DESCRENÇA E ESPERANÇA Reflexões de Maria Livia Marchon / 2015 João Cabral de Melo Neto, em seu auto de Natal pernambucano, chamado Vida e Morte Severina, mostra um nordestino pobre e desesperançado desistir de jogar-se no rio, quando vem um conhecido lhe dizer que seu filho “pulou para dentro da vida”. Se uma nova vida, mesmo sendo Severina, como diz o poeta, é sinal de alegria, o nascimento de um netinho, cercado de carinho e atenção pelo filho e a nora, não será uma mensagem de Deus para que sintamos alegria e esperança? E esses sentimentos não deverão nos despertar para fazer algo pelas outras crianças, aquelas que não nascem em um lar bem estruturado, aquelas que, se conseguem nascer, não são bem recebidas? Será que não poderemos ajudá-las um pouco, nos engajando, com tempo e/ou dinheiro, em alguma obra que as beneficie? Ao ouvir tantas notícias desagradáveis sobre as cifras estratosféricas que nossos políticos roubaram, sentimos tristeza e desesperança. A corrupção corrói nosso país e nossa alma. Se compararmos, porém, com o que acontece em outros países, em que os políticos corruptos vão para a cadeia e devolvem o dinheiro roubado, as prisões que estão acontecendo aqui podem nos trazer esperança. Um câncer que é descoberto, por mais que desagrade e apavore, não traz chances de tratamento e cura? Nelson Mandela passou a maior parte de sua vida preso, mas acabou conseguindo acabar com a segregação racial que imperava na África do Sul. O mal estava estabelecido, parecia que nunca acabaria, mas acabou. Se Nelson Mandela não tivesse lutado contra a corrente, tivesse cruzado os braços, a situação não mudaria.Mesmo quando algo parece impossível, a esperança pode nos levar a agir e conseguir nosso objetivo. Assim como, nas doenças físicas, podemos ter recaída e a pneumonia ou tuberculose pode retornar, nas doenças sociais existem recaídas. O ser humano nunca foi perfeito, a luta contra a tentação do orgulho, do egoísmo, da violência que residem em nós precisa ser diária.No sul dos Estados Unidos, em pleno século XXI, policiais brancos estão matando negros com frequência assustadora.Mas isso desperta repúdio nacional e mundial! No tempo da escravidão, ninguém reclamaria. Aqui mesmo, no Brasil, até 1888, apenas 127 anos atrás, uma senhora enciumada podia matar sua escrava assada em um forno e era possível açoitar um escravo negro até a morte, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Trabalhadores humildes ainda levam hoje vida de escravos em fazendas, por exemplo, mas, quando isso é descoberto, os infratores vão para a cadeia. A comparação com o passado traz esperança. Traficantes de gente se aproveitam do desespero das pessoas que vivem perseguições ou pobreza imensa e roubam, torturam, deixam-nos morrer afogados, mas isso choca e os organismos mundiais sentem que precisam fazer algo por esses refugiados de países asiáticos e africanos.Não podem repetir o que aconteceu com os judeus em passado próximo; ante o avanço das perseguições nazistas, muitos deles tentaram fugir e não obtiveram visto de entrada em vários países...Se a preocupação humanitária conseguir suplantar os interesses econômicos, a ONU talvez consiga agir contra a corrupção e a violência nos quatro cantos do mundo, evitando tais migrações. O papa Francisco é líder dos católicos, mas promulgou uma encíclica, Louvado seja, que denuncia o aquecimento global,a devastação do planeta e, alicerçada em conhecimentos científicos, aponta caminhos a seguir. Ainda temos tempo para salvar o planeta, mas precisamos começar a agir já. Esse documento de um líder religioso não é sinal de esperança? Na abertura da Copa do Mundo de 2014 vimos um paraplégico mover uma bola. Casais que antes não poderiam ter filhos, hoje o conseguem.O progresso da ciência, que nos enche de esperança,deveria ser bem mais estimulado entre os jovens, e bem mais enfatizado do que fofocas envolvendo celebridades... Há alguns anos, quem fosse contaminado pela AIDS morria em poucos meses.Hoje não. Os avanços na luta contra a doença é visível mundialmente. A população de países africanos contaminados em larga escala não está mais condenada à morte inexorável. Se isso traz esperança, traz também responsabilidade. Cabe pararmos para refletir e fazer algo pelos jovens brasileiros, entre os quais, remando contra a corrente de progresso, aumentou a contaminação. A violência, no Brasil, chegou a níveis altíssimos.Os latrocínios imperam.O assassinato do ciclista na lagoa ou do transportador de valores no metrô do Rio, são apenas alguns exemplos. É perigoso andar na rua, sobretudo à noite. Mas Nova York e Bogotá já viveram esse problema e o superaram. Medidas simples e enérgicas, que podemos estudar e imitar, foram tomadas e a situação mudou. Isso não é sinal de esperança, de incentivo a nossas autoridades para que ajam e ajam já? A violência contra a mulher infelizmente continua em muitos países, o Brasil entre eles. O estupro coletivo ocorrido no Piauí, que causou até uma morte, deveria nos envergonhar. Nossas leis são frouxas. Já disse alguém que os poucos albergues construídos para acolher as mulheres ameaçadas de violência salvaram mais vidas que muitas leis. Medidas práticas têm mais força que leis, criadas, muitas vezes após crimes violentos, para acalmar as consciências, mas pouco eficientes quando não transformadas em ações concretas. Medidas práticas, como a criação de albergues, não suscitam manchetes nos jornais, mas deveriam ser estimuladas e repetidas, trazendo esperança de diminuição da violência contra a mulher. Como disse o Papa Francisco, referindo-se à situação perigosa vivida por nosso planeta, ainda temos tempo para mudar, mas é preciso começar a agir. Cada um de nós, certamente, na vida diária,pode fazer algo para evitar o desperdício, a corrupção,o egoísmo e a violência e, assim, trabalhar para que se transforme em realidade concreta a esperança de que nossos netos vivam dias melhores que os nossos.