Uma publicação da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo tecnologia ISSN 2179-7455 Soluções Imprensa Oficial em tecnologia da informação e comunicação nº 49 janeiro/fevereiro/março de 2012 Aliamos nossa experiência desde 1891 na publicação da informação às mais modernas tecnologias, oferecendo serviços inteligentes para o setor público com a excelência e inovação de sempre. Certificação Digital - Autoridade Certificadora Oficial do Governo do Estado de São Paulo Soluções em Documento Digital: GED (Gestão Eletrônica de Documentos), ECM (Enterprise Content Management) e BPM (Business Process Management) Desenvolvimento de portais IMAGENS ILUSTRATIVAS Tempo de transformação Romper o ciclo da violência doméstica é o objetivo das promotoras de Justiça Valéria Diez Scarance Fernandes e Sílvia Chakian de Toledo Santos pág. 30 Consulta gratuita ao Diário Oficial e-negócios públicos e-juntacomercial www.imprensaoficial.com.br Foto: www.feminismo.org 07511 capa.indd 1 04/05/12 11:47 07511 capa.indd 2 04/05/12 11:47 editorial Plural Revista da Escola Superior do Ministério Público Diretor Mário Luiz Sarrubbo [email protected] Assessores Everton Luiz Zanella José Mário Buck Marzagão Barbuto Maria Sílvia Garcia de Alcaraz Reale Ferrari Susana Henriques da Costa [email protected] Jornalista responsável: Rosana Sanches (MTb 17.993) [email protected] Fotos Rosana Sanches Maurício Neto Direção de arte Guen Yokoyama Diagramação Vanessa Merizzi Revisor de texto Sárvio Nogueira Holanda CTP, impressão e acabamento Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Tiragem 3 mil Periodicidade Trimestral Escola Superior do Ministério Público Rua 13 de Maio, 1259 Bela Vista – São Paulo/SP Telefone: (11) 3017-7990 www.esmp.sp.gov.br ISSN 2179-7455 O ano de 2012 começou e um novo e grande desafio se apresentou para o nosso Ministério Público, mais especificamente, para os nossos Promotores e Procuradores de Justiça Criminais. A reforma do Código Penal. A Comissão de Juristas instituída pelo Senado Federal já trabalha para apresentar seu relatório e o Ministério Público, por meio de nossa Escola Superior pontuou sua fundamental participação nessa reforma na concorrida aula inaugural realizada na maior Promotoria de Justiça Criminal da América Latina, a Promotoria de Justiça Criminal da Barra Funda. O encontro contou com exposição dos membros do Ministério Público integrantes da comissão de reforma do Código, os Drs. Luis Carlos dos Santos Gonçalves (MPF) e Luiza Nagib Eluf (MP-SP) e dois dos Promotores de Justiça designados pela Procuradoria Geral de Justiça para acompanhar essas reformas, Drs. Alexandre Rocha Almeida de Moraes e Christiano Jorge Santos. Na oportunidade consolidou-se a ideia de que a codificação é a melhor resposta para a caótica situação legislativa que hoje enfrentamos, pois facilita o conhecimento da norma, destaca os princípios gerais, impede a incompatibilidade de fontes e facilita o trabalho do intérprete. O importante tema e, mais do que isso, a necessidade de a sociedade brasileira se fazer presente na reforma penal através do Ministério Público, bem demonstra a imperiosa necessidade da realização de Congresso Criminal do Ministério Público do Estado de São Paulo, evento no qual já trabalhamos e que já faz parte de nossa agenda para o segundo semestre deste ano. Sem embargo, outros temas estão na pauta de nosso Centro de Estudos, como, por exemplo, a difusão no Estado do trabalho realizado pelo Ministério Público no combate à Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, a capacitação para o difícil enfrentamento das eleições municipais que se avizinham, os Crimes Cibernéticos, a valoração do dano ambiental e a modernização de nossa 2ª instância. Não é só, o processo de interiorização de nossa Escola continua, com novos cursos de extensão em Campinas e São José do Rio Preto, bem como com os cursos oferecidos para todo o Estado por intermédio da plataforma moodle. Já na capital, agora temos dois cursos de Especialização, o de Interesses Difusos e Coletivos e uma nova turma de Direito Penal e Processual Penal. Por fim, se é necessário difundirmos uma nova doutrina institucional, nada melhor do que realizarmos nosso mister também em nível nacional através do CDEMP, o nosso Colégio de Diretores de Escolas dos Ministérios Públicos Brasileiros, mais um espaço, agora mais próximo, para promovermos o indispensável intercâmbio entre os pioneiros projetos dos Promotores e Procuradores de Justiça do Estado de São Paulo e dos demais Estados da Federação. É a Escola Superior do Ministério Público trabalhando, e muito, para cumprir o seu papel de apoio e aperfeiçoamento funcional dos valorosos Promotores e Procuradores de Justiça de nosso Estado. Vamos em frente. Contamos com todos vocês. Um forte abraço. Mário Luiz Sarrubbo 07511 miolo.indd 1 04/05/12 11:40 índice capa livros Tempo de transformação 04 Anarquia, Estado e Utopia Comentários à Declaração Universal dos Direitos Humanos 09 09 09 Capacitação em Investigação de Crimes Cibernéticos 10 Mário Sarrubbo é empossado na presidência do CDEMP 12 Recepção para 38 novos procuradores do MP 14 Candidatos a estágio no MP fazem a prova em todo o Estado 17 18 Código de Processo Penal seminários cdemp posse concursos Painel de atualização 07511 miolo.indd 2 04/05/12 11:40 cursos Ada Grinnover ministra primeira aula de “Interesses Difusos” 19 20 21 22 Palestra sobre “Eleições 2012” no auditório da APMP 23 Ensino a distância “Ilícitos Econômicos” na ESMP Curso de Penal começa com aula magna de Dirceu de Melo palestras Ano Letivo da ESPM começa na Barra Funda, “Sonegação Fiscal” na Baixada Santista 24 26 26 Campinas: Temas Atuais em Penal e Processual Penal 27 Relações de Consumo A exceção de contrato não cumprido 28 com a “Reforma Penal” Nelson Nery Júnior debate a modernização da 2ª Instância notas artigos O art. 306 do CTB no PLS nº 48/2011: da “Lei Não Tão Seca” à “Tolerância Zero” com “Culpa Alcoólica” Revogação da suspensão do processo após o período de prova 07511 miolo.indd 3 42 49 04/05/12 11:40 capa Tempo de transformação 4 07511 miolo.indd 4 04/05/12 11:40 Plantar uma semente para romper o ciclo da violência doméstica é o objetivo das promotoras de Justiça Valéria Diez Scarance Fernandes e Sílvia Chakian de Toledo Santos, do Núcleo de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Em briga de marido e mulher alguém tem, sim, que meter a colher. Só assim será possível, um dia, quebrar o ciclo de violência doméstica que faz com que, de cada grupo de 100 mulheres vítimas de homicídio no Brasil, 70 sejam mortas dentro da própria casa. “A violência dentro de casa chega a situações crônicas, complexas, porque não há interferência externa. A briga se perpetua porque ninguém interfere e aí a violência evolui de uma forma que a vítima não consegue mais oferecer resistência, não tem forças para isso”, explica Valéria Scarance, secretária-executiva do Núcleo. “É nossa função defender a sociedade porque a gente sabe que esse tipo de violência tem o que se chama efeito multiplicador. E o que é isso? A criança ou o adolescente que cresce num lar violento, tende a reproduzir o padrão, tem a violência como algo natural. Não necessariamente será violento, mas, pelas estatísticas, todo agressor viveu um passado de violência, aprendeu o padrão na infância”, completa a promotora de Justiça Sílvia Chakian. Com histórico de atuação na área (Sílvia, em Itaquaquecetuba, e Valéria, com artigos e tese relacionados ao tema), as duas foram designadas para o Núcleo de Combate à Violência Doméstica há pouco mais de um ano, mediante convênio firmado com a Secretaria de Reforma do Judiciário, como parte do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI): “Foi uma sorte ter vindo pra cá porque vim trabalhar no que realmente gosto”, diz Valéria. “Havia a necessidade de preencher o quadro e é uma área difícil de trabalhar. Não há muitos promotores interessados, até porque existe uma compreensão errada do que é a violência doméstica. Há a compreensão de que é um trabalho inútil. As vítimas costumam denunciar o agressor, noticiar o crime e depois se retratam. E muitas vezes há a absolvição. Os colegas têm a ideia de que esse trabalho não gera frutos porque o resultado nem sempre alcança a condenação criminal”, completa. “Fui designada já no começo de minha vinda para a Capital porque já tinham conhecimento de minha intenção de trabalhar na defesa da mulher, na proteção dos direitos da mulher. Em Itaquá, eu dava atenção especial para a Lei Maria da Penha, sempre gostei desse tema, trabalho com amor”, justifica Sílvia para fazer parte do Núcleo. “Uma situação muito empolgante que temos aqui, para exemplificar, é imaginar que é uma atuação que não se esgota no processo. Muito pelo contrário, a nossa atuação ex- 5 07511 miolo.indd 5 04/05/12 11:40 Valéria Scarance, secretária-executiva do Núcleo trapola o processo. Não é nos moldes tradicionais: processo e retribuição da pena”, complementa. ATUAÇÃO TRIVALENTE Afinadíssimas, as promotoras trabalham com a ideia de que o processo é uma oportunidade para romper o ciclo da violência. O Núcleo atua em três frentes: junto à sociedade, ao agressor e à vítima. “É o que chamamos de atuação trivalente”, diz Valéria. Para a sociedade, há projetos de orientação, como o “Instruir”, feito em conjunto com a Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, que capacitou, juridicamente, 70 técnicos que trabalham com a mulher – assistentes sociais, psicólogas etc. “A gente trabalha na conscientização da sociedade, percorremos várias cidades do interior em palestras, com a cartilha que elaboramos, com o vídeo que criamos, a campanha institucional que será veiculada na mídia televisiva... Queremos que a sociedade tome consciência de que é um problema de todos, que é um tipo de violência peculiar”, conta Sílvia Chakian. Em relação ao agressor, há um projeto chamado Respeito, que é uma audiência de conscientização, feita em conjunto com o Judiciário; e ainda dois programas de reabilitação em parceria com outros órgãos. “São importantíssimos. O índice de reincidência é de aproximadamente 2%”, comemora Valéria Scarance, justificando: “A reeducação do agressor tem resultado muito positivo porque ele não é um mau cidadão, é um homem que aprendeu o padrão de violência e agressão. Em geral, é primário, de bons antecedentes, trabalhador, honesto e violento dentro de casa. Quando é encaminhado para esses programas, aprende um padrão comportamental diferente, de igualdade, de respeito. E o mais interessante é que passa a ser defensor da ideia, assume a postura contra a agressão e reprime outros agressores que participam do programa se há algum episódio de violência.” A terceira linha de ação, direcionada às vítimas, tenta esclarecer porque ela está nessa situação, porque ela não reage, informa sobre os seus direitos e também ensina a vítima a viver sem violência. São eventos de orientação para que a vítima consiga reagir e retomar a sua vida. Entre as ações, destacam-se a cartilha “Mulher vire a página” e a audiência magna em que as vítimas são colocadas em grupos de reflexão com outras vítimas para conversar sobre a violência e trocar informações. E há um projeto novo, em fase de implantação, que é de um primeiro atendimento às vítimas durante o inquérito policial, para que elas consigam suportar esse inquérito e o processo, para que não desistam no meio do caminho. Por último, há medidas de proteção previstas na lei: havendo risco, são adotadas medidas como o afastamento do agressor do lar, o distanciamento mínimo da vítima, a proibição de contato (inclusive por internet, redes de relacionamento), de frequência aos lugares onde a vítima costuma estar – casa, escola e trabalho. Todo esse esforço vale a pena, mesmo que o processo resulte em uma reconciliação entre as partes? 6 07511 miolo.indd 6 04/05/12 11:40 Sílvia Chakian, promotora de Justiça “Vale muito a pena. O importante é evitar que a violência continue. Se de uma forma ou de outra a situação se resolveu, definitivamente, para aquela família, para aqueles filhos, para aquela mulher, nosso trabalho deu frutos. É isso que almejamos. Se o agressor foi absolvido, mas foi reeducado, não recai em novos episódios de agressão, ele não coloca mais em risco a mulher dele – ou uma nova esposa -, a sociedade. A nossa preocupação é a de que o ciclo de violência tende a se repetir. Meninas que vivem em famílias violentas, tendem a adotar um padrão comportamental de mulher submissa; e os homens tendem a ser adultos agressivos. Se não se transformar esse padrão comportamental da família, o ciclo da violência não termina nunca. Os meninos de hoje podem ser os agressores de amanhã. As menininhas podem ser as novas vítimas”, esclarece a promotora Valéria Scarance. “Tentamos chamar a sociedade para essa luta. Na nossa sociedade, 91% reconhecem o problema da violência doméstica como muito grave, mas grande parte não compreende as razões da violência e a falta de reação da vítima”, completa Sílvia. Muitos pensam que o alcoolismo é o principal problema quando há violência doméstica. Esse é outro engano, segundo as promotoras que atuam na área: “O alcoolismo crônico pode prejudicar a recuperação do agressor. Então, primeiro, é preciso tratar o alcóolatra e depois do tratamento fazer uma reeducação comportamental. O problema é que há uma concepção errada da população de que o homem bate quando está bêbado. Isso tira a responsabilidade do homem e coloca a responsabilidade na bebida. Não é assim. O homem agride bêbado ou sem estar bêbado, quando está nervoso, porque acredita que é certo. Ele acha que uma relação entre um homem e uma mulher se desenvolve dessa maneira. Se o problema fosse a bebida, ele agrediria o amigo no bar, o chefe, mas a gente sabe que esse tipo de agressor agride a mulher, quando chega em casa. É um problema cultural.” ESTRUTURA DO NÚCLEO Na prática, o núcleo de combate à violência doméstica do MP funciona com três setores: administrativo, jurídico e técnico. O administrativo tem um auxiliar e um oficial (e há um cargo vago de oficial de promotoria); no setor jurídico, três assistentes e duas estagiárias (com previsão de chegada de mais uma estagiária), além das duas promotoras; e no setor técnico, são quatro vagas para assistente social (três ocupadas hoje) e a previsão de chegada de uma psicóloga. Todos os funcionários são concursados e do quadro do MP. O setor administrativo é responsável pela entrada de processos, pelos ofícios; o setor jurídico, pela redação de cartilhas, realização de trabalhos jurídicos, projetos e atuação nos processos. E o setor técnico, formado pelas assistentes sociais, atua nos projetos sociais e no atendimento individual. Todas as vítimas são ouvidas, são feitos relatórios e a verificação da necessidade de proteção e encaminhamento para a rede de atendimento psicológico. Também participam de projetos mais genéricos, como o Instruir, mas o foco do setor técnico é mesmo a vítima. 7 07511 miolo.indd 7 04/05/12 11:40 “Orgulho-me de não ter enfraquecido, de não ter desistido.” “Minha história com meu ex-marido começa aos 14 anos, quando me casei, mas a violência doméstica foi um pouco mais tarde, quando eu estava com 16 anos e havia tido meu primeiro filho. As agressões começaram aí. Uma delas, na presença da minha avó, que ficou horrorizada, contou para a minha mãe e, então, a coisa degringolou de vez. Ele tinha 23 anos, era sete mais velho que eu. Fui aguentando, levando, apanhando e 10 anos depois tivemos outro filho. Já estávamos com um padrão de vida bem melhor, eu trabalhava em um laboratório médico, tínhamos tudo para dar certo, mas não deu. Ele bebia muito, as agressões continuavam, e eu sempre ficava na ilusão de que nossa vida ia mudar. Era só ilusão. Acabei deixando meu emprego porque meu marido queria sair de São Paulo e resolvi acompanhá-lo na esperança de que nossa vida ia mudar. Não mudou. Aos 30 anos, quis colocar um ponto final naquilo tudo, não aguentava mais. Meu filho mais novo estava com cinco anos e acreditei que dava para recomeçar com eles, mas foi aí que vieram os verdadeiros tormento e sofrimento. Ele não aceitou a separação de jeito nenhum, colocou uma arma na minha cabeça, ameaçou meus pais, fez minha vida virar um inferno. Saí de casa com roupa do corpo, sem meus filhos, depois de 16 anos e meio de casamento e um bom patrimônio construído junto, com o esforço dos dois. Eu não podia ficar na casa de meus pais porque tinha medo dele, de morrer, de causar algum mal para a minha família. Aluguei um apartamento bem pequeno, com o dinheiro da rescisão de meu contrato de trabalho (que eu havia guardado), e tive ajuda dos familiares para sobreviver até acertar minha vida de novo. Minha mãe ficou muito doente com essa história toda. Formada em Psicologia, eu não exercia a profissão, era dona de casa... Ele descobria o número de meu telefone, ligava de madrugada, e eu não trocava o número porque ele estava com os meus filhos e eu tinha medo de que algo acontecesse e eu nem fosse avisada. Depois de muitas ameaças, de mudar de endereço porque ele havia descoberto onde eu morava, parei de atender telefone. Os recados me chegavam pelas pessoas conhecidas, pela minha família. Ele dizia, para a minha mãe, que era só uma questão de tempo, que ele ia acabar comigo. Essa fase durou um bom tempo, sempre com muitas ameaças de agressão. Quando eu ainda trabalhava no laboratório médico, fiz uma cirurgia plástica. Depois que me separei, reencontrei o médico que me operou, na casa de um amigo em comum, e começamos um relacionamento. Pois meu ex-marido, quando soube – e ele já estava casado com outra pessoa! -, passou a ameaçar ir ao consultório dele, fazer escândalo. Fez pior: entrou com uma ação para tirar o CRM dele, alegando falta de ética porque ele teria mantido relacionamento amoroso com uma paciente! Ele, casado de novo, e a ação correndo, o circo armado... Imagine você em um relacionamento recente, com essa dor de cabeça toda, com o ex apresentando foto sua e da família no Conselho de Medicina para colocar esse relacionamento em um contexto totalmente diferente! Para minha sorte, a atual mulher do meu ex, talvez até por não querer criar o filho de outra, conseguiu convencê-lo a me entregar o mais novo, que está comigo, graças a Deus, junto com as filhas gêmeas (hoje com três anos) que tive com o médico, que me apoiou sempre e é meu atual marido. Minha vida melhorou só quando meu ex percebeu que eu não desistiria nunca, que buscaria meus direitos e do meu filho na Justiça porque acredito nela. Movi uma ação de alimentos para meu filho contra o meu ex-marido e outra para ter direito aos bens que somamos nos anos de casados (ainda tramitando). O juiz determinou o valor da pensão, meu ex-marido não pagou e chegou a ficar um mês preso para não pagar. Hoje ele paga o colégio do meu filho e não pode se aproximar de mim porque existe uma ordem restritiva que o proíbe disso. Para ver o filho, ficou determinado que ele pega o menino na escola na sexta-feira e o devolve para a escola na segunda, nos finais de semana que eles querem (pai e filho). Em nenhuma hipótese ele pode chegar perto da porta da minha casa! Minha grande perda foi meu filho mais velho, influenciado pelo pai. Hoje ele tem 21 anos e não fala comigo. Tentei por muito tempo; minha mãe, também. Mas ele é machão como o pai e não me perdoa por eu sair de casa. Minha vida melhorou muito mesmo depois da Lei Maria da Penha. Essa é uma grande vitória para todas as mulheres e, particularmente, orgulho-me de não ter enfraquecido, de não ter desistido. Só assim consegui ter sossego e consigo dormir em paz. (Depoimento de F., uma das vítimas atendidas no Núcleo de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher) 8 07511 miolo.indd 8 04/05/12 11:40 livros Anarquia, Estado e Utopia Código de Processo Penal Autor: Robert Nozick Autor: Fauzi Hassan Choukr Tradução: Fernando Santos Páginas: 1180 Páginas: 496 Edição: 5ª Editora: Martins Fontes Editora: Lumen Juris Neste livro universalmente aclamado, ganhador do Prêmio Nacional do Livro dos Estados Unidos, Robert Nozick põe em xeque as posições políticas e sociais mais arraigadas de nossa época – liberais, socialistas e conservadoras. É uma resposta à obra Uma Teoria da Justiça, de John Rawls. O autor: Robert Nozick nasceu nos Estados Unidos em 1938. Graduou-se em Filosofia em 1061, na Universidade de Princeton, e em 1969 ingressou na Universidade de havard como professor. Foi membro da American Academy of Arts and Sciences, membro do Council of Scholars of the Library of Congress, correspondente da British Academy e membro da Society of Fellows at Havard. Faleceu em 2002, nos Estados Unidos. A obra, revista, atualizada e comentada com a Lei 11.304/2011 – prisão processual, fiança, liberdade provisória e demais medidas cautelares, traz comentários consolidados e crítica jurisprudencial do Código de Processo Penal. Prefácio do professor dr. Jacinto nelson de Miranda Coutinho e apresentação de professor dr. Geraldo Prado. O autor: Fauzi Hassan Choukr é promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo desde 1989. Mestre e doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especializou-se em Direitos Humanos pela Universidade de Oxford (New College) e em Direito Processual Penal pela Universidade Castilla La Mancha. É professor permanente dos Programas de Mestrado e Doutorado da Fadisp/SP. Comentários à Declaração Universal dos Direitos Humanos Coordenação: Wagner Balera Páginas: 202 Edição: 2ª - Revista e ampliada Editora: Conceito Editorial Trabalho elaborado pelos integrantes do Grupo de Estudos de Direitos Humanos, composto por alunos e professores da PUC-SP e da Metropolitana de Santos, o livro se propõe a analisar os o teor dos trinta artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, fixando como critério a abordagem preliminar, que permite aos interessados a oportunidade de uma primeira leitura, e, mais adiante, maior profundidade nos inúmeros ângulos de abordagem do tema dos Direitos Humanos que as discussões e pesquisas permitem. 9 07511 miolo.indd 9 04/05/12 11:40 seminários Capacitação em Investigação de Crimes Cibernéticos Público formado por promotores e analistas 10 07511 miolo.indd 10 04/05/12 11:40 Nilo Spinola Salgado Filho e Mário Luiz Sarrubbo Carlos Eduardo Miguel Sobral e Flávio Silveira da Silva Com coordenação de Mário Luiz Sarrubbo, diretor da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, e de Nilo Spinola Salgado Filho, coordenador do Centro de Apoio Operacional à Execução – CAEx, foi realizado, durante todo o dia 23 de março, o seminário “Capacitação em Investigação de Crimes Cibernéticos”, no auditório “Júlio Fabbrini Mirabete”, na sede da ESMP, apenas para membros e analistas de promotoria do Ministério Público do Estado de São Paulo (agentes e assistentes jurídicos). Carlos Eduardo Miguel Sobral, delegado de Polícia Federal, chefe do Serviço de Repressão a Crimes Cibernéticos, e Flávio Silveira da Silva, perito criminal federal da Unidade de Repressão a Crimes Cibernéticos foram os expositores nos quatro painéis do seminário. No primeiro painel, os dois trataram sobre conceito, evolução e política nacional de repressão a crimes cibernéticos da Polícia Federal. Falaram ainda sobre as operações realizadas, sobre os projetos da Polícia Federal na área de segurança cibernética e sobre a capacitação, estruturação e aquisição de equipamentos. O segundo painel tratou dos conceitos básicos de internet, endereço IP versão 4, servidores de nomes de domínio – DNS, importância das zonas de tempo, fundamentos da segurança da informação, criptografia simétrica e assimétrica, certificados digitais e qualidade de senha. No terceiro, já na parte da tarde, os temas foram o funcionamento da fraude bancária eletrônica e a clonagem de cartões. Os técnicos expuseram ainda sobre malwares e keyloggers e chupa-cabras. Os crimes de alta tecnologia – definição e atores, os incidentes de segurança, o acesso não-autorizado a sistemas ou dados, o ataque de negação de serviço e botnets, a modificação não-autorizada em um sistema e a desfiguração de sites (“defacement”) foram os temas do quarto e último painel. 11 07511 miolo.indd 11 04/05/12 11:40 cdemp Mário Sarrubbo é empossado na presidência do CDEMP 12 07511 miolo.indd 12 04/05/12 11:40 Mário Luiz Sarrubbo, presidente do Colégio de Diretores de Escolas dos Ministérios Públicos do Brasil (CDEMP) Em cerimônia na noite de 1º de março, no auditório “Júlio Fabbrini Mirabete” (Rua Treze de Maio, 1.259, Térreo), o procurador de Justiça Mário Luiz Sarrubbo, diretor da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, foi empossado presidente do Colégio de Diretores de Escolas dos Ministérios Públicos do Brasil (CDEMP), em substituição ao promotor de Justiça Danilo Lovisaro do Nascimento, da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Acre (Fempac). Mário Sarrubbo foi eleito no dia 24 de novembro de 2011, em Belém, no Pará. Rosana Maria Araújo, do CEAF da Paraíba, e Maria de Fátima Cabral de Sá, do CEAF do Espírito Santo, também foram empossadas, respectivamente, vice-presidente e secretária do CDEMP. Primeiro a falar, Danilo Lovisaro transmitiu o cargo com um discurso em que prestou homenagens aos idealizadores do CDEMP e aos ex-presidentes, destacando a importância assumida pelo colégio desde sua criação. Mário Sarrubbo, na sequência, fez um discurso emocionado, agradecendo o apoio e confiança dos colegas de CDEMP e a presença dos amigos e familiares que prestigiaram o evento. Fernando Grella Vieira, procurador-geral do Ministério Público de São Paulo, encerrou a cerimônia com um breve currículo do empossado (“brilhante e pioneiro em diversas áreas de atuação do MP paulista”) e discorrendo sobre o orgulho de ter o diretor da escola do MP paulista como presidente do CDEMP: “Todos sabem da importância desse colégio para todas as escolas de ministério público do Brasil”, disse. A posse do procurador de Justiça paulista, concomitante com a primeira reunião ordinária do CDEMP em 2012, trouxe a maioria dos diretores de escolas de Ministérios Públicos do Brasil para São Paulo. O evento, com duração de dois dias (dia 01 e 02 de março) teve exposições sobre a reforma penal e a recodificação da legislação penal, sobre a justiça terapêutica e a Lei dos Juizados Especiais Criminais, além de importantes discussões que definiram calendário e rumos pedagógicos das escolas dos MPs brasileiros. 13 07511 miolo.indd 13 04/05/12 11:40 posse Recepção para 38 novos procuradores do MP 14 07511 miolo.indd 14 04/05/12 11:40 Mário Sarrubbo, diretor da ESMP, recebe a placa das mãos de sua irmã, Mariângela Sarrubbo Fragata, procuradora do Estado O diretor da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, foi um dos 38 procuradores de Justiça recepcionados na última quarta-feira (dia 8), em cerimônia solene promovida durante sessão do Órgão Especial do Colégio de Procuradores, no Auditório Queiroz Filho, no edifício-sede do MP. Washington Epaminondas Medeiros Barra, presidente da Associação Paulista do Ministério Público, foi o primeiro orador a saudar os novos procuradores. “A nossa casa está em festa pela posse dos novos procuradores de Justiça. Eles, a exemplo dos demais colegas, têm demonstrado, ao longo da carreira, dedicação extremada à causa pública. A folha de trabalho e o passado profissional servem de passaporte para a segunda instância. Mantenham sempre acesas as luzes da esperança na justa promoção da Justiça”, disse. Eduardo Araújo da Silva, um dos procuradores empossados, lembrou o início da carreira: “Na primeira comarca do interior, quanta expectativa! No primeiro júri, um misto de emoções contraditórias. Superada a fase intermediária da carreira, aqui estamos para iniciar essa nova etapa. Tenham a certeza que saberemos dignificar o Ministério Público do Estado de São Paulo e trilhar o caminho da defesa dos valores so- ciais, da ética e da dignidade da pessoa humana. Que Deus nos ilumine.” Álvaro Augusto Fonseca de Arruda, integrante do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça, falou depois sobre os desafios a serem enfrentados pelos “38 colegas que chegaram a esse estágio com conhecimento jurídico e experiência inquestionáveis.” Após a entrega de placas comemorativas de prata a cada um dos novos procuradores, o procurador-geral de Justiça, Fernando Grella Vieira, encerrou a solenidade: “É motivo de muita alegria presidir esta cerimônia, a última do gênero antes do final de meu mandato. Galgar o degrau máximo traz ainda mais responsabilidade. Somos todos elos de uma grande corrente ministerial que precisa se fortalecer. A experiência vem demonstrando que não apenas é possível, senão indispensável, o trabalho estreitado, próximo, colaborativo, entre a primeira e a segunda instância, como reiteradamente temos estimulado. Este intercâmbio tem sido uma constante e a cada caso, pelos retornos havidos, tem-se a confirmação de como é essencial o trabalho conjunto e integrado entre promotores e procuradores, cada qual na sua esfera, porém unidos no propósito comum de bem defender as 15 07511 miolo.indd 15 04/05/12 11:41 posse posições institucionais colocadas em primeiro grau de jurisdição”, enfatizou. Foram recepcionados solenemente os procuradores de Justiça Camilo Pileggi, Moutari Ciocchetti de Souza, Ricardo Antonio Andreucci, Carlos Eduardo Massai, João Lopes Guimarães Júnior, Leandro Tatsuo Onici, Jaqueline Mara Lorenzetti Martinelli, Paulo Sérgio Cornacchioni, Norton Geraldo Rodrigues da Silva, Robson Félix Bueno, Carlos Alberto de Salles, Ronaldo Porto Macedo Junior, Eder do Lago Mendes Ferreira, Ricardo Sale Júnior, Maria Aparecida Melo dos Santos, Edson Spina Fertonani, Eduardo Rheingantz, Sílvio Hiroshi Oyama, Hamilton Alonso Júnior, Eduardo Araujo da Silva, Dimitrios Eugenio Bueri, Marco Antônio Ferreira Lima, Paulo Marco Ferreira Lima, Marcos Hideki Ihara, Alberto Carlos Dib Júnior, João Antonio Marchi, Mauro Augusto de Souza Mello Junior, Sebastião Lopes Junior, Mário Luiz Sarrubbo, Vidal Serrano Nunes Junior, Luiz Fernando Rodrigues Pinto Junior, Andréa Chiaratti do Nascimento Rodrigues Pinto, Luis Paulo Sirvinkas, Josely Mara Litrenta de Oliveira Donato, Israel Donizeti Vieira da Silva, Cecilia Matos Sustovich, Maria Amélia Nardy Pereira e Darci Ribeiro. Prestigiaram a cerimônia a secretária estadual de Justiça e de Defesa da Cidadania, Eloisa de Sou- sa Arruda, representando o governador do Estado; o procurador Pedro Franco de Campos, secretário do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça; o desembargador José Amado de Faria Souza, representando o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo; o deputado Celso Giglio, 1º vice-presidente da Assembleia Legislativa, representando o presidente da Assembleia; Evanir Ferreira Castilho, vice-presidente do Tribunal de Justiça Militar, representando o presidente da instituição; Nelson Gonzaga de Oliveira, corregedor-geral do MP; Gianpaolo Poggio Smanio, secretário do Conselho Superior do MP; Fernando José Marques, ouvidor do MP; Mariângela Sarrubbo Fragata, procuradora do Estado chefe do Centro de Estudos da Procuradoria-Geral do Estado, representando o procurador-geral do Estado; Márcia Garutte, corregedora-geral da Defensoria Pública, representando a defensora pública-geral do Estado de São Paulo; Marcos da Costa, vice-presidente da OAB, seção São Paulo, representando o presidente; e o tenente coronel PM Wagner Roberto Ribeiro Soares, chefe da Assessoria Policial Militar da Procuradoria-Geral de Justiça, outras autoridades, além de procuradores e promotores de Justiça, amigos e familiares dos recepcionados. Mesa com as autoridades 16 07511 miolo.indd 16 04/05/12 11:41 concursos Candidatos a estágio no MP fazem a prova em todo o Estado Em busca de uma das 500 vagas inicialmente oferecidas em todo o Estado de São Paulo, cerca de três mil estudantes de Direito fizeram, no domingo, dia 11 de março, a prova objetiva – com 10 questões sobre Direito Penal (parte geral), Direito Civil (parte geral), Teoria do Processo e Lei Orgânica Estadual do Ministério Público- que apontou os aprovados no 17º Concurso de Credenciamento de Estagiários do Ministério Público de São Paulo. As provas começaram às 10 horas da manhã e foram aplicadas, até o meio-dia, em 12 regiões do Estado: na Capital, em Araçatuba, em Bauru, em Campinas, em Franca, em Presidente Prudente, em Piracicaba, em Ribeirão Preto, em Santos, em São José do Rio Preto, em Sorocaba e em Taubaté. Na Capital, no prédio 5 (Faculdade de Comunicação e Marketing) da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em Higienópolis, desde as 8h30 os candidatos já formavam fila para a abertura dos portões, programada para as 9h30. Lucas Machado, 28 anos, e Maria Carolina Vaquero Ramalho Leyser, 22, ambos alunos do 5º ano de Direito na FAAP, aproveitaram os degraus da entrada da faculdade para repassar o conhecimento: “Não sei, sinceramente, se estou preparado para passar, mas considero importante participar do concurso porque quero ter noção de como é. Meu objetivo mesmo é ser promotor”, disse Lucas, folheando seus apontamentos. Carolina foi mais objetiva: “Estudei, sou muito estudiosa. Acho que estou preparada”, disse, confiante, com os olhos brilhando ao completar: “Quero ser igual minha mãe, que é promotora. Quero seguir a carreira dela”. Felipe Augusto Camilo de Freitas, 20 anos, aluno da PUC e do CPI Concursos, ainda no 3º ano de Direito, não se importava com o resultado da prova, que ele considerava “a primeira”: “Vou ser juiz ou promotor de Justiça, mas ainda tenho tempo. Hoje quero ver como é a prova”, disse. A mesma expectativa tinha Vítor Hanna, também com 20 anos e no 3º da FAAP: “É o primeiro concurso que presto. Ainda tenho tempo para me preparar melhor mais para a frente”. Os selecionados receberão bolsa auxílio de R$ 630,00, para uma jornada de trabalho de 20 horas semanais. O estagiário exercerá funções nos órgãos de Administração superior, Administração e Auxiliares. Os estagiários, Lucas e Carolina, Felipe e Vitor Hanna 17 07511 miolo.indd 17 04/05/12 11:41 concursos Painel de atualização Estagiários aprovados no 16º Concurso de Credenciamento, da Área Regional da Capital e Grande São Paulo I e II, frequentaram, dia 30 de março, o primeiro dos quatro “Painéis de Atualização dos Estagiários do Ministério Público – 1º Semestre”, no Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional/ Escola Superior do Ministério Público (Rua Treze de Maio, 1.259 - São Paulo), das 13h30 às 17h30. Com o tema “Medidas Cautelares no Processo Penal (lei n. 12.403/11)”, o promotor de Justiça Tiago Cintra Essado, mestre em Direito do Estado pela Universidade de Franca, foi o expositor do dia 30. Maria Sílvia, assessora da ESMP, e Tiago Cintra Essado, o palestrante 18 07511 miolo.indd 18 04/05/12 11:41 cursos Ensino a distância Políticos Introduzir o aluno ao tema dos direitos políticos, conferindo-lhe noções sobre a abrangência e a importância da Lei da Ficha Limpa, apresentando conceitos sobre a capacidade eleitoral, sob os aspectos ativo e passivo, bem como as condições de elegibilidade, as incompatibilidades, a desincompatibilização e as inelegibilidades, é o objetivo do curso Direitos Políticos, ministrado pela ESMP, pela Escola Virtual (Plataforma Moodle), de 19 de março a 14 de maio. O professor convidado foi André Luiz Nogueira da Cunha, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Taubaté (2004) e mestre em Direito Público pela Universidade de Franca (2003). Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, possui experiência na área de Direito Eleitoral, Difusos, Processo Penal e Direito Civil. Revisão Gramatical Possibilitar o uso correto de elementos e regras gramaticais responsáveis pela construção de sentido em situações formais de interação é o objetivo do curso “Revisão Gramatical”, que a Escola Superior do Ministério Público de São Paulo promoveu (já em 7ª edição) para servidores e estagiários da Instituição, pela Internet, de 5 de março a 14 de maio. Karlene da Rocha Campos é professora de Língua Portuguesa em cursos de graduação e extensão na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, atuando nas modalidades presencial, semipresencial e a distância. Possui graduação em Letras - Português/Inglês, mestrado em Língua Portuguesa na PUC/SP e, atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-graduação em Língua Portuguesa na mesma instituição. Cursos de Adaptação Em continuidade ao curso de Adaptação e Vitaliciamento, a ESMP promove, desde 6 de fevereiro, dois cursos para o segundo grupo de promotores de Justiça do 87º concurso do Ministério Público do Estado de São Paulo, em cumprimento ao Ato Normativo n. 604/2009 do PGJ: Inquérito Civil: Teoria e Prática, com acompanhamento do promotor de justiça Marcelo Sciorilli, mestre e doutor em Direito pela PUC de São Paulo, e Reformas do Processo Penal, ministrado pelo professor Fernando Célio de Brito Nogueira, 5º Promotor de Justiça de Barretos. Os dois cursos duram seis semanas (30 horas), sendo apresentados, na Plataforma Moodle de ensino a distância, em ambiente restrito, textos com a opinião da doutrina e jurisprudência; formulação de questões objetivas e casos práticos, de modo a mesclar ao ensino teórico uma análise pragmática do universo jurídico. 19 07511 miolo.indd 19 04/05/12 11:41 cursos “Ilícitos Econômicos” na ESMP Para proporcionar conhecimento teórico e prático sobre os ilícitos econômicos, a interdisciplinariedade da matéria, os mecanismos jurídicos de prevenção e combate, bem assim o aperfeiçoamento do tema, dada a proximidade da entrada em vigor da nova legislação, a ESMP iniciou, na noite de 29 de março, o Curso de Extensão Uni- versitária “Ilícitos Econômicos”, que carga horária mínima de 48 horas-aula e será composto de 12 aulas, até 28 de junho. “Os Desafios da Criminalidade Econômica” foi o tema da primeira aula, que teve como expositores os promotores de Justiça Eduardo Luiz Michelan Campana e Éverton Luiz Zanella. O diretor Mário Sarrubbo apresenta os expositores aos alunos do curso de extensão 20 07511 miolo.indd 20 04/05/12 11:41 cursos Curso de Penal começa com aula magna de Dirceu de Melo Com uma aula magna ministrada pelo professor Dirceu de Melo, começou no dia 06 de março o 10º Curso de Especialização em Direito Penal Pós-graduação “lato sensu” – da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. O curso é presencial, com aulas às terças e quintas-feiras (e em oito sábados pela manhã ), e vai até 13 de dezembro, com o objetivo de formar especialistas atualizados com as recentes alterações legislativas na área Penal e Processual Penal, com a complementação de novos conhecimentos que despertem a visão crítica e de fornecer subsídios técnicos e jurídicos voltados para o Ensino Superior nas áreas de Direito Penal e Processual Penal, além de estimular a pesquisa na área do Direito Penal e Processual Penal para a adoção de ações inovadoras que agilizem e aperfeiçoem os mecanismos judiciais. O 10º Curso de Especialização em Direito Penal terá carga horária mínima de 360 horas e será composto de 5 módulos: MÓDULO I- Direito Penal – Parte Geral - 100 h; MÓDULO II – DireitoProcessual Penal - 68 h; MÓDULO III – Criminalidade Econômica e aTutela Penal dos Interesses Difusos e Coletivos - 80 h; MÓDULO IV – Legislação Penal Especial e Atualização Legislativa e Jurisprudencial- 64 h; e MÓDULO V - Metodologia e Didática do Ensino Superior – 60 h. 21 07511 miolo.indd 21 04/05/12 11:41 cursos Ada Grinnover ministra primeira aula de “Interesses Difusos” Com aula magna da professora Ada Pellegrini Grinnover, começou dia 12 de março (e vai até 13 de dezembro) o 9º Curso de especialização em Interesses Difusos e Coletivos – Pós-graduação “lato sensu” que a ESMP oferece para formar especialistas em Direito do Consumidor, do Meio Ambiente e da Habitação e Urbanismo, da Infância e Juventude, da Pessoa Portadora de Deficiência, da saúde pública, da educação, do idoso, da probidade administrativa e dos demais interesses difusos e coletivos. As aulas serão nas noites de segundas e de quartas-feiras (além de cinco sábados pela manhã), na Escola Superior do Ministério Público, na Rua Treze de Maio, 1.259, térreo, auditório Júlio Fabbrini Mirabete, com carga horária mínima de 360 horas, preenchidas por quatro módulos: Interesses Difusos e Coletivos - Parte Geral - 40 h; Interesses Difusos e Coletivos - Parte Especial - 196h distribuídas em Direito do Consumidor (32 h), Direito da Infância e da Juventude (32),Direito do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo (52), Improbidade Administrativa (24), Direito à Saúde (16), Direito à Educação (16) e Direitos Humanos (24); Inquérito Civil e Ação Civil Pública (64 h; e Metodologia e Didática do Ensino Superior (60 h). A professora Ada Pellegrini Grinnover 22 07511 miolo.indd 22 04/05/12 11:41 palestras Palestra sobre “Eleições 2012” no auditório da APMP Com exposições do diretor geral do Tribunal de Contas do Estado, Sérgio Ciqueira Rossi, da procuradora regional da República da 3ª Região Alice Kanaan e do procurador regional eleitoral da 3ª Região Pedro Barbosa Neto, a Escola Superior do Ministério Público e a Área de Patrimônio Público do Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva promoveram, na manhã do dia 12 de março, palestra com o tema “Eleições 2012”, no auditório da sede social da Associação Paulista do Ministério Público. O evento, com transmissão direta pela Internet, foi aberto pelo procurador-geral de Justiça, Fernando Grella Vieira; pelo diretor da ESMP, procurador de Justiça Mário Luiz Sarrubbo; pelo presidente da APMP, procurador de Justiça Washington Epaminondas Medeiros Barra; e pelo coordenador geral do CAO Cível, procurador de Justiça Jorge Luiz Ussier. Jorge Luiz Ussier, Washington Epaminondas Barra, Mário Luiz Sarrubbo e Fernando Grella Vieira 23 07511 miolo.indd 23 04/05/12 11:41 palestras Ano letivo da ESMP começa na Barra Funda, com a “Reforma Penal” A escolha do tema “A Reforma Penal e a Recodificação da Legislação Penal” para a aula inaugural do ano letivo de 2012 na Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo atraiu magistrados, procuradores e muitos promotores, além de advogados e estudantes, ao auditório “Antonio Alvarenga Neto”, no Fórum Criminal da Barra Funda (Av. Abraão Ribeiro, 313), na noite de 15 de fevereiro, para o debate com quatro palestrantes diretamente envolvidos com a questão: Christiano Jorge Santos, promotor de Justiça membro da Comissão do MP que acompanha a elaboração do Anteprojeto do Código Penal; Alexandre Rocha Almeida de Moraes, promotor de Luiz Carlos Gonçalves, Luiza Eluf, Mário Sarrubbo, Alexandre Rocha de Moraes e Christiano Jorge Santos 24 07511 miolo.indd 24 04/05/12 11:41 Público formado por magistrados, procuradores, promotores, advogados e estudantes Justiça assessor da Procuradoria Geral de Justiça membro da Subcomissão da CCJ da Câmara dos Deputados destinada a elaborar o Anteprojeto do Código Penal; Luiza Nagib Eluf, procuradora de Justiça do MP/SP membro da comissão de 15 juristas criada pelo Senador Federal para a elaboração do Anteprojeto do Código Penal; e Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, procurador Regional da República, especialista em Direito Constitucional, escolhido como relator da Comissão de Juristas criada pelo Senado Federal. Na abertura do evento, o diretor da ESMP, Mário Luiz Sarrubbo, enfatizou a importância do tema e o acerto da escolha do local do evento, corroborada pela presença “de tantos colegas no auditório”: “Fico feliz com o interesse despertado pelo tema e pela aula inaugural da ESMP ser justamente aqui, no Fórum da Barra Funda, que é o templo do direito criminal em São Paulo”, disse. Christiano Jorge, especialista em crimes de preconceito e discriminação, foi o primeiro a falar, abordando a parte geral do Anteprojeto do Código Penal. Alexandre Rocha Almeida de Moraes, defensor do direito penal da sociedade – tese em que aplica a clara delimitação da política criminal voltada para a criminalidade comum e para a criminalidade organizada e terrorista-, destacou a velocidade das mudanças sociais, considerando fundamental se pensar um Direito Penal como um todo, de forma codificada e com revisão periódica. Já Luiza Nagib Eluf, autora de dois livros sobre os chamados crimes passionais e um de jurisprudência e doutrina, remanescente da comissão que tratou do mesmo tema em 1991, explicou sobre seu papel na atual comissão e se aprofundou no tema “crimes sexuais”, enquanto o procurador da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves arrematou as exposições com as demais alterações propostas pela comissão. A principal abordagem do debate, porém, comum aos quatro palestrantes, foi a premente e necessária participação do Ministério Público no processo de elaboração das leis penais, como porta-voz da sociedade. Durante toda a noite, buscou-se sensibilizar o público para uma maior participação do MP nesse processo, como legítimo representante desses anseios. “Só assim será possível evitar a frustração da sociedade quando as leis aprovadas lhe forem impingidas, contemplando somente os setores devidamente representados no processo”, encerrou o diretor da ESMP, Mário Luiz Sarrubbo. 25 07511 miolo.indd 25 04/05/12 11:41 palestras Nelson Nery Júnior debate a modernização da 2ª Instância Evento exclusivo para procuradores e promotores de Justiça do Ministério Público do Estado São Paulo, a palestra ““Modernização da Segunda Instância”, feita pelo mestre, doutor e livre-docente em Direito pela PUC/SP, Nelson Nery Júnior, na manhã de 14 de março, no auditório do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional “Júlio Fabbrini Mirabete” (Rua: Treze de Maio, n. 1259, Bela Vista, São Paulo), teve abertura e participação do procurador-geral Fernando Grella Vieira, do diretor da ESMP Mário Luiz Sarrubbo, e debates com Antonio Calil Filho (Procuradoria de Justiça de Habeas Corpus e Mandados de Segurança Criminais), José Carlos Amorim de Vilhena Nunes (Procuradoria de Justiça Criminal), Lídia Helena Ferreira da Costa dos Passos (Procuradoria de Justiça Civel) e Ruymar de Lima Nucci (Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos). Nelson Nery Jr., Fernando Grella Vieira e Mário Luiz Sarrubbo “Sonegação Fiscal”na Baixada Santista Voltada para membros do Ministério Público, da Magistratura, estagiários e servidores dessas Instituições, defensores públicos, advogados e demais operadores do Direito, a palestra “Sonegação Fiscal”, promovida pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e pelo 6º Núcleo Regional da ESMP – Baixada Santista, na noite de 20 de março, levou bom público ao auditório da Faculdade de Direito da UNISANTOS (Avenida Conselheiro Nébias, n° 589, Santos – SP). Fernando Arruda e Clóvis Gonçalves de Oliveira, ambos promotores de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão aos Crimes de Sonegação Fiscal – GAESF, foram os expositores, tendo Éuver Rolim, promotor de Justiça de Santos, como debatedor. A coordenação local do evento foi dos promotores Carlos Alberto Carmello Júnior e Ivan da Silva, coordenadores do 6º Núcleo Regional da ESMP – Baixada Santista. 26 07511 miolo.indd 26 04/05/12 11:41 notas Campinas: Temas Atuais em Penal e Processual Penal A Escola Superior do Ministério Público de São Paulo levou para Campinas o Curso de Extensão universitária “Temas Atuais em Direito Penal e Processual Penal” para gerar um fórum para a exposição de conteúdos teóricos e práticos sobre os temas, visando aprimorar a atuação funcional dos operadores do direito também no Interior. O curso começou em 22 de março e vai até 31 maio, com carga horária de 40 horas-aula, divididas em 10 aulas, no auditório do Edifício do Ministério Público em Campinas (Avenida Francisco Xavier de Arruda Camargo, 340 – 1º andar, Jardim Santana – Campinas/SP - dentro da Cidade Judiciária), sempre às quintas-feiras, no período noturno. Os promotores Airton Buzzo Alves, mestre em Direito Processual Penal; Alexandre Rocha Almeida de Moraes, mestre e doutorando em Di- reito pela PUC-SP; Eduardo Luiz Michelan Campana, mestre em Direito Penal pela PUC-SP; José Reinaldo Guimarães Carneiro, mestre em Direito Penal pela PUC-SP; Ricardo José Gasques de Almeida Silvares e Rogério Sanches Cunha; e os procuradores de Justiça Antonio Carlos da Ponte, livre docente em Direito Penal pela PUC-SP, doutor e mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP; Gianpaolo Poggio Smanio, doutor e mestre em Direito pela PUC-SP; Paulo Marco ferreira Lima, doutor e mestre em Direito Penal pela USP; e Pedro Henrique Demercian, doutor e mestre em Direito pela PUC-SP foram os professores convidados. A Coordenação geral do curso é de Mário Luiz Sarrubbo, diretor da ESMP, e a coordenação local, de Adriana Vacare Tezine, 5º Promotor de Justiça de Campinas – SP, coordenadora do 5º Núcleo Regional da ESMP - Campinas – SP. 27 07511 miolo.indd 27 04/05/12 11:41 artigo Relações de Consumo A exceção de contrato não cumprido I - INTRODUÇÃO O desenvolvimento do comércio, o consequente aumento do número de consumidores e, paralelamente, o agigantamento de muitas empresas que lidam diretamente com o público consumidor inviabilizaram a atuação do sistema judiciário, considerado arcaico e ineficiente, portanto, incapaz de tornar equitativas as relações de consumo. Procurando se resguardar contra o inadimplemento do consumidor, as empresas, muitas vezes, redigiam seus contratos de forma leonina, deixando efetivamente o consumidor sem condições de se precaver em caso do não cumprimento do acordado ou insatisfação com sua execução ou qualidade do bem ou serviço. Com isso, em uma relação desigual, reafirmavam a real condição do consumidor de elo mais fraco na cadeia da produção e do consumo. Diante dessa incapacidade de se defender, o consumidor passou a ser chamado no meio jurídico de hipossuficiente. A entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor -“CDC”-, Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990, trouxe sem dúvidas muitos avanços. O Brasil conseguiu construir um ordenamento jurídico de proteção à sociedade de consumo, que hoje é reconhecido internacionalmente. O CDC propiciou aos consumidores e fornecedores tomarem consciência de seus respectivos direitos e deveres, estabelecendo uma forma de conduta para as partes, lembrando sempre de que estamos falando de normas de ordem pública e de interesse social, de observância obrigatória. Por outro lado, além de organizar o relacionamento entre consumidores e empresas, esse estatuto normativo influenciou e modernizou a teoria contratual pátria. Através da defesa da dignidade do consumidor, conseguiu propiciar relações sociais mais equilibradas, transparentes e, por que não, mais leais entre empresas e consumidores. Com a promulgação do Código Civil em 2002, criaram-se novos paradigmas no direito contratual pátrio, principalmente através da interpretação dos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva. Nesses quase dez anos, os juristas já mos- 28 07511 miolo.indd 28 04/05/12 11:41 Evelin Sofia Rosenberg Konig Advogada em São Paulo, integrante de Fernando Pinheiro – Advogados. Graduada em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP e em Direito pela Fundação Armando Alvares Penteado- FAAP. Mestranda em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP. traram o que entendem desses novos paradigmas, porém, ainda há um longo caminho a ser trilhado. Com a rápida e constante evolução da sociedade, algumas mudanças se tornaram necessárias, principalmente no que diz respeito ao comércio eletrônico e às relações com instituições financeiras, relacionadas, especialmente, com a velocidade das transações. Em nossa atual sociedade de consumo, a complexidade e a velocidade das transações desafiam a necessidade rotineira de firmar contratos de prestação de serviços, de compra e venda de bens e produtos, contratos de empréstimo e demais transações técnicas e financeiras entre as partes. Os contratos continuam a ser bilaterais, com direitos e obrigações para os contratantes. Um dos grandes problemas que tanto consumidor como fornecedor vêm encontrando nessa nova ordem capitalista é a dificuldade de se defender quando uma das partes contratantes não cumpre sua prestação e quer exigir que a outra parte cumpra sua contraprestação. É muito comum, por exemplo, em uma compra e venda à vista, a mercadoria só ser entregue após o pagamento do preço avençado. Caso o vendedor não receba o preço, a mercadoria não será entregue ao comprador. II - DA FUNÇÃO SOCIAL E DA BOA-FÉ CONTRATUAIS Cabe mencionar que o objetivo do contrato é servir de instrumento para operações econômicas gerando circulação de riquezas, através da vontade humana para evolução da sociedade. Assim, tanto o novo Código Civil como o CDC trilharam o caminho da contemporaneidade em matéria de contratos. Nesse contexto, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery expressam: “a função mais destacada do contrato é a de propiciar a circulação da riqueza, transferindo-a de um patrimônio para outro (Roppo, Il contrato, p.12 et seq.). Essa liberdade parcial de contratar, com objetivo de fazer circular riqueza, tem de cumprir sua função social, tão ou mais importante que o aspecto econômico do contrato. Por isso, fala- 29 07511 miolo.indd 29 04/05/12 11:41 artigo -se em fins econômico-sociais do contrato como diretriz para sua existência, validade e eficácia” 1. Devemos, então, ressaltar o importante papel dos princípios da função social do contrato e da boa-fé como limitadores da autonomia da vontade. Os contratos devem objetivar o atendimento de suas finalidades de forma a conjugar o bem comum dos contratantes e da sociedade, pressupondo sempre um tratamento harmônico e ao mesmo tempo isonômico. Como declara Nelson Rosenvald: “em síntese, todo contrato é uma soma de seu tipo, sua estrutura e sua função. O tipo emana da conformação mínima do ordenamento jurídico sobre as relações econômicas mais comuns. A estrutura é dada pela vontade das partes no espaço reservado pela sociedade ao exercício da autonomia privada. A função social diz respeito às consequências objetivas da relação sobre a sociedade” 2. Assim, os princípios da função social do contrato bem como da boa-fé objetiva são o que a doutrina convencionou chamar de cláusulas gerais. As cláusulas gerais foram inseridas no novo Código Civil para permitir a evolução do direito diante dos casos concretos, proporcionando ao juiz maior margem de manobra. Nesse contexto, definem Rosa Maria de Andrade Nery e Nelson Nery Junior: “são normas orientadoras sob forma de diretrizes, dirigidas precipuamente ao juiz, vinculando-o ao mesmo tempo em que lhe dão liberdade para decidir” 3. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 7. ed. rev. ampl. e atual. Até 25.8.2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. 2 ROSENVALD, Nelson. Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. Coordenador Cezar Peluso. 5. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2011. 3 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 7. ed. rev. ampl. e atual. Até 25.8.2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. 1 Com efeito, o princípio da função social do contrato está presente na Constituição Federal de 1988, no art. 1o, III - dignidade da pessoa humana, no art. 5o, XXIII – função social da propriedade, nos art. 182 e 186 - função social da propriedade urbana e rural e no art. 170 – princípios da ordem econômica, e também vem expressamente previsto no art. 421 do novo Código Civil: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” “Esse dispositivo (art. 421) alarga, ainda mais, a capacidade do juiz para proteger o mais fraco, na contratação, que, por exemplo, possa estar sofrendo pressão econômica ou efeitos maléficos de cláusulas abusivas ou de publicidade enganosa”, acrescenta Álvaro Villaça de Azevedo4. Importante, portanto, que o contrato seja elaborado e interpretado para atender, além dos interesses individuais das partes, também os interesses sociais. Ao impor limites na liberdade contratual, preserva-se o ambiente social e o equilíbrio da relação jurídica. Afirma Ruy Rosado de Aguiar Júnior que “o contrato tem de ser entendido não apenas como as pretensões individuais dos contratantes, mas como verdadeiro instrumento de convívio social e de preservação dos interesses da coletividade (...). Essa é apenas uma das consequências da nova socialidade do contrato. Além de útil, o contrato tem de ser também justo” 5. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral dos contratos típicos e atípicos: curso de direito civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. 5 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. RT 775/20. In NERY Jr., Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008 4 30 07511 miolo.indd 30 04/05/12 11:41 Marcos de Almeida Villaça Azevedo Mestre e Doutor em Direito Civil pela USP, Advogado integrante de Villaça Azevedo, Pigatti & Sigollo Advogados O que se busca em última análise é resguardar os deveres de proteção, informação e lealdade entre os contratantes e também com a sociedade. Ao lado da função social dos contratos, a boa-fé objetiva procura valorizar a conduta de lealdade e transparência dos contratantes em todas as fases contratuais, sendo consagrado no CDC o princípio da boa-fé objetiva em duas oportunidades, conforme se vê adiante: “Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: ...... IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.” Esse princípio é também positivado no art. 422 de nosso Código Civil: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” 31 07511 miolo.indd 31 04/05/12 11:41 artigo “Impõe-se uma regra de conduta baseada na confiança, na veracidade e na informação.” “A boa-fé objetiva é princípio de magnitude ímpar no cotidiano das relações jurídicas, devendo necessariamente estar presente em todos os negócios jurídicos nascidos da livre vontade manifestada pelas partes”, no entendimento de Marcos Jorge Catalan6. Assim, temos o diálogo do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor que se harmonizam na interpretação da boa-fé. Impõe-se uma regra de conduta baseada na confiança, na veracidade e na informação, que será aplicada também nas fases pré e pós-contratual. Esclarecem Rosa Maria de Andrade Nery e Nelson Nery Junior: “a boa-fé objetiva impõe ao contratante um padrão de conduta, de modo que deve agir como um ser humano reto vale dizer, com probidade, honestidade e lealdade. Assim, reputa-se celebrado o contrato com todos esses atributos que decorrem da boa-fé objetiva” 7. A boa-fé objetiva é considerada uma “cláusula geral” que está presente em todas as relações jurídicas contratuais e de consumo, exigindo das partes um respeito mútuo aos direitos, interesses e expecCATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento contratual. 1ª ed.(ano 2005), 6ª reimp. Curitiba: Juruá, 2010. 7 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 7. ed. rev. ampl. e atual. Até 25.8.2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. tativas legítimas de cada qual , o exercício de seus direitos contratuais sem abuso e sem criar falsas expectativas à outra parte contratante. Como o princípio da boa-fé objetiva exige um comportamento correto, com lealdade, honestidade, transparência e cooperação, ele cria para as partes contratantes deveres que são denominados “deveres anexos”, que se encontram implícitos como parte integrante do contrato, como se nele expressamente estabelecidos. Entre os deveres anexos, destacam-se os deveres de cooperação e de prudência e diligência. Pelo dever de cooperação, o fornecedor de produtos ou serviços deve colaborar durante a execução do contrato, não dificultando nem impedindo o cumprimento da obrigação pelo consumidor. Assim, a título de exemplo, o fornecedor que dificulta o pagamento do consumidor, havendo atraso e, consequentemente, incidência de multa contratual, quebra o dever de cooperação ou colaboração. O mesmo ocorre na hipótese de o fornecedor retardar injustificadamente a entrega do produto ou dificultar a comunicação com o consumidor que o procure para esclarecer a existência de eventual vício ou defeito no produto fornecido. De outro lado, o dever de prudência e diligência consiste em agir com cuidado, cautela e com zelo, envidando esforços para que a conduta, na relação contratual, não cause danos ou prejuízos ao outro contratante. Nessa perspectiva, a defesa da exceção de contrato não cumprido ocupa papel fundamental na relação contratual. Somente quem cumpre sua parte no contrato pode exigir o cumprimento da parte do outro. 6 III - A EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO Nesse cenário, não podemos deixar de observar um dos mais significativos princípios da relação con- 32 07511 miolo.indd 32 04/05/12 11:41 tratual, que é a exceção de contrato não cumprido, prevista no Código Civil revogado, em seu art. 1.092, caput, e espelhada no art. 476 do atual diploma Civil: “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.” ante esse inadimplemento contratual arguindo a exceção do contrato não cumprido”. [Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos, cit., p. 72] Para Silvio Rodrigues, “se nos contratos bilaterais as prestações são recíprocas e nada se estipulou quanto ao instante de seu cumprimento, há que se entender serem devidas simultaneamente. Isso significa que, no entender desse jurista, nenhuma das partes pode exigir o cumprimento da obrigação cabente à outra sem que tenha cumprido a sua. O argumento da exceptio non adimpleti contractus pode ser invocado por qualquer das partes como meio de defesa” 9. Sobre o citado princípio legal, pondera Maria Helena Diniz que “a exceptio non adimpleti contractus é uma defesa oponível pelo contratante demandado contra o co-contratante inadimplente, em que o demandado se recusa a cumprir a sua obrigação, sob a alegação de não ter, aquele que reclama, cumprido o seu dever, dado que cada contratan“O controle bilateral te está sujeito ao estrito caracteriza-se pela existência adimplemento do contrade obrigações recíprocas. Cada to” 8. Vale lembrar que a exceção de contrato não cumprido é ocorrência adstrita aos contratos bilaterais cuja essência é o sinalagma, ou seja, a interdependência recíproca das obrigações, em que as partes contratantes possuem direitos e deveres. Tratando do assunqual é credor e devedor do to, elucida Álvaro Villaça outro, ao mesmo tempo.” Azevedo que “O contrato bilateral ou sinalagmático caracteriza-se pela existência de obrigações IV - CONTRATOS BILATERAIS recíprocas entre os contratantes. Nessa relação Necessário ressaltar que a bilateralidade é eleobrigacional, tais contratantes devem-se mutuamente; cada qual é credor e devedor do outro, ao mento estrutural essencial da grande maioria dos mesmo tempo. Desse modo, dada a correlação das contratos no direito brasileiro. Classificar os acordos prestações, cada contratante pode exigir do outro de vontade como unilaterais ou bilaterais, como é o cumprimento obrigacional (ius et obligatio sunt doutrinariamente aceito, significa concentrar-se socorrelata). Nessa contratação bilateral, o contratan- bre a distribuição dos ônus entre os dois lados da rete que não cumpre sua obrigação não pode exigir o lação jurídica dele derivada ou a concentração deles cumprimento da do outro. Este poderá defender-se em um só dos polos contratuais. 8 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 3. v. - 26. ed.- São Paulo: Saraiva, 2010. 9 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 3. v. São Paulo: Saraiva, 1989-1990. 33 07511 miolo.indd 33 04/05/12 11:41 artigo Os unilaterais são contratos em que não se distribuem os ônus por ambos os lados da relação jurídica. Todos eles cabem apenas às pessoas posicionadas em um dos pólos da relação. Para aplicação da exceptio, faz-se necessária a bilateralidade do contrato, estipulando-se neste “obrigações para ambas as partes contratantes, por quotas iguais ou não”10. Temos, aqui, a bilateralidade não apenas como elemento estrutural de qualquer contrato, mas como determinante da distribuição do ônus contratual. Sempre que houver onerosidade de uma das partes, haverá, no âmbito de outra relação jurídica definida pelo mesmo contrato, imposição de dever à outra parte. É por isso que, segundo alguns autores, a maior utilidade dessa distinção reside na sustentação de aplicabilidade da exceção de contrato não cumprido, sendo a bilateralidade do instrumento um requisito naturalmente essencial de sua aplicação11. V- CONTRATOS SINALAGMÁTICOS Derivação específica da distinção anterior, ser sinalagmático indica um contrato com obrigações correlatas, o qual necessariamente inclui a interdependência recíproca das prestações, no qual à prestação corresponde necessariamente uma contraprestação, tendo ambas as partes deveres e direitos. Mas esse fato não destitui a bilateralidade contratual e permite aplicação da exceptio, ou seja, não existe impedimento para que uma parte tenha maior número de direitos que a outra. Somente no caso de contratos bilaterais a exceção do contrato não cumprido pode ser aplicada, segundo o Código Civil, em seu artigo 476. A aplicação aos contratos unilaterais fica, dessa maneira, excluída, BEVILÁQUA, Clovis. Direito das Obrigações. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1936. p. 188. 11 TARTUCE, Flávio. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. 5.ed. São Paulo: Ed. Método, 2006. pelo fato de que nestes não há contraprestação para uma das partes. Por esse motivo, o inadimplemento não poderia se fundar em eventual descumprimento. A reciprocidade caracteriza-se pela interdependência funcional entre as mesmas pessoas, e não deve ser confundida com a multiplicidade ocasional de diversos débitos e créditos entre estas. VI - ORDEM NA EXECUÇÃO DAS PRESTAÇÕES A aplicação do referido princípio ocorre nos contratos bilaterais com prestações simultâneas, mas, como menciona Rafael Villar Gagliardi12, “nada impede a sua extensão àqueles contratos bilaterais em que, por força da lei, do contrato, da natureza da obrigação ou dos usos e costumes, haja uma ordem para execução das prestações. Estamos nos referindo então às prestações escalonadas”. A exceptio non adimpleti contractus também pode ser invocada nos contratos de execução continuada, em que após a extinção de uma prestação surge outra, de forma sucessiva, até a extinção do contrato. Como exemplo, podemos citar os contratos de locação, em que os compromissos mensais se sucedem. Ressalte-se que doe necessário o prévio descumprimento da obrigação para ensejar o uso da exceptio non adimpleti contractus. Assim, não pode ser meio de defesa para prestação futura, como em consórcios ou financiamentos de veículos, uma vez que, em princípio, também não há espaço para o exercício em caso de não ocorrência de simultaneidade entre as prestações. Nesse diapasão, leciona Silvio de Salvo Venosa: “Note que esse meio de defesa só pode ser validamente oposto se as prestações são simultaneamente exigíveis. Uma prestação futura, ainda não exercitável e inexigível dentro do contrato, não lhe pode servir de base de defesa, isto é, de parali- 10 12 GAGLIARDI, Rafael Villar. Exceção de contrato não cumprido. São Paulo: Saraiva, 2010. 34 07511 miolo.indd 34 04/05/12 11:41 sação de cumprimento do contrato pela parte cuja obrigação já esteja vencida e exigível. Destarte, só podemos opor essa defesa quando a lei ou o contrato não disser a quem cabe cumprir primeiramente a obrigação”13. Pacificado é tal entendimento, na medida em que cada um dos contraentes é simultaneamente credor e devedor do outro, uma vez que as respectivas obrigações têm por causa a do outro contratante e, assim, a existência de uma é subordinada e correlata à da outra parte. Quando for estabelecida a sucessividade do adimplemento, o contratante que detiver o direito de realizar por último a prestação pode postergá-la, enquanto o outro contratante não cumprir sua própria obrigação. Nessa perspectiva, ensina Washington de Barros Monteiro que “a exceção non adimpleti contractus só pode ser arguida com propriedade quando as prestações são contemporâneas (trait pour trait). Nesse caso, cada contratante pode recusar a sua prestação, enquanto o outro não faz a própria, ou não se prontifica a efetuá-la. Quando as prestações não são simultâneas, realizáveis a um só tempo, mas sucessivas, não pode ser invocada a exceção pela parte a que caiba o primeiro passo, a iniciativa do implemento”14. Exceção a essa regra é prevista no artigo 477 do Código Civil Brasileiro: “Se depois de concluído o contrato sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio, capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011. 14 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Obrigações. 2. parte. 5. v. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 13 pela qual se obrigou, pode a parte, a quem incumbe fazer a prestação em primeiro lugar, recusar-se a esta, até que a outra satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.” Isso significa dizer que a parte insegura do adimplemento contratual da outra poderá requerer o cumprimento antecipado das prestações ou, ao menos, a sua garantia por caução ou fiança, sob pena de rescisão do vínculo. Trata-se de uma hipótese de se opor o instituto da exceptio antes de haver o efetivo descumprimento da obrigação por um dos contratantes, tendo como base a possibilidade real e séria de ocorrer o inadimplemento. VII - EXCEÇÃO DE CONTRATO CUMPRIDO INSATISFATORIAMENTE Por outro lado, o contratante que estiver diante de um cumprimento parcial ou insatisfatório de uma obrigação, poderá invocar a exceptio non rite adimpleti contractus. Também a existência de vício redibitório pode ensejar a oposição dessa exceptio. A respeito do tema, esclarece Miguel Maria de Serpa Lopes que, na exceptio non rite adimpleti contractus, “não mais se cogita de uma execução tardia, senão de uma prestação que se executa mal, com deficiências, seja porque a coisa que lhe forma o objeto se encontra contaminada de um vício prejudicial à sua utilização econômica ou seja pela razão de não se encontrar em conformidade com os termos previstos no contrato ... a exceptio non rite adimpleti contractus não passa de uma outra face do instituto da exceptio non adimpleti contractus, do qual substancialmente não difere, considerando-se o alargamento que a Doutrina e a Jurisprudência tem introduzido”. [Exceções substanciais : exceção de contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus), Rio de Janeiro-São Paulo : Freitas Bastos, 1959, p. 284, nº 65, e 296 a 304, nº 69] 35 07511 miolo.indd 35 04/05/12 11:41 artigo “Deve existir uma tolerância mínima entre os contratantes, principalmente quando o defeito for de escassa importância no conjunto do contrato.” Como exemplifica Álvaro Villaça Azevedo, uma empreiteira que “tenha descumprido sua obrigação de bem construir, mostrando-se seu serviço com defeitos ou irregularidades, ainda que entregue a obra, responderá perante o proprietário desta, que poderá suspender, por exemplo, o pagamento do saldo devedor, relativo à remuneração do serviço. Nesse caso, não foi cumprida convenientemente a obrigação”. [Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos, cit., p. 73] Igualmente, o caso de uma consumidora que adquiriu, em uma concessionária de São Paulo, um carro zero quilômetro “com peças enferrujadas” ilustra bem um contrato de cumprimento insatisfatório. Reclama a consumidora de que, ainda antes de pagar a segunda prestação, se deu conta de que adquirira um veículo tido como novo “com peças enferrujadas em estado tão avançado que mais parecem terem saído de um ferro velho e não da linha de produção de uma fábrica”. Nesse caso, pode ser arguida a exceptio sob cogitação, aplicada nos casos de cumprimento parcial, defeituoso ou incompleto da prestação contratual. Segundo esse princípio, a parte lesada, no caso a consumidora, poderá recusar-se a cumprir a sua obrigação de pagamento, até que a outra parte cumpra a obrigação de reparar o veículo sanando o defeito. Esclarece Silvio Venosa que “o descumprimento de uma obrigação (e como descumprimento englobamos todas as formas de mau cumprimento ou de ausência de cumprimento, inadimplemento) gera uma verdadeira crise na avença, no contrato, que o direito procura resolver da melhor maneira possível”15. No exemplo mencionado, consumidora e montadora mantêm-se em litígio. Entretanto, receosa de que seu nome seja inscrito em órgãos restritivos de crédito, como Serasa e SPC, a consumidora, sem apoio jurídico e mesmo sem poder fazer uso do veículo, mantém regularmente o pagamento das referidas prestações. Com efeito, se orientada, a consumidora saberia que, de acordo com a jurisprudência majoritária, estaria amparada pela exceptio non rite adimpleti contractus, sendo indevida a negativação do seu nome em tais órgãos de proteção ao crédito. Outro exemplo emblemático do cumprimento inexato de uma obrigação têm sido os contratos de compra e venda de imóveis “na planta”. São Paulo vive um boom imobiliário sem precedentes. Na mesma medida, cresce o número de conflitos na Justiça entre consumidores e construtoras diante do não cumprimento de requisitos previstos no contrato, especialmente quando ocorre a entrega de imóvel com acabamento incompleto ou com layout ou características diversas das que foram solicitadas e aprovadas previamente. Nesse caso, o consumidor pode valer-se da exceptio non rite adimpleti contractus e suspender o pagamento até que seja regularizada a situação. É importante ressaltar que deve existir uma tolerância mínima entre os contratantes, principalmente quando o defeito de execução da prestação for de es- 15 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 11.ed. São Paulo: Atlas, 2011. 36 07511 miolo.indd 36 04/05/12 11:41 cassa importância no conjunto do contrato. A proporcionalidade deve ocorrer à luz do princípio da boa-fé, pelo fato de “não ser justo suspender prestações de vulto por contraprestações inexpressivas ou de escassa relevância”, como pondera Orlando Gomes 16. VIII - O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR O CDC conferiu ao consumidor um importante status de proteção, porém, a equidade encontra-se na base do instituto sob cogitação, pois preserva a idéia de justiça e tratamento isonômico para fornecedor e consumidor. Ensina Silvio de Salvo Venosa17 “que o fundamento do princípio da exceptio non adimpleti contractus repousa no justo equilíbrio das partes no cumprimento do contrato, fundamentalmente em razão da equidade. É uma aplicação do princípio da boa-fé que deve reger os contratos”. No que tange à aplicabilidade do princípio, é cristalina, portanto, a afirmação de que ela pode ser invocada por qualquer das partes contratantes, seja consumidor ou fornecedor. Evidência dessa equidade são os casos de não pagamento, por parte do consumidor, de serviços considerados essenciais, como telecomunicações, fornecimento de energia elétrica e serviço de água e esgoto. Ante a falta de pagamento, efetivamente comprovada, a contratada reserva-se o direito da interrupção de tais serviços dentro de determinadas condições. Nesse sentido, merece destaque decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo : “É certo que os serviços essenciais devem ser prestados de forma continuada, sob pena de violação do art. 22, ‘caput’, do Código de Defesa do Consumidor. Não há que se falar em vinculação desse dispositivo le- “É cristalina a afirmação de que a aplicabilidade do princípio pode ser invocada por qualquer das partes contratantes.” gal à efetiva remuneração pelos serviços prestados, sob pena de negativa de vigência não só do já referido artigo 22, ‘caput’ {‘os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos’}, mas também ao artigo 42, do Código de Defesa do Consumidor ‘que não permite, na cobrança de débitos, que o devedor seja exposto ao ridículo, nem que seja submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça’ ... No entanto, também é dever do Estado além de preservar a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal), preservar o interesse da comunidade como um todo e o inadimplemento injustificado do particular pode contribuir para a deficiência dos serviços públicos. Nessas condições, entende-se como lícita a suspensão de serviços de fornecimento de água, uma vez caracterizado o inadimplemento e com prévia comunicação acerca da possibilidade da interrupção dos serviços, no caso de permanência da situação de inadimplemento”.[25ª Câmara de Direito Privado-D, Apelação GOMES, Orlando. Contratos. 12. ed. São Paulo: Ed. Forense, 1990. 17 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011. 16 nº 992.05.141761-7, Relator Desembargador Edson Luiz de Queiroz] Nessa perspectiva, a exceção do contrato não cumprido tem como finalidade proteger o contratan- 37 07511 miolo.indd 37 04/05/12 11:41 artigo te, consumidor ou fornecedor não inadimplente, que está sendo demandado pelo contratante inadimplente para cumprimento da obrigação avençada. Como visto, o princípio exceptio non adimpleti contractus trouxe mais força para o chamado consumidor “hipossuficiente” e na equalização das obrigações das partes, quando as mesmas apresentam distinções de tal monta e forma que um possa parecer muito mais forte do que o outro. IX - LIMITAÇÕES À APLICAÇÃO DA EXCEPTIO: Os contratos de prestação de serviços públicos celebrados entre empresas concessionárias, permissionárias e particulares é um tema de grande relevância na sociedade, especialmente em situações de suspensão de tais serviços, e a consequente obrigação de pagamento, utilizando-se, então, a exceptio non adimpleti contractus. Não existe, em nossa doutrina, um conceito uniforme para entender serviço público. Odete Medauar18 define: serviço público é a atividade de prestação de serviços, exercida pelo poder público ou por seus delegados (concessão ou permissão), para atender às necessidades mais imediatas da população, por exemplo, fornecimento de água tratada, energia elétrica, transporte urbano etc. Já Marcio Pestana19 entende por “serviço público a atividade prestada pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, submetido a regime de Direito Público, que tenha o objetivo de oferecer utilidades e proporcionar comodidade aos administrados, em conformidade com os valores coletivos alojados no ordenamento jurídico”. Nesse contexto, a aplicação da exceptio non adimpleti contractus pode sofrer limitação, tendo em vista MADAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 19 PESTANA, Marcio. Direito administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. 18 o princípio da continuidade do serviço público, segundo o qual este não pode parar, porque os anseios da coletividade também não param. Assim exprime o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código”. Como elucida Carvalho Filho20, “Na verdade, o princípio em foco guarda estreita pertinência com o princípio da supremacia do interesse público. Em ambos se pretende que a coletividade não sofra prejuízos em razão de eventual realce a interesses particulares.” O princípio da continuidade não significa que a atividade tenha que ser sempre ininterrupta, sem intermitência, mas, sim, que seja regular, ou seja, de acordo com a própria natureza ou forma da prestação. Referido dispositivo legal faz menção também aos serviços públicos essenciais e, conforme ensina Antônio Herman Benjamin21, “O Código não disse o que entendia por serviços essenciais. Essencialidade, pelo menos neste ponto há que ser interpretada em seu sentido vulgar, significando todo serviço público indis- CARVALHO, José dos Santos Filho. Manual de direito Administrativo. 17.ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2007. 21 BENJAMIN, Antônio Herman V.; Claudia Lima Marques; Bruno Miragem. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. 20 38 07511 miolo.indd 38 04/05/12 11:41 pensável à vida em comunidade, ou melhor, em uma continuidade (art. 6º, X,c/c art. 22 do CDC), frente ao sociedade de consumo. Incluem-se aí não só os servi- consumidor-pessoa física, tendo em vista a sua “digços públicos stricto sensu (os de polícia, os de prote- nidade” como pessoa humana (art.5º, XXXII, c/c art.1º, ção, os de saúde), mas ainda os serviços de utilidade III, da CF/1988 c/c art. 2º do CDC), só pode ser possível pública (os de transporte coletivo, os de energia elétri- excepcionalmente e quando não é forma de cobrança ca, os de gás, os de telefone, os de correio)...” ou constrangimento, mas sim reflexo de uma decisão Ressalte-se que a possibilidade ou não de corte ou judicial ou do fim não abusivo do vínculo”. suspensão do fornecimento de serviços públicos esAssevera o Ministro Herman Benjamin que “a senciais, prestados pelo Estado para a população, é principio, não é admissível que se conceda a uma das um dos temas mais polêmicos do Código de Defesa do partes o direito de cobrar os valores alegadamente Consumidor e uma questão muito devidos e não pagos diretamente, controvertida na doutrina e na jusem a intervenção do Judiciário. risprudência. Também não é admissível que Assim, temos duas correntes: apenas uma das partes tenha o “ A possibilidade ou os que são a favor da suspensão direito de executar o contrato não do serviço público defendem que cumprido. É imprescindível obnão de corte ou o inadimplemento do usuário servância ao devido processo lesuspensão do traria prejuízos ao fornecedor de gal, contraditório e ampla defesa, fornecimento de serviços, que não pode ser comsob pena de violação do contido no serviços públicos pelido a prestar o serviço gratuiart. 5º, incisos XXXV, LIII, e LV da essenciais é um tamente; e temos, por sua vez, os Constituição Federal”. (REsp nº dos temas mais que são contra a suspensão dos 313.606/AL) polêmicos do CDC.” serviços públicos essenciais, os No entanto, devemos sempre quais defendem que são serviços levar em conta o caso concreto, imprescindíveis à sobrevivência pois é dever do Estado preservar a do ser humano. dignidade da pessoa humana, mas A Lei nº 8.987/1995, que trata também preservar o interesse da da concessão e permissão de serviços públicos, per- coletividade como um todo, e os inadimplementos inmite a interrupção de seu fornecimento, no caso de justificados do usuário podem resultar na deficiência inadimplência do usuário. Por outro lado, o Código de dos serviços públicos. Assim como também devemos Defesa do Consumidor determina que os serviços pú- analisar se o inadimplemento provém de uma pessoa blicos essenciais devam ser prestados de forma con- jurídica poderosa, de uma empresa que necessita do tínua. serviço essencial como insumo ou de uma pessoa físi22 Como ressalta Claudia Lima Marques : “o corte ou ca muito pobre e desempregada. suspensão do serviço essencial, face ao principio da É importante ressaltar que o contrato firmado entre o fornecedor de serviços públicos e o usuário é 22 MARQUES, Claudia Lima; Antônio Herman V. Benjamin; sinalagmático; assim, o contratante só poderá exigir Bruno Miragem. Comentários ao Código de Defesa do a continuidade da prestação que cabe ao contratado Consumidor. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editoquando estiver cumprindo regularmente a sua obrira Revista dos Tribunais, 2010. 39 07511 miolo.indd 39 04/05/12 11:41 artigo que necessita da energia para insumo, tampouco de “A jurisprudência predominante vem decidindo que o corte do serviço não pode ocorrer de maneira indiscriminada, prejudicando a população.” pessoas jurídicas portentosas, mas de uma pessoa física miserável e desempregada, de sorte que a ótica tem que ser outra. Como afirmou o Ministro Francisco Peçanha Martins noutra ocasião, temos que enunciar o direito aplicável ao caso concreto, não o direito em tese. Forçoso, distinguir, em primeiro lugar, o inadimplemento perpetrado por uma pessoa jurídica portentosa e aquele inerente a uma pessoa física que está vivendo no limite da sobrevivência biológica ... Em segundo lugar, a Lei de Concessões estabelece que é possível o corte con- gação. No entanto, a jurisprudência predominante vem decidindo que o corte do serviço não pode ocorrer de maneira indiscriminada, prejudicando e mesmo colocando em perigo a população, como em hospitais, pronto-socorros, creches e escolas. A respeito desse tema, merece destaque decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, de conteúdo abrangente, como se verifica na ementa : “ADMINISTRATIVO. CORTE DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INADIMPLÊNCIA DO CONSUMIDOR. LEGALIDADE ... A 1ª Seção, no julgamento do RESP nº 363.943/MG, assentou o entendimento de que é lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica, se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta (Lei 8.987/95, art. 6º, § 3º, II) ... Não obstante, ressalvo o entendimento de que o corte do fornecimento de serviços essenciais - água e energia elétrica - como siderado o interesse da coletividade, que significa interditar o corte de energia de um hospital ou de uma universidade, bem como o de uma pessoa que não possui condições financeiras para pagar conta de luz de valor módico, máxime quando a concessionária tem os meios jurídicos legais da ação de cobrança. A responsabilidade patrimonial no direito brasileiro incide sobre o patrimônio do devedor e, neste caso, está incidindo sobre a própria pessoa ... Outrossim, é voz corrente que o ‘interesse da coletividade’ refere-se aos municípios, às universidades, hospitais, onde se atingem interesses plurissubjetivos ... Destarte, mister analisar que as empresas concessionárias ressalvam evidentemente um percentual de inadimplemento na sua avaliação de perdas, e os fatos notórios não dependem de prova (notoria nom egent probationem), por isso que a empresa recebe mais do que experimenta inadimplementos ... Esses fatos conduzem a conclusão contrária à possibilidade de corte do fornecimento forma de compelir o usuário ao pagamento de ta- de serviços essenciais de pessoa física em situação rifa ou multa, extrapola os limites da legalidade e de miserabilidade, em contra-partida ao corte de afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade pessoa jurídica portentosa, que pode pagar e pro- humana, porquanto o cidadão se utiliza dos servi- tela a prestação da sua obrigação, aproveitando-se ços públicos posto essenciais para a sua vida, cur- dos meios judiciais cabíveis” (REsp nº 604.364/CE, vo-me ao posicionamento majoritário da Seção ... In Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, j. 18/05/2004, in DJ casu, o litígio não gravita em torno de uma empresa 21/06/2004, p. 175). 40 07511 miolo.indd 40 04/05/12 11:41 Podemos extrair que os consumidores devem Consumidor e do Código Civil brasileiro, ambos inter a continuidade da prestação dos serviços pú- corporando a nova teoria contratual. blicos considerados essenciais, cujo fornecimento As normas do CDC vêm orientar a conduta das não pode ser interrompido como forma de sanção, partes na relação contratual de consumo, buscando pressão, constrangimento ou exposição ao ridículo, mais transparência, lealdade e segurança, aparando para compelir o usuário ao pagamento de débitos. arestas e gerando mais equilíbrio na relação entre Porém, é admitida a suspensão do serviço pú- fornecedor e consumidor. Instaurado doze anos após blico essencial após inadimplência reiterada do a entrada em vigor do CDC, o Código Civil, por sua usuário, mesmo tendo sido comunicado e alertado vez, veio corroborar alguns princípios já estabelecida possibilidade de corte do fordos pela legislação consumerista. necimento, desde que o usuário Após sua promulgação e entrada não seja prestador de serviços em vigor, os paradigmas do Ditambém considerados essenreito Contratual foram renovados ciais (públicos ou particulares) pela interpretação principioló“ Um contrato nasce ou pessoa física em situação de gica, sob o influxo especialmenpara ser cumprido. Se miserabilidade. te da função social do contrato, uma parte não cumpre Quando possível e lícita, nas da boa-fé objetiva e do equilíbrio sua obrigação, não é circunstâncias acima mencioeconômico contratual. Na prática, nadas, a suspensão do serviço é são notórios os benefícios dessa correto exigir que a uma forma de aplicação da exaproximação entre o Código Civil parte em desvantagem ceptio non adimpleti contractus, e o Código de Defesa do Consucumpra sua.” já que o fornecimento do servimidor, no zelo pelo cumprimento ço é retomado quando o usuário das obrigações previstas em concumpre a sua obrigação, liquitratos de relações quase sempre dando suas pendências financeiconflituosas de consumo. ras junto ao fornecedor. Entre os instrumentos que ajudam a preservar os interesses das partes e a equiX - CONCLUSÃO dade, em caso de conflitos na relação contratual, desA atual sociedade de consumo massificada, e a tacamos neste artigo o papel da exceção do contrato velocidade com que são feitas essas transações, não cumprido, defesa legal invocada pela parte que tem tornado mais complexos os contratos firmados se sente lesada com o não cumprimento ou o cumentre fornecedores e consumidores. O alto núme- primento parcial ou insatisfatório da obrigação pela ro de ações que lotam os tribunais evidencia a as- outra parte contratante. Consagra esse princípio que simetria que ainda caracteriza essas relações e a um contrato nasce para ser cumprido e da forma coninsatisfação com contratos não cumpridos, seja por vencionada, e se uma parte não cumpre sua obrigaparte do contratante, seja por parte do contratado. ção, a cumpre parcial ou insatisfatoriamente, ou ainda Diante da busca do equilíbrio contratual e da equi- de forma defeituosa, não é correto exigir que a parte dade dessas relações jurídicas, é inegável a impor- em desvantagem, por essa inexecução ou execução a tância do papel normativo do Código de Defesa do desejar, cumpra a sua obrigação. 41 07511 miolo.indd 41 04/05/12 11:41 artigo O art. 306 do CTB no PLS nº 48/2011: da “Lei Não Tão Seca” à “Tolerância Zero” com “Culpa Alcoólica” 1. Introdução Em sua redação original o art. 306, caput, do Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/97), assim dispunha: “Conduzir veículo automotor, na via pública, sob influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem” (negritei). As penas cominadas eram: detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Impulsionado pelas elevadas cifras de mortos e lesionados em acidentes de trânsito envolvendo embriaguez ao volante, a pretexto de endurecer a resposta penal para tais situações típicas, em 19 de junho de 2008 o legislador brindou a população brasileira com a Lei 11.705, que entre outras alterações impostas ao Código de Trânsito modificou seu art. 306, que a partir de então passou a ter a seguinte redação no caput: “Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”. Não houve qualquer alteração em relação às penas cominadas. A modificação foi desastrosa e de efeito retroativo, bem ao contrário do propalado. Na mão diametralmente inversa da que se disse pretender com aquela que se convencionou denominar “Lei Seca”, as consequências de tal opção política irrefletida e irresponsável ainda são sentidas pela população já há algum tempo alarmada com as estatísticas negativas que só fazem crescer. No ano de 2010 foram cerca de 40.000 (quarenta mil) mortes em acidentes de trânsito no Brasil. O maior problema determinado pela Lei 11.705/2008 foi a quantificação que optou por regular. Na medida em que o art. 306 passou a exigir a presença de concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, tecnicamente também passou a exigir prova pericial de tal volume de álcool, pois qualquer quantia inferior é insuficiente à configuração do crime, e só 42 07511 miolo.indd 42 04/05/12 11:41 Renato Marcão Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito. Professor convidado no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes e em diversas Escolas do Ministério Público e da Magistratura. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP). Autor dos livros: Tóxicos (Saraiva); Curso de Execução Penal (Saraiva), Estatuto do Desarmamento (Saraiva), Crimes de Trânsito (Saraiva); Crimes contra a Dignidade Sexual (Saraiva); Prisões Cautelares, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Restritivas (Saraiva), dentre outros. é possível afirmar a quantidade se houver apuração técnica; pericial. Calha lembrar que o art. 158 do CPP diz que se a infração penal deixar vestígios o exame de corpo de delito será imprescindível para a prova da materialidade delitiva, não podendo supri-lo nem mesmo a confissão do acusado, sendo esta regra de inteira aplicação em relação ao crime do art. 306. Em outras palavras, antes bastava a prova indireta; “de olho”; o exame clínico; a prova testemunhal, mas com a mudança a lei passou a exigir prova técnica, de impossível obtenção sem a anuência do infrator. Sabido que ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo (art. 8º, II, g, da Convenção Americana de Direitos Humanos; art. 5º, LXIII, CF), a colheita do material probatório, nestes termos, depende única e exclusivamente da “boa vontade” do condutor a quem se imputa a prática delitiva. Vale dizer: se ele não permitir a colheita de material que saia de seu corpo: sangue ou urina, v.g., e se ele não concordar em “soprar no bafômetro” para a colheita de ar alveolar que permita exame pericial de alcoolemia, não poderá ser instaurada ação penal e, é claro, não haverá condenação. A respeito deste tema já anotamos em nosso livro Crimes de Trânsito (Saraiva, 3. ed., 2011), que se a pretensão do legislador era outra, deveria conhecer melhor o sistema jurídico-normativo. É preciso ressaltar, ainda, que nos termos da redação originária o artigo 306 do CTB exigia para sua configuração a existência de prova de um conduzir anormal, capaz de gerar perigo concreto, mas com a Lei 11.705/2008 o crime passou a ser de perigo abstrato; presumido, por isso desnecessária a prova de que tenha demonstrado, com manobras impróprias e perigosas, seu estado etílico. Neste sentido: STF, HC 109.269/MG, 2ª T., rel. Min. Ricardo Lewandowsky, j. 27-9-2011. 2. O PLS 48/2011 Novamente impulsionado pela mídia, agora 43 07511 miolo.indd 43 04/05/12 11:41 artigo “Antes, bastava a prova indireta; “de olho”; o exame clínico; a prova testemunhal, mas a lei passou a exigir prova técnica.”” com algum acerto, o Senado Federal aprovou no dia 9 de novembro de 2011, em decisão terminativa, o PLS 48/2011, de autoria do Senador Ricardo Ferraço, com vistas a instituir novas mudanças no art. 306 do CTB. Falta agora a aprovação pela Câmara, e depois sanção ou veto presidencial. Se convertido em lei teremos novas e profundas alterações em relação ao tema embriaguez ao volante e suas repercussões. Sairemos da “Lei Seca”, nem tão seca assim, para a “Lei de Tolerância Zero”. Segundo consta da ementa e de sua explicação, referido Projeto “Altera o art. 306 da Lei n 9.503, de 30 de setembro de 1997 - o Código Brasileiro de Trânsito, para tornar crime a condução de veículo automotor sob a influência de qualquer concentração de álcool ou substância psicoativa. Acrescenta parágrafos ao art. 306 da Lei nº 9.503/1997 para qualificar a conduta de conduzir veículo automotor, sob a influência de álcool ou substância psicoativa quando resultar lesão corporal ou morte; estabelece como majorantes da pena a condução de veículo sem possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação, ou com Permissão diferente da do veículo que esteja conduzindo, nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque de desembarque de passageiros ou onde haja grande concentração de pessoas, transportando menor, idoso, gestante ou pessoa, no exercício da profissão ou estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros ou cargas, em rodovias, gerando perigo de dano; dispõe que a caracterização do crime tipificado neste artigo poderá ser obtida mediante meios que permitam certificar o estado do condutor, inclusive prova testemunhal, imagens, vídeos ou outras provas em direito admitidas” (http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=99154). Passemos à análise de algumas dentre as modificações propostas. 3. Art. 306, caput Mantidas as penas exatamente como atualmente se encontram cominadas, pela proposta legislativa que ora analisamos o art. 306, caput, do CTB, passará a ter a seguinte redação: “Art. 306. Conduzir veículo automotor sob influência de álcool ou substância psicoativa que determine dependência” (negritei). O dispositivo vigente só pune a condução de veículo na via pública, e sendo assim, se a condução em estado de embriaguez ocorrer em propriedade particular não restará configurado o crime na modalidade tratada. A primeira modificação significativa – e positiva - reside no fato de que a proposta não faz referência a qualquer local - público ou privado – em que possa ocorrer o crime. Não restringe a possibilidade de punição, ao contrário, amplia. A alteração mais importante, entretanto, está na retirada da quantificação imposta com a Lei 11.705/2008. Pela proposta não mais se exige concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou qualquer outro volume. Para a configuração do crime, portanto, será suficiente que se faça qualquer tipo de prova, 44 07511 miolo.indd 44 04/05/12 11:41 pericial ou não, conforme, aliás, aponta indevi4. Formas qualificadas e aumento de pena da e desnecessariamente o § 6º do mesmo art. Outras inovações pretendidas com o PLS 306 que assim dispõe: “A caracterização do cri- 48/2011 estão dispostas em seus §§ 1º, 2º, 3º e 4º, me tipificado neste artigo poderá ser obtida: I - que criam formas qualificadas pelo resultado. mediante testes de alcoolemia, exames clínicos, Na dicção do § 1º do art. 306, se da conduta perícia ou outros meios que, técnica ou cientifica- resultar lesão corporal leve, aplica-se a pena de mente, permitam certificar o estado do condutor; detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. II - mediante prova testemunhal, imagens, vídeos Conforme o § 2º, se resultar lesão corporal de ou a produção de quaisquer outras provas em di- natureza grave, a pena passa a ser de reclusão, de reito admitidas”. 3 (três) a 8 (oito) anos. A previsão é inadequada visSe resultar lesão corporal to que se refere a matéria progravíssima a pena pretendida cessual penal, e mesmo que é de reclusão, de 6 (seis) a 12 suprimido o § 6º, providência (doze) anos (§ 3º). “Conduzir veículo que recomendamos, a redação Se resultar morte a pena automotor do art. 306, caput, nos termos cominada passará a ser de 8 em que lavrada, já permite a (oito) a 16 (dezesseis) anos, nos embriagado, em demonstração da infração por moldes do § 4º. local público ou “todos os meios de provas em Em qualquer das hipóteprivado, fará direito admitidas”, independenses acima tratadas, aplica-se configurar o crime temente de qualquer ressalva cumulativamente multa e susdo art. 306, caput, na lei. pensão ou proibição de se obdo CTB.” O excesso, entretanto, nester permissão ou a habilitação te particular não compromete o para dirigir veículo automotor. PLS. As penas poderão ser auHá mais. mentadas de 1/3 (um terço) a ½ Nos termos da redação que (metade) nas seguintes situase discute, o crime do art. 306 continuará de pe- ções listadas no § 5º: I - sem possuir Permissão rigo abstrato; presumido, e por isso não será ne- para Dirigir ou Carteira de Habilitação ou, ainda, cessário um conduzir anormal para que se tenha se suspenso ou cassado o direito de dirigir; II - com por configurado. Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação Em síntese: o conduzir veículo automotor em- de categoria diferente da do veículo que estebriagado, em local público ou privado, fará confi- ja conduzindo; III - nas proximidades de escolas, gurar o crime do art. 306, caput, do CTB; para a hospitais, estações de embarque e desembarque consumação não exigirá a demonstração de que de passageiros, ou onde haja grande movimentatenha ocorrido prática de manobras arriscadas; ção ou concentração de pessoas; IV - transportanperigosas; condução anormal, e a prova da em- do menor, idoso, gestante ou pessoa que tenha seu briaguez poderá ser feita por qualquer meio juridi- discernimento reduzido; V - no exercício de sua camente admitido: testemunhal, inclusive. profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo 45 07511 miolo.indd 45 04/05/12 11:41 artigo de transporte de passageiros ou cargas; VI - em ção, poderia ser evitado’” (TACrimSP, Ap. 10.334, veículos que exijam Carteira de Habilitação na ca- 1ª Câm., rel. juiz Rezende Junqueira, j. 22-1-1969, tegoria C, D ou E; VII - em rodovias; VIII - gerando RT 415/242). perigo de dano. Pelo que consta do PLS 48/2011 a pretensão é O primeiro problema técnico a ser discutido que a embriaguez ao volante com resultado lesão decorre do inevitável confronto que se deve fazer corporal ou morte deixe de configurar os crimes entre as disposições contidas no art. 303 do CTB, culposos tipificados nos arts. 303 e 302, respectionde já há tipificação do crime de lesões corpo- vamente, e passe a ensejar punição por crime de rais culposas na direção de veículo automotor, e embriaguez ao volante com resultado agravado também com o art. 302, que regula o crime de ho- por lesão (leve, grave ou gravíssima) ou morte de micídio culposo de trânsito, visto que a causação terceiro. Teremos então crime preterdoloso: dolo involuntária de qualquer destes resultados – lesão no antecedente (embriaguez ao volante) e culpa no ou morte - configura consequente (lesão corculpa penal. poral ou morte). Calha lembrar que Para os demais ca“A pretensão é que a “na culpa, em sentido sos de culpa penal, tais embriaguez ao volante com estrito, a vontade não como cruzar sinal verresultado lesão corporal ou é propriamente dirimelho; imprimir velocimorte deixe de configurar os gida à produção do dade incompatível com evento proibido em o local e circunstâncias; crimes culposos tipificados lei” (Direito Penal; realizar manobra perinos arts. 303 e 302.” parte geral, trad. De gosa; não diligenciar no Paulo José da Cossentido de manter o veta Jr. e Ada Pellefrini ículo em condições seGrinover, com notas de Euclides Custódio da Sil- guras de tráfego etc., continuarão valendo os arts. veira, São Paulo, Saraiva, 1964, p. 266). 302 e 303. “O verdadeiro fundamento da culpa está na Se a questão envolver embriaguez a culpa peprevisibilidade, pois ela consiste na conduta vo- nal passa a ser tratada de maneira diversa – mais luntária que produz um resultado antijurídico severa – sem deixar, contudo, de ser tratada como não querido, mas previsível ou excepcionalmente resultado culposo. Sim, porque se for doloso, ainprevisto, de tal modo que, com a devida atenção, da que na modalidade de dolo eventual, a questão poderia ser evitado. A culpa, conforme a lição de escapa do Código de Trânsito e se desloca para o Carrara [Programa, § 80], é a omissão voluntária Código Penal, onde há, inclusive, previsão de cirde diligência no calcular as consequências possí- cunstância agravante para o caso de embriaguez veis e previsíveis do próprio fato; ou, como quer preordenada (CP, art. 61, II, l). Maggiore [Direito Penal, vol. 1, pág. 460], ‘conduta Se o agente estiver embriagado e utilizar dovoluntária que produz um resultado antijurídico losamente o veículo como instrumento para a não querido, mas previsível, ou, excepcionalmen- prática dolosa de lesões corporais ou homicídio a te previsto, de tal modo que, com a devida aten- questão ganhará repercussões que fogem do CTB. 46 congresso Em busca de punição mais severa é possível A privativa de liberdade que se pretende para que alguém sustente o contrário, de maneira a a hipótese de embriaguez ao volante com resultaafirmar que mesmo na hipótese de embriaguez ao do lesão corporal simples é de 1 (um) a 4 (quatro) volante da qual resulte lesão dolosa a questão deva anos de detenção (§ 1º do art. 306). ser resolvida pela tipificação do CTB, mas esse arOra, a pena cominada ao crime de lesão corpogumento não resiste à hipótese de resultado mais ral dolosa simples é de 3 (três) meses a 1 (um) ano grave; quando ocorrer morte dolosa de terceiro. (CP, art. 129, caput) e a prevista para a lesão corNinguém se atreveria a afirmar, em tal caso, poral culposa na direção de veículo automotor é de que este verdadeiro homicídio doloso não deva ser 6 (seis) meses a 2 (dois) anos (art. 303, CTB), e já objeto de imputação conforme o há aqui alguma impertinência. art. 121 do CP. A vingar o PLS 48/2011 tereSe esta conclusão vale para mos para o caso de lesão cula hipótese de resultado morte, posa simples, decorrente de também vale para os casos de embriaguez ao volante, pena lesões corporais, simples ou próxima àquela prevista para a “Sem excluir a não, praticadas dolosamente na lesão dolosa de natureza grapossibilidade de direção embriagada de veículo ve, que é de 1 (um) a 5 (cinco) imputação dolosa, automotor. anos de reclusão (CP, art. 129, a proposta aparta a Pelo que claramente se ob§ 1º). embriaguez da culpa serva, o PLS visa compartimenSe resultar lesão grave – tar a culpa penal. art. 306, § 2º - mesmo em se normal e passa a Sem excluir a possibilidade tratando de resultado atingido graduá-la.” de imputação dolosa, cuja confimediante culpa a pena míniguração sempre irá depender do ma será maior que a cominacaso concreto, a proposta aparta da para a hipótese de lesões a embriaguez da culpa normal e corporais dolosas gravíssimas passa a graduá-la; cria, em ver(CP, art. 129, § 2º). dade, uma “culpa alcoólica”, uma espécie de “culpa Se resultar lesão gravíssima (§ 3º do art. 306) plus ou sui generis”, de repercussões por vezes mais a pena mínima será igual à mínima do homicídio graves que o dolo, e que deverá habitar algum espa- simples doloso (CP, art. 121, caput), e a máxima ço imaginário entre a culpa tradicional (imprudência, igual à mínima do homicídio doloso qualificado negligência e imperícia) e o dolo eventual/dolo direto. (CP, art. 121, § 2º). Enquanto para o homicídio culposo na direção 4.1 Penas pretendidas para as formas de veículo automotor a privativa de liberdade coqualificadas minada é de 2 (dois) a 4 (quatro) anos de detenção, É preciso dizer que a sanha punitiva esbarra em o crime de embriaguez ao volante com resultado problema técnico grave – de natureza criminoló- morte – morte culposa e, portanto, também indegica -, e aqui nos referimos às penas cominadas sejada – passará a ser punido com reclusão de 8 para as formas qualificadas. (oito) a 16 (dezesseis) anos. 47 07511 miolo.indd 47 04/05/12 11:41 Merece destaque a seguinte aberração criminológica: a pena mínima cominada para a embriaguez ao volante com resultado morte culposo corresponde ao dobro da pena máxima cominada para o homicídio culposo na direção de veículo automotor (CTB, art. 302). No caso de homicídio culposo tipificado no art. 121, § 3º, do CP (exemplo: grave imperícia ou negligência médica; manuseio imprudente de arma de fogo seguido de disparo fatal), a pena é de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. Temos então o seguinte quadro em relação ao evento morte culposo: Art. 121, § 3º, CP: homicídio culposo. Art. 302 do CTB: homicídio culposo na direção de veículo automotor. Art. 306, § 4º, CTB: embriaguez ao volante com resultado culposo morte. Pena. Detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. Pena. Detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos. Pena. Reclusão, de 8 (oito) a 16 (dezesseis) anos. Some-se a isso a possibilidade de aumento de pena nas situações tratadas no § 5º do art. 306 proposto, inclusive quando a conduta “gerar perigo de dano” (inc. VIII), hipótese evidentemente inaplicável aos casos tratados nos §§ 1º a 4º, onde o dano efetivo integra a modalidade típica. Conforme a redação do PLS 48/2011, na forma fundamental e também em relação ao § 1º o crime de embriaguez ao volante continuará a permitir suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95), o mesmo não ocorrendo em relação às situações tratadas nos §§ 2º a 4º, haja vista as penas mínimas respectivamente cominadas. A pena de detenção pode ser cumprida em regime aberto ou semiaberto (art. 306, caput e § 1º), a de reclusão em regime aberto, semiaberto ou fechado (§§ 2º a 4º), tudo a depender da incidência das norteadoras dos arts. 33 e 59 do CP. Outro pecadilho é identificado no inc. IV do § 5º, onde se diz que a pena será aumentada quando o agente estiver transportando “menor”, idoso, gestante ou pessoa que tenha seu discernimento reduzido. Em respeito à técnica jurídica, o corre- to, aqui, seria referir-se à criança ou adolescente (ECA, Lei 8.069/90), e não ao menor. 5. Conclusão Lamentamos as mortes e as mutilações no trânsito e também apregoamos a necessidade de punição mais severa para os crimes relacionados. Não se desconhece a necessidade de aumentar o rigor punitivo em relação às terríveis consequências da embriaguez ao volante, e nesse passo revela-se saudável e tecnicamente correta a pretendida modificação do art. 306, caput, do CTB, conforme consta do PLS 48/2011. Por outro vértice, o exagero punitivo que vai distante de critérios criminológicos e fere o sistema não merece aplauso, até porque certamente irá encontrar resistência técnica na sua materialização, tumultuando a prática judiciária e causando insegurança jurídica na sociedade. Para não errar mais uma vez, exatamente no manuseio de tema tão preocupante, o legislador não pode, e não deve, desconsiderar critérios científicos e pautar suas proposições exclusivamente por influxos outros, apenas para agradar o eleitorado. 48 07511 miolo.indd 48 04/05/12 11:54 artigo Revogação da suspensão do processo após o período de prova Eudes Quintino de Oliveira Júnior O heroico Código de Processo Penal Brasileiro1, editado no governo de Getúlio Vargas, vem se arrastando ainda com muito esforço e pouco fôlego para sustentar as demandas processuais. O dinamismo da sociedade, as novas formas de delitos, os acúmulos procedimentais que sobrecarregam e emperram a Justiça anteveem a necessidade premente e imediata de atualização dos arcaicos preceitos que se apresentam com as páginas enrubescidas e sem qualquer sustentação na Carta Maior. É o momento para relembrar a conclusão de Bobbio que “o direito realiza a função de dirimir os conflitos de duas maneiras: com uma ação preventiva e com uma ação posterior, ou seja, tentando impedir que eles surjam ou então lhes pondo termo no caso de já terem surgido”.2 Reformas pontuais foram introduzidas paulatinamente procurando ajustar uma situação ou outra em razão da urgente necessidade de adaptação à realida- 1 2 Decreto-lei nº 3.689/1941 Bobbio, Norberto. O terceiro ausente: ensaios e discursos sobre a paz e a guerra. Tradução Daniela Beccaccia Versiani - Barueri/SP Manole, 2009, p. 161. de brasileira. Em razão do acúmulo de processos tornou-se inconcebível, a título de exemplo, uma infração contravencional disputar a mesma prioridade com um crime considerado de maior gravame social, ou como salienta o filósofo italiano já citado, o trabalho de perquirir um tapa desferido na criança desobediente vem a ter a mesma relevância do lançamento de uma bomba atômica que mata milhares de pessoas. Neste campo inóspito brotou a lei nº 9099/95, que trouxe profundas mudanças na conceituação processual penal, com a incumbência de abraçar os princípios da celeridade, simplicidade, oralidade e economia processual para buscar uma resposta judicial que seja mais adequada nos crimes de pequeno potencial lesivo, seguindo a parêmia dos romanos: de minimis non curat praetor. O processo criminal que antes era inflexível, cunhado por uma obrigatoriedade inquebrantável na ação pública, intransigente, reaparece com uma roupagem totalmente diferente, com ares de grife europeia. O Estado abre mão de seu jus puniendi, o autor da infração deixa de exercer seu jus deffensionis e ambos procuram o meio termo que satisfaça a pre- 49 07511 miolo.indd 49 04/05/12 11:41 artigo “Não é o período fechado de prova que irá ditar a regra a ser obedecida. Pode até ocorrer que no último dia o autor pratique conduta que recomende a revogação.” tensão penal do Estado e o ajustamento da conduta do infrator, sem aplicação de qualquer pena restritiva de liberdade, assim como a composição civil do dano em favor da vítima. O instituto da transação possibilita realizar tais tarefas. É o demonstrativo de uma Justiça Penal amadurecida que procura conscientizar o infrator de sua responsabilidade social e alinhá-lo na esteira do neminem laedere. Junto com a lei foi introduzida a figura da suspensão condicional do processo, que permite a aplicação do benefício tanto às infrações de menor potencial ofensivo, como para qualquer outra, desde que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano, obedecendo-se as outras exigências elencadas no artigo 89 da Lei. Aceita a suspensão pelo período que vai de dois a quatro anos, se não tiver o responsável penal dado causa à revogação do benefício, o juiz decretará a extinção da punibilidade (art. 89, § 5º). A pergunta que se ergue é saber se após o período de prova é possível revogar a benesse. O pensamento inicial era que, vencido o prazo, sem que o agente tivesse descumprido o acordo firmado com o Estado não poderia ser revogado, em razão da decretação da extinção da punibilidade. O Direito é a arte de interpretar a norma e buscar aproximá-la cada vez mais da realidade tendo como parâmetro padrões-gerais de condutas estabelecidas na linguagem vinculante (lei), que carece sempre de interpretação dos tribunais superiores para se atingir e aperfeiçoar seus propósitos. A lei não é uma determinação acabada e, a todo instante, de acordo com sua elasticidade, vem recebendo versões ampliativas ou restritivas. Assim, os tribunais, na lição de Hart, “desempenham uma função normativa que os órgãos administrativos também desempenham nuclearmente, ao elaborar padrões variáveis”.3 E com vista a encontrar uma interpretação que seja condizente com a vontade legislativa, o Superior Tribunal de Justiça, a respeito da questão indagada, em decisão apontada por Manzano,4 assim se expressou: “Esta Corte firmou entendimento no sentido de que o benefício da suspensão condicional do processo pode ser revogado após o período de prova, desde que os fatos que ensejaram a revogação tenham ocorrido antes do término deste período. Ordem indeferida” (HC 84.654/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJ de 1º.12.2006, p. 100). Hart, H.l.A. O conceito de direito.. Tradução Antonio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009, p. 176. 4 Manzano, Luiz Fernando de Moraes. Curso de Processo Penal – 2ª ed. – São Paulo: Atlas, 2012, p. 888. 3 50 07511 miolo.indd 50 04/05/12 11:41 Eudes Quintino de Oliveira Júnior Promotor de Justiça aposentado, mestre em direito público, doutor em ciências da saúde e reitor da Unorp. O Plenário do Supremo Tribunal Federal5 lançou a última pá de cal sobre o assunto e reafirmou que a suspensão do benefício processual pode ser revogada mesmo após o período de prova, desde que os fatos autorizadores estejam contidos no período probatório. Não é o período fechado de prova, delimitado por um lapso temporal que irá ditar a regra a ser obedecida. Tanto é que pode até ocorrer que no último dia do prazo probatório, o autor venha a praticar conduta que recomende a revogação, fato que impede a decretação da extinção da punibilidade no dia seguinte e recomenda que se aguarde as informações solicitadas a respeito do cumprimento das condições do “sursis antecipado”. Também analisando a mesma lei e dando a ela o perfil adequado, o STF, no RExtr. 602.072/RS, por meio da questão de ordem número 238, reconheceu 5 AP 512 AgR/BA, rel. Min. Ayres Britto, 15.3.2012. a repercussão geral, bem como reafirmou a jurisprudência daquela Corte no sentindo da propositura de ação penal quando descumpridas as cláusulas estabelecidas em transação penal. Para o Relator, Ministro Peluso, o acordo homologado não constitui coisa julgada material e, uma vez descumpridas suas condições, retoma-se o status quo ante, o que autoriza o Ministério Público oferecer a exordial acusatória, sem que haja violação à ampla defesa e ao contraditório. Aliás, afirma o respeitado Ministro que o oferecimento de denúncia, em verdade, possibilita ao réu a efetiva oportunidade de realizar a sua ampla defesa, com todos os direitos a ela inerentes. Assim, tendo em vista que o STF entende ser possível o oferecimento de denúncia em caso de descumprimento de obrigação estabelecida na transação penal, pela mesma interpretação se entende que o benefício da suspensão condicional do processo pode ser revogado mesmo após o período de prova. Outra não pode ser a posição adotada pelos Tribunais e 51 07511 miolo.indd 51 04/05/12 11:41 “A lei 9099/95 não é uma carta de alforria concedida aos infratores. É de se lastimar o conceito que a lei ganhou entre os operadores do direito.” pela primeira instância. Na aplicação da lei, a jurisdição deve realizar um trabalho interpretativo prévio das normas jurídicas questionadas, visando buscar um entendimento que seja coerente e razoável com as exigências sociais. Como bem salienta Reale, por jurisprudência deve se entender a “forma de revelação do direito que se processa através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais”.6 As referidas decisões jurisprudenciais, produzidas em oportuno momento, fazem ver que a lei nº 9099/95 não é exclusivamente um instrumento despenalizador ou uma carta de alforria concedida aos infratores, permitindo a eles a prática de novos ilícitos sem qualquer reprimenda. É de se lastimar o conceito que a lei ganhou entre os operadores do direito no sentido de que se trata de um procedimento sem qualquer consequência processual, limitando-se o agente a pagar uma ou mais cestas básicas ou prestar um serviço de curta duração à comunidade. Talvez a cultura do povo brasileiro não tenha ainda alcançado o propósito educativo da legislação no sentido de responsabilizar o cidadão, fazer com que ele saiba que praticou ato ofensivo à comunida- de onde vive e que, em razão de uma nova política criminal, a sua reinserção é imediata, sem qualquer sequela que possa prejudica-lo. Tal diretriz vai ao encontro do pensamento de Rawls, incansável estudioso dos direitos consagrados pela justiça quando afirma que “o princípio da responsabilidade não se funda na ideia de que o objetivo primeiro da punição é a retribuição ou a denúncia. Pelo contrário, o princípio é reconhecido em nome da própria liberdade. A menos que os cidadãos estejam em condições de conhecer o teor da lei e tenham a oportunidade de levar em conta suas respectivas diretrizes, não se deveria impor-lhes sanções penais”.7 Daí que os Tribunais estão interpretando a lei no sentido de posicioná-la em degrau de maior credibilidade e, acima de tudo, como um instrumento que busca a harmonia social. Se alguns cidadãos agem corretamente cumprindo as ordenações existentes e outros as desprezam, rotulando-as de desnecessárias, o colapso do sistema se avizinha. Daí a necessidade da intervenção jurisprudencial para buscar o equilíbrio da legalidade para se preservar o Estado de Direito, como um mecanismo necessário e conveniente. 7 6 Reale, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 167. Rawls, John. Uma teoria da justiça. Tradução Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves – São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 264. 52 07511 miolo.indd 52 04/05/12 11:41 07511 capa.indd 2 04/05/12 11:47 Uma publicação da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo tecnologia ISSN 2179-7455 Soluções Imprensa Oficial em tecnologia da informação e comunicação nº 49 janeiro/fevereiro/março de 2012 Aliamos nossa experiência desde 1891 na publicação da informação às mais modernas tecnologias, oferecendo serviços inteligentes para o setor público com a excelência e inovação de sempre. 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