conto final Colégio José Álvaro Vidal 2 NOVA VERSAO.doc
A BOLINHA DE ÁGUA
António e Maria dos Santos sentiam-se deprimidos e exaustos com a situação que os andava a
preocupar havia já alguns anos mas que viera a agravar-se de alguns tempos para cá.
Diariamente, estes debatiam com os seus vizinhos sobre o problema que afligia a aldeia: a falta
de água não só para regar os campos ou para dar água ao gado mas também para a vida
quotidiana. Havia cada vez menos água potável disponível e a Junta de Freguesia até já
distribuíra à população uns folhetos com algumas normas sobre o uso deste precioso líquido
quer a nível doméstico quer a nível agrícola. Basicamente, as pessoas eram alertadas para
determinados procedimentos que, embora pudessem não surtir efeitos imediatos, no seu
conjunto poderiam representar a diferença. A Junta de Freguesia divulgara que iria proceder a
cortes de água durante algumas horas do dia e apelava a que os consumos domésticos fossem
regrados. Banhos, lavagens de loiça e de roupa que envolviam normalmente muito consumo de
água, numa população descuidada, deveriam agora merecer grande atenção por parte dos
habitantes da localidade. O folheto alertava também para a vigilância do bom estado das
canalizações e torneiras como forma de evitar desperdícios. Contudo, o que mais parecia
consumir a população era a falta de água para regar os campos, para saciar as plantas que
eram, por sua vez, o sustento do gado e das pessoas da aldeia.
Ainda assim, toda a gente sabia que o cumprimento das indicações divulgadas pela Junta eram
importantes mas estavam longe de solucionar um tão grave problema que transcendia os limites
da aldeia e até mesmo os do país.
Passou, assim, a ser este o tema de conversa entre os vizinhos, durante as longas tardes de
Verão.
Um grupo defendia a instalação de um sistema de tubos para a microirrigação, uma das
inovações da irrigação agrícola.
- Mas, como funcionaria? – perguntara um dos vizinhos, curioso.
- Neste sistema usam-se umas mangueiras que conduzem a água até junto das plantas,
depositando-a próximo das raízes através de pequenos furos da mangueira. Assim, só se gasta
a água necessária.
- Eu, sempre que me é possível, rego apenas ao anoitecer. Ouvi dizer que assim, como já não
há muito calor, evapora menos água – explicou um dos vizinhos que tinha estado muito atento a
toda esta situação.
- O pior desses sistemas modernos é que são muito caros para gente tão pobre como a nossa! –
lamentou-se um dos vizinhos.
- Também se fala por aí do tratamento das águas, mas eu não percebi bem... – acrescentou
António que voltava, exausto, de mais um dia de árduo trabalho.
- Eu ouvi um senhor engenheiro que dizia que se as águas não forem bem tratadas, corre-se
algum risco. Falava da saúde pública... – salientou um dos vizinhos.
Muito alheio a esta situação, Filipe o filho mais novo do casal António e Maria dos Santos,
brincava no chão do seu quintal, com um sorriso de orelha a orelha espelhado no seu rosto
pueril. Tinha capturado uma pequena gota de água que saltara de folha em folha depois de sua
mãe ter regado as plantas com a água que aproveitara da lavagem das hortaliças para a sopa do
almoço. A água tinha lavado as plantas, que ficaram com as suas folhas muito brilhantes. Filipe,
entusiasmadíssimo, ficou a ver as gotinhas de água a escorrerem de folha em folha, fixando a
sua atenção particularmente numa dessas gotinhas que, deslizando, se junta devagarinho a
outras, formando assim uma “bolinha” maior.
Era isso mesmo que Filipe, com a sua ingenuidade própria de um rapaz de quatro anos
pensava. Brincou durante alguns momentos com a pequena “bolinha” de água, passando-a de
mão em mão.
Enquanto isso, os pais de Filipe já se tinham despedido dos vizinhos e tinham entrado em casa
para assistir a um grande debate televisivo. Como convidados deste debate estavam presentes
grandes cientistas portugueses, alguns empresários e elementos do governo e, entre os
assuntos a debater, estava a questão da água em Portugal e no resto do Mundo. Os cientistas
falavam de assuntos muito interessantes, muitos dos quais António e Maria desconheciam.
Falavam agora nas várias reuniões que tinham ocorrido com representantes de vários países,
nas quais se tinha discutido os problemas da poluição e as suas consequências a nível mundial,
dando como exemplo a Conferência de Quioto e a Cimeira em Joanesburgo. Falaram também
sobre os compromissos que alguns países assumiram em como iriam reduzir a emissão de
poluentes, mas que depois não cumpriram porque estavam mais interessados em ganhar
dinheiro do que em salvar o planeta. Depois de tanto debaterem sobre estas questões, falaram
de diversas experiências que vários cientistas têm vindo a realizar com o intuito de minimizar
alguns dos problemas que preocupam o mundo. Como exemplo, poder-se-ia apontar o
aquecimento global do planeta, a falta de água potável a nível mundial, entre outros.
António, o pai de Filipe, estava completamente fascinado com a descrição de uma investigação
que tinha sido levada a cabo por um grupo de cientistas e que tinha como objectivo a diminuição
da temperatura atmosférica. Esta experiência, que estava a ser referida no debate e que tinha
fascinado particularmente António, fora efectuada numa pequena porção do oceano perto da
Antártida, em 1999, e consistiu em estimular o crescimento das algas através da adição de
pequenas quantidades de ferro nas águas. Como o dióxido de carbono é um dos gases que
contribui para o efeito de estufa e, por conseguinte, para o aumento da temperatura atmosférica
e sabendo que se trata de um gás que tem facilidade em se dissolver nas águas, os cientistas
pensaram que ao fazer fotossíntese, as algas consumiriam parte do dióxido de carbono das
águas, o que permitiria que o dióxido de carbono que se encontrava na atmosfera fosse
gradualmente passando para as águas. António soube também que existiam riscos porque não
se conhecia quais os efeitos a longo prazo de uma fertilização dos oceanos, feita desta forma e
em longa escala. Os resultados poderiam vir a ser catastróficos, uma vez que o oceano poderia
vir a ficar poluído, provocando a morte de plantas e de peixes e ainda, quem sabe, causar pouca
acção sobre o dióxido de carbono atmosférico.
- Já viste, Maria… A partir de um elemento natural pode-se salvar outro elemento natural! – dizia
António entusiasmadíssimo à sua mulher.
- Pois, pois... Vamos ver se isso resolve alguma coisa... – responde-lhe Maria, um pouco
incrédula, mas com uma réstia de esperança.
O casal continua a assistir ao resto do debate...
- O quê?! Uma máquina de fazer chuva?! Mas, isto é a sério? Era o que nós estávamos mesmo
a precisar! - exclama António.
- Não há como negar! Estas pessoas são mesmo brilhantes! – afirma Maria que embora não
entendesse muito sobre o tema, se deixara fascinar pelo discurso proferido.
- Só é pena as atitudes passivas de alguns governos que permitem que algumas indústrias
continuem, irresponsavelmente, a poluir, contribuindo para o aquecimento global, para a
acumulação de lixos e para a contaminação das águas. Isso é que não pode continuar...– referiu
António, com alguma revolta no tom amargo da sua voz.
- Tens toda a razão! – concordou a esposa .
Lá fora, continuando alheio a toda esta situação que tanto afligia os que o rodeavam, Filipe
continua a brincar com a sua pequena preciosidade. Tal não foi o seu espanto ao descobrir que
a bolinha era mágica, pois quando a virava contra o sol, fazia aparecer o arco-íris, algo que o
fascinava desde sempre. Depois, um pequeno insecto pousou sobre a bolinha. Observou,
perplexo, que o insecto deslizava como se tivesse patins. Também descobriu que a bolinha fazia
“crescer” as todas as coisas que passavam por ela. O seu fascínio era cada vez maior…
Encontrara um tesouro que era só dele e que não queria partilhar com mais ninguém.
Após tantas descobertas, a mãe chamou-o para o jantar.
- Filho, a sopa está na mesa! Vem antes que fique fria...
Ao levantar-se, Filipe deixou cair a sua pequena bolinha no chão... A tristeza apoderou-se do
seu semblante. Pela face do menino rolou uma lágrima que deslizou sofridamente até cair no
chão. Juntou-se à sua bolinha e desapareceram, como que por magia, por entre a terra do
quintal. Teria ele perdido para sempre o seu tesouro?
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