A maternidade é difícil mas está longe de ser um emprego http://www.valor.com.br/imprimir/noticia_impresso/3982060 Imprimir () 30/03/2015 - 05:00 A maternidade é difícil mas está longe de ser um emprego Por Lucy Kellaway Na ocasião em que voltei a trabalhar após o nascimento de meu primeiro filho, visitei uma amiga advogada que também acabara de ser mãe e havia decidido ficar em casa para cuidar do bebê. O almoço corria bem até que eu disse que a invejava por não ter um emprego: devia ser muito bom ficar com o filho o dia inteiro. Ela me fulminou com um olhar de ódio e disse que tinha um emprego. Criar o filho definitivamente era uma ocupação, e muito mais recompensadora do que qualquer coisa ligada às leis corporativas. Mas será que ela estava certa? A maternidade é um emprego? Margaret Thatcher achava que sim - segundo ela, criar os filhos era um trabalho administrativo. A rainha Elizabeth aparentemente também pensa assim e disse à atriz Kate Winslet que é "o melhor emprego" que existe. Mesmo assim, parece agora que as mães da classe média mudaram a maneira de pensar. Os mesmos tipos de mulheres que costumavam ficar furiosas com qualquer pessoa que insinuasse que criar os filhos não é um emprego agora se mostram indignadas com qualquer pessoa que afirme que é. Recentemente, a Mumsnet, rede social voltada para os pais, divulgou um texto que elabora a nova regra: "A maternidade é uma jornada emocional, não um emprego". Esta é a resposta certa, mas pelo motivo errado. Criar os filhos não é um emprego, e nunca foi. A paternidade e a maternidade são um trabalho - às vezes extremamente difícil -, mas não são um emprego, uma vez que você não é pago(a) por ele. Emprego é uma coisa que você opta por fazer e pode desistir dele sempre que quiser. Mas enquanto você estiver nele, precisa andar na linha. Como colunista, preciso escrever esta coluna porque isso é o meu trabalho. Enquanto mãe, posso decidir que não estou disposta a cozinhar e em vez disso encomendar a comida por telefone. Em casa, em situações extremas, eu posso gritar e quebrar coisas; se fizer isso no trabalho, provavelmente serei demitida. Não importa o quanto meus filhos pensem que sou durona na criação deles, eles não podem se livrar de mim. A maternidade é para a vida toda. Os empregos, não. Mesmo assim a maternidade também não é uma "jornada emocional". Uma jornada é algo que envolve viajar do ponto A para o ponto B, enquanto que ser mãe tende a ser uma coisa bem estática. No meu caso pelo menos é, acontecendo quase que totalmente na cozinha de casa. Também não é uma jornada no sentido metafórico e brega. A maternidade começa com as emoções a mil e segue assim para sempre. A pior coisa de descrever a criação dos filhos desse modo não é o fato de ser algo estúpido, e sim por ser muito irritante. Se alguém tivesse me dito desde o começo que eu estaria embarcando em uma "jornada emocional", eu teria desistido completamente da ideia. Então, por que as mães mudaram de ideia sobre a questão do emprego? Suspeito que é porque não pensamos mais no emprego como pensávamos antes. Vinte anos atrás, um emprego era um sinal de status; hoje é visto como algo penoso e sugere uma falta de imaginação. Você precisa fingir que seu emprego não é somente uma ocupação, mas um meio de manifestação de sua paixão e criatividade. As mães insistiam em chamar o que fazem de emprego porque isso as fazia se sentirem melhor; agora é o contrário. 1 de 2 31/03/2015 10:39 A maternidade é difícil mas está longe de ser um emprego http://www.valor.com.br/imprimir/noticia_impresso/3982060 Mesmo assim, as duas reações são idiotas. Os empregos e a maternidade (paternidade) são igualmente vitais para a sobrevivência da raça humana, mas as duas atividades existem em planos diferentes e comparações morais não devem entrar na equação. A Saatchi & Saatchi acaba de fazer uma pesquisa para a Mumsnet sobre o que é o "não emprego" de criar os filhos. Ela concluiu que as mães desempenham oito papéis emocionais diferentes, cinco dos quais eu mais ou menos concordo protetora, admiradora, amiga, heroína, porto seguro -, enquanto os outros três - parceira no crime, orientadora e infratora - me deixam muito preocupada. Infratora? Parceira no crime? O que aconteceu com implicante e defensora das regras? O que eu deveria dizer para meu filho adolescente quando ele chega da escola com a mochila cheia de exercícios de trigonometria de tarefa? Deixa isso pra lá, toma aqui uma identidade falsa e vai para um bar beber com os amigos? Essa lista piegas de funções nos diz que há uma coisa que a maternidade (paternidade) moderna tem em comum com os empregos modernos. Ambos se afastaram tanto da Teoria X da motivação - a de que todo mundo é basicamente preguiçoso e, assim, é preciso ter um pouco de autoritarismo -, que agora as pessoas eximem-se de falar "quem manda aqui sou eu". Os chefes precisam fingir que sua maior habilidade é a de orientadores e os pais precisam fazer o mesmo. É tudo aparência. Pouquíssima atividade de orientação acontece na maioria das empresas e menos ainda em casa. Os orientadores precisam ter distanciamento, paciência e objetividade - termos que dificilmente se aplicam no relacionamento com nossos filhos. O pretexto de que a maternidade é uma jornada longa, emocionante, democrática e maravilhosa é uma mentira ainda pior do que aquela que diz que a maternidade é um emprego. No fim das contas, fico com Margaret Thatcher, que insistia que ser mãe era um trabalho administrativo. Ela estava errada sobre o trabalho, mas certa sobre ele ser administrativo. Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira 2 de 2 31/03/2015 10:39