Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial III, 1401-1404 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X Utilização do Teste Kolmogorov-Smirnov para estudos de proveniência sedimentar Applying the Kolmogorov-Smirnov Test to sedimentary provenance studies L. Albardeiro1*, C. Gama2, M. F. Pereira1, M. Chichorro3 Artigo Curto Short Article . © 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP Resumo: O teste estatístico Kolmogorov-Smirnov (K-S) utilizado com dados de geocronologia de zircão foi aplicado a um estudo de proveniência sedimentar de diferentes litologias existentes na zona do Cabo de Sines (praias e arribas litorais), com o objetivo de testar as suas capacidades discriminativas, tendo permitido: i) definir a contribuição sedimentar das rochas que constituem as arribas; ii) realçar a existência de diferentes ciclos sedimentares; e iii) destacar diferenças entre a areia holocénica das praias e as rochas sedimentares e ígneas que constituem as arribas, cuja origem pode ser justificada por outras fontes ainda não identificadas. Palavras-chave: Zircão, Geocronologia U-Pb, Fontes sedimentares, Ciclos sedimentares. Abstract: The statistic test Kolmogorov-Smirnov (K-S) used with zircon geochronological data was applied to a sedimentary provenance study of different lithologies outcropping in the Sines Cape vicinity (beaches and sea cliffs) with the objective of testing its discriminative capabilities, having allowed to: i) define what was the contribution of sedimentary rocks forming the sea-cliffs; ii) highlight the existence of different sedimentary cycles, and iii) emphasize differences between Holocene sands from the beaches and the sedimentary end igneous rocks from the sea-cliffs, whose origin can be explained by other sources not yet identified. Keywords: Zircon, U-Pb geochronology, Sedimentary sources, Sedimentary cycles. 1 Instituto D. Luiz e Universidade de Évora, Rua Romão Ramalho, 59, 7002554 Évora, Portugal. 2 Centro de Geofísica de Évora, Universidade de Évora, Rua Romão Ramalho, 59, 7002-554 Évora, Portugal. 3 Centro de Investigação em Ciência e Engenharia Geológica, Universidade Nova de Lisboa, 2829-516 Caparica, Portugal. * Autor correspondente / Corresponding author: [email protected] 1. Introdução e objetivos Os estudos de proveniência sedimentar têm por objetivo identificar e caracterizar as fontes a partir das quais se originaram os materiais que contribuíram para a formação de rochas sedimentares. Os minerais pesados são especialmente indicados para esta função, e particularmente o zircão, pela sua resistência à erosão e transporte podendo sobreviver a vários ciclos sedimentares, além de que é um geocronómetro robusto que pode ser utilizado para identificar as fontes que o originaram e a partir das quais foram transportados (Sircombe, 1999). Um método de analisar estatisticamente os dados radiométricos obtidos em zircões detríticos no sentido de identificar possíveis fontes é o Teste Kolmogorov-Smirnov (K-S). O objetivo deste trabalho é verificar de que forma é que os resultados do Teste K-S estabelecem relações de proximidade entre as amostras de rochas sedimentares e ígneas das arribas e a areia holocénica de praia, funcionando como ponto de partida para a identificação e interpretação das potenciais fontes sedimentares. Para tal apresentamos o resultado da aplicação do Teste K-S a populações de idade U-Pb de zircão (923 análises) extraídas de sienito Cretácico (2 amostras), de grauvaque Paleozóico (1 amostra), areia do Plio-Pleistocénico das arribas (6 amostras) e areia do Holocénico das praias do litoral (4 amostras) envolvente ao Cabo de Sines (Fig. 1). 2. Metodologia O Teste K-S é um teste não paramétrico e compara dois conjuntos de dados avaliando se são ou não significativamente diferentes, ou seja, se duas distribuições de idades de zircões detríticos provenientes de amostras diferentes poderão ter a mesma fonte inferindo assim a sua proveniência (DeGraaff-Surpless et al., 2003, Barbeau et al., 2009, Fernández-Suaréz et al., 2013). Definem-se duas hipóteses (Guynn & Gehrels, 2010): i) a Hipótese nula em que as duas distribuições são a mesma (fonte comum) e ii) Hipótese alternativa em que as duas distribuições não provêm da mesma população (fontes diferentes). A estatística do teste K-S é calculada utilizando: i) a ordenação dos valores de idade de zircão por ordem crescente; ii) a frequência acumulada das idades de zircão obtidas; e iii) a diferença entre a frequência acumulada das idades de zircão obtidas e a curva resultante se a distribuição da probabilidade fosse normal (Marôco, 2011). Os resultados produzem: i) uma representação gráfica para comparar a máxima diferença de probabilidade entre duas funções de distribuição cumulativa (máxima diferença vertical entre as duas 1402 L. Albardeiro et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial III, 1401-1404 curvas), D (Guynn & Gehrels, 2010); se o valor D é superior a uma distância crítica (definida pelo intervalo de confiança escolhido e pelo número de dados de idade que contribuem para a função cumulativa) o teste K-S falha e as duas distribuições não têm uma origem comum (Barbeau et al., 2009); no caso oposto não há evidência que as populações sejam diferentes (Guynn & Gehrels, 2010) e ii) um valor p (relacionado com o nível de significância) que traduz a probabilidade do D observado não estar relacionado com diferenças de idade mas com o “erro de amostragem” (variabilidade da amostra aleatória em relação à amostra total) (Guynn & Gehrels, 2010). O valor de p aceite para estudos de proveniência é 0,05 (Barbeau et al., 2009) correspondendo a um intervalo de confiança de 95% e neste caso: i) Se p>0,05, é pouco provável que as duas amostras sejam de populações diferentes; e ii) Se p<0,05, é provável que as duas amostras sejam de populações diferentes. Fernández-Suárez et al. (2013) recorrem a um intervalo intermédio de p entre 0,001<p<0,05 em que consideram existir ainda alguma relação de proximidade entre duas populações. Fig. 1. Geologia simplificada da área litoral envolvente ao Cabo de Sines (adaptada dos mapas geológicos 1:500 000, 1:200 000 e 1:50 000 que cobrem a zona). Os círculos a verde indicam os locais de amostragem. Fig. 1. Simplified geology of Sines Cape littoral area (adapted from local 1:500 000, 1:200 000 e 1:50 000 scale geological maps). Green circles identifies sampling spots. A separação de minerais pesados e a identificação e montagem dos grãos de zircão foi efetuada pelos procedimentos convencionais (Mange & Maurer, 1992). Utilizaram-se imagens de catodoluminescência para estudar a morfologia interna do zircão (Corfu et al., 2003) e para selecionar os alvos para posterior ablação laser e análise isotópica (detalhes do método geocronológico aplicado podem ser consultados em Pereira et al., 2013). O teste K-S foi aplicado ao conjunto de dados radiométricos usando o sistema isotópico U-Th-Pb com recurso ao programa informático disponibilizado pelo Centro de Geocronologia da Universidade do Arizona (Guynn & Gehrels, 2010). 3. Resultados A figura 2 mostra uma síntese da distribuição percentual das idades dos zircões datados em cada amostra. Verificase que as idades dos zircões detríticos se distribuem desde o Pré-câmbrico ao Cretácico, predominando o DevónicoCarbónico (38%) e o Neoproterozoico (26%). A amostra de grauvaque (ST-8) do Paleozóico apresenta apenas 1% de idades do Devónico-Carbónico. O sienito Cretácico praticamente não tem idades herdadas. As amostras de areia plio-pleistocénica da arriba da praia das Areias Brancas (AB-3 e AB-4) não têm zircão detrítico com idades mais recentes que o Carbónico. Uma amostra de areia plio-pleistocénica da arriba da praia do Norte (PN-2) possui 10% de zircão detrítico do Pérmico. A figura 3 apresenta os resultados do teste K-S para todas as amostras estudadas, e em que, a partir de p e D obtidos para todas as idades de zircão detrítico e ígneo, se mostra que: i) a amostra de grauvaque Carbónico (ST-8) é diferente das outras amostras (p<0,01); ii) as duas amostras de sienito (MS-4 e MS-5) têm p=1 e são muito similares; iii) as duas amostras de areia plio-pleistocénica da arriba da praia das Areias Brancas mostram semelhanças entre si (AB-3 e AB-4; p>0,05) e com a areia holocénica da mesma praia (AB1-2; p>0,05); iv) as amostras de areia plio-pleistocénica da arriba da praia do Norte (PN-1 e PN-2; 0,001<p<0,05) têm pouca semelhança entre si; v) na praia de S. Torpes, as duas amostras de areia plio-pleistocénica da arriba (ST-5 e ST6; p<0,01) são semelhantes entre si, mas apenas a ST-6 não é diferente da areia holócenica da praia adjacente (ST9; p<0,01); vi) a areia holocénica de praia amostrada mais perto do Cabo de Sines (ST-1; p<0,01) é diferente das outras amostras; vii) as amostras de areia holocénica de praia amostradas a norte do Cabo de Sines (AN-3/4 e AB1/2) não são diferentes da areia plio-pleistocénica colhida na arriba a sul do Cabo de Sines (ST-5 e ST-6; p>0,05) mas são distintas da areia holocénica da praia de São Torpes (ST-1 e ST-9; p<0,01); e viii) as duas amostras de sienito (MS-4 e MS-5) têm alguma afinidade com a areia holocénica colhida mais a sul na Praia de S. Torpes (ST-9; 0,001<p<0,05) mas são diferentes da areia pliopleistocénica das arribas estudadas (AB-3, AB-4, PN-1, PN-2, ST-5 e ST-6; p<0,01). Considerando o troço das curvas respeitante apenas às idades cretácicas pode verificar-se que: i) as amostras de sienito (MS-4 e MS-5) se aproximam apenas de uma das amostras de areia plio-pleistocénica da arriba da praia do Norte (PN-1), com a areia plio-pleistocénica da arriba da praia de S. Torpes (ST-5 e ST-6) e apenas com uma das amostras da areia holocénica da praia de S. Torpes (ST-9); ii) a amostra de areia plio-pleistocénica da arriba da praia do Norte (PN-1) tem apenas semelhança com uma das amostras de areia plio-pleistocénica da arriba de S. Torpes Teste Kolmogorov-Smirnov e proveniência sedimentar (ST-5) e uma amostra da areia holocénica da mesma praia (ST-9); iii) a amostra de areia plio-pleistocénica da arriba da praia do Norte (PN-2) só tem afinidade com a de areia holocénica da praia de S. Torpes (ST-1). Para as idades de zircão detrítico no intervalo Devónico-Pérmico verifica-se que todas as amostras têm afinidade entre si, embora esta seja menor entre a amostra de areia plio-pleistocénica da arriba da praia do Norte (PN-2) e, as areia pliopleistocénica da arriba e de areia holocénica da praia das 1403 Areias Brancas (AB-1/2, AB-3 e AB-4) e uma amostra de areia plio-pleistocénica da arriba de S. Torpes (ST-6). Finalmente, as idades de zircão detrítico mais antigas que o Ordovícico revelam que as amostras têm afinidade entre si. No entanto, a amostra de areia plio-pleistocénica da arriba de S. Torpes (ST-5) tem pouca afinidade com a amostra de grauvaque Paleozóico (ST-8) e com as amostras de areia plio-pleistocénica da arriba e areia da praia das Areias Brancas (AB-1/2 e AB-3). Fig. 2. Distribuição da percentagem de idades dos zircões pelos principais intervalos estratigráficos (de acordo com ISC-v2013/01) para cada uma das amostras estudadas. Estão também indicados o número de análises de zircão em cada amostra bem como o tipo de sedimento ou de litologia amostrada. Fig. 2. Zircon ages percentage distribution throughout the main stratigraphic intervals (according to ISC-v2013/01) for all studied samples. Also indicated are zircon data number for each sample as well as the sampled lithology or sediment type. Fig. 3. Resultados do Teste K-S elaborado para todos os zircões de todas as amostras. A tabela inclui entradas de valores da probabilidade p e da distância D (ver texto). O gráfico mostra a evolução no tempo da proporção cumulativa de cada amostra. Fig. 3. K-S Test results for all zircons in all samples. Table includes probability p values and distance D values (see text). The graph shows the evolution of cumulative proportion through time for each sample. 1404 L. Albardeiro et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial III, 1401-1404 4. Discussão e conclusões O teste K-S revelou que o sienito poderá ser a fonte da maioria os zircões de idade cretácica encontrados nas amostras de areia holocénica das praias e das areias pliopleistocénicas das arribas envolventes do Cabo de Sines. Mais ainda, permitiu constatar que pelo facto de as amostras de areia plio-pleistocénica da arriba da praia do Norte (PN-2) e da areia holocénica da paria de S. Torpes (ST-1) serem diferentes das restantes amostras, parte das idades cretácicas de zircão detrítico encontrados deverão ser provenientes de outras litologias do maciço de Sines que não foram amostradas e analisadas. Em relação ao grauvaque Carbónico (ST-8) da arriba da praia de S. Torpes o teste indica que a sua população de zircão detrítico é diferente das amostras das areias de praia adjacentes (ST-1 e ST-9). Este facto não deve excluir que os grauvaques não possam ser uma das potenciais fontes sedimentares da areia de praia e também da areia pliopleistocénica das arribas pois podem ter contribuído para as alimentar em conjunto com outras fontes fornecedoras de zircões pós-paleozóicos. De facto, a população de zircão detrítico da areia plio-pleistocénica das arribas da praia de S. Torpes (ST-5) por não ser diferente da população de zircão detrítico da areia holocénica de praia (ST-9) pode ser considerada como uma possível fonte sedimentar. No entanto, o mesmo não se verifica para a amostra de areia holocénica da mesma praia (ST-1) que foi colhida mais perto do Cabo de Sines, onde aflora na arriba o sienito Cretácico. A população de zircão detrítico desta areia holocénica de praia é quase exclusivamente constituída por idades cretácicas mas que não coincidem com as idades obtidas no sienito. Esta diferença assinalada pelo teste K-S poderá ser amplificada pela pouca representatividade de idades pré-cretácicas na amostra ST1 uma vez que foram apenas analisados 31 grãos. Assim, e apenas com base nos resultados do teste podem estabelecer-se e interpretar-se relações de proveniência entre amostras. Reconheceu-se que a areia holocénica de praia na envolvente do Cabo de Sines resultou de uma mistura de fontes associadas a mais do que um ciclo sedimentar. O sienito pode ser uma fonte primária para justificar parte dos zircões cretácicos existentes na areia de praia. Contudo, os zircões cretácicos também podem resultar da erosão da areia pliopleistocénica das arribas que teriam, a seu tempo, também sido alimentadas pelo mesmo maciço ígneo. A presença de zircões detríticos pré-cretácicos encontrados nas amostras de areia holocénica pode resultar de diferentes ciclos sedimentares. Podemos admitir que o grauvaque Carbónico e o sienito Cretácico foram fontes primárias num primeiro ciclo sedimentar relacionado com a deposição da areia plio-pleistocénica. Atualmente, tanto o grauvaque Carbónico e o sienito Cretácico como a areia plio-pleistocénica que constituem as arribas das praias na envolvente do Cabo de Sines, representam fontes de um segundo ciclo sedimentar associado à deposição da areia holocénica de praia. O objetivo de mostrar as potencialidades do teste e o tipo de interpretação que pode ser realizado foi demostrado, sem no entanto deixar de referir que a complementaridade de técnicas e métodos é uma maisvalia na interpretação e compreensão dos processos geológicos. Agradecimentos Este trabalho foi financiado pelos projectos FCT: GONDWANA-PTDC/CTE-GIX/110426/2009, GOLDPTDC/GEO-GEO/2446/2012 e ECOTRIS-EXPL/GEOGEO/1253/2013 (Portugal); L. Albardeiro agradece a bolsa de doutoramento FCT SFRH/BD/72581/2010. Referências Barbeau, D., Davis, J., Murray, K., Valencia, V., Gehrels, G., Zahid, K., Gombosi, D., 2009. Detrital-zircon geochronology of the metasedimentary rocks of north-western Graham Land. Antarctic Science, 22, 65-78. Corfu, F., Hanchar, J., Hoskin, P., Kinny, P., 2003. Atlas of Zircon Textures. In: M. Hanchar, P.W.O. Hoskin, (Eds). Zircon. Reviews in Mineralogy and Geochemistry, 53(16), 469-500. DeGraaff-Surpless, K., Mahoney, J., Wooden, J., McWilliams, M., 2003. Lithofacies control in detrital zircon provenance studies: Insights from the Cretaceous Methow basin, southern Canadian Cordillera. GSA Bulletin, 115, 899-915. Fernández-Suaréz, J., Gutiérrez-Alonso, G., Pastor-Gálan, D., Hofmann, M., Murphy, J., Linnemann, U., 2013. The EdiacaranEarly Cambrian detrital zircon record of NW Iberia; possible sources and paleogeographic constrains. International Journal of Earth Sciences, 103, 1335-1357. Guynn, J., Gehrels, G., 2010. Comparison of detrital zircon age distributions using the K-S Test, Arizona LaserChron Center., University of Arizona, https://sites.google.com/a/laserchron.org/laserchron/home (15-112013). Mange, M., Maurer, H., 1992. Heavy Minerals in Colour. London, Chapman and Hall, 147 p. Marôco, J., 2011. Análise estatística com o SPSS Statistics, 5ª Ed., Report Number, 990 p. Pereira, M., Ribeiro, C., Vilallonga, F., Chichorro, M., Drost, K., Silva, J., Albardeiro, L., Hofmann, M., Linnemann, U., 2013. Variability over time in the sources of South Portuguese Zone turbidites: evidence of denudation of different crustal blocks during the assembly of Pangea. International Journal of Earth Sciences, 103, 1453-1470. Sircombe, K., 1999. Tracing provenance through the isotope ages of littoral and sedimentary detrital zircon, eastern Australia. Sedimentary Geology, 124, 46-67.