ANALISANDO OS SENTIDOS E SIGNIFICADOS QUE O PROFESSOR ATRIBUI AO
PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO
ISABELA ROSÁLIA LIMA DE ARAUJO / UFAL
Resumo
Esta pesquisa, que está em andamento e que faz parte do Programa Nacional de Cooperação
Acadêmica – PROCAD, tem o objetivo de gerar reflexão acerca do tema e da proposta.
Nosso interesse é pela atividade de trabalho do docente e entendemos a atividade realizada
como uma atividade constituída por várias outras atividades, atividades estas que também
precisam ser estudadas para que realmente se possa compreender o que foi e porque foi
realizado. Nosso foco será na questão da alfabetização, de como é constituída a atividade
docente de uma professora que tem alunos ainda não alfabetizados em uma turma de 5º Ano.
Dessa forma, fazemos uma discussão teórica a respeito da Psicologia Sócio-Histórica e suas
categorias, da Ergonomia Francesa e da Clinica da Atividade. Temos como referencial maior
os estudos de Vigotski e de Ives Clot. Abordaremos também sobre a metodologia que
estamos desenvolvendo, que é o método da Autoconfrontação Cruzada. Nossos resultados,
que ainda são parciais, já são gratificantes e nos mostra a força que tem o método, como a
historicidade, junto com as observações e as filmagens pode nos ajudar nas reflexões.
Palavras-chave: Psicologia Sócio-Histórica; Clínica da Atividade, Alfabetização.
1. Introdução
Nosso objetivo é compreender em completude a atividade realizada para que
realmente possa haver desenvolvimento nos estudos da atividade docente. Segundo Nóvoa
(p.7, 1999) a grande abundancia de textos sobre a profissão docente nos últimos anos não
contribuíram para construir novos modelos de análise.
Para compreender a atividade do professor, necessitamos irmos além do que
podemos observar de imediato, precisamos entender a singularidade desse docente, o real da
atividade, o gênero e o estilo, todos esses conceitos abordaremos em detalhes mais adiante,
enfim precisamos conhecer todo o contexto que o cerca.
2. Pesquisa de Mestrado
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Nossa pesquisa, que está em andamento, faz parte do Programa Nacional de
Cooperação Acadêmica PROCAD. Nós estamos buscando entender como se dá a relação
entre a atividade prescrita e a atividade realizada pelos professores dos anos iniciais de
escola pública. Analisaremos como esse professor lhe dá com a situação da alfabetização
em uma sala onde a maioria dos alunos já é letrada e uma minoria ainda não.
3. Referencial Teórico
Adeptos da Psicologia Sócio-Histórica entendemos o professor enquanto sujeito
social, histórico e individual ao mesmo tempo (Clot).
Para Kahhale e Rosa (p. 24, 2009) a Psicologia Sócio-Histórica busca produzir
conhecimento crítico em Psicologia, o que significa não se submeter ao pensamento
hegemônico; significa a busca pela historicidade dos fenômenos, na sua base concreta
material; significa explicitar e romper com processos alienantes, tanto singulares como
coletivos.
Quando se deixa de reconhecer que as leis sociais não são naturais, quando
se perde a perspectiva histórica na análise do humano, quando se opera a
análise do individual sem reconhecer as mediações sócio-históricas dele
constitutivas, constrói-se um saber conservador e pactuado com o status
quo social, impedindo ou negando a constituição do sujeito da
transformação social, de modo que esse saber possa orientar sua práxis na
direção da construção de relações sociais mais igualitárias (Kahhale, Rosa,
p. 20, 2009).
3.1 Necessidade de Superar a Naturalização e a Simplificação
Morin (1999) afirma que a Psicologia está permeada pelo paradigma da
simplicidade, caracterizado por um conjunto de princípios como a universalidade, o antihistórico, a simplificação, o determinismo, o reducionismo e a ordem, entre outros. E que sua
constituição está permeada pela necessidade de produção de respostas à questão da
objetividade e de seu estatuto como ciência.
Segundo Kahhale e Rosa (p. 22, 2009), surge na modernidade a partir de
condições históricas determinadas, contudo, se funda de forma também contraditória, o
homem livre e racional, dominador, sujeito de seu destino e responsável por seus
sentimentos, mas que a sociedade necessita controlá-lo, seja reduzindo-o à condição de
instrumento da ciência ou da produção geral, seja objetivando-o.
Individuo
e
sociedade,
sujeito
e
objeto
são,
portanto,
tomados
dicotomicamente, naturalizando os sujeitos. Na medida em que se configura a oposição
objetividade x subjetividade e indivíduo x sociedade, perde-se a possibilidade de reconhecer
3
a mediação entre ambos. O sujeito não pode ser compreendido como sujeito constituído
historicamente.
Na perspectiva sócio-histórica tudo é perpassado pela historicização e as
contradições são tomadas como próprias da complexidade do fenômeno psicológico e da
subjetividade.
3.2 Equipe de Psicologia Sócio-Histórica da PUC-SP
Teve origem nos anos 1980, época do auge das lutas por um Brasil democrático.
A professora Silvia Lane, segundo Bock e Gonçalves (p. 07, 2009), aliada a muitos, buscava
novas visões teóricas que pudessem representar novas perspectivas para a Psicologia. O
clima era de inovação e de construção de um compromisso social.
3.3 Referências do Novo Pensamento
Como referencia passaram a utilizar Vigotski, Leontiev, Luria, entre outros. A
noção de historicidade (análise histórica) surge desde então.
A dimensão subjetiva da realidade passa a ser campo de estudo, trata-se de
identificar na realidade a presença de sujeitos que a constituem e são por ela constituídos e,
com base nisso, reconhecer que a realidade, que existe de forma objetiva, passa a incluir
subjetividade em função da atividade do homem sobre ela.
A visão não é dicotomizada e sim, mediatizada: Subjetividade/Objetividade,
Saber/ação.
3.4. A Psicologia Sócio-Histórica e suas Categorias
São as categorias que nos ajudam a compreender o processo de constituição do
humano. São elas:

mediação

história

atividade

sentido e significado

Consciência
As categorias não são estudadas separadamente, pois uma constitui a outra, uma
não existe sem a outra.
Para Vigotski (1994), a atividade é mais do que um simples reflexo ou resposta a
um estimulo externo. Para ele, a atividade implica no processo de transformação do mundo e
do comportamento humano por meio da própria relação homem-mundo que se realiza na e
pela atividade de trabalho. Segundo ele, esta se diferencia da dos outros animais por seu
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caráter mediatizado, ou seja, utiliza-se de instrumentos psicológicos (sistema de signos
lingüísticos) e instrumentos materiais (pás, faca etc.).
Para Vigotski (2001a, p.409), “o pensamento não se exprime na palavra, mas nela
se realiza”. O pensamento se realiza na palavra constituída de significações. Ex.: O
pensamento da criança se estabiliza e se torna mais ou menos constante quando a criança
começa a utilizar a linguagem (Vigotski, 1995, p. 278).
O que faz a mediação na relação pensamento/linguagem é o significado. O
desenvolvimento da linguagem, produzida social e historicamente, e dos significados permite
uma representação da realidade no pensamento.
Significados e sentidos são momentos do processo de construção do real e do
sujeito, na medida em que a objetividade e subjetividade são também âmbitos de um mesmo
processo, o de transformação do mundo e constituição dos humanos. Jamais poderão ser
considerados e, assim, apreendidos dicotomicamente.
Segundo Vigotski (2001), significado, no campo semântico, corresponde ás
relações que a palavra pode conter; já no campo psicológico, é uma generalização, um
conceito. Os significados são produções históricas, sociais, relativamente estáveis e, por
serem compartilhados, são eles que permitem a comunicação entre os homens, além de serem
fundamentais para a constituição do psiquismo.
Vigotski afirma que significação “... é a atividade mais geral e fundamental do
ser humano, a que diferencia em primeiro lugar o homem dos animais do ponto de vista
psicológico...” (1995, p.84). Assim, estamos falando da capacidade/atividade humana de
significação que se refere ao processo de constituição do pensamento e, desse modo, de
constituição dos significados e sentidos.
Não iremos nos deter nas categorias em si.
3.5 A Ergonomia Francesa e a Clínica da Atividade
Buscamos também, para a categoria atividade, fundamentação sob o ponto de
vista dos ergonomistas e da Clínica da Atividade de Clot.
Segundo Clot (2006), tanto a Ergonomia quanto a Clínica da Atividade tem
como objetivo observar a atividade de trabalho com a intenção de transformá-la, adaptando o
trabalho ao homem e não o homem ao trabalho.
Para Clot (2001), a atividade de trabalho é sempre mais do que um simples
gesto realizado, passível de observação direta e mensurável para fins de avaliação de
produtividade, pois envolve, também, tudo o que povoou o interior do sujeito. Atividade para
ele não se limita mais ao que se faz.
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4. Compreendendo a Atividade Realizada
Uma das principais contribuições da Ergonomia Francesa para o estudo da
organização do trabalho foi à diferenciação entre trabalho prescrito (tarefa) e trabalho
realizado.
Para a Ergonomia a atividade realizada jamais corresponde à atividade de
trabalho esperada, fixada por regras, pois o trabalhador, que no nosso caso o interesse é o
docente, se encontre diante de várias fontes de variabilidades como panes, fadiga,
experiência etc.
A tarefa é o prescrito ao trabalhador, é imposta e, assim sendo, é exterior,
determina e constrange a atividade, mas ao determinar ela o autoriza. O prescrito determina,
constrange e autoriza a atividade realizada. Pode-se concluir que a atividade realizada é
aquela atividade que realmente foi executada e que é constituída por outras atividades, ela é
mais do que parece, é mais do que de imediato se pode observar.
Clot (2006, p. 64-66) acrescentou o conceito de real da atividade/ atividade
real, que são as possibilidades que o trabalhador poderia ter feito. Um professor quando
deixa de fazer uma atividade, seja ela qual for razão, e faz uma outra atividade, essa atividade
realizada está sendo constituída por aquela outra atividade que ele não pode ou não
conseguiu fazer.
Clot (2006, p. 95) ao referir-se a atividade prescrita afirma que esta é o
resultado das atividades de gestão e de concepção. Para ele é o que garante que a tarefa se
torne realizada, é o conjunto das experiências coletivas acumuladas pelos trabalhadores, o
que veio a chamar de Gênero. Para ele o Gênero conserva a história.
Podemos dizer que o Gênero são as normas, os valores. Em uma escola é a
filosofia que rege essa escola, é o Projeto Político Pedagógico. O Gênero, portanto, define o
que é aceitável e o que não é aceitável e organiza o encontro do professor com seus limites.
O professor, por exemplo, gostaria de fazer uma aula de dança, mas na escola não é
permitido e então ele não realiza essa aula, pelo contrário estaria infringindo as normais
escolares.
Clot (2006, p. 49) acrescenta que o Gênero é uma estrutura inacabável, pois os
indivíduos recriam e assim garante a continuidade do trabalho. A renovação do Gênero é o
que ele chama de Estilo. Então o ajustamento do Gênero é o Estilo, é o jeito que o
profissional encontra para realizar tudo que foi prescrito, é individual, enfim é a apropriação
do Gênero.
5.
O método da Autoconfrontação
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Trata-se de um método de análise da atividade que utiliza a imagem como apoio
principal de observações, para criar um quadro que possibilite a um coletivo de trabalho ter
sua experiência profissional desenvolvida, por meio de uma prática de co-análise. Conforme
Clot e colaboradores (2001) é necessário compreender para transformar, pois a compreensão
possibilita circunscrever o alcance do agir no trabalho. A autoconfrontação divide-se em duas
fases:

Autoconfrontação Simples
Objetiva a reflexão dos professores sobre sua própria atividade, juntamente com
a pesquisadora, tendo como estímulo as videogravações realizadas em sala de aula (CLOT,
2001, p. 21-22).

Autoconfrontação Cruzada
Também utilizada por Clot [...] constitui-se na reunião de dois sujeitos e o
pesquisador solicita o comentário sobre o que ele assistiu. O professor convidado assiste às
imagens, inclusive aos comentários produzidos por seu colega, na autoconfrontação simples,
faz seus comentários, o que configura o autoconfronto cruzado.
O sujeito que está em cena, ou seja, que está sendo observado, é assim
confrontando os comentários de seu colega (convidado) e faz, concomitantemente,
observações sobre os comentários feitos.
5.1 Procedimentos: colocando em prática a autoconfrontação
Começamos com o nosso trabalho de campo em uma escola do município de
Maceió no mês de agosto de 2009.
5.2 Contatos com a escola e a apresentação da pesquisa
Essa etapa se deu de forma simples, os funcionários e os alunos nos receberam
tranquilamente. Segundo a coordenadora da escola, eles estão acostumados a receber
estagiários que cursam graduação e isso refletiu bem na chegada de uma pesquisadora na
escola.
5.3 Apresentações da pesquisa e a seleção do (a) professor (a)
Nosso objetivo era uma turma de 5º ano dos anos iniciais. A professora da 4ª série
matutino (a escola ainda não entrou no Ensino Fundamental de 9 anos) ficou animada, apesar
de principio um pouco apreensiva, com a metodologia da autoconfrontação.
Ela já tem 12 anos de experiência como professora do município, é graduada em
Pedagogia, tem mestrado profissionalizante em Letras e mestrado em Educação Brasileira
pela Universidade Federal de Alagoas. Já foi professora de alfabetização em uma escola de
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reforço na qual era proprietária, esse fator da alfabetização é de imensa importância para nós.
5.4 Histórias de vida da professora
A professora tem duas filhas e uma neta, há pouco tempo separou-se do marido.
Foi nesse ano de 2009 que ela defendeu sua dissertação para título de mestre em Educação
Brasileira. Realmente esse ano foi de muitas e intensas atividades para nossa pesquisada.
A professora nasceu no sertão de Alagoas em um pequeno município chamado
São Marcos e lá estudou até a metade da 2ª série em um grupo escolar. Depois veio com a
família morar em Maceió, daí então continuou os estudos na capital. Segundo ela, quando
chegou a Maceió já sabia ler bem e por influencia das irmãs mais velhas gostava de ler foto
novela, também gostava muito de ler gibi, que pedia emprestado a um vizinho.
Para ela, na sua época a escola tinha o verdadeiro sentido do aprender, hoje o
aluno brinca de estudar, o professor fica sem saber o porquê de ensinar e a família perdeu a
noção de educação, deixando tudo nas mãos da escola. Ela acredita que muito desse fator tem
haver com o fim da ditadura, porque depois de tanta opressão veio a liberdade desenfreada.
Ela acrescenta que as escolas não têm mais rigidez perante seus alunos, o aluno
tem direito a passar de ano mesmo sem ter adquirido o conhecimento necessário, o que ela
afirma achar um absurdo por gerar problemas graves. A professora explica que sabe que a
educação da época dela não pode ser a de hoje, mas que sabe também que essa de hoje está
em crise.
No segundo ano de graduação ela diz ter entrado em conflito com a questão da
alfabetização na disciplina de psicopedagogia, depois de conhecer Emilia Ferreiro seu
conceito de alfabetizar, que era através do método silábico, foi mudando. No terceiro ano, ela
pagou a disciplina Alfabetização, que na época era eletiva e declarou ter sido sua melhor
disciplina da graduação, mais tarde o professor dessa disciplina veio a ser seu orientador no
mestrado em Educação Brasileira.
5.5 Observação e caracterização do espaço físico da escola
A escola que é municipal, está localizada no bairro periférico Chã da Jaqueira da
região administrativa 4 da Cidade de Maceió, foi criada em 2006 e recebeu o nome da
professora Maria de Fátima Melo Santos. A escola não tem prédio próprio, funciona desde
então no prédio emprestado da associação de moradores do bairro.
O prédio é pequeno e sem conforto, é coberto com telha de brasilite, no chão não
há cerâmica e é mal ventilado. Tem apenas duas salas de aula e uma terceira que é ajeitada
com divisória de madeira (essa é a sala da 4ª série que fazemos a nossa pesquisa), uma
cozinha apertada, três banheiros, a secretaria, que divide sala com a diretoria e um pequeno
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pátio, as aulas de reforço, que a coordenadora realiza, são dadas no pátio por falta de sala.
No momento do intervalo os alunos lancham na própria sala porque falta um refeitório.
A escola tem uma clientela carente, alguns alunos com faixa etária atrasada na
série/ano. A sala de aula da professora observada (4ª série) tem 28 alunos, segundo ela,
muitos têm problemas familiares e quase 100% recebem bolsa família.
Segundo a coordenadora da escola, os alunos que não conseguem vagas nas
escolas grandes do bairro é que procuram a Escola Maria de Fátima Melo Santos, mas ela
acrescenta que o pedagógico da escola está surpreendendo a comunidade de forma positiva.
Apesar das dificuldades com a infra-estrutura, a coordenadora afirma que os docentes da
escola são comprometidos com uma educação de qualidade.
Pela manhã tem a 2ª, 3ª e a 4ª séries e no vespertino 1ª, 3ª e 4ª séries. A escola
ainda não entrou no Ensino Fundamental de 9 anos decorrente da falta de espaço e até
mesmo de funcionários. Pois não dispõe de uma sala adequada para receber crianças de 6
anos de idade, conforme a lei. Até 2008 os professores da escola eram estagiários do
município, a coordenadora desabafou a dificuldade que era a troca freqüente desses
estagiários. Ainda hoje, os funcionários dos serviços gerais são de uma empresa terceirizada
e falta porteiro. A segurança da escola fica realmente a mercê da sorte.
5.6 Analises dos documentos institucionais
O projeto político pedagógico da escola ainda está em construção, tendo no
momento apenas o regimento interno. O regimento interno não foi disponibilizado até então
para a pesquisa, o que se tem de conhecimento sobre a escola são dos depoimentos da
coordenação e da professora observada.
A escola segue o padrão e as matrizes curriculares da SEMED/Maceió. Os
professores, a coordenação e a direção estão todos empenhados para que os alunos da escola
obtenham um bom desenvolvimento na Provinha Brasil.
5.7 Observações da atividade docente (aula)
As observações na sala de aula começaram a ser realizadas no final de agosto
de 2009. Desde então dois dias por semana, menos nas semanas de avaliações. Na segunda
semana de observação a pesquisadora já era quase que não percebida pelos alunos e também
pela professora. Inclusive a própria professora comentou sobre isso.
Episódios relevantes para a pesquisa

Fica claro o incomodo do calor na sala, a professora sempre desliga o ventilador para
poder os alunos ouvi-la, sempre que a aula acaba ela reclama da situação;
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
Antes das aulas de língua portuguesa a professora leva para a sala vários livros
paradidáticos, de literatura e de poesia, ao final da aula ela tem que levar todos de volta para
guardar na secretaria, pois a sala não tem porta e qualquer coisa que se deixe ali pode sumir;

Todos os cartazes que são explorados em aula e colocados na parede, na sexta-feira,
último dia de aula na semana, tem que ser retirados, pois aos sábados a sala é o espaço de
reuniões da associação de moradores;

Outro episódio que claramente causou aborrecimento para a professora e que fez ela
mudou o planejamento da semana foi o fato de que ela não conseguiu um transporte para
levar seus alunos para a V bienal nacional do livro de Alagoas.

Na turma há uma aluna que ainda não é alfabetizada e alguns alunos ainda no
processo de alfabetização (fato muito preocupante para uma 4ª série). A professora disse que
a aluna não alfabetizada tem aulas de reforço no horário contrário das aulas, mas que falta
muito e que tem pouco interesse, inclusive não tem acompanhamento da família. Revelou ser
complicado para ela a situação, que tenta aproveitar as atividades de sala também para a
aluna ou faz atividades paralelas, mas ela não tem consciência de sua real situação e não se
deixa ajudar. O fato é que nas observações e nas primeiras filmagens vemos que realmente a
aluna não consegue seguir os objetivos da aula, fica inquieta, desligada e não consegue,
como é o esperado, fazer as atividades proposta para todos. A professora durante a história de
vida comentou a dificuldade que é, devido a vários fatores, principalmente a quantidade de
alunos na sala, poder aplicar com qualidade seus conhecimentos para alfabetizá-la. Inclusive
ela vai levar o caso para o conselho escola, porque acha que realmente ela não tem condições
de
ser
aprovada.
5.8 Filmagens da atividade docente (aula) e seleção dos episódios
Foram realizadas as filmagens durante o mês de outubro e inicio de dezembro
2009, as primeiras mais em caráter de teste. Selecionamos os episódios mais relevantes para
a pesquisa.
5.9 Autoconfrontações Simples e Cruzada
No mês de janeiro realizamos a autoconfrontação simples, onde demos voz a
professora pesquisada, a discussão central foi na atividade real e no real da atividade. No mês
de abril foi à vez da autoconfrontação cruzada, percebemos como a mudança de interlocutor
muda o discurso do professor em alguns pontos e como o gênero foi mais discutido.
Com a ajuda da autoconfrontação estamos obtendo com clareza as dificuldades
que permeiam a atividade docente. Podendo assim analisar com êxito esse estudo.
5.10 Análise: como é feita essa análise?
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Primeiramente precisa ficar claro que nossa análise é realizada a luz da
Psicologia Sócio-Histórica e da Clínica da Atividade.
1° passo: o pesquisador vai tentar interpretar o sentido de modo objetivo, não precisa ser
neutro, necessita de uma metodologia de análise (organização de núcleos de significação:
destacar as informações principais, pegar o discurso do sujeito e destacar). Destacar: o que
foi mostrado com ênfase, para o pesquisador, para o professor, mesmo que se tenha dito uma
vez só, mas que foi muito importante... olhar dentro do contexto. Manter: materialidades,
historicidade e movimento.
2° passo: Pré indicadores: querer e não querer... perceber as coisas contra-postas, preocupado
sempre em compreender o sujeito. Juntar em uma categoria.
3° passo: Juntar os núcleos de significação, juntar os indicadores (medo de ser professor +
ousadia do professor = Professor é ter medo e ousadia {articular discursos que estão
dispersos e contraposto, mas que compõe a totalidade do núcleo}).
5.11 Considerações do método utilizado na pesquisa
A autoconfrontação, uma vez que se constitui na produção de um discurso sobre a
atividade, configura-se como uma atividade sobre a atividade. Atividade essa que não pode
ocupar a centralidade da pesquisa em detrimento da atividade de trabalho propriamente dita.
A autoconfrontação é um recurso por meio do qual o pesquisador busca se aproximar da
atividade de trabalho. Aquilo que o sujeito diz de sua atividade não deve tomar o lugar de sua
atividade real.
No momento da autoconfrontação cruzada, o pesquisador deve preocupar-se em
manter o debate sobre a atividade. É fundamental que ele tenha a capacidade de manter o
processo dialógico, aproveitando ao máximo todas as oportunidades de relacionar os
enunciados produzidos e o que eles revelam efetivamente. O pesquisador deve estar atento ao
seu papel, ao seu lugar no processo de autoconfrontação, não se deixando confundir com o
lugar do ator observado.
6.
Conclusões
Sabemos que são muitas as atividades prescritas, as imposições vêm de todos os
lados, governos, secretarias, leis, e os diversos documentos que regem o que se deve seguir e
até mesmo com se deve fazer, porém como contradição, sabemos também que são poucas as
condições para que se possa cumprir todas as exigências. Mas defendemos que não se pode
perder o comprometimento social e nem adquirir qualquer tipo de culpa ou cobrar-se além do
que lhe cabe.
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Nossa pesquisa encontra-se em andamento, mas já temos como resultados parciais
análises que desvela como os sentidos e significados atribuídos à atividade docente e à
alfabetização norteiam as ações da atividade realizada da professora.
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