História do Cerco de Lisboa José Saramago História narrada em terceira pessoa É focalizada a Lisboa do presente (final do século XX) e a Lisboa moura (época do cerco em 1147) Aspectos históricos: José Saramago A península Ibérica estava ocupada pelos mouros desde o ano 711, e Lisboa desde 719. O Cerco de Lisboa efetivamente teve início em julho de 1147, estendendo-se até outubro, durando aproximadamente três meses e meio. O líder da conquista de Lisboa foi D. Afonso Henriques, considerado do primeiro rei português. D. Afonso contou com o auxílio dos Cruzados que estavam de passagem para o Oriente Médio no período da Segunda Cruzada. O revisor Raimundo Silva conversa com o autor do livro que está revisando, História do Cerco de Lisboa. A conversa é num tom filosófico, em que se nota um certo desprezo do revisor (apesar de ter consciência de sua inferioridade social) pelo outro. O autor, por sua vez, percebe a arrogância de Raimundo e o ceticismo, mas demonstra confiar no trabalho revisor e reconhece o profissionalismo e a inteligência deste (lembrar Apeles e o Sapateiro). Como se passássemos a ler o livro do autor/historiador, vemos uma descrição detalhada do despertar de um velho almuadem cego (aquele que convoca os mouros para suas orações) soltando seu grito agudo, e a cidade murmurando suas rezas. Então ficamos sabendo que esse relato não foi escrito, que não passava de pensamentos vagos de Raimundo Silva enquanto revisava a obra, como se corrigisse ou acrescentasse mentalmente detalhes que julgava ali faltar. 1 deleatur Apeles, importante pintor grego (séc. IV a. C.), expôs à porta uma pintura sua, e pôs-se detrás do pano a escutar os votos e censuras várias dos que passavam. Veio um sapateiro e notou defeito na chinela de uma figura principal. Percebendo o equívoco, emendou Apeles a falta; e no dia seguinte o sapateiro tornou a passar, e, vendo a emenda, ficou satisfeito de si, e atreveu-se a notar outra coisa na perna da mesma figura. Então Apeles, aparecendo, disselhe: — “Não suba o sapateiro além da chinela”. Daqui ficou o adágio contra os que dão votos no que não entendem. Raimundo Silva tem mais de 50 anos, vive sozinho, sempre solteiro, não tem família. É extremamente profissional no que faz. Tem uma boa biblioteca de consulta para averiguar imprecisões cometidas por autores. É obsessivo nos detalhes. Vive modestamente e praticamente nada faz além de ler e de revisar. Depois de trabalhar até tarde, recebe pela manhã um telefonema da editora para a qual revisa. Querem as provas do livro para hoje. Raimundo diz que terminará amanhã, mas o Costa, da Produção, toma o telefone e fala rispidamente. Raimundo argumenta que as revisões feitas às pressas dão ocasião a erros, mas Costa responde que é melhor passar dois erros que perder um dia de vendas. Acabam acertando a entrega do trabalho para as oito horas do dia seguinte. Pela primeira vez, em muitos anos, Raimundo não fará a leitura final e completa de um livro. Teria de ficar acordado toda a noite, e foi tomado de antipatia pela obra e pelo autor dela. Mas a consciência profissional faz com que ao menos vá percorrendo devagar as páginas. 2 Quando relê o discurso que o rei Afonso Henriques fez aos cruzados, acha inverossímil. Em seguida lê que, após o discurso, irão os representantes dos cruzados informar ao rei que o auxiliarão na conquista de Lisboa. Tomado por um sentimento que não compreende, acrescenta um não. Os cruzados não ajudarão os portugueses a conquistar Lisboa. Jamais havia alterado o sentido da frase de um autor, e não sabe por que o fez. O próprio Costa vai buscar as provas do livro na manhã seguinte. Raimundo sente remorso por estar enganando o encarregado da Produção, mas entrega o livro assim mesmo, consciente de que o erro, cedo ou tarde, será descoberto. Passados 13 dias, é convocado para uma reunião na editora. Estão presentes o diretor literário, o diretor de produção e uma mulher, que Raimundo desconhece. Afirmam que o erro foi claramente intencional, querem saber como um profissional competente faz uma coisa dessas, mas Raimundo continua afirmando que não sabe por que o fez, para maior irritação dos diretores. 3 Percebe que não será demitido, mas é comunicado que a mulher ali presente passa a dirigir todos os revisores da editora, a partir de agora. Raimundo terá de escrever ao autor e à editora apresentando desculpas. Quando iam dar a reunião por encerrada, a mulher diz estranhar que Raimundo não tenha tentado explicar o que fez. O revisor fica com raiva dela, e travam um sutil debate, ríspido, com frases inteligentes. Após a saída dele, os diretores, que antes estavam num tom conciliador, comentam que teria sido melhor demiti-lo, mas a mulher argumenta que teriam perdido um bom revisor. Raimundo não soube reprimir a agressividade. Fica pensando nessa mulher, de menos de 40 anos, de quem ele ainda não sabe o nome. O telefone de casa toca. A chefe dos revisores, Maria Sara, marca uma reunião para organizar o trabalho. Recebe Raimundo cordialmente e dá-lhe o único exemplar da História do Cerco de Lisboa sem a errata. “Esse livro é o seu.” 4 Ela demonstra que leu vários pareceres que Raimundo deu sobre obras, muito bem escritos, críticos, singulares, e propõe que ele escreva a história do cerco em que os cruzados não ajudam os portugueses. Raimundo fica perturbado, diz que não faz sentido, e retira-se. Em casa, puxa uma folha de papel e escreve o título do livro. Pergunta-se o que vai escrever, por onde deve começar. Pensa que talvez com um novo discurso inventado, de Afonso Henriques, pudesse justificar a recusa dos cruzados, depois de descartar hipóteses como o clima ou as pestes. Terá de inventar uma outra história em que, mesmo sem a ajuda dos cruzados, os portugueses derrotaram os mouros. Suas dúvidas agora são por que os cruzados foram embora e como os portugueses venceram. Raimundo vai até o local onde o fato histórico se passou, não longe de sua casa. Pensa em Maria Sara. Observa o castelo que fora tomado pelos mouros. A razão do “não” dos cruzados ficou-lhe clara. 5 No discurso de Afonso Henriques aos cruzados, o rei destaca que os mouros que tomaram Lisboa não têm as riquezas dos que estavam em Granada e Sevilha, e que por isso sugeria que os cruzados se contentassem com uma remuneração simbólica. Acrescenta que, mesmo que não cheguem a um acordo, sozinhos os portugueses seriam capazes de vencer, como o fizeram em Santarém, até porque contam com a ajuda de Jesus Cristo. Os cruzados percebem na oratória do rei, além da avareza, muita petulância e orgulho. O rei ainda diz que, assim como Cristo lhe apareceu anos atrás para garantir outra vitória dos portugueses, bem poderia aparecer de novo. Os cruzados prometem resposta para o dia seguinte. Maria Sara liga com o pretexto de perguntar sobre o andamento de outras revisões que Raimundo está fazendo. Ela pede que ele não a decepcione, e ele responde firmemente que não a decepcionará, percebendo que ambos podem estar se referindo à reescrita do livro. 6 Os cruzados trazem a resposta ao rei. O porta-voz, com sarcasmo, menciona que, já que os portugueses terão ajuda fácil e eficaz de Nosso Senhor Jesus Cristo, que fossem sozinhos ao combate, pois já tinham segura a vitória, e Deus lhes agradeceria a oportunidade de provar o Seu poder. D. Afonso responde que então partam para a Terra Santa, onde não poderão fugir à batalha como estão fugindo desta. O porta-voz leva a mão à espada, mas é interrompido pelos companheiros, e um deles diz que quem falou não mencionou os motivos materiais que movem a negativa, mas que mesmo assim alguns deles resolveram ficar e lutar. D. Afonso fica contente. Raimundo vai à editora encontrar Maria Sara, com o pretexto de entregar outro livro revisado. Tem pensado muito nela. Ao sair de casa, depara-se com um cão faminto que o segue. Volta à casa e busca comida para ele. 7 8 Pensa que o cão é idiota de viver ali, desprezando as abundâncias de Lisboa, Europa e mundo, mas que é fácil julgar, quando pode ser um caso de timidez. Chega à editora, entrega o trabalho para a chefe e trocam palavras amenas. Quando vai se retirar, Raimundo toca a rosa branca que Maria Sara tem sobre a mesa. A chefe se desestabiliza, fica ruborizada. Ele também. Ela diz que sai em cinco minutos e lhe oferece carona. Ele diz que não quer desviála de seu caminho, e ela não percebe, ou finge não perceber na duplicidade maliciosa da frase. Ela sabe onde ele mora, descobriu na ficha de emprego. Leva-o em casa, ele a convida para entrar, mas ela responde que ainda não é tempo. Retorna à escrita do livro. Os mouros comemoram a partida dos cruzados, mas cem destes ficaram em Lisboa, com suas armas. 9 Raimundo está à procura de um personagem para dar destaque, dentre os portugueses e cruzados que irão à luta. Uma roda de homens escuta um soldado, Mogueime, que conta como tomaram Santarém. Relata que subiu nos ombros do capitão Mem Ramires e que, com uso de uma escada, alcançaram o muro e começaram a invasão. Dois pajens que ouvem a história divertem-se lembrando como abusaram das mouras e depois cortaram-lhes o pescoço. Mogueime os contraria, dizendo que matá-las assim, depois de amá-las, não foi um ato cristão. Raimundo Silva é tomado de simpatia por este gesto do personagem que ele mesmo criara. O que preocupa o revisor é a mentira de Mogueime ao narrar a tomada de Santarém, pois Mem Ramires era fidalgo da corte e teria subido nos ombros do soldado, e não o contrário. Porém, “atire a primeira pedra aquele que se julgar sem pecado”, numa clara alusão à mentira do “não” e ao fato de ele pintar os cabelos. Raimundo sai à rua e compra uma rosa branca. O rei Afonso Henriques manda enviados para falar com os mouros. Pedem que entreguem a cidade em paz, que podem continuar vivendo nela, e lembram que uma perigosa doença ataca os estrangeiros. O governador mouro responde que é difícil acreditar que apenas querem que entreguem a fortaleza do castelo, depois do que fizeram em Santarém, onde mataram até as mulheres, crianças e velhos. “Essa cidade foi outrora dos vossos, agora porém é nossa.” O bispo do Porto, enviado luso, diz que “quantas mais vezes nos for desfavorável o resultado de uma empresa, tantas mais vezes havemos de tentar para que bem nos suceda.” Retiram-se, negando saudação. O governador mouro diz que se enganam se confundem paciência com temor da morte. Diz que os portugueses se preparem para morrer, porque eles, mouros, sempre estão preparados. Raimundo vai à editora entregar mais um trabalho e descobre que Maria Sara está doente, em casa. Consegue o número do telefone dela. Pensa em ligar, mas não consegue. Volta ao livro. 10 Tem de planejar a estratégia do ataque luso. Retorna ao castelo onde tudo se passou para imaginar a guerra. Dom Afonso manda cortar as comunicações dos mouros com o mar para que ninguém possa entrar ou sair. Raimundo volta para casa. Percebe que não sabe nada da vida de Maria Sara, se é casada, se tem filhos. Sua imaginação retorna a uma cena em que Mogueime à beira d’água lava as mãos. Uma mulher perto lava a roupa. É a manceba do cavaleiro Henrique, alemão, um dos cruzados que ficou. Mogueime já reparara nela, mas um soldado como ele não se atreveria a tentar a mulher de outro (como Raimundo e Maria Sara?). Ele decide perguntar-lhe o nome. Ela diz que é Ouroana. Raimundo vai à cozinha e vê o bilhete da mulher-a-dias (diarista). Uma mulher telefonou e deixou o número. “Amanhã telefono.” Acorda com uma visão muito clara de como dispor as tropas para um ataque. A ordem é invadir ao meio-dia, quando os mouros estiverem em oração. Raimundo resolve ligar. 11 Uma outra mulher atende e chama Maria Sara. Ele pergunta como ela está, ela agradece dizendo que ele foi o único revisor a interessar-se. A conversa segue com dificuldade, como se Raimundo não quisesse admitir o que sente por ela. Parece que ele é sempre agressivo. Ela diz que ligou porque se sentia só, porque queria saber se ele estava trabalhando, se queria lhe desejar melhoras, e então Raimundo interrompe e diz que gosta dela. Foi difícil dizê-lo, pois não sabe se ela tem alguém. Ela responde que também gosta dele, que é divorciada há três anos, não tem filhos, vive na casa do irmão, quem atendeu ao telefone foi a cunhada. Combinam de se ver assim que ela melhore. Antes de se despedir, ela pergunta se ele já começou a escrever a História do Cerco de Lisboa, e ele diz que sim. Ela termina dizendo que não sabe se continuaria a gostar dele se a resposta fosse não. Estão felizes. Raimundo compra quatro rosas brancas. Chega em casa com duas delas, e a diarista fica muito curiosa. 12 13 Maria Sara telefona, diz que ele não devia ter feito isso porque, a partir de hoje, não poderá viver sem receber rosas todos os dias, e ele responde que não lhe faltarão e que outras duas estão em sua casa. Ela quer ir lá logo. Combinam a visita. Maria Sara pergunta o que ele vai fazer quando desligar, e ele diz que vai rezar para que os mouros não ataquem na calada da noite. Ela pede que ele se cuide, e Raimundo diz que não veio de tão longe para morrer diante dos muros de Lisboa. Dom Afonso Henriques tratou de recolher as provisões de alimentos que os mouros deixaram para trás. Cargas de trigo, cevada, milho e legumes poderão fazer falta aos que se defendem de dentro do castelo. Agora a questão é saber como se pode entrar por portas tão fechadas, defendidas por guerreiros nos topos das torres. As escadas não alcançam, e os sentinelas nunca dormem. Há divergências no alto comando português sobre a forma de combater os mouros. Uns propõem o ataque imediato; o cavaleiro alemão Henrique quer usar seu conhecimento para construir torres móveis. Outros, que defendem a espera, querem apoiar o ataque súbito para que os estrangeiros não levem o mérito da vitória. Diplomático, D. Afonso mostra por que é rei: determina que primeiro se fará um ataque geral. No caso de falhar, avançarão as torres. Falhando tudo, manterão o cerco indefinidamente, matando os mouros de fome. Os aplausos são unânimes. Raimundo percebe que não consegue fazer valer seus próprios pontos de vista. A história se movimenta sem seu controle. Pensa em fazer os cruzados regressarem, mas acha que desagradaria Maria Sara. Pergunta-se que relação há entre a história imaginada e a sua com Maria Sara. Por dois dias falam muito ao telefone. Ela anuncia que vai trabalhar e que depois passa na casa dele. Finalmente encontram-se, pela primeira vez, depois das declarações de amor. 14 Ele conta que vive sozinho há muitos anos, sem mulher, que gostaria que a vida lhe desse o que nunca teve. Acrescenta que pintava o cabelo, mas que agora parou, e ela diz que por causa dele foi pintar o cabelo hoje. Raimundo mostra a casa e, enfim, o livro. Ela começa a ler e pergunta quem são Mogueime e Ouroana, e ele diz que ainda não sabe bem. Ela quer ler tudo agora, mas ele diz que fará uma cópia e levará amanhã à editora. Conversam longamente, se beijam, e ela pede que Raimundo não vá à editora nem telefone. A narração em terceira pessoa traça uma bela comparação para falar da ordem de ataque dos lusos. Diz que nunca se viu um condenado ao pelotão de fuzilamento, à forca ou cadeira elétrica dar a ordem de sua execução. Dom Afonso vai colocar na boca dos mouros o grito de ataque, ou seja, quando o almuadem entoa o grito para chamar as orações, ao meio-dia, os portugueses entram em ação. Os mouros defendem-se bem derramando tochas de fogo sobre os portugueses, que tratam de enterrar seus mortos. Mogueime escapa ileso e vai ajudar no funeral. Caminha até o acampamento do rei para ver se encontra Ouroana. Pensa que ela pode vir a ser sua, mas que ele pode morrer antes disso. 15 Raimundo trabalha em casa e divide sua atenção entre a história e a janela, esperando Maria Sara. Receia que a história não acabe. Resistiu à tentação de telefonar. Enfim ela chega, passa os olhos pelo texto e percebe que ele não escreveu muito mais. Finalmente vão para a cama. Jantam fora. Ela quer saber como vai a história do cerco. Ele diz que pode terminar em três linhas ou deixar sem fim, agora que estão juntos, mas ela afirma que Raimundo tem de resolver a vida de Mogueime e Ouroana, que o resto é menos importante. Ele pergunta por que Maria Sara lhe lançou o desafio de escrever o livro, e ela responde que no começo não sabia bem, mas que ficou claro que era ele quem ela buscava, pela atitude de colocar um erro onde deveria corrigir. Voltam para casa. Ela quer ler a obra, diz que ele pode virar autor, que talvez a própria editora queira publicar o livro, e ele responde que só com a condição de ele ser o próprio revisor, para que não venham a colocar um sim no lugar de um não. Dormem juntos. Ao acordar, ele retoma a história. 16 O cavaleiro Henrique prepara o ataque com as torres. O rei lhe segreda que a guerra destruiu suas finanças, que o ataque, se bem sucedido, pode poupar-lhe novo gasto de salário com as tropas, que estão pagas até o final do mês. Se vencer, o rei fará a Henrique proposta de naturalização, com doação de terras e título. Henrique traz Ouroana consigo para o acampamento, para a sorte de Mogueime, que terá muito mais chances de vê-la. Raimundo em casa tem de lidar com a bisbilhotice da diarista Maria, que percebe que uma mulher andou pela casa, mas ele não lhe satisfaz a curiosidade. Quando fica só, resolve dedicar-se à construção das torres, para que a obra esteja adiantada quando Maria Sara chegar. A construção demorou mais de uma semana, no tempo do livro. Quando Ouroana vem ver o andamento da obra, percebe o soldado que a olha. Mogueime tem tentação de matar Henrique, mas não podia matar um homem que nunca lhe fizera mal, só por desejar-lhe a mulher. 17 18 Concluída a torre, que se desloca sobre rodas, há problemas com o terreno inclinado. Atolam. Os mouros derramam fogo e a torre cede, matando Henrique e seu criado. Ouroana está só no mundo. Chora de pena do homem que sempre a tratou bem, mas não há outros sentimentos. Um dos homens tenta agarrá-la e ela o ameaça com um punhal dizendo que o mata ou se mata, garantindo assim a liberdade. Raimundo interrompe o trabalho após horas de escrita. Nem pensou em Maria Sara. Vai à janela e olha a cidade. Os mouros estão comemorando a destruição da torre, pensa. Ouroana vela o cadáver, sem lágrimas. Mogueime ronda-lhe a tenda. Se Maria Sara não telefonar, Raimundo ligará. Sinais de fome apertam os mouros na cidade. Lá vivem cerca de 60 mil famílias. Os portugueses continuam a lutar, mas apertam ainda mais o cerco, vigiando para que nada nem ninguém entre ou saia. 19 Mogueime pensa que o mais provável é que Ouroana seja tomada por qualquer senhor, mas isso não o perturba, talvez por acreditar que jamais será dele. Mas não faz com deixe de segui-la, pois quer essa mulher. Tornou-se público que Ouroana teve relações com soldados anteriormente. Dois deles apareceram mortos, por coincidência, não tendo ela nem Mogueime nenhuma culpa nisso, mas serviu para afastar outros pretendentes. Enquanto ela lava roupa, ele se aproxima e conversam. Ele pergunta se ela quer ficar com ele, e a resposta é sim. Mogueime lhe conta de sua vida. Vão passar a noite juntos. Chega Maria Sara trazendo comida, munições de boca, pois veio para uma guerra. Trocam muitos beijos, mas ela pede que ele não se distraia do trabalho, já que passarão duas noites juntos. Ela quer saber da história, e Raimundo conta que Mogueime e Ouroana já fizeram amor. Maria Sara pede que ele siga escrevendo, e Raimundo diz que então vai retornar à sua cadeira de revisor, que é o que ele é, para que tudo fique claro entre Mogueime e Ouroana. Assim como o soldado nunca vai ser capitão, o revisor nunca será escritor. Ela pergunta se ele tem medo que Ouroana vire as costas a Mogueime quando descobrir que nunca será mulher de um capitão. Maria Sara afirma que gosta dele pelo que é. Raimundo acrescenta que parece que estão em guerra, e ela diz: “Claro que estamos em guerra, e é guerra de sítio, cada um de nós cerca o outro e é cercado por ele, queremos deitar abaixo os muros do outro e continuar com os nossos, o amor será não haver mais barreiras. O amor é o fim do cerco.” “Bem dito, Ouroana querida. Obrigada, querido Mogueime.” Preparam a mesa para o trabalho. Raimundo avisa que vai escrever sobre os milagrosos casos de que foi autor o falecido Henrique, e Maria Sara vai ler a obra dos milagres de Santo Antônio. 20 Depois de sua morte, aparece Henrique para Frei Rogério, o cronista que dormia em sua tenda, e o cavaleiro pede que seu escudeiro tenha o corpo trazido para junto do seu, Henrique. Frei Rogério então cumpre a solicitação. Outros relatos fantásticos sobre Henrique são comentados alternadamente com a leitura que faz Maria Sara. Há mais de dois meses o cerco começou. Dom Afonso tinha esperanças na engenharia militar de Henrique, e a morte deste abalou o entusiasmo das tropas. A falta de dinheiro é outro problema. Os soldados portugueses estão indignados que somente os cruzados terão direito a saquear a cidade. Os outros receberão somente o soldo. A rebeldia já interfere na disciplina. Os soldados que lideram a discussão, entre eles Mogueime, são chamados a falar com os oficiais. O capitão Mem Ramires apela ao patriotismo. Mogueime assume a palavra argumentando que querem ser pagos como os cruzados. O rei recebe o relato da conversa e manda chamar cinco soldados. Diz-lhes que não sabe se cortará os pés ou a cabeça deles se levarem adiante a proposta. Mogueime responde que se D. Afonso fizer isso todo o exército ficará sem pés nem cabeça. O rei pergunta o que eles farão se não tiverem parte no saque, e Mogueime responde que só os cruzados atacarão. Dom Afonso diz que isso é uma rebelião, mas Mogueime enfatiza que é um ato de justiça pagar o igual com o igual. 21 Não queira o rei que Portugal nasça torto. “Onde foi que te ensinaram a falar assim? As palavras, senhor, estão por aí no ar, qualquer as pode aprender.” O rei anuncia que todos os soldados terão direito a saque. As tropas ficam muito animadas, não só pelo dinheiro, mas também pelo sentimento de justiça. Os mouros sentem o medo, a fome e as doenças. Alguns descem por cordas das muralhas rendendo-se, pedindo batismo. Os portugueses pensam que eles vêm negociar a rendição da cidade, mas quando vêem que não, matam todos. O exército luso escava na base da muralha e preparam lenha para por fogo. Preparam três torres de ataque. Os mouros, muito fracos, saem pela porta de ferro para destruir uma das torres, mas não conseguem. Trava-se a batalha. Mouros jogam-se nas águas, o muro vem abaixo. Lisboa estava ganha. Após a rendição do castelo, o derramamento de sangue termina. Ouve-se o almuadem do alto da mesquita. Um soldado sobe e degola o velho. Raimundo pousa a caneta e vai para cama silenciosamente. Maria Sara está acordada e pergunta como terminou, e ele diz que foi com a morte do almuadem. Ela quer saber sobre Mogueime e Ouroana, e ele conta que Ouroana vai voltar à Galiza, de onde veio, e que Mogueime irá com ela, e antes de partirem acharão um cão escondido, que os acompanhará na viagem. 22 Mogueime – inverte a história que conta, afronta o Rei e conquista Ouroana (mulher acima de suas possibilidades) Raimundo O próprio cerco – faz sítio à Maria Sara O cão abandonado – se sente parecido Identidades Os portugueses – não recebem ajuda para realizar a sua missão Ouroana – é cortejada por um homem socialmente “inferior” Maria Sara Lisboa – Maria Sara é “sitiada” por Raimundo O próprio cerco – faz “sítio” a Raimundo Fonte: Fernando Brum in Leituras Obrigatórias 2013 – Ed. Leitura XXI História do Cerco de Lisboa Três possibilidades: 1. De José Saramago; 2. Do historiador (obra revisada por Raimundo); 3. De Raimundo (sugerida por Maria Sara). Lisboa arde sob cerco dos Portugueses