“Saco vazio não para em pé”
Maurícia dos Reis Leandro
Introdução
A proposta deste trabalho é promover uma discussão do diagnóstico estrutural de
um caso que, fenomenologicamente poderia ser identificado como uma patologia
alimentar, o que não diz nada sobre a estrutura do sujeito que, como se observa, é
clinicamente bem mais rico. Para podermos desenvolver tal discussão, será necessária a
apresentação do caso clínico.
Caso clínico
Flávio1, 16 anos, chega para atendimento no Núcleo de Estudos da Saúde do
Adolescente do Hospital Universitário Pedro Ernesto (UERJ) devido à queixa da escola
com relação a seu comportamento agressivo para com colegas e professores, ingestão de
substâncias como giz de cal e perfume.
Comparece ao primeiro atendimento acompanhado da avó, que se queixa do fato
de o menino há três meses ter fugido da casa dos pais para a de uma tia, com quem
reside até hoje. Apesar de sua mãe querer que volte para casa, ele se recusa. A avó relata
que Flávio parou de comer, o que o levou a passar mal algumas vezes na rua e na
escola.
Quando sozinho na entrevista, Flávio confirma a ingestão de giz de cal,
justificando tal comportamento com o fato de os colegas terem duvidado de que ele
faria tal coisa. “Não gosto que as pessoas duvidem de mim. Aí acabo fazendo o que elas
pedem, para mostrar para elas que eu sou capaz”. Acrescenta, nesta entrevista, que
deseja sua própria morte. Confirma as fugas e as justifica com o fato de sua mãe não ter

Trabalho desenvolvido no ambulatório do Núcleo de Estudo da Saúde do Adolescente (NESA), sob
supervisão da Profa. Dra. Sonia Alberti e apresentado no XVI Fórum de Residência em Psicologia
Clínica Institucional, em outubro de 2012.

Residente do 1º ano de Psicologia Clínica Institucional do IP/HUPE/UERJ.
1
Nome fictício.
aceitado sua homossexualidade que lhe declarara no dia em que ele fazia anos. Queixase também do fato de sua mãe criticar suas amizades, dizendo que elas o estão
influenciando e que deveria se afastar.
Escolhera o dia do aniversário para tal declaração porque ficara com raiva por
ela não ter se lembrado da data. Bastaria a lembrança, mas ela não se lembrou. Diz que,
ao contrário da mãe, o pai aceitou a sua sexualidade, acreditando que “ele já
desconfiava, e acho que por isso já estava preparado” (sic). Em outro momento, diz que
se surpreendeu com a aceitação de sua sexualidade pelo pai, achava que ele não a
aceitaria porque sempre fora muito “durão”.
Com três irmãs mais novas, com três, quatro e onze anos, refere que sua mãe
deixou de lhe dar “a devida atenção” quando tinha 5 anos de idade, quando sua irmã
mais velha nasceu. A falta de atenção da mãe também seria atribuída ao fato de que,
desde sempre, a mãe só tinha olhos para o pai quando este estava em casa. Diz que, no
fundo, nunca gostou do pai, que apenas morava com ele, que se falam muito pouco.
Refere que desde criança não gostava de ver os pais juntos, por causa da falta de
atenção da mãe. Nesses momentos tentava se aproximar da mãe, mas ela “não ligava”.
Reconhece que com o tempo foi ficando rebelde e toda vez que sua mãe tentava uma
reaproximação ele a “tratava mal”.
Quanto à homossexualidade declarada, conta que desde criança gostava de andar
com meninas, e os meninos da escola “zoavam” ele e uns amigos por serem afeminados.
Salienta que também gosta de meninas, mas prefere meninos. Tal dicotomia aparece
também em um ato falho: conta que está interessado em um menino de sua classe: “Eu
gosto dele, mas ele não gosta de mim porque é hetero. Eu sou hetero, quero dizer, gay”.
Espantado ao se ouvir dizer o contrário do que pensava, exclama: “Cruzes!”.
Quanto à observação que fizera na primeira entrevista, segundo a qual,
repetimos: “Não gosto que as pessoas duvidem de mim. Aí acabo fazendo o que elas
pedem, para mostrar para elas que eu sou capaz”, também justifica por aí sua atual
anorexia. Certo dia, o menino de quem gosta, comentou que Flávio estivesse gordo. A
partir daí, começou a se perceber gordo e a comer menos para perder peso. “Não estou
satisfeito com o meu corpo. Estou gordo e deste jeito ninguém vai olhar para mim”.
Relatou que no início comia e vomitava, mas depois começou a diminuir a ingestão de
comida por não se sentir bem quando vomitava. Reconhece que se importa com que os
outros dizem dele. “Eu me faço de durão, finjo que não me importo, mas na verdade
levo a sério o que as pessoas falam de mim”.
Em outra sessão, relata que este mesmo colega o chamou de ossudo, e por isso
vem pensando em entrar na academia para “ficar com o corpo perfeito”. Questionado
acerca de como vai sustentar a malhação sem comer, o paciente afirmou que vai ter que
comer mais, repetindo um dito da avó “saco vazio não para em pé”. Repete também
outros ditos: “comer é um vício, quanto mais a pessoa come, mais quer comer” e logo o
contradiz ao relatar que certa vez ficara sem comer praticamente o dia inteiro: “Cheguei
em casa, abri a geladeira e comi muito. Depois fiquei pensando que não tinha
necessidade de comer tanto e resolvi vomitar”.
Flávio entende que para ele o atendimento psicológico será importante porque
precisa de alguém para “desabafar”. Tinha uma amiga de infância que era sua
confidente, que inclusive disse que fugiria com ele, mas “agora está namorando, só quer
saber do namorado e não liga mais pra mim”. Por ele estar se sentindo só, quer arrumar
um namorado, e gostaria que quando isso acontecesse sua amiga esteja “sem ninguém,
para saber como é ruim ficar sozinho”.
Conta sobre sua relação com a tia, com quem vive atualmente. “Ela é mais
liberal que minha mãe. Respeita o que eu gosto”. No entanto, diz sentir saudades de sua
mãe. “Às vezes sinto saudades, mas quando penso como era em casa, prefiro deixar
como está. Acho que minha mãe tem algum problema. Parece bipolar. De uma hora
para outra muda de humor”. Em outro momento diz: “gostaria de poder conversar com
ela, falar sobre minha vida, mas ela não me entende”. Conta que quando ele e sua mãe
discutem, ela fala que se arrepende de ter tido filhos, que ele é uma “maldição em sua
vida”, e uma vez que uma amiga dele foi em sua casa disse “esse menino já me deu
muito trabalho”. Fala ainda que ela diz que ele é “a ovelha negra da família”. Flávio diz
que não liga para o que ela fala, justificando que “ela fala isso na hora da raiva”, “mas o
que ela fala dói”.
Quando fala de si, é sempre para se desvalorizar. “Sou um inútil, não presto para
nada. Não sou um menino normal. Um menino normal dá orgulho pros pais, é um bom
aluno. Não sou nada disso”. Em um outro momento diz: “sei lá, sou estranho, tenho
gostos estranhos, me visto estranho, sou feio e gordo. Mas eu já fui normal. As pessoas
diziam aos meus pais que queriam um filho como eu”.
Flávio comenta que fugiu de casa uma outra vez, pois seu pai o bateu por ter
chamado sua irmã de vadia. Justifica que ela estava implicando com ele. Diz que
quando ela nasceu não aceitou, e explica: “deixei de ser o príncipe da casa... era filho
único, e depois que ela nasceu minha mãe passou a dar atenção só pra ela. Aquela
patricinha nojenta. Se acha!” Em um outro momento afirma: “Queria ser adotado,
porque para ser adotado, os pais têm que querer. Eu fui um acidente”.
Conta que quando morava com os pais “fazia serviço de mulherzinha”.
Perguntado do que se tratava, disse: “ah, arrumava a casa, lavava o banheiro...” Conta
que quando não fazia, seu pai o chamava de “vagabundo”, que “não fazia nada”.
Com o atendimento, Flávio se reposicionou frente aos estudos. Diz que
conseguiu “gabaritar” a prova de geometria. “Fiquei tão feliz que quase dei um pulo na
frente de todo mundo”. Ressalta: “eu nem estudei pra prova... não fiz nada, só comecei a
prestar mais atenção nas aulas e parar de ficar pedindo pra descer pra beber água toda
hora”. “Então você fez alguma coisa, não?”, disse a terapeuta, ao que ele respondeu:
“é...”. Flávio não quer repetir de ano, diz que deve ser muito ruim ter que fazer as
mesmas matérias, gastar dinheiro com livro e mensalidade à toa. Além disso, diz que
estudando pode “crescer”, “ter conhecimento”.
Quando fala sobre seu sentimento pela mãe, diz gostar dela porque é sua mãe, e
por isso vai ter “sempre esse sentimento de filho”. Diz que no passado saíam muito, iam
ao shopping, à praia, riam juntos, ela fazia carinho nele. Afirma que depois que a irmã
nasceu “tudo mudou”, ela começou a trabalhar, a “ficar mais ciumenta com meu pai”.
“Eu também comecei com um ciúme bobo da minha irmã. Uma vez até joguei ela do
berço. Depois eu também comecei a ficar rebelde”. Justifica a rebeldia no fato de que
sua mãe falava que ele era amaldiçoado, uma desgraça, e ouvir essas coisas o foi
deixando com raiva, revoltado.
Sobre a relação com a avó, diz: “a gente se dá bem... estou sempre na casa dela...
ela faz as minhas vontades”. Para a tia com quem vive atualmente, julga ser um peso.
Diz que costuma pensar que incomoda os outros, mesmo quando o tratam bem.
Em certo momento do atendimento, fala sobre se sentir culpado. “Muitas vezes
quando a professora pergunta quem fez determinada coisa digo que fui eu. Sei lá, sinto
prazer em dizer que sou culpado”. Pergunto se sente culpa de algo. Diz: “sim, de
algumas coisas [...] de fazer minha mãe sofrer, por exemplo... acho que não deveria ter
nascido... ela fala isso, que sou uma maldição na vida dela”.
Seu plano é voltar para casa e se isolar. “Vou me trancar no quarto e me isolar
em meu mundinho. Não quero cruzar com minha mãe. Só vou falar para ela começar a
me tratar como mãe e me respeitar. Ela me tratou mal durante muito tempo e agora quer
fazer as pazes. Agora também eu não quero”. Perguntado sobre o que é “tratar como
mãe" ele responde: “ser carinhosa, respeitar as coisas que gosto, me entender... tenho
que ficar mentindo, dizendo que vou dormir na casa de alguém para poder ir para outro
lugar... gostaria de poder contar as coisas pra ela... não gosto de ficar mentindo para ir
fazer coisas que é normal qualquer adolescente fazer... quero que ela se preocupe
comigo, mas que me dê liberdade também”.
Então relata que acha que “Ela nem se importa com o que eu faço. Por exemplo,
com 14 anos comecei a me cortar. A primeira vez eu o fiz porque falaram umas coisas
para mim lá em casa e aí vi a gilete no tanque e comecei a me cortar. Senti que aquilo
me aliviou, sentia prazer com aquilo. Teve um dia que contei pra minha mãe. Esperava
que ela fosse perguntar: meu filho, por que você fez isso? Entender meus motivos. Ela
começou a brigar comigo”...
Apesar de já ter parado de se cortar, às vezes ainda sente vontade que, no
entanto, consegue controlar, assim como já pensou em se matar e não o fez. “Penso no
sofrimento das pessoas que eu deixar. Também não sei o dia de amanhã, pode ser que
minha vida esteja melhor. Tem pessoas que fazem a vida valer a pena. Como diz uma
música de uma banda que gosto: alguns te darão o céu, outros o inferno... alguns
amigos, minhas irmãs me dão o céu. Às vezes eu discuto com a mais velha porque ela
fica querendo fazer as mesmas coisas que faço, agindo como uma adolescente. Mas eu
amo todas elas... Já minha mãe me dá o inferno”.
Quando fazia teatro, sua mãe começou a dizer que não ia se sair bem, que aquela
profissão não daria futuro. Saiu do teatro por acreditar no que sua mãe dizia. Refere que
sempre se importa com que os outros dizem, que quando alguém lhe diz algo fica
pensando que aquilo é verdade e acaba fazendo o que a pessoa diz. Assume ter
emagrecido por causa de outra pessoa. Mas a recíproca não é verdadeira, o que ele fala
“não serve para nada, ninguém liga (sic).
Discussão do caso
Das muitas questões que o caso apresenta, escolhemos duas para articular um
debate inicial: a relação do sujeito com o Outro e sua forma de gozo. A partir disso,
levantamos uma hipótese diagnóstica para o caso Flávio.
A relação do sujeito Flávio com seu Outro
Estaria Flávio na vertente da demanda de um amor não correspondido?
Ninguém, na realidade, o recebe bem, todos o deixam cair quando não é um peso para
os outros... ou estamos diante de uma outra questão? Podemos associar sua posição
frente ao Outro, a um pequeno texto que Sándor Ferenczi publicou em 1929, intitulado
“A criança mal acolhida e sua pulsão de morte”. Ferenczi (2011) identificou em alguns
casos a absorção de um desejo de morte por parte do Outro materno, mesmo – e
sobretudo – quando este era inconsciente, tendo por consequência o abalo da própria
vontade de viver da criança. O autor sugere que tal desejo de morte pode estar na
origem de uma vontade de morrer que atravessa a vida da criança. No caso Flávio, não é
possível identificar o desejo de morte no discurso da mãe a quem não tivemos acesso,
mas Flávio já não é mais uma criança, seu Outro já não é a mãe, mas um Outro que se
edificou a partir de suas experiências, e dele não se pode dizer que há um desejo para
que viva! Sua mãe não se lembra nem mesmo de seu aniversário, seu pai o chama de
vagabundo e o castiga quando ele chama sua irmã de vadia; não o escutam, como ele se
queixa, há um negativismo evidente em tudo o que diz respeito a seu lugar junto ao
Outro.
Poderíamos supor que Flávio buscava um lugar de desejo junto à mãe, mas é ele
mesmo quem observa que qualquer outra pessoa que se interpunha na relação dos dois
era um estorvo para que sua mãe lhe desse a atenção que solicitava, e que ele não
compreende como sua mãe pode querer estar com outros que não ele, por exemplo,
quando fazia as pazes com seu marido após alguma briga. Explicitamente Flávio se
situa como objeto rejeitado da mãe, num Édipo que nada tem de recalcado, ao contrário,
trata-se de uma relação edípica que não lhe faculta a via da castração, como menciona
Quinet (2011, p.16), no seu texto “Psicose: uma estrutura clínica”. Zerada a castração,
para Flávio o conflito edípico se atualiza no Real, sem simbolização possível, e sua
relação com o pai é somente aquela em que, por este não nomeado como filho
desejante, vê nele apenas alguém com quem morava e que atrapalhava a relação com a
mãe. A partir da referência lacaniana, podemos dizer que, para Flávio, o Nome-do-Pai
está foracluído do simbólico.
Em consequência, o Outro de Flávio é um Outro não barrado, cujos desígnios
não podem ser dialetizados, de maneira que o sujeito se vê a ele totalmente subjugado,
impossibilitado de dizer NÃO ao que o Outro lhe dita. Come giz, não come, se exercita
até não mais aguentar; ao mesmo tempo nada disso apazigua o Outro que dele goza,
nadificando--o. Quando a amiga encontra um parceiro, já não é uma amiga, mas mais
um que abandona Flávio que, em revanche, fantasia encontrar um namorado – que ele
não tem – para deixá-la só como ela o deixa. Quando um terceiro invade a relação de
Flávio com um outro, jamais é para lhe apontar uma outra coisa, somente para reafirmar
seu próprio abandono do desejo que não o sustenta. Outro não barrado e Outro que goza
de deixá-lo só, diante do que não vê saída senão morrer.
É possível que, como diz Flávio, sua mãe seja psicótica, paranóica ou bipolar.
Mas também é possível que esse seja um diagnóstico com o qual Flávio se espelha nela.
Espelhando-a nele próprio, a partir de uma relação dual que a ela causa horror – pelo
menos é o que descreve quando relata os gestos de rejeição dela. Não podemos dizer
nada sobre esses pais que não conhecemos, mas isso não nos impede de levantarmos
uma hipótese sobre o Outro de Flávio que dele goza, o ridiculariza, o deixa cair, o
rejeita e não o afirma como filho do desejo. Flávio encontra-se na posição de rebotalho
do simbólico, objeto rejeitado, a mesma a qual a peça de Sófocles “Édipo em Colono”
identifica na personagem principal (cf. Quinet, 2010, p. 175).
Flávio e o gozo
Porque a mãe não se lembrou do dia de seu aniversário, com raiva, soltou essa:
“Mãe! Sou homossexual!”. E aí ela não gostou. Efetivamente, a maneira com a qual
Flávio o declarou, só teria a função de agredir a mãe, pois como ele diz, ela já não
gostava das más influencias que, segundo ela, seus colegas teriam sobre ele, o que
certamente já indicaria para Flávio que ela não gostaria de receber tal notícia. Mas ele
diz o contrário: esperava que o pai não gostasse e que a mãe compreendesse. O pai, para
sua surpresa, não se incomodou. Na realidade, como sabemos, já o chamava de
vagabundo e nada, não há lugar para Flávio junto ao pai o que, evidentemente é
angustiante demais para Flávio. Não é por engano então que ele avaliou mal as reações
de ambos os pais... Por não suportar a realidade, Flávio construiu outra, testemunhando
mais uma vez o que Freud observa quando distingue a perda da realidade na neurose e
na psicose em 1924.
Preâmbulo apenas para a discussão sobre a questão da sexualidade de Flávio.
Diz-se homossexual, mas ao mesmo tempo, em outro momento, faz um ato falho no
qual se confunde, inicialmente se diz hetero, depois se corrige e diz “eu sou gay”. Ou
ainda: diz que gosta de meninas, mas prefere os meninos. Então não podemos fazer a
economia da pergunta: o que efetivamente interessa Flávio? Sua homossexualidade
declarada vem de um lugar totalmente diferente: dos ditos de um Outro que não o
reconhece como sujeito do desejo, que o chama de “vagabunda”, exigindo dele serviços
de “mulherzinha”, como lavar banheiros. Se desde criança se identificou com os colegas
afeminados, não percebeu que a estranheza que vivenciava e em função da qual era
“zoado” era de outra ordem que a de seus colegas.
Seu prazer é outro, surge ao se sentir culpado! “Muitas vezes quando a
professora pergunta quem fez determinada coisa digo que fui eu. Sei lá, sinto prazer em
dizer que sou culpado”. Em seguida, retoma a ideia de que teria sido melhor se não
tivesse nascido, ou seja, o Outro deseja sua morte. Com seus 16 anos, não faz menção a
uma escolha como sujeito do desejo, posição sexuada, apesar de se acreditar
homossexual. Pelo contrário, cede do seu desejo, resultando no sujeito um sentimento
de culpa, que aponta para o controle do supereu, que pune o sujeito, como refere Quinet
(2010, p.176). Desta maneira, o prazer é outro, não referido ao prazer sexual e sim, à
culpa. Ele goza da culpa que assume, do giz que ingere, do teatro que abandona. Goza
um outro gozo, outro em relação ao gozo fálico.
Se ele se cortava, como hoje tantos adolescentes, sentindo um certo alívio com
isso, já não se corta mais pois, ao contrário justamente dos adolescentes que o fazem,
ele pode parar de fazê-lo da mesma forma como começou.
Zerada a referência fálica e zerada também sua referência ao pai, tudo nesse caso
leva à conclusão de que se trata de um sujeito psicótico, que se submete aos desígnios
de um Outro sem barra. Crê assim garantir um valor narcísico: “acabo fazendo o que [as
pessoas] pedem, para mostrar para elas que eu sou capaz” (sic).
Flávio continua em tratamento, o que permite com que possamos testemunhar de
seu caso e do difícil trabalho que ele tem em limitar a mortificação a que está amarrado,
sem que precise se isolar em casa, conforme seu projeto para quando voltar a viver com
a família de origem.
Referências bibliográficas
FERENCZI, S. (1929) A criança mal acolhida e sua pulsão de morte. In: Obras
Completas IV, São Paulo: Martins Fontes, 2011.
FREUD, S. (1924). A perda da realidade na neurose e na psicose. In: Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. XIX, Rio de Janeiro:
Imago, 1977.
QUINET, A. Dor psíquica e dor de existir. In: Psicose e laço social. 2. ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2010.
________ Psicose: uma estrutura clínica. In: Teoria e Clínica da Psicose. 5. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2011.
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