Amazônia, Cerrado e Pantanal Amazônia, Cerrado e Pantanal Fotos da capa e contracapa: ONG Repórter Brasil / Divulgação Combate à devastação ambiental e trabalho escravo na produção do ferro e do aço Combate à devastação ambiental e trabalho escravo na produção do ferro e do aço Foto: Aldem Bourscheit/Arquivo Combate à devastação ambiental e trabalho escravo na produção do ferro e do aço Amazônia, Cerrado e Pantanal 1ª EDIÇÃO, JUNHO DE 2012 FICHA TÉCNICA Coordenação Geral Caio Magri, gerente executivo de Políticas Públicas do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social Michael Becker, coordenador do Programa Cerrado-Pantanal do WWF-Brasil Neylar Lins, diretora programática da Fundación Avina Coordenação Técnica Michael Becker, coordenador do Programa Cerrado-Pantanal do WWF-Brasil Pesquisa e investigação Marques Casara, diretor geral da Papel Social Comunicação Responsável pela pesquisa e relatório preliminar Leonardo Sakamoto, coordenador geral da ONG Repórter Brasil André Campos e Maurício Monteiro Filho, pesquisadores da ONG Repórter Brasil Responsáveis pela pesquisa e redação até o capítulo 10 Colaboração Juliana Strobel, coordenadora programática da Fundación Avina Tatiana Trevisan, coordenadora de políticas públicas do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social Paula Bernardi, assistente de políticas públicas do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social Mauricio Broinizi, coordenador da Rede Nossa São Paulo Revisão Aldem Bourscheit, comunicação do WWF-Brasil Radigia de Oliveira Design e diagramação Márcio Duarte, m10 design Foto: ONG Repórter Brasil/Divulgação SUMÁRIO 1APRESENTAÇÃO 2 6 Reunião com as empresas 11 Conexões Sustentáveis 12 PRESSÃO SOBRE A FLORESTA 13 Problema conhecido 16 3METODOLOGIA 20 4 CENÁRIO ATUAL 22 Donos do mercado 24 IMPACTO SOBRE OS BIOMAS 26 5 Fraudes27 6 7 Indústria da Ilegalidade 28 Condições dos trabalhadores 29 Terceirização dos problemas 31 Legislação trabalhista 33 Conflitos sociais e fundiários 34 PRODUÇÃO DE CARVÃO NO CERRADO 35 Crimes ambientais 36 Multas não pagas 37 Novas leis, velhos problemas 37 Os dilemas das florestas plantadas 39 Reflorestamentos de fachada 45 Uso de Terras Públicas 45 PRODUÇÃO DE CARVÃO NA AMAZÔNIA 47 Inversão de prioridades 49 O aço da devastação 51 Ferro-gusa52 8 Cadeia produtiva 54 O preço da devastação 56 PRODUÇÃO DE CARVÃO NO PANTANAL 57 Sinal de reaquecimento? 59 Ecossistema continental 60 Corrupção61 9 Siderúrgicas de Minas Gerais 63 O futuro do bioma 64 Cenário atual 66 Contrabando de carvão 66 PRODUÇÃO DE CARVÃO NA CAATINGA E NA MATA ATLÂNTICA 69 Minas: campeã de desmatamento 71 10 A CADEIA PRODUTIVA DO CARVÃO VEGETAL: ESTUDOS DE CASO 11 72 O tempo do carvão vegetal 74 1. Empresas – Cerrado e Caatinga 75 2. Empresas – Amazônia 85 3. Empresas – Pantanal 98 AÇO VERDE – BOAS PRÁTICAS PARA O USO DO CARVÃO VEGETAL EM PROCESSOS SIDERÚRGICOS 107 Os problemas do carvão mineral 109 A produção de aço verde 109 O caminho para as boas práticas 113 Recomendações do BNDES 117 Florestas plantadas e boas práticas na cadeia produtiva do aço 117 Boas práticas e união de esforços 120 Em busca do futuro sustentável 122 GLOSSÁRIO127 REFERÊNCIAS129 6 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O 1 • APRESENTAÇÃO Foto: ONG Repórter Brasil/Divulgação A P R E S E N TA Ç Ã O »7 O Brasil é o maior produtor mundial de carvão vegetal. A produção total em 2009 foi estimada em 10 milhões de toneladas e a de 2010, em 7,4 milhões de toneladas (BEN, 2011), conforme pode ser visto no Gráfico 1. Disso, aproximadamente 85% foi destinado ao setor siderúrgico. O uso significativo de carvão vegetal como combustível e agente redutor nos altos-fornos de redução de minérios de ferro, em substituição ao coque metalúrgico (proveniente do carvão mineral), é uma característica que diferencia o Brasil de outros grandes produtores de ferro-gusa e derivados. Segundo dados do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, enquanto os altos-fornos a carvão vegetal representam apenas 1% da produção de ferro-gusa no mundo, aqui eles respondem por cerca de um terço da produção total (ABM, 2008). A princípio, o uso do carvão vegetal apresenta vantagens em relação ao coque metalúrgico. O derivado de carvão mineral, além de ser um combustível não renovável, libera enxofre quando queimado, um gás nocivo para a vida humana, que pode gerar a chuva-ácida. Além disso, se no ciclo de vida do carvão vegetal houver o plantio das árvores, essas podem funcionar como fator de compensação à emissão dos Atualmente cerca gases de efeito estufa da queima nos altos-fornos, contribuindo para mitigar as mudanças climáticas de 60% do carvão globais (Morello, 2009). vegetal é proveniente Esse potencial de representar uma alternativa de florestas nativas mais sustentável que o coque metalúrgico, porém, é colocado em xeque pela realidade de desmatamento e exploração degradante do trabalho que marca parte considerável da produção de carvão vegetal no Brasil, como será visto em detalhes ao longo deste estudo. Por ora, basta citar que atualmente cerca de 60% do carvão vegetal feito aqui é proveniente de florestas nativas (Gráfico 1). Além disso, há destruição ambiental e ocorrência de trabalho análogo à escravidão mesmo nos casos das chamadas “florestas plantadas”, que os movimentos 8 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O sociais preferem denominar de “desertos verdes” (Repórter Brasil, 2011). O setor siderúrgico no Brasil se divide em dois grupos: as siderúrgicas integradas Dos 11,6 milhões (ou semi-integradas), onde além do ferrode m³ de carvão -gusa há produção de aço e outros subproprovenientes de dutos; e as siderúrgicas independentes, que monocultivos produzem exclusivamente ferro-gusa e são de eucalipto em também conhecidas como guseiras. Esse 2010, 66,2% chamado setor guseiro é o maior consumiforam consumidos dor de carvão vegetal. Dos 11,6 milhões de por siderúrgicas m³ de carvão provenientes de monocultivos independentes. de eucalipto em 2010, de acordo com o Anuário Estatístico da Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas (Abraf, 2011), 66,2% foram consumidos por siderúrgicas independentes. No Gráfico 1 percebe-se que, em 2008, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), dos 24,3 milhões de toneladas ferro-gusa produzidos pelas siderurgias integradas, apenas 2,1 milhões (8,6%) usaram carvão vegetal, enquanto o restante foi reduzido com coque metalúrgico. Já a produção das siderúrgicas independentes, de 8,3 milhões de toneladas de ferro-gusa, foi totalmente baseada no uso de carvão vegetal. Também no Gráfico 1 é possível notar que, apesar de terem produção menor, as guseiras são mais numerosas (em 2008, eram 89 siderúrgicas independentes, cerca de 80% das empresas do setor no Brasil). Elas estão divididas em dois polos, no gráfico identificados como Sistema Norte e Sistema Sul. O primeiro, mais conhecido como o Pólo Carajás, está localizado no Maranhão e no Pará e é o maior exportador nacional de ferro-gusa. O segundo, concentrado em Minas Gerais, mas com guseiras também no Espírito Santo e no Mato Grosso do Sul, abastece principalmente as aciarias do Sudeste. O histórico e a produ- »9 Foto: ONG Repórter Brasil / Divulgação A P R E S E N TA Ç Ã O ção desses dois polos serão vistos em detalhes em seções próprias, ao longo deste estudo. Por fim, neste panorama introdutório sintetizado pelo Gráfico 1, é importante destacar a problemática da origem da madeira para a produção de carvão vegetal. Em 2010, o consumo de madeira em tora brasileira proveniente de áreas plantadas de pinus e eucalipto foi de 169,1 milhões de m³ (Abraf, 2011). Cerca de 9,1% dessa madeira ou 15,4 milhões de m³ viraram carvão, o que representa apenas 40% do total consumido para produção de carvão vegetal, conforme destacado no Gráfico 1. Os 60% restantes, conforme já assinalado, vieram de florestas nativas, a quase totalidade delas desmatadas ilegalmente, já que menos de 1% do carvão vegetal produzido em 2010 usou madeira de manejo florestal sustentável (Gráfico 1). De acordo com Roberto Waack, da certificadora Amata, o Brasil possui quase 2 milhões de hectares de manejo madeireiro certificado, o que representa menos de 2% da quantidade necessária para suprir a atual demanda interna dos diversos setores e atividades consumidoras de madeira (que é de 100 milhões de hectares). GRÁFICO 1 • PANORAMA DA SIDERURGIA A CARVÃO VEGETAL Por Tasso Azevedo, com informações de: MDIC – Perspectivas do Setor de Ferro Gusa http:goo.gl/BRNlt MME – Anuário Estatístico do Setor Metalúrgico 2010 http://goo.gl/vv6mK ABRAF – Anuário Estatístico 2011– http://goo.gl/GPrw0 CGEE – Siderurgia no Brasil (2010 - 2025) – http://goo.gl/dOOya SINDIFER – dados das indústrias do setor de ferro gusa – http://goo.gl/ze34E BEN, 2011 A P R E S E N TA Ç Ã O » 11 Diante deste cenário, o presente estudo tem por objetivos: • Caracterizar e apresentar evidências de impactos ambientais e sociais de parte da produção de carvão vegetal no Brasil; • Demonstrar como a cadeia de produção siderúrgica vinculada ao ferrogusa contribui para este quadro de impactos; • Fomentar a participação do setor empresarial no desenvolvimento de uma cadeia sustentável de produção do ferro e do aço. O foto principal deste estudo são os biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal. Mas há também casos envolvendo a Mata Atlântica e a Caatinga. Foram pesquisados os polos siderúrgicos de Carajás, no Pará e Maranhão, de Minas Gerais e do Mato Grosso do Sul. Cadeias produtivas foram rastreadas: da produção de carvão em fornos clandestinos escondidos na mata às grandes indústrias, no Brasil e no mundo, que usam carvão obtido através da devastação ambiental e do trabalho escravo. REUNIÃO COM AS EMPRESAS A pesquisa teve início em 2010 e se estendeu por quase um ano. Cerca de 20 mil quilômetros foram percorridos na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal. Centenas de páginas de documentos foram analisadas. Relatórios de fiscalização federal, inquéritos policiais, procedimentos investigatórios do Ministério Público Federal e provas materiais foram apuradas e exaustivamente checadas pelas equipes da ONG Repórter Brasil e da Papel Social, realizadoras do estudo. A pesquisa é uma iniciativa do Instituto Ethos, da Rede Nossa São Paulo e do WWF-Brasil, com apoio da Fundación Avina. Essas organizações, após a apuração dos dados, convidaram as empresas para um diálogo onde foram apresentados os resultados preliminares do estudo e debatidas soluções para enfrentar os problemas encontrados. As reuniões aconteceram entre setembro e novembro de 2011 em São Paulo, com uma substancial participação de empresas, dentre elas as maiores do setor. Sendo assim, este relatório final apresenta o posicionamento das empresas que quiseram se manifestar. 12 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O Com o intuito de promover um diálogo multissetorial sobre esta problemática, antes mesmo da publicação deste estudo foram promovidas reuniões com as empresas atuantes na cadeia produtiva do aço. Como resultado, chegou-se a um compromisso inédito no país. As maiores empresas produtoras de ferro-gusa, de aço e de minério de ferro se comprometeram a unir esforços para erradicar a devastação ambiental e o trabalho escravo de suas cadeias produtivas. CONEXÕES SUSTENTÁVEIS A iniciativa Conexões Sustentáveis, lançada pelo Fórum Amazônia Sustentável e pela Rede Nossa São Paulo em 2007, serviu de inspiração para mobilizar as empresas a mudarem a forma como obtêm carvão para suas atividades siderúrgicas. O que se espera com essa pesquisa é que as empresas do setor siderúrgico, munidas de informações, adotem padrões de produção e regras de relacionamento que levem em conta o valor da natureza e do trabalho decente. Um sentimento de urgência está disseminado pelo mundo. Não é mais possível admitir que um produto indústrial seja fabricado mediante processos que incluam direta ou indiretamente devastação ambiental e/ou exploração indigna da mão de obra, em que trabalhadores são escravizados com o objetivo de baratear os custos de produção. O lançamento desta pesquisa é o primeiro passo. Agora, é a vez das empresas colocarem na mesa as suas práticas de responsabilidade social e se comprometerem mudar a realidade de parte da cadeia produtiva. O aço e o ferro entram nos materiais que a sociedade moderna precisa para viver: máquinas, automóveis, computadores, aeronaves, instrumentos médicos, celulares, produção de alimentos. Esta pesquisa mostra que erradicar a devastação ambiental e o trabalho escravo da cadeia produtiva do aço e do ferro é dar um importante passo para a construção de um mundo mais justo e ambientalmente sustentável. REFERÊNCIAS » 13 2 • PRESSÃO SOBRE A FLORESTA Foto: WWF-Brasil / Andriano Gambarini 14 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O O carvão entra na cadeia produtiva siderúrgica com as seguintes funções: 1 Alimentar os altos-fornos e gerar calor; 2 Ser misturado ao minério de ferro. A reação dessa mistura resulta no ferro-gusa e em outras ferroligas, utilizados na fabricação do aço e como matéria-prima em diversos outros segmentos indústriais (como fundições, autopeças, maquinários e eletroeletrônicos). Além disso, a escória siderúrgica, um subproduto importante dessa reação, é empregada na produção de cimento. O gráfico a seguir ilustra essa cadeia produtiva, desde a etapa em que o minério de ferro e os fundentes se juntam ao carvão para produzir ferrogusa e, depois, aço, até os usuários finais da indústria automobilística, construção civil, ferramentas e demais peças e motores. Foto: Sérgio Vignes / Papel Social Comunicação A P R E S E N TA Ç Ã O GRÁFICO 2 • CADEIA PRODUTIVA DO FERRO-GUSA A CARVÃO VEGETAL. Fonte: Adaptado de Minério de ferro (1) Machône et al (2005). Fundições Pelotas (1) Carvão Ferro esponja (2) Ferro gusa (2) Ferroligas (2) Sucata Aço bruto (3) Tijolos refratários Cadeia reserva Oxigênio Aços planos Aços longos Aços especiais Fundição Indústria automotiva Construção civil Ferramentas Motores peças Usuários finais Nota: adaptado de Machline et al. (2005) (1) Primeira fase, (2) Segunda fase, (3) Terceira fase » 15 16 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O Conforme já adiantamos, os principais problemas associados ao carvão vegetal no Brasil são: a origem da madeira e as condições socioambientais da produção. Toda madeira utilizada para fazer carvão provém direta ou indiretamente de florestas, plantadas ou naturais. O volume de florestas plantadas é insuficiente para atender a demanda do setor siderúrgico e, embora as florestas naturais possam ser manejadas de forma sustentável, a esmagadora maioria da madeira extraída destas florestas para fazer carvão é obtida de forma ilegal e por práticas diretamente relacionadas ao desmatamento e a degradação ambiental (ver Gráfico 1). Esta madeira de origem ilegal acaba em milhares de fornos, muitos deles clandestinos, com péssimas condições de trabalho e impactos socioambientais significativos associados às carvoarias abastecidas por plantações de eucalipto. Embora estes dois fenômenos possam ocorrer de forma independente, geralmente ocorrem de forma associada. Assim, o carvão vegetal obtido de forma predatória e ilegal acaba por contaminar uma extensa cadeia produtiva relacionada à produção de ferro-gusa. PROBLEMA CONHECIDO Na Amazônia, por exemplo, a produção de ferro-gusa com carvão do desmatamento e do trabalho escravo é conhecida pelo menos desde 2004, quando foi feita a primeira conexão entre carvoarias ilegais e grandes empresas produtoras de aço1. Na época, o problema mobilizou empresas e sociedade civil organizada. Foi lançada a Carta-Compromisso pelo Fim do Trabalho Escravo na Produção de Carvão Vegetal. A carta foi assinada por grandes siderúrgicas e entidades de classe como Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT). A criação do Instituto Carvão Cidadão (ICC), também em 2004, levou a importantes melhorias no monitoramento de empreendimentos dedicados à produção do insumo. As carvoarias cadastradas pelas empresas 1 Casara, 2004. P R E S S Ã O S O B R E A F L O R E S TA » 17 passaram por melhorias no que diz respeito ao cumprimento das leis trabalhistas. O lançamento do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, em maio de 2005, levou à implementação de políticas corporativas de combate ao trabalho escravo por empresas e organizações da sociedade civil. Produtoras de ferro-gusa, siderúrgicas e aciarias endossaram o acordo e assumiram o compromisso de adotar medidas para verificar suas respectivas cadeias produtivas. O problema, contudo, não foi resolvido. Usinas produtoras de ferrogusa aprimoraram os esquemas para obter carvão ilegal. Na Amazônia, por exemplo, há casos em que se passou a usar carvoarias “cadastradas”, aparentemente regulares, para ocultar esquemas de “lavagem” de carvão produzido de forma criminosa. Sem uma auditoria externa e independente, é impossível garantir a qualidade dessa cadeia produtiva2. DADOS EXCLUSIVOS Essa pesquisa apresenta novas conexões entre o carvão produzido irregularmente a partir de madeira de devastação ambiental e da exploração do trabalho escravo em diferentes grupos empresariais. No tocante à Amazônia, as evidências desta pesquisa vêm acompanhadas do aprimoramento de informações já conhecidas sobre o modus operandi que tende a perpetuar o esgotamento dos recursos naturais e a violação de direitos básicos. No que diz respeito ao Pantanal e ao Cerrado, a pesquisa apresenta dados que estabelecem a ligação entre o carvão ilegal e algumas das maiores siderúrgicas brasileiras e mundiais, com desdobramentos que se estendem por importantes setores da economia: automobilístico, autopeças, maquinários, construção civil. EMPRESAS E ACIONISTAS São muitos e variados os agentes implicados: desde companhias privadas que atuam propriamente no ramo da siderurgia, como Aços Villares, Cosipar, Gusa Nordeste e Mahle, até montadoras de veículos automotores 2 Casara, 2011. 18 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O do porte de Fiat, Ford, General Motors, Volkswagen e Peugeot, entre outras. Todas foram identificadas na cadeia produtiva de empresas associadas à produção de carvão ilegal. Em última instância, as conexões predatórias se estendem até aos acionistas, que investem (muitas vezes inadvertidamente) valiosos recursos em negócios que, mesmo com passivos ambientais e trabalhistas, têm capital aberto nas bolsas de valores. DESAFIO COLOSSAL O volume demandado de carvão vegetal pela indústria siderúrgica no Brasil impressiona. Tomando como referência que, para se produzir uma tonelada de ferro-gusa em altos-fornos a carvão vegetal são utilizadas 3,6 toneladas de madeira (esse valor médio varia conforme a espécie e a umidade da madeira utilizada), chega-se à estimativa de 31,3 milhões de toneladas a 50 milhões de toneladas de madeira consumidas na produção de carvão vegetal para as guseiras em 2009, e de 22,3 milhões de toneladas a 36 milhões de toneladas de madeira em 2010 (Gráfico 1). A variação se deve ao comparativo entre a produção de ferro gusa e a capacidade instalada de produção. Ou seja, se houvesse produção equivalente ao potencial instalado e considerando que o volume de origem sustentável seja o já disponível, o deficit seria bem maior. A demanda por madeira para produção de carvão vegetal a ser usado na siderurgia poderia ser bem maior, já que, para funcionar em plenitude, a capacidade instalada exigiria 54 milhões de toneladas de madeira por ano. A ociosidade no setor, porém, é grande, graças à situação macroeconômica desfavorável desde o fim de 2008. Em virtude da crise internacional e da valorização do Real frente ao dólar, grandes consumidores americanos e asiáticos substituíram parte do gusa brasileiro pelo produto oriundo de países como a Rússia e a Ucrânia, mais barato. Além disso, internamente, houve aumento nas importações de aço, o que contribuiu para a redução do consumo interno de gusa. Segundo dados do anuário estatístico da Abraf, em 2010 o Brasil utilizou apenas 1/3 da capacidade instalada de produção de ferro-gusa a carvão vegetal e somente 56% dos fornos funcionaram. No polo de P R E S S Ã O S O B R E A F L O R E S TA » 19 Carajás, maior exportador nacional, apenas 30% dos fornos foram ligados e a produção atingiu 59% da capacidade instalada. Em Minas Gerais, maior produtor nacional, metade dos fornos estavam desligados e a produção atingiu 41% da capacidade. A produção nacional independente, estimada pelo Instituto Aço Brasil (IABr), foi de 5,8 milhões de toneladas, 36% superior ao volume produzido em 2009 (4,3 milhões de toneladas) (Abraf, 2011). Os monocultivos de pinus e eucalipto já ocupam cerca de 6,5 milhões de hectares de norte a sul do país (Abraf, 2011). Ainda assim, a área total da silvicultura brasileira é pequena se comparada à da China (45 milhões) e a dos Estados Unidos (16 milhões). Por aqui, a região sudeste concentra 55,8% de todo o eucalipto plantado. Se adicionarmos os estados da Bahia, do Mato Grosso do Sul, do Paraná e do Rio Grande do Sul, essa proporção salta para 86,1%. Já o plantio de pinus concentra-se de forma esmagadora na região sul (79,8%). Mas a geografia da silvicultura brasileira está em transformação, com a incorporação de áreas mais distantes do centro-sul do país. Essas novas “fronteiras florestais” estão sendo incentivadas porque o preço das terras nos mercados consolidados cresceu. Em 2010, os estados que apresentaram os maiores índices de crescimento da área de plantios florestais foram o Mato Grosso do Sul (27,4%), Maranhão (10,2%), Tocantins (7,2%), Minas Gerais (6,7%) e Pará (6,4%) (Abraf, 2011). Apesar desse crescimento da área plantada com eucalipto, o déficit de madeira destinada à produção de carvão vegetal para ferro-gusa em 2010 foi de 700 mil hectares, se considerarmos um rendimento de 30m³/ ha / ano. Se o rendimento considerado for de 40m³/ ha / ano, o déficit estimado cai para 525 mil hectares. Considerando a demanda instalada e o tempo de crescimento até o corte dos eucaliptos, o plantio anual, apenas para atender à indústria siderúrgica, deveria ser de pelo menos 75 mil hectares a, idealmente, 342 mil hectares (Gráfico 1). Esta diferença na demanda leva em conta diferentes rendimentos dos plantios. 20 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O 3 • METODOLOGIA Foto: Sérgio Vignes / Papel Social Comunicação METODOLOGIA » 21 O estudo foi realizado a partir de visitas de campo em Brasília (DF), Montes Claros (MG), Rio Pardo de Minas (MG), Várzea da Palma (MG), Sete Lagoas (MG), Belo Horizonte (MG), Conceição do Pará (MG), Campo Grande (MS), Aquidauana (MS), Marabá (PA), São Luís (MA) e Imperatriz (MA), e suas regiões de influência, focando três tipos de localidades: 1 Alguns dos principais municípios produtores de carvão ligado a crimes contra o meio ambiente, trabalho escravo, conflitos sociais e fundiários; 2 Localidades onde se encontram as indústrias receptadoras deste insumo; Cidades onde estão situados agentes do poder público e organizações sociais que atuam no combate ao carvão ilegal, ou mesmo em outros âmbitos de interesse da atividade siderúrgica; Nestes locais foram feitas apurações in loco junto a pessoas e comunidades afetadas pela produção carvoeira. Foi investigado o seguinte: • Os impactos socioambientais decorrentes da produção de carvão ilegal e sua utilização pela indústria de ferro e aço; • Como se dá o escoamento da matéria-prima e de seus subprodutos oriundos de crimes ambientais, sociais e trabalhistas; • Quais os métodos de fraude, corrupção e burla utilizados para legalizar a produção clandestina. Os pesquisadores também tiveram acesso a documentos contendo informações relevantes ao tema: relatórios de fiscalização, ações civis públicas, inquéritos, procedimentos investigatórios, processos judiciais, documentos federais e estaduais etc. Também foram relevantes, para a materialização do estudo, outras informações sobre a cadeia produtiva do carvão obtidas pela ONG Repórter Brasil e pela Papel Social, oriundas de diversas investigações relacionadas ao tema. 22 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O 4 • CENÁRIO ATUAL Foto: Sérgio Vignes / Papel Social Comunicação C E N Á R I O AT U A L MAPA 1 • PRINCIPAIS POLOS SIDERÚRGICOS BRASILEIROS Fonte: WWF-Brasil » 23 24 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O Principal produto extraído do ferro-gusa, o aço representa 90% dos metais consumidos pela população mundial3. É comparado ao petróleo, em termos de presença na vida moderna. No Brasil, as aciarias se encontram em franco crescimento. As perspectivas externas e internas são favoráveis ao aço brasileiro. Oportunidades se abrem internamente com a manutenção dos índices de crescimento econômico. O mercado imobiliário, aquecido por programas como o “Minha Casa, Minha Vida”, os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a estrutura demandada no segmento de petróleo e gás com a exploração do Pré-Sal, a construção da infraestrutura necessária à Copa do Mundo de 2014 e às Olimpíadas de 2016, tudo isso ajuda a compor um cenário bastante promissor para as organizações do setor. Com a expectativa de que as empresas da cadeia produtiva do aço devem incrementar os seus negócios, podemos esperar que a pressão sobre os recursos naturais também seja intensificada, visto que o volume de carvão vegetal disponível é um item crucial para esse crescimento. DONOS DO MERCADO O segmento do aço no Brasil é controlado por 28 usinas, sendo que 13 integradas (a partir do minério de ferro) e 15 semi-integradas (a partir do processo de ferro-gusa com a sucata), administradas por dez grupos empresariais: ArcelorMittal, Companhia Siderúrgica Nacional, Thyssenkrupp CSA, Gerdau, Usiminas, V&M do Brasil, Votorantim Siderurgia, Villares Metais, Sinobrás e Aperam4. E, conforme já visto, há também o chamado setor independente, que produz apenas ferro-gusa e os vende às aciarias. As guseiras independentes são mais numerosas, cerca de 80% das empresas siderúrgicas existentes, mas sua produção é bem menos expressiva (Gráfico 1). Relatórios de agências de análise de risco, de corretoras e de especialistas no mercado do aço são unânimes em afirmar que as grandes corporações siderúrgicas estão em posição privilegiada no cenário mundial. Na lista de 3 Ministério da Educação, 2010 4 Instituto Aço Brasil (http://www.acobrasil.org.br/site/portugues/numeros/numeros--mercado.asp) C E N Á R I O AT U A L » 25 fatores positivos destacam-se o avanço tecnológico e o acesso privilegiado ao suprimento de matérias-primas, ou seja, minério de ferro e carvão. No jogo do mercado mundial do aço, os problemas socioambientais ainda são majoritariamente considerados efeito colateral. É o risco que se administra com os olhos no preço das commodities e no valor das ações. Tal contexto faz da siderurgia brasileira uma das mais competitivas do mundo. E uma das que mais cresce. Entre 2008 e 2009, a produção de aço bruto aumentou de 25,8 milhões de toneladas para 32,8 milhões. A expansão no período foi de 23,8%, bem acima dos 15% registrados em termos mundiais. Enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) nacional cresceu 7,5% em 2010, o setor de aço registrou crescimento de 10,5%5. E o cenário será ainda melhor em 2011. As empresas trabalham com previsão de 20% no crescimento de produção de aço bruto, chegando a 39 milhões de toneladas. Entre 2000 e 2009, o setor investiu cerca de US$ 20 bilhões, com prioridade para expansão das usinas, modernização e novas tecnologias. Até 2016, segundo o Instituto Aço Brasil, o investimento chegará a US$ 39,8 bilhões. Um estudo encomendado pelo Ministério de Minas e Energia e financiado pelo Banco Mundial projetou o crescimento da produção de ferro-gusa no Brasil até 2030. As projeções trabalharam com três cenários: a) institucional, tendo por base o crescimento da produção brasileira entre 2000 e 2007; b) normal, considerando a produção nacional de gusa entre 1980 e 2007; c) internacional, baseado na produção global entre 2000 e 2007 e na perspectiva de o Brasil manter a participação de 35% no mercado exportador mundial. Chegou-se, assim, respectivamente, a uma produção estimada para 2030 de: 20 milhões de toneladas (crescimento de 6,5%, cenário institucional), 15,5 milhões de toneladas (5,2% de alta, cenário normal) ou 27,5 milhões (8% de aumento, cenário internacional) (MME, 2009). Sem que mudanças nas práticas produtivas venham a ser adotadas, o consumo de carvão de origem ilegal tende a acompanhar essa demanda acelerada. Ou seja, a previsão representa um alerta tanto às organizações empenhadas na erradicação da escravidão contemporânea quanto àquelas que protegem a natureza e os direitos dos povos e comunidades tradicionais no Brasil. 5 IBGE, 2011. 26 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O 5 • IMPACTO SOBRE OS BIOMAS Foto: Sérgio Vignes / Papel Social Comunicação I M PA C T O S O B R E O S B I O M A S » 27 Existem quatro fontes legais possíveis para produzir carvão para a siderurgia: 1 Uso de madeira oriunda de florestas próprias, plantadas para esse fim; 2 Uso de madeira nativa legal, retirada de áreas com plano de manejo aprovado ou a partir de áreas com licença para desmatamento; 3 Coco ou casca de babaçu; 4 Resíduos de serraria e outros resíduos de atividades legais. FRAUDES No rastro da expansão da siderurgia, consolidou-se no Brasil um mercado de carvão produzido em pequena escala, pulverizado entre milhares de pequenos e médios fornecedores. Para instalar as carvoarias, os produtores precisam de licença do órgão ambiental estadual. Essa licença contém a comprovação da fonte de madeira a ser usada: o local do desmate e a quantidade de madeira que será retirada. Com esses dados, a secretarias estaduais de meio ambiente calculam o total de carvão que pode ser fabricado e vendido. Também monitoram o transporte, através de guias florestais federais ou estaduais que devem obrigatoriamente acompanhar a carga. Para que o negócio seja considerado legal, é necessário que o volume comercializado esteja de acordo com o montante de produção permitido. A legislação é clara nesse aspecto. Mas é descumprida, principalmente através do uso de documentos falsos e pagamento de suborno às autoridades. O setor criou uma ampla variedade de métodos para infringir a lei e dar ao carvão ilegal um verniz de legalidade. É o “esquentamento” de carvão. Ou simplesmente “lavagem” de carvão, como passou a ser denominada. A produção ilegal impacta fortemente a Amazônia, o Pantanal e o Cerrado. Mas a Caatinga e a Mata Atlântica também estão sendo afetadas de modo preocupante. 28 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O INDÚSTRIA DA ILEGALIDADE Os esquemas incluem, por exemplo, a venda “por fora” de carvão, acima da quantidade autorizada pela autoridade ambiental. Também é comum a reutilização de uma mesma guia florestais para justificar vários transportes entre a carvoaria e a indústria. A reutilização de documentos criou um mercado paralelo de guias, em que os produtores de carvão negociam entre si os documentos, de modo a produzir acima do permitido. Também é comum a participação de servidores públicos em atividades ilegais. São fiscais ou burocratas ligados a atividades internas das secretarias de meio ambiente. Trabalham a favor da ilegalidade de diversas maneiras. Aprovando, por exemplo, planos de manejo fictícios, às vezes em áreas onde não há sequer uma árvore para ser derrubada. Diversas investigações da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e da área de inteligência do Ibama levantaram provas que mostram que a corrupção está intimamente ligada à devastação ambiental e ao trabalho escravo na produção do carvão usado para fabricar ferro e aço. No caso do plano de manejo, a autorização de corte de madeira gera um crédito para o produtor, uma quantidade de árvores que ele pode retirar. Só que esses créditos, muitas vezes, são dados para áreas que sequer têm árvores em pé. Com isso, o produtor tem um crédito, mas não tem, de fato, a madeira. Ele pode vender esse crédito no mercado negro ou retirar de outra área. Quando o plano de manejo é fraudado, em geral os criminosos retiram árvores de outros locais, geralmente de áreas de preservação ou de terras indígenas. Usam o crédito para legalizar o desmatamento ilegal. A madeira retirada vai para beneficiamento e para produção de carvão. Em março de 2011, em um dos diversos casos do gênero, a superintendência do Ibama em Rondônia detectou transações suficientes para carregar mais de cem caminhões de carvão. O negócio foi feito entre duas indústrias, uma localizada em Rondônia e outra na Bahia. Ao fiscalizar a carvoaria que venderia o carvão, localizada em Buritis (RO), o Ibama constatou que ela nem sequer possuía fornos para produzir I M PA C T O S O B R E O S B I O M A S » 29 o carvão. A venda, de fato, foi apenas uma operação de fachada. Os papéis ligados à produção de carvão em Buritis foram vendidos para acobertar negócios envolvendo desmates clandestinos. Apesar do esforço de muitas empresas em só comprar carvão legal, os negócios à margem da lei são comuns nesse setor. Seguem regras e metodologias. Segundo investigações policiais, a Máfia do Carvão envolve, em alguns casos, até mesmo as cúpulas dos órgãos ambientais. É o que ocorreu, por exemplo, com o ex-diretor-geral do Instituto Estadual de Florestas (IEF) de Minas Gerais, Humberto Candeias Cavalcanti – que ficou à frente do cargo por sete anos, até 2009, quando foi afastado e posteriormente preso, acusado de envolvimento com a máfia. A prisão de Cavalcanti ocorreu em ação conjunta do Ministério Público e da Receita Estadual. Recaem sobre ele acusações de suborno, cancelamento de multas e acordos judiciais ilegais para beneficiar siderúrgicas produtoras de ferro-gusa. Beneficiado por habeas corpus, ele aguarda o julgamento em liberdade. CONDIÇÕES DOS TRABALHADORES Trabalhador em carvoaria clandestina. Foto: MTE / Divulgação 30 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O Em diferentes regiões brasileiras, a mão de obra que atua nas carvoarias é formada, em sua maioria, por trabalhadores pobres, despojados de meios de produção e que não possuem alternativas decentes de emprego e renda. Muitas vezes são migrantes com baixa escolaridade e que vivem de empreitadas – serviços temporários e “bicos” mal remunerados. Levados para trabalhar no meio do mato, exercem atividades perigosas e degradantes, como mostram as fiscalizações de campo realizadas pelo governo federal. São vítimas dos mais variados abusos, dentre eles o trabalho escravo. Entre 2003 e outubro de 2011, aproximadamente 2,7 mil trabalhadores foram libertados da escravidão na produção do carvão vegetal. São frequentes os casos de jornadas excessivas, alimentação insuficiente, alojamentos insalubres, enfim, condições degradantes de trabalho, além de formas de cerceamento da liberdade. Muitas vezes, os alojamentos são meros barracos improvisados. Além disso, há situações ainda mais graves, que envolvem o isolamento geográfico, a vigilância armada e a chamada “peonagem” por dívidas. Acontece quando o trabalhador é coagido a permanecer no serviço para pagar supostos débitos, cobrados ilegalmente, de alimentação, transporte ou outros. Quanto mais trabalha, mais está devendo. Tais abusos se enquadram no artigo 149 do Código Penal, definidos como “reduzir alguém à condição análoga à de escravo” – crime cuja pena vai de dois a oito anos de prisão. LISTA SUJA A Repórter Brasil realiza sistematicamente levantamentos sobre os ramos de atividade dos quais participam os empregadores arrolados na “lista suja” do trabalho escravo – cadastro mantido pelo governo federal com os empregadores flagrados incorrendo no crime. Em novembro de 2011, dos 246 empregadores presentes na lista, 57 estavam ligados à cadeia produtiva do carvão. De todas as atividades econômicas relacionadas na lista suja, apenas a pecuária bovina possui mais representantes do que o carvão vegetal. Por I M PA C T O S O B R E O S B I O M A S » 31 bioma, o número de libertações de trabalhadores em carvoarias é maior no Cerrado, seguido da região amazônica. Apesar de a maioria das situações de escravidão ocorrer no carvoejamento de matas nativas, também já houve resgates de trabalhadores em florestas plantadas. Um exemplo remete à empresa Reflorestar Comércio Atacadista de Produtos Florestais Ltda., com operações no Tocantins e fornecedora do setor siderúrgico. Em 2007, 21 trabalhadores aliciados pela companhia foram resgatados enquanto plantavam eucalipto na Fazenda Ouro Verde, localizada em Dois Irmãos (TO). Entre os clientes da Reflorestar, chegaram a figurar Fergumar e Ferguminas, que forneciam para grandes empresas siderúrgicas. Além do trabalho escravo, as condições nocivas à saúde, inerentes à produção de carvão, são outro foco importante de preocupação, pois o trabalho em carvoarias é, por sua natureza, insalubre. Acidentes com farpas de madeira, queimaduras, esforço muscular acentuado, além de muita fumaça, calor e fuligem, são alguns dos elementos comuns à atividade. Há diversos estudos, no Brasil e em outros países, que catalogam uma grande variedade de substâncias nocivas presente na fumaça dos fornos de carvão, situação que torna a mão de obra do setor especialmente suscetível a problemas respiratórios e a danos pulmonares. Por lei, o empregador é obrigado a fornecer Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), tais como máscaras, botas e luvas, equipamentos que minimizam os impactos. Muito frequentemente, isso simplesmente não acontece. Além disso, como as carvoarias estão em áreas de fronteira agrícola, os trabalhadores são vítimas de doenças parasitárias e de animais peçonhentos. A falta de água potável no ambiente de trabalho, realidade que vergonhosamente ainda persiste, é outro fator de risco para a saúde dessas pessoas. Não raro, os trabalhadores compartilham a água para cozinhar, beber, tomar banho e lavar roupa com bois e cabras. 32 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O TERCEIRIZAÇÃO DOS PROBLEMAS Denúncias sobre as péssimas condições de trabalho nas carvoarias brasileiras são antigas. Somente em Minas Gerais, nos últimos 20 anos, já foram instaladas três Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) para investigar o tema: em 1994, 1996 e 2002. Como consequência dessa pressão, desde os anos 1990 houve importantes avanços no cumprimento da legislação trabalhista. Isso ocorreu principalmente nas áreas de florestas plantadas controladas diretamente pelas siderúrgicas, ou em empresas coligadas aos seus grupos econômicos. No entanto, a maior parte do carvão ainda é produzida por produtores independentes, seja em áreas de eucalipto ou de vegetações naturais. É justamente entre os terceirizados que ocorrem os maiores problemas ambientais e trabalhistas. A mais recente CPI realizada pela Assembleia Legislativa mineira, em 2002, já apontava o problema. A investigação também mostrou que os funcionários contratados diretamente pelas siderúrgicas, para produzir carvão, viviam em condições muito melhores do que os funcionários de empresas terceirizadas. Além disso, por diversas vezes, auditores fiscais relataram diligências em carvoarias cujos donos claramente não possuíam idoneidade financeira para bancar o negócio. Essas situações geram suspeitas de que eles atuavam como “laranjas” das indústrias, interessadas em criar Foto: ONG Repórte Brasil / Divulgação I M PA C T O S O B R E O S B I O M A S » 33 uma blindagem contra passivos trabalhistas e ambientais, transferindo o problema para pessoas que não têm muita coisa a perder. Chama a atenção o fato de já terem sido flagrados, em empresas carvoeiras supostamente “independentes”, apoio técnico e logístico direto das siderúrgicas, seja na instalação dos fornos artesanais, os chamados “rabo quente”, ou no transporte do carvão. Também existem ocorrências de trabalhadores em situação degradante e vestindo uniformes cedidos pela usina compradora da produção, contendo inclusive o emblema da companhia. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA A própria legalidade da terceirização da atividade carvoeira é tema de muita controvérsia. Na falta de legislação específica sobre o tema, a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que proíbe empresas instaladas no país de terceirizarem suas atividades-fim, tem sido utilizada por auditores fiscais do trabalho para questionar esse tipo de prática. Em casos de trabalho escravo, argumentando que as indústrias de ferro-gusa possuem necessidade vital de carvão, a fiscalização de campo tem estabelecido, quando é possível rastrear o destino da produção, vínculo empregatício direto entre as siderúrgicas e os trabalhadores libertados. Por conta dessa realidade, uma quantidade considerável de siderúrgicas passou pela lista suja do trabalho escravo desde sua criação, em novembro de 2003. São elas: Brasil Verde Agroindústrias Ltda. (2008 – datas de inclusão), Calsete Empreendimentos Ltda. (2007), Fergumar Ferro gusa do Maranhão Ltda. (2006), Indústria e Comércio de Ferro gusa União Ltda. (Cofergusa) – 2006, Itasider Usina Siderúrgica Itaminas S/A (2007), Libra Ligas do Brasil S/A (2010), Rotavi Industrial Ltda.(2010), Siderúrgica Gusa Nordeste S/A (2006), Siderúrgica Marabá S/A (Simara) – atual Sinobras – (2007), Siderúrgica do Maranhão S/A (Simasa) – (2006) e Viena Siderúrgica do Maranhão S.A (2005). Praticamente todas as listadas são siderúrgicas produtoras de ferrogusa, havendo apenas duas fabricantes de ferroligas: Rotavi Industrial Ltda. 34 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O e Libra Ligas do Brasil S/A. Das empresas citadas no parágrafo acima, apenas essas duas últimas e a Cofergusa permaneciam no cadastro na data de publicação deste estudo. Exceto a Libra, cujas operações estão em Banabuiú (CE), todas as demais empresas integram o Pólo Carajás ou no polo mineiro. CONFLITOS SOCIAIS E FUNDIÁRIOS Nas últimas décadas, para além dos impactos ambientais e trabalhistas, a expansão da atividade carvoeira também trouxe uma série de prejuízos a diferentes comunidades tradicionais. O cenário de conflito social ocorre, por exemplo, na Mata dos Cocais6, onde o acesso ao coco babaçu é motivo de brigas entre quebradeiras de coco e carvoeiros. Ou na Caatinga, cada vez mais presente na rota de produção de carvão para o polo siderúrgico mineiro7. No Cerrado a conjuntura não é diferente. A partir da década de 1970, com base em incentivos fiscais, intensificou-se a expansão das florestas plantadas para abastecer a siderurgia, notadamente em terras do norte de Minas Gerais. Desde então, se tornaram constantes os atritos entre as empresas reflorestadoras e as comunidades de agricultores familiares, que se autodenominam “encurralados pelo eucalipto”, grupos paulatinamente cercados e engolidos pela monocultura e suas consequências. Também são muitas as queixas sobre erosão, deterioração do solo e córregos que simplesmente secaram após a instalação de reflorestamentos em determinadas áreas. Nesse contexto, ficam prejudicados os plantios de subsistência, a manutenção dos animais e o próprio abastecimento pessoal daqueles que são vizinhos das plantações de eucalipto. Tal cenário está intimamente ligado a tensões regionais e disputas por recursos naturais que já levaram inclusive à morte de um trabalhador rural no município de Boicaiúva.8 6 A Mata dos Cocais é um bioma intermediário à Caatinga e à Mata Atlântica, situado parcialmente no Maranhão, Piauí, Pará e Tocantins. 7 Sobre esse tema, leia também a retranca “Caatinga e Mata Atlântica”. 8 Mais informações no item “Assassinato nas plantações da V&M do Brasil”. REFERÊNCIAS » 35 6 • PRODUÇÃO DE CARVÃO NO CERRADO Produção ilegal de carvão em Cristalina (GO) flagrada pelo Ibama em setembro de 2009 Foto: Wilson Dias/ABr Foto: Agência Brasil 36 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O O Cerrado é um dos principais biomas fornecedores do carvão usado para produzir ferro e aço no Brasil. Suas matas começaram a abastecer as carvoarias há mais de um século, quando foram implantadas as primeiras fundições no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais. Hoje, o polo siderúrgico mineiro é o maior do país, com mais de 60 indústrias. Com a expansão do parque siderúrgico brasileiro nas últimas décadas – e o consequente aumento da demanda por carvão – cresceu também a área produtora. No Cerrado, o carvão é produzido em fazendas localizadas em diversos estados, como Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás e Tocantins. Em alguns casos, o produto percorre mais de mil quilômetros da carvoaria de origem até seu destino final: a siderúrgica. A implantação de siderúrgicas fora de Minas Gerais, como Espírito Santo e o Mato Grosso do Sul, também colaborou para intensificar a pressão sobre as matas nativas do bioma Cerrado, que já perdeu aproximadamente metade da sua cobertura vegetal original. CRIMES AMBIENTAIS O Cerrado é o bioma brasileiro com maior taxa proporcional de desmatamento. Entre 2002 e 2008, perdeu 7,5% de sua cobertura vegetal remanescente9. Não por acaso, é um dos locais mais atingidos pela exploração ilegal de carvão. A produção predatória de carvão pode ser verificada, por exemplo, pelas sistemáticas autuações aplicadas pelas autoridades ambientais nos últimos anos. Em junho de 2008, por exemplo, o Ibama multou, em mais de R$ 400 milhões, 60 aciarias, guseiras e produtoras de ferroligas localizadas em Minas Gerais, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul. Na ocasião, foi identificado um consumo de 800 mil m³ de carvão irregular, o que corresponde a 4.000ha de eucalipto plantado10. É um volume capaz de ocupar mais de 10 mil caminhões carregados. A maior parte desse carvão era procedente de propriedades localizadas no Cerrado. 9 Centro de Sensoriamento Remoto – Ibama, 2008. 10 Um ha de eucalipto plantado produz 200 m³ de carvão (Itamaraju, 2010) P R O D U Ç Ã O D E C A R VÃ O N O C E R R A D O » 37 Em março de 2010, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) realizou a Operação Corcel Negro. Foram embargadas 33 empresas, entre siderúrgicas e transportadoras, quase todas envolvidas em crimes ambientais e trabalhistas praticados no Cerrado. Foram cerca de R$ 275 milhões em autuações, relativas a ilegalidades identificadas em 14 estados. MULTAS NÃO PAGAS A eficácia das operações de fiscalização esbarra na complexa tramitação dos processos administrativos relacionados às infrações ambientais. As autuações do Ibama precisam ser julgadas em duas instâncias dentro do governo federal e, além disso, são frequentemente contestadas na Justiça. O resultado das autuações dificilmente resulta em pagamento de multa, o que amplia a impunidade relacionada a crimes ambientais. Relatório do Ibama mostra que, entre 2005 e 2010, apenas um montante irrisório das autuações aplicadas pelo órgão nos diferentes seguimentos econômicos haviam sido de fato pagas: 0,75% do total de multas resultaram em pagamento por parte das empresas11. NOVAS LEIS, VELHOS PROBLEMAS As indústrias siderúrgicas que usam carvão vegetal deveriam, de acordo com a legislação brasileira, investir no plantio de florestas próprias, de modo a suprir suas necessidades de carvão. Tanto no Cerrado quanto em outros biomas, a monocultura do eucalipto é a principal alternativa encampada pelo setor produtivo para tentar atender a demanda existente. De 2000 a 2009, segundo dados da Associação Mineira de Silvicultura (AMS), cerca de 57% do carvão vegetal consumido no país veio de áreas plantadas. Mas pairam dúvidas sobre esse percentual. É importante ressaltar ainda que momentos de desaquecimento econômico tendem a reduzir a demanda pelo insumo, aumentando a participação dos estoques de florestas plantadas no total utilizado. 11 Agência Estado, 2011 38 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O Donas de maior capacidade de investimentos, as chamadas indústrias “integradas” – ou seja, as aciarias, cuja produção de ferro-gusa destinase ao consumo próprio para a fabricação de aço – possuem hoje os maiores estoques florestais. Apesar de responderem, segundo a AMS, por apenas 14% do consumo de carvão vegetal no país, entre 2000 e 2009, o segmento plantou nesse mesmo período, em Minas Gerais, os mesmos 350 mil hectares cultivados pelas guseiras. Sendo que estas são responsáveis pelo uso de 70% do carvão fabricado. Importante ressaltar que essas aciarias, além de produzirem seu próprio ferro-gusa com florestas plantadas, também compram o ferrogusa das chamadas usinas independentes, que usam carvão ilegal. São, portanto, corresponsáveis pelos problemas apresentados na cadeia produtiva do carvão. Na esteira do discurso preservacionista, o governo mineiro sancionou, em setembro de 2009, alterações em sua lei florestal. Para serem autorizadas a funcionar no estado, novas empresas devem comprovar que usam no máximo 5% de carvão proveniente de florestas nativas do estado de Minas Gerais. O parque indústrial restante, instalado antes da promulgação da lei, fica limitado a um consumo máximo de 15% de mata nativa, devendo atingir os mesmos 5% até 2018. A lei, contudo, não trouxe restrições ao carvão proveniente de florestas localizadas em outros estados. Essa falha estimula a migração do problema para outras regiões do bioma. Apesar dos avanços no papel, há queixas sobre falta de transparência no cumprimento dos novos limites. Para a Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente (Amda), a renovação das licenças ambientais de siderúrgicas deveria estar condicionada à apresentação de informações sobre a origem do carvão, evidenciando assim a conformidade com a lei – algo que, no entanto, não tem acontecido. Além disso, até março de 2010 as empresas deveriam entregar ao Instituto Estadual de Florestas (IEF) um cronograma anual de plantios mostrando como pretendem cumprir tais metas, dados que ainda não foram apresentados. P R O D U Ç Ã O D E C A R VÃ O N O C E R R A D O » 39 A desconfiança remete a um longo histórico de medidas não cumpridas quando o assunto é a origem carvão vegetal. Em 1991, Minas Gerais já havia aprovado a lei 10.561/91, que fixava um cronograma de oito anos para as indústrias locais se tornarem autônomas na produção do insumo. O cumprimento dessa demanda, no entanto, foi postergado e, por fim, abandonado após mudanças na legislação. Vale lembrar que o próprio Código Florestal brasileiro, aprovado em 1965, determina um prazo máximo de dez anos para as siderúrgicas garantirem seu suprimento de carvão vegetal a partir de florestas próprias para a exploração racional. Em agosto de 2010, devido ao generalizado descumprimento dessa diretriz, a Justiça Federal acatou um pedido dos Ministérios Públicos Federal (MPF/MS) e Estadual (MPE) do Mato Grosso do Sul, que impediu o Ibama de emitir guias de transporte do carvão nativo oriundo desse estado para quaisquer siderúrgicas com mais de uma década de atividade no Brasil. Um mês depois, no entanto, uma liminar judicial derrubou a medida. OS DILEMAS DAS FLORESTAS PLANTADAS O monocultivo de espécies florestais, especialmente do eucalipto, é hoje encampado por diversos atores do setor público, da iniciativa privada e da sociedade civil como a salvação dos biomas para os dilemas da siderurgia movida a carvão vegetal. No entanto, a prática está muito longe de ser unanimidade. Existe intenso e apaixonado debate sobre os impactos socioambientais da monocultura de eucalipto. Quando o assunto é reflorestamento, ainda há gargalos técnicos e de ordenamento socioeconômico, especialmente em um cenário de aceleração dos plantios em larga escala para atender às demandas do setor produtivo. Os atores contrários às chamadas florestas plantadas no Brasil – parte deles reunidos na Rede Alerta contra o Deserto Verde, que congrega dezenas de organizações ligadas a grupos indígenas, quilombolas, movimentos sociais e ambientalistas –, afirmam que a cultura do eucalipto, nos locais em que é implantada, traz perda de biodiversidade, contaminação 40 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O por agrotóxicos e grande consumo de água, secando o solo, os córregos e os rios. Tal realidade estaria por trás de casos em que, após receber o eucalipto como vizinho, pequenos produtores tiveram suas atividades inviabilizadas, o que resultou no desmantelamento de comunidades tradicionais e no êxodo rural12. Essa temática é polêmica. Existem estudos que qualificam de mito alguns desses problemas, assim como existem estudos que relatam o desmantelamento de comunidades, ressecamento de rios e outras consequências socioambientais. Essa discussão está presente no relatório “Deserto verde – Os impactos do cultivo de eucalipto e pinus no Brasil”, produzido em 2011 pela Repórter Brasil, do qual extraímos alguns pontos relevantes. Em 2010, a iniciativa Diálogo Florestal encomendou o estudo “A silvicultura e a água – Ciência, Dogmas, Desafios” ao professor Walter de Paula Lima, do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP). O cientista concluiu que “é possível e viável integrar, de forma sustentável, as florestas nativas, com as florestas plantadas e a produção agrícola”, ou seja, trabalhar em sistema de consórcios. Ele também considerou um mito a ideia de que a floresta plantada é sempre maléfica, assim como a de que a floresta nativa é sempre benéfica para a conservação dos recursos hídricos. De acordo com Lima, se mal manejadas, ambas podem causar problemas. Outro fator destacado pelo pesquisador foi o tamanho das plantações. Baseado em outros estudos, Lima sustentou que se as plantações florestais ocuparem até 20% da área da microbacia hidrográfica em que ela se localiza, não há impactos significativos sobre os recursos hídricos. O problema é que, não raro, esse limite é desrespeitado. Segundo outro pesquisador da Esalq-US, o engenheiro florestal João Dagoberto dos Santos, o grande problema da silvicultura desenvolvida no Brasil é justamente o sistema o monocultivo de larga escala. “Em tese, o eucalipto bem manejado, fora de Áreas de Preservação Permanente (APP), pode até gerar um aumento do deflúvio e da carga de água nos rios, além 12 Sobre esse tema, leia também a retranca “Conflitos Sociais e Fundiários” e o estudo de caso “Grupo Itaminas”. » 41 Foto: Ibama / Divuglação P R O D U Ç Ã O D E C A R VÃ O N O C E R R A D O de evitar erosão. Porém, se plantado em lugar errado, o eucalipto pode, sim, causar um impacto hidrológico de grande amplitude”, explicou Santos. “Por que esse sistema utilizado pelas empresas do setor de silvicultura consome muita água? Porque elas utilizam variedades de árvores que crescem muito rápido, que têm um plantio muito adensado e que, mesmo depois de cortadas, continuam crescendo”, completou o engenheiro florestal (Repórter Brasil, 2011). “Assertivas generalistas devem ser recebidas com ressalva, dado que os impactos ambientais das florestas de eucalipto dependem, fundamentalmente, das condições prévias ao plantio”, afirma o economista Marcos Vital, do BNDES. Entre tais condições prévias estariam, por exemplo, a densidade pluviométrica local, o tipo e a declividade do solo, a distância das bacias hidrográficas e as técnicas agrícolas empregadas. É justamente a qualidade de tais empreendimentos que, muitas vezes, gera críticas contundentes. Um exemplo é o plantio perto de nascentes, desrespeitando as Áreas de Proteção Permanente (APPs) impostas pelo Código Florestal. Apesar do discurso que associa a instalação do eucalipto a áreas já degradadas, são diversas as denúncias de desmatamentos e de pressões políticas para alterar leis preservacionistas, visando converter matas nativas em monocultivos para abastecer a siderurgia. É o que ocorre, por exemplo, na Mata Seca mineira13. 13 Sobre esse tema, leia também a retranca “Caatinga e Mata Atlântica”. 42 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O A DISCUSSÃO SOBRE SUSTENTABILIDADE DAS FLORESTAS PLANTADAS A V&M do Brasil integra o seleto grupo de siderúrgicas integradas – que executam todas as etapas da transformação do minério de ferro em aço – em atuação no país. Seu parque indústrial, localizado em Belo Horizonte (MG), é abastecido por duas subsidiárias: a V&M Mineração, fornecedora do minério de ferro, e a V&M Florestal, fundada em 1969 para produzir o carvão vegetal que abastece a indústria. Especializada em plantios de eucalipto, a reflorestadora possui aproximadamente 232 mil hectares distribuídos por fazendas localizadas em 22 municípios mineiros. Entre seus estoques plantados a V&M Florestal possui mais de 35 mil hectares em fazendas contíguas nos municípios mineiros de Bocaiúva, Guaraciama e Olhos D’água, região onde foi paulatinamente ocupando terras a partir da década de 1970. Os monocultivos de eucalipto lá instalados tornaram-se o estopim de uma série de conflitos socioambientais – relacionados ao acesso à terra e aos recursos naturais – que colocam em lados antagônicos a empresa e grupos de pequenos agricultores. O exemplo mais evidente dessa realidade é a comunidade de Canabrava, composta por cerca de 70 famílias cujas casas, muitas vezes, distanciam-se poucos metros dos maciços de eucalipto. Rios e córregos assoreados – ou que simplesmente secaram – com a chegada da monocultura afetaram drasticamente a vida dos moradores locais, devido à escassez de água tanto para o consumo próprio quanto para as atividades agropecuárias. Além disso, o desmate do cerrado nativo para a implantação do reflorestamento privou-os do acesso à lenha, às frutas nativas e às áreas onde os animais eram criados soltos. Um cenário que está intimamente ligado aos conflitos atuais pelo acesso à madeira e aos demais recursos naturais restantes na região. As tensões com a comunidade local atingiram seu ápice em fevereiro de 2007, quando o lavrador Antônio Joaquim dos Santos, de 32 anos, foi morto a tiros por seguranças terceirizados P R O D U Ç Ã O D E C A R VÃ O N O C E R R A D O da V&M Florestal. Eles alegaram à polícia terem agido sob ameaça de ladrões de lenha que haviam invadido as terras da reflorestadora – tipo de ocorrência, segundo a V&M, comum na região. O caso ainda não foi julgado pela Justiça. Segundo moradores locais, no entanto, Antonio Joaquim dos Santos foi na verdade retirado pelos guardas de uma propriedade de seu irmão, onde costumava coletar lenha. Levado para dentro da área da empresa, ele teria sido amarrado a uma árvore e assassinado na presença da filha. “Esta não é a primeira vez que membros da comunidade de Canabrava são ameaçados pela milícia armada da V&M”, atesta nota emitida à época por diversas entidades que atuam na região, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA/NM). Segundo as entidades, os guardas “pressionavam inclusive quando as crianças, de volta da escola, traziam pequenos feixes de lenha na garupeira de suas bicicletas.” À época, os plantios de eucalipto da V&M no local possuíam selo do Conselho Brasileiro de Manejo Florestal (FSC Brasil), entidade que representa no país o mais importante certificado mundial de boas práticas em áreas florestais. Diante do ocorrido, os concessores do selo iniciaram uma auditoria na área. Mas antes de ser anunciado qualquer tipo de parecer, a V&M Florestal comunicou seu desligamento voluntário do FSC por discordar dos procedimentos adotados pela entidade, que estaria promovendo apurações baseadas “em pontos de vistas e opiniões”, revelando assim “uma postura tendenciosa”. Passados mais de quatro anos, persiste o cenário de insatisfações relacionadas às atividades da V&M da região. “Uma pauta de reivindicações foi apresentada à empresa, sendo a principal delas que os plantios de eucalipto fossem afastados pelo menos dois quilômetros de frente da casa das pessoas”, afirma Juarez Santana, ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bocaiúva e atual vice-prefeito do município. A demanda, no entanto, não foi atendida. » 43 44 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O GERAIZEIROS: AMEAÇAS DA MONOCULTURA A COMUNIDADES TRADICIONAIS Dentre os encurralados pelo eucalipto estão, por exemplo, representantes dos chamados “geraizeiros” – grupos que tradicionalmente plantam roças de subsistência e criam animais soltos pela vegetação nativa. Unidos por laços de compadrio e parentesco, muitas vezes instalados há séculos nos planaltos, encostas e vales mineiros, tais grupos possuem modo de vida intimamente ligado ao aproveitamento da lenha, dos frutos, das ervas medicinais e dos recursos hídricos oferecidos pelo Cerrado. Atualmente, a existência dos geraizeiros é oficialmente reconhecida pelo Estado brasileiro. Juntamente com ciganos, indígenas, seringueiros e outros, eles são um dos 15 grupos com assento na Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, instituída em 2004 pelo governo federal. O reconhecimento tardio colaborou para que, nas últimas décadas, plantios florestais abocanhassem grande parte das terras utilizadas pelas comunidades tradicionais. Um processo que, em diversas ocasiões, deu-se em meio a casos de grilagem de terras envolvendo cartórios ligados ao crime, intimidação de moradores locais e falta de reconhecimento, por parte do poder público, de que áreas consideradas “desocupadas” eram, de fato, historicamente utilizadas pelos geraizeiros. Em Minas Gerais, grande parte das áreas usadas pela monocultura do eucalipto são terras públicas, arrendadas pelo governo a preços irrisórios. Esse procedimento começou nos anos 1970 e tem como beneficiárias siderúrgicas e empresas reflorestadoras. Tais arrendamentos tornaram-se alvo de grandes polêmicas nos últimos anos. Elas incluem, por exemplo, acusações de venda ilegal dessas terras a terceiros, bem como a recusa em devolvêlas ao Estado após o encerramento do contrato de arrendamento. P R O D U Ç Ã O D E C A R VÃ O N O C E R R A D O » 45 Ou até mesmo exigências de que o Estado pagasse altas indenizações por supostas benfeitorias. Vale lembrar que existem terras ocupadas por florestas plantadas reivindicadas por grupos geraizeiros e consideradas de interesse para projetos de reforma agrária.14 REFLORESTAMENTOS DE FACHADA Mais grave ainda são os esquemas criminosos que usam as florestas plantadas como fachada para encobrir carvão ilegal de mata nativa. Isso aconteceu, por exemplo, em março de 2009, quando o Ministério Público Estadual de Minas Gerais (MP-MG) identificou o problema durante a Operação SOS Cerrado, que levou à prisão de 12 pessoas, entre funcionários públicos, produtores rurais e contadores. A quadrilha obtinha licenças fraudulentas para produzir carvão em áreas reflorestadas, mas apenas uma pequena parcela do carvão vinha, de fato, dessas áreas. Notas fiscais amparadas no “crédito” restante eram vendidas a terceiros, que usavam para esquentar carvão de origem ilícita. Para combater práticas como essa, o MP-MG propõe que a autoridade ambiental adote uma nova norma: a determinação de que as indústrias, ao receberem o carvão, exijam dos transportadores a apresentação do tacógrafo do caminhão, contendo o registro da quilometragem percorrida. O objetivo é desnudar fraudes comparando o trajeto percorrido e a origem do produto declarada na nota fiscal. Vale lembrar, no entanto, que tacógrafos não são imunes a adulterações, havendo inclusive diversos registros de fraudes do gênero no transporte de cargas em estradas brasileiras. USO DE TERRAS PÚBLICAS Em 2008, a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais (AGE), chegou a questionar a renovação de contratos ocorrida naquele ano, notadamente entre o Instituto de Terras do Estado de Minas Gerais (Iter) e seis empresas: 14 Sobre esse tema, leia os estudos de caso. 46 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O Energética Florestal, Gerdau, Replasa Reflorestadora, Rima Industrial, Rio Rancho e Suzano Bahia Sul Papel e Celulose. O motivo, além dos preços abaixo do mercado cobrados pelo uso da terra – que gerariam um prejuízo de R$ 100 milhões aos cofres públicos – remete ao fato de a Constituição Mineira proibir o arrendamento de terras devolutas acima de 250 hectares, limite ultrapassado em todos os casos. Com cerca de cinco mil hectares, a Fazenda Vereda Funda, no município de Rio Pardo de Minas, é hoje o único grande exemplo no estado em que houve a retomada, por parte de agricultores familiares, de terras estatais anteriormente cobertas pelo eucalipto. Durante mais de 20 anos a área foi ocupada pela empresa produtora de carvão Florestaminas. Com o fim do contrato de arrendamento, em 2003, sua posse passou a ser reivindicada por membros da comunidade no entorno. Em 2004, mais de cem famílias ocuparam a fazenda, que, após longos trâmites judiciais e burocráticos, foi doada em 2009 para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) visando à formalização de um assentamento no local. REFERÊNCIAS 7 • PRODUÇÃO DE CARVÃO NA AMAZÔNIA Fornos clandestinos devorando a floresta tropical, no Pará. Foto: MTE / Divulgação » 47 48 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O Na Amazônia Oriental, ao longo da ferrovia entre o polo de Carajás e o porto de Itaqui, no Estado do Pará, os fornos de Carajás operam há quase três décadas, produzindo carvão vegetal especialmente para o setor independente (que também abastece as grandes siderúrgicas). Conforme visto no Gráfico 1, em 2008 o chamado Sistema Norte produziu 5,1 milhões de ferro-gusa a carvão vegetal. Essa produção se dividiu entre o Pará, que tinha 15 siderúrgicas com 24 altos-fornos, e o Maranhão, com 7 siderúrgicas e 19 alto-fornos. No Pará, o polo produtor de gusa está concentrado no município de Marabá, próximo ao distrito mineiro de Carajás e contíguo à estrada de ferro Carajás e à hidrovia Araguaia – Tocantins. No Maranhão o complexo guseiro está interligado à infraestrutura do Pará e concentrado no município de Açailândia. A demanda anual de lenha para ser convertida em carvão vegetal que supria o polo siderúrgico de Carajás foi estimada em 25 milhões de metros cúbicos, provocando o desmatamento de 20 mil hectares todos os anos (Uhlig, Goldemberg & Coelho, 2008). Vale ressaltar que o bioma amazônico abriga a maior floresta tropical do planeta, com uma variedade de espécies sem equivalência em qualquer outro lugar da Terra. Em seus ensaios amazônicos, publicados há mais de cem anos, Euclides da Cunha definiu o lugar como a última página do Gênesis, “ainda por ser escrita”. Essa riqueza ocupa mais da metade do território brasileiro e 20% da América do Sul. A visão da região como inferno ou paraíso verdes, desabitados e selvagens, cada vez mais se mostra ultrapassada. Somente na porção brasileira, vivem na Amazônia 25 milhões de pessoas, o que levou a geógrafa Berta Becker a defini-la como “floresta urbanizada”15. Segundo o IBGE, cerca de 42% dos domicílios da Amazônia são ocupados por moradores com renda de até dois salários mínimos, sendo que no Brasil como um todo essa porção é bem menor, em torno de 34%16. Do ponto de vista social, a região – economicamente rica – é pobre e mal cuidada. Somente 12% das casas têm ligação com a rede de esgoto 15 Becker, 1995. 16 PNAD – IBGE 2008 P R O D U Ç Ã O D E C A R VÃ O N A A M A Z Ô N I A » 49 e 37% da população não têm acesso à água potável. Uma situação paradoxal, dado que a região abriga a maior bacia hidrográfica do mundo. A ausência de tratamento sanitário e os problemas de acesso à água limpa reforçam um dado que vigora em todo o país: 65% das internações em hospitais de crianças com menos de dez anos de idade são provocadas por doenças originadas da deficiência do sistema de esgoto e de fornecimento de água potável. Ainda segundo o IBGE, apenas 12% dos homens que vivem na Amazônia têm ocupação fixa. Os outros quase 90% se viram como pode. E isso pode ser traduzido em uma frase: mão de obra precária para a indústria da devastação. INVERSÃO DE PRIORIDADES A maior contradição da Amazônia reside nos investimentos públicos alocados para a região. Enquanto a maioria da população vive empobrecida e sem acesso a equipamentos públicos e a um sistema escolar eficiente, os investimentos públicos são majoritariamente destinados a financiar empresas ligadas à devastação. A pecuária é a atividade campeã de desmatamento: de cada 100 hectares de floresta destruídos entre 1997 e 2006, 69 deram lugar a pastagens. A paisagem típica da criação extensiva, composta de muito pasto e alguns bois, já domina pelo menos 74,87 milhões de hectares da Amazônia Legal, o que corresponde a 15% da região. O dado é do relatório “A Hora da Conta”, lançado em abril de 2009 pela ONG ambientalista Amigos da Terra Amazônia Brasileira. Floresta amazônica e Amazônia Legal não são sinônimos, mas há relação estreita entre os dois termos (ver Glossário, ao final do estudo). O bioma amazônico ocupa integralmente cinco Estados brasileiros (Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Roraima), quase totalmente Rondônia (98,8%), metade do Mato Grosso (54%), parte do Maranhão (34%) e de Tocantins (9%). A Amazônia Legal, região delimitada pelo governo brasileiro em 1966 para fins de planejamento, é maior: engloba parcialmente o Maranhão e totalmente os demais oito estados. 50 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O “Ainda prevalecem, na Floresta, os negócios ilegais”, escreve o professor Jacques Marcovitch, da FEA-USP 17. Ele cita como exemplo o mais nocivo indicador de insustentabilidade da região: o desmatamento, que “possui uma lógica econômica”. Essa lógica reflete-se no fato de que o agropecuarista, ao derrubar árvores para ampliar seus pastos ou plantios, gasta aproximadamente R$ 800 por hectare. Se ele optasse por recuperar a produtividade de uma área já devastada, o investimento seria mais que o dobro: R$ 2 mil. Além disso, a agropecuária é o principal indutor do trabalho escravo na Amazônia. Pesquisas realizadas pela ONG Repórter Brasil – que em 2004 levaram à criação do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil19 – mostram que esse crime é fartamente usado na expansão da fronteira agrícola20. Conforme Marcovitch, os 125 frigoríficos instalados na região contribuem “fortemente para a expansão da fronteira agrícola e para o desmatamento”. Logo, a postura adotada pelo Estado e pelos seus agentes de financiamento na concessão de benefícios a esse setor “bate de frente com o princípio alardeado pelo governo de que o crédito público está sempre vinculado a exigências ambientais”, alerta Marcovitch18. O AÇO DA DEVASTAÇÃO Depois da pecuária, a exploração de carvão é a que mais registra incidência de trabalho escravo no bioma, de acordo com pesquisas da ONG Repórter Brasil. Como mais de 90% da produção de ferro-gusa da região é exportada para os Estados Unidos19, o carvão do desmatamento e do trabalho escravo entra na cadeia produtiva não apenas de grandes empresas brasileiras, mas também das maiores tradings globais de aço. As siderúrgicas norte-americanas inserem o ferro-gusa brasileiro numa complexa cadeia produtiva, que envolve desde indústrias de secadores de 17 Marcovitch, 2011 18 Marcovitch, 2011 19 De acordo com declarações da presidente do Instituto Aço Brasil à revista Época (ver referência completa abaixo). P R O D U Ç Ã O D E C A R VÃ O N A A M A Z Ô N I A » 51 cabelo até de turbinas de aviões a jato. Esse mesmo ferro-gusa é negociado com as maiores montadoras de veículos dos Estados Unidos. Como é revelado por este estudo, importantes empresas instaladas no Brasil também estão na cadeia produtiva das guseiras que atuam de forma predatória na Amazônia. Essa informação contraria a recente investida de entidades empresariais para desvincular as siderúrgicas brasileiras do uso de carvão predatório produzido na Amazônia. “Esses guseiros do Pará, 100% da produção deles não é destinada às indústrias de aço brasileiras. Esse gusa que é produzido nessa região é totalmente exportado e o principal país impor- Produção de carvão vegetal em Itupiranga, no Pará. Foto: Sérgio Vignes / Papel Social Comunicação 52 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O tador desse gusa com carvão de origem ilegal são os Estados Unidos”, disse à revista Época20 a diretora de meio ambiente do Instituto Aço Brasil, Cristina Yuan21. O Instituto Aço Brasil representa as maiores siderúrgicas brasileiras. Ao admitir que o ferro-gusa produzido na Amazônia usa “carvão de origem ilegal”, o instituto dá um importante passo para iniciar um processo de busca de sustentabilidade na cadeia produtiva. O Instituto informa, em sua carta de princípios, que atua “segundo os princípios e valores do desenvolvimento sustentável, fazendo uso mais racional dos recursos naturais e insumos que utiliza e adotando tecnologias economicamente provadas e viáveis para reduzir seus impactos sobre o meio ambiente”22. FERRO-GUSA Como menos de 30% do carvão que alimenta o polo de Carajás advêm de florestas plantadas23, a necessidade do insumo, por parte do setor siderúrgico, causa enorme pressão sobre o bioma. Tais investimentos deveriam ter começado em 2004, quando as empresas assinaram a Carta Compromisso pelo Fim do Trabalho Escravo na Produção do Carvão Vegetal24. A promessa, contudo, não foi cumprida. A mata nativa continua sendo o principal insumo usado na produção de carvão. O que aconteceu de positivo depois da Carta Compromisso foi que as empresas passaram a monitorar as condições de trabalho nas carvoarias registradas como fornecedoras. As auditorias são feitas pelo Instituto Carvão Cidadão (ICC), que verifica as condições de trabalho nos fornecedores cadastrados. A iniciativa contribuiu com a melhoria nas condições trabalhistas, principalmente no lado maranhense do polo. 20 Revista Época/Versão Online: Blog do Planeta, dia 27 e junho de 2011 – http://colunas. revistaepoca.globo.com/planeta/2011/06/27/o-aco-feito-com-carvao-clandestino-vai-para-exportacao/ 21 Cândido, 2011. 22 Instituto Aço Brasil, 2011. 23 Morello & Piketty, 2010 24 Instituto Observatório Social, 2004. P R O D U Ç Ã O D E C A R VÃ O N A A M A Z Ô N I A » 53 Monitorar toda a cadeia produtiva, inclusive a origem do carvão, é uma regra estabelecida pelas próprias empresas, detalhadas no estatuto do ICC25. A maior parte das empresas, contudo, não consegue verificar a origem de todo o carvão que consomem, permitindo que a produção ainda contenha carvão ilegal oriundo de carvoarias clandestinas, não monitoradas. Por exemplo: uma carvoaria que não figura na lista de fornecedores de uma siderúrgica entrega sua produção a outra que, aparentemente, opera dentro dos padrões exigidos e é monitorada pelos compradores. As últimas pesquisas de cadeias produtivas da ONG Repórter Brasil para o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, relativas ao carvão vegetal, de 2010, mostraram que a utilização de carvoarias intermediárias para escoar o carvão de empregadores relacionados na “lista suja” do trabalho escravo não apenas continua como vem crescendo. Outro problema é o tempo de vida de uma carvoaria, que se confunde com o tempo necessário para esgotar a mata nativa ao seu redor. Quando uma carvoaria ilegal flagrada com trabalho escravo é inserida pelo Ministério do Trabalho e Emprego na “lista suja” (o que pode levar mais de um ano devido ao direito à defesa em primeira e segunda instâncias administrativas), é grande a chance dela não existir mais. Ou seja, o carvão ter se esgotado e a carvoaria ter mudado de local, inclusive de nome. Ou seja, bloquear a “lista suja” é, muitas vezes, bloquear uma sombra. O ideal seria que as siderúrgicas acendessem o sinal amarelo quando ocorresse uma libertação de trabalhadores (há fontes de informação para isso, como será discutido nos estudos de caso) e, ao mesmo tempo, verificassem a origem de todo o carvão que consomem – com mecanismos para burlar o esquentamento. Há aquelas que já operam dessa forma. Outras afirmam obedecer à “lista suja”, mas não vão além, pois dar um passo a mais no caminho da responsabilidade social levaria a uma perda de fornecedores. 25 http://www.carvaocidadao.org.br/estatuto/ 54 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O CADEIA PRODUTIVA A primeira ligação das siderúrgicas do polo de Carajás com o trabalho escravo foi feita em 2004, com a pesquisa Escravos do Aço, realizada pela Papel Social e pelo Observatório Social. A pesquisa mostrou que guseiras da região fabricavam ferro-gusa com carvão do trabalho escravo26. O estudo também citava a norte-americana Nucor Corporation, que até hoje compra ferro-gusa brasileiro para a fabricação de aços especiais e autopeças. Naquela época, por iniciativa do Instituto Ethos, empresas, representantes dos trabalhadores e Ministério Público se reuniram após a publicação da pesquisa e lançaram em Brasília a Carta Compromisso. As siderúrgicas aderiram e se comprometeram a rever seus processos produtivos. Em janeiro de 2011, a pesquisa “A Floresta Que Virou Cinza”, feita pela Papel Social, mostrou que a cadeia produtiva do ferro-gusa continuava com problemas27. A pesquisa, publicada na revista do Observatório Social, identificou que 33 empresas fornecedoras de carvão para as siderúrgicas estavam burlando a fiscalização através de um esquema criminoso controlado por políticos e empresários ligados à famosa Máfia da Sudam. A pesquisa também mostrou que o esquema funcionava graças ao envolvimento da Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará, que forjou documentos para acobertar crimes ambientais. Em junho de 2011, uma nova pesquisa da Papel Social – “O Aço da Devastação”– mostrou que todo processo produtivo do polo de Carajás está contaminado pelo uso de carvão do desmatamento e do trabalho escravo. A obtenção de dados exclusivos sobre a produção total de ferro-gusa vendido pelas empresas, cruzada com o total de carvão possível de ser produzido pelas carvoarias cadastradas pelas empresas, mostrou uma enorme brecha no processo de monitoramento da cadeia produtiva28. A pesquisa revelou que as empresas cadastradas pelas siderúrgicas são usadas como fachada para lavar carvão produzido de forma ilegal. 26 Casara, 2004. 27 Casara, 2011. 28 Casara, 2011. P R O D U Ç Ã O D E C A R VÃ O N A A M A Z Ô N I A » 55 O esquema acontece da seguinte forma: o carvão é fabricado em outro local, usando madeira roubada de terras indígenas ou retirada ilegalmente de áreas de preservação. Através de documentos forjados, com a conivência de Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará, esse carvão é comprado pelas siderúrgicas, como se tivesse sido produzido nas carvoarias cadastradas e monitoradas pelo ICC. O estudo identificou que as siderúrgicas conhecem o problema. As carvoarias cadastradas produzem mais do que poderiam, mesmo se trabalhassem com 100% de capacidade durante todos os meses do ano, inclusive nos meses de chuva, quando a atividade é praticamente paralisada. Segundo foi apurado, parte das siderúrgicas trabalha com mais da metade de carvão ilegal. As empresas negaram o problema. Dizem que a pesquisa não considerou todos os fornos cadastrados. Contudo, os pesquisadores visitaram e fotografaram os fornos clandestinos, conversaram com os trabalhadores, entrevistaram os motoristas que fazem o transporte do carvão ilegal e tiveram acesso a dezenas de páginas de documentos que comprovam fraudes, crimes tributários e crimes ambientais e trabalhistas. Os pesquisadores também acompanharam uma semana de fiscalização do Ibama nas rodovias que levam às siderúrgicas, testemunhando a apreensão de caminhões transportando cargas ilegais, produzidas em carvoarias clandestinas e vendidas como se tivessem sido produzidas nas empresas cadastradas e auditadas. O PREÇO DA DEVASTAÇÃO Ao usar madeira nativa retirada de forma ilegal, as siderúrgicas privatizam o que não lhes pertence – os recursos naturais. E financiam trabalho escravo, roubo de madeira de terras indígenas e devastação do bioma. Do ponto de vista da sustentabilidade, é um péssimo negócio. Mas como o setor não leva em conta o valor da natureza, a coisa toda se torna muito rentável. É mais barato fazer carvão de floresta nativa, retirada ilegalmente, do que investir em florestas legalmente plantadas. 56 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O A pesquisa coordenada pelo físico José Goldemberg, publicada pela Revista Brasileira de Energia, desvenda os interesses que estão por trás da resistência das empresas em migrar para um modelo ambientalmente sustentável e socialmente justo: “O preço do carvão vegetal de origem nativa produzido de forma ilegal varia entre 10% e 12% do preço do carvão vegetal produzido a partir de florestas plantadas”. Como o custo da natureza não faz parte da conta, as siderúrgicas conseguem carvão barato – e ilegal – para competir em condições favoráveis no mercado global do aço. A produção de ferro-gusa com carvão ilegal provoca uma inversão de papéis no setor produtivo: quem acaba penalizado são as siderúrgicas que atuam dentro da lei e respeitam as leis trabalhistas e ambientais. Atuam com carvão legal, produzem abaixo da capacidade máxima para não precisar usar carvão ilegal e enfrentam a concorrência das empresas que produzem a todo vapor, sem se importarem com a origem do carvão e com a devastação da floresta. REFERÊNCIAS » 57 8 • PRODUÇÃO DE CARVÃO NO PANTANAL Foto: Sérgio Vignes / Papel Social Comunicação 58 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O Fiscalização federal destrói forno ilegal no pantanal do Mato Grosso do Sul Foto: Ibama/ Divulgação A Bacia do Alto Paraguai (BAP) tem 620 mil km², 60% no Brasil (40% no Mato Grosso e 60% no Mato Grosso do Sul) e 40% da área total restante na Bolívia e Paraguai. O Pantanal fica dentro da BAP, na área de planície, mas sua preservação depende também do que acontece no planalto, já que lá estão as cabeceiras dos rios pantaneiros. No planalto, há forte ocupação da agricultura e pecuária. Na planície, a pecuária de caráter mais extensivo exerce menor pressão sobre a cobertura vegetal original. Tanto que o planalto tem apenas 41,8% de cobertura natural, enquanto a planície tem quase 86,6% (CI et al, 2009). De 2002 a 2008, 3.666 km² de vegetação natural da planície foram antropizados, o que significou a destruição de 2,4% da área total da planície e 2,9% de sua cobertura natural restante. No planalto, no mesmo período, foram convertidos 8.796 km² (4% da área total e 9,7% da cobertura natural restante) (CI et al, 2009). Entre 2008 e 2010, de acordo com o Ibama, a produção de carvão vegetal para a indústria siderúrgica fez desaparecer 270 mil hectares de matas P R O D U Ç Ã O D E C A R VÃ O N O PA N TA N A L » 59 nativas do Pantanal, somados o corte legal e o ilegal, o que equivale a duas vezes o território da cidade de São Paulo29. Apesar de ser um número alto, a exploração do Pantanal para fazer carvão sofreu desaceleração a partir de 2008. Não que isso tenha a ver com o desenvolvimento de políticas púApesar de ser blicas ou uma maior conscientização por parte dos produtoum número alto, res. Há consenso, entre especialistas, de que a diminuição da a exploração pressão sobre o bioma tem como principal fator a crise que do Pantanal afetou a economia internacional no final da década passada. para fazer A retomada do crescimento, portanto, pode representar tamcarvão sofreu bém o aumento da pressão sobre o bioma. desaceleração a Segundo fontes locais consultadas, como organizações partir de 2008. da sociedade civil, órgãos de governo, Ministérios Públicos e Ibama, desde 2008 a devastação causada pela fabricação de carvão não sustenta os mesmos índices observados anteriormente. Contribui para essa constatação o fato de que as diligências do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) também verificaram, após 2008, redução nas autuações em carvoarias ilegais. Também diminuíram as multas aplicadas pelo Ibama, segundo informação passada pelo órgão. “Até 2008, havia um quadro generalizado de devastação. Mas a crise freou a exploração de carvão”, afirma Alcides Faria, da ONG Ecoa, do Mato Grosso do Sul. A Ecoa trabalha próximo dos isqueiros – coletores de iscas – do Pantanal. Segundo Faria, quando há seca, esses trabalhadores migram para a atividade carvoeira. Como em 2010 houve uma grande cheia, eles se mantiveram dedicados à coleta de iscas, reduzindo também a mão de obra disponível para a produção de carvão vegetal. SINAL DE REAQUECIMENTO? Ainda não há indícios consistentes de retomada sistemática da exploração do carvão no Pantanal. No entanto, uma libertação recente de trabalhadores escravizados em uma carvoaria na região pode sinalizar 29 VARGAS, 2010. 60 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O o início do reaquecimento. Em junho de 2011, o Ministério Público do Trabalho (MPT) localizou, em Porto Murtinho (MS), trabalhadores escravos em fornos que, segundo o próprio MPT, pertenciam à antiga MMX em Corumbá. Após o acordo entre MMX e Vetorial, em junho de 2009, tais fornos passaram a ser controlados pela Vetorial. Em um local conhecido como Fazenda Maracujá, os fiscais encontraram 17 trabalhadores em situação degradante, consumindo água contaminada, trabalhando sem equipamento de proteção e dormindo dentro de fornos desativados. Em 2008, a MMX, quando controlada pelo grupo do empresário Eike Batista, havia firmado um Termo de Ajustamento de Conduta em que se comprometia a não reproduzir mais esse tipo de prática. Com essa descoberta, o Pantanal se mantém como fornecedor de trabalho escravo e devastação ambiental para cadeia produtiva do ferro-gusa. ECOSSISTEMA CONTINENTAL Maior planície alagável do planeta, o Pantanal funciona como o elo entre as duas maiores bacias da América do Sul, a do Prata e a Amazônica, o que dá a ele a função de corredor biogeográfico, ou seja, permite a dispersão e troca de espécies de fauna e flora entre essas bacias. Conforme já visto, está situado na parte alta da Bacia do Alto Paraguai (BAP), a qual possui uma superfície de aproximadamente 500 mil quilômetros quadrados. Na porção localizada no Mato Grosso do Sul, o Pantanal possui indicadores que o diferenciam do estado. Em 2000, a população total do Mato Grosso do Sul (MS) era de 2.078.001 habitantes, dos quais 124.330 viviam na Microrregião do Baixo Pantanal, integrada pelos municípios de Corumbá, Ladário e Porto Murtinho. Enquanto a renda per capita do MS é de R$ 287,46, em Corumbá, cidade mais importante do Pantanal, ela não ultrapassa R$ 226,18. No indicador porcentagem de renda proveniente de transferências governamentais, a média do MS é de 11,76%. Em Corumbá, atinge 14,08%. Em Ladário, outro município da região, se eleva a 17,05%30. 30 PNUD, 2000 P R O D U Ç Ã O D E C A R VÃ O N O PA N TA N A L » 61 O IDH do MS é de 0,778, enquanto os de Corumbá, Ladário e Porto Murtinho são, respectivamente, de 0,771, 0,775 e 0,698, uma média bem inferior à do estado, revelando carências estruturais da região. Ignorando a importância do Pantanal para o equilíbrio do ecossistema do Continente, a atividade carvoeira no Mato Grosso do Sul se apoia na franca devastação do bioma. De acordo com o Ibama, em 2005 havia 5 mil carvoarias atuando no estado do Mato Grosso do Sul. Destas, apenas 468 estavam legalizadas31. Segundo o relatório da Operação Rastro Negro promovida pelo Ibama no MS, dos 10 milhões de metros de carvão transportados no Brasil em 2007, 44% eram oriundos do Mato Grosso do Sul. Segundo o órgão, a retirada desse volume de lenha e posterior produção de carvão impactam, anualmente, uma área de mais de 200 mil hectares. Na primeira fase da Operação Rastro Negro, iniciada em maio de 2008, foram aplicadas multas que totalizaram mais de R$ 4,7 milhões. Na época, os principais envolvidos com as fraudes foram bloqueados no Sistema DOF – Documento de Origem Florestal, licença obrigatória para o controle do transporte e armazenamento de produtos e subprodutos florestais de origem nativa. CORRUPÇÃO Como a esmagadora maioria das carvoarias do Mato Grosso do Sul atua na mais completa ilegalidade, a produção de carvão é controlada por redes criminosas ligadas à corrupção, fraude, crimes ambientais e trabalho escravo. Um exemplo desse quadro foi a Operação Diamante Negro, conduzida pela Polícia Federal em junho de 2007. A PF identificou um esquema de extração ilegal de madeira nativa para produção e venda de carvão vegetal que envolvia crimes contra a administração pública, à ordem tributária e ao meio ambiente, além de corrupção e formação de quadrilha. Em abril de 2008, a ação resultou na expedição de 116 mandados de busca e apreensão. A Justiça deferiu 21 mandados de busca e 31 Rede Pantanal, 2005 62 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O apreensão domiciliar. O Ministério Público Federal se manifestou pela prisão temporária de 49 integrantes da quadrilha, sendo concedida pela Justiça Federal a prisão temporária de 35 pessoas. A quadrilha implantou carvoarias clandestinas, nas quais explorava mão de obra de forma degradante, com baixa remuneração, inclusive de menores de idade, que eram arregimentados pelo esquema. Todos esses problemas entram diretamente na cadeia produtiva do ferro-gusa, inclusive das siderúrgicas do polo de Minas Gerais, o mais importante do país. Segundo a apuração dos agentes federais, a extração de madeira nativa para a produção de carvão ocorreu até mesmo em áreas de preservação ambiental, com transporte e venda realizados sem a documentação necessária ou com documentação falsificada. Quase na mesma época da operação da Polícia Federal, uma operação do Ibama denominada Rastro Negro, ampliou a investigação sobre os crimes cometidos no Mato Grosso do Sul. O grupo responsável pela operação identificou ações praticadas por quadrilhas que forneceram carvão ilegal para indústrias siderúrgicas do Mato Grosso do Sul em 2007 e 2008. Foram autuados cerca de 60 empresas produtoras de carvão e 10 proprietários rurais. As multas atingiram R$ 15 milhões. Foram embargadas as atividades de produção de carvão e supressão vegetal e aproveitamento de material lenhoso em diversas propriedades. Descobriu-se que 90% dos fornecedores da siderúrgica MMX Metálicos, já autuada pelo Ibama, operavam na ilegalidade e transportavam cargas em excesso e sem cobertura legal, o que produziu uma fraude que alcançou a cifra de 30.000 metros de carvão ilegais, que representaram impactos a 1.500 hectares de florestas nativas. Nessa época, a MMX Metálicos, que pertencia ao conhecido empresário brasileiro Eike Batista, foi multada em R$ 15 milhões por receber as cargas ilegais. Em 2009, a planta da empresa em Corumbá foi vendida para o grupo Vetorial. As multas aplicadas pelo Ibama às mais importantes siderúrgicas do Mato Grosso do Sul (Simasul, Vetorial e a então MMX) atingiram mais de R$ 48 milhões em 2008. As autuações ocorreram porque as empresas apresentaram débito de carvão vegetal, ou seja, utilizaram mais carvão do que estavam legalmente autorizadas a utilizar. P R O D U Ç Ã O D E C A R VÃ O N O PA N TA N A L » 63 De acordo com a Polícia Federal, o carvão produzido ilegalmente e em larga escala tinha siderúrgicas em Minas Gerais e São Paulo como destino. O escoamento era facilitado por policiais rodoviários federais do posto de Paranaíba (MS). Também participavam do esquema servidores do Ibama, da Agência Fazendária e do Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul. SIDERÚRGICAS DE MINAS GERAIS As diferentes investigações do Ibama e da Polícia Federal mostram que o maior indutor do desmatamento do Pantanal encontra-se fora da região. O polo siderúrgico mineiro é de longe o maior consumidor do carvão fabricado com madeira retirada ilegalmente do Pantanal. Os números aparecem em investigações dos Ministérios Públicos Federal e Estadual do MS. Entre 1997 e 2006, as siderúrgicas de Minas Gerais consumiram 8.736.180 m³ de carvão oriundo de matas nativas do Pantanal32. Apenas para abastecer as siderúrgicas em operação no Estado de Minas Gerais foram desmatados entre 299.491 ha e 377.461 hectares de cerradão, ou cerrado nativo, então existentes no Estado de Mato Grosso do Sul. Já de mata nativa pantaneira foram destruídos 114,90 hectares para o abastecimento da cadeia produtiva do ferro-gusa em Minas Gerais. Isso representa 87 milhões de árvores, usando a conversão do Ibama, de que são necessárias em média 10 árvores grandes e adultas para produzir 1 m³ de carvão. A pressão gerada ao Pantanal pelo polo de Minas Gerais se explica por uma brecha legal – além, é claro, da proximidade logística e a disponibilidade de madeira. A lei mineira limita apenas o uso de florestas nativas localizadas dentro do estado, sem fazer referência a compra de carvão oriundo de matas nativas localizadas em outra região. Na prática, isso significa uma autorização para a compra de carvão de matas nativas do Pantanal ou de qualquer outro bioma fora de Minas Gerais, sem preocupação com a ori- 32 Rede Latino-Americana de Ministérios Públicos Ambientais, 2008 64 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O gem33. Vale, portanto, o menor preço, já que fazer carvão com mata nativa sai mais barato do que usar floresta plantada. O FUTURO DO BIOMA Essa dinâmica de “exportador” de carvão nativo para outros estados pode mudar com a instalação do chamado Complexo Minero-Siderúrgico (CMS), que ameaça ainda mais o frágil equilíbrio ecológico do Pantanal. A base principal da iniciativa é Corumbá, conhecida como capital pantaneira. E as protagonistas são grandes empresas do setor da mineração e siderurgia, como a Vale. Uma mina de ferro na região que até 2009 estava sob controle do grupo Rio Tinto, de capital britânico e australiano, foi adquirida pela Vale. Com o CMS, a ideia das empresas é elevar a produção minério de ferro de 6,7 milhões de toneladas para 23 milhões de toneladas em 2013. E, também, inaugurar a produção de aço na região. Em 2007, foram produzidas 56 mil toneladas do produto somente pela MMX. Em 2009, com a empresa operando em capacidade plena, a produção alcançava 450 mil toneladas. Com o reaquecimento do mercado internacional e o aumento do consumo interno, a tendência é de aumento de produção. Essa pressão foi identificada por uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos de Sustentabilidade, da Fundação Getúlio Vargas (FGV)34. De acordo com documento, o problema no futuro será o de suprir a demanda do CMS com florestas plantadas. Caso realmente não haja eucalipto suficiente para atender ao consumo das siderúrgicas da região, os desmatamentos no Pantanal vão aumentar, bem como o contrabando de carvão oriundo de países como Paraguai e Bolívia. Segundo o estudo da FGV, essa era a realidade já no primeiro ano de funcionamento do CMS. Para dar conta de todo esse incremento na produção da região, seriam necessários nove mil hectares de florestas plantadas. Na época em que foi feito o estudo, somente cinco mil estavam no 33 Sobre esse tema, leia mais na retranca “Novas leis, velhos problemas”, no capítulo sobre o Cerrado. 34 Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas, 2008 P R O D U Ç Ã O D E C A R VÃ O N O PA N TA N A L » 65 ponto para o corte. Ou seja, os quatro mil restantes poderiam ser oriundos de mata nativa. Segundo projeção realizada antes da venda das minas da Rio Tinto à Vale, no Pantanal, e da MMX à Vetorial, em Corumbá, em 2015, quando a demanda de carvão do CMS for de 2,4 milhões de toneladas, serão necessários 56 mil hectares de florestas plantadas em ponto de corte. Como o ciclo de vida do eucalipto é de sete anos, a área total de matériaprima precisaria ser de 392 mil hectares até lá. EM 2010, o Mato Grosso do Sul possuía 392 mil hectares de florestas plantadas (Abraf, 2011). O maior consumidor do eucalipto plantado lá é a Fibria, a antiga Votorantim Celulose e Papel. No passado, a demanda por madeira levou até gigantes como a MMX Metálicos Corumbá a ingressarem no mercado ilegal do carvão. A empresa, que tinha a maior operação de ferro-gusa da região, foi multada em R$ 1 milhão, em dezembro de 2007, quando ainda pertencia ao grupo EBX, de Eike Batista, por ter comprado carvão de fornecedor sem autorização para funcionar e que operava dentro da terra indígena Kadweu, pertencente ao município de Corumbá. Em 2008, nova multa à MMX. Desta vez de R$ 3 milhões, por ter quebrado os termos de sua Licença de Operação. Pela Licença, a mineradora não poderia consumir carvão vegetal proveniente de cidades limítrofes do Pantanal, o que ocorreu no momento em que o Ibama interceptou uma carga proveniente da região de Bonito. Além da pressão sobre remanescentes de Cerrado e sobre a mata nativa do Pantanal no Brasil, esse déficit gigantesco de florestas plantadas pode alimentar o contrabando de carvão também no Paraguai e na Bolívia. Segundo o levantamento do CES/FGV, só o Paraguai, por exemplo, perde anualmente cerca de U$ 80 milhões em carvão vegetal contrabandeado para o Brasil35. 35 Coppe – UFRJ, 2008. 66 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O CENÁRIO ATUAL O auge da exploração do carvão vegetal no Pantanal ocorreu entre 2007 e 2009. Nesse período, segundo o Ibama, o estado movimentou 8,6 milhões de metros cúbicos de carvão vegetal, incluído o carvão importado do Paraguai. O recorde foi o ano de 2007, com 4,5 milhões de metros cúbicos. Em 2009, ainda de acordo com o Ibama, houve queda significativa na produção: 1,2 milhão de metros cúbicos. O órgão atribui o resultado à crise internacional e ao aumento na fiscalização. Como a crise continuou impactando a atividade siderúrgica até a virada da década e com as fortes cheias registradas na região em 2010, não há evidências de que já tenha havido retomada significativa da produção. Dos 213 empregadores presentes na atualização da “lista suja” de dezembro de 2010, 20 são do estado do Mato Grosso do Sul. Desses, 14 são produtores de carvão vegetal. CONTRABANDO DE CARVÃO Um dos motivos da queda da atividade carvoeira no Pantanal pode estar no Paraguai. Parte da demanda por carvão das siderúrgicas brasileiras vem sendo abastecida pela produção no país vizinho. De acordo com relatório produzido pela Repórter Brasil36, entre 2009 e 2010, aumentou em 120% a compra de carvão paraguaio por empresas brasileiras . Entre janeiro e junho de 2010, o Brasil importou 66 mil toneladas de carvão e produtos equivalentes do Paraguai. A movimentação financeira foi de US$ 5,3 milhões, a 11ª categoria de produtos em volume financeiro. De acordo com uma fonte consultada na época pela Repórter Brasil, comprador de carvão de uma siderúrgica mineira, o volume importado seria três vezes maior, não fosse a má fase por que passam algumas fabricantes de ferro-gusa. Algumas empresas mantêm os fornos desligados desde 2008, ano de início da crise internacional. 36 Reporter Brasil, 2010. P R O D U Ç Ã O D E C A R VÃ O N O PA N TA N A L » 67 Grandes siderúrgicas brasileiras usam carvão do Paraguai. É o caso, por exemplo, da Gerdau, uma das maiores do mundo. Sobre esse tema, a empresa informou em 2010: “A Gerdau esclarece que realizou importações pontuais de carvão vegetal do Paraguai, seguindo rigorosamente a legislação ambiental vigente. A última importação do produto do Paraguai foi realizada em 2008”. O carvão produzido no Paraguai também foi adquirido, na época, por outras siderúrgicas: Mat-Prima e Valinho-Divinópolis (MG); Cisam-Pará de Minas (MG); Ferguminas – Itaúna (MG). Grande parte das pequenas importadoras de carvão ficam nos municípios de Ponta Porã (MS), que faz divisa com a cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, e nos municípios de Novo Mundo (MS) e Guaíra (PR), ambos na divisa com a cidade paraguaia de Salto del Guairá. Criada em 1993, a Mat-Prima tinha capacidade de produzir 12 mil toneladas de produtos siderúrgicos por mês. A maior parte era exportada pelos portos do Rio de Janeiro (RJ) e Vitória (ES). A empresa comprava o produto paraguaio por meio de pequenas importadoras. Também usava carvão brasileiro, fabricado em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. No caso do produto paraguaio, a Mat-Prima avaliou que qualquer controle ambiental era de responsabilidade do produtor e da empresa importadora. A postura da Mat-Prima contrariava os mais básicos conceitos de responsabilidade social empresarial. Monitorar a cadeia produtiva é obrigação da siderúrgica e não apenas do produtor e do importador. Também fabricante de ferro-gusa, a siderúrgica Cisam operava com carvão vegetal produzido no Brasil e no Paraguai. De acordo com um representante da empresa, o carvão era totalmente produzido com madeira oriunda de florestas plantadas, inclusive os carregamentos oriundos do Paraguai. A área de reflorestamento localizada no Paraguai foi implantada na cidade de San Juan Nepomuceno, no departamento de Caazapá. O empreendimento era administrado por brasileiros. Além dos problemas ambientais, sociais e trabalhistas existentes no carvão paraguaio, traficantes de drogas e contrabandistas se valem da importação do produto para cometer seus crimes. O carvão, segundo uma fonte consultada, é usado para confundir o scanner utilizado na fiscalização 68 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O de fronteira. O carvão também prejudica o olfato dos cães farejadores, pois absorve o odor produzido por drogas como maconha e cocaína. “O mais comum é o dono do produto principal nem saber que a carga estava com a droga, sendo que nesses casos normalmente o motorista é cooptado pelo esquema diretamente. Mas acontece também do traficante comprar a carga e misturar, fazendo o serviço completo”, disse, na época, o delegado José Alberto Legas, chefe da delegacia da Polícia Federal em Foz do Iguaçu (PR). Em Ponta Porã (MS), a Polícia Federal afirmou, em 2010, que eram comuns flagrantes de tráfico de droga e contrabando que usavam a importação de carvão como fachada. O mesmo ocorria com soja, milho e feijão. REFERÊNCIAS 9 • PRODUÇÃO DE CARVÃO NA CAATINGA E NA MATA ATLÂNTICA Ambientes frágeis como a Caatinga também sofrem com o carvoejamento ilegal. Foto: Aldem Bourscheit / Arquivo » 69 70 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O A exceção dos Pampas, no extremo Sul do país, os outros cinco biomas brasileiros estão hoje fortemente integrados ao mercado de produção do carvão vegetal. E os problemas advindos dessa realidade – sejam eles ambientais, sociais, trabalhistas ou fundiários – não poupam nenhum deles, perpassando vários estados e todas as cinco regiões do país. A Caatinga é motivo de preocupações crescentes. Somente entre 2002 e 2008, de acordo com levantamento do Ibama, o bioma perdeu 3,6% de sua cobertura vegetal remanescente – num ritmo de devastação proporcionalmente superior, por exemplo, ao da Floresta Amazônica. Na Caatinga, mais uma vez a siderurgia patrocina a devastação ambiental e o trabalho escravo. “O principal fator de desmatamento da Caatinga é energético. É conversão de mata nativa em lenha e carvão”, afirmou em 2010 o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc37. Em agosto de 2008, uma operação do Ibama localizou centenas de fornos clandestinos na região de Serra Talhada, em Pernambuco. O carvão, segundo as apurações do órgão, destinava-se às siderúrgicas de Minas Gerais e do Espírito Santo. Em 2009 e 2010, novas fiscalizações na Caatinga flagraram outros produtores ilegais. Desta vez, as ocorrências foram registradas em ilhas do rio São Francisco, no sertão pernambucano, e no município de Petrolina (PE). São ações que, de acordo com análises do próprio órgão, apenas arranham a superfície do problema. Mais ao Sul, no semiarido baiano, os carvoeiros entraram em rota de colisão com os chamados “fundos de pasto” – comunidades tradicionais cujo modo de vida baseia-se no aproveitamento dos recursos naturais advindos da Caatinga. Em outubro de 2008, uma carta aberta assinada por cinco associações representantes de tais grupos denunciava uma devastação superior a 10 mil hectares em Pilão Arcado (BA), comprometendo a subsistência de mais de 200 famílias. “As comunidades que vivem na região dependem diretamente dessas áreas para tirar o seu sustento. Com a ação das carvoarias, essas famílias se encontram em total desespero”, atesta o documento38. 37 Reuters, 2010 38 Universidade Estadual da Bahia, 2008 P R O D U Ç Ã O D E C A R VÃ O N A C A AT I N G A E N A M ATA AT L Â N T I C A » 71 MINAS: CAMPEÃ DE DESMATAMENTO Os impactos do carvão não poupam nem mesmo a Mata Atlântica, o mais devastado dos biomas brasileiros – que já perdeu 75% de sua cobertura original, de acordo com dados do Ibama39. E, mais uma vez, o carvoejamento exerce pressões sobre o meio ambiente. Entre 2008 e 2010, segundo o Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica40, Minas Gerais foi o estado campeão do desmatamento neste bioma. Uma situação que, dizem as entidades, está intimamente ligada à produção de carvão vegetal para a siderurgia. Os interesses da indústria do carvão foram contemplados, em 2010, com a aprovação, pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, de um projeto de lei que permite o desmatamento de até 70% em propriedades localizadas na vegetação de Mata Seca – um dos principais remanescentes florestais do estado. A Mata Seca foi incluída no bioma Mata Atlântica por decreto federal em 2008 e passou a ser oficialmente objeto de ações prioritárias para a preservação. Por causa disso, o Ministério Público Estadual moveu uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a referida lei estadual e, em janeiro de 2011, obteve uma liminar na Justiça suspendendo sua validade. O embate jurídico e político sobre o tema ainda promete ter muitos outros capítulos. Nos últimos anos, para além do território mineiro, reservas de Mata Atlântica em diversos outros estados – como Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Paraná – estão sendo devastadas pela cadeia produtiva do carvão ilegal. Entre as localidades mais sensíveis, a região da Serra Vermelha, no sul do Piauí, é uma das que mais preocupam. O local – um território de transição entre a Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga – é considerado uma das últimas florestas que restam no semiarido. A criação de um Parque Nacional protegendo suas matas foi encampada por estudos do Ministério do Meio Ambiente (MMA), mas contou com a oposição do governo do Piauí. Atualmente, o projeto está engavetado. 39 Ecodebate, 2010. 40 SOS Mata Atlântica, 2010. 72 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O 10 • A CADEIA PRODUTIVA DO CARVÃO VEGETAL: ESTUDOS DE CASO Foto: Sérgio Vignes / Papel Social Comunicação A C A D E I A P R O D U T I VA D O C A R VÃ O V E G E TA L : E S T U D O S D E C A S O » 73 O ferro e o aço são produtos intimamente ligados à vida humana. São usados na fabricação de utensílios simples, como um cortador de unhas, e complexos, como instrumentos de navegação de aviões. E, também, mortais, como os projéteis que matam pessoas em todos os cantos do planeta. A cadeia produtiva que tem o ferro e o aço como componentes é enorme justamente por eles serem utilizados em quase tudo. As maiores empresas do mundo estão ligadas, de uma maneira ou de outra, à cadeia produtiva do setor siderúrgico. Os exemplos a seguir demonstram como o carvão produzido de forma predatória por vezes entra na cadeia produtiva do ferro e do aço. E como corporações sediadas a milhares de quilômetros dos biomas – até mesmo em outros continentes – muitas vezes mantêm relações comerciais com carvoarias que devastaram a floresta ou usaram trabalho análogo à escravidão. É claro que muitas das empresas identificadas desconheciam esses fatos e foram inseridas nessa rede devido a uma atitude irresponsável de fornecedores diretos ou indiretos. Inclusive, muitas já possuem instrumentos de controle sobre a procedência de boa parte dos produtos que lhes servem de matérias-primas. Ao alertar os diferentes elos de uma complexa cadeia sobre a possibilidade de utilização de mão de obra escrava e de danos ambientais, esta pesquisa fornece um instrumento de proteção às próprias empresas. A partir deste estudo, elas têm a possibilidade de se tornarem parceiras fundamentais para a produção de ferro e aço limpos no Brasil, sem vinculação com carvoarias que exploram de forma degradante o homem e o meio. O objetivo deste estudo é estimular o debate sobre o problema e convocar as empresas à difícil e necessária missão de assumirem posições sustentáveis em todos os elos da cadeia dos produtos que compram, vendem e processam. Acompanhe a seguir alguns estudos de casos. Eles trazem situações representativas de como as carvoarias estão conectadas às redes de grandes companhias. Por serem apenas uma pequena amostra de problemas que envolvem uma parcela bem maior do Produto Interno Bruto do país, devem ser considerados como representativos e usados para a formulação de políticas públicas e corporativas e na conscientização dos consumidores. 74 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O O TEMPO DO CARVÃO VEGETAL Ao se analisar cada um dos casos, é importante observar que a janela de tempo para se combater o carvão produzido de forma não-sustentável é curta. Afinal de contas, a duração de uma carvoaria pode se confundir com o período necessário para o esgotamento da mata nativa ao seu redor. Portanto, quando uma carvoaria ilegal flagrada com escravos é inserida pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República na “lista suja”, como já visto, é grande a chance de tal carvoaria não existir mais. Ou seja, é comum que a madeira para produção do carvão tenha se esgotado e a empresa não só mudado de local, mas também de nome. O que leva à triste conclusão de que bloquear a “lista suja”, no caso do carvão, é, muitas vezes, bloquear uma sombra. Conforme já sinalizado, o ideal seria é que as siderúrgicas acendam o sinal amarelo desde quando ocorre uma libertação de trabalhadores entre seus fornecedores, e não somente após a inclusão da “lista suja”. Para viabilizar esse monitoramento, há diversas fontes de informação sobre as libertações, como reportagens de veículos de comunicação, notas públicas do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do Ministério Público Trabalho e do Ministério Público Federal, além de sites especializados sobre o tema, como o da ONG Repórter Brasil (www.reporterbrasil.org.br) e o do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (www.pactonacional.com. br). Além disso, a própria Secretaria de Inspeção do Trabalho do MTE tem fornecido informações sobre fiscalizações diretamente a todas as empresas que requisitam, preservando os dados sigilosos de cada empregador. Mais importante, porém, é que as guseiras garantam a origem de todo o carvão que consomem, com florestas plantadas e trabalhadores bem tratados, dentro do que exige a Consolidação da Leis do Trabalho. Por fim, qualquer estudo de cadeia produtiva do carvão mostra uma fotografia do passado. Neste caso, dos últimos três anos. Algumas relações podem não mais existir devido tanto ao encerramento de atividades das carvoarias, à mudança de razão social ou a decisões comerciais tomadas por conta de preço ou logística. Contudo, este estudo A C A D E I A P R O D U T I VA D O C A R VÃ O V E G E TA L : E S T U D O S D E C A S O » 75 mostra empresas que estavam nessas redes enquanto o problema existiu. É, portanto, um chamado à ação e uma oportunidade de repensar políticas corporativas para garantir um desenvolvimento realmente sustentável. Observação: A íntegra das respostas das empresas encontra-se no endereço http://is.gd/wD20hD 1 • EMPRESAS – CERRADO E CAATINGA 1.1 CASO 1: DUAS VEZES TRABALHO ESCRAVO Fundado em 1970 e sediado em Ipameri (GO) – onde estão seus plantios de eucalipto –, o grupo Brasil Verde, além de atuar no segmento florestal, também possui operações siderúrgicas em Conceição do Pará (MG), onde controla a Zuf Fundição. A empresa, que atua no mercado nacional e internacional, fabrica ferro- gusa e também peças fundidas em ferro, vendidas para grandes fabricantes nacionais de tratores e máquinas agrícolas. Além de produzir carvão a partir de seus reflorestamentos em Goiás, o grupo também adquire o insumo de terceiros. ►Os problemas Trabalhadores em condições degradantes, instalados em alojamentos precários e submetidos a jornadas extenuantes. Esta foi a situação encontrada, em abril de 2009, por fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) na fazenda Pedra Azul, município de Serranópolis (GO). Na ocasião, três pessoas foram resgatadas do trabalho análogo ao de escravo enquanto produziam carvão de mata nativa. Por conta dos problemas identificados, foram lavrados 25 autos de infração e pagos cerca de R$ 9,5 mil em direitos trabalhistas. A carvoaria era comandada por Leonardo Valério Lopes, dono da empresa ZL Desmatamentos, que assinou com o proprietário da fazenda – o pecuarista Sebastião Levi de Carvalho – um contrato de arrendamento para explorar a área. Trata-se de um arranjo comum em 76 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O regiões de fronteira agrícola do Brasil: enquanto um ganha com a venda do carvão, o outro obtém a “limpeza” da terra para posteriormente instalar atividades agropecuárias. Por conta dos problemas identificados, a fazenda e seu dono foram incluídos na “lista suja” do trabalho escravo em dezembro de 2010. O carvão produzido por Leonardo Valério Lopes à época da fiscalização tinha como destino as instalações indústriais do grupo Brasil Verde, localizadas em Conceição do Pará (MG). Não foi a primeira vez que a empresa se viu envolvida com o trabalho escravo contemporâneo. Em março de 2007, 19 trabalhadores foram resgatados no cultivo de eucalipto para a companhia em Ipameri (GO), onde suas fazendas de reflorestamento somam cerca de 15 mil hectares. A Brasil Verde Agroindústrias chegou a ser incluída na “lista suja” em julho de 2008, mas, um mês depois, obteve uma liminar na Justiça para que seu nome não aparecesse no cadastro oficial do governo. Além dos problemas na esfera trabalhista, a Brasil Verde também está presente na lista de áreas embargadas do Ibama. Em outubro de 2008 a empresa foi autuada pelo órgão na Fazenda Alto Horizonte, em Cristalina (GO), por extrair cristais, sem licença ambiental em Área de Preservação Permanente (APP). Quatro meses antes, a empresa já havia sido multada em R$ 6,8 milhões, quando uma investigação do órgão ambiental identificou o recebimento de uma grande quantidade de carvão irregular – suficiente para encher mais de cem caminhões – por parte da companhia. Em 2005, a Brasil Verde Agroindústrias havia sido agraciada com o 3º lugar, na categoria atividade agrosilvopastoril, do Prêmio Goiás de Gestão Ambiental – concedido pela Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg) e pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente, entre outras entidades. Também assinou um Termo de Compromisso Ambiental para criar na Fazenda Alto Horizonte – a mesma autuada pelo Ibama – uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), modalidade voluntária de unidade de conservação com o objetivo de conservar a diversidade biológica. A C A D E I A P R O D U T I VA D O C A R VÃ O V E G E TA L : E S T U D O S D E C A S O ►Mercado comprador A Case New Holland, empresa do grupo Fiat, dona de quatro unidades indústriais no Brasil, é uma das maiores fabricantes de maquinário agrícola do mundo, e teve a Zuf Fundição como fornecedora. ►O que dizem as empresas: A Case New Holland não respondeu até o fechamento deste estudo. 1.2 CASO 2: ESCRAVOS NO CARVÃO DA CAATINGA Sediada em Banabuiú (CE), a Libra Ligas do Brasil produz ferrosligas – como o ferrosilício e o ferro-silício-magnésio – amplamente utilizados por siderúrgicas e fundições em seus processos produtivos. A usina integra o grupo Carbomil, que possui fábricas e centros de distribuição em dez estados brasileiros. Além da siderurgia, o grupo atua na mineração, agropecuária e fabricação de insumos utilizados nas indústrias químicas e da construção civil, tais como cal, argamassas e carbonato de cálcio. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é acionista de uma de suas empresas, a Carbomil S/A Mineração e Indústria, com 30% do capital total. ►Os problemas A Libra Ligas do Brasil entrou na “lista suja” do trabalho escravo em dezembro de 2010 por conta de uma diligência ocorrida dois anos antes (em outubro de 2008), quando 51 pessoas foram encontradas em condições degradantes cortando árvores nativas e produzindo carvão para a indústria. O flagrante ocorreu na Fazenda Tabuleiro, em Parambu (CE), uma área arrendada de manejo florestal autorizado pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará (Semace). Dois intermediários haviam sido contratados para arregimentar os empregados – um deles, inclusive, portava ilegalmente uma pistola 7,65mm e foi detido na ocasião pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). Os trabalhadores estavam alojados em barracas de lona preta, bebiam » 77 78 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O água de um açude, trabalhavam sem equipamentos de proteção individuais (EPIs) e tinham que comprar os alimentos consumidos. Advogados da empresa que acompanharam a fiscalização fizeram o pagamento dos resgatados (R$ 137 mil), que retornaram às suas cidades de origem. Para além dos problemas trabalhistas, outra empresa do grupo – a mineradora Carbomil Química S/A – possui áreas embargadas pelo Ibama por desmatamento ilegal. As autuações totalizam aproximadamente 400 hectares e relacionam-se a infrações nos municípios de Jaguaretama (CE), Jaguaribara (CE), Jaguaribe (CE) e Limoeiro do Norte (CE), todos no semi-árido cearense. ►Mercado comprador Um dos principais clientes da Libra Ligas do Brasil foi a Aço Cearense, que produz tubos, perfis, chapas, slitters e outros produtos de aço, e é dona de uma carteira com cerca de 20 mil clientes/mês. O grupo possui duas fábricas em Caucaia (CE) e também controla a Siderúrgica Norte Brasil S/A (Sinobras), localizada no Pará. Em 2009, a Aço Cearense fechou parceria com a Vale para a criação, em sociedade, de uma nova empresa no Pará – a primeira usina de laminação de aços planos do Norte e Nordeste do país. O grupo de origem norueguesa Elkem, que no Brasil possui planta indústrial de produtos químicos em Serra (ES), foi outro cliente da Libra Ligas. Com unidades fabris nas Américas, Europa, África e Ásia, a Elkem é um dos líderes mundiais na produção de artefatos de silício, como, por exemplo, painéis solares. Revendedora de insumos para fundição no mercado interno, a Atelmig Comercial teve a Libra Ligas como um de seus parceiros. Entre os clientes da empresa estiveram a Fundimig, que produz peças agrícolas, automotivas e indústriais, e a Teksid do Brasil, fundição integrante do grupo Fiat. No mercado externo, a Libra Ligas do Brasil teve histórico de vendas para a unidade indústrial de Trinidad e Tobago da ArcelorMittal, líder mundial em mercados de aço. A C A D E I A P R O D U T I VA D O C A R VÃ O V E G E TA L : E S T U D O S D E C A S O ►O que dizem as empresas Ao ser indagada sobre seu relacionamento comercial com a Libra Ligas do Brasil, a Elkem manifestou a intenção de investigar o caso. A empresa informou ainda que o envolvimento com o trabalho escravo é uma “violação grave” de suas políticas corporativas. “Impomos à nossa organização e aos nossos fornecedores padrões rígidos de responsabilidade social e não iremos tolerar derivações destas normas”, diz a Elkem, através de nota. “A ArcelorMittal Brasil abomina qualquer tipo de atividade que esteja fora das regras e conduta para uma produção pautada em segurança, sustentabilidade e responsabilidade social”, informou a empresa, por meio de sua Gerência Geral de Relações Institucionais e Sustentabilidade. A multinacional acrescentou ainda que exige dos produtores de ferro-gusa “a apresentação de documentação completa, nos âmbitos federal, estadual e municipal, nas áreas fiscal, legal e ambiental”. E também afirma que, desde 2009, a Libra Ligas do Brasil não é mais fornecedora da empresa. Ressalte-se que identificamos relações comerciais entra a ArcelorMittal e a Libra Ligas em setembro de 2009. Ou seja, quase um ano depois da libertação dos trabalhadores que produziam carvão para a indústria de ferros-ligas. A Teksid informou que, após análise da Atelmig Comercial Ltda, verificou que a empresa não fornece produtos na linha ferroligas para ela. “Além disso, este fornecedor possui um termo assinado com a nossa empresa, onde se compromete sobre as condições e expectativas da cadeia de fornecimento, que inclui dentre outras questões a de ‘não utilizar trabalho forçado, seja na forma de trabalho voluntario ou prisional, trabalho vinculado’”. Vale observar que o estudo não afirma que o relacionamento se deu com base na venda de ligas, mas que houve relacionamento comercial com a empresa em questão. Aço Cearense, a Atelmig e a Fundimig não responderam até o fechamento deste estudo. » 79 80 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O 1.3 CASO 3: ESCRAVOS PARA FAZER CARVÃO DE FLORESTA PLANTADA A Rotavi Industrial é uma fabricante de ferros-ligas fundada em 1988 e instalada em Várzea da Palma (MG). ►Os problemas Em maio de 2009, 174 trabalhadores foram encontrados em condições análogas à escravidão em carvoaria no município de Jaborandi (BA), região de Cerrado, próxima à divisa com Goiás. Além de instalados em alojamentos sujos, próximos aos fornos e sujeitos à fumaça, os trabalhadores não tinham carteira assinada ou equipamentos de proteção individuais (EPIs). Também não recebiam regularmente e parte da alimentação era vendida a preços abusivos pelos “gatos” – os contratadores de mão de obra. Alguns funcionários declararam, inclusive, estar a três meses no local sem receber absolutamente nada. O carvão destinava-se ao abastecimento da Rotavi Industrial, cuja fábrica está distante cerca de 600 km de onde ocorreu a libertação. A carvoaria, um grande empreendimento de 450 fornos montado pela usina, localizava-se numa fazenda com mais de 36 mil hectares e possuidora de plantios florestais para produzir o insumo. O montante devido, apenas em multas e rescisões, foi estimado em R$ 350 mil na ocasião. A usina não quis assumir a responsabilidade pelos trabalhadores, alegando que a operação do empreendimento era terceirizada, mas as apurações da fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego apontaram a Rotavi como a verdadeira empregadora. Tanto que, posteriormente, a indústria foi incluída na “lista suja” do trabalho escravo em dezembro de 2010. Antes dessa libertação, a empresa já havia sido alvo de pelo menos outra ação civil pública – movida pela Procuradoria Regional do Trabalho da 3ª Região (PRT-3), em Minas Gerais – ligada ao descumprimento de normas trabalhistas em carvoarias. ►Mercado comprador A Rotavi Industrial é especializada na fabricação de ferros-ligas a base, por exemplo, de silício e magnésio. Elas são amplamente utilizadas em A C A D E I A P R O D U T I VA D O C A R VÃ O V E G E TA L : E S T U D O S D E C A S O aciarias, siderúrgicas e fundições que produzem insumos ligados aos mais diferentes segmentos – autopeças, construção civil, máquinas agrícolas e indústriais, eletroeletrônicos, entre outros. Entre as empresas com histórico de relações comerciais com a usina, estão algumas das maiores indústrias de peças do país: a BR Metals Fundições, pertencente ao Grupo Brasil; a multinacional de origem alemã Mahle, com seis fábricas instaladas no país; a TRW Automotive, multinacional norte-americana especializada em sistemas de segurança para carros; e a FagorEderlan Brasileira, empresa de autopeças ligada ao grupo espanhol Mondragón. A Rotavi também possui relações com a Italspeed. Sediada em São Paulo (SP), ela abastece com cabeçotes e rodas de alumínio diversas marcas, como, por exemplo, a General Motors, a Fiat, a Peugeot, a Volkswagen e a Ford. No mercado externo, os produtos da Rotavi Industrial foram vendidos através da Trablin Trading Brasileira de Ligas e Inoculantes S/A, que possui conexões comerciais em mais de 20 países espalhados pelos cinco continentes. Entre os seus clientes estavam empresas como o grupo sul-africano Insimbi, a distribuidora norte-americana Miller andCompany, a fundição espanhola Ilarduya, a revendedora italiana Minerall.co e a companhia australiana Bisley. ►O que dizem as empresas Questionada por clientes a respeito do caso acima citado, a Rotavi enviou um comunicado aos realizadores da pesquisa. Nele, a siderúrgica diz ter sido vítima de difamação por parte do Ministério Público do Trabalho (MPT) – que ajuizou uma ação contra a empresa pelos problemas na carvoaria em questão –, e nega qualquer responsabilidade sobre o ocorrido. Segundo seu administrador, Sidênio Joaquim Ferreira Costa, as infrações apuradas pela fiscalização remetem a um empreiteiro que invadiu a carvoaria, apossou-se dos seus equipamentos e passou a produzir carvão criminosamente, sem conhecimento da Rotavi. A empresa afirma ter “sido envolvida numa trama obscura, através da qual se » 81 82 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O tinha a intenção de extorqui-la por meio de empreiteiros que agiram de má fé”, e salienta ser “contrária a qualquer prática de trabalho em condições análogas à de escravidão, mantendo-se, como sempre manteve, plenamente disposta a combatê-la, a todo custo.” A Mahle, por sua vez, informa que está estudando, desde julho de 2011 – quando tomou ciência da entrada da Rotavi na “lista suja” do trabalho escravo –, medidas para a substituição desse fornecedor em sua cadeia produtiva. “Porém trata-se de um processo complexo e de longa duração, em função da dificuldade de encontrar alternativas nos mercados nacional e internacional referentes à especificação do material fornecido atualmente pela Rotavi”, coloca a empresa, por meio de sua Gerência Executiva de Compras. Nesse contexto, a Mahle afirma estar inclusive analisando alterações nos produtos finais – anéis de pistão – que utilizam matérias-primas da Rotavi. Tais alterações, no entanto, dependeriam de testes de longa duração. A Mahle é signatária do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo e possui políticas para combater esse crime nas cadeias produtivas em que está inserida. A Trablin limitou-se a informar que a Rotavi já apresentou sua defesa nos autos da Ação Civil Pública (ACP) em que é ré por conta do caso. A BR Metals Fundições, a TRW Automotive e a FagorEderlan Brasileira não responderam ao contato até o fechamento deste estudo. 1.4 CASO 4: TERRAS EM DISPUTA COM COMUNIDADES TRADICIONAIS Controlado pelo empresário Bernardo Paz, o Grupo Itaminas foi fundado na década de 1950 e é um dos mais tradicionais conglomerados mineiros com atuação nos ramos de mineração, siderurgia e reflorestamento. Seu parque indústrial é composto por quatro guseiras: a Itasider Usina Siderúrgica Itaminas e a MGS Minas Gerais Siderurgia, ambas localizadas em Sete Lagoas (MG), além da Siderurgia São Sebastião de Itatiaiuçu, em Itatiaiuçu (MG), e a Siderúrgica Piratininga, de Itaguará (MG). Também integra o parque produtivo da Itaminas a Replasa Reflorestadora. Criada em 1972 para abastecer com carvão vegetal as siderúrgicas do grupo, ela controla mais de 50 fazendas, numa A C A D E I A P R O D U T I VA D O C A R VÃ O V E G E TA L : E S T U D O S D E C A S O área total superior a 40 mil hectares. Recentemente, em 2010, Bernardo Paz acertou a venda, por US$ 1,2 bilhão, de um de seus principais ativos – uma jazida de ferro no município de Sarzedo (MG) – à multinacional chinesa Birô de Exploração e Desenvolvimento Mineral do Leste da China (ECE). ►Os problemas A Fazenda Passagem Larga, que ocupa 3 mil hectares no município de Rio Pardo de Minas (MG), é, desde 1990, uma das áreas utilizadas pela Replasa em seus plantios de eucalipto. No entanto, as atividades da empresa no local foram suspensas após terem sua viabilidade ambiental questionada pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), órgão subordinado ao governo de Minas Gerais. Em julho de 2009, um parecer da entidade apontou diversos problemas na fazenda, como, por exemplo, eucaliptos em Áreas de Preservação Permanente (APPs), na margem dos cursos d’água, e numa distância das nascentes inferior à obrigatória por lei. Uma visita de campo do órgão revelou impactos em córregos pelo uso de agrotóxicos e pela erosão oriunda das atividades produtivas. Também foi constatado que a área de Reserva Legal era inferior aos 20% obrigatórios para empreendimentos no Cerrado, e, além disso, chamou a atenção o fato de haver uma família instalada no local onde ela foi averbada – segundo o parecer do Copam, há mais de três gerações. A Fazenda Passagem Larga é objeto de conflito fundiário envolvendo a comunidade geraizeira de Raiz, composta por aproximadamente 150 pessoas e cuja presença na região, segundo levantamentos genealógicos, remonta há mais de 200 anos. Em dezembro de 2009, 40 famílias dos geraizeiros ocuparam a propriedade, reivindicada como área de uso tradicional dos moradores locais. Poucos meses depois, a empresa obteve na Justiça a reintegração de posse. “Vivíamos aqui nas grotas e chapadas plantando as nossas roças, criando os nossos animais na solta, coletando frutos, madeira, lenha e ervas nos cerrados que nos contornam”, descreve carta aberta da comunidade de Raiz, divulgada em 2008. “Até que chegou o pessoal » 83 84 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O da Replasa, compraram o direito de alguns, quando vimos fecharam a nossa comunidade e também as comunidades vizinhas. Derrubaram o cerrado e plantaram eucalipto em tudo, nas cabeceiras das águas, beirando as nascentes, só deixando de fora os nossos quintais e onde nós estávamos com a roça plantada. O eucalipto foi crescendo e a água encurtando, os desmontes da firma foram aterrando as minas de água, os córregos secaram, e tivemos que começar a beber água de carro pipa ou de poço artesiano.” Os problemas em Rio Pardo de Minas não são os únicos envolvendo o carvão vegetal que abastece o Grupo Itaminas. Entre julho de 2007 e julho de 2010, a Itasider, maior siderúrgica do grupo, integrou a “lista suja” do trabalho escravo devido à libertação de 36 trabalhadores em uma carvoaria, localizada no município de Sucupira (TO), que fornecia o insumo à indústria. Além disso, as empresas do grupo já foram autuadas por diversas vezes devido ao recebimento de carvão vegetal nativo sem origem legal comprovada. Em 2008, suas quatro siderúrgicas foram multadas pelo Ibama em mais de R$ 22 milhões – devido ao envolvimento com carvão ilegal no Pará, Paraná, Mato Grosso do Sul e Tocantins. A Itasider possui inclusive uma área de 400 hectares embargada pelo Ibama no município de Paranã (TO), local onde foi constatado desmatamento ilegal. A Procuradoria Federal do Tocantins (PF/TO), órgão vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU), ajuizou em 2009 duas ações cobrando da Itasider a reposição florestal das matas nativas consumidas pela empresa naquele estado. Um delas cobra aproximadamente R$ 40 milhões devido ao descumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ibama, no qual a indústria se comprometia a repor a matéria-prima florestal utilizada até abril de 2005. ►Mercado comprador Compradores de produtos siderúrgicos do Grupo Itaminas – que, além do ferro-gusa, também produz peças fundidas – incluíam a Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), aciaria integrante do Sistema Usiminas instalada em Cubatão (SP). Outra empresa com a qual manteve histórico A C A D E I A P R O D U T I VA D O C A R VÃ O V E G E TA L : E S T U D O S D E C A S O de relações comerciais é a Companhia Nipo-Brasileira de Pelotização (Nibrasco). A cartela de clientes incluía também as operações brasileiras do grupo sul-africano AngloGoldAshanti, que atua nas áreas de mineração, metalúrgica, mobiliária e de produção de energia. ►O que dizem as empresas Por meio de comunicado encaminhado por sua assessoria de comunicação, a Usiminas, responsável pela Cosipa, confirmou que teve relacionamento comercial com o grupo Itaminas no período. A empresa informa que, “nos últimos cinco anos, 96% do ferro-gusa demandado foi fabricado internamente por seus altos-fornos, a partir de carvão de origem mineral. O excedente foi adquirido pontualmente de players do mercado de gusa, como complemento de produção”. A companhia ressalta ainda que o ferro-gusa adquirido do grupo Itaminas representou 0,7% do total consumido nos últimos cinco ano e que, atualmente, não mantém mais relações comerciais com o referido grupo. “A Usiminas tem estabelecido cláusulas contratuais que exigem de seus fornecedores e também de seus sub-fornecedores a estreita observância à legislação ambiental e trabalhista, bem como a comprovação de tais práticas”, ressalta o comunicado. A Nibrasco e a AngloGoldAshanti não responderam até o fechamento deste estudo. 2 • EMPRESAS – AMAZÔNIA A segunda etapa da Operação “Saldo Negro”, do Ibama, concluída em novembro de 2011, embargou as atividades de indústrias siderúrgicas por conta de desmatamento ilegal no polo de Carajás. Cosipar, Ibérica e Sidepar tiveram suas atividades temporariamente suspensas pelo órgão. Para continuar a produzir, elas terão que usar carvão mineral ou vegetal oriundo de florestas plantadas. Segundo a apuração do Ibama, o uso de documentos falsos e de empresas de fachada permitiu a elas desmatar 27,3 mil hectares em » 85 86 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O três anos, resultando em 947 mil metros cúbicos de carvão. Isso equivale a mais de 15 mil caminhões enfileirados e carregados de carvão feito em desconformidade com a legislação ambiental. O Ministério Público Federal no Pará, então, ajuizou Ações Civis Públicas pedindo imediatamente a suspensão das atividades e a indisponibilidade dos bens das empresas. A juíza Nair Cristina Corado Pimenta de Castro concedeu as liminares nos processos, bloqueando um total de R$ 145 milhões das três siderúrgicas para garantir a recomposição dos danos à floresta amazônica. Além do bloqueio, elas foram proibidas de adquirir carvão até que toda a matéria-prima florestal e a cadeia de custódia fosse auditada em campo pela Secretária Estadual do Meio Ambiente (Sema) e certificada pelo Ibama. Em 17 de fevereiro de 2012, as empresas Cosipar, Ibérica e Sidepar aceitaram assinar Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) para regularizar ambientalmente suas atividades no Estado do Pará. O acordo estabelece, entre outras outras obrigações e compromissos, que as guseiras devem instalar e manter banco de dados atualizados e disponíveis sobre a origem do carvão consumido, com detalhes sobre as fontes de suprimento e seus fornecedores de carvão. Além disso, elas terão que publicar todos os dados sobre a produção anual de ferro-gusa e se comprometerão a indicar permanentemente quais são os compradores do produto final, bem como informar detalhadamente a situação de seus projetos de reflorestamento e de reposição florestal, que também serão auditados. O documento prevê a substituição da compra do carvão produzido a partir da derrubada da mata por carvão de unidades de silvicultura (reflorestamento). “Um enorme passo foi dado para reduzir o desmatamento e alcançar a sustentabilidade da atividade produtiva, solucionando um problema grave histórico da região”, resume o procurador da República Tiago Modesto Rabelo, de Marabá. “O cumprimento dos acordos será rigorosamente fiscalizado para que não se frustre esse intento”, ressalta Daniel César Azeredo Avelino, que também participou das negociações. Ao aceitarem os compromissos do Termo de Ajuste de Conduta (TAC), as empresas obtém a suspensão das ações anteriormente A C A D E I A P R O D U T I VA D O C A R VÃ O V E G E TA L : E S T U D O S D E C A S O ajuizadas na Justiça Federal de Marabá pelo MPF. Outras siderúrgicas do Pólo Carajas também terão que assinar o acordo. Se ele for descumprido, o TAC será executado, e empresas serão multadas e o MPF encaminhará recomendações aos compradores do produto para não mais adquirirem o ferro-gusa das empresas. No dia 08 de fevereiro, o governo do Pará também havia assinado o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pelo Ministério Público Federal para as siderúrgicas do Estado. Dessa forma, o governo se compromete a implementar, por meio da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), um programa intensivo de monitoramento ambiental, checando a legalidade das licenças já emitidas para as siderúrgicas. A Sema também assume a responsabilidade de fiscalizar anualmente o cumprimento das condicionantes ambientais, as exigências feitas para a manutenção das licenças e a estabelecer uma parceria mais próxima com os municípios onde estão instaladas as indústrias. Além do pente-fino em busca de irregularidades e do monitoramento, o governo se compromete a só emitir novas licenças para as empresas que comprovarem a origem lícita do carvão. 2.1 CASO 1: INTERMEDIAÇÃO DE CARVÃO VEGETAL Controlada pelo grupo Aço Cearense, a Sinobras, localizada em Marabá (PA), é atualmente a única siderúrgica que produz aço no Pólo Carajás. Seus negócios estão focados no setor da construção civil das regiões Norte e Nordeste, que atualmente passam por um boom de investimentos. A Aço Cearense tem parcerias comerciais com a Vale. Uma delas na própria cidade de Marabá (PA). Em 2011, as duas empresas iniciaram a construção de uma nova usina, a Alpa. A planta, uma unidade de laminação, será 25% da Vale e 75% da Aço Cearense. ►Os problemas Em agosto e setembro de 2010, a Sinobras adquiriu produção carvoeira da M&E Carvão Ltda. Esta empresa, por sua vez, havia recebido, em agosto, carvão fabricado pela carvoaria Campos Belo, localizada na » 87 88 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O cidade paraense de Tailândia. A Campos Belo está presente na lista de embargos do Ibama por “fabricar carvão de mata nativa sem licença ou em desacordo com as determinações legais”. A empresa também recebeu remessas de carvão da empresa Kako e Teka, sediada em Paragominas (PA), por exemplo, em março de 2010. Essa empresa tem duas entradas na lista de embargos do Ibama, lavradas em 2008, por destruir florestas em área de especial preservação e exercer atividade em desacordo com a licença. Em 2007, um fiscal do Ibama prendeu o dono da carvoaria após ter recebido proposta para que fosse reduzido o valor de multa em troca da concessão de vantagem. O fato ocorreu durante apreensão de carvão e madeira produzidos de forma ilegal. Existem oito autos de infração lavrados pelo Ibama contra a empresa entre 2008 e 2010. ►Mercado comprador No mercado externo, já comercializou ferro-gusa com os Estados Unidos com empresas como Duferco Steel, Stemcor USA, National Material Trading, AmericaMetals Trading, Gallatin Steel, Primetrade e Stena Metal. ►O que diz a empresa Em resposta aos apontamentos da pesquisa, a Sinobras, através de seu departamento jurídico, informou que as compras de carvão vegetal realizadas pela siderúrgica seguem rígidos critérios para a habilitação de carvoarias, que incluem a fiscalização prévia das suas instalações e a checagem detalhada de suas licenças ambientais, certidões negativas e outros documentos relevantes. Além disso, a empresa afirma promover um acompanhamento mensal de todos os seus fornecedores, por meio de análises documentais e visitas a suas sedes a fim de averiguar irregularidades ambientais ou trabalhistas. A Sinobras afirma que todos esses procedimentos foram realizados durante o período em que adquiriu matéria-prima das carvoarias Kako e Teka e M & E Carvão Ltda. – ME. Em relação à segunda, a empresa informa também ter solicitado explicações sobre o “atravessamento de A C A D E I A P R O D U T I VA D O C A R VÃ O V E G E TA L : E S T U D O S D E C A S O carvão”, ou seja, a compra do insumo de terceiros – prática que a siderúrgica afirma repudiar e combater. A carvoaria negou o fato. Nota da pesquisa: Inicialmente a Sinobras apresentou documentação de distrato com a Kako e Teka com data de fevereiro de 2010. Contudo, outros documentos obtidos pelo estudo mostraram que houve, pelo menos, mais uma compra em março de 2010. Questionada sobre isso pela Vale, sua parceira comercial, a Sinobras afirmou que houve erro material no distrato firmado com a fornecedora e que onde consta a data 17 de fevereiro de 2010, na realidade deveria constar 17 de março de 2010. Apesar da negativa, é importante reiterar que, em agosto e setembro de 2010, a Carvoaria Campos Belo encaminhou carvão vegetal à M & E Carvão Ltda., como comprovam documentos de trânsito de carvão vegetal. 2.2 CASO 2: DESTRUIÇÃO DE FLORESTAS EM ÁREA DE ESPECIAL PRESERVAÇÃO Com sede em Minas e Gerais e usina em Marabá (PA), a Sidepar – Siderúrgica do Pará S/A é uma das maiores produtoras de ferrogusa do polo de Carajás. Tem forte penetração no mercado norteamericano, mas também atua no mercado interno. A empresa controla uma mina de ferro no Pará que abastece seus fornos. ►Os problemas Também usou carvão produzido pela Kako e Teka, de Paragominas (PA). A empresa tem duas entradas na lista de embargos do Ibama, lavradas em 2008, por destruir florestas em área de especial preservação e exercer atividade em desacordo com a licença. Em 2007, um fiscal do Ibama prendeu o dono da carvoaria após ter recebido proposta para que fosse reduzido o valor de multa em troca da concessão de vantagem. O fato ocorreu durante apreensão de carvão e madeira produzidos de forma ilegal. Existem oito autos de infração lavrados pelo Ibama contra a empresa entre 2008 e 2010. » 89 90 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O ►Mercado comprador No Brasil, a Sidepar teve histórico de relacionamento comercial com a ArcelorMittal, o maior produtor de aço bruto do país. Somente em 2010, a multinacional investiu R$ 800 milhões na expansão de seus negócios em território brasileiro. A ArcelorMittal está presente em 21 países. No exterior, as seguintes empresas norte-americanas já foram parceiras comerciais da Sidepar: Environmental MaterialsCorp, Consolidated Mill Supply, Gallatin Steel Company, Stena Metal, Cargill IncFerrous, Toyota Tsusho América, AmericaMetals Trading, Servetsal Columbus, Stemcor USA, NationalMaterials Trading e Primetrade. ►O que dizem as empresas “A ArcelorMittal Brasil abomina qualquer tipo de atividade que esteja fora das regras e conduta para uma produção pautada em segurança, sustentabilidade e responsabilidade social”, informou a empresa, por meio de sua Gerência Geral de Relações Institucionais e Sustentabilidade. A multinacional acrescentou ainda que exige dos produtores de ferro-gusa “a apresentação de documentação completa, nos âmbitos federal, estadual e municipal, nas áreas fiscal, legal e ambiental”. E, especificamente sobre o relacionamento comercial com a Sidepar, afirmou que deixou de ter relações comerciais com a empresa no segundo semestre de 2009. Vale ressaltar que a carvoaria Kako e Teka já era fornecedora de carvão da guseira paraense na data em que a ArcelorMittal afirma ter ocorrido os últimos fornecimentos de ferro-gusa dela provenientes. A Sidepar este presente nos diálogos com as empresas promovidos por esta iniciativa, mas não respondeu até o fechamento deste estudo. 2.3 CASO 3: INFORMAÇÃO FALSA NOS SISTEMAS OFICIAIS DE CONTROLE A Companhia Siderúrgica do Pará (Cosipar) está instalada em Marabá (PA), onde opera há mais de 20 anos. Possui forte penetração no mercado norte-americano. No Pará, a empresa tem capacidade para produzir 480 mil toneladas de ferro-gusa por ano. A C A D E I A P R O D U T I VA D O C A R VÃ O V E G E TA L : E S T U D O S D E C A S O ►Os problemas A empresa comprou carvão da Ferreira Indústria Comércio e Serviços, localizada em Rondon do Pará, com três entradas na lista de embargos do Ibama por: exercer atividade sem licença; impedir ou dificultar regeneração natural de florestas; e funcionar sem inscrição no Cadastro Técnico Federal (2006). Existem ao menos 14 autos de infração lavrados pelo Ibama contra a Ferreira Indústria Comércio e Serviços desde 2006, sendo que 10 deles no ano de 2010. As autuações incluem, por exemplo, “apresentar informação falsa nos sistemas oficiais de controle”. A empresa também está em situação irregular no Cadastro Técnico Federal do Ibama. Além da Ferreira Indústria Comércio e Serviços, a Cosipar também comprou das já citadas Kako e Teka e Campo Belos, presentes na lista de embargos do Ibama. Em 2009, a Cosipar foi excluída do Instituto Carvão Cidadão (ICC) e do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo por não estar cumprindo os acordos para garantir que sua cadeia de fornecedores estivesse livre de trabalho análogo ao de escravo. ►Mercado comprador No mercado externo, a Cosipar já manteve relações comerciais com as seguintes empresas nos Estados Unidos: ThyssenKruppMannex, AmericaMetals Trading, National Material Trading, Gallatin Steel Company, Stemcor USA, Stena Metal. ►O que dizem as empresas A Cosipar – através de seu presidente, Luiz Carlos da Costa Monteiro – informou que, para combater o “denominado trabalho degradante”, eliminou do quadro de fornecedores as carvoarias geradoras de tal problema. Além disso, a siderúrgica diz adotar diversas medidas para gerenciar a aquisição do insumo. Entre elas estariam, por exemplo, auditorias junto aos produtores e a adoção de obrigações, nos contratos de compra do insumo, prevendo a obrigatoriedade de fornecimento » 91 92 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) aos funcionários das carvoarias. Monteiro comunicou ainda que a Cosipar, para diminuir o consumo de carvão, decidiu desativar um de seus altos-fornos. Além disso, estariam sendo providenciadas transformações na siderúrgica para eliminar o carvão vegetal do processo produtivo, através da adoção do coque metalúrgico. 2.4 CASO 4: CARVOARIA EM DESACORDO COM SUA LICENÇA AMBIENTAL Instalada em Açailândia (MA), a Gusa Nordeste integra o Grupo Ferroeste, que também atua na produção de álcool e no reflorestamento, além de controlar outra planta siderúrgica – A CBF Indústria de Gusa – localizada em João Neiva (ES). A empresa informa produzir até 360 mil toneladas de ferro-gusa por ano. Atualmente, a indústria está em obras para se converter na primeira aciaria instalada no lado maranhense do polo de Carajás. Em seu site, o Grupo Ferroeste informa que, em 2009, “a Gusa Nordeste atingiu a auto-suficiência em carvão vegetal, com o plantio de eucaliptos em uma área capaz de abastecer a plenitude da demanda de carvão vegetal da empresa.” ►Os problemas Em março de 2010, a guseira recebeu carvão da empresa Kako e Teka, de Paragominas (PA), que faz parte da lista de áreas embargadas do Ibama desde 2008 por destruir florestas em área de especial preservação, bem como por exercer atividade em desacordo com a sua licença ambiental. ►Mercado comprador Subproduto importante da atividade siderúrgica, a escória é utilizada na fabricação de cimento. A Gusa Nordeste produz o insumo e foi fornecedora da Supermix Concreto. Os metrôs de Brasília (DF), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ), o Rodoanel (São Paulo), o Aeroporto Afonso Pena (Curitiba), o Aeroporto Internacional de Recife, o Superior Tribunal A C A D E I A P R O D U T I VA D O C A R VÃ O V E G E TA L : E S T U D O S D E C A S O de Justiça (STJ) em Brasília e fábricas da Audi e Mercedes Benz são alguns exemplos de obras produzidas com os insumos da Supermix. A empresa é controlada pela Soton Participações e tem a Votorantim como acionista. No mercado externo, a Gusa Nordeste manteve relacionamento comercial com as seguintes empresas: Environmental MaterialsCorp., Consolidated Mill Supply, Stena Metal, National Material Trading, Cargill IncFerrous, Severstal Columbus, AmericaMetals Trading, Stemcor Usa e Primetrade, todas nos Estados Unidos. Os problemas do grupo Ferroeste não se resumem à Gusa Nordeste. Em novembro de 2011, Ricardo Carvalho Nascimento, diretor do grupo e da CBF Indústria de Gusa, foi preso pelo Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas e à Corrupção (Nurocc) do Espírito Santo. Ele é apontado como o responsável pela compra de mais de R$ 100 mil em carvão vegetal com indícios de irregularidades, em terras capixabas e baianas. Entre os problemas identificados está inclusive a aquisição do insumo a partir de empresas-fantasmas. ►O que dizem as empresas Acionista da Supermix Concreto, a Votorantim solicitou explicações à empresa ao ser informada dos problemas envolvendo as operações da Gusa Nordeste. Em resposta, a Supermix limitou-se a informar que seu relacionamento comercial com a siderúrgica maranhense foi interrompido em abril de 2011. Apesar de questionada, a Gusa Nordeste não enviou resposta diretamente aos realizadores deste estudo, mas apenas à Vale, sua parceira comercial, conforme pode ser visto a seguir. 2.5 CASO 5: POLÍTICA DE FORNECIMENTO DE MATÉRIA-PRIMA A Vale, uma das maiores mineradoras do planeta, presente em 38 países, é a principal fornecedora de minério de ferro para as siderúrgicas do polo de Carajás. Atua nos segmentos de mineração, logística, siderurgia e energia. Foi criada pelo governo brasileiro em 1942, sendo privatizada em 1997. » 93 94 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O De acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, as vendas externas da empresa totalizaram US$ 24 bilhões (sem incluir o custo de transporte até o consumidor), o que a devolveu ao posto de maior exportadora brasileira em 2010. O montante representou 32% acima dos US$ 18,187 bilhões da Petrobras, a segunda colocada, no mesmo período. O minério de ferro representa 35% das operações da Vale. Em 2011, a previsão era de uma produção de 300 milhões de toneladas dessa matéria-prima – o que deve crescer, segundo projeções, a 500 milhões de toneladas em 2015. No terceiro trimestre de 2011, teve US$ 9,6 bilhões em receitas, alcançando marca recorde para o período. Em 12 meses, a geração de caixa alcançou US$ 36,7 bilhões. ►Os problemas Das siderúrgicas do Pólo Carajás aqui mencionadas, a Vale forneceu minério de ferro para Sinobrás, a Gusa Nordeste e a Cosipar – citadas com problemas nos estudos de caso anteriores. Além disso, a Vale também administra a Ferrovia dos Carajás, por onde é escoado o ferro-gusa que, em sua fabricação, utiliza tanto carvão obtido legalmente quanto àquele oriundo de fontes associadas a irregularidades ambientais. Em 2007, a Vale pediu esclarecimentos a oito empresas produtoras de ferro-gusa, solicitando que apresentassem documentação suficiente para atestar que operavam em conformidade com as leis ambientais e trabalhistas.41 Segundo informações publicadas na época, esse processo resultou na rescisão de contratos com guseiras. No entanto, tais medidas foram revistas. Questionada por este estudo sobre os motivos que a levaram a retomar o relacionamento comercial com as descredenciadas, a Vale informou que “solicitou às empresas produtoras de ferro-gusa a com41 Nota pública “Vale inicia corte de fornecimento a guseiras”: http://saladeimprensa.vale. com/pt/release/interna.asp?id=17854). A C A D E I A P R O D U T I VA D O C A R VÃ O V E G E TA L : E S T U D O S D E C A S O provação de regularidade ambiental e trabalhista a partir da apresentação de documentos como a Licença Operacional, Plano de Suprimento Sustentável (PSS) e o Documento de Origem Florestal (DOF)”. De acordo com a mineradora, “todas as empresas entregaram a documentação, que foi devidamente analisada pelo Departamento de Meio Ambiente da Vale. Tão logo foi verificada a regularidade da documentação, foi retomado o fornecimento de minério de ferro às empresas”. A Fergumar, siderúrgica localizada no Maranhão, apresentou uma decisão judicial que determinava o retorno do fornecimento de minério de ferro, segundo informações da Vale. “Após o recebimento desta liminar, a Vale retomou o fornecimento de acordo com a ordem judicial recebida. O processo foi encerrado posteriormente, sendo que as partes acordaram a continuidade do contrato diante da regularidade documental ambiental e trabalhista da Fergumar”. A Vale não informou se recorreu da liminar na Justiça. Em julho de 2008, a empresa e o Ministério do Meio Ambiente assinaram um compromisso em que a empresa se obrigava a restringir suas vendas de minério a produtores de ferro-gusa que atestarem a legalidade da madeira e do carvão vegetal utilizados em suas cadeias produtivas. O acordo formalizava e sistematizava a mesma ação divulgada pela empresa um ano antes, em que informou ter suspendido parceiros que contavam com carvoarias flagradas com trabalho escravo e irregularidades socioambientais em sua cadeia produtiva. Essa política é explicitada em seu relatório de sustentabilidade, divulgado em junho de 2011: “Desde 2008, em função da identificação de risco de utilização de carvão vegetal de madeira não certificada, eventualmente envolvendo trabalho forçado e/ou infantil na cadeia dos clientes produtores de ferro-gusa, foram incluídas cláusulas contratuais permitindo a rescisão do contrato de fornecimento de minério, caso evidenciada alguma irregularidade. As cláusulas referem-se à proteção ambiental, ao desenvolvimento socioeconômico, a não utilização de trabalho infantil e/ou escravo ou análogo ao escravo e a qualquer outro tipo de trabalho irregular”. » 95 96 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O A Vale possui uma série de programas visando à melhoria da qualidade social e ambiental dos insumos no polo de Carajás. Além disso, sua siderúrgica é auto-suficiente em carvão vegetal, devido às suas florestas cultivadas, não apresentando – segundo relatórios de fiscalização do Instituto Carvão Cidadão – problemas como desmatamento ilegal e trabalho escravo. Também reafirmou a este estudo o seu “compromisso com os princípios de desenvolvimento sustentável, exigindo de toda a sua cadeia produtiva (clientes e fornecedores) o cumprimento das legislações ambiental e trabalhista”. Contudo, informações obtidas por este estudo mostram que a empresa forneceu minério de ferro às três guseiras já citadas que, por sua vez, receberam carvão vegetal de embargados pelo Ibama. Ou seja, a Vale não conseguiu monitorar a remessa de carvão de fornecedores com problemas ambientais para as suas clientes e não aplicou a suspensão de relacionamento comercial, ao contrário do que prega seu compromisso público. É importante ressaltar que, de acordo com a própria Vale, a liminar que a obrigava a retomar o fornecimento de minério de ferro diz respeito a uma empresa do Pólo Carajás, que não está entre as três já citadas. ►O que diz a empresa A Vale afirma que as referências à empresa são relativas a “possíveis irregularidades na área ambiental no tocante a empresas que estariam no terceiro elo da cadeia de clientes” (carvoarias que fornecem às suas siderúrgicas clientes). Explica que a grande maioria das empresas não tem condições de monitorar de forma infalível toda a cadeia de clientes, mas que tem buscado inibir práticas de trabalho escravo, degradante ou em violação de leis ambientais através de uma atuação direta e incisiva junto a eles, seja através de cláusulas contratuais, seja através de suspensão ou cancelamento de contratos de fornecimento de minério, ou por meio de medidas administrativas que busquem enfatizar a intolerância da Vale com práticas ilegais. A C A D E I A P R O D U T I VA D O C A R VÃ O V E G E TA L : E S T U D O S D E C A S O A empresa destaca parcerias desenvolvidas com Organização Internacional do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego e organizações não governamentais em harmonia com o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Ela pediu explicações às siderúrgicas de sua cadeia produtiva e chegou às seguintes conclusões: “Não encontramos evidências suficientes para encerrar relações comerciais com as empresas Sinobras, Gusa Nordeste e Cosipar”. A Cosipar, vale lembrar, chegou a ser embargada pela Operação “Saldo Negro”, do Ibama, e teve que assinar um Termo de Ajustamento de Conduta com o MPF-PA. Segundo a Vale, a Sinobras e a Gusa Nordeste afirmaram que não compram mais da carvoaria Kako e Teka, relacionada na lista de embargos do Ibama, desde março e abril de 2010, respectivamente. Ou seja, houve fornecimento para as siderúrgicas durante a presença da carvoaria na lista, conforme aponta o estudo. Quanto à M&E Carvão Ltda, fornecedora da Sinobras, a carvoaria negou existir qualquer relação entre ela e a Campos Belo, que está na lista de embargos. Essa ligação, entre a M&E e a Campos Belo, contudo, está registrada em documentos oficiais de trânsito de carvão obtidos pela equipe deste estudo. Por fim, a Cosipar informou à Vale que finalizou os contratos com a Kako e Teka e com a Ferreira Indústria e Comércio. Mas há um contrato de fornecimento de carvão entre ela e a Campos Belo válido até junho de 2012. Essa informação fez com que a Vale fizesse verificações junto aos fornecedores para responder às indagações este estudo. Com isso, a mineradora afirma que “realizará um estudo mais detalhado e profundo quanto à Cosipar, inclusive com referência ao seu relacionamento com a carvoaria Campos Belo, visando decidir sobre a continuidade de fornecimento de minério para este cliente”. Também informou que “notificará as empresas clientes Cosipar, Gusa Nordeste e Sinobrás para que elas não utilizem carvão dos fornecedores Kako e Teka, Ferreira Indústria e Comercial e Campos Belo, em face aos apontamentos feitos pelo estudo”. E advertirá as empresas sobre a obrigatoriedade de cumprir a legislação vigente e agendará fiscalizações periódicas para verificação das siderúrgicas. » 97 98 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O 3 • EMPRESAS – PANTANAL 3.1 CASO 1: CARVÃO VEGETAL DE ÁREAS EMBARGADAS I Sediada em Aquidauana (MS), a Simasul Siderurgia inaugurou as operações em 2005, com apoio da prefeitura e do governo do estado. Atualmente, possui capacidade de produção de 150 toneladas de ferro-gusa por dia. Atua exclusivamente no mercado nacional e é habilitada para a produção de semi-acabados em aço. Em janeiro de 2011, a companhia comemorou, em seu site, o aumento em 77% em sua produção anual. ►Os problemas Apesar de afirmar possuir reflorestamento próprio, em acordo com a legislação ambiental vigente, a Simasul recebeu carvão vegetal produzidos por terceiros no Mato Grosso do Sul. Incapaz de aferir com segurança a origem da matéria-prima que utiliza, a empresa registrou relações comerciais com fornecedores que infringiram a legislação ambiental e trabalhista. Entre os meses de outubro de 2008 e março de 2009, por exemplo, a siderúrgica possuía em seu cadastro produtores com áreas embargadas pelo Ibama e empregadores flagrados utilizando mão de obra escrava. Ou seja, durante o referido período, empresas que venderam carvão à siderúrgica degradaram o meio ambiente ou fizeram uso de mão de obra escrava, quando não estiveram envolvidas em ambos os problemas. A grande maioria desses fornecedores tem áreas embargadas pelo Ibama por “exercer atividade potencialmente degradadora sem licença ambiental”, segundo a definição do órgão ambiental. Outros embargos foram motivados por “receber e armazenar carvão vegetal nativo sem cobertura de ATPF (origem) ou falsificada”; “fazer funcionar atividade de transporte de carvão vegetal, considerada potencialmente poluidora, sem licença” e “elaborar ou apresentar informação, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso, enganoso ou omisso, seja A C A D E I A P R O D U T I VA D O C A R VÃ O V E G E TA L : E S T U D O S D E C A S O nos sistemas oficiais de controle, seja no licenciamento, na concessão florestal ou em qualquer outro procedimento administrativo”. Paulo Rogério Sumaia, fornecedor com propriedades em Aquidauana (MS), foi incluído na “lista suja” por manter 33 trabalhadores escravizados na fazenda Pouso Alto. Em dezembro de 2010, seu nome foi retirado do cadastro, após o decurso de dois anos da penalidade, conforme previsto em lei. Em julho de 2008, outras 12 pessoas foram libertadas da fazenda Engenho de Ferro, em Camapuã (MS). O proprietário é Admir Ferreira Lino, que foi fornecedor da Simasul. Além deles, a carvoaria F.L. da Silva, cujo representante é Antônio Guilherme da Maia, também manteve frequentes relações comerciais com a siderúrgica. Estes dois últimos empregadores estão na “lista suja” do trabalho escravo do governo federal. Uma parcela dos fornecedores da Simasul no período encontrava-se na lista do Ibama, com embargos em suas propriedades por inexistência ou infrações de autorização para a atividade de carvoejamento. Segue o nome de alguns deles que constavam na lista de embargos do Ibama: Afonso Alves de Oliveira, Alfredo Renato Rodrigues da Cunha, Álvaro Chaves ME, Antonio Joacir Fernandes Ajale, Aparecida de Souza dos Santos, Black Comércio de Carvão Vegetal Ltda, Carlos Roberto Sperini, Celso Almeida Martins, Fabiana Lima da Silva ME, Luciano Luís Zeferino, Luiz Fernando de Barros Fontolan, Manoel Garcia Ferraz, Paulo Britto ME, Ricardo Lago Perez, Roberto Valadares dos Santos, Romulo Divino Sales, ShirleiSipriano, Vervi de Araújo Castilhos, Vicente Arantes, Wesley Rodrigues Lopes, Wilson Ferreira de Oliveira ►Mercado comprador A ArcelorMittal e a Aços Villares, pertencente ao Grupo Gerdau, tiveram relações comerciais com a Simasul. Por meio do vínculo comercial com ambas, uma extensa cadeia de subprodutos é atingida pelos problemas na origem da produção, inclusive no mercado externo. Uma das compradoras da Aços Villares, a Eaton, por exemplo, remete produtos para sua matriz, uma empresa » 99 100 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O multissetorial que, entre vários clientes de peso, fornece helicópteros para o Exército dos EUA. Por meio da Aços Villares, os produtos que levaram em sua composição o ferro-gusa da Simasul, também chegaram ao mercado nacional de autopeças. ►O que dizem as empresas A Simasul enviou aos executores do estudo um extenso inventário de documentos comprobatórios da realização de auditorias frequentes em seus fornecedores, conduzidas pela empresa DNA Energética. A Simasul também afirma realizar consultas periódicas à “lista suja” do trabalho escravo. Quanto ao caso de Paulo Rogério Sumaia, a empresa enviou a carta de exclusão do referido empregador da lista suja. Quanto aos outros fornecedores que fizeram uso de mão de obra escrava, Admir Ferreira Lino e F. L. da Silva, a empresa não se pronunciou. Em resposta aos problemas ambientais em fornecedores trazidos pela pesquisa, a Simasul apresentou o status atual de cada fornecedor em seu cadastro. Na maioria dos casos, segundo afirmação da siderúrgica, os fornecedores possuíam certidão positiva com efeito negativo (ver box abaixo). Nos casos em que os fornecedores não apresentaram a referida certidão, a Simasul afirma ter encerrado a relação comercial. Leia resposta da Simasul na íntegra em http://is.gd/wD20hD A Gerdau, que controla a Aços Villares, afirmou que “todos os fornecedores, inclusive os de gusa, cujas informações cadastrais encontram-se atualizadas em nossos registros, emitiram compromisso formal (...) declarando atender à legislação trabalhista, principalmente no que concerne às condições de trabalho indigno ou trabalho escravo”. A empresa atestou que a Simasul foi sua fornecedora eventual e que é signatária de uma “autodeclaração” de atendimento à legislação trabalhista. “Nossas últimas compras deste fornecedor foram em Junho de 2010 (1400 toneladas) e Agosto de 2011 (3416 toneladas), contudo em quantidades muito pouco significativas. Atualmente, a Simasul está suspensa de nossa base de fornecedores”. A C A D E I A P R O D U T I VA D O C A R VÃ O V E G E TA L : E S T U D O S D E C A S O » 101 A ArcelorMittal Brasil reiterou que não compactua com quaisquer irregularidades e que o seu processo de contratação de fornecedores, com política de suprimentos formalizada e comunicada, seguindo todas as exigências dos órgãos tributários e ambientais competentes. A empresa solicitou informações à siderúrgica. “Na seleção e habilitação para práticas comerciais, exigimos dos produtores de ferro-gusa a apresentação de documentação completa nos âmbitos federal, estadual e municipal nas áreas fiscal, legal e ambiental. Mantemos o foco para as questões da ilegalidade no carvão vegetal sob duas vertentes: utilização de mão de obra análoga a escrava e carvão de mata nativa com desmatamento ilegal. Por fim a ArcelorMittal Brasil abomina qualquer tipo de atividade que esteja fora das regras e conduta para uma produção pautada em segurança, sustentabilidade e responsabilidade social”. 3.2 CASO 2: CARVÃO VEGETAL DE ÁREAS EMBARGADAS II A Vetorial, fundada em 1969, mantém três usinas no Mato Grosso do Sul, nas cidades de Campo Grande, Ribas do Rio Pardo e Corumbá. A capacidade total das plantas é de 750 mil toneladas de ferro-gusa por ano. Além disso, a Vetorial também mantém uma mina de minério de ferro em Corumbá (Vetorial Mineração), ativos florestais em Ribas do Rio Pardo (MS) e Água Clara (MS) e participação com controle compartilhado na transportadora Log Brasil, sediada em Castro (PR). ►Os problemas De acordo com os documentos obtidos pela equipe deste estudo, a Vetorial adquiriu carvão das empresas Da Silva Nogueira Carvoaria ME, Carvão Cristalino e Mansano & Breviglieri Ltda que possuem áreas embargadas por “elaborar ou apresentar informação, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso, enganoso ou omisso, seja nos sistemas oficiais de controle, seja no licenciamento, na concessão florestal ou em qualquer outro procedimento administrativo”. 102 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O Também recebeu das empresas Alvaro Chaves ME, Carvão Águia Dourada – Comercio e Indústria de Carvão Vegetal, e Rausther Rober Pessoa da Silva ME que possuem áreas embargadas por “construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, em desacordo com a licença obtida”. Celso Almeida Martins, Francisco R dos Santos ME, da Black Comercio de Carvão Ltda e da Alvaro Chaves ME venderam carvão para a Vetorial e possuem áreas embargadas por “exercer atividade potencialmente degradadora sem licença ambiental”. Outro fornecedor, Manoel Garcia Ferraz, possui área embargada por “infração da flora não classificada”. ►Mercado comprador Assim como a Simasul, a carteira de clientes da Vetorial consistia em grandes empresas do setor. Nesse caso, em determinado momento, a ArcelorMittal e Gerdau, por meio de duas subsidiárias – Gerdau Aços Longos e Gerdau Aços Especiais. A Gerdau é líder na produção de aços longos nas Américas e uma das maiores fornecedoras de aços longos especiais no mundo. Possui presença indústrial em 14 países, com operações nas Américas, na Europa e na Ásia, representando uma capacidade instalada de 26 milhões de toneladas de aço por ano. Os produtos comercializados pela Gerdau Aços Longos atingem boa parte do território nacional. Com unidades produtoras de aços longos especiais no Brasil (RS e SP), Espanha e Estados Unidos, a Gerdau é uma das principais fornecedoras mundiais para a indústria automotiva. ►O que dizem as empresas Em resposta à comunicação enviada pela pesquisa, a Vetorial Siderurgia ressalta o fato de que os embargos do Ibama, segundo o disposto no artigo 15-A, do decreto 6514/2008, referem-se a áreas específicas e não à totalidade da propriedade ou das atividades do empregador autuado. A C A D E I A P R O D U T I VA D O C A R VÃ O V E G E TA L : E S T U D O S D E C A S O » 103 Dessa forma, a siderúrgica afirma que, segundo a legislação, o fato de uma área estar embargada “não impossibilita transações comerciais em outras áreas (…) e isto não é uma interpretação da empresa, mas do Poder Judiciário”. De posse da lista de dez fornecedores que possuem áreas embargadas pelo Ibama e são fornecedores de carvão vegetal da Vetorial, a siderúrgica elegeu três exemplos – Manoel Garcia Ferraz, Alvaro Chaves ME e A da Silva Nogueira Madeira Carvoaria ME – para mostrar que compram o produto originário de outras áreas, e não das embargadas. Leia resposta da Vetorial na íntegra em http://is.gd/wD20hD A ArcelorMittal Brasil reiterou que não compactua com quaisquer irregularidades e que o seu processo de contratação de fornecedores, com política de suprimentos formalizada e comunicada, seguindo todas as exigências dos órgãos tributários e ambientais competentes. A empresa solicitou informações à siderúrgica. “Na seleção e habilitação para práticas comerciais, exigimos dos produtores de ferro-gusa a apresentação de documentação completa nos âmbitos federal, estadual e municipal nas áreas fiscal, legal e ambiental. Mantemos o foco para as questões da ilegalidade no carvão vegetal sob duas vertentes: utilização de mão de obra análoga a escrava e carvão de mata nativa com desmatamento ilegal. Por fim a ArcelorMittal Brasil abomina qualquer tipo de atividade que esteja fora das regras e conduta para uma produção pautada em segurança, sustentabilidade e responsabilidade social”. A Gerdau “reitera que não compactua com qualquer das irregularidades atribuídas a sua operação e apontadas no mencionado relatório. Ao contrário, nosso processo de contratação de fornecedores, com uma política de suprimentos formalizada e comunicada, segue todas as exigências dos órgãos tributários e ambientais competentes, bem como do Ministério do Trabalho e Emprego”. 104 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO NEGATIVO Empresas apresentaram Certidões Positivas com Efeito Negativo emitidas pelo Ibama para se justificarem quanto à aquisição de carvão na lista de embargos do órgão. Apesar de ser muitas vezes usada como atestado de correção ambiental, a Certidão Positiva com Efeito Negativo emitida pelo Ibama a proprietários com áreas embargadas não significa que seus embargos estejam suspensos ou extintos. O documento só serve para proteger contra execuções de multas. Do ponto de vista do órgão ambiental, suas áreas seguem embargadas. A informação foi confirmada tanto pela sede do Ibama, em Brasília, quanto pela fiscalização do órgão nos estados. A então ministra do Meio Ambiente Marina Silva inaugurou o instituto do embargo de obras ou atividades danosas aos ecossistemas por meio da Instrução Normativa No. 001, de 29 de fevereiro de 2008. Segundo o artigo 2o. do documento, o objetivo do dispositivo era “cessar a infração e viabilizar as condições necessárias para a regeneração natural da vegetação nativa ou a melhor condução da recuperação da área degradada”. Diante disso, segundo explica Fernando Nunes, do departamento de fiscalização da Coordenadoria de Operações do Ibama no Mato Grosso do Sul, o ato do embargo é uma medida cautelar. Nesse sentido, quando se trata de embargar uma área onde está ocorrendo desmatamento reconhecidamente predatório, por exemplo, há uma alteração do curso processual habitual. Como o interesse prioritário é o de preservação do ecossistema em questão, a agência de controle ambiental age liminarmente. Primeiro, o Ibama estabelece o embargo, o qual se torna público por meio do sistema de consultas disponibilizado pelo órgão. A partir de então, o proprietário da área em questão terá direito a ampla defesa, segundo o disposto no texto legal. A C A D E I A P R O D U T I VA D O C A R VÃ O V E G E TA L : E S T U D O S D E C A S O » 105 Como, durante esse processo, não há sentença definitiva, é direito do proprietário obter a chamada “certidão positiva com efeito negativo”. E é dever do órgão ambiental emiti-la. A Instrução Normativa é clara nesse aspecto. Em seu artigo 159, dispõe: “A certidão de infrações ambientais será fornecida gratuitamente ao interessado ou extraída através do endereço eletrônico www.ibama.gov.br. § 1º A certidão de que trata o caput deste artigo será válida por trinta dias, a contar da data de sua expedição. § 2º Compete à unidade local do IBAMA a expedição de certidão. § 3º O IBAMA fornecerá certidão positiva com efeitos de negativa, relativamente à sanção de multa, quando os autos de infração não estiverem definitivamente julgados. § 4º O disposto no § 3º deste artigo não se aplica para o caso das demais sanções. § 5º O IBAMA fornecerá certidão positiva com efeitos de negativa quando as sanções estiverem suspensas por ordem judicial.” Frequentemente, a referida certidão é alvo de mal-entendidos. Proprietários a apresentam, alegando que os embargos de suas áreas estão suspensos. Ora, o texto legal é específico: a certidão só tem efeito negativo no que se refere à sanção de multa. A certidão não tem efeito negativo no tocante às demais sanções, como o embargo. Isto é, com essa certidão, proprietários que possuem áreas embargadas podem se defender de um eventual processo de execução das multas devidas. Mas os efeitos suspensivos das atividades poluidoras e/ou danosas ao meio-ambiente continuam válidos. Eles continuam proibidos de prosseguir com tais atividades. O embargo não é, em nada, alterado pela emissão da certidão. O órgão ambiental continua declarando, por meio do embargo, que o referido empreendimento está em desacordo com algum(ns) aspecto(s) da legislação ambiental. 106 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O Portanto, do ponto de vista dos consumidores de matériaprima oriunda de áreas embargadas, a apresentação de uma Certidão Positiva com Efeito Negativo não confere nenhuma segurança sobre a origem responsável dos produtos. Muito ao contrário, a lista de embargos do Ibama, que é pública, continua sendo a forma mais simples de se cercar de cuidados quanto à sua cadeia de fornecimento. Se um embargo for retirado, o responsável pela área sai da lista de embargos. Em fevereiro de 2012, o Ministério Público Federal reafirmou a necessidade de consultar a lista do Ibama, evitando a aquisição de carvão vegetal dessas fontes, ao firmar um Termo de Ajustamento de Conduta com as empresas Cosipar, Ibérica e Sidepar. As três, localizadas na região do polo Carajás, foram identificadas, segundo o Ibama e o MPF, como compradoras de carvão ilegal. No sentido de aprimorar a lista de embargos – que é pública e se localiza no site do Ibama (www.ibama.gov.br) – o órgão deveria mencionar a existência das referidas certidões para que os compradores pudessem melhor monitorar a situação de débitos de seus fornecedores. Mas é importante ressaltar que é das empresas a responsabilidade pelo carvão que consomem e, portanto, devem investigar as cadeias de fornecimento e as condições sociais e ambientais presentes na produção desse insumo. Ou seja, independente de listas governamentais, é possível e altamente recomendável que as guseiras acompanhem in loco e em tempo real a produção do carvão vegetal que consomem, uma vez que muitas carvoarias só existem para suprir a demanda indústrial. REFERÊNCIAS » 107 11 • AÇO VERDE – BOAS PRÁTICAS PARA O USO DO CARVÃO VEGETAL EM PROCESSOS SIDERÚRGICOS Foto: ONG Repórter Brasil / Divulgação 108 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O O objetivo desse capítulo é o de apresentar alternativas sustentáveis para os problemas decorrentes do uso predatório de carvão vegetal pelo setor siderúrgico, situação que impacta diversos biomas brasileiros, com consequências ambientais e sociais. A expectativa é que os caminhos aqui apresentados influenciem o setor siderúrgico brasileiro, de modo a transformar processos predatórios em processos sustentáveis, tanto do ponto de vista ambiental quanto social. O Brasil é o único país do mundo que produz ferro-gusa a partir de carvão vegetal. É uma prática que tem suas vantagens e desvantagens. Algumas vantagens: • Do ponto de vista comercial, produzimos um gusa de boa qualidade e barato, amplamente aceito pelo mercado nacional e internacional, principalmente para a fabricação de aços especiais, devido ao baixo teor de impurezas, o que não acontece com o gusa feito a partir de carvão mineral (coque); • Do ponto de vista ambiental, é muito menos agressivo produzir ferro-gusa com carvão vegetal. O carvão mineral é o combustível mais poluente usado no planeta. No que diz respeito às emissões de gases de efeito estufa, supera o petróleo, o gás natural e qualquer outro tipo de combustível, seja ele fóssil ou não; • Quando usado de forma sustentada, o carvão vegetal é uma fonte renovável, obtido através de florestas plantadas. Algumas desvantagens: • A falta de controle sobre a origem da matéria-prima, sem o devido monitoramento da cadeia produtiva, tem como consequência devastação ambiental, trabalho escravo, fraudes e corrupção. • Quando oriundo de florestas plantadas, sua produção pode estar associada aos problemas decorrentes da monocultura do eucalipto em larga escala, com consequências sociais e ambientais. A Ç O V E R D E - B O A S P R ÁT I C A S PA R A O U S O D O C A R VÃ O V E G E TA L E M P R O C E S S O S S I D E R Ú R G I C O S » 109 OS PROBLEMAS DO CARVÃO MINERAL Nos processos siderúrgicos, é muito melhor usar carvão vegetal em substituição do carvão mineral, o coque. Quando obtido de forma responsável, os impactos causados pela combustão são muito menos danosos tanto para o local onde acontece a atividade siderúrgica quanto para todo o ecossistema planetário. Inúmeras pesquisas mostram que o carvão mineral é o combustível mais poluente usado pela humanidade. Em termos de emissão de gases do efeito estufa, é mais poluente do que o petróleo e seus derivados, inclusive o diesel. Nos processos siderúrgicos, o carvão é usado tanto para alimentar os autofornos quanto fonte de carbono nos processos químicos que acontecem em altas temperaturas, na mistura do minério de ferro, podendo ser utilizado tanto o carvão mineral quanto o vegetal. O carvão reage com o minério de ferro e produz as ligas metálicas usadas na fabricação do aço. Ele também é usado para produzir plásticos, alcatrão e fertilizantes, dentre outros produtos amplamente comercializados pela sociedade. Algumas tecnologias permitem a redução das emissões oriundas do uso de carvão mineral. Uma delas é a lavagem de carvão. Também é possível retirar do carvão mineral o dióxido de enxofre. O carvão é triturado e misturado a um líquido que separa impurezas. Também pode ser retirado o dióxido de enxofre – um dos principais causadores de chuva ácida – e o dióxido de nitrogênio – que aumenta as taxas de ozônio no nível do chão. Apesar dessas técnicas, o impacto ambiental do uso do carvão mineral ainda é muito grande, o que fez com que muitas indústrias adotassem a expressão “aço verde” para a produção siderúrgica que substitui o carvão mineral pelo carvão vegetal. A PRODUÇÃO DE AÇO VERDE A queima de petróleo e carvão mineral, associados ao desmatamento, estão mudando o clima no planeta. O carbono estocado nesses elementos 110 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O é liberado nos processos de combustão, o que pode comprometer de forma irreversível a vida no planeta. No caso do carvão mineral, o impacto é muito maior do que o do petróleo, o que o coloca entre os principais causadores das mudanças climáticas observadas no planeta. A substituição do carvão mineral pelo vegetal, nessa perspectiva, apresenta inúmeras vantagens. Existem vários caminhos para chegarmos a uma produção mais ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável. A produção pode ser ambientalmente mais correta quando a indústria produz o chamado “aço verde”, fabricado com carvão vegetal oriundo de florestas plantadas ou de madeira nativa produzida em planos de manejo certificados, sempre sem causar desmatamento. Sem trabalho escravo e sem danos à vida das populações que habitam as áreas de onde os recursos naturais são explorados, esta produção sem dúvida também poderia se tornar mais socialmente justa A viabilidade econômica desta mudança da cadeia produtiva se configura devido às características únicas do Brasil em termos de recursos naturais. O aço verde pode se tornar um produto diferenciado no mercado internacional do aço. Já a situação contrária – produzir aço com carvão predatório – parece ser o caminho mais rápido para a inviabilidade econômica. São raras as empresas siderúrgicas que ainda não perceberam que a sua própria sobrevivência está ligada ao convívio harmonioso com o meio ambiente e com a sociedade. O pesquisador José Dilcio Rocha, do setor de agronegócio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Agroenergia), listou as vantagens da adoção de boas práticas na produção de aço a partir de carvão vegetal produzido de forma responsável (Rocha, 2011). Veja as principais conclusões: O aço verde poderá ser uma bandeira com viés ambiental e sustentável que o Brasil levará aos fóruns mundiais. Isso é viável, pois a cadeia produtiva do carvão vegetal está ligada as demandas ambientais, sociais e econômicas. Assim, temos necessariamente que introduzir novos processos, novas tecnologias e novas aplicações para a lenha e o carvão vegetal no Brasil. A Ç O V E R D E - B O A S P R ÁT I C A S PA R A O U S O D O C A R VÃ O V E G E TA L E M P R O C E S S O S S I D E R Ú R G I C O S » 111 O caminho deverá ser com Políticas Públicas adequadas e parceria do tipo público-privado. Temos, obrigatoriamente, que aumentar a sustentabilidade e a renovabilidade na produção de lenha e carvão vegetal com controle na origem da matéria-prima e o seu aproveitamento integral como, por exemplo, realizando a recuperação do alcatrão e do bio-óleo. Devemos, por ser o país mais interessado no sucesso da cadeia produtiva do carvão vegetal, diminuir o consumo de matéria-prima proveniente da floresta nativa na produção de lenha e carvão vegetal com leis que sejam efetivas e inibam crimes ambientais. Podemos viabilizar o uso de matérias-primas não florestais. Nesse campo, os resíduos agroindústriais e processos de carbonização e pirólise para produzir carvão usando essas matérias-primas serão inovadores. Podemos citar os briquetes siderúrgicos e carvão vegetal em pó derivados de resíduos agroindústriais e florestais como desenvolvimentos importantes a realizar. CARVÃO X FERRO GUSA: VALE O PREÇO O uso de carvão vegetal na produção de aço vive um importante dilema: como manter a competitividade e ao mesmo tempo evitar a devastação ambiental e o trabalho escravo na cadeia produtiva do carvão vegetal? No Brasil, segundo relatório do Departamento de Estudos e Políticas de Meio Ambiente do BNDES (Vital & Pinto, 2009), a produção competitiva de aço depende diretamente da produção de ferro-gusa de baixo custo. Quando essa produção envolve coque mineral, o que vale são os preços praticados pelo mercado internacional. Quando o assunto é carvão vegetal, o valor da matéria-prima está diretamente relacionado à forma como ela foi obtida. Conforme amplamente mostrado nessa pesquisa, carvão produzido de forma sustentável é mais caro do que carvão produzido de forma predatória. A sustentabilidade do aço depende do valor do gusa. E o valor do gusa depende do valor do carvão, ou seja, depende do potencial de utilização de madeira usada na fabricação do carvão, seja ela oriunda de floresta plantada ou de floresta nativa. 112 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O Segundo o estudo do BNDES, “a possibilidade de se utilizar um insumo sem desembolso imediato (florestas tropicais, cerrados e outras madeiras oriundas de matas nativas) acaba por gerar vantagens competitivas insustentáveis ou ilusórias na cadeia produtiva do ferro-gusa, com base em carvão vegetal. Em países com baixa capacidade de regulação e de monitoramento da conformidade das cadeias produtivas e abundância de florestas, como o Brasil, a questão se agrava”. Como se vê, o problema é amplamente conhecido não apenas pelas empresas, mas também pelo governo e pelas suas agências de financiamento. O estudo do BNDES conclui o seguinte: “A estrutura indústrial brasileira conjugada ao modelo exportador – fortemente calcado em commodities agrícolas ou produtos intensivos em recursos naturais (por sua abundância relativa) – faz com que, em momentos de aquecimento da economia global (e também doméstica) e/ou de apreciações da taxa de câmbio (desvalorizações do real), aumente a venda desses produtos e, por conseguinte, a utilização de suas matérias-primas, incluindo a madeira. Assim sendo, deve-se observar o aumento projetado dos níveis de produção de bens à base de madeira, sob diferentes cenários de crescimento econômico, para que se evitem danos futuros (e presentes) ao meio ambiente”. Em resumo, o banco conclui que produzir carvão de mata nativa pode ser um bom negócio a curto prazo, mas a longo prazo trará problemas. E que a adoção de boas práticas é fundamental para garantir a competitividade da produção brasileira de aço. PRODUÇÃO AUDITADA Especialistas de diversos setores – tanto ligados à indústrias quanto à universidades, são unânimes em afirmar que a mudança do cenário está diretamente ligada à criação de normas de boas práticas. Normas que precisam ser auditadas, monitoradas e que tenham referências nos moldes da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). No momento estas normas se encontram em desenvolvimento. A redução do desmatamento e dos gases do efeito estufa nos processos siderúrgicos estão entre as prioridades de diversos órgãos de A Ç O V E R D E - B O A S P R ÁT I C A S PA R A O U S O D O C A R VÃ O V E G E TA L E M P R O C E S S O S S I D E R Ú R G I C O S » 113 governo. No que diz respeito à produção de carvão vegetal, contudo, pouca coisa mudou nos últimos anos. Apesar de uma importante redução dos casos de trabalho escravo no setor carvoeiro, o uso predatório de mata nativa ainda é a realidade predominante. Inserir o aço verde na infraestrutura brasileira pode se tornar, segundo as fontes consultadas, um importante diferencial para o setor siderúrgico no competitivo mercado mundial do aço. O caminho apontado para se chegar a esse patamar é o uso de florestas plantadas. O principal problema desse caminho também está ligado à competitividade, sendo muito mais lucrativo plantar eucalipto para o setor de papel e celulose do que para o setor siderúrgico. Pesquisa da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP, indica que 44% de todo o eucalipto plantado no Brasil é direcionado para a produção de celulose. E apenas 20% é direcionado para a produção de carvão (Brito, 2011). O CAMINHO PARA AS BOAS PRÁTICAS Durante o II Encontro Brasileiro de Silvicultura, realizado em 2011 na cidade de Campinas, o professor José Otávio Brito, um dos mais reconhecidos pesquisadores do setor de madeira no país, apresentou 10 etapas que precisam ser cumpridas para se alcançar as boas práticas no uso de madeira e carvão pela indústria que usa essa fonte energética, São elas. 1 Agregar madeira para energia no manejo florestal. 2 Plantar florestas. 3 Melhorar a eficiência dos processos de conversão energética. 4 Mudar os padrões da produção de carvão vegetal. 5 Dar destino aos gases da carbonização. 6 Conhecer e organizar a “indústria da lenha”. 7 Intensificar a inserção no mercado de carbono. 8 Fortalecer as redes de pesquisa em florestas energéticas. 9 Desmistificar e valorizar o uso da madeira para energia. 10 Definir e implantar políticas específicas no setor florestal e energético. 114 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O Os itens acima são praticamente autoexplicativos. O grande desafio é implantá-los um a um, o que dependerá de um esforço concentrado envolvendo principalmente as indústrias e os governos. RECOMENDAÇÕES DO CGEE O Centro de Gestão de Estudos Técnicos (CGEE) – organização supervisionada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia – que congrega dezenas de instituições e especialistas de diversos setores, produziu um relatório estratégico sobre siderurgia no Brasil (CGEE, 2010). No capítulo dedicado à gestão ambiental, o estudo relaciona as cinco características mais relevantes no tocante aos aspectos políticos e institucionais da gestão ambiental do setor siderúrgico: a Crescente e ampla preocupação ambiental. b Proliferação de normas cada vez mais restritivas para a ação humana exploradora dos recursos naturais. c Exacerbação da luta pela preservação de culturas e etnias locais. d Ampliação da atuação do chamado terceiro setor. e Fortalecimento das ações das organizações ambientais. Tais fatores, segundo o estudo, indicam “um novo padrão de desenvolvimento” para os quais as empresas precisam estar atentas: o desenvolvimento sustentável. De fato, diz o estudo, “não se deve esperar qualquer nível de flexibilização ou normas mais brandas no âmbito legal e institucional no campo da gestão ambiental”. Ao contrário, as normas serão cada vez mais restritivas como consequência de: a Relatórios científicos que apontam para o esgotamento do planeta. b Exigência de qualidade de vida por parte das comunidades locais. c Valoração crescente dos seus recursos naturais e culturais. O estudo aponta uma série de recomendações necessárias para a adoção de boas práticas no uso de carvão vegetal pelo setor siderúrgico. Veja a seguir. A Ç O V E R D E - B O A S P R ÁT I C A S PA R A O U S O D O C A R VÃ O V E G E TA L E M P R O C E S S O S S I D E R Ú R G I C O S » 115 Diretrizes Recomendações Expansão da base florestal Apoiar pesquisa aplicada de natureza multi-institucional (projeto nacional), envolvendo a criação e o desenvolvimento de plantações energéticas, com foco na produção de carvão vegetal de forma ambientalmente sustentável. Realizar estudos geoeconômicos, edafoclimáticos, ambiental e social para definir áreas com vocação sustentável para produção de biomassa para energia e siderurgia, inclusive implantação de áreas experimentais regionalizadas para identificação e aperfeiçoamento de espécies. Aperfeiçoar, fomentar e manejar os plantios já existentes para o atendimento das demandas por mudas de elevada produtividade mássica. Desenvolver e/ou aperfeiçoar o conceito de sistemas agrossilvipastoris para uso sustentado de pequenos e médios produtores rurais, localizados em regiões próximas dos pontos de consumo de madeira para energia e siderurgia. Fontes alternativas de biomassa Investir na geração de conhecimento científico sobre biomassa para energia. Reavaliar, do ponto de vista técnico-econômico das tecnologias nacionais de fabricação dos carvões vegetal, de capim elefante e do babaçu, e seus desdobramentos a jusante (briquetagem, caracterizações, usos como finos e aproveitamento de coprodutos) Criar linhas de fomento para investigações sobre a carbonização de rejeitos agrícolas e seus usos na siderurgia, nas etapas redução e refino. 116 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O Diretrizes Recomendações Melhoria do desempenho técnico-ambiental Construir a plataforma biomassa e carvão vegetal Maximizar a reciclagem dos resíduos do ciclo integrado madeira/aço, no âmbito do conceito de ecossistema de manufatura. Financiar pesquisa de monitoração in situ do balanço de CO2. Substituir o sistema atual de unidades pelo sistema internacional, com a utilização do peso seco de biomassa para cobrança de tributos e critérios de qualidade para o carvão vegetal. Desenvolver máquinas e equipamentos que facilitem a total mecanização a jusante da floresta. Desenvolver máquinas e equipamentos para corte e desbaste de árvores que maximizem a recuperação de frações finas, visando a utilização posterior, em formas compactadas, como fonte de energia dentro do sistema integrado floresta/siderurgia. Identificar, desenvolver e fomentar o uso de tecnologias de carbonização Incentivar pesquisa sobre os processos de carbonização sob pressão. Desenvolver, identificar e adaptar processos de secagem natural e forcada — por exemplo, uso de gases de exaustão da carbonização, previamente tratados, para reduzir a perda de rendimento gravimétrico na carbonização. A Ç O V E R D E - B O A S P R ÁT I C A S PA R A O U S O D O C A R VÃ O V E G E TA L E M P R O C E S S O S S I D E R Ú R G I C O S » 117 RECOMENDAÇÕES DO BNDES O BNDES recomenda cinco passos para o caminho das boas práticas: 1 Estabelecimento de mecanismos de rastreabilidade para a produção e comercialização de insumos na cadeia produtiva siderúrgica no Brasil, em consonância com a resolução Conama 411/2009. 2 Estabelecimento de exigências e formas de apoio para que o produtor independente de ferro-gusa desenvolva fontes renováveis de madeira (carvão vegetal), próprias ou de fornecedores reconhecidos, para a totalidade da produção. 3 Estabelecimento de impostos à exportação de ferro-gusa. Tal se justificaria como compensação pelo fato de dois terços da produção de ferro-gusa à base de florestas nativas serem exportados. Assim, o setor externo contribuirá com esforço fiscal necessário à redução do desmatamento. 4 Estabelecimento de critérios para ocupação de biomas com florestas plantadas que possuam rendimentos mínimos da ordem de 60 m3/ha, por ano. 5 Estabelecimento, nos próximos cinco anos, de critérios mínimos de produtividade de carvoejamento ao redor de 400 kg por tonelada de madeira. FLORESTAS PLANTADAS E BOAS PRÁTICAS NA CADEIA PRODUTIVA DO AÇO Vários estudos apontam que a sustentabilidade na produção de carvão vegetal para a siderurgia passa pela adoção em larga escala de florestas plantadas, administradas pelo próprio setor. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que a proporção de carvão vegetal oriundo de floresta plantada em relação à quantidade de carvão oriunda de mata nativa tem se elevado. Por outro lado, essa produção não é compatível com o aumento de produção de aço. Quase a metade do carvão vegetal usado pelas siderúrgicas ainda 118 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O advém do extrativismo, proveniente de desmatamento, com todas as suas consequências sociais e ambientais. Segundo a Sociedade de Investigações Florestais (SIF), os dois grandes problemas envolvidos com o carvão vegetal ligam-se (1) à questão da tecnologia empregada na sua produção e (2) à matéria-prima que lhe deu origem. “A maior parte do carvão vegetal produzido atualmente no Brasil é proveniente de fornos rudimentares de baixo rendimento e sem controle de emissões atmosféricas, causando impactos econômicos, sociais e ambientais. Sendo assim, a geração de tecnologias que maximizem a eficiência do uso da lenha para processos de conversão energética é de grande importância quando se tem em vista o uso mais racional dos recursos florestais” (SIF, 2010). PANORAMA MUNDIAL O crescimento de florestas plantadas é um fenômeno mundial. Isso acontece, segundo profissionais do setor, devido ao aumento da demanda por madeira com menor impacto sobre as florestas naturais. Nesse campo, o Brasil leva grande vantagem no mercado: tem solo e clima muito favoráveis à silvicultura. Cálculo do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade indicam que, em 2014, a área ocupada por florestas plantadas deve situar-se entre 7 e 8 milhões de hectares. “Devido ao seu perfil fortemente exportador, a indústria de base florestal é estratégica para o Brasil e já responde pela terceira posição na balança comercial do agronegócio brasileiro. Em 2008, foram gerados R$ 24,2 bilhões pela indústria de papel e celulose, correspondendo a 12,8 milhões de toneladas de celulose, das quais 7 milhões foram exportadas. Já a produção de lenha e carvão vegetal, no mesmo ano, gerou R$ 3,3 bilhões, sendo seu destino principal o setor siderúrgico, sobretudo para a produção de ferro-gusa”. (Focus – Visão Brasil, 2011) Dentre os principais desafios enfrentados pelo setor de florestas plantadas, segundo o relatório Focus, destacam-se: 1 Problemas ambientais relacionados ao uso do solo. A Ç O V E R D E - B O A S P R ÁT I C A S PA R A O U S O D O C A R VÃ O V E G E TA L E M P R O C E S S O S S I D E R Ú R G I C O S » 119 2 Planejamento das áreas de cultivo para que não ameacem a conservação da biodiversidade e sejam integradas a outras atividades produtivas, inclusive a produção de alimentos. Diz o relatório: “do ponto de vista social, a concentração fundiária gera por vezes uma grande dependência de comunidades locais com uma única fonte de renda e produção. Dentre as melhores práticas analisadas, estão esforços de certificação de produtos madeireiros e não madeireiros, o Diálogo Florestal, que reúne setor produtivo e sociedade; e o Fomento Florestal privado, que embora seja alvo de críticas oferece um modelo a ser explorado para o desenvolvimento local”. CENÁRIO BRASILEIRO Pesquisadores e profissionais do setor têm opiniões divergentes em relação ao uso de florestas plantadas como fonte de biomassa para a produção de carvão vegetal para o setor siderúrgico. Muitos defendem, inclusive, o incremento do extrativismo, feito de forma sustentada, em áreas de manejo certificadas. As florestas de eucalipto existentes no país apresentam a seguinte distribuição no que diz respeito ao seu uso (Câmara Setorial de Silvicultura, 2009): Madeira Emprego Percentual Eucalipto Celulose e Papel 70% Siderurgia 21% Outros 9% Celulose e Papel 76% Siderurgia 9% Outros 15% Pinus 120 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O Em 2009, as empresas ligadas à Associação Mineira de Silvicultura (AMS), assinaram o “Pacto de Sustentabilidade”, que propõe, dentre outras medidas, a utilização de carvão vegetal apenas de florestas plantadas no prazo de 9 anos. O setor, portanto, aposta fortemente no uso de florestas plantadas para enfrentar problemas ligados à devastação ambiental e ao trabalho escravo na cadeia produtiva do aço. Segundo dados da AMS, até 2014 as empresas siderúrgicas que utilizam o carvão vegetal deverão ampliar sua demanda de carvão para 35,8 milhões de metros cúbicos de carvão, o que irá requerer uma ampliação de 790 mil hectares de florestas plantadas em novas áreas, utilizando-se um fator de 1,43 metro cúbico de madeira de florestas de eucalipto para 1 metro cúbico de carvão vegetal. Segundo a AMS, “as atividades de florestas plantadas, considerada toda a cadeia de base florestal, a par de seu significado e presença na economia nacional, medidos por indicadores como o Valor Bruto da Produção, o recolhimento de tributos, as exportações, trazem também efeitos benéficos para a sociedade de modo geral, e para as regiões de implantação dos empreendimentos florestais. Assim, levando em conta a necessidade de aquisição de terras destinadas à expansão das áreas florestais, e a implantação dessas novas áreas, foram estimados, para as duas etapas, os respectivos valores de impacto na economia, que ultrapassam R$13 bilhões”. Um aspecto importante para a política de expansão que deve ser considerado é a expansão sobre áreas de pastos degradados, o que não levaria a uma apertura de novas áreas sobre a mata nativa e colaboraria para a implantação de uma agricultura de baixo carbono. BOAS PRÁTICAS E UNIÃO DE ESFORÇOS Veja aqui algumas ações envolvendo empresas e a sociedade civil organizada, visando a construção de mecanismos sustentáveis de obtenção de recursos naturais voltados para a produção siderúrgica. A Ç O V E R D E - B O A S P R ÁT I C A S PA R A O U S O D O C A R VÃ O V E G E TA L E M P R O C E S S O S S I D E R Ú R G I C O S » 121 DIALOGO FLORESTAL Uma importante iniciativa de enfrentamento da devastação ambiental para a produção de carvão é o Diálogo Florestal, iniciativa independente que facilita a interação entre representantes de empresas do setor de base florestal e organizações ambientalistas e movimentos sociais com o objetivo de construir visão e agendas comuns entre esses setores. Visa promover ações efetivas associadas à produção florestal, ampliar a escala dos esforços de conservação e restauração do meio ambiente, gerando benefícios para os participantes do Diálogo e para a sociedade em geral. Criado com enfoque sobre o bioma Mata Atlântica, um dos mais biodiversos e ameaçados do planeta, a iniciativa incorporou mais recentemente em sua área de atuação regiões dos biomas Pampa e Cerrado (Diálogo Florestal, 2012). FOMENTO FLORESTAL É um instrumento que busca promover a integração dos produtores rurais à cadeia produtiva através da obtenção de vantagens econômicas, sociais e ambientais. Tem sido um instrumento importante para a expansão do setor florestal. Também oferece uma alternativa à ampliação de renda para as propriedades do entorno das grandes áreas de cultivo do setor. Também se caracteriza pelo aproveitamento de áreas degradadas, improdutivas, subutilizadas e inadequadas à agropecuária, propiciando novas fontes de renda para os proprietários dessas áreas. Historicamente, o fomento florestal é adotado por grandes empresas do setor de papel e celulose. Recentemente, surgiu como um caminho para aumentar a produção de madeira para ser usada como carvão nas indústrias siderúrgicas. O fomento pode contribuir para reduzir os investimentos das empresas na compra de terras, o que permite a obtenção de um carvão mais barato, além de uma integração sustentada com os proprietários rurais que vivem no entorno das empresas. “Este mecanismo tem se mostrado muito eficaz na formação de novas florestas, principalmente devido ao processo de contratação ser simples e desburocratizado, à garantia de 122 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O compra da madeira produzida e à existência de uma variedade de modelos de fomento que atraem diferentes perfis de proprietários. Além disso, as empresas oferecem assistência técnica qualificada e as condições de financiamento são compatíveis com as disponíveis para a silvicultura do pinus e do eucalipto no mercado (taxas, prazos, limite de crédito, garantia, risco, plantios plurianuais, entre outros)” (Focus – Visão Brasil, 2011). Segundo a Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas (Abraf), em 2008 existiam mais de 22 mil produtores apoiados pelo fomento. Isso representa cerca de 450 mil hectares de árvores plantadas, algo como 16% da área total de florestas plantadas do país. RISCOS DO FOMENTO Alguns estudiosos dizem que o fomento, no seu atual modelo, apresenta riscos para a sustentabilidade econômica, social e ambiental, principalmente dos pequenos proprietários (Mendes, 2005). Estudo de Jefferson Mendes aponta que esse mecanismo contribui para a promoção do êxodo rural, ao atrair o interesse de profissionais liberais em comprar pequenas e médias propriedades para se beneficiarem do fomento para geração futura de renda, para fins de aposentadoria. Além disso, segundo avaliação do Funbio, o apoio em geral é restrito a propriedades com plantios superiores a 20 hectares e as indústrias concentram o fomento no entorno de suas unidades fabris, não oferecendo alternativas de comercialização ao fomentado. Outro problema apontado pelo estudo, é que esses programas devem contribuir para a criação de uma oferta muito superior à demanda em médio e longo prazos, tornando a atividade florestal pouco ou nada rentável para esses fomentados. EM BUSCA DO FUTURO SUSTENTÁVEL O uso de mata nativa para a produção de carvão vegetal destrói a floresta sem a posterior reposição. Muitas vezes aliada a prática de trabalho escravo, essa prática vem recebendo críticas cada vez mais intensas por parte da sociedade civil, de órgãos de governo e de representantes dos ministérios públicos federal e estadual. A Ç O V E R D E - B O A S P R ÁT I C A S PA R A O U S O D O C A R VÃ O V E G E TA L E M P R O C E S S O S S I D E R Ú R G I C O S » 123 Com forte impacto sobre os ecossistemas e sobre as populações que vivem nas áreas afetadas, o modelo se mostra inviável sob todos os aspectos. Encontrar mecanismos eficientes para acabar com o problema é um dos principais desafios para as empresas que levam em conta o valor da natureza e as práticas empresariais socialmente responsáveis. No Brasil, a curva do desmatamento está intimamente ligada à produção siderúrgica. Apesar de não ser esse o único e nem talvez o principal causador do desmatamento (vide o caso da produção de carne), não faltam estudos que indicam a urgência em se resolver o problema. Na busca de boas práticas, essa e outras pesquisas demonstram que o contingente de empresas que precisam ser mobilizadas é o dos produtores independentes de ferro-gusa, que fornecem tanto para a indústria nacional quanto para siderúrgicas de outros países. Segundo levantamento do BNDES, os guseiros independentes consomem 70% de todo o carvão vegetal produzido no país: 66% do total em Minas Gerais e 18% na região de Carajás. A tendência, segundo alguns estudos, é que a cada ano diminua o consumo de madeira nativa para produção de carvão vegetal, principalmente em função da pressão da sociedade civil e do maior controle exercido pelos órgão de fiscalização. Mas isso não é suficiente. As grandes siderúrgicas compradoras de ferro-gusa precisam fazer a sua parte, ou seja, usar seu poder de pressão e até mesmo de veto para levar o setor de ferro-gusa a um modelo de produção sustentado, com respeito ao meio ambiente e justiça social. O Brasil passa por uma fase de importante crescimento econômico, com grandes obras de construção civil, eventos esportivos como Copa do Mundo e Olimpíadas, programas governamentais como Minha Casa, Minha Vida, grandes obras de infraestrutura como Belo Monte e outras atividades trazem grandes perspectivas para o setor de ferro e aço. Mas também vão agravar os problemas já existentes. O governo brasileiro estima que investirá entre R$ 22 e R$ 30 bilhões na Copa do Mundo de 2014. Esse valor será aplicado nas obras de infraestrutura e nos custos de realização do evento. Além desse valor, 124 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O o evento vai injetar outros R$ 112 bilhões na economia nacional, com a produção em cadeia de efeitos indiretos e induzidos. Os cálculos acima, realizados pela Ernst & Young e pela Fundação Getúlio Vargas, mostram que o país movimentará, em transações envolvendo a Copa, cerca de R$ 140 bilhões entre os anos de 2010 e 2014. O evento produzirá um efeito cascata, com forte impacto sobre diferentes setores da economia brasileira. Esse feito cascata causará muitos efeitos positivos: • • • • Geração de 3,6 milhões de empregos. A renda da população terá um adicional, nesse período, de R$ 63 bilhões. Haverá um forte crescimento do consumo interno. Diversos setores da economia serão beneficiados, principalmente construção civil, alimentação, hotelaria, prestação de serviços, serviços de informação, dentre outros. • Haverá uma arrecadação tributária adicional de R$ 18 bilhões. O aumento do consumo e o consequente aumento da demanda indústrial trarão importantes benefícios econômicos, mas também causará efeitos negativos, com forte impacto ambiental e social nas regiões fornecedoras de matérias primas e nos locais onde serão realizadas obras de infraestrutura. Os impactos ambientais também vão gerar uma reação em cadeia de consequências imprevisíveis sobre os biomas e as comunidades que vivem nas regiões impactadas. A construção civil é o setor da economia que mais se beneficiará da Copa. Mas também será o que mais causará impactos em diversas regiões do país. Por causa disso, as obras de infraestrutura terão uma atenção especial na pesquisa, com foco nos seguintes produtos: aço, ferro, cimento e madeira. A produção de ferro, aço, madeira e cimento terão um forte crescimento nos próximos anos. Atualmente, o setor já ultrapassou o limite da sustentabilidade ambiental. A produção de aço, por exemplo, causa forte impacto sobre A Ç O V E R D E - B O A S P R ÁT I C A S PA R A O U S O D O C A R VÃ O V E G E TA L E M P R O C E S S O S S I D E R Ú R G I C O S » 125 os mais importantes biomas brasileiros: Cerrado, Amazônia e Pantanal. Nesses locais, a produção predatória de carvão – muitas vezes com o uso de trabalho escravo, abastece o setor siderúrgico com carvão ilegal, retirado de mata nativa ou de terras indígenas. A produção de cimento, que usa escória resultante da produção de ferro-gusa, também está contaminada pela devastação ambiental e pelo trabalho escravo. As grandes obras de infraestrutura usam madeira ilegal retirada principalmente da Amazônia. Calcula-se que mais de 50% de toda madeira que chega às grandes cidades foi produzida de forma predatória, esquentada por processos fraudulentos envolvendo a autoridade ambiental dos estados produtores. No Brasil, existe uma importante cadeia produtisva ligada à devastação ambiental e ao trabalho escravo. A construção civil, o ferro, o aço da indústria automobilística, as máquinas e equipamentos, os bens de grande consumo (computadores, celulares, eletrodomésticos) tem sua produção vinculada ao uso de matérias primas obtidas de forma predatória. Com a realização das grandes obras ligadas à Copa e o consequente aquecimento da demanda, os impactos socioambientais assumem contornos imprevisíveis. A adoção de boas práticas torna-se fundamental para a construção de um país ambientalmente sustentado e socialmente justo.O grupo de empresas e representantes da sociedade de civil organizada estão discutindo diversas possibilidades como: • Rastreabilidade da cadeia produtiva • Auditoria de processos de produção • Produção de material lenhoso de forma consorciada (Integração lavoura pecuária floresta) • Adoção de melhores técnicas de combustão do carvão (fornos mais eficientes) • Inclusão de fomentados na cadeia produtiva • Expansão de boas práticas de carvoejamento para o pequeno produtor. 126 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O Esta lista não é uma definitiva. Ela se encontra em discussão, mas são possibilidades reais de melhoria da cadeia produtiva. A partir dos anos 90, o parque siderúrgico brasileiro passou por uma grande reestruturação: privatização de grandes siderúrgicas e consolidação de empresas em grandes grupos, que ganharam escala e competitividade. Avanços que não foram tão significativos na área socioambiental, o que não combina com o atual patamar de desenvolvimento do país. Já somos o nono maior polo produtor de aço bruto do mundo e o segundo maior das Américas. Ou seja, somos lucrativos e competitivos na produção siderúrgica. O setor inclusive tem um dos menores custos operacionais do mundo, principalmente por causa da vantagem competitiva relacionada ao suprimento de matérias primas como minério de ferro e carvão. Com uma ótima relação custo/qualidade e grandes vantagens logísticas relacionadas ao abastecimento de matérias primas, não há motivos para manter setores dessa cadeia em uma situação que lembra a Idade Média, com trabalho escravo e devastação da natureza. O setor siderúrgico brasileiro tem um dos menores custos salariais dentre os grandes produtores. E os investimentos tem mantido a trajetória de crescimento nos últimos anos. Entre 2000 e 2009, segundo o jornal Valor Econômico, as siderúrgicas brasileiras realizaram aportes acumulados de US$ 20,8 bilhões. Os recursos foram destinados, principalmente, à modernização, expansão e atualização tecnológica das usinas, adicionando 13,5 milhões de toneladas por ano à capacidade produtiva. O otimismo é inegável. Ele precisa contemplar não apenas o aspecto econômico, mas também socioambiental. O objetivo desse capítulo é contribuir para a adoção de tais práticas, indicando os caminhos necessários, e também urgentes, que precisam ser adotados para que a indústria siderúrgica brasileira alcance, de fato, patamares aceitáveis, tanto do ponto de vista social quanto ambiental. GLOSSÁRIO • Cadeia de responsabilidades – termo utilizado para o acompanhamento das relações entre diferentes agentes envolvidos em um processo. Se uma empresa compra produtos de um fornecedor que, por sua vez, obtém matérias-primas obtidas de forma ilegal, essa empresa contribui para financiar produtores que atuam de forma predatória. Se uma empresa só compra de fornecedores que obtêm insumos de forma sustentável, contribui para financiar estruturas econômicas socialmente e ambientalmente responsáveis. • Embargos ambientais – ao constatar infrações ambientais em determinado local ou atividade, as autoridades competentes podem optar pela sua interdição. No meio rural, são comuns as áreas embargas pelo Ibama quando nelas é constatado desmatamento ilegal – elas ficam, portanto, impedidas de utilização para fins agropecuários e extrativistas. Também é possível lavrar o embargo da própria atividade de uma fazenda, serraria ou outros empreendimentos potencialmente poluidores, como carvoarias. Isso normalmente ocorre quando não há respaldo legal para sua operação, devido, por exemplo, à ausência de licença ambiental. Atualmente, a lei estabelece que não se pode “adquirir, intermediar, transportar ou comercializar produto ou subproduto de origem animal ou vegetal produzido sobre área objeto de embargo.” A lista de embargos do Ibama está disponível para consulta na Internet (www.ibama.gov.br). • Lista suja – publicado pela primeira vez em novembro de 2003, o cadastro de empregadores que utilizaram mão de obra escrava ficou conhecido como “lista suja”. A inclusão do nome do infrator, seja ele pessoa física ou jurídica, acontece após o final de um processo administrativo criado pelos autos de infração lavrados pelo grupo móvel de fiscalização – compostos, na maioria das vezes, por auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, por procuradores do Ministério Público do Trabalho e por delegados e agentes da Polícia Federal ou da Polícia Rodoviária Federal. A exclusão, por sua vez, depende de monitoramento do infrator pelo período 128 » C O M B AT E À D E VA S TA Ç Ã O A M B I E N TA L E T R A B A L H O E S C R AV O N A P R O D U Ç Ã O D O F E R R O E D O A Ç O de dois anos. Se não houver reincidência do crime, forem pagas todas as multas e quitados os débitos trabalhistas e previdenciários, o nome será retirado. A atualização da lista é semestral e pode ser acessada no site do ministério (www.mte.gov.br) ou no do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (www.pactonacional.com.br). • Madeira certificada – é aquela proveniente de áreas com selo comprobatório de manejo sustentável. Existem dois tipos de certificação, a da floresta e a do produto. A certifi – cação florestal garante que os produtores estão utilizando a floresta de forma correta, obedecendo a regras pré-determinadas de sustentabilidade ambiental e social. A certifica – ção do produto acontece quando uma empresa ou associação quer provar sua origem sustentável. • Manejo sustentável – segundo a Organização de Agricultura e Alimentos (FAO), manejo sustentável é a conservação de recursos naturais e o repasse de tecnologias de modo que assegurem a satisfação contínua das necessidades humanas para as gerações presentes e futuras. Ou seja, não degrada o ambiente, é tecnicamente apropriado, economicamente viável e socialmente aceitável. No caso do agronegócio, a sustentabilidade pode ser alcançada mediante a manutenção da produtividade com a introdução mínima de insumos externos (suplementos alimentares, fertilizantes e antibióticos) e a não-degradação dos recursos naturais e da diversidade biológica. REFERÊNCIAS AGÊNCIA ESTADO. (11 de 04 de 2011). Acesso em 12 de 04 de 2011, disponível em O Estado de S. Paulo: http://www.estadao.com.br/noticias/ geral,menos-de-1-das-multas-do-ibama-sao-quitadas,704643,0.htm AMATA. (2009). Mercado de Florestas Plantadas. São Paulo. AMIGOS DA TERRA AMAZÔNIA BRASILEIRA. (2009). A hora da conta. Pecuária, Amazônia e conjuntura. São Paulo: Amigos da Terra. MAS. (2011). Florestas plantadas– um caminho para o desenvolvimento sustentável. Belo Horizonte: Associação Mineira de Silvicutura. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE METAIS. (2008). Estudo Prospectivo do Setor Siderúrgico. Brasília: ABM. 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