Hortas orgânicas: mais que alternativa, um modo de vida de assentadas da Reforma Agrária Conduzido em sua maioria por mulheres, a experiência comprova que a Reforma Agrária dá certo e que a população do campo e da cidade só tem a ganhar. Postada em 6 de outubro de 2015 Em preparação à 1° Feira Nacional da Reforma Agrária, que acontece entre os dias 22 a 25/10, no Parque da Água Branca, em São Paulo, a Página do MST traz uma série de entrevistas, reportagens e artigos sobre experiências de produção agrícola nas áreas de assentamento, além do atual debate em torno da disputa entre dois modelos agrícolas para o campo brasileiro: o agronegócio vs a agroecologia. A vida de dezenas de famílias assentadas da Reforma Agrária no assentamento Santa Rita de Cássia II, localizado no município de Nova Santa Rita, na região Metropolitana de Porto Alegre (RS), ganhou novo sentido desde que conquistaram um pedaço de terra, em 2005, e começaram a investir na produção de hortas orgânicas. Conduzido em sua maioria por mulheres, que garantem renda e qualidade de vida às suas famílias, o tipo de cultivo comprova que a Reforma Agrária dá certo e que a população do campo e da cidade só tem a ganhar quando incentiva a democratização da terra e a produção de alimentos livres de venenos. Inseridas num objetivo coletivo, onde a terra cumpre com a sua função social, garante vida digna às famílias assentadas e o compartilhamento de suas conquistas com a sociedade, as hortas estão hoje entre os principais pilares que firmam a permanência dos trabalhadores e trabalhadoras do assentamento no campo. Marli começou a produção de orgânicos por causa do meio ambiente e da população. Este é o caso de Marli Lopes Pereira, 47 anos, natural do município de Planalto, na região Norte do RS. Ela esteve na condição de acampada por seis anos em Arroio dos Ratos, até que em 2005, junto a dezenas de famílias, realizou seu sonho de conquistar um lote, onde mora com o esposo e cinco filhos, e investe na produção de hortaliças orgânicas. “Logo no primeiro ano de assentada comecei a lidar com a produção sem o uso de veneno, mas somente um ano depois, quando acessei incentivos, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), é que a minha horta começou a dar certo”, explica a assentada. O trabalho de Marli na horta é diário, e com o apoio da família e a assistência que recebe da Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos (Coptec) do MST, ela também produz para a comercialização na Feira de Nova Santa Rita. “Logo que foi criado o assentamento, eu e a minha família continuamos morando debaixo de uma lona preta até ter a nossa casa. Não tínhamos muitos incentivos, mas com o tempo nossa situação foi melhorando”, conta. “Na época, arrumei R$ 300 emprestado para poder produzir e comecei com um carrinho de mão fazendo a feira da cidade nas sextas-feiras e aos sábados. Depois, um vizinho adquiriu uma carroça e vendíamos nossos produtos com ela, até que consegui comprar uma camionete. Hoje tenho uma casa bem grande e consigo dar uma vida melhor aos meus filhos, graças à assistência da Coptec e à produção da horta”, continua Marli. A opção de Marli por orgânicos se deu pela conscientização de que é preciso preservar o meio ambiente e a natureza, e propiciar à sua família e à população uma vida mais saudável. “O ser humano é cruel, se ele puder desmatar, desmata; se puder botar veneno, ele bota; se puder destruir, ele destrói. E com a produção orgânica estamos tentando fazer a nossa parte, não poluindo, não destruindo. Eu quero passar esse ensinamento aos meus filhos, porque eu não vou durar para sempre, e desejo que eles continuem nessa missão”, disse. Ana Gisel Borba trabalha com horta orgânica há 10 anos, desde o seu primeiro ano de assentada Feira Orgânica de Canoas/RS No final deste mês, Marli começará a comercializar seus produtos na Feira Orgânica de Canoas, na região Metropolitana de Porto Alegre, junto à assentada Ana Gisel Borba, 37 anos, natural de Eldorado do Sul, que também trabalha com horta orgânica desde o seu primeiro ano de assentada. No lote de Ana a mão de obra é de casa: toda a família tem envolvimento. “Desde que cheguei aqui, eu nunca trabalhei fora, sempre na horta. Foi o que eu escolhi para mim e é dali que eu tiro o sustento da casa”, conta Ana, que hoje também comercializa sua produção por meio do PAA, PNAE e Feira de Nova Santa Rita. Os alimentos produzidos pela família de Ana estão em processo de certificação orgânica. Segundo ela, em torno de um ano devem obter o comprovante de produção livre de agrotóxicos. “Nunca tivemos a intenção de trabalhar com venenos, e como há demanda para produtos naturais, logo que assentados começamos a investir nesse tipo de produção. As pessoas preferem adquirir nossos alimentos que ir ao supermercado comprar, porque sabem que o que é produzido aqui não contém veneno. Isso é uma grande motivação para continuarmos apostando nos orgânicos e oferecendo à população produtos saudáveis”, complementa. Rodrigues comenta sobre o papel das mulheres de Nova Santa Rita estarem na linha de frente. Cestas orgânicas Gabriela Severo de Souza, 37 anos, natural de Rosário do Sul, na região Fronteira Oeste do RS, iniciou a sua produção na horta em 2006, um ano após ter conquistado seu pedaço de terra, também no assentamento Santa Rita de Cássia II. Numa área de 1 hectare, ela produz pepino, moranga, abóbora, alface, rúcula, beterraba, pimentão, repolho, brócolis, tempero verde, couve-flor, couve-folha e aipim, alimentos que também são comercializados por meio do PAA e PNAE e compõem cestas que são entregues à clientes na cidade de Porto Alegre. A assentada lembra que a proposta das cestas surgiu em 2010, a partir de debates em defesa das lutas sociais e possibilidades de economia alternativa. Hoje, ela entrega pelo menos 30 cestas, que são encomendadas pessoalmente, por telefone ou e-mail, a cada quinze dias no Ateneu Libertário A Batalha da Várzea, um centro de cultura social que envolve debates políticos e grupos de estudos, no bairro Azenha. “Quando entregamos as cestas debatemos com os consumidores sobre os modelos de produção e o que está sendo feito em relação às políticas públicas para o campo e os bens naturais. É um diálogo permanente, onde também tem espaço para a mística do MST e atividades de integração, confraternização e manejo”, argumenta Gabriela. Assentadas comercializam produção através do PAA, PNAE e Feiras. De acordo a assentada, a sua opção pela produção orgânica é fruto das jornadas de lutas da Via Campesina, vivenciadas enquanto acampada e assentada da Reforma Agrária, fator que contribuiu para o enraizamento de centenas de mulheres nesse tipo de cultivo. “A nossa tomada de consciência sobre a produção de orgânicos se dá através das lutas, onde obtivemos grandes aprendizados que fortalecem e reafirmam a possibilidade que temos hoje de tocar nossas hortas, permanecer na terra e assim criar os nossos filhos”, destaca. Para Gabriela, investir em cestas é uma das boas alternativas para garantir o sustento da família, obter renda e ainda levar qualidade de vida à população do meio urbano. “É uma forma justa e digna que nos permite se relacionar com um bom público, inclusive pessoas que hoje estão em outros em países, mas que já moraram em Porto Alegre e lá compravam nossos alimentos”, conclui. Assistência e comercialização Ana, Marli e Gabriela recebem assistência técnica da Coptec, que também trabalha com assentados e assentadas da Reforma Agrária em outros três assentamentos de Nova Santa Rita: Itapuí, Sino e Capela. Juntos, os quatro assentamentos possuem em torno de 60 hectares de hortas e 150 famílias estão envolvidas nesse tipo de produção. Deste total, 80 hortas já são reconhecidas como orgânicas, certificadas pela OCS-Coceargs, e outras 50 estão em processo de transição. 80 famílias entregam pelo PAA 33 tipos de produtos ou 247.304 quilos de alimentos. Os trabalhos de assistência e extensão rural acontecem por meio do acompanhamento técnico, social e ambiental junto às famílias, que recebem visitas de profissionais da Coptec pelo menos três vezes por ano. Organizadas no Grupo Gestor das Hortas, Frutas e Plantas Medicinais, as famílias assentadas recebem orientações que envolvem desde a formação, como cursos, dia de campo e seminários, até o plantio, certificação orgânica e comercialização. “O grupo das hortas é composto em sua maioria por mulheres. Somente em Nova Santa Rita cerca de 80% das famílias as têm na linha de frente na produção de hortaliças. Elas têm envolvimento desde o plantio até a comercialização e entrega”, explica Sandra Nunes Rodrigues, assistente social da Coptec. Segundo ela, as 150 famílias, a exemplo de Ana, Gabriela e Marli, comercializam a sua produção por meio do PAA, PNAE ou Feiras Orgânicas da Região Metropolitana de Porto Alegre. Ao todo, são nove pontos de vendas distribuídos na Capital e em Nova Santa Rita, e, a partir do dia 31 de outubro, a produção livre de venenos também chegará à Feira Orgânica de Canoas. Hoje, as 80 famílias assentadas que já possuem a certificação orgânica entregam através do PAA 33 tipos de produtos, entre eles alface, radiche, couve, espinafre, berinjela, beterraba, rabanete, rúcula, tempero verde e pimentão, totalizando 247.304 quilos de alimentos, que são entregues às três entidades beneficiárias. No total, a produção atinge 693 famílias e 2.588 pessoas. Ainda no PAA, as 50 famílias que estão em processo de transição da sua produção para orgânica comercializam 32 tipos de produtos, o que corresponde a 264.311 quilos de alimentos que também chegam à três entidades beneficiárias, 518 famílias e 2.074 pessoas. Já no PNAE, há 13 famílias que entregam hortaliças para escolas municipais e estaduais de Nova Santa Rita, além de outras quatro assentadas que abastecem instituições de ensino do município de Canoas. Serviço 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional Dias: 3 a 6 de novembro de 2015 Local: Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília Assessoria de Imprensa MST RS Por Catiana de Medeiros (55) 9910-3852 [email protected] Fotos: Daniel Piovesan A 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, ocorrerá de 3 a 6 de novembro, em Brasília/DF, sob o lema “Comida de verdade no campo e na cidade: por direitos e soberania alimentar”. Trata-se de evento estratégico onde estarão em debate questões como alimentação saudável, o uso de grotóxicos, os alimentos transgênicos, sobrepeso/obesidade, o acesso à terra e à água, entre tantos outros assuntos relacionados ao tema central. Informações: http://www4.planalto.gov.br/consea/eventos/conferencias/5a-conferencia-nacionalde-seguranca-alimentar-e-nutricional