EXTRA CLASSE Junho/2011
APARTE / MARCO AURÉLIO WEISSHEIMER
D
“Com causa e sem casa”: a Europa
também começa a ferver
Foto: Enrique Dans (Divulgação) | www.enriquedans.com
epois do Oriente Médio e
ser uma força política capaz de respondo norte da África, parece
der e dialogar com os setores mais afeter chegado a vez da Europa.
tados pela crise, especialmente os mais
O velho continente, orgujovens.
lho da civilização ocidental,
Uma observação feita pelo escritor
está repetindo cenas que o mundo viu
uruguaio Eduardo Galeano, em uma
nos últimos meses ocorrerem em paíentrevista concedida recentemente à
ses como Tunísia, Egito, Líbia, Yemen,
televisão da Catalunha, resume bem
Síria, Bahrein, entre outros. Os atores
uma das dimensões mais significatidessas diferentes mobilizações têm um
vas da crise que atinge a Europa. “Há
ponto em comum: em sua esmagadora
hoje em quase toda a América Latina um
maioria são jovens que ou estão desemproblema visível e preocupante que é o dipregados ou têm poucas perspectivas de
vórcio entre os jovens, as novas gerações,
vida em seus respectivos países. Mas há
e o sistema político, o sistema de partidos
também outro fio condutor que atravigente. Eu não reduziria a política à ativessa essas diferentes rebeliões: políticas
vidade dos partidos, por que ela vai muito
econômicas que pedem austeridade ao
mais além, mas isso é preocupante mesmo
povo, enquanto seguem mantendo os
assim”.
lucros e privilégios dos representantes
A afirmação de Galeano, referindo setor financeiro, cuja cobiça e indo-se à realidade latino-americana,
sensatez mergulhou o mundo em uma
pode se aplicar perfeitamente ao que
grave crise econômica a partir de 2008.
se vê hoje em vários países europeus. O
O descontentamento com o atuexemplo da Espanha é paradigmático.
al modelo econômico, hegemônico na
Milhares de jovens saíram às ruas há
maioria dos países do planeta, tem sua
duas semanas das eleições municipais
expressão política também. Um modee autônomas, que ocorreram dia 22 de
lo que celebra a injustiça e a exclusão
maio. O manifesto dos “indignados”
social como “políticas públicas” tem,
espanhóis apontou a classe política e
inevitavelmente, um viés autoritário.
os meios de comunicação eletrônicos
As pessoas querem viver, e viver razo- Manifestações na Espanha, ocorridas na segunda quinzena de maio
como os grandes aliados dos agenavelmente bem, com um mínimo de
tes financeiros, os causadores e grandignidade. Sem comida na mesa, sem
des beneficiários da crise. Além disso,
"Há hoje em quase toda a
emprego, sem casa muitas vezes, só lhes resta sair
denunciou os dois principais partidos do país,
América Latina um problema
às ruas para protestar. O fato de isso estar acontePSOE (centro-esquerda) e PP (direita) como rescendo agora na Europa, particularmente na Grécia
ponsáveis pela degradação econômica e social do
visível e preocupante que é o
e na Espanha, só reforça a gravidade da situação.
país. No entanto, o prejuízo causado pela revolta
divórcio
entre
os
jovens,
as
novas
Um dos lemas utilizados pelos jovens manifestanfoi maior para o PSOE, atualmente no governo,
tes que tomaram, aos milhares, as ruas de diversas
que viu seu adversário PP avançar em todo o país.
gerações, e o sistema político,
cidades espanholas, em maio, é: “com causa e sem
Não é muito difícil de explicar por que isso
o sistema de partidos vigente.
casa”. Resume bem o tamanho e a natureza do
ocorreu. A maioria dos jovens manifestantes não
problema.
vota no PP, mas já votou no PSOE em outras
Eu não reduziria a política à
Mas qual é a consequência política dessas
ocasiões. No momento em que os socialistas esatividade
dos
partidos,
por
que
mobilizações. No momento, a Europa vê crescer,
panhóis passaram a praticar políticas econômicas
de modo assustador, a popularidade de organizaela vai muito mais além, mas isso similares a de seus adversários, perderam confianções de extrema-direita que caminham na conça e credibilidade. A direita e a extrema-direita
é preocupante mesmo assim"
tramão do processo de integração que vem senagradecem e avançam em vários países, agravando
do construído ao longo das últimas décadas pela
ainda mais o quadro de crise pelo receituário que
União Europeia. Cresce com elas a xenofobia, a liderando algumas pesquisas eleitorais, apresenta- pregam para seus países.
aversão ao estrangeiro, o preconceito contra popu- do Marine Le Pen, filha de Jean-Marie Le Pen
A América Latina e o Brasil, em especial,
lações de países árabes, africanos, latinos e do leste como candidata.
deveriam olhar para esse cenário com especial
A esquerda europeia, há muito tempo em atenção. O ciclo de governos de esquerda e ceneuropeu. O homem branco de classe média europeu e mesmo de alguns setores mais pauperizados crise, especialmente em sua vertente social-demo- tro-esquerda na região dificilmente deixará de ser
começam a ser seduzidos pelo discurso de que é crata que acabou mergulhando na mesma vala co- atingido por essa onda conservadora. E quando
preciso fechar as fronteiras, erguer muros bem al- mum das políticas de austeridade propostas pelo isso acontecer, a advertência de Galeano sobre o
tos e cuidar de si mesmo. Na França, a extrema- Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco divórcio entre as novas gerações e a classe política
direita representada pela Frente Nacional aparece Mundial, perde votos a cada eleição e deixou de poderá cobrar seu preço.
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