VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física
II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física
Universidade de Coimbra, Maio de 2010
Análise da Evolução da Fragmentação da Paisagem com uso de
Geotecnologias na Sub-Bacia do Rio Claro, entre 1990 e 2008, Brasil
Central
Karla Maria Silva de Faria; Selma Simões de Castro
Instituto de Estudos Sócio Ambientais/ Universidade Federal de Goiás (Brasil)
[email protected]; [email protected]
Introdução
A Savana Neotropical brasileira, denominada no Brasil de Cerrado, é o segundo
maior bioma do país em área contínua, constituído por diferentes fitofisionomias
florestais, savânicas e campestres que recobriam originalmente uma área de 204,7
milhões de hectares, correspondente a cerca de 25% do território nacional. Esse bioma
foi alvo de desmatamentos intensos e indiscriminados nas últimas quatro décadas,
decorrentes da implementação da Revolução Verde, que resultou numa elevada
conversão das coberturas originais em usos agropecuários e numa progressiva
fragmentação da cobertura original, cujas unidades remanescentes podem apresentar
graus variados de conservação. Devido sua elevada taxa de conversão agropecuária de
habitats, impactos associados e elevado grau de endemismo, principalmente de
plantas, foi classificado como uma das 34 áreas prioritárias para a conservação da
biodiversidade mundial (hotspots) (Myres, et al., 2000; Mittermeier et al., 2004; Klink e
Machado, 2005).
Esse processo de degradação vem induzindo, portanto, à necessidade e prioridade
de monitoramento deste bioma, para auxiliar no planejamento, sugestões de políticas
para a conservação, preservação e desenvolvimento sustentável na sua área de
abrangência, em diferentes escalas, mas principalmente nas de detalhe, adotando-se
uma abordagem geoecológica que auxiliados por dados e imagens obtidas por
sensores orbitais, tratados em Sistemas de Informações Geográficas (SIG), possibilitam
avaliar a interação entre os diferentes elementos que compõem o mosaico da
paisagem, o que permite observar as causas e conseqüências da heterogeneidade
espacial ao longo de uma classe de escala espaço-temporal e ainda delimitar áreas
prioritárias para a conservação da biodiversidade.
A bacia do rio Araguaia, situada na porção sul do Bioma Cerrado, é representativa
dessas transformações sócio-econômicas e ambientais descritas, pois, apresenta altos
índices de antropização, que foram iniciados principalmente com o Programa de
Desenvolvimento do Cerrado (POLOCENTRO - 1975 a 1979), e substituído pelo
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Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais
Programa de Cooperação Nipo-Brasileira de Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER (1979 a 2002), que tinham como principal meta a incorporação rápida das terras ao
sistema produtivo primário, voltado para a exportação. Esta incorporação foi realizada
através de sucessivos desmatamentos da cobertura vegetal original (Castro et al.,
2004)
Faria e Castro (2007) ao analisarem o uso do solo e a evolução do total de
remanescentes e de suas diversas fitofisionomias, na Alta Bacia do rio Araguaia, no ano
de 2003, constataram que o processo de fragmentação do Cerrado não foi homogêneo
entre as sub-bacias que compõem a área, indicando que a sub-bacia do rio Claro,
situada na porção leste apresentava maiores índices de degradação e elevados índices
de antropização (75,5% ocupados por áreas antrópicas e 23,8% ocupados por
vegetação remanescente).
Cabacinha e Castro (2008) constataram, também no setor sul da Alta Bacia, notável
conversão das taxas de vegetação original em favor de usos para pastagens e
agricultura, mas que os fragmentos remanescentes, mesmo sob forte ameaça ainda
são passíveis de recuperação, devido ao seu grau de conservação e a proximidade com
o Parque Nacional das Emas. Em função disso, Castro, et al., (2004), propuseram a
criação de mini-corredores de recomposição ambiental.
A análise da paisagem, no entanto, deve reconhecer as mudanças através do
tempo, posto que a paisagem observada corresponde, em um dado momento, a um
estágio no qual os processos dinâmicos estão ocorrendo, não sendo óbvio o destino
dos elementos da paisagem. Portanto, qualquer estudo quantitativo das dimensões
corológicas da paisagem requer que o tempo ou as mudanças temporais sejam
considerados para compreender o relacionamento dos padrões aos processos naturais
e antropogênicos que os originaram ou para fins de prognóstico ambiental (Soares
Filho, 1998).
Como a maioria das paisagens é influenciada por ações antrópicas, o mosaico de
paisagens resultante é uma mistura de elementos naturais e antrópicos, que variam
em tamanho, forma e arranjo, o que possibilita a aplicação dos índices descritores da
paisagem ou métricas da paisagem na análise da estrutura da paisagem (Turner, 1990;
Felizola, 2004).
O objetivo deste trabalho foi, então, o de analisar os padrões da evolução da
fragmentação da paisagem na sub-bacia do Rio Claro, entre os anos de 1990 e de
2008, em nível de detalhe, para compreender a dinâmica de transformação da
paisagem na área.
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Área de Estudo
A sub-bacia do rio Claro está localizada na porção leste da Alta Bacia do rio
Araguaia, em território goiano, entre as coordenadas geográficas 17º00’-17º30’S e
50º00’-52º00’W, drenando uma área de 12.062,18 km2 (Figura1). Sua área abrange
parcial ou totalmente 24 municípios, dentre os quais alguns bastante conhecidos como
Goiás, Iporá, Montes Claros de Goiás, Paraúna e São Luís dos Montes Belos, que
apresentam, conforme os censos agrícolas elevada produtividade agropecuária.
O relevo dissecado e aplainado dominando as classes de declividade entre 0 a 12%,
a variação litológica constituída, sobretudo de rochas do embasamento cristalino
antigo, sobre o qual se desenvolveram principalmente os Neossolos Quartzarênicos e
Litólicos, Argissolos e os Latossolos, favoreceram a ocupação da área através da
substituição da vegetação nativa por atividades agropecuárias.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
disponibilizados pela Superintendência de Estatística, Pesquisa e Informação, do
Estado de Goiás (SEPIN), os municípios inseridos, total ou parcialmente na área,
apresentaram em 2007, um efetivo bovino de 1.727.600 cabeças de gado; uma
produção leiteira de 203.506 mil/litros de leite e, dentre os produtos agrícolas,
destacaram-se a produção de arroz, cana-de-açúcar, soja, banana e milho, sendo que
este último cultivo representou, no ano seguinte, de 2008, 149.415 toneladas, o que
configura os municípios dessa área de estudo como de elevada produtividade agrícola.
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Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais
Figura 1 – Mapa de Localização da Sub-Bacia do Rio Claro.Fonte: Cartas Topográficas do
IBGE.
Métodos
A análise do processo de fragmentação da área foi realizada com base na utilização
de geotecnologias disponibilizadas em Sistema de Informações Geográficas (SIG),
através do software SPRING – Sistema de Processamento de Informações
Georreferenciadas (Câmara et, al., 1996) e na análise espacial dos fragmentos
remanescentes com base do software ArcGis 9, usando a extensão V-LATE (Vectorbased Landscape Analysis Tools Extension) em formato vetorial (ESRI, 2006).
Os mapeamentos de uso e cobertura vegetal foram realizados através de
tratamento, análise e interpretação das imagens de satélite Landsat 5 TM, com
resolução espacial de 30m, espectral de 0,45-0,90 μm, discriminados nos seguintes
intervalos espectrais (azul - 0,45-0,52 μm, verde - 0,52-0,60, vermelho - 0,63-0,69 e IV
próximo - 0,76-0,90), obtidas no meses de agosto de 1990 e agosto de 2008 e
adquirida junto ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, tratadas para composição
nas bandas 5/4/3 (RGB), combinando técnicas visuais e digitais de sensoriamento
remoto e geoprocessamento, seguidas de validação em campo.
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Conforme Sano et al., (2008), as imagens de satélite Landsat apresentam-se como
produtos favoráveis para estudos da cobertura de uso do solo, pois apresentam
resolução espacial e temporal favorável aos mapeamentos e ainda são disponibilizadas
gratuitamente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE e ainda pela
Universidade de Maryland/USA.
A interpretação da imagem em escala de 1/50.000 e os trabalhos de campo
realizados em novembro/2008 e abril/2009, permitiram a identificação das fisionomias
do Bioma Cerrado presentes na área, adotando-se a nomenclatura proposta por
Ribeiro e Walter (1998): Cerrado Rupestre, Cerrado Denso, Cerrado Ralo, Campo
Limpo Úmido, Mata Seca e Mata Ciliar (sendo que nesta classe foram associadas todas
as fisionomias associadas aos córregos e rios da sub-bacia) e das classes de uso
antrópico, como Agricultura, Pastagem e Área Urbana. Foi possível identificar ainda, na
imagem LANDSAT, a classe de drenagem que corresponde a áreas de lagos,
reservatórios, canais de drenagem.
As métricas utilizadas neste estudo foram escolhidas em função do objetivo do
estudo, ou seja, uma quantificação adequada da fragmentação da paisagem. Neste
estudo foram usadas as métricas de área e quantificação do número de fragmentos
para analisar a dinâmica da paisagem.
Resultados e Discussões
Os mapeamentos de uso da terra e de remanescentes de cerrado da sub-bacia do
rio Claro elaborados para os anos de 1990 e 2008 (Figura 2) indicam o predomínio das
atividades agropecuárias na área e o processo de fragmentação da vegetação nativa.
Verifica-se (Figura 2 e 3) que já no primeiro ano analisado (1990) que as áreas
antrópicas (pastagens, agricultura e área urbana) já correspondiam a mais de 58,3% da
área de estudo e que em 2008, após aumento de cerca de 17 %, já correspondiam a
mais da metade da área com 75,8% da área, destacando-se o aumento das áreas
agrícolas (aumento de 4,59 % de áreas agrícolas), que passaram a se concentrar na
porção norte da área, onde predomina relevos planos. Trata-se, portanto, de uma
bacia bastante antropizada, o que em si já pode representar forte fragmentação e
influência nos remanescentes, que apresentaram no período analisado taxa de
conversão de 34,3%.
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Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais
Figura 3 – Gráfico comparativo de evolução do uso da terra e cobertura vegetal da subbacia do rio Claro.
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Figura 2 – Mapas de uso da Terra e cobertura vegetal da sub-bacia do Rio Claro, nos anos de 1990 e 2008.
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Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais
Além da redução em área, e também participação em área na sub-bacia, constata
que ocorreu aumento no número de fragmentos (NP), principalmente nas
fitofisionomias de Mata Ciliar e Cerrado Ralo (Tabela 1).
Tabela 1 - Quantificação das métricas da Paisagem
Métricas dos Fragmentos
(CA)*
1990
PLAND
(%)**
Campo Limpo
Úmido
5.270,04
1,0
642
2.476,67
0,9
255
Mata Ciliar
169.447,41
33,7
18.338
102.088,07
35,8
23.911
Cerrado Denso
Mata Ciliar
Inundável
184.847,31
36,8
14.108
50.825,84
17,8
11.867
9.914,67
2,0
24
6.759,00
2,4
157
Cerradão
14.315,67
2,8
145
6.372,16
2,2
130
Cerrado Rupestre
4.207,59
0,8
100
3.325,32
1,2
83
Mata Seca
20.698,56
4,1
306
12.015,72
4,2
914
Classes de uso
Vegetação Remanescente
Métricas dos Fragmentos
2008
NP***
(CA)
PLAND (%)*
NP**
93.611,70
18,6
3.939 100.915,58
35,4
4.009
Cerrado Ralo
Total dos
502.312,95
100,0
37.602 284.778,36
100,0
41.326
remanescentes
* área total da classe (medida- ha) **Em relação à área total dos remanescentes;** Número de
Fragmentos (NP).
As demais fitofisionomias apresentam queda em participação em área (CA e
PLAND). Destaca-se a conversão durante o período analisado da classe de Cerrado
Denso, que representou uma taxa de desmatamento de 19%, no entanto, como
demonstra a tabela 1, não ocorreu no período analisado aumento do numero de
fragmentos (NP) e sim diminuição, o que permite inferir que durante o processo de
conversão houve desmatamento dos fragmentos.
Ao se analisar a distribuição espacial e a evolução da fragmentação das
fitofisionomias remanescentes, constata-se que houve conversão da vegetação em
toda a área da bacia, inclusive em áreas naturalmente frágeis sob do domínio de solos
areníticos situadas na porção sul, onde localizam-se as nascentes do rio Claro. Com
exceção a fitofisionomia de Cerrado Denso e da Mata Ciliar/Galeria, as demais são
encontradas em áreas restritas, correspondendo geralmente a alguma particularidade
do meio físico (afloramento rochoso, declividade acentuada, tipo de solo), que, ainda
impede a incorporação da vegetação remanescente as atividades antrópicas.
Os dados analisados na forma de métricas e as observações em campo levaram a
supor a existência de um nível elevado de risco ambiental, determinado pelo baixo
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suporte à biodiversidade que se observa nas características físicas dos fragmentos
existentes, que são constantemente afetados pelas atividades antrópicas. No entanto,
ainda se faz é necessário uma análise geoestatísica das métricas estruturais para
melhor espacialização da dinâmica da paisagem, assim como identificação dos
aspectos legais dos remanescentes presentes na bacia, para a proposição de áreas
para restauração ambiental. São necessários no entanto, estudos mais detalhados
sobre o processo de fragmentação da área e testes com outras metodologías e
software para análise espacial.
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