Incidências da sexuação feminina na estrutura e na experiência do ciúme masculino1 Christiano Mendes de Lima2 Como ciumento, sofro quatro vezes: porque sou ciumento, porque me reprovo por sê-lo, porque temo que meu ciúme fira o outro, porque me deixo sujeitar por uma banalidade: sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum. (Barthes, 2003, p.69). Lacan nos esclarece que, para além das figurações contingentes do trauma na vida do falasser, o trauma é estrutural, pois é efeito da incidência do significante no corpo. Em outro tempo, também podemos pensar que o falasser se depara com outro trauma que advém da comparação imaginária dos corpos. As consequências psíquicas deste acontecimento se inscrevem na posição sexuada do ser e tem incidências na estrutura e na experiência do ciúme. Ciúmes masculinos Como afirma Brodsky (2011), o ciúme masculino pode ser pensado a partir do que Lacan sublinha em 1958 e em 1960 acerca do desdobramento do objeto erótico na mulher, pois “no mesmo homem ela exige dois, o portador do falo e o que, por não têlo, pode dá-lo no amor. Os ciúmes masculinos não se explicam por simples projeção da divergência de sua própria vida erótica, mas se deriva desta duplicidade a respeito do falo requerida pela mulher em seu partenaire; o fato de que ocasionalmente esta exigência se satisfaça com dois homens não acrescenta nada a sua infidelidade estrutural” (p.49). Na década de 70, no seminário 20, Lacan põe em evidência, a partir das fórmulas da sexuação, outro desdobramento na vida erótica da mulher. Trata-se de sua relação com o gozo. Assim, destaca que uma mulher se inscreve enquanto não-toda no que diz respeito ao gozo fálico, pois sua relação com este é contingencial. Portanto, há articulação contingente com o gozo fálico, mas também uma mulher se conecta com Outro gozo, gozo suplementar que não pode, por estrutura, ser compartilhado com o parceiro. 1 Trabalho apresentado no dia 22 de novembro de 2014 durante o XX Encontro do Campo Freudiano, em Belo Horizonte (MG). 2 Psicanalista, membro da Clínica Freudiana de Uberlândia (MG) e do CLIN-a, Instituto do Campo Freudiano. [email protected] A partir destas proposições, podemos pensar que o ciúme masculino se articula com estas duas duplicidades que operam em uma mulher: 1ª) a primeira se institui no que se refere ao campo do desejo e do amor. O amor que se realiza com o amante castrado e/ou com o homem morto e o desejo que se relaciona com a possibilidade de uma mulher encontrar o significante de seu desejo no corpo do homem. Assim, o homem tem que ser dois: o que deve dar o que não tem no registro do amor e o que deve dar o que supostamente tem (o falo) no campo do desejo. 2ª) a segunda duplicidade se realiza no campo do gozo, pois de um lado, há a relação contingente com o falo e, de outro a relação com o Outro gozo, suplementar. Esta última posiciona o homem como conector para que a mulher seja Outra para ela mesma tanto quanto para seu parceiro (Lacan, 1960/1998). Destas duas duplicidades, parece-nos decorrer alguns efeitos para o falasser que se inscreve do lado macho da sexuação. Destacaremos dois destes efeitos: 1º) No ciúme, o homem lê as duplicidades que operam no lado feminino a partir de sua própria posição na sexuação. Então, a duplicidade quanto ao gozo o faz supor que o gozo suplementar do qual ele sente não participar, posto que não é compartilhável com ele, porta algo que a mulher esconde. O ciumento lança-se na busca obstinada de saber o que ela experencia e de que ele está excluído. Sua posição na sexuação o faz supor que há ao menos um homem que deve ter acesso àquilo que a mulher esconde dele, ao menos um que tenha acesso e / ou produza na mulher este Outro gozo do qual nada sabe e do qual supõe que não participa. Assim, o homem ciumento lê a duplicidade do gozo feminino a partir de sua própria posição na sexuação. Esta posição o inscreve em uma relação logicamente necessária com a castração e com o falo a partir da suposição de que há ao menos um que não esteja submetido à castração (Lacan, 19721973/1985; Miller, 1998/2003). É este ao menos um que o ciumento vê nos homens que supostamente interessariam sua parceira. O ciúme, a partir da forma fetichista que implica as condições do amor no homem toma a forma de um ciúme sexual. 2º) Outro efeito no homem da duplicidade decorrente da sexuação do lado fêmea diz respeito à relação com a demanda de amor. Como esta demanda implica estruturalmente uma femilização do homem, já que aí ele é convocado na posição de amante castrado, o homem pode reagir a esta demanda procurando escapar dela. A castração de onde provém o amor pode ser lida imaginariamente como uma mortificação, posto que a demanda de amor pode entrar em ressonância com a figura do homem morto, cujo maior representante pode ser evocado no próprio Cristo. Assim, diante da demanda de amor o homem pode se angustiar, se irritar, se afastar, romper a relação. Na clínica com falasseres sexuados do lado macho, escutamos frequentemente certo temor quando o amor se perfila no horizonte da demanda feminina. Neste texto, examinamos a incidência da sexuação feminina na estrutura e na experiência do ciúme masculino. Ressaltamos que nos centramos na configuração que encontramos na neurose. O ciúme que aparece em algumas psicoses, especialmente na paranoia, não foi aqui abordado. Bibliografia BARTHES, R. Fragmentos de um discurso amoroso. São Paulo: Martins Fontes, 2013. BRODSKY, G. Síntoma y sexuación. In: Del Edipo a la sexuación. Buenos Aires: Paidós, 2011. LACAN, J. (1958). A significação do falo. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. ________. (1960). Diretrizes para um congresso sobre a sexualidade feminina. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. ________. (1972-1973). O seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. MILLER, J-A. (1998). A partilha sexual. In: Clique: Revista dos Institutos Brasileiros de Psicanálise do Campo Freudiano, n°2. Belo Horizonte: Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais, 2003.