históricos é um compromisso social além de cultural e deve fazer parte da política de habitação, para que nela se levem em conta os recursos potenciais que tais centros possam oferecer”, o que implica em adequar os usos às condições reais existentes sem que haja descaracterização da área; no plano econômico considera que “a iniciativa privada e o seu apoio financeiro constituem uma contribuição fundamental para a conservação e 12 Convenção para Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, 1972. Disponível em <http://portal.unesco.org> 13 Op. Cit. 14 Resolução de São Domingos, 1974. Disponível em <http://www.portal.iphan.gov.br> 19 valorização dos centros históricos” e que os governos devem “estimular essa contribuição mediante disposições legais, incentivos e facilidades de caráter econômico”. Outro ponto relevante do citado documento identifica o turismo como um meio de preservação e define que “os planos de desenvolvimento turístico devem constituir uma via mediante a qual, com a utilização de alto nível técnico, se logrem objetivos importantes na proteção e preservação do patrimônio cultural americano” 15, a exemplo da Carta de Quito que também vislumbra a idéia da atividade turística como aliada nos trabalhos que visem à preservação e conservação de monumentos históricos. Em Amsterdã, no ano seguinte – 1975, no Congresso do Patrimônio Arquitetônico Europeu promovido pelo Conselho da Europa, foi feita a promulgação da Carta Européia do Patrimônio Arquitetônico, também denominada Manifesto de Amsterdã, no qual considerou-se patrimônio arquitetônico, não apenas os monumentos importantes, mas, também, os conjuntos que formam as antigas cidades e povoações tradicionais em seu ambiente natural. Tal consideração representa a concordância com o que fôra determinado pela Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural – UNESCO – em 1972. Não obstante, sob uma ótica mais complexa, o Manifesto de Amsterdã interpreta o patrimônio cultural como “capital espiritual, cultural, econômico e social cujos valores são insubstituíveis” 16, o que demonstra concordância, com a Resolução de São Domingos. 1.1.1. Aprimoramento da Visão Cultural Com uma visão próxima à da O.E.A. – 1974, atento ao desenvolvimento da atividade turística no mundo, o ICOMOS realizou, no final de 1976, o Seminário Internacional de Turismo Contemporâneo e Humanismo, alavancado pelos efeitos positivos e negativos que esta atividade causa sobre o patrimônio em geral. Como produto deste Seminário tem-se a Carta do Turismo Cultural que apresenta, em um dos seus tópicos, a seguinte visão projetada para o futuro daquele tempo: Contemplado com a perspectiva dos próximos vinte e cinco anos, dentro do contexto dos fenômenos expansivos que afronta o gênero humano e que podem produzir graves conseqüências, o turismo aparece como um dos fenômenos 15 16 Resolução de São Domingos, 1974. Disponível em <http://www.portal.iphan.gov.br> Manifesto de Amsterdã, 1975. Disponível em <http://www.portal.iphan.gov.br> 20 propícios para exercer uma influência altamente significativa no entorno do homem em geral e dos monumentos e sítios em particular 17. Além desta, faz outras considerações sobre a importância da atividade turística e sua relação com as questões patrimoniais, assunto este, que será aprofundado mais adiante, em capítulo específico. Voltando para o foco direcionado, exclusivamente, ao patrimônio histórico e sua salvaguarda, ainda em 1976, reunida em Nairobi para sua 19ª Sessão, a UNESCO aprovou uma recomendação relativa à salvaguarda de conjuntos históricos e sua função na vida contemporânea, que recebeu a denominação de Recomendação de Nairobi e que reestruturava algumas das definições até então tomadas como oficiais, conforme se segue: - Conjunto histórico ou tradicional: todo agrupamento de construções e de espaços, inclusive os sítios arqueológicos e paleontológicos, que constituam um assentamento humano, tanto no meio urbano quanto rural e cuja coesão e valor são reconhecidos do ponto de vista arqueológico, arquitetônico, pré-histórico, histórico, estético ou sócio-cultural. - Salvaguarda: a identificação, a proteção, a conservação, a restauração, a reabilitação, a manutenção e a revitalização dos conjuntos históricos ou tradicionais e de seu entorno. 18 Estas definições acrescem e ampliam definições adotadas por documentos anteriores, como a Carta de Veneza – 1964, a Recomendação de Paris – 1968 e a Recomendação para a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural – 1972. A Recomendação de Nairobi também sugere, medidas jurídicas, medidas técnicas, econômicas e sociais que ajudem a garantir a salvaguarda do patrimônio histórico, envolvendo a formulação de decretos, normas, atuação de profissionais com formações adequadas, participação comunitária, apresentando, ainda, um tópico específico sobre pesquisa, ensino e informação, como na maioria das Cartas vistas até agora, que dispensam atenção à educação em todos os níveis. Continuando, e ampliando, esforços e olhares sobre a educação e o planejamento, em dezembro de 1977 foi realizado, em Machu Picchu, um novo Encontro Internacional de Arquitetos, no qual foi elaborada a Carta de Machu Picchu. A Carta de Machu Picchu se apresenta como uma revisão e complementação da Carta de Atenas, devido aos fenômenos novos que emergiram durante os quase 45 anos que se passaram e a necessidade de uma análise interdisciplinar dessas mudanças, 17 18 Carta do Turismo Cultural, 1976. Disponível em <http://www.portal.iphan.gov.br> Recomendação de Nairobi, 1976. Disponível em <http://www.portal.iphan.gov.br> 21 reconhece que houve esforços, ao longo dos tempos, para atualizá-la e que a mesma ainda é considerada um documento fundamental. 19 O primeiro tópico da Carta de Machu Picchu 20 analisa questões relativas às cidades e sua regiões e, destacando a essência deste tópico, obtém-se que “a desarticulação entre o planejamento econômico em nível nacional e regional e o planejamento para o desenvolvimento urbano onerou e reduziu a eficiência de ambos”, além disso, explicita que o planejamento econômico, o projeto, o planejamento urbano e a arquitetura estão incluídos no planejamento geral, e que este, tem como objetivo “a interpretação das necessidades humanas e a realização em um contexto de oportunidades de formas e de serviços urbanos apropriados para a população”. No tópico sobre crescimento urbano há uma consideração extremamente relevante na afirmação de que “desde a Carta de Atenas até nossos dias a população do mundo duplicou, dando lugar à chamada crise tripla: ecológica, energética e alimentícia” 21 e identifica o surgimento de duas categorias de países, os industrializados e os em desenvolvimento, categorias essas que persistem até o atual início do século XXI. Outros tópicos se referem a tudo aquilo que integra a infra-estrutura básica das cidades (saneamento, transporte, moradia etc) e dois tópicos mais específicos se destinam à preservação do patrimônio e à tecnologia. O primeiro reforça a idéia de que “a identidade e o caráter de uma cidade são dados [...] também, por suas características sociológicas” 22 e apresenta, em concordância com a Recomendação para a Salvaguarda do Patrimônio Mundial Cultural e Natural, a importância de se preservar, além do patrimônio histórico monumental, o patrimônio cultural. Já no segundo tópico citado, o da Tecnologia, chama-se a atenção para algo mencionado pela primeira vez em um documento deste porte, que é o uso da reciclagem de materiais nas restaurações ou reformas: “A tecnologia construtiva deve considerar a possibilidade de reciclar os materiais fim de conseguir transformar os elementos construtivos em recursos renováveis” 23. 19 Carta de Machu Picchu, 1977. Disponível em <http://www.portal.iphan.gov.br> Carta de Machu Picchu, 1977. Disponível em <http://www.portal.iphan.gov.br> 21 Op. Cit. 22 Ibden 20. 23 Ibden 20. 20 22 O ICOMOS, instituição com o foco voltado para monumentos e sítios apresentou em 1980, um documento – Carta de Burra – com especificações bem detalhadas sobre termos normalmente utilizados quando se trata de patrimônio histórico. Em suma, a Carta de Burra 24 oficializa o significado dos seguintes termos: bem, significação cultural, substância, conservação, manutenção, preservação, restauração, reconstrução, adaptação e uso compatível. Considerando-a como uma padronização no entendimento dos termos apresentados, a Carta de Burra evita visões distorcidas ou equivocadas e corrobora para que, em todo o mundo, as interpretações referentes a estes termos obtenham o mesmo sentido, e aí está sua importância. Tem-se que, em 1981, o mesmo ICOMOS elabora a Carta de Florença, voltando suas atenções para a questão ambiental, considerando os jardins históricos passíveis de salvaguarda nos mesmos moldes que um monumento, conforme recomendado pela Carta de Veneza, pois, “é uma composição arquitetônica e vegetal que, do ponto de vista da história ou da arte, apresenta um interesse público. Como tal é considerado monumento” 25. Dessa forma, reforça a mescla do patrimônio cultural com o natural, abordada em 1972 pela Recomendação sobre a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural ampliando a ótica da preservação patrimonial e é seguida por uma nova Declaração de Nairóbi - 1982, proclamada pela Organização das Nações para o Meio Ambiente – UNEP, que considera a Convenção de 1972 uma “força poderosa que incrementou a consciência e a compreensão públicas quanto à fragilidade do meio ambiente” 26. Neste início da década de 80, o reforço aos temas que envolvem as questões ambientais veio acompanhado pelo surgimento de uma nova visão, voltada para as tradições e costumes de sobrevivência das comunidades. Através da Carta Internacional para a Salvaguarda das Cidades Históricas 1987, conhecida como Carta de Washington, pode-se observar esta ampliação do que se considerava, até então, patrimônio histórico. Considerada, também, como um complemento da Carta de Veneza – 1964 e da Recomendação de Nairóbi – 1976, a Carta de Washington reconhece que as cidades 24 Carta de Burra, 1980. Disponível em <http://www.portal.iphan.gov.br> Carta de Florença, 1981. Disponível em <http://www.icomos.fa.utl.pt> 26 Declaração de Nairóbi, 1982. Disponível em <http://www.portal.iphan.gov.br> 25 23 históricas, os centros históricos e os bairros históricos, bem como seu entorno “exprimem valores próprios das civilizações urbanas tradicionais” e define meios para “salvaguardar a qualidade das cidades históricas, a favorecer a harmonia da vida individual e social e a perpetuar o conjunto de bens que, mesmo modestos, constituem a memória da humanidade” 27. Além disso, o significado anteriormente dado à expressão salvaguarda do patrimônio histórico – que neste caso representam diversos tipos de aglomerações humanas – é ampliado para medidas necessárias à proteção, conservação e restauração, “bem como seu desenvolvimento coerente e a sua adaptação harmoniosa à vida contemporânea” e estabelece como valores a se preservar “o caráter histórico da cidade e o conjunto de elementos materiais e espirituais que expressam sua imagem” (Ibden). A importância das aglomerações também é expressa pela Declaração de Tlaxcala 28 – 1982 – elaborada durante o Colóquio Interamericano sobre a Conservação do Patrimônio Monumental “Revitalização das Pequenas Aglomerações”, sob a coordenação do ICOMOS. Esse documento reconhece, dentre outros tópicos, que “as ações que tendem à obtenção do bem estar das comunidades dos pequenos lugares de habitat devem fundamentar-se em um respeito restrito às tradições e ao modo de vida locais” 29 e recomenda que: ...a utilização de materiais regionais e a conservação de técnicas de construção tradicionais de cada região sejam indispensáveis para a conservação adequada das pequenas aglomerações e não estejam em contradição com a teoria geral que estabelece que se deixe em evidência nas intervenções a marca de nosso tempo. 30 Em 1990, mais um aprimoramento da Carta de Veneza foi elaborado pelo ICOMOS, a Carta de Lausanne. Esta evidenciava que as definições de técnicas para a preservação do patrimônio arqueológico se tornam mais eficazes quando acompanhadas por uma equipe multidisciplinar de profissionais e especialistas de áreas correlatas ao objeto de preservação, bem como órgãos públicos e comunidade 31. Vale ressaltar que a Carta de Veneza, desde sua adoção, vem servindo como base para outros diversos documentos, sempre com o intuito de melhorar ou adequar suas 27 Carta de Washington, 1987. Disponível em <http://icomos.fa.utl.pt> Declaração de Tlaxcala, 1982. Disponível em <http://www.portal.iphan.gov.br> 29 Op. cit. 30 Ibden 28. 31 Carta de Lausane, 1990. Disponível em <http://www.portal.iphan.gov.br> 28 24 recomendações conforme as mudanças ocorridas ao longo dos tempos, mas sendo mantida como uma das principais referências à normatização relativa ao patrimônio histórico cultural em todo o mundo. Como reconhecimento e reforço à nova perspectiva abordada pela Convenção de 1972, pela Carta de Florença – 1981 e pela Declaração de Nairóbi – 1982, o Conselho da Europa, através de seu Comitê de Ministros, adota, em setembro de 1995, a Recomendação Europa, destinada aos países deste continente. A citada Recomendação apresenta o ambiente natural e a paisagem cultural como fatores diretamente ligados ao patrimônio histórico cultural como um todo e que a aplicação de medidas para conservar e acompanhar a evolução da paisagem cultural “deveria ser planejada em conexão com políticas mais abrangentes [...] contemplando todos os interesses do respectivo território: culturais, históricos, arqueológicos, etnológicos, estéticos, econômicos e sociais” 32. Já em 1999, a exemplo do Conselho Europeu, a Comunidade Andina, através da decisão 460 de 25 de maio de 1999 elabora o documento denominado Cartagenas de Índias – Colômbia sobre proteção e recuperação de bens culturais do patrimônio arqueológico, histórico, etnológico, paleontológico e artístico. Com esta última citação se encerra a seleção feita entre outros vários documentos no intuito de apresentar uma noção geral do tratamento dado às questões patrimoniais desde o início do século XX e permitir uma maior inteiração sobre o que veio a se chamar, nos dias atuais, patrimônio cultural, bem como a importância de salvaguardá-lo. Visto que a salvaguarda de uma cultura visa buscar formas de mantê-la viva e dar continuidade à sua existência, há que se fazer, ainda, uma análise complementar sobre o que vem a ser cultura, de uma maneira geral e no âmbito patrimonial. 1.1.2. Concepções de Cultura O termo cultura, como substantivo, significa “lavoura; conjunto das ações necessárias para que a terra produza; vegetal cultivado” (GARCIA, 1978:718) e, quando apresentado no sentido figurado, o mesmo autor a transcreve como “estado do que tem desenvolvimento intelectual; o nível de uma coletividade; instrução; saber”. 32 Recomendação Europa, 1995. Disponível em <http://www.portal.iphan.gov.br> 25 Tendo como suporte teórico esta segunda definição é que se traçam as bases conceituais para o patrimônio cultural, sendo que a tradicionalidade é que ampliará e completará o sentido de cultura para além do conhecer e ter instrução, especificando a transferências das informações entre as gerações, através de ensinamentos popularmente chamados de pai para filho. Garcia (1978: 2620) apresenta a seguinte definição de tradição: “Ação de entregar ou transmitir; transmissão oral de fatos históricos, lenda, valores espirituais etc., de geração em geração; usos ou hábitos inveterados transmitidos de geração em geração; símbolo; memória; recordação”. Para definir melhor o termo cultura neste contexto de patrimônio, conservação e preservação, Meneses (2004:43) buscou a origem, as bases do significado e assim o esclarece: O conceito de cultura [...] ampliou a idéia de civilization e de civilisation de ingleses e franceses, incorporando a idéia alemã de kultur. Para ingleses e franceses, civilização era a palavra que traduzia aquela construção de tudo o que a Europa ensinou ao mundo ocidental no processo de colonização [...] Kultur, por sua vez, incorpora para os alemães toda a construção coletiva e diversa que cada povo edifica na sua vivência particular. Portanto, diante destas definições e analisando o tratamento atualmente dado ao termo, cultura pode representar a junção dos dois entendimentos, significando “para nós, tudo o que se constrói na vivência coletiva, fruto de difusões de culturas distintas e de criações e saídas novas para problemas cotidianos” (MENESES, 2004:43). Visto que analisar e conceituar definitivamente o termo cultura é um tanto complexo, Laraia (2006:63) argumenta que essa discussão não está terminada, pois, para ele, “uma compreensão exata do conceito de cultura significa a compreensão da própria natureza humana”. Já, no entendimento de Neves (2003:49 e 50) tem-se interpretações distintas e complementares, visto que: O senso comum identifica cultura como o domínio de certos conhecimentos e habilidades que permitem a algumas pessoas compreender e usufruir de bens ditos superiores, como obras de arte, literatura erudita, espetáculos teatrais etc. Para muitos, culto é aquele que tem informações e conhecimentos formais. O conceito antropológico de cultura, entretanto, estende essa noção a todos os seres humanos, postulando que todos os homens são portadores de capacidades, sendo, portanto, capazes de desenvolver atividades complexas, como é o caso da linguagem. 26 Devido à continuidade e ao aprofundamento de estudos sobre questões culturais, juntamente com as possibilidades e formas de sua preservação, emerge o debate sobre a cultura imaterial que também carrega um significado histórico representativo e importante no que diz respeito aos costumes do povo de determinada época e localidade e que, muitas vezes se reflete nas gerações atuais. Refletindo a dinâmica temporal, na opinião de Azevedo (2002) cultura e patrimônio compõem, ambos, acervo acumulado, cumulativo de vivências locais das várias gerações. Desta forma, o patrimônio cultural deixa de ser uma representação exclusiva dos grandes feitos e personagens históricos, associados às classes dominantes, pertencentes à sociedade política ou civil que tinham como referência o paradigma etnocêntrico da cultura européia (BARRETO, 2000; MENESES, 2004). No momento em que o patrimônio cultural abre-se para novas possibilidades de interpretação e abarca novas considerações, passa a valorizar os conhecimentos, as atitudes, as vivências de povos e comunidades, características intangíveis que dão início à história de um patrimônio denominado imaterial. 1.2. Patrimônio Cultural Imaterial O patrimônio imaterial representa um novo olhar sobre o patrimônio cultural e, assim como o patrimônio material, vem sofrendo perdas ao longo do tempo, porém, de uma forma mais acelerada devido ao interesse tardio sobre o tema e, devido também, às suas bases estarem, na maioria das vezes, estruturadas na oralidade, havendo, portanto, poucos ou nenhum registro das mesmas. Após décadas de estudos, normatizações e medidas para a salvaguarda do patrimônio cultural material, surgem, na década de 80, as primeiras menções oficiais e de maneira mais específica relacionada ao patrimônio cultural imaterial. Em 1985, o ICOMOS realizou a Conferência Mundial sobre as Políticas Culturais, que resultou na Declaração do México. Tal Declaração pode ser considerada como um marco oficial dos trabalhos em busca da valorização e preservação de um patrimônio não tangível – patrimônio imaterial –, visto que foi o primeiro documento internacional a 27 definir aspectos que vão além das construções e dos ambientes onde vivem os seres humanos, ressaltando, então, seus modos de vida e suas relações sociais. Considerando a cultura como “o conjunto dos traços distintivos espirituais, materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade e um grupo social” afirma que a mesma “engloba, além das artes e das letras, os modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, o sistema de valores, as tradições e as crenças” 33, apresentando, oficialmente o termo identidade cultural. Com este documento, o ICOMOS solicita à UNESCO que ponderasse e reavaliasse o tratamento a ser dado às questões culturais imateriais visando normas e atitudes preservacionistas a exemplo do que ocorre com o patrimônio material. Já em 1989, em Paris, a UNESCO elabora a Recomendação de Paris sobre a salvaguarda da cultura tradicional e popular, considerando que tais culturas formam “parte do patrimônio universal da humanidade e que é um poderoso meio de aproximação entre os povos e grupos sociais existentes e de afirmação de sua identidade cultural” e ainda reconhece a “fragilidade de certas formas de cultura tradicional e popular e (...) de seus aspectos correspondentes à tradição oral” 34 que pode, com o passar do tempo, facilmente se perder. Nesta Recomendação, há um longo parágrafo destinado a definir, conforme entendimento da UNESCO, o que vem a ser cultura tradicional e popular, que, posteriormente, será identificada como patrimônio imaterial: A cultura tradicional e popular é o conjunto de criações que emanam de uma comunidade cultural fundadas na tradição, expressas por um grupo ou por indivíduos e que reconhecidamente respondem às expectativas da comunidade enquanto expressão de sua identidade cultural e social; as normas e os valores se transmitem oralmente, por imitação ou de outras maneiras. Suas formas compreendem, entre outras, a língua, a literatura, a música, a dança, os jogos, a mitologia, os rituais, os costumes, o artesanato, a arquitetura e outras artes. 35 Nesta definição, percebe-se a ausência de citação da culinária e gastronomia, podendo ser, portanto, incluídas no que se denominou – outras artes, visto que suas características correspondem às especificadas pela definição apresentada. Um novo e importante passo na história do Patrimônio Cultural Imaterial foi dado em 1994, quando a UNESCO, o ICCROM e o ICOMOS se juntaram em Nara – Japão – e 33 Declaração do México, 1985. Disponível em <http://www.www.portal.iphan.gov.br> Recomendação de Paris, 1989. Disponível em <http://portal.unesco.org> 35 Op. cit. 34 28 realizaram a Conferência sobre a autenticidade em relação a convenção do Patrimônio Mundial. Como resultado desta Conferência tem-se o Documento de Nara sobre Autenticidade, onde se explicita, mais uma vez, a importância da Carta de Veneza e a necessidade de complementá-la ao longo dos tempos. Através desta visão renovadora, entre outros tópicos abordados definiu-se: A diversidade das tradições culturais é uma realidade no tempo e no espaço, e exige o respeito, por parte de outras culturas e de todos os aspectos inerentes a seus sistemas de pensamento. (...) Todas as culturas e sociedades estão arraigadas em formas e significados particulares de expressões tangíveis e intangíveis, as quais constituem seu patrimônio e que devem ser respeitadas36. Com a inserção do termo expressões intangíveis inserem-se no contexto do Patrimônio Cultural as crenças, os costumes, hábitos, tradições, modos de fazer e de viver dos diversos povos distribuídos pelo mundo, visto que intangível, segundo GARCIA (1978: 1453) significa “que não se pode tocar; que escapa ao sentido do tato; impalpável”. Dois anos mais tarde, 1996, a Declaração de Sofia 37 reforça o Documento de Nara, explicitando que “o conceito de patrimônio cultural se encontra em constante processo de evolução” e indicando “sua inserção nas diversas áreas do contexto histórico contemporâneo, nas diferentes atividades quotidianas, considerados sempre o conhecimento empírico e as habilidades da população”. Nesta mesma Declaração, surge, de forma enfática, a preocupação com a atividade turística em relação às questões culturais. Considerando o turismo como uma importante atividade econômica que interfere diretamente no espaço e na sociedade, o ICOMOS considera que “antes de as atividades turísticas serem supervalorizadas, arriscando-se a transformá-las em ameaça à integridade da substância do patrimônio cultural, levar-se-á em conta, e cada vez mais, a relação entre o patrimônio e a comunidade que o herdou”38. Visando assegurar uma forma adequada de utilização do patrimônio cultural pelo turismo, é sugerido que se façam “estudos analíticos e inventários completos, com o objetivo de explicitar os diversos significados do patrimônio no mundo contemporâneo e 36 Conferência de Nara, 1994. Disponível em <http://www.portal.iphan.gov.br> Declaração de Sofia, 1996. Disponível em <http://www.portal.iphan.gov.br> 38 Op. Cit. 37 29 justificar as novas modalidades de uso a que se propõem” 39, bem como a ação conjunta das diversas esferas da sociedade – poder público, iniciativa privada, ONGs, a comunidade e suas representações legais (associações, sindicatos etc.). Aparece, então, de forma clara, a responsabilidade conjunta sobre todo e qualquer patrimônio cultural, evidenciando a necessidade de que esforços isolados que por ventura ocorram, sejam encampados por todos em prol de um único objetivo: a preservação do patrimônio. Essa é a noção de que se estabeleçam ações que unam as forças disponíveis e necessárias ao desenvolvimento, sem que haja uma perda significativa das representações legítimas da população. Seguindo, ainda, a filosofia disseminada pela UNESCO e pelo ICOMOS, a cúpula do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL 40), em 1997, elaborou a Carta de Mar Del Plata sobre Patrimônio Intangível, destinada a seus países-membro. Com uma abrangência menor que diversos outros documentos apresentados, mas, nem por isso menos importante, a Carta de Mar Del Plata 41, à luz da Recomendação para a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular – UNESCO define como princípios, que a integração cultural deve ser prioridade e a pluralidade cultural deve ser vista como um fato positivo e enriquecedor. Desta forma, o MERCOSUL evidencia para seus Estados-membro, a importância de cada manifestação cultural existente, reforçando e apoiando outras Cartas, Declarações e Recomendações internacionais tanto de alcance mundial quanto regional, além de valorizar e aceitar como legítimo o intercâmbio entre culturas, afastando a possibilidade de se aceitar uma homogeneização cultural. O conceito de integração supõe o intercâmbio e a complementaridade de partes distintas entre si, e que, portanto excluem toda a tentação de uniformizar nossos povos em um modelo cultural único, expresso em uma deformação ideológica que em alguns casos recebe o nome de globalização42. Sabe-se que a cultura é algo dinâmico, que se modifica através do tempo e, algumas vezes, exerce influência sobre outra cultura e vice-versa. Tais influências, para 39 Ibden 37. Bloco regional que representa a integração dos mercados dos países do Cone Sul: Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. (SIMONSEN, 1992) 41 Carta de Mar Del Plata sobre Patrimônio Intangível, 1997. Disponível em <http://www.portal.iphan.gov.br> 42 Op. Cit. 40 30 que sejam entendidas como aprimoramento, renovação ou integração, não podem representar um total domínio de uma cultura sobre outra ou padronização das mesmas. Com base nessas argumentações e definições, a Carta de Mar Del Plata 43 recomenda aos Estados Parte do MERCOSUL promover registro documental e catalogação do patrimônio intangível, criar banco de dados com informações sobre as manifestações culturais dos países envolvidos bem como publicação de tais informações, incrementar e apoiar pesquisas sobre o patrimônio intangível – especialmente as que se encontram ameaçadas de extinção. Além da criação de todo o aparato citados, recomenda-se, ainda, elaboração de cartilhas que possam ser empregadas em todo o sistema de educação desses países com o apoio dos respectivos governos, possibilitar intercâmbio de conhecimento através de uma rede de informações entre tais países e difundir as expressões culturais através dos meios de comunicação de massa, formar gestores culturais e, ainda, atentar para a elaboração de projetos culturais baseados no critério da qualidade e difundir modelos de financiamentos voltados para o patrimônio cultural intangível. Já com esse novo olhar, uma nova interpretação sobre a cultura e o patrimônio, firmou-se, em 17 de outubro de 2003, através da Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial que conceitua patrimônio imaterial como sendo “as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas [...], instrumentos, objetos, artefatos e lugares que lhes são associados e as comunidades, os grupos e, [...], os indivíduos que se reconhecem como parte integrante desse patrimônio” (UNESCO, 2003). Sendo a distinção entre patrimônio material e patrimônio imaterial algo relativamente recente, findam-se, até o presente momento, os documentos oficiais de abrangência internacional sobre Patrimônio Cultural Imaterial. Na visão de Cecília Londres, o termo Patrimônio Imaterial estaria melhor composto se denominado Patrimônio Intangível por representar algo ao qual não se aplicam valores mensuráveis, mas sim, algo transitório, que relaciona o presente e o passado através de representatividade dos valores culturais e simbólicos característicos dos diversos povos. 43 Ibden 41. 31 Desta forma, apresenta-se que o patrimônio não é constituído restritamente por “edificações e peças depositadas em museus, documentos escritos e audiovisuais, guardados em bibliotecas e arquivos. (...) lendas, mitos, ritos, saberes e técnicas, podem ser considerados exemplos de um patrimônio dito “imaterial” (LONDRES, 2001:194). Há quem não concorde com a distinção entre patrimônio material e imaterial, como é o caso de Meneses (2004:24) que interpreta tal dicotomia como falsa, ...posto que a inteligibilidade de uma manifestação cultural só tem sentido se percebida em conjunto. O universo material media sentidos, valores, significados. Separá-los em sua compreensão, buscando uma compartimentação irreal da vida, seria destruir a possibilidade de apreensão da construção de uma cultura. No que diz respeito à possibilidade de entendimento integral de uma manifestação cultural, realmente há que se analisar um conjunto de fatos e realizações físicas advindos dos pensamentos e do que são os significados e os valores de determinada cultura, conjuntamente. Mas, seguindo uma linha já definida por outros trabalhos, por leis, decretos e convenções, este estudo se baseia na distinção entre os dois tipos de patrimônio, visto que se analisa um conjunto de fatores para buscar entendimento de um ponto específico e é nesse conjunto de fatores que se dá tal diferenciação entre patrimônio cultural material e imaterial. Desta forma, busca-se estudar e entender as partes que, conseqüentemente, formarão o todo. 1.3. O Patrimônio no Brasil: do material ao imaterial Com as questões patrimoniais (limitadas a monumentos e obras de arte) sendo discutidas mundialmente desde o início do século XVIII, no Brasil esse debate se deu mais tarde. Em São Paulo, em 1922 aconteceu a Semana da Arte Moderna, que, segundo Ministério das Relações Exteriores (1976:11), foi vista como uma revolução cultural representando, portanto, um marco da cultura brasileira, com a denominação de Movimento Modernista. A Semana da Arte Moderna reuniu uma interpretação renovada e, por vezes, chocante, de diversos setores artísticos como a música, pinturas, desenhos, esculturas e literatura, sendo que, até então, alguns desses setores artísticos não figuravam oficialmente entre o que se considerava patrimônio, no âmbito mundial. 32 Mais de uma década depois, 1936, em pleno governo ditatorial do Presidente Getúlio Vargas, Mário de Andrade – escritor, musicólogo e polemista – “em proposta entregue ao então ministro da Educação Gustavo Capanema, afirmava peremptoriamente: o patrimônio cultural da nação compreendia muitos outros bens além de monumentos e obras de artes” (IPHAN, 2006:9). Desta forma, o Brasil, já na década de 1930 ampliava seus horizontes interpretativos sobre o que realmente significaria o termo patrimônio cultural e sua importância no contexto histórico do país. Diante às ocorrências citadas e novo olhar sobre o patrimônio, em janeiro de 1937 criou-se o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), “primeira instituição do governo brasileiro, voltada para a proteção do patrimônio cultural do país” (IPHAN, 2006:6). Passados dez anos, em 1947, é criada a Comissão Nacional do Folclore, que, ainda segundo o IPHAN (2006), se mobilizou para a instalação da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro ocorrida em 1958, então transformada em Instituto Nacional do Folclore, em 1976. A década de 1970 foi um período de várias ações relacionadas ao patrimônio cultural e ambiental brasileiro. Logo no início, em abril de 1970, realizou-se o 1° Encontro de Governadores de Estado, Secretários Estaduais da Área Cultural, Prefeitos de Municípios Interessados, Presidentes e Representantes de Instituições Culturais, promovido pelo Ministério da Educação e Cultura. O citado encontro visava o “estudo da complementação das medidas necessárias à defesa do patrimônio histórico e artístico nacional” 44, que resultou em um documento denominado Compromisso de Brasília. O Compromisso de Brasília versa sobre proteção aos monumentos, à cultura tradicional e à natureza, recomendando-se a criação de órgãos estaduais e municipais específicos, onde ainda não os houver, que atuem em conjunto com os órgãos federais. Além disso, outras recomendações de total relevância se referem à interligação da questão patrimonial com a educacional, conforme se segue: 44 Compromisso de Brasília, 1970. Disponível em <http://www.portal.iphan.gov.br> 33 Para remediar a carência de mão-de-obra especializada, nos níveis superiores, médio e artesanal, é indispensável criar cursos visando à formação de arquitetos restauradores, conservadores de pintura, escultura e documentos, arquivologistas e museólogos de diferentes especialidades, [...]. Deverão ser incluídas nos currículos escolares, de nível primário, médio e superior, matérias que versem o conhecimento e a preservação do acervo histórico e artístico, das jazidas arqueológicas e pré-históricas, das riquezas naturais, e da cultura popular [...]. 45 Cabe, aqui, a ressalva de que esta abordagem já havia sido feita em alcance mundial trinta e quatro anos antes, na Carta de Atenas, porém, sem maiores especificações e variedade dos assuntos a serem trabalhados pelas escolas e, atualmente – 2009 – já há um envolvimento multiprofissional nas questões de preservação patrimonial. No ano seguinte – 1971, como fruto do 2° Encontro de Governadores para Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Natural do Brasil, elaborou-se um documento que recebeu o nome da cidade onde se realizou o encontro – Compromisso de Salvador, através do qual recomendava-se a “criação do Ministério da Cultura, e de Secretarias ou Fundações de Cultura no âmbito estadual” 46, bem como legislação complementar que amplie os conceitos relacionados a um bem tombado, normalize formas de proteção mais eficientes, criação de fundos para atendimento a essa proteção. Foi sugerido, também, que seja dispensada maior atenção aos problemas, utilização e divulgação dos bens naturais de valor cultural por parte dos órgãos responsáveis pelo turismo e que os mesmos busquem formas de facilitar a implantação de pousadas em imóveis tombados 47. Dando continuidade ao trabalho em prol do patrimônio cultural brasileiro, em 1975 foi criado o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC) e em 1979 cria-se a Fundação Nacional Pró-Memória que incorporou o CNRC e tinha como incumbência a implementação da política de preservação do patrimônio brasileiro (IPHAN, 2006). Porém, somente em 1987 surge um novo documento referente à preservação, resultado do 1º. Seminário Brasileiro para Preservação e Revitalização de Centros Históricos, denominado Carta de Petrópolis. 45 Op. Cit. Compromisso de Salvador, 1971. Disponível em <http://www.portal.iphan.gov.br> 47 Op. Cit. 46 34 Nesta Carta, define-se sítio histórico urbano (SHU) como “o espaço que concentra testemunhos do fazer cultural da cidade em suas diversas manifestações” considerando-se que o mesmo “é parte integrante de um contexto amplo que comporta as paisagens natural e construída, assim como a vivência de seus habitantes num espaço de valores produzidos no passado e no presente, em processo dinâmico de transformação” 48. Nenhum documento analisado, entre os nacionais e os internacionais, anteriores à década de 1980, considerara, tão explicitamente, a vivência e a dinâmica natural de transformação das sociedades como parte integrante do patrimônio histórico. Na Declaração de Nairobi – 1976 – menciona-se que o conjunto histórico possui, entre outros valores, o sócio-cultural, já a Carta de Machu Picchu – 1977 – afirma que as características sociológicas dão identidade e caráter a uma cidade, mas, em nenhum dos casos há um detalhamento do que se considera sócio-cultural e característica sociológica. Somente na Declaração de Tlaxcala – 1982 – é que surge uma idéia mais clara de que a conservação do patrimônio monumental deve estar fundamentada no respeito às tradições e ao modo de vida das populações, consideração esta, ampliada em 1985, pela Declaração do México sobre patrimônio não tangível. Outro ponto de extrema relevância na evolução da consciência em relação ao Patrimônio Cultural Brasileiro refere-se à Constituição Federal de 1988 que passou a definir Patrimônio Cultural de uma forma mais ampla e reconhecer e dar mais importância à cultura popular, através dos artigos 215 e 216: Art. 215 – O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1° O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e as das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. § 2° A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais. Art. 216 – Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (BRASIL, 1998:111). 48 Carta de Petrópolis, 1987. Disponível em: <http://www.portal.iphan.gov.br> 35 Levando em consideração as últimas citações percebe-se que a evolução do pensamento patrimonial brasileiro começava a caminhar lado a lado com o pensamento mundial, e, até mesmo, a apresentar uma ótica de maior abrangência em suas abordagens. A Constituição, neste caso, pode ser considerada um passo à frente em relação aos documentos internacionais analisados, pois, somente em 1989, um ano após a promulgação da Constituição Federal Brasileira, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu a Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular oficializando-a como uma das formas de patrimônio a serem preservadas. No mesmo ano em que foi promulgada a Constituição, o ICOMOS elaborou a Carta de Cabo Frio demonstrando preocupação com a identidade cultural dos povos da América Latina. Do conteúdo da Carta de Cabo Frio ressalta-se a necessidade de se resgatar formas harmônicas de conviver com o ambiente e o uso de ações interdisciplinares e interinstitucionais no processo de preservação, considerando que: “O êxito de uma política preservacionista tem como fator fundamental o engajamento da comunidade, que deve ter por origem um processo educativo em todos os níveis, com a utilização dos meios de comunicação. O respeito aos valores naturais, étnicos e culturais, enfatizados através da educação pública, 49 contribuirá para a valorização das identidades culturais” . Ainda em 1989, o ICOMOS, como fruto da reunião do Comitê Brasileiro em São Paulo, elaborou a Declaração de São Paulo. Este documento se apresentou como uma análise da evolução das bases normativas do patrimônio desde a publicação da Carta de Veneza que completava, então, 25 anos. O conteúdo da Declaração de São Paulo 50 elucida que a Carta de Veneza, mesmo tendo sido elaborada há muito tempo, ainda deve ser levada em consideração como uma importante base de informações, tais como as formas de conservação e materiais de restauração. Ao mesmo tempo, ressalta a necessidade de uma complementação e revisão de conceitos. Engajando-se na ampliação de conceitos e de visão patrimonial acontecida em nível mundial nas décadas de 70 e 80 e, ainda em evidência, em 1992, a Carta do Rio 49 50 Carta de Cabo Frio, 1989. Disponível em: <http://www.portal.iphan.gov.br> Declaração de São Paulo, 1989. Disponível em: <http://www.portal.iphan.gov.br> 36 surge como resultado de amplos debates e discussões abarcando a questão ambiental como alvo de preservação e de enfoque patrimonial durante a Conferência Geral das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Tal abordagem teve início com a Declaração de Estocolmo, em 1972, e apresenta como primeiro princípio, que “os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza” 51. Uma nova preocupação foi externada três anos mais tarde pelos países do Cone Sul: a questão da autenticidade. Evidenciando a peculiaridade regional da América Latina em relação aos continentes Europeu e Asiático, a Carta de Brasília ressalta a necessidade de um olhar diferenciado sobre o que vem a ser autenticidade, posto que, nos países latino-americanos a “identidade foi submetida a mudanças, imposições, transformações que geram dois processos complementares: a configuração de uma cultura sincretista e a de uma cultura de resistência” 52. Considerando que a autenticidade está diretamente ligada à identidade e que a identidade latino-americana teve suas bases alicerçadas em uma fusão de culturas diversas (pré-colombiana, indígena, européia e africana), a Carta de Brasília sugere que, não há uma verdade única, ou seja, a autenticidade cultural não pode ser avaliada de forma rígida. De um modo bem positivo, afirma: “As diferentes vertentes que integram uma sociedade apresentam leituras de tempo e espaço diferentes, mas igualmente válidas, que devem ser levadas em conta no momento em que se fizer a avaliação da autenticidade” 53. Com uma abordagem sintetizada, porém, com abrangência ampliada sobre as questões patrimoniais, quer sejam materiais ou imateriais, em 1996, o ICOMOS elabora a segunda Declaração de São Paulo, após a realização do seminário Caminhos da Preservação. Esse seminário discutiu o conflito entre as mudanças sociais e a preservação patrimonial e, dentre os fatores explicitados na Declaração, destacam-se os tópicos 5 e 6, que discorrem, respectivamente, sobre a inserção do tema Patrimônio Cultural em todos os 51 Carta do Rio, 1992. Disponível em: <http://www.portal.iphan.gov.br> Carta de Brasília, 1995. Disponível em: <http://www.portal.iphan.gov.br> 53 Op. Cit. 52 37 níveis escolares e sobre a organização de ações em defesa dos bens naturais e das paisagens de maior relevância. Essas duas abordagens se deram através das seguintes recomendações: 5) A incorporação nos currículos de todos os níveis de ensino, de cursos de identificação e de reconhecimento e registro do Patrimônio Cultural, fundamento da preservação da identidade nacional, seja pela História escrita do país, seja pela memória das populações de diversas origens, sobretudo, as mais carentes; 6) A organização das mais diversas ações culturais pela defesa dos bens naturais e paisagens notáveis, exigindo a institucionalização de reservas da biodiversidade e da biosfera, de cuja salvaguarda depende a garantia de sobrevivência das gerações vindouras. 54 Desta forma, o contexto da Declaração de São Paulo II reúne, em um só documento, abordagens relativas às questões ambientais constantes na Carta do Rio – 1992 e às questões identitárias constantes na Carta de Brasília – 1995, como se fosse uma complementação de ambas, e que, infelizmente não se mostra em perfeita execução até os dias atuais – 2009. Além disso, retoma uma importante questão também abordada anteriormente em um documento nacional – Compromisso de Brasília, 1970 – referente à educação patrimonial como forma de auxílio à preservação, conservação e salvaguarda dos bens culturais Brasileiros. Dando maior ênfase ao patrimônio imaterial, em 1997, a Carta de Fortaleza vem como arremate das discussões do Seminário Patrimônio Imaterial: Estratégias e Formas de Proteção e marca, também, os 60 anos do IPHAN. Este seminário teve como objetivo “recolher subsídios que permitissem a elaboração de diretrizes e a criação de instrumentos legais e administrativos visando a identificar, proteger, promover e fomentar os processos e bens” 55 referentes ao patrimônio imaterial brasileiro, reforçando o que determina o Artigo 216 da Constituição Federal Brasileira. Com base nesse objetivo, a Carta de Fortaleza 56 recomenda, entre várias ações, melhor reflexão sobre o que vem a ser bem cultural imaterial, parceria com instituições públicas e privadas para inventariar os bens culturais e disponibilizar tais inventários no Sistema Nacional de Informações Culturais e em um banco de dados de fácil 54 Declaração de São Paulo II, 1996. Disponível em: <http://www.portal.iphan.gov.br> Carta de Fortaleza, 1997. Disponível em: <http://www.portal.iphan.gov.br> 56 Op. Cit. 55 38 acessibilidade, bem como a elaboração de um Programa Nacional de Educação Patrimonial. Os dados deste documento seguem o curso internacional sobre ações voltadas para o patrimônio cultural imaterial, que teve como ponta-pé inicial a Declaração do México – 1985 e que culminou com a Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, em 2003. Conforme o IPHAN (2006), o seminário sobre Patrimônio Imaterial ocorrido em Fortaleza impulsionou o surgimento, em 1998, da Comissão Institucional e do Grupo de Trabalho do Patrimônio Imaterial (GTPI) e em 2000, desenvolveu-se o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), instituiu-se o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial (PNPI). Em 2002, ocorre o primeiro registro de um bem imaterial no Brasil: o Ofício das Paneleiras de Goiabeiras – Vitória/Espírito Santo. Ainda em 2003, acontece em Goiânia (Estado de Goiás) o 1º Encontro Nacional do Ministério Público na Defesa do Patrimônio Cultural que resulta na Carta de Goiânia 57. Tal documento merece destaque dos terceiro e quarto tópicos por tratarem, de maneira bem explícita, a questão da identidade, memória e educação, como se segue: 3- A preservação da memória e da identidade não pode e não deve ser encarada e entendida como um elemento de impedimento ao progresso e ao desenvolvimento do país. Ao contrário, deve ser considerada como uma variável privilegiada de valor econômico agregado na promoção desse desenvolvimento; 4- Só por meio da educação é possível mudar os valores e incluir a preservação do Patrimônio Cultural na rotina de vida dos cidadãos. É preciso que as instituições de cultura, educação e a sociedade em geral incluam a educação sobre o patrimônio em seus projetos. A partir de então, ano após ano, apresentavam-se novidades em relação ao tema, no Brasil e no mundo: 2003 – Aprovação da Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, pela Conferência Geral das Nações Unidas, em Paris, e a proclamação, pela UNESCO, da arte gráfica do índios brasileiros Wajãpi como Obra Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade; 2004 – Criação do Departamento do Patrimônio Imaterial do IPHAN (DPI); 2005 – Samba de Roda do Recôncavo Baiano é proclamado Obra Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade, pela UNESCO; 2006 – Brasil ratifica a Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. (IPHAN, 2006: 6 e 7); 2007 – Matrizes do samba do Rio de Janeiro (samba de terreiro, partido-alto e samba-enredo) ganha registro no Livro das Formas de Expressão; 57 Carta de Goiânia, 2003. Disponível em: <www.mp.mg.gov.br> 39 2008 – Queijo Artesanal de Minas (em maio), Roda de Capoeira (em julho), Grupos de Jongo do Espírito Santo (em dezembro) são considerados Patrimônio Cultural Imaterial. (Formatação dada pela autora) Diante dos fatos expostos, observa-se que a partir de 1997 a discussão em torno do patrimônio tomou novas dimensões no Brasil, acarretando em uma nova visão sobre o patrimônio cultural como um todo e um melhor dimensionamento em relação à importância do patrimônio denominado imaterial, culminando na preocupação com sua salvaguarda. Porém, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN: 2006) considera a Semana da Arte Moderna, em 1922, como o primeiro contato com o tema Patrimônio Cultural Imaterial, por já mencionar questões voltadas aos referenciais implícitos da cultura de um povo. No Brasil, reforçando o conceito utilizado pela UNESCO, o patrimônio cultural imaterial é entendido como sendo “manifestações peculiares de regiões, localidades ou pequenas comunidades, transmitidas de geração em geração, constantemente recriado em função do ambiente, da interação com a natureza e da história”. Tal conceito demonstra o caráter dinâmico da cultura e do patrimônio imaterial, que se adequam, se adaptam às situações e à realidade de cada momento com o passar do tempo. Como explicita Pellegrini (1993:94), antes mesmo de se diferenciar patrimônio material do patrimônio imaterial, “modernamente se compreende por patrimônio cultural todo e qualquer artefato humano que, tendo um forte componente simbólico, seja de algum modo representativo da coletividade, da região, da época específica, permitindo melhor compreender-se o processo histórico”. Algumas manifestações culturais imateriais de diversas regiões brasileiras já passaram pelo processo completo de reconhecimento enquanto patrimônio cultural imaterial que envolve a pesquisa inicial, inventário e registro, como é o caso do “Jongo/RJ e SP, Ofício das Baianas do Acarajé/BA, Ofício das Paneleiras de Goiabeiras/ES, Samba de Roda do Recôncavo Baiano/BA, Ciro Nossa Senhora de Nazaré/PA, Arte Kusiva dos Índios Wajãpi/AP, modo de fazer a Viola de Cocho/MS e MT” (IPHAN), sendo que algumas dessas manifestações já estão com seus Planos de Salvaguarda estruturados, o que significa investimento financeiro, desenvolvimento educacional ou outras formas de apoio e incentivo à continuidade das mesmas. 40 Além destas, há outras manifestações que se encontram na fase intermediária do processo, já tendo sido realizada uma pesquisa criteriosa, elaborado o inventário e estão no aguardo de um parecer do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para que seja efetivado o registro do bem enquanto patrimônio cultural imaterial e elaborado o Plano de Salvaguarda. Alguns desses pedidos de registro de Patrimônio Histórico Cultural Imaterial estão diretamente ligados à gastronomia, como é o caso do Pastel de Angu da cidade de Itabirito, em Minas Gerais, a ser apresentado mais adiante. 1.4. A Gastronomia A culinária, dentro do que hoje se denominada gastronomia, é um tema há algum tempo exposto por todos os meios de comunicação, quer seja em um programa de televisão, quer em livros específicos ou até mesmo nas revistas e jornais em seções a ele dedicadas, porém só recentemente começou a ser estudada e debatida como importante componente da representação cultural. Nos seres vivos, há uma necessidade natural de se alimentar, mas, as necessidades humanas vão além disto, pois, a exemplo do que discorre Laraia (2006:37) para que o homem se mantenha vivo, é preciso “satisfazer um número determinado de funções vitais, como a alimentação, o sono, a respiração, a atividade sexual etc. Mas, embora estas funções sejam comuns a toda a humanidade, a maneira de satisfazê-las varia de uma cultura para outra”. Apresentando a gastronomia de uma maneira mais generalista, Savarin (2001:57) afirma que ela “é o conhecimento fundamentado de tudo o que se refere ao homem, na medida em que ele se alimenta” e completa dizendo que “seu objetivo é zelar pela conservação dos homens, por meio da melhor alimentação possível”. Reforçando a abordagem de Laraia sobre funções vitais, Savarin (Op. cit.:41) ainda argumenta que “o gosto, que tem por excitadores o apetite, a fome e a sede, é a base de várias operações que resultam no crescimento, desenvolvimento e conservação do indivíduo, e na reparação de suas perdas causadas pelas evaporações vitais”. Como verbete de dicionário, culinária significa “arte de cozinhar” e gastronomia se traduz em “arte de cozinhar de maneira que se proporcione maior prazer aos que 41 comem” (GARCIA, 1978: 717 e 1254), dessa forma, o prazer de comer é o que diferencia culinária de gastronomia, sendo o significado de ambas baseado na arte de cozinhar, e, talvez por isso, nem sempre apresentados com distinção entre os termos. Reafirmando tal conceito, tem-se, conforme SENAC (1998), que “embora a palavra gastronomia signifique estudo das leis do estômago, ela tem hoje um sentido bem mais amplo. Refere-se à arte de preparar as iguarias, tornando-as mais digestivas, de modo a obter o maior prazer possível”. Savarin (2001:137) alerta sobre a possível confusão entre gula, que está relacionada à voracidade, e gourmandisse, então traduzida para gastronomia, explicando que esta “é uma preferência apaixonada, racional e habitual pelos objetos que agradam o paladar”. Mas, enquanto tema de estudo, a gastronomia ainda vai além dessas definições, ela se apresenta como um importante aspecto representativo da cultura de um povo e do que a terra oferece no espaço onde se vive. Além de o alimento ser uma das formas de suprir necessidades biológicas, a gastronomia também é considerada, há muito, fonte de desenvolvimento, geração de renda e identificador de condição social, visto que há em todo o mundo produtores rurais, atacadistas de alimentos, restaurantes, doceiras, salgadeiras etc., que sobrevivem graças ao fomento financeiro gerado pela culinária e suas diversas interfaces. Para Savarin (2001:139) “a gourmandisse oferece grandes recursos ao fisco: alimenta os impostos municipais, as alfândegas, os tributos indiretos”. Remontando a tempos longínquos, os dados históricos fornecem informações de iguarias – como o sal, por exemplo – que eram utilizadas como moeda em um período em que o escambo era a forma comercial predominante. Independente das formas de comercialização de alimentos, para que haja o que comer, é preciso que haja quem produza e forneça o alimento, e é esse produzir que representa muito das diferenças de uma região para outra, bem como as formas de preparar e combinar as variedades alimentícias existentes em cada lugar. Tais diferenças é que dão o caráter cultural ao alimento, à culinária e à gastronomia como um conjunto de símbolos, representações e peculiaridades apresentadas e modificadas ao longo dos anos. 42 Em gastronomia, tanto quem cozinha quanto quem come deve saber combinar tradição com criação. A tradição está no saber do povo, é ligada à terra e à exploração dos produtos da região e das estações. Já a criação está relacionada à invenção, à renovação e às experimentações (SENAC, 1998). Valer-se-á da história, novamente, para que se esclareça o momento presente da gastronomia, pois, conforme Flandrini e Montanari (1998:16) “os gestos do dia-a-dia transformam-se, junto a tudo aquilo a que estão relacionados: as estruturas do cotidiano deixam-se surpreender pela história” e complementa afirmando não ser “por mera fantasia que a maneira de preparar os alimentos difere de um povo para o outro, mas, em função de diferenças tecnológicas, econômicas e sociais entre esses mesmos povos”. Nos tempos remotos, a alimentação apresentava características atreladas ao tipo de produtos que a terra oferecia de prontidão, sem a necessidade de que os homens promovessem grandes interferências, sendo que, essas interferências foram surgindo, aos poucos, hora por causa de uma escassez de produtos, hora por excedente de produção. Caracterizando a gastronomia como representação dos costumes de um povo no decorrer do tempo, “não apenas os homens deparam com alimentos diferentes, de acordo com as regiões, mas parecem ter procedido, em cada região, a uma seleção e escolha dos alimentos que a natureza lhes oferecia; escolhas que decorriam, aliás, da diversidade de sua cultura” (FLANDRINI E MONTANARI, 1998:29). As características climáticas e geográficas diferenciadas favoreciam a diversificação de plantio em cada região do planeta, por isso, além dos traços culturais, é possível identificar, ou, no mínimo, deduzir características físico-geográficas da região onde se desenvolve determinado prato típico, devido aos ingredientes utilizados como base. Corroborando com este raciocínio, Schluter (2006: 28) cita um estudioso espanhol denominado Pla que considera a cozinha de um país como “uma paisagem posta na caçarola” 58. Assim como as paisagens, as formas de preparo também se transformaram ao longo da história. O homem partiu de uma alimentação quase crua, para as técnicas de cozimento criadas a partir do surgimento do fogo e de sua utilização no universo 58 Caçarola: Recipiente de metal, com cabo e tampa, onde se cozem alimentos. 43 doméstico, o que “modificou profundamente a alimentação, assim como os comportamentos sociais a ela relacionados” (FLANDRINI E MONTANARI, 1998:44). Tais modificações proporcionadas pelo fogo ainda influenciaram a divisão do trabalho e dos direitos e obrigações dos membros da família, ao passo que, entre os homens primitivos, “o preparo e a distribuição de carnes fizeram a família se reunir, os pais distribuindo aos filhos o produto de sua caça, e os filhos adultos prestando a seguir o mesmo serviço a seus pais envelhecidos” (SAVARIN, 2001:168), cabendo às mães o cuidado com a casa, a coordenação das atividades culinárias e a divisão da comida durante as refeições. Durante a Idade Média, num período em que se aprimorava o nível de organização das sociedades e aumentava distinção entre as classes sociais, surgiu a divisão das refeições, podendo ser exemplificada pelos egípcios que, segundo Flandrini e Montanari (1998:176), ainda comendo com os dedos, já faziam três refeições distintas e até hoje costumeiras em todo o mundo: desjejum (hoje denominado café da manhã em alguns países), almoço e jantar. Posteriormente, evoluiu-se para a cultura de sentar-se à mesa, ser servido por escravos ou criados e utilizar talheres para levar o alimento à boca. As refeições que anteriormente aconteciam em família passaram a ter a participação de amigos mais próximos e, por exemplo, “entre os gregos da Antiguidade, o aumento da classe aristocrática, mais rica, levou a arte de comer a se associar à arte de receber, acarretando um refinamento da cozinha” (SENAC, 1998:22). No caso dos Romanos, os acontecimentos importantes como casamento, aniversário, nascimento, batizado e morte são considerados “momentos de grandes mudanças na vida do homem, comemorados em cerimônias nas quais o alimento está sempre presente” (Op. Cit.:26). Essa mudança de hábitos, no que concerne ao Brasil em um período em que o fogo já não era novidade, é atribuída por Frieiro (1996:179) à vida na fazenda, que era “por excelência, o núcleo formador de todo um sistema de atitudes e modos de proceder, de costumes e juízos de valor, do que constitui, em fim, a cultura patriarcal” existente em uma época na qual os grandes latifundiários dominavam tudo a seu redor e ditavam todas as normas, inclusive as de convivência. 44 As citações anteriores representam, apenas, alguns exemplos de como as refeições passaram a ter uma função social caracterizada pela preocupação em receber bem os convidados e pela forma adequada de os convidados se comportarem diante das diversas situações possíveis durante uma refeição. A gastronomia é um dos principais vínculos da sociedade; é ela que amplia gradualmente aquele espírito de convivência que reúne a cada dia as diversas condições, funde-as num único todo, anima a conversação e suaviza os ângulos da desigualdade convencional. Também é ela que motiva os esforços que todo anfitrião deve fazer para acolher bem seus convidados, assim como o reconhecimento destes, quando percebem que são bem tratados (SAVARIN, 2001:143). Com o aumento da quantidade de viajantes na Europa, proporcionado pela abertura de estradas e por um relativo desenvolvimento dos meios de transporte, surge, também, a necessidade da existência de locais onde esses viajantes pudessem pousar (dormir) e se alimentar, criando, então, uma relação direta entre estranhos que compartilhavam o mesmo espaço durante as refeições. O viajante fatigado veio participar dessas refeições primitivas, e contou o que se passava nos lugares distantes. Assim os mais ferozes tinham como dever respeitar a vida daquele a quem fora consentido partilhar o pão e o sal. Foi durante as refeições que devem ter nascido ou se aperfeiçoado nossas línguas, seja porque era uma ocasião de reunião que se repetia, seja porque o lazer que acompanha e segue a refeição dispõe naturalmente à confiança e à loquacidade (Op. cit.:168). Depois dos pousos e tabernas que reuniam os serviços de alimentação e descanso, ao final do século XIX surge uma segunda etapa nessa evolução da gastronomia e da hospedagem atreladas a um maior desenvolvimento dos transportes rápidos e do turismo de luxo e que, segundo Flandrini e Montanari (1998:759) “um dos pais dessa nova fórmula hoteleira que se espalhou na década de 1880 é o suíço César Ritz; este associou-se a um dos melhores cozinheiros do momento, ou seja, o francês Auguste Escoffier”. Com o sucesso desta nova forma de hospedagem, surgem em diversos países da Europa, novos hotéis engrandecidos por restaurantes de chefes ou cozinheiros de renome, como se segue: Grandes chefs franceses também viajaram por todo o mundo, ministrando cursos, formando seguidores e abrindo filiais de seus restaurantes em hotéis famosos. Esses restaurantes, em geral, ofereciam alguns pratos regionais, próprios do país onde estavam instalados; uns poucos pratos de massa à moda italiana, como macarrão ou ravióli; algumas carnes à inglesa, como o roast-beef; um ou outro prato americano, como a lagosta ao vinho. De resto, ofereciam uma enorme variedade de pratos tipicamente franceses, com ingredientes e técnicas de preparo à moda francesa (SENAC, 1998:54). 45 Nesta mesma época inaugurou-se a Le Cordon Bleu, sendo esta, a “primeira escola destinada ao ensino da cozinha francesa para as filhas das famílias ricas. Conta, atualmente, com filiais em várias cidades, sendo reconhecida em todo o mundo, procurada por amadores e profissionais de cozinha” (Op. Cit.:53). Pode se dizer que a Le Cordon Bleu foi a primeira difusora oficial da cozinha francesa, mas, a difusão gastronômica, de maneira geral, vem de muito antes. Desde o surgimento do fogo, técnicas de cozimento são constantemente criadas, adaptadas e recriadas, conforme condições e conhecimentos dos cozinheiros, independente de quem sejam eles. Voltando ao Período Medieval, por exemplo, a Igreja – com toda sua riqueza, poder e influência – já era um importante ator na difusão de costumes culinários. “Os monges herdaram os conhecimentos da cozinha romana e transmitiram toda a tradição culinária para outros povos do ocidente” (SENAC, 1998:29). Percorrendo a história percebe-se o grande número de trocas de conhecimentos culinários e os traços da influência de uma determinada cultura sobre outra, durante séculos. Da mesma forma que hoje se depara com uma infinidade de alimentos e diversas maneiras de prepará-los, nos tempos passados a diversidade também estava presente e influenciou, de uma forma ou de outra, muito do que se conhece na culinária e na gastronomia atualmente. A colonização do Brasil é mais um exemplo de disseminação gastronômica anterior à inauguração da Le Cordon Bleu, visto que o país recebeu influências, principalmente, de Portugal, Espanha e países africanos, mesclando, modificando ou assimilando a culinária indígena até então existente. A grande expansão marítima do início da Idade Moderna provocou um enorme intercâmbio cultural entre os europeus e aqueles com os quais mantiveram contato na Ásia, no Brasil, na América, na África. Os navegadores levavam sementes, raízes e cereais para as terras distantes e, de volta, traziam as novidades lá experimentadas. (...) Do Brasil os portugueses levaram vários produtos para a Ásia: milho, agrião, mandioca, batata-doce, repolho, pimentão, abacaxi, goiaba, caju, maracujá, mamão e tabaco. Os cajus se adaptaram muito bem na Índia e proliferaram, dando vinho, passa, doce e castanha (Op. Cit.:37). 46 Desde os tempos mais antigos até o surgimento dos grandes restaurantes e das escolas de culinária no final do século XIX, os costumes se difundiam, mas sem sofrerem grandes modificações, porém, no início do século XX, iniciou-se o que hoje denomina-se cozinha internacional, que mescla técnicas, costumes e ingredientes de diversos países em um mesmo prato, alavancando, também, algum tipo de preocupação com as características gastronômicas originais de cada região. Enquanto a cozinha internacional ia se firmando, “inúmeros restaurantes e livros de receitas, especializados em cozinha francesa, italiana, chinesa, japonesa, alemã, portuguesa se espalhavam pelo mundo” (SENAC, 1998:55). Assim, a gastronomia regionalizada vai atingindo novas dimensões e adquirindo, vagarosamente, mais espaço e mais adeptos à sua degustação e, junto a ela, difundiram-se os modos e costumes conforme a nacionalidade ou regionalidade de cada iguaria. Posterior à cozinha internacional e à Primeira Guerra Mundial, período em que a Europa perde espaço para os Estados Unidos (Op. Cit.:56), neste, surge o movimento do Fast-Food impulsionado pela necessidade de uma alimentação mais rápida que acompanhasse o novo ritmo de vida gerado pelo fervoroso desenvolvimento industrial. Um excelente exemplo é a Rede Mc’Donald que possui fama mundial. Mas, já nos anos 20, com “a chegada do turismo automotivo – que, através da descoberta das estradas, favorece a exploração do espaço local” as cozinhas regionais encontraram sentido “no que se tornou uma “economia turística” com perspectivas de um belo futuro” (FLANDRINI E MONTANARI, 1998:818). Não demorou muito e, nos anos 30, deu-se início à divulgação de especialidades culinárias regionais através de publicações extensas, com páginas completas. Se a referência às especialidades culinárias é colocada no mesmo plano dos acontecimentos gloriosos do local, do monumento histórico ou da paisagem natural propostos ao turista como merecedores de uma visita, é porque o discurso sobre as cozinhas regionais adquire nessa data uma amplitude considerável (Op. Cit.:819). Surge, então, na segunda metade do século XX, a nouvelle cuisine – cozinha nova, “quando muitos cozinheiros, chefs e gastrônomos passaram a defender uma culinária que realçasse mais o sabor natural dos alimentos. O importante [...] era dar tratamento inteligente aos alimentos, sem destruir o trabalho feito pela natureza” (SENAC, 1998:57). 47 Com a retomada do natural, voltam os valores do regional e as cozinha locais e regionais retomam sua importância de uma maneira mais consistente, valorizando ainda mais os costumes, as misturas e os manuseios originais da sua elaboração, adaptados à realidade atual na qual o mundo se encontra. No início do século XX, havia associações regionalistas que, segundo Flandrini e Montanari (1998:820), multiplicavam “as festas em que as especialidades culinárias pontuam os rituais desfiles de trajes, leituras em dialeto, cânticos e danças tradicionais”, porém, ainda os mesmos autores, “só tardiamente é que investem no turismo que, supostamente, irá implicar a adulteração das manifestações culturais locais; no entanto, através da atividade turística, acabam por ver um meio de reapropriação das tradições”. Ao mesmo tempo em que o turismo se apresenta como uma ameaça aos costumes locais em determinados momentos, quando promovido com responsabilidade e envolvimento comunitário torna-se uma atividade educativa que resgata, eleva e preserva valores especiais e peculiares da população. Neste contexto, a gastronomia, enquanto propagação de tradições e como parte integrante da cultura de um povo, é algo dinâmico, ao passo que “cada cultura é o fruto de contaminações, cada “tradição” é filha da história – e a história nunca é imóvel” (FLANDRINI e MONTANARI, 1998:868). Ainda exaltando a importância da culinária, tem-se a afirmação feita por Córner (2006) de que “a cozinha é um símbolo cultural, é memória, e principalmente patrimônio cultural de qualquer grupo social”, considerando que “a simbologia dos alimentos exerce uma influência ao homem, podendo constituir-se em importante elemento que revela identidades”. Portanto, gastronomia, alimentação e culinária se fundem quando apresentadas como marca de um povo, revelando suas características e suas histórias. É como uma reunião de significados e representações dos modos de vida de cada povo e que, na maioria das vezes, desperta interesses diversos em outros povos. Sob esta ótica, a gastronomia é capaz de alimentar não só a estrutura orgânica das pessoas, mas, também, seus interesses culturais, históricos, antropológicos, turísticos e muito mais. 48 TURISMO, PATRIMÔNIO E EDUCAÇÃO 2.1. O Turismo e a Diversidade Gastronômica Em 1976, através de um documento intitulado Carta de Turismo Cultural 59 (já citado no capítulo 2 deste trabalho, o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios – ICOMOS expõe que “turismo é um feito social, humano, econômico e cultural irreversível”. De fato, o turismo envolve todos esses aspectos de uma maneira muito minuciosa, detalhista e abrangente. Mas a discussão sobre o que vem a ser turismo é ainda mais antiga, pois a Liga das Nações, criada em 1919 após o fim da Primeira Guerra Mundial, “fundamentada na necessidade de buscar a paz e reconstruir o mundo” (LIMA, 2004), já propunha, em 1937, a promoção e o estudo do turismo, definindo-o como “a viagem de toda pessoa durante 24 horas ou mais por qualquer país que não aquele de sua residência habitual” (DIAS, 2005). A EMBRATUR, através do Guia para Oficinas de Treinamento do Programa Nacional de Municipalização do Turismo (PNMT), elaborado com base em documentos oficiais da Organização Mundial de Turismo – OMT apresenta o seguinte conceito sobre turismo: Atividade econômica representada pelo conjunto de transações – compra e venda de serviços turísticos – efetuadas entre os agentes econômicos do turismo. É gerado pelo deslocamento voluntário e temporário de pessoas para fora dos limites da área ou região em que têm residência fixa, por qualquer motivo, excetuando-se o de exercer alguma atividade remunerada no local que visita (EMBRATUR, 1994: glossário). Concomitante ao desenvolvimento do pensamento e da prática protecionista em relação às questões patrimoniais culturais e naturais, a atividade turística também veio, com o tempo, atingindo novas proporções, ampliando suas áreas de atuação e se entrelaçando a uma diversidade de proposições e temas, ganhando, assim, uma grande variedade de classificações. Uma complexa origem histórica – Revolução Industrial, Revolução Francesa, Romantismo – enquadra o turismo moderno em um contexto que o faz nascer, essencialmente, como um turismo cultural. A atividade assim permanece por muito tempo, e hoje, a despeito de uma setorização maior e mais ampliada, o atrativo artístico-histórico-cultural é, ainda, substrato essencial do setor turístico (MENESES, 2004:39). 59 Carta do Turismo Cultural, 1976. Disponível em <http://www.portal.iphan.gov.br> 49 Seis formas básicas de turismo são relacionadas por Andrade (1995): turismo de férias, cultural, de negócios, desportivo, de saúde, e religioso. Já Oliveira (2001) amplia tal classificação para 21 modalidades: aventura; águas termais; étnico e nostálgico; cultural; compras; eventos; cruzeiros marítimos; desportivo; ecológico; gastronômico; religioso; juventude; social; terceira idade; intercâmbio; lazer; negócios; técnico; gay (GLS); saúde e rural. Essas variantes apresentadas, bem como outras que existam ou possam vir a existir, representam os segmentos aos quais o turismo atende, visto que tal segmentação se baseia nas características (perfil) tanto do turista quanto do local por ele escolhido para visitar. Cada tipo de turismo não se apresenta como exclusivo quando da viagem do turista, visto que, por exemplo, dentro da tipologia de turismo desportivo podem se entrelaçar outros subtipos como o ecológico, gastronômico, de eventos, de aventuras, da juventude etc. Em alguns casos percebe-se a existência de uma concordância em relação à conjunção de tipicidades e segmentos turísticos como SEBRAE (2000) e Dias (2005), que apresentam o turismo cultural diretamente vinculado aos turismos rural, ecológico, de eventos, histórico e gastronômico. A motivação original do turista não significa que outras formas de turismo serão efetivamente desprezadas, sabendo-se que, a partir do momento que o turista sai da sua própria casa em busca de outro destino, ele já começa a conviver com as diferenças que surgem ao longo da viagem até que retorne, independente de qual seja o real motivo do seu deslocamento. As diferenças apresentadas durante uma viagem nada mais são que representações dinâmicas dos costumes, do patrimônio cultural dos lugares por onde se passa. Em meio a todos os tipos de turismo e sem desmerecer a importância e a contribuição dos mesmos em relação às questões culturais de uma maneira geral, o turismo cultural merece destaque por assumir características diretamente ligadas ao patrimônio cultural como um todo. 50 No documento do ICOMOS - 1976 60, o turismo cultural recebe a definição de ser “aquela forma de turismo que tem por objetivo, entre outros fins, o conhecimento de monumentos e sítios histórico-artísticos. Exerce um efeito realmente positivo sobre estes tanto quanto contribui - para satisfazer seus próprios fins - a sua manutenção e proteção”. Barreto (2000:19-20) conceitua turismo cultural como sendo “todo turismo em que o principal atrativo não seja a natureza, mas algum aspecto da cultura humana. Esse aspecto pode ser a história, o cotidiano, o artesanato ou qualquer outro dos inúmeros aspectos que o conceito de cultura abrange”, além disso, pode-se incluir a gastronomia como uma das vertentes marcantes de uma cultura, quer seja baseada na história, no cotidiano ou no artesanato. Buscando uma sintetização do conceito de turismo cultural, Dias (2006:40) afirma que o mesmo é representado por “toda prática turística que envolva a apreciação ou a vivência de qualquer tipo de manifestação cultural, seja tangível ou intangível, mesmo que esta não seja a atividade principal praticada pelo visitante no destino”. Tal conceituação, assim como a de Barreto, deixa implícita a gastronomia como atrativo turístico ao passo que esta insere-se no conceito de patrimônio cultural intangível. O turismo gastronômico está diretamente ligado às comidas e bebidas que, por sua vez, demonstram diversas tradições e costumes integrantes das inúmeras manifestações culturais existentes pelo mundo e, como afirma Dias (2005:71), “a experimentação de iguarias regionais é parte integrante da experiência do turista”. Meneses (2004:24-25) aprofunda a análise em relação ao turismo cultural afirmando que: ...as construções culturais são parte de um uníssono de experiências históricas, vivificadas de forma integrada, portanto, dinâmicas no tempo. Esse dinamismo é, ao mesmo tempo, diacrônico e sincrônico, e, assim, a construção de um modelo de interpretação do passado e a transformação desse modelo em atrativo turístico deve considerar e dignificar a vivência presente como parte de um todo cultural. Para exemplificar a interdependência do turismo enquanto atividade econômica em relação às manifestações culturais, quer sejam representadas pelo patrimônio material ou imaterial, pode-se referenciar Rodrigues (2001:22) quando expõe que “o crescimento da importância dada pelo poder público ao patrimônio fundamentava-se no reconhecimento de 60 Carta do Turismo Cultural, 1976. Disponível em <http://www.portal.iphan.gov.br> 51 seu valor cultural, mas, além disso, de sua potencialidade como mercadoria de consumo cultural”. Tal afirmação pode ser reforçada e ter seus horizontes ampliados pelas palavras de Pellegrini (1993:109) quando diz que “o bem patrimonial deve ser encarado como algo integrado ao quadro econômico-financeiro local, regional e talvez nacional, com uso efetivo. Aqui entra o interesse turístico, direta e indiretamente”. O que se percebe é que, em todos os autores citados para conceituar turismo cultural e, até mesmo no documento do ICOMOS, não se encontra nenhuma menção explícita relativa à questão da gastronomia como parte integrante do contexto cultural do ser humano. Vale ressaltar que, a maioria das manifestações culturais citadas ao longo do texto são importantes atrações turísticas em seus locais originais, podendo-se confirmar tal fato através dos pacotes turísticos de qualquer agência de viagem. Há excursões organizadas exclusivamente para prestigiar a Vesperata de Diamantina/Minas Gerais, o Festival Gastronômico de Tiradentes/Minas Gerais (Apêndice 01), a Octoberfest de Blumenau/Santa Catariana (Anexo 01). “O turismo, por se tratar de uma atividade econômica com caráter social e cultural bastante acentuado, contribui para diminuir as distâncias entre as várias partes do planeta, buscando valorizar e preservar as diferenças culturais. A cultura é um importante atrativo de um destino turístico. Muitos turistas estão em busca da diversidade e diferenças culturais que sobrevivem em um mundo marcado pela homogeneização cultural” (DIAS, 2003). Com base no patrimônio cultural é possível identificar atrativos potenciais e transformá-los em produto turístico através de um trabalho de organização e estruturação de serviços receptivos que utilizem recursos materiais e humanos da localidade. Há possibilidade de inserção de recursos locais na atividade turística porque, além da heterogeneidade dos conceitos inerentes ao turismo, os mesmos são, em sua maioria, passíveis de aplicação no cotidiano das pessoas por estarem diretamente relacionados a questões de bem estar do ser humano através de reflexões, principalmente, sobre o meio ambiente, cultura, relações sociais, economia, história, política e direitos humanos. O desenvolvimento da atividade turística com participação efetiva da comunidade local pode possibilitar melhor distribuição de renda e qualidade de vida se planejado 52 adequadamente, visto que a população é conhecedora das manifestações culturais, de suas características e de seus significados. Tomemos com exemplo a França e a Itália. Na França, algumas cidades da região da Borgonha vivem, quase que exclusivamente, do turismo gastronômico ancoradas na produção de vinhos, licores e mostarda, os quais atraem apreciadores de todo o mundo. Em Sabores de França e Itália – Planet Food, documentário da revista Viagem & Turismo (2005) é apresentada a história da cidade de Dijon e sua mostarda que começou a ser produzida no século 18 e, com o tempo e a fama que adquiriu, tornou-se atrativo turístico e transformou a cidade na maior produtora de mostarda da França. Juntando-se à importância da Mostarda Dijonense, ainda há o Kir, conhecido e apreciado em diversas partes do mundo e que nada mais é do que uma mistura de vinho branco com licor de cassis que, no início do século 19, era oferecida pelo prefeito local a todos que o visitavam. O prefeito era o Sr. Kir, daí o nome da bebida. Em algumas regiões da Itália acontece a mesma atratividade gastronômica, também motivada pelo vinho local e por suas massas. Na região de Montalcino, por exemplo, é produzido um dos vinhos mais conhecidos e procurados no mundo, o Brunello. Este vinho começou a ser produzido em 1880, por Ferruccio Biondi Santi que buscava a inovação – um vinho para ser envelhecido – posto que os vinhos da época deveriam ser bebidos ainda novos. Além de ser o “berço” do Brunello, a cidade conta com mais de 200 propriedades produtoras de diversos outros vinhos. Na Emília Romana, tem-se a Bolonha, conhecida, na Itália, como a capital da gastronomia, onde foram criadas as massas mais famosas do mundo – tagliatelle, lasagna e tortellini. O tagliatelle é tão importante e tradicional que há um medidor padrão chamado tagliatelle de ouro, com 8mm de largura. Se o tagliatelle produzido tiver maior ou menor largura que a do tagliatelle de ouro, é devolvido, poderá ser reconhecido como qualquer outra coisa, menos como tagliatelle 61. Isso ainda é acrescido da pizza, principal alimento de exportação da cultura Italiana. A valorização das iguarias locais ou regionais se apresenta como um incentivo à sua produção e, consequentemente, gera um aumento no interesse dos produtores em não 61 DVD Sabores de França e Itália – Planet Food. Viagem e Turismo: 2005. 53 só manter a produção, mas transformar em atrativo, também, o modo de fazer, o modo de produzir. Em algumas casas ou restaurantes tipicamente campesinos, tanto na França quanto na Itália, pode se acompanhar todo o processo produtivo das principais iguarias, pois tal interesse enche de orgulho os nativos. Para Schluter (2003:70), a gastronomia faz parte da nova demanda por parte dos turistas de elementos culturais. O interesse pelo turismo gastronômico envolve conhecimento e prazer, tanto para os visitantes quanto para os visitados, além de proporcionar o contato com a história e sua evolução. 2.2. Patrimônio Cultural, Identidade e Inclusão Social Ao mesmo tempo em que patrimônio cultural remete à história, aos costumes e ao conhecimento herdado de antepassados, remete, também às questões identitárias, já que estas, sem as questões histórico-culturais se perdem, se dissolvem. Para Barreto (2000:43) “a continuidade e a contigüidade com o passado dão certezas, permitem traçar uma linha na qual nosso presente se encaixe, permitem que saibamos mais ou menos quem somos e de onde viemos, ou seja, que tenhamos uma identidade”. Com uma visão um pouco mais detalhada e ampliada, Barreto (Op. Cit.:46) ainda afirma que: ...manter algum tipo de identidade – étnica, local ou regional – parece ser essencial para que as pessoas se sintam seguras, unidas por laços extemporâneos a seus antepassados, a um local, a uma terra, a costumes e hábitos que lhes dão segurança, que lhes informam quem são e de onde vêm, enfim, para que não se percam no turbilhão de informações, mudanças repentinas e quantidade de estímulos que o mundo atual oferece. A cultura, com todas as suas interfaces é a essência da identidade de um povo, pois, conforme abordagem de Machado (2002:41) “a identidade é um sistema de significados fundados na memória (de indivíduos e sociedades), os quais buscam dar sentido às experiências compartilhadas” e o autor ainda interliga identidade ao patrimônio 54 cultural conceituando-o como aquele que “pode ser compreendido como o conjunto de bens, materiais e imateriais, que fazem referência às identidades”. Segundo Ferreira (2004), além de possibilitar enriquecimento e desenvolvimento de comunidades e da sua cultura, a preservação patrimonial também é importante porque os “bens culturais guardam informações, significados, mensagens, registros da história humana – refletem idéias, crenças, costumes, gosto estético, conhecimento tecnológico, condições sociais, econômicas e políticas de um grupo em determinada época.” Referenciando diferentes formas de identidade Barreto (2000:45) percorre períodos da história para caracterizá-las: Em épocas pretéritas, [...] as pessoas pertencem a um clã, a uma tribo, à classe dos servos ou a uma casta. [...] Corresponde a essa situação a visão da identidade como algo essencial e fixo. [...] Na modernidade, [...] a identidade manifesta-se na pertença a determinados grupos (religiosos, políticos) ou a papéis (ser mãe, ser professor). [...] A identidade é uma construção social e que pode ser mudada. [...] O sujeito pós-moderno possui múltiplas identidades, que coexistem e se manifestam em razão de fatores diversos, externos ou internos a ela. [...] A matriz contemporânea é a de um sujeito que reage e se comporta de formas diferentes em circunstâncias e grupos diferentes. Há, atualmente, uma busca pelas raízes, pela memória, também interpretada como busca pela identidade, e nesse contexto, a memória social, conforme Rodrigues (2001:18), “será tão mais significativa quanto mais representar o que foi vivido pelos seus diversos segmentos sociais”, visto que as memórias particular e coletiva se entrecruzam por diversos caminhos, e, “de sua confluência nasce a possibilidade de identidade individual e coletiva”, sendo uma forma de os indivíduos e as sociedades recomporem a relação entre o presente e o passado. Em uma visão do macro para o micro tem-se que “memória coletiva [...] é o invólucro das memórias individuais e conserva, de maneira própria, os fatos acontecidos na sociedade à qual o indivíduo pertence” (BARRETO, 2000:45). Sob essa ótica, as memórias individuais compõem, conjuntamente, a memória coletiva. A memória é construída no decorrer do tempo, bem como o bem cultural e seu significado no tempo presente, e, para isso, de acordo com Meneses (2004:59), “o processo de identificação, apreensão, interpretação e informação sobre o patrimônio cultural deve ser adequado à realidade social, útil à sociedade, a serviço da qualidade de vida da população e, portanto, harmônico com ela”. 55 A participação da comunidade no conhecimento e reconhecimento acerca da valorização da sua própria cultura é o que proporciona a construção da memória e, conseqüentemente, a construção de uma identidade. A preservação do patrimônio cultural tem importância fundamental para o desenvolvimento e enriquecimento de um povo e de sua cultura. Os bens culturais guardam informações, significados, mensagens, registros da história humana - refletem idéias, crenças, costumes, gosto estético, conhecimento tecnológico, condições sociais, econômicas e políticas de um grupo em determinada época (FERREIRA, 2004). Além disso, a cultura é um importante mecanismo de geração de renda a partir do momento que a comunidade se interessa por seus significados e pela produção e reprodução de seus aspectos através de produtos para comercialização, visto que “a cultura requer circulação, produção e assimilação. E isso só é possível mediante estímulo à produção de bens culturais e à promoção de eventos” (MELO NETO, 2001:59). O turismo cultural, bem como outras modalidades de turismo, ativa esse processo produtivo desde que seu planejamento seja feito visando melhor compreensão sobre a cultura de determinada localidade e a valorização da mesma enquanto identidade e alternativas de trabalho para a comunidade. É válido ressaltar, citando Barreto (2000:36), que não deve utilizar “o discurso dos que acreditam num efeito multiplicador mágico capaz de colocar todas as pessoas no mercado de trabalho e com um nível salarial capaz de provocar uma grande mobilidade social”, mas sim, que a atividade turística é capaz de alocar pessoas com diversos níveis de qualificação, entre elas, pessoas com habilidades peculiares que apresentam e representam o patrimônio cultural de sua comunidade, bem como culinária típica, danças, confecção de personagens e símbolos representativos da história local, por exemplo. Conforme afirma Melo Neto (2001:57) “à mercantilização da cultura deve prevalecer a sua preservação e multiplicação, sem, no entanto, desprezar-se a força da economia da cultura, com seus múltiplos segmentos de venda de produtos e serviços e relações comerciais e de negócios”. Inúmeros municípios no Brasil têm incentivado a recuperação e valorização da produção de alimentos típicos. Os casos de maior destaque se encontram no Paraná (PR), em Santa Catarina (SC) e no Rio Grande do Sul (RS). 56 A Feira Nacional do Marreco – FENARRECO, que acontece em Brusque/SC, surgiu em 1986 como um festival gastronômico. Hoje agrega o chopp e as bandas musicais. No sítio eletrônico de Brusque 62 pode se obter várias informações sobre a festa, entre elas, o motivo do nome: “A Festa recebeu este nome em homenagem ao principal prato típico da região muito procurado pelos turistas que visitam Brusque, o “entemit rotkohl”, ou simplesmente, marreco com repolho roxo”. O mesmo sítio ainda informa, dentre outros números, que foram consumidos 2.838 pratos de marreco com repolho roxo na edição de 2008. Em Campo Mourão/PR, a Festa Nacional do Carneiro no Buraco, conforme sítio eletrônico oficial do município 63 gira em torno do carneiro assado em um buraco com brasa. A idéia desta forma de assar o carneiro surgiu de três amigos vendo um filme em que vaqueiros assavam diversos alimentos da mesma forma. Ainda segundo o sítio eletrônico, “no início o prato era servido esporadicamente apenas em festas de amigos, na década de 80 passou a ser servido também quando autoridades visitavam a cidade”. Um movimento da comunidade resultou na oficialização do carneiro no buraco como prato típico local em 1990 e a realização da primeira festa em 1991. A partir de então, a cada ano a festa ganhava mais adeptos e era cada vez mais incrementada com novas performances de cunho cultural como O Guardião do Fogo e O Ritual do Fogo. A Festa da Uva, em Caxias do Sul/RS, é mais um exemplo de evento gastronômico que impulsiona a economia, retoma e preserva raízes culturais. Iniciada em 1931, com o intuito de comemorar a vindima (colheita) daquele ano, foi realizada apenas com uma exposição de uvas, sem maiores pompas. No ano posterior já contava com um corso (carros alegóricos) puxado por bois e cavalos, “representando a produção de algumas colônias da região” 64. Ao longo do tempo sofreu duas interrupções: em 1935 e 1936, problemas econômicos; de 1938 a 1949, por causa da segunda guerra mundial. Após este período 62 Disponível em: <http://www.pmbrusque.com.br> Disponível em: <http://campomourao.pr.gov.br> 64 Disponível em: <http://www.festanacionaldauva.com.br> 63 57 manteve-se sua realização sem definição exata de periodicidade até que, em 1969, passou a ser trienal e em 1994, bienal. Nos três casos há uma participação intensa da comunidade que se reconhece como parte integrante de todo um conjunto cultural apresentado durante os eventos. Como forma de suporte e incentivo à criação e identificação de alternativas de engajamento, contextualização e inclusão da comunidade em seu próprio referencial cultural e no desenvolvimento da atividade turística, é interessante que haja um trabalho de educação patrimonial voltado para as diversas esferas sociais. “É possível e estimulante pensar em um planejamento diferente, em uma percepção mais acurada, onde o bem histórico cultural possa ter tratamento de construção histórica dinâmica e em andamento e possa propiciar inclusão identitária e social de quem participa ativamente dessa dinâmica. A experiência turística tem demonstrado que a participação comunitária sustenta não apenas o atrativo, mas também a própria estrutura receptiva do turista” (MENESES, 2004: 13). Com base nesse tipo de raciocínio é que se deve trabalhar para disponibilizar e propiciar acesso da comunidade às informações referentes ao seu patrimônio cultural e às alternativas de desenvolvimento que o mesmo pode proporcionar. Segundo Barreto (2000:75) “para os núcleos receptores, trabalhar a tradição como atrativo ajuda a recuperar a memória e a identidade locais, o que, na atualidade, constitui um imperativo para manter um equilíbrio saudável entre a manutenção da cultura local e a incorporação dos avanços positivos da cultura global”. Porém, o estímulo, a revitalização e a valorização de traços culturais não são plenamente alcançáveis apenas com a retomada dos costumes em si, mas dependem, também, de um investimento, tanto financeiro quanto educacional, conjuntamente, para dar melhores condições às comunidades para que possam dar continuidade e valorizar algo que, para ela pode parecer comum, mas, aos olhos externos, apresenta-se como diferente, interessante, curioso, esplendoroso e digno de preservação. 2.3. O processo de Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial e a política pública municipal intersetorial – educação, cultura e turismo O processo de salvaguarda do bem considerado patrimônio imaterial, fundamentado nas ações de valorização, preservação e continuidade do legado cultural, 58 envolve etapas específicas e, às vezes, de desenvolvimento prolongado devido à sua natureza, pois, a maioria dos bens patrimoniais imateriais não possui muitas referências palpáveis. A primeira etapa consiste na identificação do patrimônio cultural que “constitui trabalho de pesquisa e cadastro de bens de interesse de preservação” (RANGEL, 2002:26) através do qual é apresentado o requerimento de registro juntamente com a identificação do proponente, denominação e descrição do bem proposto, documentação iconográfica e declaração formal do representante da comunidade produtora do bem (BRASIL, 2000). Já a segunda etapa – o inventário – tem como base as pesquisas realizadas para identificar o bem e caracterizar o modo como era originalmente produzido, como surgiu e o significado deste para a população onde se originou. Conforme consta no Programa Nacional de Patrimônio Imaterial – PNPI (BRASIL, 2000) a estruturação de um relatório ou dossiê que apresente o registro de todas as referências geradas sobre o bem cultural resultará no inventário do bem em questão, por meio da aplicação da metodologia do Inventário Nacional de Referências Culturais – INRC e supervisionado pelo IPHAN. Como conceituado anteriormente, o patrimônio cultural imaterial é aquele que passa de uma geração para a outra e, muitas vezes, a oralidade permanece como a principal forma de transmissão do saber, do estilo de vida e da história e por isso, nem sempre há algum tipo de documento referente a um bem que se pretende registrar como patrimônio imaterial. Tal fato faz com que seja necessário, em determinados casos, utilizar a História Oral para a obtenção dos dados correspondentes ao objeto da pesquisa. Azevedo (2002) elucida: “A história oral transforma-se em mecanismo capaz de captar aspectos nem sempre conseguidos via outras fontes de relato”. No caso do patrimônio imaterial, a História Oral trabalhará a coleta e o confronto de depoimentos orais de pessoas que ainda cultivem os saberes referentes a um determinado bem cultural, contribuindo, assim, para o resgate da história do mesmo e possibilitando uma averiguação de seu percurso histórico, de seu pertencimento a uma determinada região, localidade ou comunidade e sua importância na vida das pessoas. Em relação à gastronomia, apenas a existência de um prato muito comum em determinada localidade – culinária típica – não o caracteriza como patrimônio cultural, pois é preciso que haja fidelidade quanto ao modo de se preparar, ao aspecto e ao sabor do 59 prato. Esse conjunto somente será alcançado através dos saberes transmitidos ao longo dos tempos. Após todos os passos citados e tendo o histórico referencial do bem cultural devidamente pesquisado, comprovado e documentado, identifica-se em qual dos livros ele será registrado, sendo esta, uma terceira etapa do processo – o registro propriamente dito. Os livros de registro, conforme Decreto Federal n° 3.551, de 4 de agosto de 2000, que institui o PNPI, são subdivididos em quatro categorias a saber: Livro dos Saberes: para registrar conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades; Livro de Celebrações: para os rituais e festas que marcam vivência coletiva, religiosidade, entretenimento e outras práticas da vida social; Livro das Formas de Expressão: para registro das manifestações artísticas em geral; Livro dos Lugares: para os mercados, as feiras, os santuários, praças onde se concentram ou se reproduzem práticas culturais coletivas (BRASIL, 2000) (Grifo dado pela autora). E é no Livro dos Saberes que se registra o patrimônio gastronômico como patrimônio cultural imaterial. Efetivando-se o registro do bem cultural, este se torna passível de salvaguarda. Conforme consta no PNPI “salvaguardar um bem cultural de natureza imaterial é apoiar sua continuidade de modo sustentável. É atuar no sentido da melhoria das condições sociais e materiais de transmissão e reprodução que possibilitam sua existência” (BRASIL, 2000). O engajamento da comunidade nas diversas etapas do processo de registro das manifestações culturais, além de ser uma exigência de IPHAN, conforme consta na página eletrônica da instituição (www.portal.iphan.gov.br) e no PNPI, pode ser visto como uma das formas de conhecimento, reconhecimento e valorização da história dessa comunidade, conseqüentemente, de sua cultura, posto que a proteção, de acordo com Rangel (2002) também é de responsabilidade da comunidade que tem o papel de salvaguardar, concorrentemente com os órgãos oficiais, testemunhos de sua trajetória. Neste contexto, as políticas públicas é que dão suporte à salvaguarda. Leis de incentivo à cultura e parcerias com instituições financeiras para liberação de linhas de crédito e de financiamento destinados ao investimento em atividades e manifestações culturais imateriais ainda existentes na comunidade são exemplos de política voltada para a ação de salvaguarda de um bem ou manifestação cultural imaterial. 60 A criação de políticas sensíveis a questões referentes ao patrimônio cultural como um todo e à comunidade a qual pertence, é um dos mecanismos que possibilitam a preservação e conservação do patrimônio material e a salvaguarda do patrimônio imaterial, pois, conforme abordagem de Rangel (2002:24) “a atuação do poder público deve ser exercida em caráter normativo, e a preservação deve ser partilhada com organizações coletivas capazes de uma ação efetiva”. A política de reconhecimento, valorização e preservação elaborada de forma participativa pode propiciar o alcance de maior percentual dos benefícios gerados pelo turismo, mas, não havendo uma integração, uma parceria entre as esferas da sociedade, os efeitos negativos podem vir a predominar, podendo se destacar, do ponto de vista social, a exclusão da comunidade local, como exemplifica Meneses (2004:28): Tiradentes, em Minas Gerais, e Ávila, na Espanha, são dois exemplos casuais [...] que demonstram políticas preservacionistas dotadas de recursos e opções distintos. A primeira evidencia uma política de turismo que exclui a população local do processo de participação na economia do desenvolvimento turístico, limitando os habitantes em sua periferia como hóspedes eventuais da própria casa. [...] A segunda faz o inverso: planeja a atividade de um turismo prolongado e valorativo da herança histórica, com aderência à realidade econômica de sua população, mantendo os moradores participantes da economia advinda da atividade turística. A atividade turística sem planejamento ou mal planejada, que causa a chamada apropriação turística do espaço caracterizada pela exclusão, pode gerar, até mesmo, certo receio quanto à continuidade do uso deste espaço por parte dos próprios residentes. Além disso, um planejamento, caso seja elaborado com foco apenas na estruturação local para os serviços turísticos básicos (hospedagem, alimentação e transporte) contradiz qualquer idéia de preservação e continuidade cultural. “A falta de planos diretores de ocupação urbana, de obras infra-estruturais que possibilitem a preservação dos conjuntos arquitetônicos, de formas de prevenção de acidentes (como os incêndios, por exemplo) e de planejamento de eventos culturais pode ser fator de exclusão de vidas e de possibilidades econômicas para a própria sobrevivência da aglomeração enquanto bem patrimonial, identidade, herança e tradição” (Op. Cit.: 27 e 28). Alguns problemas comuns que ocorrerem no campo social são citados por Dias (2003): ressentimento local resultante do choque de culturas; transformação da estrutura social de trabalho; saturação da infra-estrutura; transformação dos valores e condutas morais. 61 Por isso, é importante que o planejamento envolva, entre outros tópicos, um trabalho de formação, elucidação e acréscimo de conhecimento para a população com base na retomada de valores sócio-culturais locais, no esclarecimento sobre os efeitos do desenvolvimento turístico e no reconhecimento do espaço público como área de pacífica convivência entre visitantes, turistas e residentes. Para que isso ocorra, é preciso o envolvimento de organismos públicos, terceiro setor e comunidade local. Barreto (2000) ainda especifica que a intervenção dos planejadores de turismo pode ser decisiva para que o turismo cultural possa ser um produto realmente autêntico e trazer benefícios não somente econômicos como também socioculturais aos protagonistas. [...] Basta pensar que o produto está dirigido não apenas a uma platéia de curiosos forasteiros, mas também aos próprios cidadãos locais, que seu objetivo é mostrar às gerações jovens qual foi o processo pelo qual sua sociedade passou para chegar ao ponto em que se encontra. As Secretarias (Divisões, departamentos etc.) de Educação dos municípios têm participação imprescindível no desenvolvimento e implantação de uma consciência patrimonial, cultural e turística entre a população em geral e, sobretudo, os jovens estudantes, como parte do planejamento municipal de forma integrada. Cabe a este setor da administração pública municipal atuar em conjunto com as diretorias e o corpo docente das escolas, na elaboração de planos e programas de ensino que atendam às necessidades e características locais e valorizem o processo histórico da comunidade. A própria LDBEN possibilita e incentiva tal abertura escolar em relação a temas alternativos e de significado peculiar para determinadas comunidades, como consta no Capítulo II, Seção I, art. 26: Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da client ela (Grifo dado pela autora). Visto que tais características regionais e locais não são importantes apenas para estudantes e turistas, mas, para sociedade como um todo, as Secretarias (Departamentos, divisões, seções etc.) de Cultura dos municípios também se integram ao planejamento assumindo seu papel de difusão da consciência patrimonial cultural entre a comunidade, pois esta é parte integrante dos aspectos sociais que sustentam a existência de um bem enquanto patrimônio cultural. 62 A junção de esforços para elaborar o planejamento turístico é justificada pela “necessidade de se criar uma cultura turística na comunidade local, ou seja, provocar o envolvimento das pessoas com o turismo como fonte de oportunidades para o município” (DIAS, 2003:149). Pensar o turismo de forma integrada é considerar o máximo de variáveis envolvidas no processo. Assim, “o lucro tão perseguido pelo setor é reformulado, e consideram-se também como ganhos a conservação ambiental e a manutenção dos costumes locais, bem como o respeito à rotina dos espaços receptores” (PORTUGUEZ, 2001:122). A articulação entre os setores de cultura, educação e turismo pode transformar o patrimônio imaterial em oportunidade de desenvolvimento, mas é necessário levar em conta que os locais turísticos “necessitam, antes de tudo, estar fortalecidos cultural, ambiental e economicamente, para que o contato com os outros povos não consiga fazer desaparecerem costumes e culturas muitas vezes seculares” (ROMERO, 2003:63). O processo de Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial pode alavancar essa proposta de fortalecimento local, a exemplo do que demonstra Machado (2002:17): Ações de inventário ou de tombamento de bens culturais ou de comunicação sobre as intervenções para a conservação desses bens, dentre outros, podem ser usadas para a educação patrimonial, uma vez que levam à comunidade a oportunidade de entender, valorizar e proteger seu patrimônio cultural. Todo trabalho que promova uma mudança de atitude da sociedade colocando os cidadãos como atores do processo, soma-se ao planejamento turístico e à preservação cultural. Dias (2003) sugere a incorporação de organizações não governamentais, escolas e instituições de ensino superior na discussão sobre o desenvolvimento turístico, bem como realização de atividades culturais, shows, exposições, teatros, que também proporcionam lazer e conhecimento aos residentes. Ainda como alternativa de preservação, Melo Neto (2001) apresenta os eventos como sendo capazes de desempenhar papéis diversos no contexto do desenvolvimento e preservação do patrimônio cultural quando estruturados com base no desenvolvimento de focos de irradiação da cultura, objetivando aumentar a circulação de produtos culturais e ampliar o mercado desses produtos. Complementando tais sugestões, pode-se acrescentar, conforme elencado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG) 63 pesquisas escolares, feiras culturais que abordem o tema, palestras informativas para a comunidade em geral e outras formas que sejam aplicáveis à realidade do local e da cultura a ser valorizada e fortalecida 65. No processo de globalização, onde, de certa forma, tudo se interliga, o turismo ou a atividade turística se apresenta como um dos propulsores, dado sua característica de troca e envolvimento de conhecimento, cultura, experiências comerciais, prestação de serviços, questões ambientais, ou seja, pela proximidade entre povos que a atividade propicia e, por isso mesmo, é preciso atentar-se para a difusão e preservação dos valores culturais peculiares de cada localidade. 2.4. Educação Patrimonial e Algumas Práticas Bem Sucedidas A educação patrimonial é um tema relativamente recente, mas que já oferece algumas conceituações concretas. De uma maneira geral visa à preservação, conservação e difusão do patrimônio cultural como um todo e sua importância para as comunidades às quais pertencem. Horta (2001:03) aborda a questão referente à educação patrimonial direcionada ao ensino, argumentando que esta “consiste em provocar situações de aprendizado sobre o processo cultural e, a partir de suas manifestações, despertar no aluno o interesse em resolver questões significativas para sua própria vida pessoal e coletiva”. É importante que haja uma conexão entre a construção de um bem cultural e seu significado no tempo presente. Com uma abordagem muito próxima, Figueiredo (2002:57) diz que “a idéia básica da educação patrimonial é, em primeiro lugar, [...] despertar a sensibilidade da comunidade escolar sobre a importância de valorizar e entender os sinais e registros do passado”. Para uma camada específica da sociedade, em épocas passadas, desde o século XVII, a educação já caminhava lado a lado com as viagens e o conhecimento de culturas, a exemplo do que apresenta Rodrigues (2001:15): “as boas famílias mandavam seus filhos completarem a educação com viagens nas quais aprendiam línguas e costumes de outros 65 Disponível em <http://www.iepha.mg.gov.br>. 64 povos, compravam obras de arte e visitavam os monumentos de antiguidades, como o Fórum, em Roma”. Com o tempo, esse acréscimo de conhecimento deixa de ser privilégio de poucos e passa a integrar os currículos escolares, e, atualmente, baseado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a Pluralidade Cultural assume lugar de destaque no ensino: Esse tema propõe uma concepção que busca explicitar a diversidade étnica e cultural que compõe a sociedade brasileira, compreender suas relações, marcadas por desigualdades socioeconômicas e apontar transformações necessárias, oferecendo elementos para a compreensão de que valorizar as diferenças étnicas e culturais não significa aderir aos valores do outro, mas respeitá-los como expressão da diversidade, respeito que é, em si, devido a todo ser humano, por sua dignidade intrínseca, sem qualquer discriminação66. O ensino fundamental pode contribuir com o turismo por meio da educação patrimonial como forma de promover uma base de conhecimento cultural e humanístico para os estudantes, desenvolvendo, assim, um olhar crítico/analítico voltado para questões de convivência, direitos e deveres do ser humano em geral e do cidadão em relação ao seu espaço. Os PCNs propõem um enfoque diferenciado, onde o conteúdo deixa de ser um fim em si mesmo e passa a ser visto como meio para que os alunos desenvolvam as capacidades que lhes permitam produzir e usufruir os bens culturais, sociais e econômicos. Para expressar os propósitos da educação, Carsalade (2002:66-67) estabelece alguns focos de análise: Ensino não é repasse de informações, mas criação de patrimônio pessoal; não é adestramento, mas incentivo à autonomia pessoal; não é informar, mas formar; não é reprodução da realidade, mas ferramenta para sua transformação sustentável; aprender envolve memória pessoal e coletiva. Reforçando tal argumentação, Meneses (2004:56) expõe: “Necessário e fundamental é que as ações de apreensão e interpretação do patrimônio cultural sejam motivadas e movidas por atitudes amplas e interdisciplinares que possibilitem a informação correta e rica de interpretações problematizadoras”. Conteúdos curriculares envolvendo o legado cultural de determinada sociedade possibilitam ao educando melhor estruturação em sua formação enquanto cidadão, a exemplo do que aborda Rangel (2002:16): 66 Disponível em <http://www.mec.gov.br/pnde/pcn>. 65 A educação patrimonial tem a função de: promover, a partir do meio, sobre o meio e para o meio, a percepção da importância de preservar nosso patrimônio cultural, buscando a apropriação dos bens culturais por parte da sociedade brasileira, co-gestora, fruidora e principal destinatária desses bens, e a sua participação direta e efetiva nas ações de proteção de nossos bens culturais. A educação patrimonial baseada no “meio” do qual fala Rangel, está ligada não apenas aos educandos, mas apresenta conexões entre a escola e a comunidade, visto que esta faz parte do “meio” em que está inserida a escola. Na descrição dos conteúdos obrigatórios para o primeiro ciclo do ensino fundamental, por exemplo, o eixo temático é a história local e do cotidiano. O professor é orientado a enfocar preferencialmente diferentes histórias do local em que o aluno vive. Segundo o texto do documento, o objetivo é que os estudos da história local ampliem a capacidade do aluno de observar o seu entorno para a compreensão de relações sociais existentes no seu próprio tempo. 67 Trabalhar a educação patrimonial nas escolas é atuar, também, em prol da inclusão e da identidade, ao passo que os atores existentes na escola mantêm relação direta com outros cidadãos e esta relação pode causar um efeito cascata benéfico para o reconhecimento e valorização cultural por parte da comunidade como um todo e suporte para o desenvolvimento local em geral e turístico. Na literatura, até o presente momento (Jan. 2009), pouco se encontra sobre gastronomia vista como parte integrante do patrimônio cultural e sobre ações de educação patrimonial que envolvam, diretamente, a gastronomia. Mas, desde a ratificação do Brasil sobre a Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, alguns projetos, parceiras e ações vêm surgindo. Educação Patrimonial, durante muito tempo, privilegiou o Patrimônio Material. Atualmente, com a nova ótica dos PCIs sobre o tema, a tendência é ampliar a abordagem incluindo os eventos e os costumes das comunidades, mas a gastronomia, por estar incorporada ao cotidiano, tende a ser relegada num plano bem menor como patrimônio cultural. Experiências Brasileiras em Educação Patrimonial Um trabalho considerado projeto piloto em educação patrimonial, através do qual buscam-se bases e referências para desenvolvimento de novos projetos com os mesmos objetivos foi o Projeto Sustentar. 67 Disponível em: <http://www.revista.iphan.gov.br> 66 Tal projeto, lançado em São Luis – Maranhão, em 2006, tem como objetivo dar maior visibilidade ao Bairro Desterro, “por meio da valorização do seu patrimônio histórico e da promoção das riquezas culturais genuínas da tradição ludovicense, como o tambor de crioula, a gastronomia típica maranhense e o artesanato de pintura em azulejo” 68. Esta iniciativa deu-se através da parceria entre o Movimento Brasil de Turismo e Cultura, o SEBRAE e o Instituto de Hospitalidade, mas, atualmente já conta com o apoio de outras entidades, entre elas, Cooperativa de Gastronomia do Desterro, IPHAN-MA e Núcleo Gestor do Centro Histórico de São Luis. Por intermédio da Cooperativa de Gastronomia Típica do Desterro, hoje os visitantes já podem experimentar a culinária local, degustando os pratos típicos oferecidos por moradores, e conhecer melhor a história da capital maranhense, assistindo ao espetáculo teatral "De volta ao passado". 69 Desta forma, a população de São Luis já vivencia os bons resultados gerados pelo Projeto Sustentar. Pela preocupação com um bairro, toda a cidade foi beneficiada. Outro bom exemplo pode ser visto em Santa Catarina, na cidade de Laguna, onde as escolas públicas já trabalham com a educação patrimonial local. Em entrevista para a Revista do Patrimônio Histórico 70, do IPHAN, professor Laércio Vitorino de Jesus Oliveira da Silva dá o seu depoimento: “Agora estou trabalhando com uma história que é a história dos meus alunos.[...] O resultado comum dos projetos é um aluno mais interessado e motivado. A longo prazo, vem a mudança da mentalidade e a formação de um cidadão sensibilizado para com suas raízes e identidades culturais”. O projeto no distrito de Ribeirão Pequeno, em Laguna, coordenado pelo professor Laércio foi selecionado para o livro Tesouros do Brasil, em 2007. O projeto Tesouros do Brasil, de alcance nacional, foi “idealizado para promover a identificação de novos bens culturais e a revitalização do patrimônio por jovens do ensino fundamental e médio [...] é patrocinado pelas empresas Fiat, Usiminas e Magnetti Marelli” 71. 68 Disponível em: <www.movimentobrasil.org.br> Disponível em: <www.movimentobrasil.org.br>. 70 Disponível em: <http://www.revista.iphan.gov.br> 71 Op. Cit. 69 67 A parceria com a iniciativa privada é de extrema importância no desenvolvimento de projetos desse porte, pois o custo dos projetos geralmente não é pequeno, mas os resultados positivos obtidos são sempre maiores que seus custos e também geram reconhecimento e valorização para as empresas parceiras. A participação dos alunos no projeto Tesouros do Brasil, sempre coordenados por um professor, se dá através da identificação de um bem cultural da cidade, quer seja material ou imaterial. Para o engajamento das propostas é preciso “elaborar um relatório que justifique a relevância de incorporar esse bem ao patrimônio cultural e que fale de sua importância para a identidade da comunidade [...] e preparar uma proposta de ação de sensibilização para a valorização e preservação desse bem cultural” 72. Outras possibilidades de fazer parte deste projeto são através de produções artísticas, fotografia, pintura, literatura e música. Tanto no âmbito municipal quanto estadual, as ações existentes pelo Brasil têm sido desenvolvidas com o mesmo intuito do projeto Tesouros do Brasil. O trabalho com as escolas tem sido a base do desenvolvimento da educação patrimonial, através do qual é possível englobar não só os alunos, mas também, seus familiares e demais membros da comunidade, ampliando, dessa forma, o alcance e os resultados dessas iniciativas, como será relatado sobre o município de Itabirito, em Minas Gerais. 72 Disponível em: <http://www.revista.iphan.gov.br>. 68 3. EDUCAÇÃO PATRIMONIAL EM ITABIRITO E O PROJETO PASTEL DE ANGU 3.1. O Município de Itabirito O município de Itabirito em Minas Gerais está integrado ao Circuito Turístico do Ouro e ao Destino Turístico Estrada Real (Anexo 02), localiza-se na Rodovia dos Inconfidentes – BR040/BR356, a 55 Km de Belo Horizonte – capital mineira. Sua participação no Circuito do Ouro deve-se à base de sua história, diretamente ligada à mineração, como os demais municípios integrantes desse circuito. Quanto à Estrada Real, assim como a maioria das localidades mineradoras, Itabirito também era rota de tropas tanto de venda de animais como as que recolhiam e transportavam os minerais e as riquezas até os portos para serem enviadas a Portugal, na época do Brasil Colônia. O surgimento dos primeiros povoados dentre os quais Itabirito originou-se, ocorreu no final do século XVII devido às primeiras explorações auríferas em Minas Gerais, sendo que a atividade de mineração do ouro influenciou a economia local até meados do século XIX quando, na região, começou a apresentar um significativo desaquecimento (www.itabirito.mg.gov.br). A partir da década de 1880, ... as instalações dos trilhos da Estrada de Ferro Dom Pedro II, a abertura de empresas nos ramos da siderurgia, tecidos e couro e o crescimento da população passaram a modificar a feição da Sede de Itabirito (antiga freguesia de Itabira do Campo) [...] Esse desenvolvimento tornou-se a base de sustentação para os desejos de emancipação municipal, realizada em 7 de setembro de 1923. 73 Durante os mais de 80 anos de sua emancipação, Itabirito veio se desenvolvendo e recebendo imigrantes, o que fez com que atingisse, conforme a contagem populacional de 2007, 41.523 habitantes (IBGE, 2007) distribuídos nos três distritos (Acuruí, São Gonçalo do Bação e São Gonçalo do Monte) e na sede do município. Das 18 escolas municipais existentes em 2007, 7 estão localizadas na área urbana e 11 na área rural, porém, três destas últimas tiveram as atividades paralisadas em 2006. A 73 Disponível em: <www.itabirito.mg.gov.br> 69 maioria das escolas municipais está direcionada ao ensino fundamental desde a fase inicial até a 4ª série e, apenas três, no total, atendem a estudantes de 5ª a 8ª séries 74. A estrutura econômica da cidade está ancorada, principalmente, na mineração, siderurgia e comércio, mas, recentemente, a realização de eventos culturais e o turismo (alavancado pelos eventos) têm proporcionado uma movimentação econômica diferenciada tendo, entre os eventos locais, a JULIFEST e a Festa do Pastel de Angu como os de maior repercussão para a cidade. 3.2. O Pastel de Angu, o Projeto Pastel de Angu e seus Desdobramentos No atual contexto de valorização do patrimônio cultural e da memória do município de Itabirito encontra-se o Pastel de Angu (Apêndice 02), iguaria gastronômica local, surgida no Século XIX, na época em que a cidade se chamava Itabira do Campo e era Distrito de Ouro Preto. O processo de valorização e resgate da memória local através do Pastel de Angu se fez baseado na articulação entre os setores de turismo, cultura e educação da administração pública, revelando-se como uma experiência proveitosa (Palavras do Secretário Municipal de Patrimônio Cultural e Turismo de Itabirito – Apêndice 04), visto que a iguaria parece ter se incorporado à cultura e identidade local tornando-se, inclusive uma nova alternativa de geração de renda. Considerado, pelos Itabiritenses, patrimônio cultural imaterial, o Pastel de Angu teve sua criação na Fazenda dos Portões, que em 1796 pertencia ao Sr. José Ferreira de Aguiar e que, com o seu falecimento, em 1846, foi passada a seus filhos e estes, em 1850, a venderam ao Sr. David Pereira Lima, porteira fechada, com escravos, benfeitorias e todos os animais 75. Conforme consta do documento elaborado para solicitar o registro do Pastel de Angu como Patrimônio Imaterial – Dossiê de Registro do Pastel de Angu (Prefeitura Municipal de Itabirito, 2005), os escravos aproveitavam a sobra do angu, recheavam com umbigo de banana 76 (Apêndice 03) e depois fritavam aquele bolinho – o pastel. A matriarca da fazenda de David Pereira Lima, dona Ana Joaquina de Lima, tinha bom relacionamento com as escravas e levou duas delas para dentro de casa. 74 Op. Cit. Disponível em: <www.itabirito.mg.gov.br>. 76 Umbigo de Banana ou de bananeira: Espécie de uma flor roxa localizada na ponta do cacho de bananas. 75 70 No histórico do Dossiê constam os nomes de dois personagens importantes: Philó e Maria Conga, que teriam sido as primeiras escravas a fazer o pastel (Apêndices 06 e 07). Na falta de uma complementação de carne, a necessidade e a criatividade das negras as fizeram usar um guisado feito com umbigo de banana, porém em algumas raríssimas ocasiões as escravas, em sua lida na cozinha, escamoteavam pedaços de carne escondendo-os nos roletes de angu e assando-os em rústicos fornos feitos com cupinzeiros. A forma original do Pastel de Angu era arredondada, o recheio colocado sobre a massa era enrolado e depois achatado para ser assado, e recebiam o nome de “Boroa”. A forma atual ocorreu no Século XIX, por volta de 1885, pelas mãos de Dona Ana da Prata Baêta, conhecida por “Dona Saninha da Prata" que, em 1915 passou a receita para sua nora Dona Emilia Martins Baêta, apelidada de “Dona Milota”, falecida em 1972. Dona Milota fazia os Pastéis de Angu e os vendia para auxiliar nas despesas domésticas 77. Muito difundido em Itabirito, sua fama e receita romperam as fronteiras do município, sendo levadas para Belo Horizonte, Itabira, Conceição do Mato Dentro, General Carneiro, Sabará e dezenas de outras cidades, inclusive no Estado de São Paulo 78. Falam os mais antigos, que a família Gonçalves teve um papel importante na divulgação desta iguaria fora de ltabirito, pois o próprio Dr. Guilherme Gonçalves, em suas visitas médicas longe de ltabira do Campo, às vezes comentava sobre o delicioso “Pastel de Angu”, despertando em todos a curiosidade de obter a receita. Até hoje a receita é passada de mãe para filha, conservando fielmente o modo de preparo e cocção correta. Os ingredientes utilizados devem ser de primeira qualidade (fubá de milho moído em moinho movido à água, polvilho especial, etc.) Já o recheio, além do umbigo de banana, ainda é oferecido com bacalhau, carne de boi moída, carne de frango e também de queijo 79. Conforme informações obtidas através de entrevista ao Secretário Municipal de Patrimônio Cultural e Turismo – gestão 2005/2008, a Secretaria de Educação da administração 2001/2004 tinha como secretário um historiador que criou um movimento para fortalecer a identidade do Pastel de Angu nas escolas, daí se criou uma festa escolar baseada no Pastel de Angu. 77 Disponível em: <www.itabirito.mg.gov.br> Disponível em: <www.portalitabirito.com.br> 79 Disponível em <http://www.itabirito.mg.gov.br>. 78 71 A atual gestão – 2005/2008 – analisando a festa optou pela sua continuidade. A partir de então, a Festa do Pastel de Angu, um evento que surgiu de um movimento escolar, começou a ter um trato mais turístico. A Festa, que antes era realizada apenas pela Secretaria de Educação, hoje conta com a parceria da Secretaria de Patrimônio Cultural e Turismo. Conforme palavras do Secretário de Patrimônio Cultural e Turismo, “a tendência é a festa aumentar ainda mais, devido à troca de experiência com organizadores do Festival de Gastronomia de Tiradentes, porém, sem deixar perder a essência de festa escolar, mas dando a ela uma conotação mais voltada para o Pastel como um ícone de gastronomia”. Em 2005, em um esforço conjunto das duas Secretarias promotoras (a de Educação e a de Patrimônio Cultural e Turismo), foi efetuada uma sensibilização para envolver ainda mais as escolas. De acordo com as declarações obtidas, atualmente a Festa paralisa as escolas. Na semana do evento elas ficam por conta do Pastel de Angu. As crianças comem o Pastel de Angu na escola, aprendem a fazer o Pastel, fazem trabalhos a respeito disso, fazem os convites da Festa dentre outras atividades com o Pastel de Angu como destaque. Na opinião da quitandeira – Dona Inês, “o pastel é o ouro de Itabirito, pela cor, porque dá renda pra todo mundo” (Apêndice 05) e ela ainda complementa dizendo que “todo mundo que quer ganhar um dinheiro, este pastel de angu é o ouro de Itabirito e eu falo isso porque eu ganho com ele. Meu trabalho é o pastel de angu.” Segundo o Secretário Municipal de Patrimônio Cultural e Turismo, há alguns anos o SEBRAE deu um treinamento para os artesãos que elegeram dois temas como foco dos trabalhos – as Flores de Maio e o Pastel de Angu (tradições de Itabirito), através dos quais foram criados vários produtos. Diante disso, uma artesã chamada Geralda desenvolveu uma linha artesanal baseada na história do Pastel de Angu, com a Maria Conga e a Philó, escravas que criaram tal pastel. Estas escravas se tornaram, através das mãos da artesã, bonecas pretas que vêm sempre com um cesto contendo o pastel de angu ou o fubá (Apêndices 08 e 09). Em seu depoimento, o Secretário de Turismo ressalta que “a Geralda já participou do programa de televisão Terra de Minas, foi página do jornal Estado de Minas, já fez todas essas redes de TV locais e já foi também para o Mais Você, programa da Ana Maria Braga, na Rede Globo, com repercussão internacional, através da história das bonecas dela e, agora, ela está preparando uma exposição”. 72 Com base no treinamento ministrado por profissionais do SEBRAE, uma série de outras coisas foi desenvolvida em torno do Pastel de Angu e este desdobramento é muito importante para a cultura, o desenvolvimento da economia e da atividade turística local. No concurso para o projeto Tesouros do Brasil, no ano de 2005, alguns trabalhos de Itabirito foram selecionados e uma escola “defendeu” o Pastel de Angu. Na última versão a FIAT, uma das promotoras do projeto, solicitou para que toda a divulgação fosse feita relacionada ao Pastel de Angu, devido à caracterização feita na defesa da escola. “Além do conteúdo histórico, é mais uma relação de identidade da comunidade com o produto”, comenta o Secretário. Assim como a artesã Geralda e o trabalho escolar realizado em Itabirito, a quitandeira Dona Inês conta que também ganhou espaço fora de Itabirito: “Eu já cheguei até no Japão. Já fiz uma filmagem da receita do pastel de angu para passar nos vôos da GOL, já fui fazer filmagem com a GLOBO, 3 vezes já fui pra GLOBO, tem filmagem minha na BAND, tem filmagem minha na REDE MINAS que passa receitas no sábado.” Diante de todos estes acontecimentos, conforme explica a Chefe de Divisão de Memória e Patrimônio, “a Memória e Patrimônio começou a perceber que o Pastel de Angu poderia ser um bem imaterial que pode e deve ser protegido.” Conforme ela explica, “existe uma competição entre algumas cidades que querem que o Pastel de Angu seja de lá. Mas Itabirito largou na frente, deu um trato diferente à iguaria, pesquisou e procurou registrar como Patrimônio Imaterial”. A partir da pesquisa das origens do Pastel de Angu foi preparado um Dossiê para o IPHAN com todo o respaldo que fez vislumbrar a possibilidade do registro como patrimônio imaterial e, até, buscar um registro por uma série de fatores, incluindo o próprio benefício do ICMS cultural, porém, a Chefe de Divisão conta que “o IPHAN alegou que, devido ao grande número de pedidos de produtos gastronômicos para registro, precisa estudar melhor o caso, mas, de qualquer forma, o mais importante já aconteceu: o próprio município se apropriou da questão do pastel de angu, e era exatamente isto o mais esperado. O IPHAN não está priorizando prato típico de nenhuma localidade ele está mais ligado ao registro dos derivados, da matéria prima utilizada”. O registro no IPHAN foi solicitado pela Divisão de Memória e Patrimônio devido à própria importância que o Pastel de Angu criou e, segundo o Secretário, a inclusão dos alunos pode ser explorada de várias formas, porque a divisão de patrimônio trabalha em 73 várias vertentes dentro das escolas, com educação patrimonial, preparando os professores através de oficinas de memória viva, tendo o Pastel de Angu como objeto destas oficinas. Além de tudo isso vários documentos de outras cidades que já têm legislação sobre patrimônio imaterial foram estudados para que se possa estruturar uma legislação própria. Hoje Itabirito atrai turistas exclusivamente devido ao Pastel de Angu, não apenas na Festa do Pastel de Angu, mas também em outras ocasiões. O consumo do pastel de angu aumentou dentro e fora da cidade. Além da produção caseira, já existem fábricas, o produto passou de artesanal para industrializado, mas, apenas os artesanais se enquadram como patrimônio cultural. Não existia esta procura pelo Pastel de Angu, até aproximadamente uns 15 anos atrás somente algumas famílias detinham as receitas. Hoje, o negócio do Pastel de angu se firmou na esfera municipal, sua receita se popularizou e já atingiu escala regional e até estadual. 3.3. A Festa Anual do Pastel de Angu Atualmente, o município de Itabirito já é conhecido como a cidade do Pastel de Angu. Outras cidades também exploram o mesmo segmento, mas sem o mesmo êxito, pois na realidade, Itabirito é a mais beneficiada pelo Pastel de Angu devido ao trabalho e ao pioneirismo local, “porque foi tudo muito bem trabalhado e estruturado em cima da idéia”, completa a Chefe de Divisão. Devido à proximidade da Festa do Pastel de Angu com a Julifest (outro evento importante da cidade), com características tão diferentes, onde a Julifest aparecia bem maior e mais rica que um evento escolar, ficou resolvido que era necessário dar identidades distintas a ambas. O Secretário explica que “a Festa do Pastel de Angu, uma festa tipicamente escolar, não exigia grandes artistas, não exigia grandes estruturas, mas atualmente está exigindo, ou seja, no Julifest se gasta em torno de R$ 500 mil e numa Festa do Pastel de Angu o gasto é de aproximadamente R$ 40 mil e tem uma mídia espontânea muito maior que a própria Julifest. Isto, porque é o Pastel de Angu, porque é educação patrimonial, porque está se trabalhando a questão da aproximação de uma comida com o turismo e as escolas”. Ainda expõe que, “em dois dias, vendem-se 50 mil Pastéis de Angu, 74 logo, começou a tomar proporções muito grandes, observando-se um fenômeno interessante, porque, enquanto na Julifest temos que ficar atrás de datas de cantores para ver quem pode comparecer ou não, porque ela depende de um grande nome para se efetivar, na Festa do Pastel de Angu, as pessoas ficam atrás da Secretaria de Patrimônio, Cultural e Turismo para vir se apresentarem”. Com exemplo foi citado o Minas ao Luar que procura se apresentar próximo à Festa do Pastel de Angu. A festa ganhou status, e as diretoras das escolas já começam a ter um trato especial se dedicando mais. Criou-se uma identidade forte. O Pastel de Angu virou uma estratégia mercadológica. Comercialmente hoje existem duas fábricas do Pastel na cidade, o produto tornou-se exigência do público nos supermercados, bares e restaurantes. Se for observado o fluxo da festa do Pastel de Angu, em um final de semana, se movimenta, no mínimo, R$ 1,5 milhão na cadeia produtiva, considerando taxa de ocupação máxima nos hotéis, abastecimento de combustíveis, provocou-se uma mecanização. “Além de vários artesãos trabalhando o tema (bordados, bicos de crochê, bonecas e outros), hoje, qualquer escola em Itabirito tem uma pesquisa ou trabalhinho sobre o Pastel de Angu”, segundo o Secretário. Os entrevistados ainda expõem que “existem pessoas que dizem que o Pastel de Angu não é coisa antiga, e sim atual. Mas dizem isso porque simplesmente não o conheciam, o Pastel de Angu era um produto de família tradicional, que foi passando de mãe para filha e não havia se disseminado entre a população em geral”. O Pastel de Angu significa hoje a principal fonte de renda para uma camada da população itabiritense, não só o produto em si, mas outros que se desdobraram a partir dele. No caso do artesanato com o pastel de angu, tem famílias inteiras trabalhando e vivendo da produção de peças. 3.4. A Pesquisa Durante o Festival do Pastel de Angu, dias 07 a 08 de junho 2008, foi realizada uma pesquisa para identificação de diversas informações que norteassem as ações da Prefeitura Municipal de Itabirito para o desenvolvimento do turismo e do trabalho de educação patrimonial. 75 O procedimento metodológico foi a pesquisa exploratória, que, segundo Denker (2003) procura aprimorar idéias ou descobrir intuições, com uma abordagem qualitativa que, ao entender de Martins (2006) visa a descrição, compreensão e interpretação de fatos e fenômenos, utilizando-se, para tanto, a entrevista semi-estruturada aplicada aos frequentadores do evento. Durante os dois dias do evento quatro entrevistadores atuaram correntemente aplicando as entrevistas, tendo conseguido, ao final do evento, um total de 180 entrevistados. Os resultados obtidos após tabulação dessa pesquisa (Modelo da pesquisa: Apêndice 10) ofereceram os dados apresentados a seguir: 15 % 1,67 % Itabirito Minas Gerais 83,33 % Outros Estados GRÁFICO 1 – Local de Residência 3,33 % Pastel de angu (iguaria, cultura e tradição) 30 % 40,56 % 23,89 % A festa (como um todo) Outros (amigos, familiares, shows, falta de opção etc) Não responderam GRÁFICO 2 – Principal motivo para estar no evento • Dos 180 entrevistados, 150 são do próprio município, conforme GRÁFICO 1, o que demonstra a necessidade de um trabalho de divulgação mais abrangente fora do município e, a maioria – 73 pessoas – citou o pastel de angu enquanto iguaria, cultura e tradição, como principal motivo de participação no evento, conforme GRÁFICO 2, afirmando a atratividade turística de uma iguaria. 76 18,89% Familiares 42,78% Em grupo / amigos 38,33% Sozinho / casal Número de respostas GRÁFICO 3 – Companhia para o evento 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 90 60 Itabirito Minas Gerais 21 Outros Estados 6 1 dia / 45% 3 2 dias / 55% Percentual de participação GRÁFICO 4 – Participação no evento • Como companhia para o evento, 71 entrevistados de Itabirito e 6 de Minas Gerais correspondem aos 42,78%, 53 de Itabirito, 14 de Minas Gerais e 2 de Outros Estados correspondem aos 38,33% e, 26 de Itabirito, 7 de Minas Gerais e 1 de Outro Estado são referentes aos 18,89% restantes representados no GRÁFICO 3 e houve maior percentual de freqüentadores dos dois dias de evento (GRÁFICO 4) 77 Número de entrevistados 60 54 50 36 40 27 30 17 20 10 10 1 6 1 12 3 1 2 2 0 Itabirito Minas Gerais Outros Estados GRÁFICO 5 – O que mais agradou no evento • Os itens considerados de maior agrado foram, primeiramente, o pastel de angu/a comida, seguido pelas apresentações culturais – danças, representações teatrais e shows. Uma parcela se dividiu entre movimento e diversão e a festa como um todo, mas, alguns ainda se prenderam a outros detalhes como decoração, segurança e organização, movimento, animação do pessoal. Desta forma, percebe-se o conjunto de valores agregados ao pastel que devem ser cuidadosamente analisados e planejados antes da realização da Festa. Número de entrevistados 60 50 50 48 40 30 30 Itabirito 22 Minas Gerais 20 10 8 1 5 7 Outros Estados 7 1 1 0 Nada desagradou Falta de - 31,67% asfalto/poeira 15% Poucas mesas, Não responderam filas e bandas - 21,11% 32,22% GRÁFICO 6 – O que mais desagradou no evento 78 • O principal desagrado foi a poeira que o local gera por não ser asfaltado, mas para tal decisão, o correto seria fazer uma avaliação para identificar os impactos ambientais em relação à execução da Festa no local e em relação ao asfaltamento. Quanto aos outros motivos, foram muito variados, além dos citados no gráfico, apareceram outros como “faltou mulher”. Considerações irrelevantes e que não dependem dos organizadores. GRÁFICO 7 – Participaram da festa em 2007 • Não havendo pesquisas sobre as edições anteriores da Festa do Pastel de Angu, exaurese a possibilidade de comparação entre os números de participantes freqüentes e o aumento ou diminuição do público. 3,90% 0,55% 0,55% 1,67% 5,56% 7,22% Nota 2 Nota 3 Nota 4 Nota 5 19,44% 13,89% 17,78% Nota 6 Nota 7 Nota 8 29,44% Nota 9 Nota 10 Não responderam GRÁFICO 8 – Avaliação geral do evento • Para avaliar o evento utilizou-se notas de 0 a 10, estando representadas no GRÁFICO 8 apenas aquelas que receberam alguma marcação. E conforme análise das notas, o 79 Festival do Pastel de Angu é um evento de qualidade, mas que ainda pode ser melhorado em alguns aspectos. 90 85 80 70 60 50 36 40 30 20 10 11 12 9 1 11 2 2 2 1 1 3 3 1 0 Itabirito Minas Gerais Outros Estados GRÁFICO 9 – Pretensão de gastos no período • Utilizando os dois maiores percentuais de pretensão de gastos dos turistas (Minas Gerais e Outros Estados) e calculando a média simples entre eles, se obtém o valor de R$45,00 (quarenta e cinco reais) gastos por pessoa. Correspondendo aos entrevistados, 21 pessoas deixam no município, aproximadamente R$945,00 (Novecentos e quarenta e cinco reais) e, se for acrescentado o turista que gastará entre R$211,00 e R$240,00, com uma média de R$225,50 (Duzentos e vinte e cinco reais e cinqüenta centavos) passa-se a uma geração de R$1.170,50 (Um mil, cento e setenta reais e cinqüenta centavos) em divisas para o município. Tais valores não são expressivos tratando-se apenas de 30 turistas, mas servem de parâmetro para a importância da divulgação e da captação de turistas para a festa. Havendo um número maior de turistas, aproximadamente 1000, com as mesmas pretensões de gastos durante o período do evento, em um final de semana seriam deixados na cidade o montante equivalente a R$1.170.050,00 (Um milhão, cento e setenta mil e cinqüenta reais). Além disso, a circulação de divisas também é aumentada através dos gastos dos próprios itabiritenses. 80 As próximas abordagens apresentadas foram feitas apenas aos turistas por se tratarem de informações com direcionamento de interesse específico. 25 1 20 15 Outros Estados 22 10 2 2 5 0 3 Carro particular - Ônibus de linha 76,67% 13,33% Minas Gerais Outros - 10% GRÁFICO 10 – Meios de transporte • Tendo o carro particular como principal meio de transporte utilizado pelos turistas, deve-se dedicar atenção à questão do estacionamento do evento para que este comporte o maior número de veículos à medida que a Festa do Pastel de Angu for crescendo e adquirindo mais adeptos. Os outros transportes citados foram Van e moto, que também utilizam o estacionamento local. 16 14 12 10 8 6 4 2 0 3 2 1 Hotéis Urbanos 6,67% Pensão 3,33% 15 7 2 Casa de parentes e amigos 33,33% Não se hospedam na cidade - 50% Outros (sem especificação) 6,67% Outros Estados Minas Gerais GRÁFICO 11 – Tipos de hospedagem 81 • Mesmo sendo uma festa que movimenta um grande número de pessoas, o Festival do Pastel de Angu ainda não gera um número significativo de hospedagens para o município de Itabirito, conforme mostra o GRÁFICO 11. 25 20 3 15 10 Outros Estados 18 5 9 Minas Gerais 0 Sim - 30% Não - 70% GRÁFICO 12 – Utilização de bares e restaurantes locais • De todos os visitantes e turistas entrevistados, apenas 9 (de Minas Gerais) freqüentaram algum bar ou restaurante, o que corresponde a 30% dos mesmos e não representam um montante significativo. 16 14 12 10 8 6 4 2 0 Outros Estados 15 9 2 1 Menos de 1 dia Entre 1 e 2 dias De 2 a 3 dias 1 2 Minas Gerais Mais de 4 dias GRÁFICO 13 – Tempo de permanência em Itabirito • Quanto ao número de dias que os turistas pretendiam ficar em Itabirito, o percentual ficou equilibrado, sendo que 50% não ficariam na cidade e os outros 50% pernoitariam, no mínimo um dia em Itabirito, mas este percentual não corresponde, obrigatoriamente, a hospedagens em meios de hospedagem oficial como hotéis e pensões. 82 13,33% Indicação de outras pessoas Outras fontes (jornais, revistas, internet, rádio) 86,67% GRÁFICO 14 – Como ficou sabendo do Festival • A indicação de outras pessoas foi a principal forma de informação citada por 23 turistas de Minas Gerais e 3 de Outros Estados, sendo que apenas 4 pessoas se informaram através de jornais, revistas, internet, rádio. Fato comprovante de que a influência direta de amigos, parentes e comentários de alguém que já conhece o evento é uma excelente e eficaz forma de divulgação, mas não se pode abandonar a divulgação profissional. 26,67% Primeira vez 2 vezes ou mais 73,33% GRÁFICO 15 – Quantas vezes já esteve em Itabirito • A maioria dos Mineiros freqüentadores do Festival do Pastel de Angu de 2008 já esteve em Itabirito mais de uma vez, sendo que apenas 5 deles e os 3 turistas vindos de outros estados estavam pela primeira vez na cidade. 46,67% SIM 53,33% NÃO GRÁFICO 16 – Visitou algum atrativo de Itabirito • 16 visitantes/turistas (Minas:15 e Outros Estados:1) visitaram atrativos locais, sendo o Cristo, o atrativo mais citado. 12 não visitaram atrativos e 2 não responderam à questão. 83 3,33% 3,33% Sim Talvez 93,34% Não GRÁFICO 17 – Pretende retornar a Itabirito • Dos 30 turistas/visitantes entrevistados, 28 pretendem voltar a Itabirito, principalmente durante a JULIFEST que é outro evento de grande porte e atrai pessoas de diversos lugares, o que demonstra a atratividade dos eventos de Itabirito. 10 1 8 1 6 4 2 0 4 1 8 6 5 1 Nota 5 3,34% Nota 7 13,33% Nota 8 20% Nota 9 30% Nota 10 20% 3 Outros Estados Minas Gerais Não responderam 13,33% GRÁFICO 18 – Avaliação geral do município • Como forma de avaliação geral do município foram oferecidas opções de 0 a 10, das quais serão expostas apenas as que receberam marcações. A maioria dos entrevistados demonstrou ter gostado muito da cidade, baseando suas notas de 8 a 10, mas o pequeno percentual que deu nota 5 e 7 deve ser levado em consideração para avaliar possíveis melhorias para o município. As últimas abordagens voltam a incluir os residentes em Itabirito por vislumbrarem informações de interesse geral. 84 Quantidade de Pessoas 100 1 11 80 2 16 60 40 Outros Estados 80 70 Minas Gerais 20 Itabirito 0 Feminino 51,11% Masculino 48,89% GRÁFICO 19 - Sexo • Dos 180 entrevistados, 92 eram mulheres (Minas: 11; Outros Estados: 1; Itabirito: 80), representando 51,11% e 88 eram do sexo masculino (Minas: 16; Outros Estados: 2; Quantidade de Pessoas Itabirito: 70) representando os outros 48,89%. 80 70 60 50 40 30 20 10 0 1 16 1 4 3 54 42 22 1 4 24 5 2 1 Outros Estados Minas Gerais Itabirito Menor que De 21 a 30 De 31 a 40 De 41 a 50 De 51 a 60 Mais de 60 Não 21 anos anos anos anos anos anos respondeu GRÁFICO 20 – Faixa etária • A faixa etária ficou representada conforme demonstra o GRÁFICO 20, tendo como maioria predominante, pessoas entre 21 e 30 anos de idade, equivalendo a 39,44% dos entrevistados, seguido por pessoas entre 31 e 40 anos de idade, correspondendo a 26,11% dos mesmos entrevistados. 85 Quantidade de Pessoas 30 1 25 1 20 15 10 5 6 6 27 1 Minas Gerais 15 13 7 Outros Estados 3 0 De 1a. a 4a. De 5a. a 8a. 4,44% 15,56% Superior Incompleto 11,10% Superior Completo 11,67% Itabirito Pós Graduação 1,67% GRÁFICO 21 - Escolaridade • A predominância do nível de escolaridade foi o ensino médio, 100 entrevistados, sendo 84 de Itabirito, 15 de Minas Gerais e 1 de Outros Estados, o equivalente a 55,56% dos 180 entrevistados. As outras opções, que vão de “sem estudo” a “Pós graduação”, Quantidade de Pessoas ficaram assim distribuídas conforme Gráfico 21. 120 2 13 100 80 60 94 40 20 0 16 Não possui 10% 4 20 4 14 2 1 Até 1 SM De 1 a 5 SM De 5 a 9 SM De 9 a 13 De 13 a 17 3,89% 0,56% 10% SM 1,67% SM 0,55% Outros Estados Minas Gerais Itabirit o GRÁFICO 22 – Renda mensal • Para o tópico “Renda Mensal” também foram oferecidas diversas alternativas, das quais serão apresentadas apenas as que receberam marcação. Entre os níveis marcados, há uma predominância da opção “De 1 a 5 SM”, retratando a realidade financeira da maior parte dos freqüentadores do evento. Do total de entrevistados, 6 (3,33%) não responderam a esta pergunta. Obs.: SM significa “salário mínimo”. 86 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Baseado no estudo de caso apresentado, mesmo tendo como maioria de freqüentadores do Festival do Pastel de Angu o público interno/local, percebe-se que um patrimônio cultural é capaz de movimentar pessoas e, principalmente, fazer com que a economia local seja ativada. Quando trabalhado de forma consciente, cuidadosa e visando desenvolvimento gradativo do bem cultural enquanto objeto de consumo destinado também a um público externo – visitantes e turistas – este mesmo patrimônio que movimenta a cidade com a comunidade local atinge um novo patamar. Transforma-se, vai além, passa a gerar alternativas de renda e de emprego ativando e incrementando a economia local através de diversos setores. No caso da cidade de Itabirito, o trabalho desenvolvido com o pastel de angu, atingiu e incentivou, em níveis diversificados, o comércio, o artesanato, a área de hospedagem, o setor gastronômico, empresas e profissionais envolvidos com organização de eventos e fornecimento de equipamentos para eventos em prol da valorização, do reconhecimento e da difusão de um bem na qualidade de patrimônio cultural imaterial do município. Outras experiências que se iniciaram com características próximas às do Festival do Pastel de Angu, que perduraram e já ultrapassaram a décima edição como as citadas no corpo do texto – Tiradentes (Festival Gastronômico), Blumenau (Oktoberfest), São Luiz (Projeto Sustentar), Campo Mourão (Festa Nacional do Carneiro no Buraco), Caxias do Sul (Festa da Uva) etc – podem ser analisadas como exemplos positivos que demonstram que um bem cultural pode tornar-se o eixo de uma engrenagem turística favorável ao desenvolvimento local no seu aspecto mais amplo, desde a educação, engajamento da população em prol de novas perspectivas de vida e fontes alternativas de renda, reconhecimento e reafirmação identitária até a geração e circulação de divisas para o município como um todo. O patrimônio cultural imaterial, indiferente de ser trabalhado separadamente ou em conjunto com o patrimônio cultural material, apresenta-se como algo passível de receber mais atenção, tanto da iniciativa pública quanto de empresários e da comunidade 87 de maneira geral, para que, com a junção real de esforços se alcance o benefício comum que a atividade turística deve impulsionar. Tendo sido o pastel de angu e a cultura local os principais motivos da presença de visitantes na Festa do Pastel de Angu, reafirma-se, então, que um evento com base em um patrimônio cultural gastronômico possui real potencial de atratividade turística. Através da pesquisa realizada, percebe-se que há interesse de turistas e visitantes pelo evento, porém, a quantidade relativa da freqüência dessas pessoas é, ainda, um pouco insipiente em relação ao montante do público que a Festa do Pastel de Angu recebe anualmente – aproximadamente 4.000 pessoas/noite (Apêndice 11), conforme estimativa dos organizadores em 2008. Visto que, entre os turistas e visitantes, há uma predominância de pessoas com nível superior de formação ou em andamento, renda mensal de até 5 salários mínimos e que vão acompanhados para o evento, seria interessante trabalhá-los como público alvo vislumbrando o aumento no número destes participantes para as próximas edições. A atratividade do evento e da iguaria gastronômica poderia ser maior se houvesse um plano de marketing adequado, buscando seu público alvo, visto que grande parte dos freqüentadores do evento foi informada sobre sua realização, por outras pessoas – amigos e parentes – o que demonstra que a divulgação em meios de comunicação oficiais (out-door, cartazes, folders, TV, rádio etc.) não conseguiu cumprir efetivamente sua função de informar e atrair. Elevando-se o número de participantes da festa, automaticamente seriam aumentadas a injeção e a circulação de divisas no município, aquecendo a economia local de maneira mais significativa durante o período de realização do evento. Se as ações para o aumento do número de participantes forem trabalhadas em conjunto com o aumento do tempo de permanência na cidade, possibilita-se, ainda, geração de divisas no setor de hospedagem e de alimentos e bebidas (bares e restaurantes), beneficiando, assim, setores da economia que, ainda, não se apresentam como tendo ligação direta e significativa com o evento. 88 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, José Vicente de. Turismo: fundamentos e dimensões. São Paulo: Ática, 1995. 215 p. AZEVEDO, Júlia. Cultura, patrimônio e turismo. In: IRVING, Marta de Azevedo e AZEVEDO, Júlia. Turismo: O desfio da sustentabilidade. São Paulo: Futura, 2002. pp. 133-147. BARRETO, Margarita. Turismo e Legado Cultural: as possibilidades do planejamento. Campinas, SP: Papirus, 2000. (Coleção Turismo) BEZERRA, Deise Maria Fernandes (Org.) Planejamento e Gestão em Turismo. São Paulo: Roca, 2003. BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. 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FOTO: Elaine Cristina Linhares Diniz APÊNDICE 02 Umbigo de Bananeira e Pastel de Angu FOTOS: Elaine Cristina Linhares Diniz APÊNDICE 03 Umbigo de bananeira FOTOS: Elaine Cristina Linhares Diniz APÊNDICE 04 Entrevista com o Sr. Ubiraney (Secretário Municipal de Patrimônio Cultural e Turismo) e Sra. Gilmara (Chefe da Divisão de Memória e Patrimônio). MISSÃO (SEMCULT): Promover a oportunidade de negócios e desenvolvimento social e intelectual através de programas e ações que envolvam o bem estar, a promoção humana e obtenção de resultados por mecanismos de fomento e desenvolvimento das atividades cultural e turística de nossa cidade. UBIRANEY: O SEBRAE deu um treinamento para os artesãos e elegeram dois temas como foco dos trabalhos – as Flores de Maio e o Pastel de Angu (que são tradições aqui de Itabirito) – e aí, eles fizeram vários produtos. A Geralda, por exemplo, desenvolveu uma linha artesanal em cima da história do Pastel de Angu, com a Maria Conga e a Filó, que são essas bonecas pretas, mas elas vêm sempre com um cesto com o pastel de angu ou com fubá. Então, uma série de coisas foi desenvolvida entorno do Pastel de Angu. A Geralda já foi parar na Ana Maria Braga, já fez Terra de Minas, foi página do Estado de Minas, já fez todas essas redes de TV locais e já foi também pro MAIS VOCÊ com esta história das bonecas dela e, agora, ela está preparando uma exposição. A Festa do Pastel de Angu foi um evento que é um movimento escolar, mas que a gente começou a dar um trato mais turístico pra ela e no ano que vem a tendência é ela aumentar ainda mais, porque nós estamos fazendo uma ponte com o Ralf (que faz o Festival de Gastronomia de Tiradentes) para podermos dar um “plus” na Festa do Pastel de Angu. Não deixar perder a essência de festa escolar, mas dar a ela, também, uma conotação mais voltada para o Pastel como um ícone de gastronomia. A Secretaria de Educação da administração passada, que era do Ricardo (Historiador), então ele criou um movimento para fortalecer essa identidade do Pastel de Angu nas escolas aí se criou uma festa. Só que festa dá muito trabalho. Então, as diretoras ficaram muito mais envolvidas no sentido de se organizarem para vender bem e ter retorno do que propriamente estudar o Pastel de Angu. Quando nós entramos, ficamos assim: continua ou não continua, continua ou não continua? Gente! Se a festa dá certo vamos continuar, isso é que é importante. Porém, a Festa do Pastel de Angu e a Julifest são muito próximas, então ficava aquela festa pobrezinha de escola (a do Pastel de Angu) e a Julifest uma super, tipo prima rica e prima pobre, uma a um mês da outra. Isso não faz sentido. Então, vamos dar identidades diferentes. A Festa do Pastel de Angu, uma festa tipicamente escolar, não exige grandes artistas, não exigia grandes estruturas (mas agora está exigindo), ou seja, no Julifest eu gasto R$ 500 mil e numa Festa do Pastel de Angu gasto R$ 40 mil e tem uma mídia espontânea muito maior que a própria Julifest. Isto, porque é Pastel de Angu, porque é educação patrimonial, porque nós estamos trabalhando esta questão da aproximação de uma comida com o turismo e as escolas, em dois dias, vendem 50 mil pastéis de angu, então, as coisas começaram a tomar proporções muito grandes. Hoje, já temos procura (mas é até engraçado, porque eu não sei explicar isso, foi meio que um fenômeno), na Julifest temos que ficar atrás de datas de cantores para ver quem pode e quem não pode vir, porque ela depende de um grande nome para se efetivar, enquanto que na Festa do Pastel de Angu, as pessoas ficam atrás de mim para vir se apresentarem. A “Educação” é que fazia a Festa, agora, a nossa Secretaria junto com a Secretaria de Educação promove a Festa do pastel de Angu. Hoje em dia nós temos que ficar adequando as datas porque, por exemplo, o Minas ao Luar liga querendo se apresentar próximo à Festa do Pastel de Angu. Começou a inverter, o que é muito bom, porque começa a consolidar. Quando você conta isso, as diretoras já começam a ter um trato mais especial com a Festa e já se dedicam mais. Criou uma identidade forte. Se eu fosse perguntar, ano passado, se as diretoras queriam continuar com a Festa do Pastel de Angu, elas não queriam, porque dá mais trabalho que lucro e elas são professoras e diretoras, não são festeiras. A Festa paralisa as escolas. Na semana elas ficam por conta do pastel de angu. Ano passado, eu e a Lívia (Secretária de Educação) fizemos uma sensibilização para envolver, igual “Semana da Criança” que é tudo para a criança, na semana da Festa do Pastel é tudo para o Pastel de Angu. Então os meninos comem o Pastel de Agu na escola, eles aprendem a fazer o Pastel, fazem trabalhos a respeito disso, fazem os convites da Festa e tudo isso sempre com o Pastel de Angu aparecendo. Então, começou a ter um outro tipo de envolvimento com a Festa. Nesse meio tempo, a “Memória e Patrimônio” começou a perceber que o Pastel de Angu poderia ser um bem imaterial que poderia ser protegido. Existe uma competição entre algumas cidades que querem que o Pastel de Angu seja de lá. ELAINE: Como que se chegou a uma conclusão de que o Paste surgiu aqui mesmo? Quais os fatos que comprovam isso? UBIRANEY: A partir dessa pesquisa da Maria Conga e da Philó que eram duas escravas que faziam o Pastel, em fim, aquela história que está no site. Isso foi fruto de pesquisa do Vitor e de outras pessoas, não foi assim “vamos falar que é daqui e foi”, é pesquisa mesmo. Esse Dossiê que a Gilmara (Memória e Patrimônio) preparou para o IPHAN tem todo um respaldo que nos fez vislumbrar essa possibilidade de requerer do IPHAN esse título de bem imaterial e até, de repente, buscar um tombamento mesmo, por uma série de fatores, até para o próprio benefício do ICMS Cultural. O IPHAN alega que eles não vão fazer isso mais, porque tem gente pedindo de tudo, então já tem gente querendo tombar cachaça aqui, queijo ali, pastel, então eles vão fazer uma seleção do quê que é passível de ser considerado ou não, em fim, jogaram um balde de água fria. Independente disso, a cidade apropriou da questão do Pastel de Angu e, na verdade, era o que a gente queria. A FIAT promovia um concurso Tesouros do Brasil. Ano passado, alguns trabalhos daqui de Itabirito foram selecionados e uma escola defendeu o Pastel de Angu. Nesta última versão a FIAT ligou pedindo para a versão toda da divulgação ser feita em cima do Pastel de Angu, pela caracterização que foi feita na defesa da escola. Além desse conteúdo histórico, é mais uma relação de identidade da comunidade com o produto. DANILO: Na verdade o IPHAN jogou uma água fria na questão do tombamento, mas nem precisou, porque a comunidade/cidade incorporou isso. UBIRANEY: No caso de Itabirito, a gente pensou nisso para ter essa propriedade formalizada e pra isso valer. Está em processo, ta tudo lá, eles não falaram que não definitivamente, só falaram que não estão dando tanta atenção para isso porque teve um excesso de pedidos, mas nem sempre as coisas têm a mesma consistência que vá dar subsídio para uma decisão por parte do órgão federal. ELAINE: Você sabe de outros exemplos tipo o do Pastel de Angu? UBIRANEY: Eles deram exemplo no contato que foi feito com a Gilmara, ela te fala. ELAINE: Como e de quem surgiu a idéia de solicitar o registro do Pastel de Angu? Quando? UBIRANEY: Foi da Divisão de Memória e Patrimônio, devido a própria importância que ele (o pastel) criou. Foi feito no ano passado. A Secretaria é nova, era Indústria e Comércio, o Vitor ficava com o turismo, mas lá era no âmbito de Divisão. A inclusão dos alunos, a gente pode explorar isso de várias formas, porque a Divisão de Memória e Patrimônio trabalha em várias vertentes dentro das escolas, com educação patrimonial, preparando os professores e eles fazem uma oficina Memória Vida, então as coisas são em torno, também, desses materiais e o pastel de angu também já foi objeto dessas oficinas. GILMARA: Estamos em estudo, pesquisando vários documentos de outros municípios que já possuem legislação sobre Patrimônio Imaterial, para montarmos a nossa própria legislação. O IPHAN nos respondeu que eles não vão priorizar nenhum prato típico de nenhuma localidade, eles vão fazer, por exemplo, os derivados do fubá, os derivados de tal coisa... DANILO: Uma coisa que é importante para a gente, é saber se tem gente vindo aqui exclusivamente por causa do Pastel de Angu? Atrai um turismo significativo para a cidade? GILMARA: Tem sim, principalmente na Festa. Fora do período da Festa também acontece. O consumo do Pastel de Angu aumentou muito dentro e fora da cidade. Minha mãe faz Pastel de Angu e ela recebe muita encomenda de gente de fora. Já tem as fábricas, agora que o produto já virou um produto industrializado. Não tinha essa proporção de consumo do pastel até uns 15 anos atrás. Algumas famílias que detinham as receitas, então, isso era uma coisa muito de família, mas o negócio alastrou em nível municipal e agora, já atingiu o regional e o estadual até. DANILO: Então, hoje Itabirito é conhecido como a cidade do Pastel de Angu? GILMARA: É sim. ELAINE: Você acha que esta proposta de Itabirito, de valorizar o Pastel de Angu, ajuda outras cidades que também têm Pastel de Angu? GILMARA: Sim, eu acho que sim. Tem o pessoal de Conceição do Mato Dentro que também trabalha isso. Mas, eu acho que aqui em Itabirito nós estamos mais bem estruturados para poder utilizar isso em benefício do turismo, do desenvolvimento turístico. Nós já criamos produtos com isso, a própria Festa do Pastel de Angu é um produto turístico. ELAINE e DANILO: Virou estratégia mercadológica, isso é muito da época da escravidão, de esconder a carne no meio do angu... GILMARA: Acho que pode até ter sido de outras cidades também, mas, acontece que nós estamos aproveitando a oportunidade e a pesquisa e trabalhando encima disso. UBIRANEY: Hoje, comercialmente falando, tem duas fábricas de pastel de Angu em Itabirito que geram empregos, o Pastel de Angu não pode mais faltar nos supermercados que o pessoal reclama, bares e restaurantes têm que ter porções. Se a gente for olhar o volume do fluxo que se dá com a Festa do Pastel de Angu, você pode por aí que por causa do Pastel de Angu, em um final de semana, a gente movimenta, no mínimo R$ 1,5 milhão na cadeia produtiva, considerando hotéis todos ocupados, maior consumo de combustível, sabe, você provoca uma mecanização, no artesanato não tem só a Geralda, tem um grupo de artesãs que trabalha com o Pastel de Angu, uma delas faz o pano com bordado de Pastel de Angu e assim por diante. Hoje, qualquer escola aqui tem uma pesquisa ou trabalhinho sobre Pastel de Angu. NO ARQUIVO DA GILMARA TEM: Gravações do programa “Terra de Minas” (duas); Uma boneca “Maria Conga” (feita pela Geralda); Um pano de prato com o bico de crochê em formato de Pastel de Angu; Programa Espaço Gastronômico da TV Horizonte; Entrevista no MGTV; Abaixo assinado de lideranças comunitárias pedindo o registro do Pastel de Angu; Projeto de Educação Patrimonial – Pastel de Angu (com o qual uma escola participou do concurso Tesouros do Brasil, da FIAT); Entrevistas e depoimentos (gravados e transcritos) de pessoas da cidade para documentar como a comunidade vê esta apropriação, expansão e o próprio surgimento desta idéia do Pastel como patrimônio imaterial; Segundo a GILMARA, tem pessoas que diziam que o Pastel de Angu não era coisa antiga, era coisa atual. Mas diziam isso porque simplesmente não conheciam, o Pastel de Angu era uma coisa muito de família tradicional, que foi passando de mãe para filha e não havia se disseminado entre a população em geral. UBIRANEY: No caso da Geralda, ela é uma dona de casa que fazia bonecas de cerâmica, então, ela optou por acrescentar o pastel de angu às bonecas e transformá-las em Philó e Maria Conga, como isso, a venda dela aumentou tanto que as filhas também tiveram que aprender a fazer para dar conta das encomendas. Ela já fez uma Maria Conga de 1 metro e 20 centímetros de altura. APÊNDICE 05 ENTREVISTA com Dona Inês de Souza Lima (Principal quitandeira do pastel de angu de Itabirito) D. Inês: Sou de Bocaiúva. Vim morar em BH com 9 anos para trabalhar de babá. Depois casei, vim morar em Itabirito e aqui eu estou conseguindo tudo o que era sonho da minha vida. Vou determinando aquilo que eu quero e vou conseguindo fazer tudo. Elaine: De que forma a Senhora começou a trabalhar com o pastel de angu? D. Inês: Eu comecei quando vim morar aqui. Eu fui pesquisar o que era o forte daqui que é a gastronomia de Itabirito. Eu falo muito que o pastel é o ouro de Itabirito, pela cor, porque dá renda pra todo mundo. Todo mundo que quer ganhar um dinheiro, este pastel de angu é o ouro de Itabirito e eu falo isso porque eu ganho com ele. Meu trabalho é o pastel de angu. Elaine: Aqui tem muita gente que trabalha com o pastel de angu, fazendo para vender? D. Inês: Sim. Todo mundo aqui meche com pastel de angu. Como eu estou lhe falando, é a gastronomia que rende dinheiro aqui, é o pastel de angu de Itabirito. Elaine: Conte um pouquinho da história da vida da Senhora depois do pastel de angu, por favor. D. Inês: A minha história de vida dá pra fazer um livro, dá pra fazer uma novela, inclusive, eu quero e já determinei que vou escrever um livro, vou arrumar uma pessoa que queira por este livro em prática pro mundo, porque tudo o que eu quero e determino é pro mundo mesmo, é pra correr mundo mesmo, é pra viajar mesmo, como eu já fui com o pastel de angu. Eu já cheguei até no Japão. Já fiz uma filmagem da receita do pastel de angu para passar nos vôos da GOL, já fui fazer filmagem com a GLOBO, 3 vezes já fui pra GLOBO, tem filmagem minha na BAND, tem filmagem minha na REDE MINAS que passa receitas no sábado e tem também que eu ganhei pra representar Itabirito, olha como é muita responsabilidade, na gastronomia no mundo. Já representei Itabirito aqui por perto, na festa do Alphaville (grande, né?), só gente da “alta” e eu na minha humildade entrei ali para ensinar pra gente “grande” a humildade e forte da gastronomia de Itabirito. Pela segunda vez, este ano representei Itabirito em Congonhas, na Festa das Quitandas (é dez) e todo lugar que eu vou, não estou me gabando querendo me exaltar não, mas isso “é dez” por causa do meu jeito de ser – humilde - e saber trabalhar. De curso, toda vida eu fiz cursos, eu estou com 127 cursos, então, da alimentação, tudo o que você me perguntar da alimentação natural, industrial, eu sei. E o meu pastel de angu está ganhando espaço porque é todo natural – artesanal, todo manual (na mão), com muito amor, com muito carinho. Eu estou recebendo aqui muitas visitas de fora que querem me conhecer e querem me levar para lugares pra dar curso, que é um curso para dona de casa ganhar dinheiro, para a pessoa abrir uma empresa (entendeu?) e ganhar dinheiro. O umbigo de banana, que eu trabalho com ele e que é o forte daqui, é rico em proteína, vitamina, caloteno, cicatrizante e muita fibra, que todo mundo necessita da fibra no seu organismo. Elaine: Já percebi que a senhora está trabalhando com alguns tipos diferenciados de recheio. Conta pra gente qual que é o original e com que outros tipos o pastel de angu fica gostoso tanto quanto com o original. D. Inês: Bem, o recheio original de Itabirito é o umbigo de banana puro ou umbigo de banana com carninha de porco ou o umbigo de banana com carninha moída (de boi). Agora, eu faço, eu compro o queijo – o melhor que tem que é o queijo minas – tempero ele, tenho o meu tempero que eu tempero e que sai muito bem, eu faço de carninha moída, faço a carne de sol que é minha – eu falo “de sol” mas não tem nada de sol, é sereno, é eu mesma que trabalho com ela, trabalho com o umbigo puro, trabalho com couve e torresmo, eu trabalho com calabresa e umbigo, trabalho com vatapá e camarão, eu trabalho com chuchu e bacalhau, trabalho com o chucrute, eu trabalho com o chante – que é eu mesma que faço – de frutas, trabalho com goiaba e queijo, com pernil, com frango defumado com tomate seco – o tomate é eu mesma que desidrato, trabalho com conserva de berinjela, com bacalhau puro, camarão puro, trabalho com uma farofa diferenciada, de coco, que eu faço. Que mais?! Ahh! Costelinha de boi com mandioca. Isso tudo, pra mim, é recheio. Elaine: Tudo isso é recheio de pastel? D. Inês: Tudo isso! E estou buscando muito mais. E faço pastel de qualquer tamanho, artesanalmente. Elaine: Por falar em tamanho do pastel, tem tido muito pedido, muita encomenda do pastelzinho tamanho “festa”? D. Inês: Sim. Inclusive, quando as pessoas me convidam, porque eu também trabalho em festas, ou infantil ou adulto, eu tenho 4 tamanhos de pastel: o de degustação e os de festas – como aqui é uma festa eu tenho o tamanho “G”, porque eu ponho assim, “P” “M” e “G”. São os tamanhos que eu coloquei pra identificar. Então, o “G” é de festa de lanchonete, tem o de degustação que é o pequenininho, mas nunca que o meu fica aquele pequeninho (você pode filmar depois). A massa tem que ser aberta na mão, fininha. Elaine: O pessoal tem utilizado muito o pastel para festas dentro de casa, festinhas mesmo, inclusive festas com comidas mais chiques, tem a encomenda do pastelzinho de angu para ser servido aos convidados? D. Inês: Sim. Eu pego festa, eles me encomendam o pastel, se me encomenda comida encomenda o pastel pra entrada – é uma entrada que arrebenta – se a pessoa me encomenda o pastel eu falo: escolhe a fruta que você quer e eu vou fazer pra você servir com o chantre que sua festa vai ficar chiquérrima. Elaine: Agora vamos falar da oficina. O que a Senhora usa para poder elaborar essa oficina, como é dada a oficina, que tipo de gente que procura fazer a oficina durante o Festival de Pastel de Angu? D. Inês: Minha oficina eu distribuo a touca e a máscara – isso é necessário. A luva eu não distribuo, nem o avental, porque tem pessoas que não querem o avental, e a luva agarra na massa, então, nós lavamos as mãos, esterilizamos e viemos trabalhar com a massa. Eu separo um tanto de massa pra cada um e cada um vai mexer com a sua massa, porque a massa do pastel de angu não pode muitas pessoas estarem mexendo com ela porque ela pode até azedar, pois não tem química nenhuma, é toda natural. Outra coisa que eu patrocino pro curso, os recheios. Qualquer tipo de recheio. Eu trago 4 a 5 tipos de recheio pra pessoa escolher o que ela quer, e a pessoa faz a oficina, leva uma bandejinha pra casa, embalada com o pastel que ele fez, tem uma degustação comigo do pastel de angu, a pessoa tem o custo que ela paga, colabora com R$ 35,00, mas é uma coisa pra pessoa, na semana, já começar a trabalhar, expandir, ter a sua firma, ganhar muito dinheiro. Quando você fala pastel de angu o pessoal fala assim: xi, pastel de angu! Mas o forte do salgado que está saindo agora, que saiu e que está expandindo, é o pastel de angu! E eu tive essa coragem de colocar isso no mundo, é “mundi” como diz minha colega, agora é mundi. Também, a pessoa que vem fazer o curso é de toda a classe, entendeu? Pessoa que você vê que está querendo expandir uma coisa nova pra ela ganhar um dinheiro. Elaine: Criança, às vezes, quer também fazer o curso? D. Inês: Sim! Eu dou o curso, também em escolas. A prefeitura me convida pra dar o curso pra adolescente ou criança. De 6 até 80 que queira fazer o curso eu estou disponível a dar. A minha casa tem uma sala, que depois do curso que eu fiz de turismo (tem 4 anos e todo ano eu renovo este curso com a prefeitura), dou o curso lá em casa, pra turista que vem de for a. Os turistas que vêm querem fazer o pastel de angu e agora tá no site a receita e eles querem ver como faz e entram em contato comigo no meu e-mail, vai lá na minha casa, eu dou o curso e eles vão embora sorrindo, satisfeitos. Eu recebi gente aqui, maravilhosa, e eles encantam comigo, porque, a minha simplicidade de ensinar, de não ser egoísta, porque eu estou vivendo do pastel de angu. Elaine: A Senhora já recebeu, atendeu, já vendeu o pastel pra estrangeiros, aqui em Itabirito mesmo? D. Inês: Sim. Inclusive foi uma pessoa da prefeitura que mandou, é parente dele que mora fora. Ele foi lá em casa pegar o pastel pra levar pra fora. Em casa eu já tenho as embalagens de isopor, se for de vôo, carro, não sei pra onde vai, 8 horas de viagem aguenta o meu pastel congelado. Elaine: Qual que é a importância que a senhora acha da divulgação, de difundir a história do pastel de angu, a receita original do pastel de angu de Itabirito, qual é a maior importância disso tudo para o povo do Itabirito? D. Inês: É pra Itabirito expandir essa cultura que tem, porque, dessa cultura das duas escravas – Philó e Maria Conga – muita gente está sobrevivendo aqui, como eu também, aqui em Itabirito tem muito serviço, mas nem firma quer pessoa da minha idade, mas eu, com meus cursos, estou sobrevivendo e muitos estão sobrevivendo e o que eles estão divulgando, está sendo importantíssimo pra Itabirito, não só pra mim, é pra Itabirito todinha. Vou falar, lógico, não tenho egoísmo, é pra todo mundo conhecer lá fora e vir os turistas, né? Estão vindo turistas de longe pra conhecer a gastronomia de Itabirito que é rica, como eu já te falei. Onde me mandar ir eu vou, e dou o curso. Minhas receitas são todas na minha cabeça, agora, eu tenho já escrito, mas pra eu dar, eu já sei tudo. Fica tudo no computador da cabeça. Mas não pode ficar assim não, né? Tem que ir passando pro papel, pra um DVD pra ficar futuramente pra filhos, netos, as pessoas que forem procurar os meus familiares terem aquela cultura. Inclusive, agora vou te passar uma novidade: em cima desta massa de pastel de angu, eu fiquei um mês desenvolvendo uma massa, que eu vou patentear, do pastel de angu assado, que dá 12 salgados de outras qualidades. Uma massa dá 12 salgados. Eu não joguei ainda, porque eu quero patentear primeiro, mas estou com isso guardado. Estou procurando um jeito de patentear pra ganhar mundo também, porque a hora que eu for pra “glória” – não sou eterna – fica aí, foi Dona Inês quem fez, como eu recebi ali uma imagem de uma estátua minha. Eu quero isso tudo em vida, depois que eu morrer não interessa. A prefeitura tem uma casa no Alphaville e eu já fiquei sabendo que tem um pôster meu lá, entendeu? Não via ainda, mas também não dá tempo não, mas eu quero ir lá ver, olha só, um pôster de uma mulher igual a mim, humilde, entrar ali no Alphaville, igual eu entrei só pra dar um curso pra americanos, é uma honra pra Itabirito e pra mim também, porque eu não sou daqui, mas eu estou ajudando com alguma coisa a cidade, fazendo um reboliço pra cidade crescer e as pessoas crescerem também. Elaine: E a importância pra meninada de escola? Qual é a importância para eles de estarem sempre estudando e trabalhando em cima do pastel de angu? D. Inês: Chique!!! Sabe por que? Quando eu dou o curso eles estão crescendo e aprendendo. Já vem com aquela mente de que “eu vou prestar atenção, porque eu vou crescer, vou trabalhar e vou ganhar dinheiro igual a Dona Inês”. Esse meu nome vai ter que ficar, porque eu estou conseguindo alguma coisa com o dinheiro de pastel de angu. Então, a mente, isso é uma terapia também, trabalhar com a massa é uma terapia, você modela o pastel artesanal, o primeiro fica assim o segundo fica assim e daí você ganha espaço, porque eu quando comecei (eu cheguei aqui há 33 anos) eu pesava a massa e agora eu não peso, eu já sei tudo. E eles aprendem a cultura de Itabirito, que são as escravas que trouxeram o pastel de angu pra Itabirito. Eles já estão, na escola, fazendo pesquisas sobre a cultura de Itabirito, a gastronomia de Itabirito, os escravos de Itabirito. Isso está sendo muito importante, está sendo muito divulgado, as escolas todas estão ajudando com as crianças a trabalhar em cima disso e é forte, é um alimento muito forte pra elas. O que eu acho, pras escolas, não só aqui de Itabirito, mas de todo lugar, que ficam com merenda aí, uma merenda mais cara, pode por este pastel de angu no lanche das crianças, com o umbigo de banana, os meninos ficam satisfeitos. Dois pasteizinhos desses é um alimento, é um almoço, porque é rico, tem tudo e barato, baratíssimo. Então, não fica buscando coisas lá fora se nós temos aqui. Nós temos plantação de banana, temos a plantação de milho. Elaine: Só pra finalizar o nosso papo, a Senhora tem uma noção de quantos pastéis de angu são vendidos durante a festa, pelas barraquinhas? D. Inês: Olha, é muito pastel. Cada barraquinha dessas é na faixa de 10 mil pastéis – cada barraca. Em 24 horas. Vem gente do mundo todo aqui nestes dois dias. E no Julifest, na segunda quinzena de julho, falado também no mundo todo, entra o pastel de angu porque este não falta mesmo. Estou convidando todos que venham participar conosco desta festa maravilhosa como esta do Pastel de Angu. É 6 dias de festa. APÊNDICE 06 Boneco alusivo à escrava PHILÓ Obs.: Decoração do Festival do Pastel de Angu – 2008. FOTO: Elaine Cristina Linhares Diniz APÊNDICE 07 Boneco alusivo à escrava MARIA CONGA Obs.: Decoração do Festival do Pastel de Angu – 2008. FOTO: Elaine Cristina Linhares Diniz APÊNDICE 08 Bonequinhas PHILÓ e MARIA CONGA, em cerâmica. Obs.: Peças produzidas em oficina realizada durante o Festival do Pastel de Angu de 2008. FOTO: Elaine Cristina Linhares Diniz APÊNDICE 09 Detalhe das bonequinhas de cerâmica FOTO: Elaine Cristina Linhares Diniz FOTO: Elaine Cristina Linhares Diniz APÊNDICE 10 PESQUISA DE DEMANDA PARTICIPANTES DO FESTIVAL DO PASTEL DE ANGU 2008 Entrevistador: ____________________________________ Data: _________________ 1. CARACTERÍSTICAS SOBRE A PARTICIPAÇÃO NO EVENTO 1.1. Origem – Local de Residência A ( ) Itabirito B ( ) Minas Gerais. Cidade: ___________________________ C ( ) Outros Estados ou Países. País/Estado/Cidade: ___________________________________ 1.2. Principal motivação para vir ao evento ___________________________________________________________________________ 1.3. Companhia para o evento A ( ) Sozinho 1.4. B ( ) Em casal C ( ) Com familiares D ( ) Em grupo/Com amigos E ( ) Outros ________ Participação no evento A ( ) 1 dia B ( ) 2 dias 2. AVALIAÇÃO DO EVENTO 2.1. Como você avalia: Item/Avaliação Programação Cultural Alimentação nas barracas Decoração do Festival Local do evento Acesso ao local do evento Limpeza do local Informações turísticas Segurança ÓTIMO BOM REGULAR RUIM PÉSSIMO N.S/N.U 2.3. O que mais agradou no evento? ______________________________________________________________________________ 2.4. O que desagradou no evento? ______________________________________________________________________________ 2.5. Você participou da Festa do Pastel de Angu em 2007? A ( ) Sim B ( ) Não 2.5.1. Em termos gerais de avaliação, você considera o Festival do Pastel de Angu 2008, em relação ao de 2007: A ( ) Muito inferior B ( ) Inferior C ( ) Igual D ( ) Superior E ( ) Não sabe responder 2.6. Avaliação geral do Festival do Pastel de Angu 2008 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 2.7.Pretensão de gastos no evento e no período em que permanecerá em Itabirito (individual, incluindo transporte, hospedagem, alimentação, compra, diversão etc) A ( )Até 30 reais B ( )Entre 30 e 60 reais C ( )Entre 61 e 90 reais D ( )Entre 91 e 120 reais E ( )Entre 121 e 150 reais F ( )Entre 151 e 180 reais G ( )Entre 181 e 210 reais H ( )Entre 211 e 240 reais I ( )Entre 241 e 270 reais J ( )Entre 271 e 300 reais K ( ) A partir de 301 reais. (Cont. do Apêndice 10 - pesquisa) 3. QUESTÕES RELATIVAS SOMENTE AOS VISITANTES 3.1. Qual foi o meio de transporte utilizado para vir a Itabirito? A ( ) Carro particular B ( ) Ônibus de linha C ( ) Van D ( ) Ônibus de excursão E ( ) Outros. Qual? __________________________________________________________ 3.2. Você utilizou ou utilizará algum Meio de Hospedagem? A ( ) Hotéis urbanos B ( ) Hotéis no meio rural D ( ) Sítio ou fazenda E ( ) Casa de parentes ou amigos G ( ) Hospedado em localidade próxima. Qual? __________________ C ( ) Pensão F ( ) Não se hospedará H ( ) Outros. _______________ 3.2.1. Como você o avalia: ÓTIMO BOM REGULAR RUIM PÉSSIMO 3.3. Você utilizou algum bar ou restaurante do Município? N.S/N.U ( ) Sim N.R ( ) Não 3.3.1. Como você o avalia: ÓTIMO BOM REGULAR RUIM 3.4. Quantos dias você pretende ficar em Itabirito? A ( ) Menos de 1 dia B ( ) Entre 1 e 2 dias PÉSSIMO N.S/N.U C ( ) Entre 3 e 4 dias N.R D ( ) Mais que 4 dias 3.5. Como você ficou informado sobre o Festival do Pastel de Angu 2008? A ( ) TV B ( ) Internet C ( ) Indicação de pessoas D ( ) Rádio E ( ) Jornais/Revistas F ( ) Participação em outros anos G ( ) Outros. ____________________ 3.6. Quantas vezes você já veio a Itabirito? A ( ) 1ª. Vez B ( ) Entre 2 e 4 vezes C ( ) Entre 5 e 7 vezes D ( ) Mais de 7 vezes 3.7. Você já visitou ou pretende visitar algum atrativo turístico de Itabirito? A ( ) Sim. Qual? ________________________________________________ E ( ) Não sabe B ( ) Não 3.8. Você tem pretensão de retorno a Itabirito? A ( ) Sim B ( ) Não C ( ) Talvez Se afirmativo: Você retornaria a Itabirito em que ocasião? (Eventos, feriados prolongados etc) _______________________________________________________________________________________ 3.9. Avaliação geral do Município: 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 4. QUALIFICAÇÃO DO ENTREVISTADO 4.1. Sexo: A ( ) Masculino 4.2. Faixa Etária A ( ) Menor que 21 E ( ) De 51 a 60 4.3. Escolaridade A ( ) Sem estudo D ( ) Ensino médio B ( ) De 21 a 30 F ( ) Mais que 60 B ( ) Feminino C ( ) De 31 a 40 G ( ) Não Respondeu D ( ) De 41 a 50 B ( ) Fundamental 1ª. a 4ª. Série C ( ) Fundamental 5ª. a 8ª. série E ( ) Superior completo F ( ) Superior incompleto G ( ) Pós graduação 4.4. Renda Mensal A( ) Não possui renda B( ) < 1 s.m. C( ) > 1 s.m. < 5 s.m. D( ) > 5 s.m < 9 s.m. E( ) > 9 s.m < 13 s.m. F( ) > 13 s.m. < 17 s.m. G( ) > 17 s.m. < 21 s.m. H( ) > 21 s.m. < 25 s.m. I( ) > 25 s.m. < 29 s.m. J( ) > 29 s.m. Referência: Salário mínimo: R$ 415,00 Interessados em receber informações: Nome: _________________________________________________. E-mail: _______________________________________ APÊNDICE 11 Público do Festival do Pastel de Angu – 2008. FOTO: Elaine Cristina Linhares Diniz 7. ANEXOS ANEXO 01- Folder da Oktoberfest de Blumenau ANEXO 02 - Localização de Itabirito na Estrada Real ITABIRITO FONTE: www.descubraminas.com.br Livros Grátis ( http://www.livrosgratis.com.br ) Milhares de Livros para Download: Baixar livros de Administração Baixar livros de Agronomia Baixar livros de Arquitetura Baixar livros de Artes Baixar livros de Astronomia Baixar livros de Biologia Geral Baixar livros de Ciência da Computação Baixar livros de Ciência da Informação Baixar livros de Ciência Política Baixar livros de Ciências da Saúde Baixar livros de Comunicação Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE Baixar livros de Defesa civil Baixar livros de Direito Baixar livros de Direitos humanos Baixar livros de Economia Baixar livros de Economia Doméstica Baixar livros de Educação Baixar livros de Educação - Trânsito Baixar livros de Educação Física Baixar livros de Engenharia Aeroespacial Baixar livros de Farmácia Baixar livros de Filosofia Baixar livros de Física Baixar livros de Geociências Baixar livros de Geografia Baixar livros de História Baixar livros de Línguas Baixar livros de Literatura Baixar livros de Literatura de Cordel Baixar livros de Literatura Infantil Baixar livros de Matemática Baixar livros de Medicina Baixar livros de Medicina Veterinária Baixar livros de Meio Ambiente Baixar livros de Meteorologia Baixar Monografias e TCC Baixar livros Multidisciplinar Baixar livros de Música Baixar livros de Psicologia Baixar livros de Química Baixar livros de Saúde Coletiva Baixar livros de Serviço Social Baixar livros de Sociologia Baixar livros de Teologia Baixar livros de Trabalho Baixar livros de Turismo