ESTRUTURA INTERORGANIZACIONAL HÍBRIDA EM UM PROJETO DE
DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIA
Luiz Alberto Mariz (CMA/UFPE)
Janann Joslin Medeiros (CMA/UFPE)
RESUMO
Este trabalho descreve a estrutura interorganizacional em um projeto de fonte alternativa de energia, que
envolveu a colaboração de 11 organizações de vários países. É focalizada a fase do projeto que incluiu o
desenvolvimento de tecnologia, antecedente à construção da usina. As características estruturais são comparadas
com as abordagens e modelos de redes interorganizacionais. Para realizar as atividades do projeto, foi criada
uma rede composta por três grupos de organizações: patrocinadoras, empreendedoras e fornecedoras de
tecnologia. A coordenação interorganizacional foi baseada em relações contratuais não clássicas, um "mercado
em miniatura", um misto de controles burocráticos e controle de clã, e um conjunto de instrumentos integrativos.
Tanto a divisão de trabalho quanto a coordenação da rede podem ser caracterizadas como híbridas, apresentando
traços tanto de associações de construção (mecanicistas) quanto de P&D (orgânicas). Apresenta-se como uma
possível explicação para isso, o hibridismo da própria tarefa, ao mesmo tempo de construção e de P&D. O
estudo sugere que abordagens que apresentem as redes contendo necessariamente estruturas orgânicas, embora
possam contribuir para identificar características fundamentais das mesmas, são excessivamente limitadas.
INTRODUÇÃO
A existência de redes para o desenvolvimento de tecnologia, formais ou informais,
remonta pelo menos ao início do século XX, quando em alguns países europeus foram
fundadas associações cooperativas com o intuito de apoiar pequenas empresas que não tinham
recursos para se engajar em atividades de P&D de forma independente. Não sendo um
fenômeno novo, parte do interesse que as atuais redes vem despertando em pesquisadores de
diversas áreas advém de mudanças qualitativas que elas têm sofrido. Dentre as novas
características, pode ser citado o desenvolvimento, por empresas subcontratadas, de produtos
e processos parcial ou totalmente direcionados às empresas requisitantes que participam
ativamente do desenvolvimento tecnológico, cedendo informações e tecnologia (Freeman,
1991; Richardson, 1996). Também pode ser citada a participação dos Governos, não apenas
financiando, mas participando da gestão em projetos cooperativos de tecnologia avançada,
envolvendo grandes ou pequenas empresas (Ouchi e Bolton, 1988; Freeman, 1991; Ham,
Linden e Appleyard, 1998).
Os novos arranjos interorganizacionais trazem consigo necessidades específicas de
coordenação e controle (Child, 1987). Embora sua crescente importância tenha sido
acompanhada de um esforço para a sua compreensão, sendo grande o acúmulo de
conhecimento em nível internacional, ainda é preciso avançar muito no entendimento do seu
gerenciamento (Grandori, 1997; Rodrigues, 1999). Entendemos ser essencial compreender
como as relações interorganizacionais se estruturam pois, além da gestão das tarefas
específicas, recai, com freqüência, sobre os ombros dos gerentes responsáveis por sua
implementação, a responsabilidade pela criação da própria estrutura gerencial necessária ao
cumprimento das tarefas. Como acontece com “qualquer atividade humana organizada”, a
estrutura das associações interorganizacionais compreende “a divisão de trabalho nas várias
atividades a serem desempenhadas e a coordenação destas atividades” (Mintzberg, 1979, p.2,
grifo do autor).
O presente trabalho aborda um projeto interorganizacional , iniciado em 1991, que
envolveu a colaboração de 11 organizações de vários países e cujo objetivo é desenvolver a
tecnologia de uma fonte alternativa de geração de energia. Trata-se do WBP - Brazilian Wood
1
BIG-GT Demonstration Project . O termo BIG-GT designa a tecnologia e significa Biomass
Integrated Gasification Gas Turbine.
Child (1999) menciona haver grande concordância entre os autores de que o
desenvolvimento de alianças estratégicas ocorre em três grandes fases - formação,
implementação e evolução. É focalizada, neste estudo, a Fase II do WBP, uma etapa ocorrida
entre abril de 1992 e dezembro de 1995, em que foram desenvolvidos, com êxito, os
processos e equipamentos. Este desenvolvimento tecnológico é parte da implementação do
empreendimento que inclui a construção de uma usina de demonstração, prevista para ser
concluída em fevereiro de 2003. Um quadro apresentando as fases do WBP, encontra-se em
anexo.
O material aqui apresentado foi extraído de um estudo de caso realizado sobre o
projeto, uma dissertação de mestrado que focalizou tanto a divisão de trabalho como os
mecanismos de coordenação (Mariz, 1999). A maior parte do presente trabalho provém da
parte descritiva dessa dissertação. Assim, embora também sejam apresentadas, na última
seção, algumas tentativas de explicar o “porquê” da presença de algumas características
estruturais da Fase II do WBP, a maior parte aqui apresentada diz respeito ao “como” do
estudo de caso (Yin, 1994). Consequentemente, a revisão da literatura, apresentada na
próxima seção, corresponde à “teoria” de um estudo de caso descritivo, que volta-se não para
relações de causa e efeito, mas para a delimitação do que deve ou não ser incluído na
descrição do objeto (Yin, 1993, p. 22).
Os dados utilizados foram colhidos em entrevistas formais ou informais, realizadas
com representantes de 8 das 11 organizações que tomaram parte da Fase II do WBP, bem
como em relatórios de progresso e notas de reuniões do Conselho Diretor do Projeto. Os
resultados apresentados são resultado de análise qualitativa realizada através do “diálogo”
entre as evidências e a teoria (Miles e Huberman, 1994; Yin, 1994), grande parte desta sendo
proveniente de modelos de associações interorganizacionais.
ESTRUTURA INTERORGANIZACIONAL
O estudo das relações interorganizacionais apóia-se em vários campos de
conhecimento, como, por exemplo, a teoria das organizações e a análise microeconômica. De
um lado, estudiosos das organizações identificam a necessidade de alargar o arcabouço
teórico para permitir o entendimento das organizações individuais e das relações que elas
estabelecem umas com as outras, incorporando conceitos de mecanismos de mercado e de
contratos (Miles e Snow, 1996). Mesmo com toda sua complexidade, a forma em rede
(network form) pode ser entendida, em grande parte, com base no conhecimento de tipos
estruturais já conhecidos (funcional, matricial e divisional) porque incorpora elementos
encontrados nestas formas (Miles e Snow, 1994).
Por outro lado, de acordo com novas abordagens dos fenômenos microeconômicos, o
mercado deixa de ser o foco primordial de atenção e defende-se que as organizações não mais
sejam consideradas como caixas pretas, mas, através do conhecimento dos seus mecanismos
internos, como uma das instituições alternativas de coordenação dos agentes econômicos
(Jensen e Meckling, 1996).
Os mecanismos de coordenação são os “elos de ligação” da estrutura
interorganizacional (Grandori, 1993). Eles podem compreender tanto mecanismos de
mercado, quanto contratos, controle burocrático, controle de clã e instrumentos integrativos.
No mercado, coexistem dois tipos antagônicos de relações que as organizações
estabelecem umas com as outras. Uma das relações é a troca, caracterizada por Ouchi (1996)
como uma ação cooperativa, mediante a qual cada uma das partes dá e recebe algo de valor.
Porém, os termos de eqüidade desta troca são assegurados pela presença do mecanismo de
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preço que é estabelecido através do outro tipo de relação característica do mercado, a
competição.
Os contratos são mecanismos de controle de desempenho que, além das cláusulas que
induzem ao desempenho satisfatório ou estabelecem sanções para o baixo desempenho,
costumam incluir o planejamento das atividades (Macaulay, 1996). Existem várias categorias
de contrato – clássico, neoclássico e relacional (Williamson, 1996a). O contrato clássico é um
acordo momentâneo de compra e venda que liquida-se com a apresentação do bem ou serviço
produzido, não sendo relevante a identidade das partes. Seu cumprimento segue regras claras,
formalmente definidas desde o início da transação. Ele é aplicado em transações de material
ou de equipamento padronizados.
O contrato neoclássico aplica-se a transações ocasionais, de longo prazo, estabelecidas
para atender demandas específicas do cliente, como a construção de uma planta. Ele requer
mecanismos elásticos, como a intermediação de terceiros, para resolução de diferenças entre
as partes. Um exemplo é o de um perito relativamente independente, como um arquiteto,
solucionando as divergências sobre o conteúdo de contratos de construção que surjam entre as
partes. Outro exemplo é o da mediação de agências reguladoras entre o usuário e as empresas
concessionárias de serviços públicos. (Williamson, 1996a; 1996b).
O contrato relacional aplica-se a transações específicas e recorrentes, como a compra
habitual de material produzido especialmente para atender às especificações do cliente. Seu
foco de atenção é a própria relação das partes, tomada no seu todo, e não apenas as bases do
acordo original. No caso em que as partes mantêm a autonomia, a coordenação é exercida
através de estruturas bilaterais especializadas (Williamson, 1996a).
Para Ouchi (1996), a coordenação interna às organizações, com base na autoridade
hierárquica corresponde a um dos tipos, a burocracia, existindo também um outro, o dos clãs,
que combina autoridade com valores e crenças comuns e com identificação dos indivíduos
com os interesses do todo. Os clãs e as burocracias constituem caracterização muito próxima à
das organizações mecanicistas e orgânicas, estabelecida anteriormente por Burns e Stalker
(1994).
São típicas das organizações burocráticas as relações baseadas em supervisão direta,
em regras e sistemas de planejamento e controle (Mintzberg, 1979), que também são
encontradas entre organizações, e não apenas, em seu interior (Grandori e Soda, 1995). Um
dos dois tipos básicos de sistema de planejamento e controle é o plano de ação, cuja ênfase é
voltada para o que ainda está por acontecer. O outro tipo, o controle de desempenho, focaliza
principalmente os resultados globais alcançados por unidades organizacionais com respeito,
por exemplo, a metas, orçamentos ou cronogramas previamente estabelecidos (Mintzberg,
1979). Um dos freqüentes mecanismos burocráticos, encontrados por Medeiros (1986) em
associações de cooperação técnica internacional, são os relatórios de progresso. A autoridade,
reconhecida pelos componentes de uma organização, para que sejam realizadas avaliações
sobre desempenho individual, é considerada também uma característica importante das
burocracias (Ouchi,1996).
Quando a tarefa é ímpar, marcada pelo surgimento contínuo de problemas novos e por
esforços conjuntos, cujo resultado comum não permite distinguir as contribuições
individuais - às vezes, não havendo meios sequer de avaliar, no curto prazo, o resultado da
própria tarefa coletiva (Child, 1984) – o controle de clã, praticamente sinônimo do tipo de
coordenação adotado nas estruturas orgânicas, apresenta-se como mais adequado (Burns e
Stalker, 1994). O controle de clã é baseado no comprometimento dos indivíduos com as
atividades centrais. A perspectiva de vínculo de longo prazo entre o empregado e a
organização propicia a este ver o sucesso de sua carreira atrelado ao sucesso da organização
como um todo. A organização, por sua vez, também é encorajada a oferecer oportunidades
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aos empregados para ampliar seus conhecimentos e habilidades, bem como a fornecer-lhes
uma visão geral das necessidades da organização (Scott, 1998).
Nas estruturas orgânicas, a comunhão de valores e crenças substitui o comando
hierárquico, havendo maior participação de todos, tanto na execução das tarefas quanto na
gestão. Burns e Stalker (1994) fazem notar que subsiste a autoridade nestas estruturas, porém
ela é estabelecida por consenso. O princípio essencial é o da autoridade conferida por
competência a quem quer que tenha mais informação e capacidade.
Várias indicações na literatura apontam para a existência de elementos de controle de
clã também nas relações interorganizacionais. Grandori e Soda (1995) os apresentam como
mecanismos de coordenação "sociais" baseados em "normas de grupo, reputação e controle de
pares". Freeman (1991) sublinha a importância que têm, para as redes de inovação, os valores
comuns e as relações pessoais de confiança. Doz (1996) assinala que, em associações
interorganizacionais de P&D, os indivíduos são, muitas vezes, levados a estabelecer relações
informais com parceiros das outras organizações. Embora baseadas em divisão de trabalho
funcional, as redes dinâmicas adotam a ampla e contínua difusão de informações,
possibilitando a mútua e instantânea verificação das contribuições (Miles e Snow, 1996).
Em processos de transferência de tecnologia, raramente a coordenação entre empresas
atém-se apenas a mecanismos de mercado como o licenciamento. A relação, em geral, vai
além da mera transferência de direito de uso, de uma empresa cedente a outra receptora da
tecnologia, passando também pela transferência de experiência e de habilidades. Os arranjos
formados para transferência de tecnologia muitas vezes evoluem de uma relação contratual
para uma aliança baseada no conhecimento, confiança e apoio mútuos e no compartilhamento
de patentes (Richardson, 1996).
O controle de clã não é encontrado apenas nas organizações dos setores industriais de
tecnologia avançada (Burns e Stalker, 1994; Ouchi, 1996). Sua ocorrência foi registrada em
organizações industriais no Japão, em que a remuneração do empregado é baseada em
critérios não relacionados com o desempenho individual - como tempo de serviço e número
de dependentes -, sendo mesmo desnecessária a medição do desempenho, pois os empregados
têm "inclinação natural" para realizar o que for melhor para a empresa (Ouchi, 1996).
Também nas relações duradouras que costumam ocorrer entre muitas empresas japonesas,
através de contratos relacionais, a coordenação baseia-se em laços informais e na boa vontade
(Dore, 1996). Com o advento da China como o país emergente que mais tem recebido
investimentos externos, grande atenção tem sido dispensada aos sistemas de clãs (Child,
1999; Rodrigues, 1999). Embora o controle de clã pareça ter maior incidência em países
orientais, por conta de fatores culturais, Dore (1996) considera que sua presença nos países
ocidentais é subestimada.
Outro tipo de mecanismo de coordenação são os instrumentos integrativos. Estes são
órgãos de coordenação lateral, como as forças-tarefa e os comitês, que propiciam o
ajustamento mútuo entre indivíduos, órgãos ou organizações (Mintzberg, 1979; Ouchi e
Bolton, 1988).
Existem diferentes abordagens e modelos de redes interorganizacionais. Para Baker
(1992) elas são essencialmente estruturas orgânicas dotadas de flexibilidade e capacidade de
adaptação. Para cada projeto elas são capazes de montar relações externas e internas
singulares, rapidamente alocando pessoas e recursos de forma descentralizada. De acordo com
esta abordagem, para funcionarem e para resolverem seus problemas, as redes, de uma
maneira geral, não dependem de rotinas previamente determinadas e, assim, evitam a
burocracia.
Exemplo de divisão de trabalho característica das estruturas orgânicas são os
consórcios ou joint ventures horizontais formados com o objetivo de realizar pesquisa e
desenvolvimento comum. Nestas associações, há mais propriamente um compartilhamento
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que uma divisão do trabalho tecnológico. Cada empresa contribui com todos os tipos de
recursos - financeiros, de pessoal, de capital - numa única tarefa, cujo fruto é compartido por
todas as empresas e em que é difícil medir o desempenho de cada uma (Ouchi e Bolton, 1988;
Grandori e Soda, 1995).
Um modelo para consórcios ou “quase empresas” do ramo de construção foi elaborado
por Eccles (1981). Ele os descreve como sendo compostos tipicamente de uma empresa
detentora do contrato que, por sua vez, subcontrata diversas partes da obra com empresas
especializadas. Dentre as características deste tipo de arranjo, incluem-se a singularidade da
combinação de competências em cada projeto e a relativa independência entre as tarefas
especializadas. Em consórcios de engenharia para implementação de projetos complexos, é
freqüente encontrar relações de autoridade, quando as empresas participantes concedem, a
uma delas, o direito de determinar o comportamento das outras, falar em nome delas,
coordenar as ações e exercer liderança técnica (Grandori e Soda, 1995).
Outro modelo desenvolvido sobre as novas formas de associações interorganizacionais
é o das redes dinâmicas (Miles e Snow, 1996). Nestas redes, o conjunto de funções deixa de
ser desempenhado por uma única organização, passando a ser assumido por várias
organizações independentes, cada uma especializada em uma função - desenvolvimento de
produtos, suprimento, produção e distribuição -, todas coordenadas por uma ou mais
organizações intermediárias (brokers). A composição destas redes pode ser alterada pela troca
ou pela saída de um de seus componentes, de acordo com o que ditarem as condições
competitivas. Ao mesmo tempo, "uma rede adequadamente formada pode exibir a
especialização técnica de uma estrutura funcional, a sintonia com o mercado de uma estrutura
divisional e a orientação balanceada de uma estrutura matricial" (p. 432). Na sua coordenação,
estas redes adotam um misto de contratos e pagamento de acordo com os resultados e
empregam ampla e contínua difusão de informações sobre as respectivas contribuições.
DIVISÃO DE TRABALHO INTERORGANIZACIONAL ADOTADA NO WBP
No projeto pesquisado, foi constituída uma rede, conforme indica o Quadro 1,
composta por três grupos distintos de organizações - o das patrocinadoras, o das
empreendedoras e o das fornecedoras de tecnologia - cuja divisão de papéis correspondeu à de
uma rede de inovação, conforme apontado em outro artigo, realizado sobre o projeto, que
explorou alguns aspectos da divisão de trabalho (Mariz e Medeiros, 1999). Considerando,
ainda, a divisão de trabalho existente dentro de cada um desses conjuntos de organizações,
constata-se que foram dois os níveis de relações interorganizacionais no WBP – o da rede,
como um todo, e o interno aos grupos.
O patrocínio proveio do Global Environment Facility (GEF), um fundo das Nações
Unidas, que doou recursos financeiros ao projeto. O acompanhamento da implementação
coube ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Quadro 1: Papéis das Organizações
Patrocinadoras
GEF
PNUD
Empreendedoras
MCT
CHESF
CIENTEC
CVRD
Eletrobrás
Shell
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Fornecedoras de Tecnologia
BIOFLOW
GE
TPS
O empreendimento do projeto coube a um consórcio do qual participaram o Ministério
da Ciência e Tecnologia (MCT), a Companhia Hidro-Elétrica do São Francisco (CHESF),
empresa estatal de energia elétrica do nordeste brasileiro, a Shell, empresa multinacional do
setor de petróleo, sendo as últimas empresas pioneiras do projeto. Além destas organizações,
participaram do Consórcio: a Fundação de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul
(CIENTEC), a Companhia do Vale do Rio Doce (CVRD), empresa brasileira do setor de
minérios e proprietária de grandes áreas de floresta e as Centrais Elétricas Brasileiras S.A.
(Eletrobrás). As organizações que compuseram o Consórcio cederam recursos em proporções
desiguais, mas tinham igualdade de voto nas decisões, com exceção do MCT que não votava,
mas tinha direito a veto.
As atribuições pelo desenvolvimento tecnológico e a divisão de propriedade
intelectual estabelecidas entre os fornecedores de tecnologia especializados seguiram a
própria divisão de trabalho da indústria de bens de capital para usinas termo-elétricas, com a
diferença de que enquanto o setor de turbinas é maduro, o de gaseificação é um campo em
desenvolvimento dentro desta indústria.
Foi necessário desenvolver a tecnologia em duas frentes, a do sistema de gaseificação
e a da turbina. Para isso foi necessário contratar empresas do setor de bens de capital para
usinas termo-elétricas. Duas empresas escandinavas, a BIOFLOW e a TPS, foram incumbidas
de desenvolver o sistema de gaseificação, seguindo variantes tecnológicas distintas e em
competição uma com a outra. A TPS, empresa que apresentou a melhor solução para o
projeto, automaticamente habilitou-se para completar as atividades do contrato original e
também se qualificou para um futuro contrato que envolverá fornecimento de equipamentos.
Duas razões parecem ter concorrido para a contratação de mais de uma empresa. De um lado
a orientação da patrocinadora para que, sempre que possível, houvesse concorrência entre
empresas. Do ponto de vista tecnológico, havia incertezas sobre qual das duas linhas
tecnológicas seria a mais promissora, sendo considerado conveniente, então, contratar as duas
empresas.
Na outra frente, a GE, tradicional fabricante norte-americano de equipamentos
assumiu sozinha o desenvolvimento da turbina, pois nenhum outro fabricante interessou-se
em participar do Projeto. Sua tarefa era limitada à turbina, ao contrário de cada uma das
outras duas empresas que, responsabilizada pelo conjunto da tecnologia, tinham como
incumbência conjugar todas as partes – o próprio sistema de gaseificação, a turbina e vários
equipamentos complementares – cooperando separadamente com a GE. A GE teve êxito com
o desenvolvimento da turbina e consequentemente qualificou-se como futura fornecedora para
o Projeto.
Embora tenha havido uma tarefa comum - o desenvolvimento da tecnologia para uma
cadeia de geração de energia - ela foi subdividida em partes. Estas partes, embora acopladas,
foram claramente distintas, sendo a propriedade intelectual atribuída exclusiva e
separadamente a cada fornecedor de tecnologia.
A maior parte da gestão e da avaliação do desenvolvimento tecnológico foi conduzida
pelo Consórcio, cujas organizações assinaram acordos de confidencialidade com os
fornecedores de tecnologia. Os critérios de avaliação tecnológica foram estabelecidos em
comum pelo Consórcio e pelas empresas contratadas, sob coordenação do primeiro. O PNUD,
apesar de ter assumido a condição de contratante das empresas que desenvolveram a
tecnologia, não teve acesso a informações tecnológicas restritas, por não ser signatário dos
acordos de confidencialidade.
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MECANISMOS DE COORDENAÇÃO INTERORGANIZACIONAL DO WBP
Conforme pode ser visualizado na Figura 1, foi exercida coordenação simultaneamente
em dois níveis interorganizacionais. No nível do projeto como um todo, foi necessário
articular as patrocinadores, as organizações empreendedoras reunidas no Consórcio e as
empresas fornecedoras de tecnologia. Ao mesmo tempo, as organizações que compuseram o
Consórcio precisaram ser coordenadas entre si, e, entre as fornecedoras de tecnologia, várias
decisões e atividades específicas tiveram que ser ajustadas. As relações entre o GEF e o
PNUD não foram focalizadas nesta pesquisa.
Os mecanismos de coordenação interorganizacional constituíram uma rica amostra que
incluiu, além daqueles típicos de “mercados, burocracias e clãs” (Ouchi, 1996), relações
contratuais (Williamson, 1996a) e um conjunto de instrumentos integrativos (Ouchi e Bolton,
1988).
Os dois fornecedores contratados para desenvolver a tecnologia do sistema de
gaseificação (BIOFLOW e TPS) atuaram em regime de competição em um “mercado em
miniatura” (Williamson, 1996b) criado dentro do projeto. No WBP, duas empresas foram
contratadas, não com o fim de cooperarem entre si, mas para competirem pela apresentação
de uma melhor solução tecnológica. Trata-se de relação de concorrência similar à que, em
alguns casos, é promovida pela contratante principal no ramo de construção (Eccles, 1981). A
diferença é que enquanto no ramo de construção as empresas concorrem, por sua conta e
risco, antes de obterem o contrato, no WBP foi estabelecida uma competição contratual: a
própria concorrência fez parte do contrato de desenvolvimento de tecnologia.
Figura 1: Mecanismos de Coordenação da Fase II do WBP
Patrocinadoras
• GEF / PNUD
Empreendedoras
• Consórcio
Mercado
Contratos
Controle Burocrático
Controle de Clã
Instrumentos Integrativos
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Fornecedoras de
Tecnologia
• BIOFLOW
• GE
• TPS
A estrutura adotada no projeto assemelhou-se à de organizações geridas pelos próprios
profissionais (Scott, 1998). As atividades tecnológicas foram conduzidas pelo Consórcio e
pelos fornecedores de tecnologia, com grande autonomia em relação às patrocinadoras que,
no entanto, impuseram delimitação rígida de prazo e de orçamento. Entre o Consórcio e os
fornecedores de tecnologia vigorou relação próxima à “heteronomia” (Scott, 1998), uma vez
que os últimos escolheram suas respectivas estratégias tecnológicas mas foram submetidos a
acompanhamento e avaliação sistemáticos por parte do Consórcio.
Embora aparentemente com maior intensidade no interior do Consórcio, o controle de
clã, entre indivíduos, esteve presente também nas interfaces do Consórcio com o PNUD e
com os Fornecedores de Tecnologia. Trata-se de um “fenômeno interpessoal” cujo principal
ingrediente é a “qualidade da confiança mútua existente entre os indivíduos”, a base real da
“confiança que se diz existir entre as organizações” (Child, 1999, p. 163). Dentre as empresas
que disputaram pelo sistema de gaseificação, isto pareceu ocorrer com mais intensidade com a
TPS do que a BIOFLOW. Engenheiros que participaram de reuniões com estas empresas na
Europa afirmaram que, embora ambas tivessem pessoal técnico altamente qualificado, a
BIOFLOW era uma empresa “muito grande”, burocratizada e com caráter eminentemente
comercial enquanto a TPS era uma empresa nova, pequena e geradora de idéias. Havia na
TPS uma estrutura “mais caseira, uma relação muito mais direta” com o projeto. A TPS, a
empresa que veio a vencer a concorrência pelo sistema de gaseificação, manifestou maior
comprometimento com o projeto e menor rigidez na classificação de confidencialidade das
informações tecnológicas prestadas.
O Consórcio articulou-se através de um conjunto de instrumentos integrativos
composto de um Conselho Diretor, uma Gerência do Projeto, um Comitê Técnico e Grupos de
Trabalho. Um engenheiro do MCT ocupou a função de Diretor do Projeto, exercendo
articulações externas e participando das reuniões do Conselho Diretor. A coordenação da
parte executiva foi centralizada na Gerência do Projeto, ocupada por um engenheiro da
CHESF que cuidava para que as informações gerenciais tivessem ampla difusão. Esta última
característica veio a ser apontada pelo representante de uma das empresas como, talvez, a
principal responsável pela continuidade do projeto.
Foi também criado um “Comitê Técnico”. Este instrumento não foi instituído, como os
demais, pelo acordo que criou o Consórcio, mas de forma indireta através da indicação dos
nomes dos profissionais que cada organização participante do Consórcio fez para assinar os
acordos de confidencialidade restrita. Criou-se, assim, um grupo, distinto do Conselho
Diretor, que pôde participar amplamente das reuniões com os fornecedores de tecnologia.
Com exceção de um engenheiro da Shell, sediado em Londres, todos os técnicos participantes
do Comitê Técnico tiveram assento no Conselho Diretor que, assim, tratava tanto de questões
técnicas como de negócios. Do lado do patrocínio, o representante do PNUD também
participava das reuniões do Conselho Diretor. O “organograma” contribuiu assim para
integrar, ao mesmo tempo, a rede como um todo e uma de suas partes, o Consórcio.
Os contratos estabelecidos com os fornecedores pelo PNUD tiveram características de
um contrato neoclássico, que recorre à intermediação de terceiros para resolução de
diferenças entre as partes, bem como elementos de um contrato relacional, em que a
coordenação baseia-se em estruturas bilateriais especializadas (Williamson, 1996a). Somou-se
ao papel de avaliador da tecnologia exercido pelo Consórcio, intermediando o PNUD e os
fornecedores de tecnologia, a presença, neste mesmo intermediário, de elementos estruturais
dedicados à própria relação, em especial o “Comitê Técnico”.
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CONCLUSÕES
A coordenação centralizada da rede bem como a separação do desenvolvimento
tecnológico e da divisão de propriedade intelectual entre os fornecedores de tecnologia são
comparáveis à estrutura encontrada nos empreendimentos de construção (Eccles, 1981). Por
outro lado, a cooperação entre o Consórcio e os fornecedores no estabelecimento de critérios
de avaliação da tecnologia, assim como a cooperação entre cada fornecedor responsável pelo
sistema de gaseificação e o da turbina, denotam a presença de compartilhamento de trabalho,
característica orgânica encontrada nas associações de P&D (Ouchi e Bolton, 1988; Evan e
Olk, 1990). A divisão de trabalho pareceu assim conter características entre mecanicistas e
orgânicas, entre a de associações de construção e a de associações de P&D.
No Projeto, que incluiu elementos de coordenação tais como contratos e outros típicos
de mercado, ao lado de um misto de controles burocráticos e controle de clã exercidos entre as
patrocinadoras e o Consórcio, e entre este e os fornecedores, a coordenação da rede também
pode ser caracterizada como híbrida e, da mesma forma, apresentando traços tanto de
associações de construção quanto de P&D.
Por apresentar características híbridas da divisão de trabalho e da coordenação, bem
como pela eliminação de um dos fornecedores de tecnologia de acordo com o desempenho
demonstrado no decorrer do projeto, o caso pareceu aproximar-se do modelo das redes
dinâmicas descrito por Miles e Snow (1996).
Embora a caracterização genérica de Baker (1992) inclua características orgânicas
fundamentais, como a rápida alocação de pessoas e recursos, ela parece oferecer um quadro
unilateral, não abrangendo importantes mecanismos de natureza burocrática estabelecidos
desde o início ou criados durante a própria implementação da rede aqui pesquisada.
Nota-se ter havido mútuo reforço de características orgânicas e mecanicistas no fato de
a participação de todos na definição dos critérios de avaliação da tecnologia ter conferido
credibilidade à aplicação da avaliação, de cunho mecanicista. Inversamente, esta credibilidade
foi fator motivador para que houvesse cooperação na cessão de informações, ao menos por
parte de uma das fornecedoras de tecnologia. Assim, no hibridismo encontrado, observa-se
não apenas uma mera justaposição de mecanismos de diferente natureza mas uma relação
dinâmica entre eles.
As incertezas da tarefa parecem estar correlacionadas com características orgânicas
presentes na estrutura interorganizacional do Projeto, como, por exemplo, a ampla
cooperação no estabelecimento de critérios de avaliação tecnológica. No entanto, observou-se,
simultaneamente, uma relação paradoxal. Na medida em que a competição contratual foi uma
estratégia para combater as incertezas, daí decorrendo a necessidade de avaliação tecnológica
individualizada para cada empresa concorrente pelo sistema de gaseificação, resulta que as
incertezas da tarefa contribuíram indiretamente também para a adoção de características
mecanicistas.
Além da duplicidade da natureza da tarefa – de desenvolvimento tecnológico e de
construção de uma planta - pode contribuir como explicação para o hibridismo estrutural
encontrado o fato de a fase do projeto focalizada neste trabalho ter sido a de implementação,
quando "as pessoas ou são designadas ou apontadas pelos sócios, sistemas são instalados e as
operações se iniciam" (Child, 1999). Estudos longitudinais abrangendo mais fases poderão
talvez produzir resultados que indiquem haver semelhança com os estágios de ciclo de vida
das organizações, que iniciam com estruturas orgânicas e evoluem no sentido de assumir
estruturas funcionais (Machado-da-Silva, Vieira e Dellagnelo, 1997).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SIGLAS E ABREVIAÇÕES
BIG-GT
- Biomass Integrated Gasification Gas Turbine
C&T
- Ciência e Tecnologia
CD
- Conselho Diretor
CHESF
- Companhia Hidro-Elétrica do São Francisco
CIENTEC
- Fundação de Ciência e Tecnologia
CVRD
- Companhia do Vale do Rio Doce
ELETROBRÁS - Centrais Elétricas Brasileiras S.A.
FT
- Fornecedor de Tecnologia
GE
- General Electric Co.
GEF
- Global Environment Facility
MCT
- Ministério da Ciência e Tecnologia
P&D
- Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico
PNUD
- Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
TPS
- Termiska Processer AB
WBP
- Brazilian Wood BIG-GT Demonstration Project
FASES DO WBP
Atividade
Período
Fase I
Fase II
Estudos Iniciais
Desenvolvimento da Tecnologia,
Engenharia Básica e
Preparação Institucional e Organizacional
Fase III Implantação da Usina
Fase IV Operação em Demonstração
Fase V Operação Comercial
Julho/1991 – Março/1992
Abril/1992 – Outubro/1997
Novembro/1997 – Fevereiro/2003
Março/2003 – Abril/2006
A partir de Maio/2006
Fontes: WBP (1994) e Carneiro Leão, Carpentieri, Cunha et al. (1995)
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ESTRUTURA INTERORGANIZACIONAL HÍBRIDA EM UM