passaporte Fotografia
Rita Barros e
Luísa Ferreira
Mulheres na fotografia
Entrevistas por Direct Arts
O Centro Cultural Calouste Gulbenkian, em Paris, acolheu em 2009 a exposição Au Féminin / Women
Photographing Women, comissariada por Jorge Calado, com obras de mais de cem mulheres
fotógrafas dos séculos XIX, XX e XXI. Entre nomes como Cindy Sherman, Francesca Woodman
ou Diane Arbus encontravam-se obras das portuguesas Maria Lamas (na primeira vez que o seu
trabalho sobre a condição da mulher portuguesa no final dos anos 40 foi exposto), Luísa Ferreira,
Brígida Mendes, Helena Almeida, Rita Barros e Ana Telhado. Cada uma, à sua maneira, influenciou
a linguagem da fotografia, e foi para destacar a importância das suas visões que Au Féminin surgiu,
tornando-se a primeira grande exposição totalmente dedicada ao feminino, pois quer o sujeito quer
o objecto das fotografias é a mulher.
Eram 140 obras que iam de 1850 a 2009, oriundas dos cinco conti-
deveria ser no campo das mulheres na arte. “Há uns anos fiz para um
nentes, com diferentes géneros fotográficos, para se escrever com ima-
trabalho de licenciatura uma pesquisa e em Portugal (do inicio do
gens uma história da fotografia com um foco especial na feminilidade.
século XX) algumas mulheres eram donas de estúdios de fotografia
As idades da mulher, Algumas mulheres, Maternidade, Em casa, No
mas mantinham o nome do marido ou pai porque a elas não davam
exterior, Trabalho e lazer, Moda e shopping, Estrelas e deusas, Ficções
crédito. Mas as coisas têm evoluído, felizmente.” Na exposição da
e metáforas e Natureza formavam as diferentes secções da exposição.
Gulbenkian em Paris (que infelizmente não chegará a Portugal) a fotó-
A citação escolhida por Jorge Calado para introduzir a mostra é da
grafa surpreendeu-se: “A própria Maria Lamas tem um bom trabalho e
fotógrafa americana Imogen Cunningham, que diz: “A fotografia não
poucos sabem quem ela é. Até eu, quando fui à abertura da exposição
tem sexo.” Sem política ou guerra de sexos à mistura, o curador quis
a Paris, descobri fotógrafas de quem nunca ouvi falar, e há trabalhos
apenas contribuir para o “equilíbrio de géneros, numa arte geralmente
muito interessantes.”
limitada ao masculino”.
Em todo o debate em torno da luta de sexos na arte, restam incertezas:
Rita Barros
“Há uma condição feminina, com tudo o que isso implica, e há fotografias muito masculinas, mas isso não quer dizer que não haja mulheres
Sentada na Galeria Pente 10, em Lisboa, onde até Abril mostrou o seu
que as podem fazer. É difícil distinguir entre feminino e masculino na
trabalho intitulado 3X3, Rita Barros recorda como foi participar num
fotografia, pois há toda uma camada de diferentes tonalidades de cin-
marco importante com duas obras suas. E esta é uma história em que
zento.” E acrescenta: “Curiosamente, a moda é feita mais por fotó-
a surpresa domina. “Foi o professor Jorge Calado que fez a selecção
grafos masculinos, e de facto funciona, mas isso não é uma regra.”
das fotografias, de dois trabalhos meus. É uma recolha monumental
da parte dele fazer um apanhado daquilo que as mulheres trouxeram à
Se houve algo sempre presente e no qual aposta continuamente nos
fotografia”, reconhece, tendo a noção de que nem tudo é ainda como
seus trabalhos são as narrativas. “Sempre funcionei em termos de nar-
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“Para mim ser o objecto da minha fotografia
é algo muito natural”
Rita Barros
rativa, seja ela óbvia ou não, mas há sempre um fio condutor no que
imagem e já ninguém quer saber, mas foi engraçada toda esta atenção.
faço.” Isso está bem patente nas duas imagens de Rita Barros que foram
São momentos especiais. Estou sempre a trabalhar, mas há coisas que
escolhidas para a mostra Au Féminin. A primeira, em que se vê um
as pessoas não vêem, outras que recordam sempre e outras a que não
vulto feminino quase indefinido, saiu de uma série que fez para o Porto
ligam. Isto foi um incentivo para continuar, porque se guardarmos as
Capital da Cultura 2001. E segue-se a sua narrativa. “Curiosamente, o
imagens em caixas lá em casa não há dinâmica.” Mais do que tudo
apartamento onde vivo em Nova Iorque foi onde o filme 2001, Odisseia
gosta de mostrar a carga emocional de cada momento, de cada local, de
do Espaço foi escrito, primeiro como guião de filme e só mais tarde
cada objecto, que só depois de vivenciado adquire, na perspectiva da
como livro. Peguei nessa inspiração e fiz uma série de 9 livros, cada um
fotógrafa, a dimensão que tanto lhe interessa registar.
contando uma história dentro do apartamento, numa espécie de homenagem a este espaço. Essa fotografia faz parte de um desses livros que
Como fotógrafa, habituou-se a fazer testes de luz, de máquinas, e
contavam narrativas pessoais, com base na exploração de um tema. Os
tornou-se habitual fazê-los em si. “Para mim ser o objecto da minha
primeiros livros eram todos com fotografia analógica e os últimos já
fotografia é algo muito natural e para estas séries, como era algo que
eram uma mistura do analógico com o digital. Acompanhando assim
estava a testar, preferi fazer sobre mim própria, porque estava habi-
a minha aventura com as novas tecnologias.” Com esta aura de explo-
tuada, sei exactamente aquilo que quero… funciona melhor assim.” É
ração do espaço, seja ele sideral ou de um apartamento, a imagem
portanto natural que seja ela o objecto e o sujeito destas duas imagens.
tomou forma e foi escolhida para ajudar a desenhar a história da foto-
Amante confessa das narrativas, saliente-se que há um fio condutor
grafia no feminino.
entre a imagem do último cigarro e a sua próxima exposição em
Portugal. Foi uma união criada pelo destino, o acaso, tanto faz, mas que
A imagem de Rita Barros a fumar um cigarro tomou vida própria
está unida, não restam dúvidas. “Há sempre um cruzamento em tudo.
depois de estar exposta em Paris. De repente apareceu em revistas
A exposição já estava agendada há um ano e meio, antes de toda esta
especializadas, jornais, e tornou-se um exemplo retirado das 140 ima-
projecção, e é a versão integral do livro O Último Cigarro. Mostra todo
gens do colectivo para ilustrar o acontecimento. “Não sei o porquê
o lado do exorcismo, do ritual de fumar o último cigarro e apreciá-lo
disso ter acontecido, mas às vezes as coisas aparecem num momento
como algo irrepetível. Naquela altura deixei de fumar durante um ano
em que fazem sentido a muita gente. A imagem transmite o problema
e meio… mas depois pronto… a vida continua! Mas as pessoas vinham
de se fumar, e muita gente fuma, não é algo de nicho. Sofre-se com a
ter comigo para perguntar se eu tinha parado mesmo, o que mostra que
dinâmica de deixar de fumar, de levar com o fumo dos outros… Esta
este é um assunto que toca muita gente.” E é esta série que vai estar
imagem é de uma série que reflecte uma tentativa de deixar de fumar, e
patente a partir de dia 4 de Junho na Ermida (do século XVII) de Nª
é uma linguagem que abrange muitas pessoas. Além disso tem um lado
Sr.ª da Conceição, em Belém. Uma oportunidade de vermos não só um
com sentido de humor”, adianta a fotógrafa portuguesa radicada em
momento, mas todo o processo por que Rita Barros passou com o seu
Nova Iorque há três décadas. “Se calhar daqui a um ano olha-se para a
(ainda que temporariamente) último cigarro.
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Luísa Ferreira
“Mostrei algumas imagens ao Jorge Calado, em áreas a que me sinto
vai desde o início da fotografia até aos nossos dias, passa pelas várias
agora mais ligada. Há muitos anos que já não trabalho em fotojor-
fases”, considera.
nalismo, mas mesmo quando fazia sempre estive ligada a fotografia
documental, de autor. Sempre tentei trabalhar num campo mais autoral,
Ambas as fotografias que Luísa Ferreira teve em Paris fazem parte de
contar as minhas ideias, a percepção que vou tendo do mundo. Em
projectos que pretende expor em breve. Uma delas é da série Vermelho,
alguns momentos do trabalho estes registos podem tocar-se, mas é
tirada na discoteca Lux na passagem de ano de 2008. “É essencialmente
raro”, recorda agora no seu atelier em Lisboa. Foi desta forma que
braços e uma pulseira grande, com brilhantes; sente-se que há um cui-
Luísa Ferreira acabou por ver duas das suas imagens na exposição Au
dado com a moda, com o que se usa. Trabalho para o Manuel Reis há
Féminin. Considera desde logo que em nada esta iniciativa quis preterir
muitos anos, ainda nos tempos do Frágil, princípio dos anos 90. Claro
os homens, faz sim sentido na óptica de uma homenagem do seu comis-
que é uma encomenda, mas ao mesmo tempo sempre o encarei como
sário a uma mulher, Maria do Carmo Vasconcellos, Coordenadora dos
um trabalho pessoal. Tenho todo o gosto de o fazer para a pessoa que
Projectos Culturais do Centro, que agora se retira das funções. Um pre-
é, porque tem trazido muitas coisas interessantes a Lisboa, mostrando
sente de despedida pleno de significado.
outra forma de estar na cidade.” E a fotógrafa garante: “Não gostaria de
No dia em que se abria as portas em Paris, a fotógrafa não pôde lá
fazer outras festas, nem me imagino a fazê-lo, não me interessa. Aqui
estar, visto ser a véspera de uma exposição sua em Portugal, a Aurora
consigo ir mais fundo dentro da questão da moda, é um registo de como
dos Caminhos. Sendo assim, foi lá mais tarde, e ficou encantada com o
cada um a usa.”
que viu. “Para mim é muito bom estar incluída nesta história de fotografia de mulheres. Todas as exposições que o Jorge faz de certa forma
Está por trás da câmara em vários acontecimentos no Lux e Frágil e
contam uma parte da história da fotografia. Esta é muito forte porque
guarda registos documentais preciosos. “Nos anos 80 assisti a grupos
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“Sempre tentei trabalhar num campo mais autoral, contar
as minhas ideias, a percepção que vou tendo do mundo.”
Luísa Ferreira
de pessoas que tinham um culto da noite e a moda era muito influen-
grafar em locais mais naturais porque viajo bastante naquelas serras e
ciada por revistas que chegavam de fora. As coisas aqui começavam a
de alguma forma não me era apenas suficiente fotografar o sítio só por
abrir, a ser menos cinzentas do ponto de vista do corte de cabelo, da
si. Quis interagir com o local, daí a necessidade de ter um participante.”
roupa que se usava e até de assumirem a sua sexualidade. Foi uma fase
Dentro do projecto regista ainda algumas situações de objectos dei-
de viragem e as coisas têm evoluído. Pessoalmente não vivo muito o
xados na paisagem ou construídos lá, como tanques de água ou cabanas
mundo da moda, mas gosto de observar e de ver o que se usa.” É por
de observação, terraplanagens, intervencionadas pelo homem.
isso que achou que esta seria uma imagem com direito a espaço próprio
Esta não foi a primeira vez que fotografou pessoas com intervenção
numa exposição de e sobre o feminino. “Diz muito sobre a mulher, que
na paisagem, já o tinha feito no final dos anos 80, mas na cidade de
ao longo da história tem usado muitos objectos bonitos, grandes. É uma
Lisboa, em locais que considerava importantes. “A partir do momento
marca, um elemento muito feminino.”
em que pomos alguém no local, ele passa a ter outro significado. Já não
é um sítio qualquer, passa a ter um signo, uma traça.”
Uma outra perspectiva e visão são exploradas na segunda fotografia
que teve na mostra Au Féminin. Interessa-se bastante pelo urbanismo,
Na série Nós fotografa em formato panorâmico, com planos muito
mas gosta de vivenciar outros locais, por isso andou pela Serra da
abertos. “Nesta fotografia que esteve em Paris a pessoa está lá mas não
Lousã e do Açor, no distrito de Coimbra, e explorou-as durante muitos
é o primeiro plano, está apenas dentro da floresta. Tudo passa por tea-
anos sem nunca as fotografar, apenas para tentar perceber a sua riqueza
tralizar a paisagem. Umas vezes o elemento humano dissolve-se nela,
e tranquilidade. Depois começou a sentir necessidade de trabalhar
noutras há um diálogo, ou até pode estar quase a atacá-la.”
sobre estes locais com uma atitude interventiva; começou assim em
2006 o projecto pessoal Nós, e é um dos seus registos que foi para
Paris. “É uma intervenção na paisagem normalmente com pessoas a
quem tenho alguma ligação próxima, como a família. Comecei a foto-
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Rita Barros – www.ritabarros.com
Luísa Ferreira – www.luisaferreira.com
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