SERTANEJO
Angela Batista X.
Isso nasceu de repente, e nem sabia que minha terra era fértil pra esse tipo de
coisa. Já vi acontecer com as vizinhas, com o povo da televisão, e com alguns amigos
da minha terra de cá, mas nunca imaginei essa coisa pra mim não. É grande e de raízes
fortes, tão fortes que vai arrebentando o peito da gente até entrar pelas veias e vai
subindo pra cabeça nossa até fazer a gente não pensar em outra coisa. Depois ficamos
com aquela cara de besta, mostrando os dente até pra flor seca que não vingou no chão e
com vontade de cantar lá em cima do morro pra ver se o resto do povo é capaz de ouvir
o que se tem a dizer.
Esse bicho é danado de bravo e gostoso, mas é tão gostoso que a gente quer
mais. Ah, até o feijão com farinha de cada dia que antes era numa monotonia esse bicho
deu de entranhar suas raízes. E do feijão foi rasgando a vestimenta de trabalho,
enraizando as chinelas e a casa de pau, que nem aquelas planta que vai nascendo e
grudando nas paredes. Tudo vai acontecendo sem o coitado perceber e partir de uma
semente, que no começo é desconhecido o sujeito que jogou, vai nascendo broto em
cima de broto até virar uma coisa sem medida, mas da cor verde (ouvi falar de gente que
já teve isso da cor amarela, mas não acredito não).
Lá em casa já ouvi umas história sobre pessoas que tiveram isso. Metade teve
um fim bom, outra metade teve fim rúin, e quem teve esse fim rúin chegou até
amaldiçoar o coitado do Deus dizendo que isso é moléstia das sem cura. As que
findaram bem, dizem por aí que até vontade de saber escrever pra descrever esse trem,
diz que tiveram... Mas soube que escreveram isso muito melhor de outro jeito, ao invés
de usar caneta e papel, agora como, eu não sei, porque é segredo de cada um.
Quando deu início a acontecer comigo achei que era por causa do excesso de
trabalho, mas isso nem relação com meu suar da testa tinha. Comecei a praguejar o
vento, a bobear e a não me concentrar direito porque não conseguia encostar mais o
diabo da cabeça no travesseiro sem ficar pensando, e nem levantar o diabo da cabeça
sem continuar a imaginar. Diabo tinhoso... Até quando durmo a tal da raiz vem
consumir o meu sonho deixando tudo verde... No que eu fico a pensar nessas noites
longa e quente do povo sertanejo, eu sei dizer, mas a vergonha não me deixa contar.
Quando me olho no espelho, vejo um cabra enrugado e batido da terra e do sol,
faltando três dente na boca, com os olhos vermelho que nem o pelo dos cachorro sujo e
com as mãos calejadas de tanto dançar com a enxada... Apois chego à conclusão que
sou velho demais pra essa coisa besta aí. Já passou do tempo, e o que me resta é
trabalhar pra ter onde morrer. Nunca fui cabra molenga e não é de agora que um velho
beiçudo e cabeça dura vai perder as poucas horas que a vista tem pra descansar.
Procurei comprar algum remédio caseiro pra acabar com essa peste, mas não achei, e
quando eu pergunto se tem, as danadas das anciãs dizem que não é remédio pra matar
que eu tenho que andar atrás, e sim de adubo. Eu preciso exterminar isso antes que me
mate (e antes que eu dê um jeito na próxima anciã que me oferecer adubo). Diacho
quero matar, não manter!
Os dias passavam, e toda noite eu botava a cadeira de fio na frente de casa e
ficava a observar o céu, os cachorro e as criança. Realmente, se eu soubesse escrever e
tivesse o dom das letra, teria escrito esse negócio de poesia por achar que o céu, os
cachorro e as criança são figuras de um romance. No meu livro teria muito céu, e eu
criaria uma lei ordenando que todo mundo fosse feliz, seja com raiz ou sem raiz. Eu não
sei escrever, mas na esperança de manifestar aquela coisa que explodia em mim, fui lá
dentro de casa, peguei um caderninho velho e o cotoco de um lápis ruído na ponta e
comecei a fazer traços e traços no papel.
Não sei se vocês percebem, mas não consegui matar a peste da resistente raiz.
Desisti de lutar contra ela, porque essa bicha é mais forte que eu, e oia, um dia eu ouvi
isso num lugar “Nem se eu tivesse todo o conhecimento das grandes academias, nem se
eu lesse e entendesse todas as teorias eu encontraria uma fórmula matemática ou
lógica para resolver o verde da questão”. E de rabisco em rabisco no papel amarelado,
desenhei a minha pessoa: banguelo, preto e com um sorriso na cara. Com sorriso porque
depois de tantos anos descobri o significado de ser feliz.
Mas às vezes esquecia a felicidade pro demônio da raiva se apossar de mim. Ah,
mas nessas hora ninguém... ninguém me segurava... Parecia o touro bravo do seu
Gonçalo, babando que nem doido e dando coice no primeiro infeliz que passasse o
couro na minha frente. Tinha dia que até vontade de quebrar as poucas coisas de casa
me dava, mas daí eu me assentava e danava a chorar. Chorava e chorava de até formar
barro no chão, e quanto mais eu chorava mais a raiz doía, e doía tanto que meu coração
velho batia de vagar por causa do cansaço.
Desde moleque nunca tive privilégio nenhum na vida. Comecei a trabalhar desde
cedo, e muito cedo também fui humilhado por esse povo inteligente só porque entendia
pouco o que eles estavam a falar, e mal tratado fui nos baile porque nenhuma mocinha
deixava eu chegar perto. De tanto levar não da vida, dei jeito de chutar todos os planos
que fizera eu quando novo e prometi a mim mesmo sobreviver nessa sequidão. Só que
nessa sequidão até eu fui ficando seco pra não ter coisa nesse mundo que me fizesse
mostrar os dente, porque não tinha intereis nenhum em coisa nenhuma, e mais valia esse
povo tudo dormindo do que acordado me enchendo a cabeça.
Fui me acostumando a ser desse jeito e a deixar a vida fazer o que quer de mim,
a não ter plano pra eu, a machucar os outro porque me machucaram, e a nunca fazer
algo por completo. Avalie só, sempre fui de começar uma coisa, mas quando eu via que
o bicho tava cheio de nó, eu saía correndo, talvez é disso que tenho mais vergonha,
porque hoje sei que perdi grandes coisas por não ter coragem de resolver os problema. E
foi assim quando vi que essa raiz acabaria tirando meu sossego. De começo foi rúin,
depois ficou bom demais, só que por ser bom demais a bicha foi crescendo tão bonita
que eu fiz questão de botar uns nós nela pra ter um motivo de abandonar e dizer que
meu destino é sofrer. Fui desumano com ela e comigo e me arrependo por ter causado a
morte de tantos brotinhos que no futuro seriam umas flor bem bonita. Foi por covardia,
foi por pensar que meu destino seria pra sempre incerto que acabei por perder o que
tinha em minhas mãos.
Tem dias que me dói o peito, quando olho pra janela da casa da frente e a vejo
fechada. Mas como dói... Porém a dor maior é saber que não há outras mãos além das
minhas regando esse jardim que se criou em mim, por erro meu. Escolher por deixar
todas essas sementinhas crescerem dentro em mim, me dá uma dor que é gostosa de
sentir, mas quando penso na janela, e nas coisa que imagino antes de deitar a cabeça na
cama, essa ferida ruim deixa de existir. Ave Maria, hoje faço questão de adubar essa
raiz brava para que fique mais forte (e já não desejo mais matar as anciãs, porque não se
mata os sábios), mesmo que quanto mais ela se aprofunda, mais ela dói, e de tanto doer
de chorar a pouca água dos olhos, as vezes a gente pede até pra morrer...
Deus, que eu fuja de todas as outras mortes, seja de bicho, de fome, de moléstia,
de suicídio ou de desastre, a única morte que eu desejo, por favor, me privilegie: já que
não posso colher a flor daquela janela, deixe que meu coração velho morra de tanto
abrigar raízes, pois não há raiz mais gostosa de plantar que a raiz do amor.
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