Como e por que surgiu a ideia de se apresentar uma obra que faz referência aos regimes
opressores na América do Sul para as escolas públicas da Grande Florianópolis?
Letícia: Pensamos primeiro em uma atividade de extensão e no público que queríamos atingir.
Então optamos pelas escolas públicas porque acreditamos que são as que mais precisam desse
tipo de interação com a universidade e porque a UFSC já tem diversos projetos com escolas
públicas e privadas. Quanto ao tema, o mesmo foi sugerido por um orientando da Professora
Clarissa que conhecia o texto e sabia da nossa vontade de uma atividade de extensão nas
escolas públicas. E o tema casou muito bem com o momento de redemocratização e
consolidação dessa redemocratização em que vivemos.
Clarissa: Quando retornei do doutorado, fiquei um tempo em Porto Alegre. E participei de um
grupo sobre Justiça de Transição na PUC, onde há estudos bem importantes sobre ditadura,
democracia e transição para democracia. Então foi só nesse momento que tomei contato com
esse tema. Em relação à peça, estávamos pensando na sugestão do mestrando em Relações
Internacionais, mas só tivemos a coragem de implementar a ideia quando saiu um edital da
SeCult (Secretaria de Cultura da UFSC), em 2012, para apoio de ações de arte e cultura na
UFSC. Então decidimos unir a nossa vontade de fazer extensão universitária com elementos
artísticos que poderiam tocar e sensibilizar mais o público que gostaríamos de atingir - os
alunos de escolas públicas da Grande Florianópolis.
“Pedro e o Capitão” é um drama do uruguaio Mario Benedetti, escrito em 1979, que
apresenta o diálogo entre um torturador – o capitão – e um militante – Pedro. A obra incita a
reflexão sobre os regimes opressivos, uma vez que muitos países da América do Sul foram
marcados por ditaturas militares, entre eles o Uruguai, e Mario era também um militante e
esteve exilado em Buenos Aires e no Peru. Por que, então, a escolha desta obra, em
específico, para apresentar o grande tema “ditaduras militares” nas escolas públicas da
Grande Florianópolis?
Letícia: É muito importante conhecermos os autores latino-americanos. Primeiramente, tanto
nas escolas públicas, como aqui dentro da Universidade, às vezes as pessoas têm pouco
contato com a literatura latino-americana. E um ponto fundamental é resgatar o que está
próximo de nós, e fazer com que se conheçam autores que não são brasileiros, mas que são
dos países vizinhos e às vezes parecem estar tão distantes.
Clarissa: A obra nos sensibilizou muito quando lemos o texto. É uma obra forte, que apresenta
um diálogo forte entre Pedro e o Capitão, porque o torturado (Pedro) acaba torturando
psicologicamente o Capitão também. É uma obra densa, forte, que nos deixa tocados, que
serviria (e serve) para sensibilizar os alunos. Todos que leram se apaixonaram pela obra.
Quem são os alunos da UFSC que fazem as apresentações? São apenas os alunos do OIRÃ?
Clarissa: O OIRÃ é o grupo responsável pela apresentação. E todos podem participar do
mesmo. Todos os atores e diretores participam do grupo de pesquisa. Começamos o projeto
com um bolsista das Artes Cênicas da UFSC, que começou dirigindo a peça. Hoje ele já é
bacharel, mas continua trabalhando voluntariamente conosco. E todos os outros atores são
estudantes de Relações Internacionais, e alguns alunos do Direito começam também a atuar
agora.
As apresentações são feitas para alunos de todas as idades dos ensinos médio e
fundamental?
Letícia: Temos trabalhado apenas com alunos do ensino médio. E a ideia é sempre que
possível fazer um contato prévio com algum professor de disciplinas afins, história ou
sociologia, para tentar trabalhar o tema antes da apresentação da peça. Na última
apresentação contamos com a participação de um professor de Artes e foi muito legal a
maneira como ele interviu e ajudou no diálogo com a turma. Fica mais fácil porque os
professores já conhecem os alunos e o ambiente. É importante quando temos esse apoio.
Letícia: É importante falar que apresentamos também para alunos do curso de Direito do
CESUSC, que não é o foco do projeto. Apresentamos também, a primeira vez, para os alunos
da UFSC. A ideia é disseminar o projeto de modelo de extensão.
Clarissa: Pensamos em fazer para o ensino fundamental, mas a peça é bem forte e tem cenas
de violência. Imaginamos que isso poderia chocar os alunos mais novos, por isso
estabelecemos uma barreira de idade. Inclusive tivemos o apoio de uma psicóloga que leu a
obra e apontou alguns trechos que poderiam ser minimizados e não apresentados na íntegra
para evitar qualquer trauma, devido à idade dos alunos.
Como se incita o debate entre os alunos após a encenação? Tendo em vista a carência das
disciplinas de História em discutir com mais afinco e mostrar a verdadeira face e
consequências da ditadura militar no Brasil para seus alunos, este é um tema que desperta
curiosidade entre eles?
Letícia: Nós sempre nos colocamos a disposição caso eles queiram vir até a UFSC, para
conhecer a universidade, ou participar de uma forma mais direta do projeto. Então sempre
deixamos essa porta em aberto. Mas a continuidade nós esperamos dos professores nas
escolas. A gente desperta a curiosidade e deixa o espaço aberto para os professores
continuarem o trabalho.
Clarissa: Nós fazemos um debate após cada apresentação. E todos os alunos são convidados a
dar sua opinião sobre a peça. E temos uma linha condutora do debate, lançando perguntas
para os alunos. E como a Professora Letícia falou, vários professores participam. E eles
também acompanham o tema e acabam levando isso para a sala de aula. É verdade que
poderíamos pensar em alguma continuidade em uma escola específica. Mas até agora nossa
prioridade foi levar “Pedro e o Capitão” para o maior número de escolas e alunos possível.
Estamos começando a conceber um projeto de extensão pra 2015 e talvez possamos nos
aproximar de uma dessas escolas e fazer um trabalho de continuação.
Escolhemos escolas públicas e de zonas de periferia, porque o curso de RI da UFSC e outros
cursos já fazem trabalhos com escolas privadas aqui de Florianópolis. E preferimos privilegiar
essa ideia de escola pública, e para escolas mais periféricas como Ribeirão da Ilha, Monte
Verde e também na Palhoça.
Nosso objetivo, desde o início, foi trazer essas comunidades distantes para perto da UFSC e
levar nossos alunos pra conhecer a periferia do lugar onde eles moram. Nossos alunos serão
diplomatas e embaixadores, e eles têm que conhecer a realidade social do local e do país onde
eles moram.
Quantas escolas já foram contempladas com o projeto?
Clarissa: O projeto começou em abril de 2013. Traduzimos, adaptamos e ensaiamos a peça. E
as apresentações, de fato, começaram em agosto. Já tivemos 11 apresentações em 11 escolas
no segundo semestre de 2013 e agora, em 2014, já temos duas.
Qual a reação dos alunos em relação à peça? O tema desperta a curiosidade deles?
Letícia: É um tema que sempre desperta a curiosidade. Mas é difícil o debate inicial, fazer a
plateia participar, por conta da timidez. Mas nós percebemos que as apresentações mexem
com as pessoas e causam impacto. E como é um tema polêmico, nossos alunos tentam
relacionar o que é trabalhado na peça com questões atuais também. Como os casos de
manifestações do ano passado, vários casos de tortura e de repressões policiais. E isso acaba
trazendo mais os alunos para o debate. Alguns participam mais, outro menos.
Clarissa: Nós notamos que a peça é um instrumento muito importante pra despertar a atenção
dos alunos. Se fosse uma palestra, a gente perderia fácil a atenção deles. Mas durante a peça,
mesmo alunos bem distantes (quando apresentamos pra muitos alunos), mesmo aqueles que
estejam mais longe do palco, prestam atenção, levantam-se pra ver. Nós podemos ver que eles
estão prestando atenção. Não estão usando celular, nem nada. O uso de elementos artísticos
e de cultura facilita muito o trabalho dos temas que a universidade quer abordar. Nós fazemos
dois tipos de apresentação. O primeiro tipo nas salas de aula, pra um público menor, umas 40
pessoas. E o segundo tipo nos auditórios das escolas, reunindo três ou quatro turmas. Quando
apresentamos nas salas de aula, a participação no debate é muito maior porque são menos
alunos, todos mais próximos aos atores. Quando são mais turmas, eles ficam mais tímidos na
presença de outros alunos.
Quais são as perspectivas do projeto pra 2014?
Clarissa: Nossa agenda está cheia. Temos uma lista de escolas em espera para apresentar a
peça. E sempre surgem pessoas interessadas nos chamando e nós vamos onde os contatos nos
levam. Tentamos fazer duas ou três apresentações por mês. Mas agora estamos com problema
de logística, causado pela dificuldade da greve. A verba da SECULT para transporte este ano é
executada pela PRAE. E, em decorrência da greve dos TAE’s, a PRAE não nos atende e nós não
temos transporte. Então estamos com dificuldade de conseguir carros e carona para ir até as
escolas fazer as apresentações. Mas a ideia é manter as apresentações até o final de 2014.
O OIRÃ conta com outros projetos de mesmo cunho?
Clarissa: A ideia do OIRÃ é trabalhar com pesquisa e extensão. E conseguimos trabalhar
apenas com um projeto de extensão por vez. Extensão entendida sob o ponto de vista de
Paulo Freire, de interação/contato com a sociedade. Extensão trabalhosa no sentido logístico.
Mas todos os membros do OIRÃ têm projetos de pesquisa, e trabalham com temas vinculados
à cooperação na América Latina. E o nosso objetivo é fazer um mapeamento de médio prazo,
três ou cinco anos, de políticas públicas regionais que são construídas a partir da cooperação
na América Latina. E a questão do resgate da memória dos períodos militares faz parte desses
projetos de cooperação. É um processo compartilhado por diversos países da América Latina.
O fato de haver um projeto de extensão e aproximadamente vinte de iniciação científica nos
toma todo o tempo.
Letícia: As reuniões do OIRÃ acontecem nas quartas-feiras às 18h na sala 301 do CCJ.
Clarissa: Nós tentamos aliar pesquisa com extensão no OIRÃ. E isso dá bastante trabalho. Mas
já vemos os frutos desse trabalho. Os membros do grupo gostam muito do projeto de
extensão. Eles aprendem muito com os debates. Eles sentem vontade de continuar com o
projeto. E nós percebemos, de um ano pro outro, a evolução da redação e das técnicas de
pesquisa dos alunos que fazem iniciação científica desde cedo. As monografias e dissertações
desses alunos são/serão mais bem estruturados. Então a ideia do OIRÃ é tentar espalhar essa
semente.
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Como e por que surgiu a ideia de se apresentar uma obra