ISSN 1519-0307 TRABALHO E DEFICIÊNCIA: SIGNIFICADO DA INCLUSÃO NO MERCADO FORMAL PARA UM GRUPO DE JOVENS COM SÍNDROME DE DOWN WORK AND DISABILITIES: THE MEANING OF INCLUDING IN THE FORMAL MARKET A GROUP OF YOUNG PEOPLE WITH DOWN’S SYNDROME Ana Paula Leonardo Toledo¹ Silvana Maria Blascovi-Assis² 1 Fisioterapeuta, Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie 2 Fisioterapeuta, Doutora em Educação Física pela UNICAMP, Universidade Presbiteriana Mackenzie RESUMO Este estudo teve coma objetivo avaliar o significado do trabalho para um grupo de jovens com síndrome de Down que integra o mercado formal na cidade de Campinas - São Paulo. A pesquisa realizada é de caráter qualitativo, combinando pesquisa bibliográfica e de campo. Participaram do estudo três jovens com síndrome de Down, com idade entre 21 a 26 anos. Os dados foram coletados através de entrevistas semi-estruturadas, registradas em gravador de voz. Após transcrição das falas, os dados foram analisados e discutidos em três categorias de análise: 1. Significado do trabalho; 2. Trabalho e relações pessoais e 3. Tipo de trabalho. Os resultados sugerem que o trabalho e o desemprego têm significados semelhantes para pessoas com ou sem deficiência, uma vez que o trabalho é o caminho para a conquista de recompensas internas coma a autoestima e externas coma o dinheiro. Foi constatado também que, para esses três jovens, as relações com as pessoas sem deficiência foram predominantemente de natureza funcional ou profissional, uma vez que se restringiram ao ambiente de trabalho. Todos relataram born relacionamento com a chefia e o desejo de continuar trabalhando. Outro fator a destacar é o tipo de atividade executada, que privilegiou o contato com o publico para os três participantes, em 83 Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, São Paulo, v.7, n.1, p.83-96, 2007 ISSN 1519-0307 lojas de fast food ou supermercado. A partir deste trabalho pode-se evidenciar a necessidade de novos estudos na área e o desenvolvimento de estratégias para este tipo de pesquisa, dando voz aos jovens com síndrome de Down para que sejam mais compreendidos em suas expectativas e sentimentos. Palavras-chave: Trabalho; síndrome de Down; relações interpessoais ABSTRACT The present study aims evaluate the meaning of work to a group of youngsters with Down syndrome that belongs to the private sector employment in Campinas - Sao Paulo. This is a qualitative research, which combines bibliographical research and fieldwork. Three youngsters with Down syndrome, at ages between 21 and 26, participated in the study. The data was collected through semi-guided interviews, which were tape recorded and transcribed. Afterwards the speeches were analyzed and discussed into three different categories: 1. Meaning of work, 2. Work and personal relationships, and 3. Type of work. The results suggest that work and unemployment have similar meanings to both people with or without disabilities, as work is the means through which one reaps internal rewards, such as self-esteem, as well as external, such as money_ The analysis also demonstrated that the relationship which the three youngsters had with people without disabilities was predominantly on functional or professional basis, since it was restricted to the work environment. They all reported that they get along well with their bosses and wish to continue working. Another relevant aspect to highlight is the type of activity carried out, in fast food restaurants or supermarkets, which provided the three participants with direct contact with costumers. This work leads to the conclusion that new studies in this area are needed, as well as the development of strategies for this specific type of research, enabling youngsters with Down syndrome to express themselves, so that their expectations and feelings can be understood. Keywords: Work; Down syndrome; interpersonal relations 84 Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, São Paulo, v.7, n.1, p.83-96, 2007 ISSN 1519-0307 1-INTRODUÇÃO A inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho formal vem sendo estudada e discutida considerando-se questões como o preconceito e a alta expectativa de produtividade dos empregadores diante da legislação que busca incentivar as empresas à absorção dessas pessoas em seu quadro de funcionários. Para Ribas (2004), não existe ainda a consciência da responsabilidade social para muitos empresários e a contratação ocorre, infelizmente, em muitos casos, apenas para cumprir a lei, não existindo um real comprometimento com a empregabilidade. Além disto, nas empresas ainda são escassos os profissionais que conhecem os alcances e limites das pessoas com deficiência. Outro fator citado pelo autor, é que o nível de escolaridade da maioria dessas pessoas é baixíssimo, assim como é precário o grau de preparação para o trabalho. A legislação vigente não garante o incentivo governamental para qualificar profissionalmente pessoas com deficiência e, portanto, as empresas são cobradas a cumprir a legislação, que fixa uma porcentagem de contratações, mas são muito pouco encorajadas com auxílios estratégicos. O empresário não contrata a pessoa com deficiência por varias razões, entre elas está a dificuldade em acreditar que essa pessoa possa exercer alguma atividade com sucesso, ficando difícil imaginar que pessoas deficientes possam ser bem-sucedidas nos seus locais de trabalho (VASH, 1988). Além destes fatores, temos ainda a falta de conhecimento das necessidades específicas dessas pessoas por parte do empregador, passando pelas barreiras arquitetônicas, transporte não adaptado, conjuntura econômica do país desfavorável ao atendimento da demanda por emprego, entre outros. A garantia de acesso ao trabalho para pessoas com deficiência é prevista tanto na legislação internacional como na brasileira. Esta conquista estimulou a organização de grupos no sentido de buscar formas variadas de representação para atuar em busca dos novos direitos (PASTORE, 2000). Entretanto, embora seja possível fazer cumprir leis que obriguem as 85 Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, São Paulo, v.7, n.1, p.83-96, 2007 ISSN 1519-0307 empresas a aceitarem pessoas com deficiência, não existe lei garantindo a melhor forma de convívio entre todos (GLAT, 1995). Desde a adoção da Recomendação sobre a habilitação e reabilitação profissional dos deficientes, em 1955, foi registrado um significativo progresso na compreensão das necessidades da reabilitação pelo Ministério Público do Trabalho. Em 9 de dezembro de 1975 a ONU aprovou a “Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência”, defendendo como direito inerente dessas pessoas o respeito por sua dignidade e o de ter suas necessidades levadas em consideração em todos os estágios do planejamento socioeconômico (GIL et al. 2002). Nos anos que se seguiram foram estabelecidas novas datas simbólicas referentes à questão, como em 1980, quando a ONU estabeleceu a Década Internacional das Pessoas Deficientes; em 1981, a ONU proclamou o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, com o tema "Participação plena e igualdade", com um programa de ação mundial para atingir metas de "participação plena" dessas pessoas na vida social e no desenvolvimento, assim como metas de "igualdade". O Brasil ratificou quase todos esses tratados e convenções internacionais, e, em 1988, a Constituição Federal Brasileira incorporou garantias às pessoas com deficiência, tendo como um dos seus princípios fundamentais o princípio da isonomia ou principio da igualdade, que proíbe as diferenças arbitrárias e as discriminações absurdas, de forma que as pessoas devem ser tratadas desigualmente, na medida em que se desigualam (COSTALLAT, 2003). A partir desse marco, mudanças ocorreram no âmbito legal, cujo intuito era o de assegurar às pessoas com deficiência o acesso ao mercado de trabalho formal (LANCILLOTTI, 2003). No âmbito das leis ordinárias, o Brasil se propõe, igualmente, a dar um grande apoio aos que apresentam deficiência, exemplo disso é a Lei n° 7.853, que foi elaborada em 1989, e que referendou a Convenção n°159 da OIT. Essa lei definiu os direitos das pessoas com deficiência, disciplinou a atuação do Ministério Público e criou a Coordenadoria Nacional para Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência – a CORDE. 86 Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, São Paulo, v.7, n.1, p.83-96, 2007 ISSN 1519-0307 A Coordenadoria Nacional para Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência é o órgão de Assessoria da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, responsável pela gestão de políticas voltadas para integração da pessoa portadora de deficiência, tendo como eixo focal a defesa de direitos e a promoção da cidadania. No seu artigo 2°, a lei atribui ao Poder Público à tarefa de: Assegurar à pessoa portadora de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à previdência social, à assistência social, ao transporte, à edificação pública, à habitação, à cultura, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico (COSTALLAT, 2003, p. 71). Em seu artigo 8° vai mais longe ao criminalizar a discriminação do portador de deficiência. O artigo diz o seguinte, aquele que impedir, sem justa causa, o acesso de alguém a qualquer cargo público por motivo derivado de sua deficiência; ou negar, sem justa causa, emprego ou trabalho, em razão de sua deficiência, estará cometendo crime punível com reclusão de um a quatro anos e multa (PASTORE, 2000). D`antino (2001) ressalta que o Brasil tem uma das mais avançadas normas legais do mundo, mas por outro lado, é um dos países com maior dificuldade em concretizá-las. Como podemos constatar, as grandes transformações pelas quais vem passando a humanidade, especialmente a partir da década de 90, reconhecidas como o processo de globalização do mundo, vêm trazendo novos desafios para se refletir, entre esses desafios está à relação do sujeito social com o trabalho (SILVA, 2000). No entanto, não podemos desprezar o fato de que a globalização tenta exigir de forma sistemática o crescimento, a produtividade, a competitividade e a mercantilização, se apoiando em uma estrutura de poder cada vez mais concentrada em benefícios de algumas empresas, de algumas potências políticas e de uma estrutura de riquezas e rendas profundamente desigual (KÜNZLE, 1999). 87 Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, São Paulo, v.7, n.1, p.83-96, 2007 ISSN 1519-0307 O presente estudo foi realizado com base na experiência de trabalho no mercado formal para três pessoas com Síndrome de Down, que exerciam funções profissionais com registro em carteira. Considerando a relevância desse tema, propõe-se nessa pesquisa a discussão sobre o direito ao trabalho não apenas como transposição da barreira do preconceito, mas também como uma necessidade preventiva frente ao futuro dessas pessoas, para que possam desenvolver parte de sua independência na vida adulta. 2-PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Este estudo foi de caráter qualitativo considerando Minayo (1994) que ressalta que: “A abordagem qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”. Optou-se por trabalhar com a entrevista semi-estruturada, uma vez que, para atender aos objetivos propostos, foi necessário apreender um momento específico da vida dos participantes, o que só pode ocorrer através de relatos do que cada um deles vivenciou. Participaram deste estudo três jovens com síndrome de Down, que foram inseridos no mercado de trabalho formal através de uma instituição filantrópica especializada localizada no interior do Estado de São Paulo. A seleção ocorreu a partir da indicação dos nomes dos freqüentadores que faziam parte do programa de acompanhamento no mercado formal por profissionais vinculados à instituição. Os critérios para inclusão no estudo previam que os jovens entrevistados possuíssem linguagem inteligível ou que fossem acompanhados por uma pessoa que facilitasse a compreensão de sua fala. Todos deveriam também ter registro em carteira no mercado formal. Os dados foram coletados através de entrevistas semi-estruturadas, pré-agendadas e gravadas em fita cassete, após aceite dos participantes e de seus responsáveis, que leram a carta 88 Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, São Paulo, v.7, n.1, p.83-96, 2007 ISSN 1519-0307 de informação e assinaram o termo de consentimento informado, após aprovação do projeto pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Foram feitas perguntas sobre o significado do trabalho, expectativas de futuro, satisfação e relações sociais. 3-RESULTADOS E DISCUSSÃO Os jovens entrevistados foram, neste estudo, denominados de Pedro, João e Carolina. Estes nomes são fictícios para preservar a identificação dos participantes. A indicação dos mesmos para as empresas ocorreu em função da oportunidade do surgimento das vagas e da identificação de perfil compatível com a função nos jovens indicados. Também se considerou a disponibilidade das famílias e a concordância das mesmas com o registro em carteira, uma vez que em alguns casos o jovem e seu responsável poderiam não desejar abrir mão do benefício governamental que recebem mensalmente e que o declara incapacitado para o trabalho. Todas as entrevistas foram acompanhadas por Maria (nome fictício), profissional responsável pela inserção desses jovens no mercado formal e acompanhamento dos mesmos posteriormente em visitas regulares ao local de vínculo empregatício. Seu papel foi de intermediar a entrevista quando necessário e auxiliar na compreensão da fala dos jovens que tivessem maiores dificuldades para se expressar. Maria antecipou a cada um dos jovens entrevistados sobre o que seria falado, enfatizando o interesse da pesquisadora pelo trabalho realizado por eles. Entrevista n.1: Pedro. Tem 26 anos, é muito comunicativo, preocupado com a aparência. Durante a entrevista apresentou-se tranqüilo, comunicando-se com facilidade, confiante e demonstrando prazer em estar participando daquele momento. Foi explicado a ele que estava sendo realizada uma entrevista para um trabalho universitário e que sua participação seria importante. Pedro trabalha em uma rede de fast food há cinco anos e durante toda a entrevista 89 Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, São Paulo, v.7, n.1, p.83-96, 2007 ISSN 1519-0307 colaborou sem problemas, comunicando-se de forma bastante inteligível. O primeiro encontro entre Pedro, Maria e a pesquisadora foi suficiente para a análise dos dados. Entrevista n. 2: João. Tem 21 anos, é tímido, apresentou-se com dificuldade para a comunicação. Durante a entrevista mostrou-se quieto, permanecendo de cabeça baixa, emitindo poucas palavras, em sua maioria de modo não compreensível pela pesquisadora, sendo necessária intervenção constante de Maria, que tentava estimulá-lo a contar sobre seu trabalho. Mesmo com a insistência de Maria, poucos dados foram obtidos, sendo necessário repetir a entrevista em um segundo momento. Neste segundo momento a entrevista foi programada apenas com a presença de Maria, com o objetivo de tornar o ambiente mais familiar para João. De fato, comparando-se as transcrições entre a primeira e a segunda entrevista com João, pode-se observar que ele mostrou-se menos tímido na segunda situação, onde falou um pouco mais sobre seu trabalho. Mesmo assim, necessitou de intervenção constante e estímulo para expressar-se e responder às questões que foram passadas para Maria, seguindo-se o mesmo roteiro da entrevista inicial. João trabalha em um supermercado há três anos. Entrevista n. 3: Carolina. Tem 24 anos, mostrou-se tímida durante o encontro, mesmo acompanhada por Maria. Permaneceu cabisbaixa, manifestou-se para Maria como se sentindo envergonhada e evitou contato de olho com a pesquisadora. Maria procurou orientá-la e deixá-la mais à vontade, mas mesmo assim as respostas foram emitidas por intermédio de poucas palavras. Também com ela foi necessário marcar uma nova entrevista, somente com Maria, que seguiu o mesmo roteiro e procedimento realizado com João. Nesta segunda oportunidade Carolina falou sobre seu emprego de forma mais abrangente, oferecendo mais dados e comunicando-se de forma mais espontânea. Carolina trabalha em uma rede de fast food há três anos. 90 Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, São Paulo, v.7, n.1, p.83-96, 2007 ISSN 1519-0307 Categorização Dos Resultados Da Entrevista Após leitura e re-leitura das entrevistas foram elaboradas categorias para análise e discussão dos dados. As categorias para análise foram: 1. Significado do trabalho e suas recompensas internas e externas; 2. Trabalho e relações sociais, incluindo as relações com colegas, chefia e com o público. Categoria 1: Significado Do Trabalho No discurso dos entrevistados, verifica-se aquilo que Vash (1988) chama de recompensas externas e internas, isto é, o trabalho não apenas como sobrevivência, mas também como autorealização. É através do trabalho que eles conseguem sentir-se fazendo parte de um todo, sentemse inseridos em um contexto, mesmo que essa inserção seja apenas funcional (GLAT, 1995). Segundo Vash (1988): (...) o trabalho é um veículo para a aquisição de recompensas externas socialmente veneradas, tais como dinheiro, prestígio e poder, bem como de recompensas internas associadas com a auto-estima, pertinência e auto-realização. O desemprego gera ausência de poder sócio-político e econômico, e a ausência de poder é a base do desamparo aprendido – uma forma de depressão (p. 105). Analisando as respostas da pergunta: “Você já pensava em ter um trabalho como o que tem agora?”, observa-se nas respostas o que Vash (1988) chama de recompensas externas e entre elas está o dinheiro. Todos os entrevistados responderam a esta pergunta falando da importância em ganhar dinheiro. (...) eu adoro lá, porque é o meu futuro, o dinheiro de lá é o meu futuro, eu trabalho lá faz tempo, o meu trabalho é... como se fala, casa, é que eu estou há muito tempo lá, eu estou indo muito bem (Pedro) (...) eu gosto do meu trabalho e ganho dinheiro (Carolina). Pensava em trabalhar, porque tenho uma namorada e quero casar, ter dez filhos, minha vó morreu e deixou a casa no meu nome, e com o trabalho vou sustentar minha família (João). 91 Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, São Paulo, v.7, n.1, p.83-96, 2007 ISSN 1519-0307 A recompensa interna é identificada em respostas dadas a perguntas diferentes, mostrando como a pessoa se sente reconhecida no trabalho e como este gera oportunidades para o estabelecimento de novas relações. Todos os participantes relatam essas situações com muito orgulho, pois é no trabalho que eles são solicitados e reconhecidos por aquilo que fazem. Pode-se observar em suas falas a satisfação por suas realizações: (...) tenho até namorada de lá sabe, eu já conquistei uma (Pedro). (...) Eu animo as crianças, tem três funcionários, dois homens e uma moça de marionete, eu apresentei, eu fiz uma brincadeira com eles, Ah! Outra coisa que eu preciso te contar, além de clientes também, acho que é interessante isso também para você, tem clientes que tem crianças e eu animo eles também, com uma brincadeira, eu mando qualquer coisa para eles brincarem, para que o pai a mãe possam comer. As crianças adoram,... crianças são muito fofas, eu até fui criança,... eu amo muito as crianças (Pedro). O dia feliz vai muitos artistas, eu fico feliz. E fizeram uma festa surpresa para mim (Carolina). Para Vash (1988) “O desemprego gera ausência de poder sócio-político e econômico, e a ausência de poder é a base do desamparo aprendido – uma forma de depressão (p. 105)”. Este fato é verificado quando é perguntado se caso não tivessem o emprego que têm o que fariam; e todos responderam que fariam outra coisa ou procurariam outro emprego, mas não ficariam sem trabalhar. Eu faria outra coisa, como na banca, que eu estava trabalhando, antes de trabalhar no ... (Pedro). Outro emprego (Carolina). Procurava outro. (Ficar sem trabalhar?). De jeito nenhum (João). 92 Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, São Paulo, v.7, n.1, p.83-96, 2007 ISSN 1519-0307 Categoria 2: Trabalho e Relações Sociais a) Relacionamento com os colegas Nesta categoria pode-se constatar com mais clareza o que foi dito por Glat (1995), quando ressalta que apesar da desinstitucionalização de pessoas com deficiência ter aumentado o contato entre pessoas estigmatizadas e não-estigmatizadas, esse contato ainda é de natureza funcional ou profissional em vez de social, e este contato, raramente se dá em um nível de igualdade. Por exemplo, Carolina tem uma amiga do trabalho que liga de vez em quando “para bater um papinho”. Já Pedro sofre provocações por parte dos colegas de trabalho, normalmente ele tem que chegar mais cedo para se arrumar no banheiro, evitando o contato direto com os colegas. João conta que na hora do almoço ele almoça com os amigos e joga pebolim. Pedro trabalha há cinco anos no mesmo lugar, e Camila e João há três anos e, em nenhum momento, surgiu na fala espontânea deles o relato de um convite para festa de aniversário dos colegas, por exemplo, ou mesmo para qualquer atividade fora do ambiente de trabalho. Portanto, como refere Glat (1995), o contato entre eles ainda é de natureza funcional ou profissional ao invés de social. b) Relacionamento com chefia Sobre a relação com o chefe, todos demonstram satisfação em suas falas, o que sugere que há empenho por parte dos profissionais responsáveis em proporcionar ambientes favoráveis ao trabalho das pessoas com síndrome de Down. Meu relacionamento com o meu chefe é muito ótimo,(...). (Pedro) Tenho amigos, meu chefe é legal, vamos comer todos juntos, jogo pebolim na hora do almoço, ficamos conversando, passeia ali (João). c) Relacionamento com o público Todos estão em contato direto com o público, e mesmo com a dificuldade de comunicação para alguns, é esse contato que os faz se sentirem prestativos e é nessa troca que eles se sentem 93 Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, São Paulo, v.7, n.1, p.83-96, 2007 ISSN 1519-0307 realizados. Observa-se isso no relato de João, quando fala que ajuda os clientes a escolher uma fruta, ou mesmo no relato de Camila quando diz que o local que ela mais gosta de trabalhar é o drive-thru, onde tem mais contato com as pessoas e de Pedro, quando anima as crianças, ou apresenta a empresa para um novo funcionário. 4-CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir desse estudo pode-se reafirmar a importância da pesquisa sobre o trabalho para as pessoas com deficiência. Embora o trabalho seja apenas uma das possibilidades da inclusão social, o contato direto com o público torna-se de grande importância, já que conviver em sociedade, interagindo com diferentes pessoas e em diferentes meios é um passo para que a sociedade conheça e reconheça a existência dessa população e possa refletir sobre suas necessidades. Os dados mostram que os três jovens inseridos no mercado formal desempenham funções em contato com o público e são apoiados pela sua chefia. As entrevistas foram limitadas pela fala restrita e pelas dificuldades de expressão e timidez dos jovens entrevistados. Ficou evidente a necessidade do desenvolvimento de estratégias para este tipo de pesquisa, que possa permitir e facilitar a comunicação e a expressão dos jovens com síndrome de Down. Estratégias que facilitem a expressão tornam-se muito importantes na medida em que muito se fala sobre a importância da inclusão no mercado de trabalho sem, no entanto, ouvir o relato dos próprios incluídos. Fica anunciado também, pelos relatos aqui expostos, que as expectativas e necessidades dos entrevistados configuram-se de modo bastante semelhante às das demais pessoas: o aparecimento da remuneração como fator relevante demonstra a necessidade do suprimento para sobrevivência e consumo; os sonhos como ter uma esposa, filhos, constituir uma família, ilustram as necessidades emocionais pertinentes a qualquer ser humano, relacionadas às suas questões afetivas. 94 Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, São Paulo, v.7, n.1, p.83-96, 2007 ISSN 1519-0307 Deve-se também pensar no desenvolvimento de propostas que possam lidar com as questões psicológicas e emocionais referentes a esses desejos, anseios e fantasias, para que o jovem possa sentir-se realizado e tenha consciência de suas potencialidades e de suas limitações. Sabe-se que a sobrevida das pessoas com síndrome de Down foi ampliada devido aos avanços nas pesquisas que proporcionam melhores condições de assistência médica, maiores oportunidades educacionais e melhor qualidade de vida. Portanto, embora esse estudo tenha sido realizado com um número reduzido de participantes, fica o alerta para que o período da vida adulta e o envelhecimento dessas pessoas possam ser mais amplamente estudados e compreendidos, e, deste modo, possam gerar opções para sua inclusão no trabalho e na vida social de um modo geral. 5-REFERÊNCIAS COSTALLAT, F. L. (2003). O direito ao trabalho da pessoa deficiente: manual de orientação legislação e jurisprudência. Campinas, SP: Fundação Síndrome de Down. D`ANTINO, M.E.F. (2001). Deficiência e a imagem reveladora da instituição especializada: dimensões imagética e textual. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo/ Instituto de Psicologia, São Paulo. 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