Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Patrimônio cultural e latinidade, no 35, p. 163-165, 2008 163 OLIVEIRA, F. de; FEDELI, P.; LEÃO, D. (Orgs.) O Romance Antigo: origens de um gênero literário. Coimbra: Universidade de Coimbra / Università degli Studi di Bari, 2005, 281 p. Manuel Rolph De Viveiros Cabeceiras1 S ob a direção do Prof. Francisco de Oliveira, o Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra foi concebi do e realizado, em março de 2005, o Congresso “Romance Antigo: Origens de um Género Literário”, envolvendo na organização os Profs. Delfim Leão (autor da proposta original, cujo escopo se circunscrevia ao estudo da obra de Petrônio) e Paolo Fedeli (Università di Bari) e o importante aporte da Fundação para a Ciência e a Tecnologia e da Fundação Calouste Gulbenkian, os quais levaram a efeito a publicação das exposições ali apresentadas. A proveniência e o nome dos pesquisadores partícipes dá-nos uma boa idéia do nível dos debates: Coimbra (Walter de Sousa Medeiros, Maria do Céu Fialho, Maria de Fátima Silva, Paulo Sérgio Ferreira, Delfim Leão, José Luís Brandão, João Domingues, Ana Paula Arnaut), Lisboa (Maria Pulquério Futre Pinheiro, Maria Cristina de Castro-Maia de Sousa Pimental), Évora (Cláudia Amparo Afonso Teixeira), Açores (Vítor Ruas, Paula Mota Carrajana), Bari (Paolo Fedeli, Rosalba Dimundo), Granada (Andrés Pociña) e Freiburg (Bernhard Zimmermann, Eckhard Lefèvre). No mesmo ano, no Brasil, foi lançado “A invenção do romance” (Brasília: Editora Universidade de Brasília), através do qual o Prof. Jacyntho Lins Brandão (UFMG) levava a um público maior as conclusões defendidas, quando do concurso para o cargo de Professor Titular 1 Professor Assistente de História Antiga no Departamento de História e de Cultura Latina no Curso de Especialização em Cultura, Língua e Literatura Latina da Universidade Federal Fluminense, membro do Centro de Estudos Interdisciplinares da Antiguidade (CEIA) – UFF. 164 Cabeceiras, Manuel Rolph De Viveiros. O Romance Antigo: origens de um gênero literário. de Língua e Literatura Grega (Belo Horizonte, 1996), na tese “Narrativa e mimese no romance grego: o narrador, a narrativa e a narração num gênero pós-antigo”. Em comum nas duas obras o resgate para a comunidade de língua portuguesa do romance como demonstração da vitalidade da cultura clássica no mundo antigo, afinal último gênero criado na Antigüidade grega é traduzido para o modo de ser romano e alcança, com a obra de Petrônio e de Apuleio (os quais escrevem em latim), a sua máxima repercussão na cultura literária ocidental (de fato, os romanos são parceiros, mesmo vindo posteriormente, em sua criação). Deixa-se pra trás a imagem, comum ainda não faz muito tempo e hoje não de todo ausente, do romance como criação por excelência dos tempos modernos, e a idéia do romance em prosa ou da novela antiga (grega e latina) como algo impreciso e decadente, fazendo crer mesmo a helenistas, que pela denominada perda de limite das obras, tais autores reproduziriam pura e exaustivamente temas e formas de outrora em um mórbido artificialismo. Notemos, o florescimento do romance antigo, e talvez a sua invenção, ocorre quando imperavam em Roma os Antoninos, os quais estimulam o que se convencionou chamar de “renascimento grego”, animado pelo movimento da Segunda Sofística, estendendo-se o seu impulso do século I a III d.C. O que poderia ter favorecido a sua incompreensão dessas narrativas de aventura e amor enquanto gênero literário criado pelos antigos: a característica do romance dialogar com os gêneros anteriores, os imitando até certo ponto em paródias, remissões críticas, adaptações e soluções híbridas, em uma dinâmica transformativa, quando a teoria poética de então já estava desenhada nos seus traços fundamentais. O traço peculiar da publicação de Coimbra é focar na produção latina: ao “Satyricon”, principalmente, pois esta era a proposta original, são dedicados os artigos de Pimental (contexto histórico), Ferreira, Leão, Fedeli, Dimundo, Lefèvre e Pociña; ao “Asno de Ouro” de Apuleio se voltam os de Brandão, Teixeira, Pociña e Domingues. Mas, os gregos, claro, não estão ausentes: “Quéreas e Calírroe” de Cáriton de Afrodisias, tido como o primeiro romancista do Ocidente (Silva), Aquiles Tácio, com o seu “Leucipe e Clitofonte” (Zimmermann), o Anônimo “História Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Patrimônio cultural e latinidade, no 35, p. 163-165, 2008 165 de Apolônio Rei de Tiro”, retomado em seu singular sucesso na Idade Média e Renascença (Carrajana), e mesmo Apolônio de Rodes e as inovações levadas a efeito na sua “Argonáutica”, analisado à medida que prenunciaria as experimentações literárias dos três primeiros séculos da era cristã que vieram a se desenhar como romance antigo, além de sua reaparição na Bizâncio dos Comnenos (séc. XII) com as etopeias (Ruas). Também se fazem presentes, emoldurando o conjunto de textos, contribuições fundamentalmente centradas no debate teórico em relação ao gênero: a primeira, após a introdução geral de Medeiros, um estudo (Pinheiro) tão meticuloso quanto a estrutura da publicação permite, no horizonte das concepções antigas a respeito do gênero; a última, uma reflexão (Arnaut) percorrendo as metamorfoses da noção de romance em antigos, modernos e pós-modernos. Nessa perspectiva de contágios e apropriações se enquadra a proposta de um estudo comparativo entre “Satyricon”, “O Asno de Ouro” e o “Quixote”, na busca de uma compreensão do gênero (Pociña), o exame das relações entre Luciano de Samóssata, de um lado, e Rabelais, Cyrano de Bergerac e Voltaire, do outro (Domingues). Recebido em 20/12/2007 Aprovado em 05/06/2008