FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO
MARIANA DE OLIVEIRA BUSSAB
A CELEBRIDADE E SEUS FÃS:
contribuição ao estudo das comunidades de marca no setor do
entretenimento
São Paulo
2004
MARIANA DE OLIVEIRA BUSSAB
A CELEBRIDADE E SEUS FÃS:
contribuição ao estudo das comunidades de marca no setor do
entretenimento
Dissertação
de
apresentada
Administração
São
Paulo
Vargas,
obtenção
de
à
Escola
Empresas
de
da
Fundação
Getúlio
como
requisito
para
do
título
de
Mestre
em
Administração de Empresas
Campo de conhecimento:
Administração Mercadológica
Orientadora: Prof. Gisela Black Taschner
São Paulo
2004
MARIANA DE OLIVEIRA BUSSAB
A CELEBRIDADE E SEUS FÃS:
contribuição ao estudo das comunidades de marca no setor do
entretenimento
Dissertação
de
São
apresentada
Administração
Paulo
Vargas,
obtenção
de
à
Escola
Empresas
de
da
Fundação
Getúlio
como
requisito
para
do
título
de
Mestre
em
Administração de Empresas
Campo de conhecimento:
Administração Mercadológica
Data de Aprovação:
__/__/_____
Banca Examinadora:
Prof. Gisela Black Taschner (orientadora)
FGV – EAESP
Prof. Marcos Henrique Nogueira Cobra
FGV – EAESP
Prof. Letícia Moreira Casotti
COPPEAD - UFRJ
Para meu Tio Hugo, que se foi levando o
passado; e para minhas meninas, Luiza e
Julia, que chegaram trazendo o futuro.
AGRADECIMENTOS
Quando eu comentava sobre o assunto desta dissertação, era comum que as
pessoas me questionassem, curiosas, de onde tinha surgido a idéia. O grande
“culpado”, e a quem devo um especial agradecimento, é o professor Rubens da
Costa Santos. Na primeira disciplina que cursei no programa de mestrado, ele
lançou o desafio para que cada aluno estudasse algum tipo de comportamento
compulsivo de consumo. Assim, diante dos resultados que apresentei, frutos dos
meus primeiros contatos com fãs e fã-clubes, o professor Rubens percebeu o
potencial investigativo deste fenômeno e me incentivou a perseguí-lo como objeto de
pesquisa da minha dissertação.
A professora Gisela Black Taschner me recebeu de braços abertos como
orientadora, quando eu tinha muitas idéias na cabeça, mas muito pouco em mãos. À
ela agradeço principalmente por ter me apresentado à antropologia do consumo,
fazendo com que eu finalmente me “encontrasse” na busca pelo entendimento do
comportamento do consumidor.
Ao Wilton Bussab, o professor, agradeço imensamente o papel de “orientadoroculto”. Cada conversa nossa me desconstruía de tal forma que eu achava que seria
impossível juntar os pedaços, mas os desafios lançados só me faziam retornar mais
inteira e confiante.
Ao Wilton Bussab, o pai, já tão ciente da importância que desempenha na minha
vida, agradeço pela sua forma tão única e tão própria de sempre torcer por mim,
mas mais tocante, de sempre acreditar em mim.
A minha mãe, Celia Bussab, as palavras jamais serão suficientes para expressar
toda a minha admiração e gratidão. A sua generosidade de sempre foi colocada à
prova durante este período. Saber que ela estava ali por perto, compartilhando
comigo o turbilhão de sentimentos alternados de angústia e de euforia, me
proporcionava o conforto e serenidade necessários para seguir em frente.
Ao meu marido Edvard Ghirelli Filho devo a co-autoria deste projeto. Este trabalho
alterou a rotina e a vida de nossa família. E mesmo sendo envolvido de forma
involuntária, eu não escutei nada além de incentivos e, mais ainda, recebi seu
suporte incondicional. Obrigada pelo “investimento”. Eu jamais me esquecerei disto.
Muitas outras pessoas também participaram deste trabalho, de forma direta ou
indireta, e a eles todos devo minha gratidão. Aos professores que fizeram a
experiência da minha “volta às aulas” memorável, principalmente ao professor
Francisco Aranha, que incansavelmente mostra quão especial e produtiva pode ser
a relação professor-aluno. Aos meus colegas que construíram o curso junto com os
professores e cujas experiências compartilhadas me ajudaram a crescer. Entre
tantos, agradeço a Sumaia Saheli, Odair Pastore, Márcia Vicari, Roberta Cardoso e,
claro, Mauricio Cruz pelo privilégio de ter convivido com vocês nestes anos. Ao
pessoal da Biblioteca da EAESP, principalmente na figura de Dionísio, pela
incansável busca das mais diferentes publicações que eu insistentemente solicitava.
Aos meus parentes e amigos de Brotas, principalmente Melânia e Daniel Arlanch,
Gustavo Batista e Nilton Camillo pelo interesse e disposição em intermediar o
contato com o Daniel. Ao cantor, agradeço pela prontidão com que atendeu a
solicitação.
Aos fãs do Daniel, entrevistados diretamente por mim – Rita, Rose, Adriana, Aisha,
Marcos, Kátia e Lucimara – agradeço enfaticamente pelo desprendimento com que
me permitiram entrar e vasculhar não somente suas casas, mas também suas vidas.
A todos, muito, muito, obrigada. Termino este trabalho consciente de que aqui
reportei muito menos do que de fato aprendi.
“UBUNTU”
(ditado africano que significa
“eu sou porque nós somos”)
RESUMO
Dados os altos níveis de competitividade que caracterizam a maioria dos
mercados contemporâneos, muito tem sido estudado a respeito da
lealdade, comprometimento e retenção de consumidores na literatura de
marketing. As estratégias propostas focam a conquista de consumidores
comprometidos afetivamente com as marcas, que entre outros benefícios
seriam responsáveis por espontaneamente defendê-la e divulgá-la.
Observando o fenômeno pós-industrial do agrupamento de pessoas em
torno de padrões de consumo próximos, e em alguns casos mais
extremos, em torno de uma marca em específico, alguns estrategistas
propuseram a criação de comunidades de marca como forma de retenção
de seus clientes atuais e mesmo de atração de novos. No setor do
entretenimento
estas
comunidades
são
muito
características
e
apresentam-se de forma evidenciada através dos inúmeros fã-clubes que
podem ser encontrados. Além desta característica, observa-se também
que no setor do entretenimento há uma maior evidência e concentração
dos consumidores comprometidos, os fãs devotos. Assim, com o objetivo
de ajudar na compreensão da relação das comunidades de marca com a
lealdade de clientes, buscou-se compreender o papel do fã-clube para um
consumidor que individualmente já apresenta um comportamento
comprometido, o fã devoto. Entre as diversas possibilidades de fã-clubes
dentro do setor, optou-se por estudar o caso de uma celebridade, pela
importância cultural e econômica que a fama tem na sociedade pósindustrial. Assim sendo, como objetivo secundário, o trabalho chama a
atenção para as relações de consumo deste tipo específico de produto, a
celebridade. O estudo de caso foi realizado com o cantor Daniel e seus
fã-clubes. De fato, o estudo levantou que o comprometimento afetivo do
fã devoto se dá pelo processo de sacralização da marca que ocorre em
âmbito individual. Assim, neste trabalho não se evidenciou o fã-clube
como gerador do comprometimento afetivo com a marca. Este é um
evento que se mostrou ocorrer anterior e independentemente da
agremiação. Porém, nos limites do caso estudado, o fã-clube demonstrou
ser fundamental para a manutenção e intensificação deste tipo de
comprometimento. Ao representar o locus privilegiado para a realização
de procedimentos de sustentação da sacralização da marca, através dos
rituais, peregrinações e sacrifícios coletivos, o fã-clube mantém operante
o antecedente que gerou o comprometimento afetivo deste fã. A
intensificação do comprometimento através do fã-clube acontece porque
ele proporciona para o fã um senso de comunidade, nutrido tanto pelos
rituais como pelos sensos de pertencimento e responsabilidade moral que
se estabelecem entre os membros. Fica claro, então, que apesar das
vantagens estratégicas de um fã-clube, quando criado pela empresa ele
perde a característica de comunidade de marca e passa a representar
mais um programa de relacionamento e fidelidade, assumindo um
inerente interesse comercial. Este “clube de fãs” não demonstra funcionar
plenamente como uma comunidade de marca porque uma vez que os
significados são atribuídos pelos consumidores, a empresa não domina o
processo de sacralização. O fã-clube, enquanto comunidade de marca,
não pode ser criado nem gerenciado pela empresa. A empresa pode,
porém, dar suporte e incentivo para que o ciclo de vida desta comunidade
se prolongue.
Palavras-chave: entretenimento, comportamento do consumidor, celebridades,
lealdade, fã-clubes.
ABSTRACT
Given the high level of competition that is typical in most contemporary
markets, much has been studied in marketing literature regarding loyalty,
commitment and retention of consumers. The focus of strategies that have
been proposed is the conquering of consumers emotionally committed to
the brands, who, amongst other benefits, would be responsible for
spontaneously defending and divulging them. By observing the postindustrial phenomenon of grouping of people around similar consumption
patterns and, in some extreme cases, around a specific brand, some
strategists have proposed the creation of brand communities as a way to
retain their current clients and even attract new ones. In the entertainment
sector, these communities are quite typical and appear in a very evident
way thorugh numerous fan clubs. Besides such characteristic, it is also
possible to observe that in this sector there is much more evidence and
concentration of committed consumers, the so-called devoted fans. Thus,
in order to aid the comprehension of the relationship between brand
communities and consumers loyalty, we have pursued to understand the
role played by a fan club towards a consumer that individually already
shows a behavior of commitment, i.e. a devoted fan. Amongst the various
possible forms of fan clubs in this sector, we have chosen to study the
case of a celebrity, taking into consideration the cultural and economic
importance that fame has in post-industrial society. Therefore, as a
secondary objective, this work focuses on the consumption relationships
of this specific kind of product, the celebrity. The study case has been
done based on the singer Daniel and his fan clubs. In fact, this study has
concluded that the emotional commitment of a devoted fan takes place
through the process of sacralization of the brand on the individual level.
Thus, in the present study, a fan club has not proven to be a generator of
affective commitment to the brand. Such is an event that takes place prior
to and independently from the grouping process. However, within the
boundaries of this study case, fan clubs have shown to be essential to
maintain as well to intensify such kind of commitment. By representing the
ideal locus to perform proactive sustaining behaviors
through rituals,
pilgrimage and collective sacrifices, fan clubs keep alive the antecedent
that generated fans affective commitment. The intensification of fans
commitment through fan clubs occurs due to the fact fan clubs offer sense
of community, nurtured both by rituals and by the senses of belonging and
of moral responsibility that takes places amongst the members. As a
result, it becomes clear that despite of the strategic advantages of a fan
club, when created by the marketer, it looses its characteristics of brand
community and turns to be a representation of just another relationship
and loyalty program, assuming an intrinsic commercial interest. Such fan
club does not prove to fully operate as a brand community in view of the
fact that, once meanings are attributed by consumers, the marketer does
not lead the sacralization process. The fan club, as a brand community,
cannot be created or managed by the marketer. However, it may provide
support and incentive so that the life cycle of such community is
prolonged.
Keywords: entertainment, consumer behavior, celebrity, loyalty, fan clubs.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Visões do Relacionamento Consumidor-Marca .................................................. 17
Figura 2 - Antecedente de Comprometimento - Coletividades ............................................ 19
Figura 3 - Antecedente do Comprometimento: Sacralização............................................... 20
Figura 4 - Metáforas do Consumo....................................................................................... 38
Figura 5 - Modelo de Desenvolvimento do Consumo Devoto.............................................. 50
Figura 6 - Classificação dos Fãs de Celebridades .............................................................. 53
Figura 7 - Diferenças entre Fã e Aficionado ........................................................................ 58
Figura 8 - Estratégias de Pesquisa ..................................................................................... 83
Figura 9 - Rede de Relacionamentos do caso fã-clube de uma celebridade da música ...... 83
Figura 10 - Logomarca...................................................................................................... 104
Figura 11 – Fã- Clube formado por senhoras.................................................................... 110
Figura 12 - Altar com peças tocadas pelo Daniel .............................................................. 117
Figura 13 - Fãs com Tatuagem do Daniel ......................................................................... 125
Figura 14 – Tentativas de diferenciação............................................................................ 128
Figura 15 - Almofada gigante confeccionada pelos fãs ..................................................... 129
Figura 16 – Logomarca da Turma do Dani........................................................................ 132
Figura 17 – Fotos do Encontro Nacional de Fãs – Estância Nathalya (Botucatu/SP). ....... 132
Figura 18 – Reunião do Fã-Clube Estação Somente Você Daniel .................................... 138
Figura 19 – Logomarca do Fã-Clube Estação Somente Você Daniel - RJ ........................ 139
Figura 20 – Bandeira de Nossa Senhora .......................................................................... 140
Figura 21 – Logomarca do Fã-Clube Daniel Dentro do Coração....................................... 141
Figura 22 – Outdoor em homenagem ao aniversário do Daniel ........................................ 148
Figura 23 – Grupos Formados dentro do Fã-Clube........................................................... 161
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Comparação entre os elementos que compõem a comunidade nos modelos de
Muniz e O´Guinn e McMillan e Chavis ......................................................................... 73
Quadro 2 – Etapas da Pesquisa ......................................................................................... 88
Quadro 3 - Perfil dos Entrevistados..................................................................................... 89
Quadro 4 - Nomenclaturas Atribuídas por Tipo de Evidências ............................................ 96
Quadro 5 – Resumo da Biografia da Celebridade Daniel .................................................. 100
Quadro 6 – Identidade da Marca Daniel............................................................................ 105
Quadro 7 – Exemplo de Propriedades do Sacrado, segundo BELK et AL (1989) encontrados
na imagem da marca Daniel ...................................................................................... 112
Quadro 8 – Características do Fã Devoto ......................................................................... 169
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 14
1.1 Introdução .............................................................................................................. 14
1.2 Objetivos e Delimitação do Problema .............................................................. 18
1.3 Contexto e Relevância da Pesquisa ................................................................. 21
1.4 Organização do Trabalho.................................................................................... 26
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ....................................................................................... 28
2.1 A Indústria Cultural .............................................................................................. 28
2.1.1 A Importância Cultural da Fama..................................................................... 32
2.1.2 O Produto Celebridade.................................................................................... 35
2.2 O Consumo de Celebridades ............................................................................. 36
2.2.1 O Relacionamento Fã-Celebridade ............................................................... 38
2.2.2 Fã e o Consumo Devoto ................................................................................. 47
2.2.3 O Estigma de ser Fã........................................................................................ 56
2.3 O Consumo Coletivo ............................................................................................ 61
2.3.1 Senso de Comunidade.................................................................................... 62
2.3.2 Comunidades e Consumo .............................................................................. 67
2.3.2.1 Comunidades de Consumo ..................................................................... 70
2.3.2.2 Comunidades de Marca ........................................................................... 72
2.3.2.3 Subculturas de Consumo......................................................................... 76
3. MÉTODO ....................................................................................................................... 80
3.1 Questão da Pesquisa ........................................................................................... 80
3.2 Estratégia de Pesquisa........................................................................................ 82
3.3 Seleção do Caso ................................................................................................... 84
3.4 Desenho da Pesquisa .......................................................................................... 86
3.5.1 Entrevistas ........................................................................................................ 89
3.5.2 Observação ...................................................................................................... 92
3.5.3 Documentação ................................................................................................. 93
3.5.4 Artefatos Físicos .............................................................................................. 94
3.6 Procedimentos de Validação.............................................................................. 94
3.6.1 Triangulação..................................................................................................... 94
3.6.2 Criação de um Banco de Dados .................................................................... 95
3.6.3 Ética .................................................................................................................. 96
4. ANÁLISE DE DADOS.................................................................................................. 97
4.1 A Celebridade: Daniel .......................................................................................... 97
4.1.1 Biografia............................................................................................................ 97
4.1.2 O Produto e a Marca ..................................................................................... 101
4.2 O Fã Devoto ......................................................................................................... 106
4.2.1 A Imagem da Marca Daniel .......................................................................... 107
4.2.2 A Sacralização ............................................................................................... 110
4.2.3 A Assimetria da Relação............................................................................... 119
4.2.4 O Desejo e A Sedução.................................................................................. 123
4.2.5 Os Processos de Singularização ................................................................. 127
4.3 O Fã Clube............................................................................................................ 129
4.3.1 Apresentação dos Fã-Clubes do Daniel...................................................... 131
............................................................. 135
!
!
!
#
" ............................... 136
.............................................. 139
4.3.2 Procedimentos de Sustentação da Sacralização ....................................... 142
4.3.3 Senso de Pertencimento............................................................................... 149
4.3.4 Senso de Responsabilidade Moral .............................................................. 154
4.3.5 Atingimento dos Objetivos Individuais ......................................................... 159
4.3.5.1 Singularização......................................................................................... 159
4.3.5.2 Os Sócios: Tipos e Objetivos ................................................................ 161
4.3.6 Análise dos Dados em Conjunto .................................................................. 167
5. CONCLUSÕES........................................................................................................... 171
5.1 Conclusões .......................................................................................................... 171
5.2 Limitações ............................................................................................................ 174
5.3 Pesquisas Futuras.............................................................................................. 175
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 177
7. ANEXOS...................................................................................................................... 184
14
1. INTRODUÇÃO
1.1 Introdução
Dados os altos níveis de competitividade que caracterizam a maioria dos mercados
contemporâneos, muito tem sido estudado a respeito da lealdade, comprometimento
e retenção de consumidores na literatura de marketing, mais especificamente,
branding e no comportamento do consumidor.
No ambiente de marketing atual, sustentar uma vantagem competitiva utilizando
apenas diferencial de produto é uma tarefa muito exaustiva. A tecnologia está num
tal nível de desenvolvimento, que a concorrência em pouquíssimo tempo encontra
condições de entregar os mesmos benefícios funcionais, quando não de os superar.
Forma-se, assim, um ciclo de auto-recriação constante difícil de ser sustentado por
muito tempo. Na maior parte dos mercados e das categorias, um diferencial com
base em produto não consegue ser mantido por muito tempo. Schmitt (1999), tanto
em seu trabalho solo, como em seu trabalho com Simonsen (SCHMITT;
SIMONSEN, 1997), chama a este marketing baseado em características e
benefícios de produtos, de abordagem tradicional de marketing, ou Marketing
Tradicional.
Uma das maneiras que eles mesmos propõem de criar uma diferenciação mais
duradoura e significativa é através da entrega de experiências ao consumidor. Esta
abordagem tem ganhado bastante popularidade na literatura recente de marketing, e
adquire diferentes denominações, como Marketing dos Sonhos (LONGINOTIBUITONI, 1999), Marketing Experimental (SCHMITT, 1999 e SCHMITT; SIMONSEN,
1997), Marketing Emocional (ROBINETTE; BRAND; LENZ, 2001), entre outros.
15
Nesta mesma linha, Wolf (1999) afirma que para se manter no mercado todo e
qualquer produto deve conter o, por ele denominado, “e-factor”, o fator-e, de
entretenimento.
Por de trás destas novas abordagens está implícita a intenção das empresas de
adequarem suas estratégias de marketing ao novo paradigma relacional, em
substituição ao anterior transacional. Através do Marketing de Relacionamento, que
como observa Bentivegna (2002) foi o assunto da moda no mundo dos negócios
durante a década de 90, expandiu-se o foco tradicional do marketing para além das
fronteiras da atração de novos clientes. As empresas passaram a investir mais na
manutenção e na intensificação do seu relacionamento com os consumidores.
Ao se estreitar as relações com consumidores, busca-se a conversão deles em
consumidores comprometidos, aqueles que dispostos a investir na relação, têm
expressa
vontade
de
continuar
nela.
Para
Prado
e
Santos
(2003),
o
comprometimento, sinônimo de lealdade atitudinal, é um antecedente à lealdade
comportamental.
David Aaker (1991), quando descreve o componente lealdade do Brand Equity,
afirma que somente os consumidores localizados no topo da pirâmide de lealdade
estão de fato comprometidos com uma determinada marca. O principal valor deste
tipo de consumidor é que o conjunto deles atua como canal de divulgação, tornandose responsável por um processo de comunicação pelo boca-a-boca positivo. Os
consumidores
comprometidos
acabam
se
transformando
em
verdadeiros
missionários da marca. E, conforme Reichheld (2003), a forma mais competente de
se mensurar o comprometimento do consumidor é através do grau de disposição
que ele tem em divulgar a marca para amigos e colegas.
Estes “consumidores-topo” assumem na vasta literatura a respeito diversas
nomenclaturas,
como
“defensor”,
“especial”,
“fã”.
Eles
desenvolvem
um
relacionamento individual com a marca que pode até ter se iniciado a partir da
16
satisfação de uma necessidade funcional, mas que parece ter continuado por
proporcionar a satisfação de uma necessidade de expressão.
Pimentel e Reynolds (2004) descrevem este consumidor de comprometimento
extremo como consumidor devoto. O termo devoção aplica-se a este comportamento
porque remete a um fervor religioso em relação ao objeto de consumo, sentimento
este que já vem sendo verificado em outros contextos de estudos de comportamento
do consumidor (BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989).
Embora obviamente de extrema importância, os estudos sobre marketing de
relacionamento
têm
consumidor-marca.
se
Mas
concentrado
alguns
na
indícios
compreensão
vêm
do
evidenciando
relacionamento
que
o
alto
comprometimento pode também ser atingido através da formação de uma sólida
comunidade de usuários da marca (ROZANSKI; BAUM; WOLFSEN, 2002). Neste
caminho, o vínculo “extremo” se estabelece quando o fato de pertencer a tal
comunidade se transforma em um fim em si mesmo. Portanto, a marca, ao
proporcionar o consumo coletivo, transforma-se em um vínculo para as pessoas.
O trabalho de Muniz e O’Guinn (2001) tem a grande importância de incluir na visão
“díade” do relacionamento consumidor-marca um terceiro elemento, um outro
consumidor, “o consumidor companheiro”, mostrando a importância que a
comunidade de marca tem para cada um dos seus indivíduos-membros. Mas é no
trabalho de McAlexander, Shouten e Koenig (2002) que é desenhado um modelo
bem mais completo, do ponto de vista mercadológico, que inclui todos os elementos
que vão funcionar juntos para que uma comunidade de marca seja criada. Para
estes autores, a comunidade de marca é formada e alimentada por um conjunto de
relações de um determinado consumidor, com a marca, com o produto em si, com o
“consumidor-companheiro” e com a empresa (FIGURA 1). Desta forma, eles
adicionam aos estudos de comunidade de marca, o elemento necessário para a sua
concepção, justificado na crença de que esta é uma forma de se criar, manter e
fortalecer os elos de uma marca com seu consumidor. Em outras palavras, em seu
trabalho, estes autores colocam a possibilidade da criação de uma comunidade de
17
marca como um instrumento poderoso e completo para a retenção dos
consumidores, ou, pelo menos, como uma forte barreira de saída, já que implicaria
num alto custo emocional para o consumidor. Quanto mais oportunidades o
indivíduo tem de encontrar outras pessoas que consomem a mesma marca, mais
vontade ele tem de reencontrá-las em outros momentos, já que laços sociais
acabam se estabelecendo. Não importa se um indivíduo busca a comunidade de
marca pela própria necessidade de sentir-se parte de uma comunidade, ou se por
motivos mais utilitários, como a necessidade de conhecer e integrar-se melhor com
seu produto/marca, o fato é que os laços da comunidade se tornam barreiras de
saída, à medida que os indivíduos percebem que o valor destes relacionamentos
inter-pessoais pode se modificar e até mesmo se perder, caso o indivíduo mude de
marca.
Modelo Tradicional do Relacionamento Cliente-Marca
cliente
marca
Modelo Muniz e O´Guinn de Comunidade de Marca (2001)
marca
cliente
cliente
Modelo McAlexander et all de Comunidade de Marca (2002)
marca
produto
Cliente
focal
cliente
empresa
Figura 1 - Visões do Relacionamento Consumidor-Marca
adaptado de McAlexander, Shouten e Koenig (2002)
Ao participar de uma comunidade de marca, um consumidor tem a oportunidade,
através do compartilhamento de experiências, de conhecer melhor o produto e,
portanto, melhor usufruir dele (consumidor-produto); conhecer e integrar-se com
18
pessoas que partilham as mesmas paixões (consumidor-consumidor); aprofundar-se
mais e perpetuar os valores da marca (consumidor-marca) e, finalmente, aproximar
a empresa do consumidor (consumidor-empresa).
Os benefícios para uma empresa em cultivar uma comunidade em torno de sua
marca são vários, bem descritos no seguinte trecho:
[...]
clientes
integrados
por
comunidades
funcionam
como
missionários da marca, trazendo a mensagem de marketing para
outras comunidades. Estes clientes estão mais propensos a perdoar
lapsos ou falhas dos produtos em relação à qualidade de seu serviço
(Berry, 1995). São menos suscetíveis a mudar de marca, mesmo
quando confrontados com produtos concorrentes de performance
superior. Estes consumidores se motivam a dar retorno, feedback à
empresa, eles formam um forte mercado para produtos licenciados e
extensões de marca [...] Consumidores que estão fortemente
integrados numa comunidade de marca se sentem emocionalmente
envolvidos com o bem estar da companhia e desejam contribuir para
seu sucesso.” (MCALEXANDER; SHOUTEN; KOENIG, 2002,
p.51, tradução nossa)
1.2 Objetivos e Delimitação do Problema
Os estudos que têm abordado as coletividades de consumo e as comunidades de
marcas (MUNIZ; O´GUINN, 2001; KOZINETS, 2001; SHOUTEN; McALEXANDER,
1995; HOLT, 1995; CELSI; ROSE; LEIGH, 1993) indicam que os relacionamentos
entre consumidores atuam de forma enfática e significativa na equação da lealdade
à marca. Para estes autores, conforme mostra FIGURA 2, as coletividades são
vistas como antecedente ao comprometimento.
19
Comunidade
de Marca
Comprometimento
Figura 2 - Antecedente de Comprometimento - Coletividades
Entre as justificativas dadas, a mais contundente é que, através da conexão com
outros consumidores da mesma marca, o indivíduo experimenta um senso de
comunidade (McMILLAN; CHAVIS, 1986) que lhe ajuda a estruturar e a compor a
sua identidade social.
Nas indústrias de bens de consumo, as comunidades de marca conhecidas e
significativas ainda são poucas. Os exemplos citados e estudados sempre recaem
sobre as mesmas marcas, como Harley Davidson, Jeep, Saab, Bronco, Saturn e
McIntosch. O mesmo não acontece na indústria do entretenimento. A tradução do
consumidor comprometido nesta indústria é o fã, que entre outras particularidades,
apresenta a vocação para contatar outros fãs no intuito de intensificar o consumo de
seu produto e marca de interesse. Estes consumidores são delimitados tanto de uma
forma mais generalizada, e assim tratados por fandom1, como através de estruturas
organizadas, conhecidas como fã-clubes.
O fã-clube pode ser visto como uma associação de pessoas que se reúnem por
terem um gosto em comum e a vontade de trocar e difundir informações, histórias e
fotos deste gosto que os une. Reúne pessoas que embora possuam diferentes
níveis de devoção ao “objeto” em questão, apresentam um grau de interesse por ele,
superior ao da grande maioria das pessoas que o consomem.
Estas comunidades são muito características da indústria do entretenimento e se
manifestam em seus mais diversos setores: filmes (Jornada nas Estrelas, Guerra
1
Fandom é uma expressão que não possui tradução para a língua portuguesa. Pode ser
definido como tudo aquilo que gira em torno da cultura e do comportamento do fã, ou ainda,
o estudo do fã e do seu comportamento. Mas este termo não se aplica, especificamente, a
uma estrutura organizada como a existente no fã-clube.
20
nas Estrelas), livros (Senhor dos Anéis, Harry Potter), música (Grateful Dead,
Beatles), programas de TV (Friends), entre outros. Mas a maioria dos fã-clubes se
organizam em torno das celebridades, personagens reais e fictícias, que foram
produzidas e circulam nestes diferentes setores. Tanto pelo aspecto cultural como
econômico da fama, as celebridades se tornaram um importante produto de
consumo, em torno do qual se estruturou, nas palavras de Rein, Kotler e Stoller
(1997), uma “indústria de fabricação de celebridades”. Segundo estes autores, o
objetivo de marketing deste produto é a manutenção da alta visibilidade e para tanto
suas marcas têm sido trabalhadas de forma a garantir a sua exposição, inclusive
através de extensão de marca, traduzida no imenso negócio que o licenciamento
representa.
Além da procura de outros fãs, este consumidor se caracteriza também pela
intensidade do seu relacionamento individual com a marca, a devoção. Segundo
Pimentel e Reynolds (2004), este consumidor desenvolveu, após processo de
sacralização, um comprometimento afetivo com a marca. Mais do que isto, num
movimento cíclico (FIGURA 3), o consumidor devoto investe nesta relação ao
utilizar, constantemente, procedimentos para sustentar esta sacralização.
Sacralização
Comprometimento
Procedimentos
Proativos de
Sustentação
Figura 3 - Antecedente do Comprometimento: Sacralização
Sacralização e coletividade foram mostradas, pelas teorias encontradas e aqui
apresentadas, como antecedentes importantes, embora independentes, para o
desenvolvimento de relações duradouras entre consumidores e marcas. Porém, na
indústria do entretenimento, ambos são características muito presentes no
comportamento de consumo do fã.
21
O objetivo desta pesquisa é compreender qual o papel que uma comunidade de
marca pode desempenhar na relação consumidor-marca, para um consumidor que
já tem como característica individual o comprometimento afetivo com ela, traduzido
no consumo devoto.
O questionamento que se faz através da pergunta formulada “Qual o papel do fãclube no consumo do produto cultural celebridade para o fã devoto?” busca entender
por que um fã devoto se engaja num fã-clube.
Dentre os diversos tipos de produtos da indústria cultural, optou-se por estudar a
comunidade de marca em torno de celebridade, não só por sua importância cultural
e econômica, mas também porque este produto se relaciona de forma matricial com
os demais setores desta indústria.
Será estudado o papel do fã-clube no consumo da celebridade, cujo nome é aqui
considerado como uma marca. Investigam-se as relações estabelecidas entre o fã e
a celebridade, o fã e o fã-clube e o fã-clube e a celebridade, bem como as
conseqüências destas relações para todos os integrantes deste sistema.
1.3 Contexto e Relevância da Pesquisa
O século XX testemunhou o apogeu do poder industrial, quando aconteceu o que
Morin (1969) chamou de a segunda industrialização, a que se processa nas imagens
e nos sonhos, a industrialização do espírito. Ele faz esta referência devido à
enxurrada de mercadorias culturais, de palavras, imagens e sons produzidos e
vendidos comercialmente que invadiu o mercado logo após a Segunda Guerra
Mundial. Neste momento, a cultura de massa se estabelece de forma definitiva como
característica de nossa sociedade. Esta cultura, que é produzida em larga escala,
seguindo a dinâmica da fabricação industrial, se propaga também de forma maciça e
se destina a um grande público.
22
A mídia de massa e cultura popular são características muito explícitas também na
sociedade pós-industrial ocidental. A indústria cultural possui em seu portfólio uma
série de produtos como gravações, livros, revistas, programas de TV, filmes e
celebridades.
A celebridade tem um papel cultural importante porque ela atende a uma
necessidade humana de ser único (BRAUDY, 1986). No contexto da indústria
cultural, ser reconhecido é algo democrático, já que não se faz necessária a
realização de uma conquista especial para se atingir a fama. Graças à mídia de
massa, podemos ser famosos simplesmente por sermos famosos (BOORSTIN,
19622 apud BRAUDY, 1986). Aparentemente, qualquer um pode ser famoso, por
mais paradoxal que seja: muitos têm que ser anônimos para que um seja estrela.
Esta relação – tão perto, tão longe – com as celebridades ajuda os indivíduos a se
transcenderem de suas vidas rotineiras numa sociedade que é ao mesmo tempo
massificada e individualista.
A análise da fama feita por Braudy (1986) sugere que o `fanship´ seja uma
conseqüência necessária para a disseminação de idéias e imagens através da
mídia: não haveria fama se não houvesse fãs; e não existiriam fãs se não houvesse
mídia, impressa ou eletrônica. Fãs diferem dos consumidores comuns porque eles
constroem vínculos afetivos especialmente fortes com seus objetos de interesse e
acabam
utilizando
estes
vínculos
como
pontes
tanto
para
desenvolver
relacionamentos com outros fãs como com os próprios famosos. Os fãs, enquanto
consumidores, articulados e “heavy users” que são, possuem um poder muito
grande que direciona o processo produtivo das celebridades.
O consumo de celebridades faz parte de nossa vida, de nosso dia-a-dia e
movimenta muito dinheiro. Rein, Kotler e Stoller (1997) mostram a extensa rede
existente por de trás da celebridade e que é responsável pela sua concepção,
produção e distribuição. Os autores citam alguns dos seus componentes: a
2
Boorstin, D. (1962). The Image, Or, What Happened to the American Dream. New York
23
representação (agentes, empresários), a publicidade (agências de relações públicas,
empresas de pesquisa de mercado), as comunicações (jornais, revistas, rádio, TV,
filmes), o entretenimento (teatros, casas de shows, cinemas, estúdios, estádios), a
aparência (estilistas, maquiadores, cabeleireiros), o treinamento (professores,
técnicos), os serviços legais e financeiros (advogados, consultores de investimentos)
entre outros.
A receita gerada pela celebridade vai além de sua principal atividade, ela é
incrementada em várias vezes pela sua utilização em associações com outras
marcas, o chamado endosso, através dos cachês publicitários e na extensa indústria
de licenciamento de produtos. Oficialmente, os produtos ligados a Elvis Presley, por
exemplo, que vão desde perucas com seu topete passando por macacões de jérsei
cravejados de pedras de plásticos coloridos, até seus discos geraram US$ 600
milhões nos EUA no ano de 1994, 17 anos após sua morte. Estimava-se, então, que
o somatório de esforços de vendas de todos os ídolos americanos gira em torno de
US$ 70 bilhões anuais (FREITAS; GOLDBERG, 1995). No Brasil, estima-se que em
2002, a apresentadora de TV Xuxa Meneguel gerou R$ 30 milhões através de 300
produtos licenciados com sua marca Xuxa3.
Diante dos números, não se pode mais encarar com ingenuidade a adoração de
celebridades. A imagem de que fã-clubes eram coisas de adolescentes que gritavam
ensandecidos nos aeroportos, nas portas de hotéis e de casas de shows faz parte
do passado.
Cientes disso existem algumas empresas que foram criadas com o único intuito de
“gerenciar fãs”. É o caso da Fanemporium, da FansRULE e da iFANZ. O folder de
apresentação da FansRULE disponível na Internet deixa muito claro o papel destas
empresas. São companhias de gerenciamento de fãs que prestam serviços tanto
para artistas como para os próprios fãs. Elas se colocam como intermediárias,
especialistas, que ajudarão a cultivar “um relacionamento duradouro e direto entre fã
3
Fonte: http://www.estadao.com.br/divirtase/noticias/2002/jun/28/155.htm
24
e celebridade”. Para tanto, em troca da cobrança de um taxa anual de adesão, a
FansRULE, por exemplo, oferece serviços customizados para seus clientes. Entre
eles4:
a) venda de ingressos “on line”: conseguem com artistas e promotores de
eventos uma quantidade de ingressos em lugares preferenciais e os
disponibilizam para seus sócios antes da abertura das vendas para o público
em geral;
b) experiências de fãs e pacotes de viagens: desenvolvem promoções
específicas, segundo o perfil de fãs de cada artista, como shows e eventos
exclusivos e organizam viagens para os fãs acompanharem seus ídolos em
turnês;
c) desenvolvimento e vendas de produtos de merchandising: oferecem serviços
de criação, produção, estocagem e distribuição de produtos de merchandising
dos ídolos que são vendidos on line ou por mala direta;
d) Aquisição de assinatura e gerenciamento da comunidade/clube de fãs: para
acesso aos conteúdos dos sites mantidos, atualizados e hospedados pela
empresa, através do qual os outros serviços são oferecidos e que acabam por
constituir um canal de comunicação oficial e exclusivo entre fã e celebridade.
Entre as celebridades que utilizam os serviços da FansRULE e da Fanemporium
existem alguns nomes famosos da música pop internacional: Aerosmith, Christina
Aguilera, Celine Dion e Cindy Lauper, para citar alguns.
A disposição dos fãs em consumir tudo o que diz respeito a seus ídolos, de notícias,
fotos, cd’s, programas até todos os licenciados, despertou o interesse de alguns
aproveitadores que fundam fã-clubes, com o intuito de fazer lucro através de suas
4
Fonte: http://www.fanemporium.com
25
“lojinhas” e mensalidades. Estes presidentes geralmente não estão envolvidos
emocionalmente com o ídolo que promovem e acabam se utilizando de atividades de
pirataria para aumentar o portfolio de produtos que disponibilizam aos fãs (MACEDO
ET AL., 1992).
Consternada com estes tipos de iniciativas e preocupada em salvaguardar a
responsabilidade e confiabilidade dos fã-clubes, Blanche Trinajstick, uma expresidente de um fã-clube norte-americano fundou a NAFC (traduzindo, Associação
Nacional de Fã-Clubes). Desta iniciativa foi gerado um guia “The Fan Club Guide –
tudo o que você sempre quis saber sobre como começar e administrar um fã-clube
mas não sabia onde perguntar” com importantes recomendações e uma espécie de
teste para que o indivíduo reflita, diante de toda a responsabilidade e sacrifício
incluídos na sua condução, se quer mesmo abrir um fã-clube (ANEXO A).
Os fã-clubes de celebridades respeitam demais seus artistas, possuem códigos de
conduta, conhecem profundamente seus ídolos e, assim, representam importantes
grupos de influência aos quais os produtores culturais podem recorrer.
Acredita-se que, do ponto de vista acadêmico, esta pesquisa pode contribuir para o
entendimento da relação consumidor-marca, através do estudo de um caso
especÍfico de devoção e comunidade de marca dentro da indústria do
entretenimento.
Também se espera evidenciar as especificidades do consumo de um produto
característico, a celebridade, que a despeito de sua importância cultural e econômica
ainda não despertou grande interesse acadêmico.
O entendimento da relação existente entre fã e ídolo pode ajudar na compreensão
da dinâmica do funcionamento do consumo de produtos licenciados e da utilização
de celebridades para o enriquecimento do brand equity de outras marcas, através
das campanhas de endosso.
26
1.4 Organização do Trabalho
O trabalho foi estruturado em cinco partes, incluindo esta primeira, a Introdução, que
tem como objetivo apresentar o tema e o problema do trabalho, a sua relevância e
possíveis aplicações práticas e acadêmicas.
Na parte dois, é apresentado o referencial teórico utilizado. A discussão se faz a
partir de três grandes temas: a produção de celebridades e sua importância cultural
e econômica; as características do consumo de celebridades, onde é apresentado o
modelo de consumo devoto e, finalmente, a importância das comunidades para a
apresentação do conceito de consumo coletivo. Faz-se importante notar que não
foram encontrados na literatura5 trabalhos específicos sobre fã-clubes. Alguns
trabalhos (como o de KOZINETS, 2001 e OBST; ZINKIEWICZ; SMITH, 2002a,
2002b) tratam, de forma mais genérica, do “fandom”.
Na parte três, é explicada a metodologia desta pesquisa. A estratégia utilizada foi a
de estudo de caso único – uma celebridade, o cantor Daniel bastante popular no
Brasil inteiro – através de três unidades de análise, representadas por diferentes fãclubes desta celebridade. Para a coleta de dados foram utilizadas entrevistas semiestruturadas com fãs presidentes e atuantes na organização do fã-clube, além da
observação passiva, da observação de segunda mão (fotografias) e do
levantamento de artefatos físicos. Documentos também foram utilizados como
dados, obtidos através de uma extensa coleção de cartas escritas para o cantor e
para os fã-clubes e de materiais e depoimentos publicados na Internet, na mídia
eletrônica e na impressa.
5
Com exceção de um pequeno trabalho de O’Guinn, M. (1991): “Touching Greatness: the central midwest Barry
Manilow Fan Club”
27
A parte quatro integra a análise de todos os dados coletados e que foram
organizados segundo os modelos de devoção de Pimentel e Reynolds (2004) e de
comunidade de marca, de Muniz e O’Guinn (2001).
Finalmente na parte cinco são articuladas as conclusões deste trabalho, além das
suas limitações e sugestões para discussões futuras a respeito do tema.
28
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1 A Indústria Cultural
A discussão acerca da indústria cultural nos leva necessariamente à abordagem das
polêmicas que envolvem o assunto. Existem diferentes versões em relação aos
papéis e conseqüências da indústria cultural na vida das pessoas e das sociedades
como um todo.
Embora o aprofundamento destas versões não faça parte do escopo deste trabalho,
o seu entendimento torna-se importante para a contextualização das relações
estabelecidas entre fãs e celebridades que esta pesquisa busca apreender.
De forma simplificada, o conceito de indústria cultural pode ser definido como um
conjunto de complexos empresariais, concentrados técnica e economicamente, que
produzem e distribuem objetos culturais em larga escala (TASCHNER, 1992). A
autora evidencia a importância da característica-chave destes objetos para a
completa compreensão do conceito: estes objetos culturais são elaborados pela
lógica da produção capitalista, e portanto são caracterizados como mercadorias
desde a sua concepção. É necessário que a distinção entre produtos culturais que
também são mercadorias e os produtos culturais que são integralmente mercadorias
seja feita:
“À primeira categoria pertencem as obras culturais e artísticas cujas
regras de concepção e elaboração distinguem-se da lógica do
sistema social, embora sejam eventualmente objeto de compra e
venda no mercado. Este grupo, portanto, inclui boa parte do
patrimônio artístico e cultural que preexiste à era da indústria cultural
e continua a existir à sua margem [...]. À segunda categoria,
29
pertencem os produtos típicos da indústria cultural. Aqui a distinção
entre lógica da obra e do sistema é dissolvida pelo primado do
efeito, pela busca de fórmulas, de sucesso comercial; o produto é
concebido como mercadoria e produzido com vistas ao lucro”
(GOLDENSTEIN, 1987, p.22)
A transformação da cultura em mercadorias ganhou proporções imensas e
potencializou seu poder em meados do século XX, com o desenvolvimento de novos
meios de comunicação em massa, da expansão da indústria do entretenimento e da
intensificação na comercialização do lazer.
Os intelectuais da Escola de Frankfurt, com sua perspectiva crítica da sociedade são
os representantes da visão negativa da indústria cultural. Este termo inclusive foi
cunhado e proposto por Adorno e Horkheimer num livro publicado em 1947. O
objetivo era deixar explícito que a cultura de massa não é a cultura do povo (feita
pelas pessoas), mas sim fabricada (feita para ser consumida pelas pessoas). De
acordo com estes teóricos, a indústria cultural americana transformou a cultura que
era antes, um processo de autocriação potencialmente liberador em um instrumento
de controle social, uma força manipuladora que bloqueia a consciência das classes,
forja ou deforma a individualidade, transformando as pessoas em receptores
passivos e homogeneizados numa massa (ADORNO, 1971).
A visão crítica traduz a indústria cultural como uma fábrica de ilusões e de consumo
superficial inserido num sistema maior da dominação burguesa na tentativa de
alienar as “classes subalternas”. Neste processo, a estética assume um importante
papel. Os críticos acreditam que a suposta pobreza estética atribuída à cultura de
massa tem um efeito ideológico importante já que a arte, esta impossível de seguir
uma lógica industrial capitalista, é acessível apenas a uma elite.
Adotando uma posição extremamente oposta à crítica, a visão positiva da indústria
cultural, notadamente representada por Shils, lhe atribui um papel educacional e lhe
credita a democratização da cultura. Julga-a uma manifestação de interesses do
30
conjunto da sociedade, um produto dela, e por isto, um meio de comunicação que
exerce uma ação benéfica sobre a população, reproduzindo o que ela quer e
estabelecendo um consenso de valores que unem diversos grupos de interesse em
um todo (TRAUBE, 1996).
A visão mais conciliatória dos efeitos da indústria cultural é representada por Morin
(1969). Esta abordagem questiona o consumo passivo e a absorção indiscriminada
da cultura produzida. As audiências são vistas como partes ativas no processo, uma
vez que elas selecionam e utilizam criteriosamente aqueles produtos que irão
satisfazer suas necessidades subjetivas. A dinâmica de mercado e as relações de
consumo são as mesmas que as de outros tipos de indústrias, isto é, os
consumidores não consomem o que não lhes convém, o que não lhes representa
significado algum. Este autor é categórico ao afirmar que a despeito da produção
cultural criar um público de massa, ela é determinada pelo próprio mercado:
“A cultura de massa, no universo capitalista, não é imposta pelas
instituições sociais, ela depende da indústria e do comércio, ela é
proposta. Ela se sujeita aos tabus (da religião, do Estado, etc...),
mas não os cria; ela propõe modelos, mas não ordena nada. Passa
sempre pela mediação do produto vendável e por isto mesmo toma
emprestada certas características do produto vendável, como a de
se dobrar à lei do mercado, da oferta e da procura. Sua lei
fundamental é a do mercado. [...] A cultura de massa é o produto de
um diálogo entre uma produção e um consumo” (MORIN, 1969,
p.46)
Diferente dos críticos da Escola de Frankfurt, este autor acredita que se há um
processo de alienação promovido pela cultura de massa, não é a alienação das
pessoas-consumidoras, mas do autor/artista que muitas vezes para seguir a
padronização do processo produtivo cultural não se reconhece, não se justifica nem
se transcende a partir de sua obra. Apesar de enxergar uma analogia com o
operário industrial, o autor aponta uma diferença essencial entre os dois casos: o
“produtor cultural” é devidamente bem pago para se alienar.
31
Alguns trabalhos (TRAUBE, 1996 e LUNN, 1990) apontam também posturas
intermediárias entre as visões pessimistas e otimistas da indústria cultural. Nesta
abordagem, acredita-se que a cultura popular não pode ser reduzida a uma forma de
controle social imposto “de cima”, mas tampouco pode ser entendida como uma
cultura puramente expressiva, emersa “de baixo”. Ou seja, não há imposição, mas
também não há consenso. Embora o capital econômico seja importante na
diferenciação entre os tipos de cultura, é o capital cultural que acaba reforçando esta
segregação, recurso este exigido para que se possa acompanhar e se apropriar da
“alta” cultura. Capital este importante também para a delimitação de uma elite
cultural.
Assim como a definição da indústria cultural independe das polêmicas visões quanto
ao seu papel, algumas características comuns a esta indústria podem ser
apontadas:
1) a extrema fragmentação do mercado em diversas áreas como cinema,
música, teatro, rádio, imprensa, etc., a variedade de segmentação dentro de
cada um destes setores e a diversidade de gêneros extremamente estimulada
pela indústria (TRAUBE, 1996);
2) a rapidez do consumo e volatilidade do conteúdo de seus produtos;
3) a originalidade (MORIN, 1969), motivada pela necessidade da novidade,
sendo assim um ótimo exemplo do chamado “padrão fashion de consumo”
(McCRACKEN, 1990);
4) a concentração técnico-burocrática alienada do criador, ou seja, o produto
originalmente concebido pelo autor é submetido à burocracia da organização
que faz um primeiro filtro e depois a repassa para os técnicos que, por sua
vez, fazem sua própria manipulação (MORIN, 1969).
32
A indústria cultural segue “a dinâmica de qualquer outra indústria capitalista, a busca
do lucro, mas também reproduzindo idéias que servem para sua própria perpetuação
e legitimação” (VIANA, 2004). A fama, representação da busca pelo reconhecimento
na sociedade de massa, é uma destas idéias. Em seu trabalho sobre estrelas de
cinema, Morin (1972) discute o papel do cinema como difusor de mitos e mostra
como a indústria cultural se aproveita da necessidade do homem de se projetar em
mitos, transformando-os em mercadoria, a que ele chama de estrela-celebridade.
2.1.1 A Importância Cultural da Fama
A história mostra as diferentes formas pelas quais determinados indivíduos têm
buscado atrair a atenção de outros sobre si mesmos. O reconhecimento social é
necessário para que o indivíduo sinta a sua existência (VERNANT, 19786, apud
COELHO, 1999). A busca pelo reconhecimento é algo antigo e a admiração que
nutrimos pelos reconhecidos perpetua e retro-alimenta esta busca.
Desde Alexandre, o Grande, o reconhecimento requer publicidade. A imagem para
ser reproduzida utilizou e acompanhou os meios disponíveis. Assim, no passado, a
literatura, o teatro, os monumentos públicos faziam o papel de reprodução dos mitos,
depois, com o Renascimento, contribuíram para a função as pinturas e os retratos.
E, finalmente, a era moderna adicionou a fotografia, o cinema, o rádio e a televisão
(BRAUDY, 1986 e MORIN, 1969). Mais do que novos canais de publicidade, pelo
alcance e força propagadora que possuem, esses novos canais mudaram toda a
dinâmica da construção do renome.
No mundo da comunicação em massa, o fenômeno da fama é maximizado e ganha
contornos específicos, dada a possibilidade que proporciona de associação de um
nome a um rosto, ambos divulgados, agora, maciçamente.
6
Vernant, J.P (1978). A Bela Morte e o Cadáver Ultrajado. Discurso. Depto de Filosofia da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (9): 31-62, 1978.
33
Em seu trabalho, Coelho (1999) trata de algumas formas de construção de renome:
a glória, a honra, a reputação e a fama. Ela mesma chama atenção ao uso
intercambiável destes termos muitas vezes de forma indistinta na obra de um
mesmo autor. São de fato formas nuançadas de construção de renome. “O nome,
primeira percepção de si, individualiza; mas é no renome que se constrói a
identidade, através da interação com o olhar do outro” (COELHO, 1999, p.30)
A honra é vista por dois aspectos ao mesmo tempo: é individual, uma vez que traduz
um sentimento (“honra sentida”), e é coletiva, uma vez que se torna um fato social
(“honra provada”). Ao fazer uma auto-afirmação face ao olhar coletivo, a honra era
uma forma de construção de identidade de si através dos outros. Ela tem um caráter
conciliador entre as dimensões das existências privada e pública. Esta associação
íntima da honra com as convenções sociais é uma das explicações para o
obsoletismo da noção de honra. Berger, Berger e Kellner (19747, apud COELHO,
1999) acreditam que a “dignidade” é a substituta contemporânea da honra, que não
sobreviveu à “incapacidade moderna de compreender insultos (isto é, ataques à
honra) e às dificuldades jurídicas envolvendo alegações de ‘ofensa à honra’”
(COELHO, 1999, p.26). No caso da honra, a identidade estaria vinculada aos papéis
institucionais, e, portanto, para ter sentido, ela pressupõe um mundo estável com
instituições e convenções críveis. Mas à medida que se desenvolve o mundo
moderno, essas instituições e convenções são questionadas, fragmentadas e
mesmo desacreditadas, e a construção da identidade se desvincula do papel
institucional, tornando-se mais solitária. É esta nova forma de construção de
identidade que se denominou “dignidade”.
A glória, assim como a honra, também tem as dimensões individuais e coletivas.
Mas o que a distingue é que a glória singulariza o indivíduo. Se de alguma forma a
honra é acessível a todos os mortais, a glória não, ela destaca o indivíduo. Por
algum feito, a glória significa o termo último da honra, e sendo este feito várias vezes
7
Berger, P.; Berger, B., & Kellner, H. (1974). On the obsolescence of the concept of honor. In: The Homeless
Mind. New York: Vintage Books.
34
acompanhado da morte, atribui-se à glória o sinônimo de “honra heróica”, aquela
que será celebrada por toda a posteridade.
A fama é descendente da glória. Não possui a sua mesma nobreza porque ela tem
um caráter bem mais efêmero e democrático, afinal todos ainda terão seus “15
minutos de fama”. Ao contrário da glória, para se atingir a fama não se faz
necessário que o indivíduo tenha realizado algum feito, no extremo de sua honra. O
uso correto dos meios de comunicação em massa, o alcance e a manutenção da
alta visibilidade são os fatores que alçarão o indivíduo moderno à condição de
famoso. A sorte, mais do que o merecimento é o que acaba determinando o sucesso
de alguém. No fundo somos todos estrelas esperando o momento de sermos
descobertos. A busca pela fama é a tradução moderna da busca pela
singularização.
A fama é uma forma de se destacar, de se diferenciar totalmente aceita em
sociedades que possuem pressupostos igualitários, já que ela não hierarquiza os
indivíduos. Os famosos são cercados de privilégios que são espontaneamente
ofertados como sinal de reconhecimento. A fama se opõe ao anonimato e ao
esquecimento aos quais a maioria dos mortais está fadada, e aos quais todos
tentam fugir. E alimenta um paradoxo, porque exige o anonimato de muitos para o
estrelato de um (COELHO, 1999).
O desejo pela fama – promessa sedutora de se escapar do anonimato e da
massificação – é alimentada por uma tensão constante no mundo das sociedades
de massa: o anseio pela singularização versus o anseio da proteção da intimidade
individual.
A indústria cultural tem um papel fundamental na disseminação da fama, porque a
fama necessita da comunicação em massa e vice-versa. Uma se alimenta da outra.
O portador da fama torna-se o que se conhece hoje como celebridade.
35
2.1.2 O Produto Celebridade
Existem variados tipos de celebridades dadas as diferentes áreas de origem onde
elas podem ser produzidas: cinema, televisão, esportes, mundo de negócios, entre
outros (TURNER, 2004). Não importa qual o tipo de celebridade, todos têm em
comum a capacidade de despertar uma certa fascinação, porque ao mesmo tempo
em que possuem uma aura de imaginário e divino (ROJEK, 20018; FROW, 19989
apud TURNER, 2004 inclusive atribuem às celebridades funções paralelas às que
são normalmente designadas às religiões), as celebridades são pessoas que se
pode encontrar numa situação cotidiana e ordinária de pessoas “normais”.
É por isto que as celebridades devem ser diferentes o suficiente para serem
atraentes e despertarem o interesse de consumo, mas similares o suficiente para
não serem ameaçadoras e destrutivas (BRAUDY, 1986). É uma mistura de ordinário
com extraordinário que alimenta o consumo da celebridade. É a verificação de que
“poderia ser eu”, que aumenta o fascínio e a curiosidade acerca deste produto. As
pessoas se projetam nas celebridades e através delas transcendem vicariamente a
rotina de suas vidas diárias.
Daí a curiosidade em torno de tudo o que diz respeito a uma celebridade,
principalmente em relação à sua vida privada.
Turner (2004) é categórico ao afirmar que celebridades são criadas e desenvolvidas
para gerar dinheiro. Seus nomes e imagens são usados como elos para o
desenvolvimento e conexão entre as mais diferentes formas de se entregar
entretenimento ao consumidor: filmes, cd’s, revistas, jornais, programas de televisão,
sem contar na gama de produtos licenciados com a marca das celebridades.
8
Rojek, C. (2001). Celebrity. London: Reaktion.
Frow, J. (1998). Is Elvis a God? Cult, Culture, questions of method. International Journal of Cultural Studies,
1:2, pp. 197-210.
9
36
Por causa de seu poder em chamar a atenção para si, as celebridades, entre outros,
são utilizadas em diferentes projetos para atrair investimentos, para alavancar
produtos e marcas através de endossos e para garantir audiência e publicidade em
programas e eventos. A celebridade ganha e faz dinheiro na mesma proporção em
que é capaz de chamar atenção e gerar notícia. Por isto que visibilidade é fator
chave de sucesso para este produto, fator este altamente explorado no livro de Rein,
Kotler e Stoller, Marketing de Alta Visibilidade (1997)
As celebridades – pela própria natureza efêmera da fama – têm um ciclo de vida
curto e por isto é comum que sejam contratados terceiros para a administração de
suas carreiras. São agentes, produtores e empresários, todos especialistas que, da
mesma forma que acontece na indústria manufatureira, desenvolvem um plano
mercadológico, um sistema de melhoria e modificação do produto para prolongar o
estágio de amadurecimento e desenvolvem estratégias de construção e manutenção
de lealdade do consumidor (TURNER, 2004).
2.2 O Consumo de Celebridades
A visão tradicional de que o consumo está estruturado pelas propriedades do objeto
consumido está mais do que contra-argumentada nos estudos de comportamento do
consumidor (BELK, 1995). Pelo contrário, entende-se agora que o consumidor é
parte ativa na atribuição de significados do que está sendo consumido. Através da
antropologia do consumo e da adoção da perspectiva simbólica e do significado das
posses,
em
detrimento
da
econômica,
foram
produzidos
vários
estudos
(McCRACKEN, 1986; HOLBROOK; HIRSCHMAN, 1982; DOUGLAS; ISHERWOOD,
1979; e um dos mais explícitos, BELK, 1988), que, com foco na simbologia de
produtos, objetos e bens físicos, apresentam algumas peculiaridades - e perdem
outras - que não se aplicam, ou não explicam bem, o consumo do produto cultural
celebridade.
37
Holt (1995) propõe uma estrutura de estudo do comportamento do consumidor, que
ao invés de focar na compreensão do por que os indivíduos consomem este ou
aquele objeto, busca entender a variedade de formas, dos vários “como” os
indivíduos consomem. Assim, como o materialismo envolve o como as pessoas
consomem e não o que elas consomem não se restringe e não envolve somente os
objetos consumidos, mas como observa este mesmo autor “serviços e atividades
como entretenimento, férias e mesmo educação podem ser consumidos de uma
maneira materialista” (p.14). Na lógica da indústria cultural, a celebridade também
pode ser consumida de uma forma materialista. O interesse então, para o presente
estudo, da estrutura proposta por este autor se dá tanto por esta visão do consumo
simbólico, como também pelo próprio objeto de estudo utilizado por ele: audiência
(torcedores de futebol universitário).
Utilizando uma matriz formada por duas dimensões (FIGURA 4)– a estrutura e o
motivo do consumo – Holt (1995) organiza a maneira pela qual os diferentes
aspectos do consumo vêm sendo tratados por pesquisas anteriores. As quatro
situações são descritas, então, por meio de metáforas: consumo como uma
experiência, como integração, como classificação e como brincadeira, diversão
(play).
O consumo como experiência tem no trabalho de Holbrook e Hirschman, “The
Experimental Aspects of Consumption” (1982) a sua origem e enfatiza os estados
emocionais que se formam durante o consumo. A abordagem do consumo como
integração descreve como os consumidores adquirem e manipulam os significados
dos objetos, através de vários processos como rituais, auto-extensão e de
sacralização. Russell Belk tem clássicos trabalhos neste sentido, como “Possessions
and the Extended Self” (1988) e “The Sacred and The Profane in Consumer
Behavior: theodicy on the odyssey” (1989, junto com Melanie Wallendorf e John
Sherry). Na terceira situação, consumo como classificação, o foco é como os objetos
atuam na classificação dos seus consumidores, ou seja, a classificação do indivíduo
se dá através da posse e da exibição do objeto consumido. O trabalho de Douglas e
Isherwood (1979), “O Mundo dos Bens”, é um clássico exemplo desta abordagem. E,
38
finalmente, consumo como diversão, que na visão de Holt (1995) foi a dimensão do
consumo, até então, menos estudada. Para ele, o “ato de consumir não apenas
envolve o compromisso direto com o objeto consumido, mas também inclui o uso
deste objeto como fonte de interação com seus ‘consumidores companheiros’”. Esta
pouca atenção que Holt percebeu em 1995 está sendo corrigida em trabalhos bem
recentes como os de Obst, Zinkiewicz e Smith (2002a e 2002b), Muniz e O’Guinn
(2001), Kozinets (2001) Shouten e McAlexander (1995) e outros que vêm estudando
com grande enfoque o fenômeno das coletividades de consumo. Estes autores
serão abordados na próxima seção deste trabalho.
MOTIVO DO CONSUMO
Ações
Autotélicas
Ações
Instrumentais
Ações do
Objeto
CONSUMO
COMO
EXPERIÊNCIA
CONSUMO
COMO
INTEGRAÇÃO
Ações
Inter-pessoais
CONSUMO
COMO
DIVERSÃO
CONSUMO
COMO
CLASSIFICAÇÃO
ESTRUTURA
DA AÇÃO
Figura 4 - Metáforas do Consumo
fonte: HOLT (1995, p.3)
Assim, antes de se aprofundar na característica de agremiação que os fãs tendem a
possuir, ou seja a relação fã-fã, nesta seção será abordada a relação fã-celebridade.
Isto dará um bom embasamento para melhor compreender a dinâmica estabelecida
dentro de um fã-clube.
2.2.1 O Relacionamento Fã-Celebridade
No levantamento conceitual que Fournier (1998) fez para seu trabalho sobre o
relacionamento consumidor-marca, ela aponta que para que um relacionamento de
39
fato exista, seja qual for a sua natureza, deve ser evidente uma interdependência
entre as duas partes. Quando uma destas partes é então uma marca, o mecanismo
que o indivíduo acaba utilizando para legitimar esta relação é de alguma forma
transformando-a em algo animado, humanizado e até personificado. É comum
consumidores se referirem a suas marcas como se elas fossem pessoas (BELK,
1988 e AAKER, J., 1997). Faz-se importante notar que no caso do produto
celebridade a marca é uma pessoa e portanto se poderia supor que não há
necessidade de usar qualquer mecanismo para que se possa estabelecer um
relacionamento.
Mas esta é uma falsa impressão. Como bem afirma Ferris (2001), o encontro fãcelebridade é um tipo único de relação social, e um dos motivos que o faz singular é
que nestes encontros há uma assimetria de conhecimento entre os participantes: o
fã sabe muito mais sobre a vida e a identidade da celebridade do que vice-versa.
Aliás, na grande maioria das vezes a celebridade não sabe absolutamente nada a
respeito do fã que o encontra e o abraça como a um velho conhecido.
Horton e Wohl (1956) têm uma interessante teoria sobre estes “falsos
relacionamentos”. Eles caracterizaram a interação entre mídia e audiência como
relacionamento para-social. A crença é que por uma falha, um vazio que a
sociedade moderna deixa de preencher, as pessoas acabam desenvolvendo falsas
relações com seus ídolos, seus objetos de adoração, na busca do preenchimento
desse vazio.
Já em 1956, estes autores alertavam que algumas forças estavam afetando a
qualidade das relações sociais: o declínio da comunidade e o aumento do poder da
mídia de massa. Em sua visão, fazemos parte de uma sociedade mais desenvolvida
tecnologicamente, sim, mas o preço desta modernidade tem sido pago com a
decadência dos relacionamentos sociais, da cultura e dos valores. O declínio da
sociedade e o aumento da mídia de massa proporcionam um terreno fértil para o
desenvolvimento destes falsos relacionamentos. A comunidade antes dava suporte,
40
proteção, identificação e conexão aos indivíduos. Sem esta referência, eles ficam
mais vulneráveis e irracionais.
A chamada mídia de massa (rádio, televisão e cinema) proporciona aos indivíduos
uma ilusão de que existe um relacionamento real, face a face, com a persona,
independentemente se ela está representando um papel ou sendo ela mesma. Aliás,
quanto mais real parecer esta persona, mais íntima parecerá a relação – e as
próprias técnicas televisivas se desenvolveram para isto – maior a lealdade que o
público poderá desenvolver com esta personagem. As pessoas acabam vivendo
uma ilusão de intimidade tão forte que acreditam que de fato têm um relacionamento
com aquele agente, justificando então o termo “relacionamento para-social”, criado
por estes autores.
Para a maioria das pessoas o relacionamento para-social é complementar aos
relacionamentos reais que elas têm. Jenson (1992) afirma que o fato de os fãs
serem vistos com preconceito e com distanciamento tanto pela mídia como pelos
pesquisadores demonstra uma falta de percepção de que tais relacionamentos parasociais são conseqüência de uma sociedade que não supre as necessidades sociais
de seus tipos individuais, e que portanto, todos nós recorremos num maior ou menor
grau a esse tipo de relacionamento, sendo alguns deles culturalmente mais aceitos
do que os outros (quanto mais ligado à cultura popular, mais discriminado será este
relacionamento).
Horton e Wohl (1956) discutem os papéis que este tipo de relacionamento
desempenha para as diferentes idades, mas principalmente para os que eles
denominam “social e psicologicamente isolados”: o relacionamento para-social lhes
proporciona uma chance de desfrutar do “elixir da sociabilidade”, mas pode acabar
prejudicando ou mesmo substituindo suas relações sociais reais.
Os autores ainda citam que, com o tempo, os fãs acabam acreditando que eles
conhecem a pessoa-objeto mais íntima e profundamente que os outros, e mais, que
41
entendem seu caráter e apreciam seus valores e motivos. Este “personagem” pode
ser visto pela sua audiência como amigo, conselheiro, modelo, etc.
O conhecimento e “convivência” cada vez maior do fã com seu ídolo acabam
funcionando como uma motivação para que o fã busque então um contato real com
a celebridade. Ferris (2001) acredita que quando um fã consegue finalmente ficar
face-a-face com a celebridade é como se dois mundos colidissem, o mundo comum
e ordinário dos fãs com a vida espetacular da celebridade. O real e o imaginário se
fundem. Tanto que, divergindo um pouco do Horton e Wohl, Caughney (198410 apud
FERRIS, 2001) acredita que a relação fã-celebridade contém tanto elementos reais
como imaginários e que o fato de ser imaginário, não é algo necessariamente
prejudicial, disfuncional ou patológico.
Em seu trabalho, Ferris (2001) identifica três dinâmicas possíveis em que o encontro
– numa primeira leitura, a efetivação de relacionamento – pode ocorrer. Os
encontros programados, ou eventos públicos, seriam aqueles formalmente
organizados por produtores e outros grupos com o objetivo claro de aproximar as
celebridades de seus fãs. São convenções, lançamentos, noites de autógrafos,
presenças em festas e boates, bailes de debutantes (muito freqüentes no Brasil) que
teoricamente aproximam as duas partes, porém, são claramente uma forma não
usual de interação, porque as relações de poder entre elas são claramente
desiguais. A celebridade continua no comando, protegida, enquanto a condição de
ação do fã continua restrita. A segunda forma de encontro, a não armada, “celebrity
sighting”, é aquela que acontece por acaso, quando a celebridade está circulando
por lugares públicos na mesma condição do fã, ou seja, realizando tarefas rotineiras,
como uma “pessoa normal”, muito embora na maioria das vezes, disfarçado. Este
encontro casual é muito mais autêntico e satisfatório para o fã que o encontro
programado, por causa da espontaneidade que acomete ambas as partes. Este
autor nota, porém, que esses encontros são mais raros. Já que o primeiro tipo os
deixa numa condição inferiorizada e o segundo tipo não é confiável, alguns fãs
partem para um terceiro tipo de encontro identificado, a busca ativa, ao armarem
10
Caughney, J. (1984). Imaginary Social Worlds: A Cultural Approach. Lincoln: University of Nebraska Press.
42
seus próprios encontros com as celebridades. Neste tipo de encontro é o fã que
detém o controle, que pega a celebridade desprevenida. Como a maioria das
celebridades guarda zelosamente sua privacidade, os fãs usam das mais diversas,
engenhosas – e até criativas – armações para conseguirem a informação que os
colocará no caminho delas.
À medida que o fã ganha poder, a celebridade perde proteção. A busca constante
por este tipo de encontro forçado pelo fã pode se tornar uma obsessão. No estudo
de Ferris (2001), todos os entrevistados que chegaram a provocar estes encontros
forçados afirmaram jamais considerar colocar ou impor risco de vida às celebridades
que eles seguiam. De qualquer forma, é um limite sutil que diferencia estes fãs dos
“desviados”, e as celebridades de uma certa forma, temem e evitam estes encontros,
já que não conseguem detectar a diferença, numa primeira impressão.
A assimetria da relação fã-celebridade também foi comprovada por Coelho (1999)
em sua pesquisa baseada em cartas de fãs para diferentes atores e atrizes de
novelas da Rede Globo. E ela vai além: ciente deste desequilíbrio, o fã busca o que
ela chamou de “singularização”, ou seja, conseguir um destaque no meio de uma
multidão de fãs. O objetivo final da singularização é diminuir a desigualdade da
relação, e conseguir finalmente uma reciprocidade, traduzida não só num contato
físico (porque aparentemente um contato apenas não satisfaz) mas num
relacionamento físico. É como se o fã ao ser conhecido e reconhecido pelo ídolo se
tornasse tão ou mais famoso e importante do que ele. Afinal ele seria famoso para o
famoso.
É importante abrir um parênteses aqui e discutir a função do sexo nestes
relacionamentos. Coelho (1999) concluiu que quando os dois sexos são masculinos,
a celebridade representa para o fã um modelo a ser imitado e não um arquétipo
sagrado a cultuar. Quando os dois são do sexo feminino, há uma identificação muito
grande por parte da fã e a vontade profunda de travar amizade. Quando os sexos
são opostos há sempre um discurso amoroso muito intenso, porém não erotizado,
confirmando novamente o processo de sacralização em que o ídolo é submetido
43
pelo fã. A utilização do discurso amoroso tem na discussão que a autora faz sobre
amor e carisma uma justificativa. Na lógica da indústria cultural é aceito estar
apaixonado, mas não fascinado. Assim, atrás do discurso amoroso do fã existe uma
tentativa de resgatar a legitimidade dos seus próprios sentimentos em termos mais
favoráveis.
No esforço de singularizar-se os fãs recorrem a inúmeras estratégias, solicitações de
fotos, autodescrições, de confissões íntimas, pedidos enfáticos de retorno entre
outros. Como resposta ao êxito deste esforço, o fã precisa uma confirmação de que
a carta chegou realmente às mãos da celebridade e que uma resposta autêntica e
personalizada será recebida. No levantamento feito por Coelho (1999) os artistas
todos, independentemente do estágio da carreira em que se encontravam não
respondiam mais, pessoalmente, a estas cartas. Entre os motivos citados, tempo e
disponibilidade eram os mais recorrentes. Porém mais profundamente, foi levantado
que o grande motivo é que a celebridade não tem interesse em estabelecer um
vínculo estreito com seus fãs, não quer personalizar a relação. Em alguns casos,
motivados por interesse mercadológico ou pelo que chamam de ‘respeito’, alguns
destes artistas contratam alguém para ler e/ou responder a estas cartas. E neste
sentido, então, fica mais contundente
a assimetria da relação fã-celebridade,
confirmando a teoria dos relacionamentos para-sociais de Horton e Wohl (1956): as
cartas, aqui representando um ato de comunicação, em geral não chegam ao seu
receptor, permanecendo assim incompleto. Conforme observa Coelho (1999):
“A chance de o(a) remetente receber uma resposta aparece, na sua
representação, vinculada à possibilidade de distinguir-se dos demais
fãs, singularizando-se; consciente, por um lado, de sua condição
anônima, o fã lança mão de inúmeros recursos para transcendê-la,
desta forma enredando-se em um dilema entre a consciência do seu
anonimato e a certeza de sua singularidade.“ (p.61)
Este paradoxo – anonimato versus singularização – fica evidente através da análise
que a autora fez a partir da recorrência (e formas) da utilização da expressão “fã
numero 1”. Os fãs que assim se autodefiniam representaram 25% do total de cartas
44
analisadas. Esta que seria a forma mais explícita de singularização, é porém, ao
mesmo tempo, a mais utilizada. Quanto mais diferente ele tenta ser dos demais fãs,
mais ele se iguala. Este é o paradoxo da indústria cultural.
Em sua metáfora de consumo como Integração, Holt (1995) mostra como alguns
consumidores interagem com seus objetos consumidos uma vez que eles são
elementos importantes na constituição da sua identidade. A integração representa
um ato instrumental perseguido para proporcionar o uso simbólico de um objeto.
Esta integração pode ocorrer de duas formas: o objeto consumido é integrado à
identidade do indivíduo, processo este que acabou sendo denominado na literatura
como auto-extensão (self extension, por BELK, 1988); ou ainda de uma forma mais
intensa, onde o indivíduo se reorienta para um melhor alinhamento com a identidade
institucionalmente definida. O interessante é que HOLT (1995) demonstra que com
objetos de produção massificada (automóveis, celebridades...) o processo de
integração torna-se problemático pelo próprio paradoxo apontado por Coelho (1999):
ao mesmo tempo em que as estruturas institucionais proporcionam recursos para a
criação de experiências repletas de significados para os indivíduos, a “objetificação”
necessária para constituir este mundo social tem um “efeito irônico de tornar mais
difícil a apropriação dos significados dos objetos consumidos pelos consumidores”
(HOLT 1995, p.6).
Os métodos, então, que os consumidores utilizariam para quebrar, ou pelo menos,
diminuir esta distância institucional entre o consumidor e o objeto consumido são:
assimilação, quando todo o significado está de tal forma internalizado que passa a
ser uma forma natural de pensar e agir; a produção, quando os indivíduos passam a
acreditar que seus atos ajudam na própria construção do objeto consumido e; a
personalização, onde o indivíduo adiciona elementos extra-institucionais na relação
com seu objeto com o objetivo de imprimir a sua individualidade.
O conceito de “singularização” colocado por Coelho (1999) equipara-se, assim, ao
que Holt (1995) levantou sobre a extensa literatura a respeito dos “atos de
personalização”, descrito como as diversas formas em que consumidores acabam
45
transformando, alterando simbólica e fisicamente objetos produzidos de forma
massificada, com o objetivo de adquirir e manipular os significados que lhe são
conferidos.
Além da desigualdade de conhecimento entre as partes que existe no
relacionamento fã-celebridade, outra característica o torna um tipo de interação
social único: a busca pelos troféus de contato. Como espécies de prova do seu
relacionamento com os ídolos, os fãs buscam obter alguma lembrança – que é
guardado como verdadeira relíquia e troféu – dos seus encontros. Autógrafos, fotos,
qualquer coisa que possa prolongar – e personificar (HOLT, 1995) – aquele
encontro. Como observa Fiske (1992), “fãs são ávidos colecionadores”, e as fotos e
autógrafos, provas dos seus encontros, são os itens mais especiais de sua coleção,
porque são únicos, exclusivos, personalizados. Ferris (2001) observa que destes
encontros os fãs levam na melhor das hipóteses uma fotografia ou autógrafo e na
pior das hipóteses uma história para contar. E, para eles, isto é o bastante, é
informação diferenciada.
Verdadeiro ou não, real ou imaginário, o fato é que os relacionamentos são
importantes porque eles estruturam e adicionam significados às vidas das pessoas.
O desenvolvimento da personalidade depende em grande parte da fabricação do
relacionamento com outras pessoas. Estas relações podem ajudar a resolver temas
de vida, problemas existenciais e tensões que vão surgindo no dia-a-dia das
pessoas (FOURNIER, 1998). Os relacionamentos diferem pelos tipos de laços que
unem as partes envolvidas. Estes laços podem estar fundamentados por questões
utilitárias, como por emocionais. Os laços emocionais, por sua vez, variam em
intensidade de afeição superficial e um simples gostar para uma afeição amigável,
amor passional até uma obsessão doentia.
Belk, Ger e Askegaard (2003) afirmam que consumidores potencialmente passionais
são consumidos por desejo. A compreensão dos mecanismos do desejo tem
recebido bem menos atenção do que as necessidades; o desejo é entendido como
uma emoção forte e cíclica que é ao mesmo tempo desconfortável e prazerosa. A
46
constante tensão do desejo alimenta a paixão e envolve questões como o outro
(otherness), a sociabilidade, perigo e inacessibilidade. No estudo realizado pelos
autores, o desejo é visto pelos consumidores como fogo (“the fire of desire”), um
sentimento quente, uma emoção passional completamente diferente do discurso
sem sentimentos da busca pela “satisfação de necessidades”.
Alguns comportamentos como compra por impulso e comportamento compulsivo
possuem componentes do desejo, mas não representam completamente o
comportamento motivado pelo desejo. No caso de compra por impulso, observam os
autores, o senso de urgência persistente e forte que surge no impulso são
característicos do desejo, porém sua característica repentina e de satisfação
imediata não. O desejo é alimentado pelo tempo, pela busca, mais ainda, pela
dificuldade da busca. O inatingível é um elemento muito importante na compreensão
do desejo. Já o conceito de comportamento compulsivo divide com o desejo a
intensidade e o poder das emoções geradas. Mas o estado de ansiedade do
comportamento compulsivo pode dar mais satisfação e alívio para o indivíduo
compulsivo do que o próprio objeto perseguido. A perseguição é mais importante. No
caso do desejo, por mais importante que seja o papel da perseguição, a satisfação
só ocorrerá quando o objeto desejado for enfim conquistado. Isto, porém, não
significa que o objeto não possa perder valor quando finalmente atingido, levando o
consumidor a partir em busca de novos objetos de desejo, ou a reciclar os antigos.
Os autores falam num ciclo do desejo: desejo, aquisição, reformulação do desejo.
Esta alimentação contínua, este ciclo sem fim, dão indícios de que na verdade existe
o desejo pelo desejo. A vida sem desejo é vista como sem graça, sem tempero, e
mais, sem esperança. O desejo e a chance de realização deste desejo criam um
estado de esperança que por si só é altamente prazeroso. Aqui fica clara a
necessidade de existir um equilíbrio entre a distância e a acessibilidade do objeto
desejado. Ele tem que ser distante o suficiente para causar o interesse da
perseguição, porém perto o suficiente para dar esperança de que poderá ser
alcançado.
47
Os autores ainda nos colocam uma visão diferente do desejo ao se embasarem em
Baudrillard (198311, apud BELK; GER; ASKEGAARD, 2003) que reverte a
perspectiva para o objeto. Assim, não é mais o sujeito que deseja, mas o objeto que
seduz. E, de acordo com ele, tal sedução é uma alternativa fundamental para a
racionalidade da sociedade contemporânea, porque ela está enraizada em tudo que
é oposto à racionalidade: destino, mágica e paixão.
Independentemente da perspectiva adotada, o desejo é parte fundamental na
composição do consumo devoto.
2.2.2 Fã e o Consumo Devoto
Várias foram as escalas desenvolvidas para definir e classificar os tipos de
relacionamento entre consumidor e marca (OLIVER, 1999; BOWEN; SCHNEIDER,
1999; GRIFFIN, 1995; RAPHEL; RAPHAEL, 1995; AAKER, D., 1991). Elas
apresentam ora diferenças muito sutis, de nomenclatura, ora conceituais referentes
à própria definição de lealdade. A aqui utilizada é a feita por David Aaker (1991), que
conceitua lealdade como uma “medida da ligação entre consumidor e marca” (p. 40)
refletindo a probabilidade de o consumidor mudar ou não para outra marca,
especialmente se a concorrente fizer uma mudança, quer em preço, quer em
característica de produto.
A proposta feita por Bowen e Schneider (1999) chamou a atenção porque sugere
acrescentar à escala comum de 5 pontos de insatisfação/satisfação mais outros
dois, nos extremos. O que determina estes pontos é justamente a experiência e as
emoções que o contato com uma marca/produto propiciou. Mais do que insatisfeito,
o consumidor pode se sentir ultrajado, o que seria um grande problema, já que
provavelmente ele se posicionaria como um verdadeiro “terrorista” contra as marcas.
E, na outra extremidade, estaríamos lidando com um consumidor que foi
11
Baudrillard, J. (1983). Les strategies fatales. Paris: Grasset.
48
positivamente surpreendido na sua relação com a marca, pois a sua experiência
com ela excedeu à sua expectativa. Este extremo incluiria os chamados advogados,
missionários ou, como às vezes aparece na literatura, fãs da marca ou
consumidores apaixonados (ROZANSKI; BAUM; WOLFSEN, 2002).
Todas as escalas têm em comum colocar em seu topo os consumidores
“defensores”, “especiais”, “comprometidos” ou seja, aqueles que se envolvem de tal
forma com a marca que acabam fazendo sua divulgação e defesa espontaneamente
como elos de um processo boca-a-boca.
Pimentel e Reynolds (2004) acreditam que em alguns casos as conexões dos
consumidores com suas marcas atingem um nível de lealdade tão intenso que elas
sobrevivem à baixa performance de produto, a escândalos, má publicidade, altos
preços e ausência de esforços promocionais. Estes autores desenvolveram o
conceito de devoção do consumidor como uma possível extensão do valor da marca
(Brand Equity). O valor da marca é definido por David Aaker (1991) como o “conjunto
de todos os ativos e passivos ligados a uma marca, seu nome e seu símbolo, que se
somam ou se subtraem do valor proporcionado por um produto ou serviço para uma
empresa e/ou para os consumidores dela” (p.16). A lealdade é um dos mais
importantes ativos de uma marca que contribuem para sua valorização. Entre os
consumidores que estão dentro do nível mais alto de lealdade proposto por Aaker
(1991), Oliver (1999) ainda diferencia aqueles que possuem o “ultimate loyalty”, ou a
lealdade extrema, final. Em suas palavras, “o consumidor que deseja ardorosamente
adquirir um determinado produto ou serviço [...] contra tudo e a qualquer custo”
(p.35).
No modelo de Pimentel e Reynolds (2004), este consumidor de extremo
comprometimento é descrito como o consumidor devoto. Os autores utilizaram fãs
de futebol universitário para o desenvolvimento do seu modelo e depois o aplicaram
em consumidores de outros tipos de produtos como Coca-Cola, Saturn, Levi’s e
Nike. Eles acreditam fortemente que gerentes de marcas podem aprender mais
49
sobre a devoção do consumidor analisando fãs de esportes e de produtos de
entretenimento do que outras marcas de produtos.
O modelo (FIGURA 5) começa com uma série de antecedentes que podem levar o
indivíduo a um comprometimento calculativo e/ou normativo, já que um não exclui o
outro. Entre estes antecedentes, os autores identificaram normas mesmo que
implícitas em adotar uma determinada marca; a busca pelo preenchimento de vazios
e lacunas na vida do indivíduo; a necessidade de pertencimento e reconhecimento
de um grupo que surge no momento que se interage com outros fãs; a necessidade
de distinção, que tem toda a relação com a metáfora de Holt (1995) de consumo
como classificação; e necessidade de identificação, de definição e compreensão de
sua própria identidade, já que os indivíduos podem desenvolver, através da
integração um forte relacionamento com a organização.
Estes antecedentes podem levar o indivíduo para um comprometimento calculativo
se estiver baseado numa boa relação custo-beneficio. É um relacionamento mais
superficial do ponto de vista de lealdade porque está sustentado pela necessidade.
Ou seja, enquanto a relação for proveitosa para o indivíduo, ela existe. No caso dos
fãs de futebol, os autores exemplificam com torcedores que se manifestam apenas
durante temporadas vencedoras. Estes não são considerados pelos outros fãs como
verdadeiros.
O comprometimento normativo, outro caminho ao qual os antecedentes podem levar
é o que está estabelecido a partir de um senso de obrigação por parte do indivíduo.
É como se fosse moralmente esperado e certo fazer, já que eles se sentem
responsáveis pelo sucesso do objeto.
Estas duas formas de comprometimento não são excludentes. Como colocam os
autores “a potencial sobreposição destes dois tipos de comprometimento é explicada
ao percebermos que os benefícios calculados e as pressões normativas são
diferentes dimensões e não pólos opostos de uma mesma dimensão” (p.10). Ambas
as formas são temporárias ou transitórias. O calculativo só persiste enquanto
50
benefícios forem maiores que os custos. O normativo, embora um pouco mais
duradouro, também só persistirá enquanto as normas vigentes se sobrepuserem ao
indivíduo. Em qualquer dos casos, cessados os estímulos, a conseqüência é a
atrofia do comprometimento.
Figura 5 - Modelo de Desenvolvimento do Consumo Devoto
fonte: PIMENTEL e REYNOLDS (2004)
51
Enquanto, a partir deste ponto, o comprometimento de alguns fãs pode atrofiar-se, o
de outros pode através de um processo de sacralização, progredir para um
comprometimento afetivo, este, sim, uma forma muito mais pessoal e intensa.
Belk, Wallendirf e Sherry (1989) acreditam que embora a religião seja o contexto
onde o conceito de sagrado é mais operante, não é o único: o comportamento do
consumidor pode exibir certos aspectos do sagrado. Conforme estes autores,
sagrado é algo que seja respeitado, venerado, temido e tratado com o máximo de
deferência. Em seu trabalho, eles descrevem sete formas através dos quais um
objeto pode se sacralizar: através de ritual, de peregrinação, de quintessência, do
ato de presentear, do ato de colecionar, através da herança e de sanções externas.
Em seu estudo, Pimentel e Reynolds (2004) identificaram vários resultados deste
grau de comprometimento que é intrinsicamente motivado: os fãs afetivamente
comprometidos atribuíam características positivas para seu próprio time, enquanto
diminuiam e atribuíam características negativas aos times rivais. A lealdade a seus
times persistia e sobrevivia em temporadas ruins, muito embora a má performance
fosse profundamente sentida e levada para o lado pessoal dos fãs. Como resultado
do próprio processo de sacralização não era incomum os fãs se expressarem em
relação a seus times através de referências religiosas.
Embora muito mais duradouro do que os outros dois tipos de comprometimento, o
afetivo não é necessariamente permanente. Ele precisa de sustentação, de ações
adicionais no sentido de não ocorrer a dessacralização do objeto. Através do hábito,
do abuso, de limites ultrapassados, o objeto pode se profanar (BELK;
WALLENDORF;
SHERRY,
1989).
Em
isto
ocorrendo,
novamente,
o
comprometimento pode se atrofiar.
Neste modelo, a devoção ocorre a partir do comprometimento afetivo e se manifesta
no comportamento proativo de sustentação da condição de sagrado do objeto. Se
por conta própria eles se imbuem desta missão, então eles se vêem compelidos a se
52
manter leais, até mesmo para garantirem sua consistência. Os fãs então sustentam
a sagração a partir de atos como a participação regular em rituais, a exposição de
símbolos através de vestuário e coleções, construção de verdadeiros altares em
suas casas, separando os itens da sua coleção (o sagrado) dos objetos comuns (o
profano). Alguns até assumem um papel de missionários, ao ativamente tentar
arregimentar novos fãs. Para adorar, acompanhar e apoiar seus objetos, são
realizados os mais diferentes tipos de sacrifícios.
Assim, a partir do modelo desses dois autores, o consumidor devoto pode ser
definido como aquele que apresenta comprometimento afetivo acompanhado de
comportamentos proativos de sustentação do objeto adorado.
Embora o objeto do presente estudo seja os fãs devotos, a literatura indica que há
diversos tipos de fãs. O próprio significado da palavra (do latim, fanático - fanaticus
– significa “pertencente a um templo” [fanum = templo]) nos leva a imaginar o fã
devoto.
Existem algumas definições para a palavra fã na literatura: no caso de celebridades
pode ser considerado um admirador entusiasta e no referente a esportistas a palavra
mais adequada é um seguidor mais entusiasta. O termo fanático refere-se a um fã
que obcecado por sua devoção, despe-se de sua autocrítica e acaba por exceder-se
em seu entusiasmo. Em nenhum momento na literatura foi encontrada alguma
referência ou modelo que quantificasse e classificasse este excedente.
Focando seu trabalho no consumidor de celebridades, chamado por eles mais
genericamente de audiência, Rein, Kotler e Stoller (1997) propõem uma
classificação baseada nos diferentes níveis de interesse e intimidade que estas
audiências trazem para seu “relacionamento” com as celebridades (FIGURA 6). Esta
classificação parece uma tradução das escalas de lealdade mais genéricas
encontradas na literatura (acima citadas) para o caso das audiências e o linguajar da
indústria cultural.
53
No nível inferior, e ainda aquém dos olhares de interesse da indústria, encontram-se
os
consumidores
invisíveis.
Diferentes
das
pessoas
que
não
consomem
celebridades (embora tanto estes autores como KOZINETS, 2001 e GROSSBERG,
1992 defendem fortemente que é muito raro encontrar alguém completamente
desprovido, desinteressado de algum tipo de celebridade) estes consumidores
invisíveis só parecem invisíveis por estarem longe do mainstream.
Figura 6 - Classificação dos Fãs de Celebridades
fonte: REIN, KOTLER e STOLLER (1987)
Logo acima estão posicionados os espectadores. O consumo desta parcela da
audiência é passivo, uma vez que só ocorre quando o preço e a responsabilidade
requerida são baixos. A partir do momento que o interesse do espectador aumenta e
ele sai do consumo casual para o contato mais intencional, ele passa a ser
considerado um perseguidor, que aqui pode ser livremente traduzido como um fã
“normal”, no sentido não preconceituoso da palavra. Estes consumidores, através da
aquisição de CD’s, ingressos, revistas passam a efetivamente gastar dinheiro no
consumo da celebridade, e portanto são os primeiros a chamar a atenção da
indústria.
54
Os colecionadores não só buscam ativamente a celebridade como guardam
lembranças físicas dos eventos. Embora alguns poucos possam ter um interesse
econômico em suas coleções – e seriam considerados muito mais investidores do
que colecionadores – a grande maioria devota um grande respeito e cuidado com
suas coleções, e não demonstra nenhum interesse em se desfazer dos seus itens.
Entre outras coisas, eles representam os elos com seus ídolos – no já referido
“troféu de contato” – e com os demais fãs. Através do licenciamento de sua marca,
as celebridades têm neste segmento o grupo que começa a se interessar e a
consumir as suas extensões de marca.
Para os membros dos fã-clubes, o quinto nível descrito, uma nova variável se
introduz: a necessidade mais forte de interação. Não mais satisfeitos com o
anonimato da multidão da audiência, estas pessoas querem ser reconhecidas pelos
seus ídolos como os seus fãs. Através da agremiação, estes fãs encontram na
companhia dos demais membros o encorajamento e o conforto dos que sentem a
devoção na mesma intensidade que a sua. Eles investem um tempo e energia
consideráveis no ídolo e o retorno atingido, como um bilhete, uma menção da
celebridade, lugares preferenciais e rápidos encontros no camarim, é para eles uma
troca mais do que justa.
Os insiders, embora possam ter um sentido mais pejorativo, são definidos por Rein,
Kotler e Stoller (1997) como aqueles fãs que não querem mais se comunicar com
seus ídolos através do fã-clube, mas sim de uma maneira mais direta, individual, e
possivelmente mais íntima. O objetivo destes fãs é conseguir ultrapassar a barreira
existente entre a celebridade e a audiência, alcançando assim a sua própria
notoriedade junto ao ídolo. Nestes níveis mais altos de comprometimento, a maior
parte dos casos já passa a ser considerada patológica e, portanto, não representa o
tipo de consumidor que a celebridade quer e tem interesse em propagar.
O staff é composto por aqueles membros comuns da audiência que acabaram
entrando nos círculos de relacionamento mais próximos da celebridade por conta de
alguma ocupação legitimada em posições autorizadas no seu sistema de suporte, ou
55
aqueles que pela proximidade do seu trabalho acabam desenvolvendo grande
lealdade e afeição pela celebridade. Entre os vários exemplos citados pelos autores,
cabelereiros, figurinistas, parentes, agentes, etc. Para este grupo, privilegiado sob o
ponto de vista da audiência, além da proximidade e do relacionamento real com a
celebridade, eles desfrutam de informação. Detalhes da vida e dos gostos das
celebridades que lhes conferem poder. Eles não necessariamente precisam dividir
esta informação para se sentirem poderosos, diferenciados. Para eles, basta possuíla.
E, finalmente, os exploradores. Esta é a mais intensa das formas de relacionamento,
porém é também a mais negativa, ameaçadora, e às vezes até, fatal. Entre os
subtipos de exploradores existem os fãs obsessivos, geralmente invisíveis, que
catapultam suas obsessões em sua própria forma de celebridade. Os bisbilhoteiros,
ao contrário dos obsessivos, agem de forma mais “calculada e profissional”. São os
jornalistas e outros tipos que ganham suas vidas buscando inconsistências e
excessos das celebridades para posterior divulgação. Estes são muito ameaçadores
para a carreira. E, por último, os destruidores, pessoas suicidas, que representam
uma ameaça à sua própria integridade física e à dos seus ídolos.
Neste sentido podemos notar a importância assumida dos membros de fã-clubes,
porque representam o nível mais alto de devoção considerada saudável e sinérgica.
Hunt, Bristol e Babshaw (1999) desenvolveram a seguinte tipologia baseada em
torcedores de futebol: fãs temporários são aqueles que só são fãs por um
determinado período de tempo, uma determinada época do ano. Fãs locais são
aqueles definidos geograficamente. Ao mudarem de localidade, passam a torcer por
diferentes times. Os devotos são os fãs que não possuem limitações temporais nem
geográficas: onde quer que estejam, qualquer que seja a época, eles se mantêm
fiéis aos seus objetos de devoção. E os fanáticos são aqueles que apresentam
devoção só que são muito mais extremos em suas atitudes e comportamentos. Por
último, os fãs disfuncionais, ou os casos violentos e/ou patológicos.
56
Nota-se uma distinção na concepção de fanático. Apesar destes autores terem
denominado os casos patológicos como disfuncionais e Rein, Kotler e Stoller (1997)
de obsessivos e destrutivos (na literatura pesquisada estes casos também
apareceram com a nomenclatura “desviados”), o uso da palavra fanático ficou
popularizado como o exagero doentio destes, relativamente, poucos casos. Em seu
trabalho sobre consumidores fanáticos, Redden e Steiner (2000) apontam que na
história multidisciplinar do estudo de fanatismo na política, na religião e no esporte,
quatro são as características sempre relacionadas: entusiasmo, ardor, excesso e
intolerância.
Esta visão popular e comum do fanatismo, acabou contaminando as manifestações
não patológicas da devoção, trazendo para a “categoria” um pesado estigma que os
fãs demonstram consciência de carregar. Os fãs reconhecem que o que eles
acreditam que são atos de sua devoção podem se tornar na visão dos outros,
incluindo das celebridades, como estranhos, obsessivos, invasivos e ameaçadores
(FERRIS, 2001).
2.2.3 O Estigma de ser Fã
Sempre que o fã é abordado como objeto de estudo – além de poucas, as iniciativas
neste sentido predominam no campo da psicologia – ele é visto como um ser
passivo e manipulável, um resultado ou uma resposta do “sistema de celebridades”,
que é veiculado através da mídia de massa. Ou seja, o fã é um produto, ou uma
conseqüência da mídia de massa. Eles têm nas celebridades seus modelos e grupos
de referência e por causa de uma “relação unilateral”, acabam desenvolvendo com
seus objetos de adoração, relações sociais artificiais.
Além disso, o enfoque às vezes distorcivo da mídia faz com que o conceito fã nos
remeta via de regra a somente dois tipos de indivíduos, ambos violentos, de atitudes
extremas e comportamento patológico: o tipo obsessivo solitário, como Mark David
57
Chapman, o assassino de John Lennon; e o tipo histérico membro de uma multidão,
como os muito estudados “hooligans”, ou então aquele estereótipo de fãs de rock,
que gritam, agarram, arranham e choram por seus ídolos.
Porém, se utilizarmos a concepção de Jenkins (1992) de que ser fã significa mostrar
interesse, afeição e compromisso por um determinado campo, objeto ou figura de
interesse ampliamos este conceito para todos nós e assim poderemos entender
muito do padrão de consumo dos “consumidores interessados”. As mais novas
práticas de marketing estabelecem que para manter consumidores leais é
necessário entregar-lhes “algo mais”, uma experiência marcante e inesquecível com
sua marca, para transformá-lo em um fã de sua marca.
Ao longo de sua vida, assim como demonstra Kozinets (2001), conforme seu estágio
biológico e social de vida, o ser humano vai mudando de interesse, e a cada novo
que surge, um novo “pacote de consumo” é adquirido para extravasar e saciar
aquele interesse específico.
Qual é a diferença então, entre ser um aficionado, ou um expert num determinado
assunto, ou ser um fã? Jenson (1992) explora três (FIGURA 7):
A primeira se refere ao objeto de desejo, enquanto o aficionado é um consumidor da
“alta cultura”, representada pela arte, o fã é exclusivamente o consumidor de bens
culturais industrialmente produzidos e distribuídos. Em segundo lugar, como
decorrência do objeto, o aficionado requer um nível educacional elevado para poder
compreender a obra; enquanto que o fã possui um nível educacional de médio para
baixo o que acaba também sendo traduzido por estratos sociais mais baixos .
A terceira diferença se refere à forma com que o interesse é demonstrado, nas
palavras de Jenkins (1992) à “demonstração emocional”. Enquanto o aficionado
demonstra um comportamento mais reservado, o fã é mais passional e dramático. A
audiência que é considerada admirável, boa, é aquela que é mais passiva, mais
contida, quieta e, portanto, respeitosa. Tanto que este autor até questiona se é a
58
paixão que diferencia os dois neste aspecto, para depois se utilizar de exemplos que
mostram que o limite entre a “obsessão racional” do primeiro e a “obsessão
emocional” do segundo não é claro, e portanto muitas vezes transponível.
Razão
Educado
Estratos mais
AFICIONADO:
altos
“alta” cultura
X
X
X
x
Emoção
Não Educado
Estratos mais
FÃ:
baixos
cultura de massa
Figura 7 - Diferenças entre Fã e Aficionado
É no contexto da indústria cultural, ou daquilo que se chama cultura de massas, que
se insere a condição de ser fã. Mais precisamente, “a cultura do fã” é uma
característica inerente à dimensão popular da cultura de massa. O fã seleciona, de
um repertório de produtos de entretenimento produzidos e distribuídos em massa,
certos artistas, narrativas e gêneros e os leva para dentro de uma “cultura fração”. É
por isto que o “mundo do fã” está tipicamente associado a formas culturais que o
sistema de valor dominante denigre: a música popular, novelas, romances, histórias
em quadrinhos, celebridades Globais e Hollywoodianas.
A partir dos produtos da indústria cultural, todas as audiências produzem
significados e prazeres que sejam pertinentes a sua situação social. Os fãs criam
uma cultura própria com seus sistemas também próprios de produção e distribuição
que formam o que Fiske (1992) definiu como “economia cultural das sombras”
Inspirado em Bourdieu, o autor vê os fãs como produtores e usuários ativos de um
“capital cultural popular”, que é o equivalente para as formações sociais
subordinadas e serve para os mesmos propósitos que o “capital cultural oficial” tem
para o contexto dominante. O que Fiske (1992) busca provar é que a cultura do fã é
uma forma de cultura popular que ecoa muitas das instituições da cultura oficial, mas
num formato popular e sob controle popular. Em outras palavras, o “fandom”
59
proporciona meios de preencher uma falta, um espaço cultural e proporciona
prestígio social e auto-estima para um segmento social.
Assim, num fã-clube, são prestigiados valores também importantes na alta cultura,
como por exemplo, autenticidade e conhecimento.
Uma das características mais notáveis entre as comunidades de fãs é a fronteira
entre o clube e o “resto do mundo”. E esta fronteira é fortemente marcada e
patrulhada pelos dois lados. Da mesma forma que os espectadores comuns não
querem ser tachados de “fãs” (devido ao estigma da palavra), os fãs pertencentes a
um fã-clube se autodenominam e se enxergam como os “verdadeiros” fãs. Neste
sentido são altamente discriminatórios e fazem da autenticidade a sua forma de
distinção.
Tanto no “fandom”, como na cultura oficial, o acúmulo do conhecimento é
fundamental para o acúmulo de capital cultural. A indústria cultural reconhece esta
característica e explora-a produzindo uma enorme variedade de materiais
desenhados para prover o acesso do fã à informação a respeito do seu objeto de
“fandom”. Assim como a autenticidade, o conhecimento proporciona prestígio ao fã
dentro do seu grupo e ele acaba atuando como líder de opinião. Este poder intragrupo também funciona entre grupos, ou seja, o conhecimento serve como uma
forma de distinguir um fã-clube de outro, aumentando a sua rivalidade.
Conhecimento, assim como dinheiro, também é fonte de poder.
Este acúmulo de capital cultural é materialmente traduzido pelas coleções dos fãs:
livros, fotos, cartazes, discos, etc, guardados numa condição sacra, sob a forma de
uma coleção.
A produtividade do fã ocorre através da interface entre commodities culturais
industrialmente produzidas e a vida cotidiana do fã. A partir deste material, ele,
individualmente produz, dos recursos semióticos, significados de identidade e
experiências sociais. É um processo essencialmente interno, ao qual Fiske (1992)
60
chama de produtividade semiótica. A partir do momento em que estes significados
são explicitados e divididos com outras pessoas, e adquirem um formato público,
passam a ser denominados de produtividade enunciada. As conversas, a linguagem
verbal são uma forma de gerar e circular significados de um objeto de “fandom”,
dentro de uma comunidade local. Muito do prazer do “fandom” está na possibilidade
de pertencer a uma comunidade, fato este proporcionado pela produção enunciada.
A produção enunciada tem curta duração e restrita circulação, já que só existe
enquanto o grupo está reunido. Finalmente a terceira forma de produção, a textual.
Esta forma de produção se apresenta de duas maneiras: através da produção
artística dos fãs que recontam, melhoram, incluem e retrabalham seus objetos de
“fandom“ (novamente a singularização, a personificação). É a que se aproxima mais
das produções artísticas da cultura oficial; e também através da participação dos fãs
na construção do texto original (atuação de torcedores num jogo; audiência num
show) Este tipo de participação ajuda a reforçar o sentimento de posse que o fã
desenvolve em relação ao seu objeto de adoração, já que ele faz parte, constitui seu
capital cultural popular, e conseqüentemente, a idéia que as celebridades são
construídas pelas mãos de seus fãs e que devem seu estrelato inteiramente a eles.
Os integrantes da indústria cultural têm consciência da capacidade produtiva (e por
que não, destrutiva) dos fãs e por isto “levam seriamente em consideração as cartas
dos fãs que tentam participar e influenciar a produção e a distribuição dos textos”.
As commodities comerciais da indústria cultural são modificadas e retrabalhadas
pela produção cultural dos fãs, em outras palavras, são a fonte, a matéria prima da
cultura popular dos fãs. Ao mesmo tempo, a indústria cultural vê no fã um mercado
adicional que não somente compra produtos “spin off”, sempre em grandes
quantidades (são “heavy users”), mas também proporciona um valioso e gratuito
feedback acerca das preferências e das tendências do mercado.
Neste sentido podemos perceber as funções contraditórias que as mercadorias
culturais promovem: de um lado suprem os interesses econômicos da indústria, e de
61
outro, suprem os interesses culturais dos fãs. Assim, não é difícil de se prever o
constante conflito existente entre fãs e indústria.
A cultura de massa não tem a pretensão de ter o status da exclusividade existente
dos objetos de arte, já que suas mercadorias são reconhecidamente industrialmente
produzidas. Mas estes produtos culturais, ao contrário da arte, estimulam a
produtividade do seu consumidor, que irá retrabalhá-los, reescrevê-los e completálos, de uma forma jamais permitida num trabalho de arte.
Assim, se conseguir livrar-se do estigma de ser um louco obsessivo, o fã logo se
depara com outro: o da “baixa cultura”. Existem, na sociedade de consumo de
massa, sanções sociais para a exibição e a perseguição dos desejos; elas só são
autorizadas em determinadas épocas, lugares e para certas atividades (BELK; GER;
ASKEGAARD, 2003). Ao encontrar outras pessoas que dividem o mesmo
sentimento de devoção, os fãs se sentem protegidos e seguros para extravasar sua
adoração, para completar seu processo de consumo como integração e como
diversão. Por isto a relação fã-fã é tão importante para o consumo do produto
cultural celebridade.
2.3 O Consumo Coletivo
Tradicionalmente se reconhece na teoria do comportamento do consumidor que
grupos específicos impactam de alguma forma o padrão de consumo dos indivíduos.
Estes chamados grupos de consumo relevantes incluem família, grupos sociais
formais e informais (amizades), grupos de compra, entre outros (SCHIFFMAN;
KANUK, 1978). Mas fato é também que até bem pouco tempo não foram dedicados
muitos estudos, dentro da área mercadológica, para ir além do mero reconhecimento
da importância dos grupos no consumo e tentar entender, explicar e mensurar esta
influência. Esta aparente negligência parece estar sendo corrigida como observa
Cova (1997, p.297, tradução nossa):
62
“a última conferência da Associação para Pesquisa do
Consumidor dirigiu suas atenções para o fenômeno da
comunidade,
importância
sempre
social
na
considerada
nossa
era
como
uma
pós-moderna,
imensa
porém
curiosamente negligenciada na nossa disciplina”.
Está claro que para aumentar nosso entendimento a respeito do comportamento do
consumidor é necessário que estendamos as fronteiras do marketing para além do
nível individual de análise e entender a dimensão coletiva do consumo.
Kiely (1997) afirma que os consumidores estão sedentos por conexão e que mais do
que programas de lealdade, que sistemas elaborados de banco de dados, são as
comunidades de marcas que geram real emoção e lealdade intensa. Os
pesquisadores sociais já identificaram esta tendência – ou será uma condição
inerente ao ser humano? – pelo desejo de se sentir parte de um grupo que divida
seus mesmos valores.
2.3.1 Senso de Comunidade
O conceito comunidade parece vir despertando polêmica há algum tempo como
levantado por Friedman, Abeele e De Vos (1993) e Obst, Zinkiewicz e Smith (2002).
Em 1955, foi feito um levantamento por Hillery que, naquela época já conseguiu
identificar 94 diferentes definições para a palavra. Se dentro da própria sociologia já
existiam tantas formas de conceituá-la, imagine-se então quando psicólogos,
antropólogos e agora, mercadólogos começam a empregá-la também em seus
diferentes contextos.
De qualquer forma, em sua origem e do ponto de vista sociológico, Fischer (197612,
apud FRIEDMAN; ABEELE; DE VOS, 1993) apurou que os dois significados mais
12
Fischer, C. S. (1976). The urban experience. New York: Harcourt Brace Jovanovich
63
freqüentemente utilizados se referiam a um “grupo de pessoas com certas
características em comum” (p.37). Para Gusfield (197513, apud OBST; ZINKIEWICZ,
SMITH, 2002), a primeira característica definidora – e também sua forma mais
clássica e empregada – é a residência de uma mesma localidade. São as
comunidades geográficas, as vizinhanças. A segunda característica definidora aceita
é a existência de relações sociais contínuas entre os membros do grupo. Estas são
chamadas de comunidades relacionais (FRIEDMAN; ABEELE; DE VOS, 1993) ou de
interesse (OBST; ZINKIEWICZ, SMITH, 2002). Embora, conforme observado por
Durkheim (196414, apud OBST; ZINKIEWICZ, SMITH, 2002), a sociedade moderna
propicie melhor o desenvolvimento de comunidades em torno de interesses do que
de localidades, ainda hoje existe uma quantidade muito maior de trabalhos em torno
das comunidades geográficas do que em torno das relacionais.
Obst, Zinkiewicz e Smith (2002b) investigaram em sua pesquisa o senso de
comunidade geográfico e relacional pelos membros de um fã-clube de ficção
científica e descobriram que os membros geralmente sentiam laços mais fortes de
comunidade entre os membros do fã-clube do que entre sua vizinhança, muito
embora a maior parte da comunicação feita entre estes membros fosse realizada
através da Internet. As autoras também afirmam que, ao contrário do inicialmente
imaginado, a Internet não destrói a comunidade, mas facilita, mesmo que
virtualmente, o encontro de pessoas com interesses comuns.
É importante notar que, do ponto de vista sociológico, existe um fator comum a todos
tipos de comunidade que é o pressuposto de interação face-a-face entre os seus
membros. Porém, com as novas formas de interação social e comunicação (Internet)
estudos foram feitos e resultados apresentados no sentido de que mesmo não
podendo ser configurados como comunidades sob o ponto de vista sociológico
tradicional, grupos de pessoas proporcionavam um senso de comunidade aos seus
indivíduos membros.
13
14
Gusfield, J. (1975). The community: a critical response. New York: Harper Colophon.
Durkheim, E. (1964). The division of labor in society. Glencoe (IL): Free Press of Glencoe
64
Este trabalho não tem objetivo de julgar se os conceitos que serão apresentados
podem ou não ser considerados como “comunidades”, no sentido sociológico
tradicional. Para a proposta final desta pesquisa é importante que estes grupos
proporcionem aos seus membros este senso de comunidade.
Existe um campo dentro da Psicologia chamada de psicologia da comunidade, que
sentiu sua própria necessidade de definir o que comunidade significaria. Foi neste
contexto que Sarason (1974) apresentou o conceito de senso psicológico de
comunidade, o PSOC (Psychologic Sense of Community). Este momento foi
considerado a origem do estudo acadêmico do senso de comunidade.
O modelo ainda hoje mais utilizado para o estudo do senso de comunidade veio de
dois psicólogos, McMillan e Chavis (1986), a partir de um trabalho onde utilizaram
análise fatorial para identificar os quatro principais elementos do senso de
comunidade: agremiação, influência, integração e satisfação de necessidades, e
conexão através de emoções e experiências vividas. Baseados nestes elementos,
eles definiram senso de comunidade como “sentimento que os membros possuem
de pertencimento, sentimento de que eles são importantes para os demais membros
e para o grupo como um todo e uma crença comum de que as necessidades dos
membros serão supridas através do seu comprometimento de estarem juntos” (apud
Calgary document)
A primeira dimensão do modelo de McMillan e Chavis (1986) é Agremiação
(‘membership”). Esta dimensão se refere ao sentimento de pertencimento, de ser
parte de um coletivo. São cinco os atributos envolvidos:
a) Fronteiras: a definição de quem é parte e de quem não é parte da
comunidade. As fronteiras são muito importantes para as comunidades
porque elas servem para proteger conexões sociais mais íntimas; protegemnos contra os estranhos ao grupo, evitam infiltrações de membros não
legítimos.
65
b) Sistema Simbólico Comum: é através dos símbolos como rituais, cerimônias,
ritos de passagem, formas de linguagem, roupas, que os grupos indicam suas
fronteiras e legitimam quem é membro.
c) Segurança Emocional
d) Senso de Pertencimento e Identificação
e) Investimento pessoal
A segunda dimensão é a Influência. Este é um conceito bidirecional porque ao
mesmo momento em que o indivíduo deve sentir que desfruta de um certo poder
para exercer influência sobre o grupo, e por isto se sentir motivado a participar do
grupo, a coesão do grupo só existe se o grupo exercer influência sobre os indivíduos
membros. Ou seja, a conformidade é essencial para que haja coesão no grupo. E,
por sua vez, a coesão é fundamental para o senso de comunidade.
Em Integração e Satisfação das Necessidades, a terceira dimensão do modelo, está
implícita a idéia de que para que se mantenha na comunidade um senso positivo de
conjunto é necessário que a associação indivíduo-grupo seja recompensadora para
o indivíduo. A integração acontece também na medida em que as similaridades entre
os membros vão sendo encontradas.
A quarta e última dimensão deste modelo é chamada de Conexões baseadas em
Emoções Compartilhadas. Esta dimensão está baseada na história comum dos
membros e na sua identificação com a comunidade. A premissa utilizada pelos
autores é a de que quanto mais as pessoas interagem, mais propensas estão a
desenvolver relacionamentos mais próximos. Quanto mais positivas são estas
interações, mais fortes se tornam os laços que os unem.
Dez anos após o desenvolvimento deste modelo central de PSOC, McMillan (1996)
fez uma releitura do seu trabalho em conjunto com Chavis e propôs algumas
66
adaptações, através de metáforas. A agremiação passa a ser Espírito, reforçando o
sentimento de amizade e pertencimento que representam o espírito, a alma da
comunidade. Influência para a ser Confiança, já que em nome da coesão do grupo,
regras são criadas para manter a ordem e a igualdade de poder no grupo.
Integração e Satisfação de Necessidades foi renomeado Troca, deixando assim
explícita a necessidade de recompensa dos interesses individuais que a comunidade
deve satisfazer. E a dimensão de Conexões baseadas em Emoções Compartilhadas
passa a se denominar Arte. São as histórias vividas em conjunto que passam a fazer
parte do grupo.
É interessante notar pela descrição das quatro dimensões que compõem o modelo
de McMillan e Chavis (1986) que a relação entre elas é circular. Cada uma delas
reforça as outras, da mesma forma que, juntas, criam e mantêm o senso de
comunidade geral. As histórias compartilhadas entre os membros do grupo geram
um maior sentimento de pertencimento e reforçam a agremiação, que por sua vez
representa a base para que haja a confiança e influência nos relacionamentos
internos da comunidade, que por sua vez, são a base para que as trocas e
recompensas aconteçam. Todos juntos, estes elementos aumentam e intensificam o
repertório de histórias que o grupo divide, alimentando o ciclo.
Sarason (1974) tinha consciência das dificuldades associadas ao estudo empírico do
conceito senso de comunidade porque ele necessariamente implica um julgamento
de valor. Mesmo assim, a partir do modelo inicial, Chavis, McMillan, Hoges e
Wandersman (1999), conjuntamente com os dois primeiros autores desenvolveram o
SCI – Sense of Community Index – que desde 1986, segundo um levantamento de
Obst, Zinkiewicz e Smith (2002b) ainda vem sendo o instrumento mais utilizado nas
pesquisas sobre PSOC, principalmente entre os psicólogos de comunidade. Vários
outros autores vêm desenvolvendo e testando escalas a partir deste index
(CHIPUER; PRETTY, 199915; BUCKNER, 198816; entre outros citados no trabalho
15
Chipuer, H., & Pretty, G. (1999). A Review of the Sense of Community Index: Current Uses, Factor Structure,
Reliability and Further Development. Journal of Community Psychology, 27 (6), pp. 643-658
16
Buckner, J. (1988). The Development of na Instrument to Measure Neighbourhood Cohesion. American
Journal of Community Psychology, 16(6), pp. 771-791
67
de SENSE OF COMMUNITY PARTNERS, 2004) e além de aprimorarem a técnica
foram melhorando e complementando o modelo, como o ocorrido no caso de Obst,
Zinkiewicz e Smith (2002), que além das quatro dimensões desenhadas no modelo
anterior, sugerem a partir da analise fatorial empregada em seu trabalho, a inclusão
de uma quinta dimensão, a Identificação Consciente, que é a existência de uma forte
relação entre a auto-imagem do indivíduo e a agremiação numa comunidade.
Sentir-se parte de uma comunidade é importante para o indivíduo porque aumenta
seu senso de bem estar: na medida em que aumenta sua felicidade, diminui suas
preocupações e aumenta seu senso de eficácia (Davidson e Cotter, 199117, apud
SENSE OF COMMUNITY PARTNERS, 2004). Por meio das comunidades, pessoas
compartilham recursos essenciais que podem ser cognitivos, emocionais ou
materiais. Dependendo do tipo de comunidade, diferentes coisas podem ser
compartilhadas, mas em todas há algo que é sempre dividido: a criação e a
negociação de significados (McALEXANDER; SHOUTEN; KOENIG, 2002).
2.3.2 Comunidades e Consumo
Larsen (2002) em texto seu publicado pelo Copenhagen Institute for Future Studies
aponta que diferentemente do que caracterizava as comunidades antigas, a saber,
ser formadas por pessoas que habitavam uma mesma localidade, participavam de
uma mesma atividade e partilhavam uma mesma mentalidade, atualmente, basta
apenas uma destas características para que um grupo de pessoas funcione como
uma comunidade. Segundo o autor, isto possibilitou a formação de comunidades
mais divertidas e variadas, mas também, mais fracas, instáveis e transitórias,
embora não menos valiosas e importantes.
17
Davidson, W., & Cotter, P. (1991). The Relationship Between Sense of Community and Subjective WellBeing: a First Look. Journal of Community Psychology, 19, pp. 246-253.
68
Mas o fato é que as pessoas ainda têm uma necessidade de se agrupar e se
agremiar, mesmo que por motivos, ou melhor, em torno de motivos diferentes dos de
antes.
Cova (1997) faz um interessante levantamento do papel dos laços sociais na vida do
indivíduo, desde as coletividades tradicionais até o que ele chama de neo-tribalismo,
ou laços pós-modernos. De acordo com o autor, os laços sociais tradicionais eram
impostos e resultavam no que ele chamou de “má comunidade”, aquela que
escravizava o indivíduo, onde o ser social vinha antes do individual. A modernidade
vinha, então, como uma força progressiva que trazia a promessa de liberar a
humanidade de toda a ignorância e irracionalidade, e colocar o ser humano no seu
devido lugar, ou seja, no centro do universo. Uma vez podendo – e devendo – fazer
racionalmente suas escolhas, o pertencimento a uma comunidade passa a ser
contratual, uma escolha voluntária e racional. A diferenciação, mais do que a
comunhão, passa a guiar as ações do homem moderno. Ao longo do século XX, o
homem praticou na sua maior intensidade o mito da liberação do indivíduo. Ele
nunca esteve tão livre em suas escolhas privadas e públicas como nesta época; e
também nunca esteve tão sozinho e tão distante do sentimento de coletividade.
Assim, na pós-modernidade, o homem que conquistou o seu “eu” se torna o único
responsável, independentemente de sua origem, por se tornar alguém, por “fazer” e
por mostrar a sua existência, através do seu próprio esforço de diferenciação. A
mobilidade, tanto espacial como social, é o que caracteriza este homem pósmoderno, um verdadeiro nômade que quase não possui laços sociais duráveis. Nas
palavras de Cova (1997, pp. 300, tradução nossa):
“a fragmentação da sociedade e em particular a fragmentação – e
natureza efêmera – do consumo estão entre as mais visíveis
conseqüências
deste
individualismo
pós-moderno.
[...]
pelo
desenvolvimento da indústria e do comércio [...] a partir de sua
própria casa e sem a necessidade do contato social físico, o
indivíduo pós-moderno pode obter quase tudo o que deseja. Todos
os produtos e serviços oferecidos aumentam o isolamento do
69
indivíduo pós-moderno ao mesmo tempo em que lhe permitem estar
em contato virtual com o resto do mundo.”
Assim, a pós-modernidade pode ser caracterizada como um período de extremo
individualismo e de redefinição de padrões de sociabilidade. Na medida em que ele
se libera dos laços sociais tradicionais e obrigatórios, ele passa a escolher com
quais grupos sociais ele quer estar envolvido. Esta poderia ser uma das explicações
do crescimento da importância das comunidades relacionais sobre as geográficas.
Se na pré-modernidade a identidade social vinha antes da identidade individual, e na
modernidade ocorre uma troca nesta ordem, parece que na pós-modernidade o
indivíduo passou a buscar um melhor equilíbrio entre as duas. E o que é mais
complicado ainda: a contínua busca pela resposta da pergunta “quem sou eu” vai
alterar conforme o momento, ou a situação (LARSEN, 2002) que a pessoa se
encontra ao longo do seu dia. Cada indivíduo pós-moderno pertence a diferentes
tribos e em cada uma delas poderá desempenhar diferentes papéis e usar diferentes
máscaras (COVA, 1997).
O ser humano que agora opta e busca qual a comunidade a que quer pertencer, ou
melhor, a que tem sentido ele pertencer utiliza fatores agregadores diferentes dos
utilizados no passado: são emoções compartilhadas, estilos de vida, crenças morais,
senso de injustiça e práticas de consumo que unem estes homens.
O fenômeno de retorno das comunidades vem sendo verificado nas sociedades
ocidentais, e sendo chamado de “neo-tribalismo”. E um dos fatores agregadores
destas comunidades é o seu padrão de consumo. Por isto, cada vez mais estudiosos
do comportamento do consumidor necessitam dos conceitos de antropologia e
sociologia para entender o fenômeno do consumo. O próprio Cova (1997) tenta
explicar a dimensão coletiva do consumo, através de um conceito emprestado de
trabalhos recentes da antropologia e sociologia, o “valor de conexão” de produtos e
serviços, ou seja, a capacidade de produtos e serviços em gerar elos entre os
consumidores. Ele acredita que este conceito “é capaz de dar uma luz ao consumo
pós-moderno” (p.297).
70
Nos itens que se seguem, tem-se como objetivo explorar as comunidades que se
agregam em torno do consumo. As teorias vão desde o consumo mais genérico,
como as comunidades de consumo, passando por pessoas que se agregam em
torno do consumo de uma atividade e do “pacote” de objetos e serviços para
expressar aquela atividade (subculturas de consumo) até o agrupamento em torno
do consumo específico de uma determinada marca (comunidades de marca).
2.3.2.1 Comunidades de Consumo
O conceito “comunidades de consumo” foi originalmente proposto por Daniel
Boorstin, um historiador americano, em 1973. De lá para cá várias outras
denominações surgiram como subculturas de consumo (KOZINETS, 2001),
“consumption villages” ou aldeias de consumo (OLIVER, 1999), comunidades de
marcas (MUNIZ; O´GUINN, 2001). Apesar de sutis diferenças nestas conceituações
todas partem da mesma base boorstiniana: grupos de pessoas que adquirem
identidade social através de seu comportamento de consumo .
Pessoas que consomem o mesmo tipo de produtos compartilham o mesmo senso de
bem estar, os mesmo riscos, interesses e preocupações. Este foi o fenômeno
observado por Boorstin (1973) no seu trabalho sobre a história social da América,
comunidades novas e invisíveis criadas e preservadas pelo como e o que os
homens consomem. A propaganda teve um papel muito importante na criação deste
fenômeno uma vez que as marcas veiculadas nacionalmente passavam mensagens
de que ao consumir determinado produto você acabava pertencendo a um grupo
seleto ou especial de pessoas. Numa época em que, devido ao grande crescimento
no número de imigrantes, as pessoas sentiam-se perdidas e deslocadas, esta
promessa de pertencimento parecia muito tentadora e acabou dando aos produtos e
marcas uma função social até então inesperada.
71
A origem das comunidades de consumo data do final do século XIX e início do
século XX, época de grande mobilidade social, com grande fluxo tanto de imigrantes
estrangeiros como dos que vinham das áreas rurais para os centros urbanos. No
meio do sentimento de saudade e enfraquecimento dos laços das comunidades de
origem, a vizinhança geográfica deixou de ser a única forma de agremiação.
Um dos pontos mais interessantes da teoria de Boorstin (1973) é que a necessidade
de se desvincular de comunidades geograficamente localizadas ainda é muito atual.
Globalização, expatriações (FRIEDMAN; ABEELE; DE VOS, 1993) e principalmente
a Internet quebraram definitivamente os limites geográficos das comunidades. Mais
uma vez vivemos uma era de alta mobilidade social, embora diferente da do início do
século passado. A busca por uma identidade social e um senso de pertencer
continuam presentes. Foram os elos que mudaram. A premissa básica que está por
trás de todas as teorias de “comunhão” através do consumo é que os elos agora são
os estilos de vida das pessoas, expressos em áreas como roupas, alimentação e
entretenimento.
A crítica que alguns sociólogos fazem em relação ao conceito de Boorstin (1973) é
que ele não atende a nenhuma das duas formas mais correntes de se definir
comunidade, conforme discutido anteriormente.
Os autores compreendem que a legitimidade do termo comunidade utilizada por
Boorstin (1973) pode ser questionada do ponto de vista sociológico, porém ao se
referirem ao conceito de PSOC, legitimam-no novamente sob o aspecto da
“psicologia de comunidades”. Sob este ponto de vista é bem possível que uma
pessoa desenvolva um alto sentimento de comunidade em relação a determinado
grupo, mesmo que este grupo não se enquadre na definição sociológica tradicional
de comunidade.
A visão deste autor é mais genérica sim, já que não inclui exclusivamente o
consumo específico, “compulsivo”, obcecado até, de colecionadores ou de fãs de
qualquer natureza, praticantes de atividades de lazer em comum, etc. Conforme
72
afirmado por ele, não é necessário o “consumo do item exótico e dramático” para
despertar o elo entre os consumidores. Ao invés disto, e dos demais autores, ele se
refere aos produtos mais comuns que são encontrados nos pontos de venda.
2.3.2.2 Comunidades de Marca
O conceito de comunidade de marca foi introduzido por Muniz e O´Guinn (2001). A
intenção dos autores era explorar a importância da comunidade no comportamento
do consumidor. Os autores notaram a importância dada ao papel da comunidade em
diferentes campos e áreas de estudo, porém, notaram também a falta de
compreensão do significado delas no contexto do consumo. Através do estudo de
três comunidades que se relacionavam em torno de três diferentes marcas – Ford
Bronco, Macintosh e Saab – os autores conseguiram identificar nelas três
características fundamentais existentes nas comunidades tradicionais: senso de
pertencimento, rituais e tradições e senso de responsabilidade moral. Assim, através
do seu estudo, definiram uma comunidade de marca como “uma comunidade
especializada baseada não em aspectos geográficos, mas num conjunto estruturado
de relacionamentos sociais entre admiradores de uma determinada marca”. (p. 412).
Em outras palavras, o que une as pessoas nas comunidades de marcas é o seu
interesse comum acerca de uma determinada marca. Este elo, aparentemente
superficial, fraco e consumista, mostra-se numa análise mais profunda, bastante
relevante e poderoso, já que conforme visto, na cultura do consumo, as marcas
adquiriram uma função sócio-cultural até então não imaginada (BELK, 1988). Por de
trás da marca, elemento expresso deste elo, está uma série de significados e
representações (McCRACKEN, 1986, 1990).
Os elementos de caracterização da comunidade identificados por Muniz e O´Guinn
(2001), embora um pouco mais simplificados e agrupados de uma forma diferente,
73
representam os mesmos elementos que compõem o modelo de senso de
comunidade de McMillan e Chavis (1986), conforme mostra QUADRO 1.
Muniz & O’Guinn (2001)
McMillan & Chavis (1986)
1. Senso de Pertencimento
1. Membership
2. Rituais
2. Influência
& Tradições
3. Senso de responsabilidade
moral
3. Integração e Preenchimento
das Necessidades
4. Conexão
baseado
em
emoções compartilhadas
Quadro 1 – Comparação entre os elementos que compõem a comunidade nos modelos de Muniz e
O´Guinn e McMillan e Chavis
O senso de pertencimento é a consciência de quem é ou não parte da coletividade.
É o sentimento de conexão que existe entre os membros e a identificação dos
elementos em comum, que os unem. É o sentimento compartilhado de
pertencimento.
O segundo elemento de caracterização identificado por Muniz e O´Guinn (2001) é a
presença de rituais e tradições. Os rituais, além de estabelecerem o sistema de
símbolos da comunidade com seus significados e definições, servem para perpetuar
a história construída e a cultura do grupo. As tradições são o conjunto de práticas
que além de celebrar, enraízam nas comunidades as suas normas e valores.
O terceiro marco é o senso de responsabilidade moral, ou seja, a noção de
obrigação e dever do indivíduo tanto para com a comunidade como um todo como
para com seus membros em particular.
Estes autores afirmam ainda que a definição tradicional e geográfica de comunidade
não se adequa mais às novas formas de agregação das pessoas. Esta definição não
previa a evolução e domínio da comunicação massificada e nem da virtual. Portanto,
eles embasam o fenômeno comunidades de marca, na definição de comunidade de
74
Bender (197818, apud MUNIZ; O´GUINN, 2001): uma rede de relações sociais,
marcadas pela reciprocidade e por laços emocionais”.
Os autores definiram algumas características muito claras das comunidades de
marcas, que as diferenciam de outras formas de agremiações como as sub-culturas
e tribos. Ao contrário dessas, as comunidades de marcas são sensíveis aos meios
de comunicação em massa. Em segundo lugar, as comunidades de marca são
explicitamente comerciais. Elas também não são tão efêmeras como vistas as novas
formas de agremiações porque seus membros mostram-se bastante comprometidos
com a marca. São agrupamentos relativamente estáveis, e que mostram fortes graus
de comprometimento. Portanto, dentro da própria pirâmide de lealdade de David
Aaker
(1991),
podemos
supor
que
nestas
agremiações
encontramos
os
consumidores mais leais a uma marca. Outra característica, em oposição às outras,
é que elas não precisam estar fora do “mainstream”, nem ser marginais.
Muniz e O´Guinn (2001) argumentam que estas comunidades podem se formar em
torno de qualquer marca, mas que provavelmente estão mais propensas a se formar
em torno daquelas com forte imagem, com uma longa e rica história e que sofrem
com uma concorrência mais acirrada.
McAlexander, Shouten e Koenig (2002) publicaram um trabalho onde dinamizam o
conceito de comunidade de marca, antes proposto por Muniz e O´Guinn (2001). O
questionamento e complementação propostos por eles giram em torno de três
dimensões das comunidades de marca definidas pelos autores pioneiros: a
geografia, o contexto social e a temporalidade/existência. Estes três autores vêem
as comunidades de marcas como uma espécie de evolução das comunidades de
consumo observadas por Boorstin (1973). Para eles, o que era uma comunidade
amorfa e invisível em 1973, se tornou, no momento da observação de Muniz e
O´Guinn (2001) “visível, vibrante e multifacetado”. São observações do mesmo
18
Bender, T. (1978). Community and Social Change in America. New Brunswick (NJ): Rutgers University
Press.
75
fenômeno e as principais diferenças encontradas nas definições de cada um destes
autores são decorrência do momento histórico em que foram observados.
Para estes autores, Muniz e O´Guinn (2001) foram muito estáticos e pouco flexíveis
em algumas das caracterizações das comunidades de marcas. Na dimensão
geográfica, muito embora a definição original determine que as comunidades de
marcas não são geográficas, estes autores acreditam que elas possam variar desde
a alta concentração geográfica, até serem tão difusas como as comunidades de
consumo de Boorstin (1973). Ou seja, elas podem variar de um espaço totalmente
livre, sem fronteiras, como a Internet, até algumas concentrações que podem ser até
temporárias, como as chamadas “brandfests”, encontros de marcas planejados
como os que os próprios autores vivenciaram em seus estudos com Jeep e Harley
Davidson (MCALEXANDER; SHOUTEN, 1995, 1998).
No que diz respeito ao contexto social, o questionamento destes autores se dá
também por causa da variedade de tipos e intensidade de contatos que pode existir
entre os membros de uma comunidade de marca, sem contudo descaracterizá-la
como uma comunidade de marca. Contatos esporádicos pela Internet podem evoluir
para um relacionamento pessoal, face a face constante. “A comunicação entre os
membros pode ser tanto face-a-face, mediada por meios eletrônicos ou ainda uma
função da mídia corporativa de massa” (McALEXANDER; SHOUTEN; KOENIG,
2002, p. 40). Pode acontecer uma ou outra de cada vez, ou uma ou outra, ou todas
elas concomitantemente. O contexto social, da mesma forma que o geográfico é
dinâmico. Novamente, nos dois casos, estes autores enxergam a existência da
comunidade de marca.
Finalmente, a falta de dinâmica observada na terceira dimensão, a temporalidade,
ou seja, o tempo de existência de uma determinada comunidade de marca. Muniz e
O´Guinn (2001) questionaram a teoria de novo tribalismo (COVA, 1997) que
caracteriza os agrupamentos pós-modernos como efêmeros. Pelo contrário, eles
afirmam que as comunidades de marca são “grupos relativamente estáveis e com
fortes graus de comprometimento” (2001, p. 415). McAlexander, Shouten e Koenig
76
(2002) acreditam que algumas são estáveis e duradouras, mas também encontraram
em outros estudos comunidades que bem poderiam ser consideradas de marcas
mas que eram temporárias ou periódicas. Todos estes estudos mostravam que
mesmo em comunidades situacionais, experiências de consumo com fortes
significados eram compartilhadas entre os participantes.
2.3.2.3 Subculturas de Consumo
Os livros de comportamento do consumidor e de marketing costumam prever a
segmentação do público-alvo pelas suas subculturas como uma forma importante e
estratégica de se explorar oportunidades de mercado. Neste contexto, a subcultura é
encarada como a divisão da sociedade em pequenos subgrupos que são
homogêneos em relação a hábitos e comportamentos específicos. Os membros de
uma subcultura específica tendem a possuir crenças, valores e hábitos que os
destacam dos outros membros da mesma sociedade.
Assim, é colocado que o perfil cultural de uma sociedade deve ser encarado de duas
formas: primeiro, os temas culturais centrais que são partilhados pela maior parte da
população, independentemente das agremiações subculturais específicas e,
segundo, as crenças, valores e costumes compartilhados apenas pelos membros de
subculturas específicas.
Até hoje as formas mais utilizadas de subdividir a cultura vigente em pequenos
subgrupos são: por nacionalidade, religião, região geográfica, etnia, idade, gênero,
ocupação e classe social (SCHIFFMAN; KANUK, 1978).
Não é à toa que do ponto de vista mercadológico, Larsen (2002), Cova (1997) dentre
outros se lançam a uma tarefa de alertar a necessidade de se utilizarem outros
critérios de segmentação, além do tradicional. O mundo evoluiu de uma forma que
não é mais possível classificarem-se os consumidores dentro de segmentos como
77
estes. Na visão de Larsen (2002) está mais do que na hora de pararmos de encarar
o consumidor individual e de colocarmos foco no consumidor “situacional”, aquele
indivíduo que ao longo do dia é diversas pessoas, e portanto, o que determinará seu
padrão de consumo, não é uma classificação estática e definitiva, mas uma situação,
um determinado momento do dia, algo que mudará entre os dias e ao longo do
mesmo dia.
A subcultura do consumo, da forma em que foi apresentada por Celsi, Rose e Leigh
(1993), Shouten e McAlexander (1995) e por Kozinets (2001) dão bem uma
dimensão da maneira diferente com que a subcultura está sendo definida. Ela não
se classifica mais por estas “categorias analíticas” pré-definidas comumente
proferidas pela academia, mas o que as delimita é a maneira como uma pessoa
gasta seu tempo e dinheiro.
As subculturas, assim chamadas por estes autores, se aproximam muito do que
Muniz e O´Guinn (2001) apresentam como as “novas tribos”. A partir do trabalho de
Maffesoli (199619, apud MUNIZ e O´GUINN, 2001) eles as definem como formas de
“reagregações da sociedade hiperindividualista”, caracterizada pela sua “fluidez,
encontros ocasionais e dispersão” (p.414). Assim, estas tribos, se formam, se
desformam, se formam novamente agora em torno de algo diferente refletindo assim
a constante mudança de identidade do consumidor pós-moderno. Cova (1997) vai
além, descrevendo que estas novas tribos não se atêm a laços físicos, à presença
física, mas exibem um “senso local de identificação, religiosidade, sincretismos e
narcisismo grupal” (p. 300).
Schouten e McAlexander (1995) cunharam o termo subcultura de consumo e o
definiram como um subgrupo característico da sociedade que se auto-seleciona a
partir de um comprometimento partilhado em relação a uma categoria específica de
produtos, a uma marca ou, ainda, a uma atividade de consumo. Elas também são
identificáveis e possuem uma estrutura social hierárquica, um conjunto próprio de
19
Maffesoli, M. (1996). The Time of the Tribes: The Decline of Individualism in Mass Society. Thousand Oaks
(CA): Saage.
78
crenças e valores, e rituais, linguajar, símbolos e modos de expressão únicos. Uma
subcultura de consumo passa a existir a partir do momento em que pessoas se
identificam com certos objetos ou atividades de consumo e, a partir deles, se
identificam também com outras pessoas. Estas subculturas propiciam significados e
práticas que estruturam as identidades, as ações e os relacionamentos dos
consumidores (KOZINETS, 2001).
A partir de um levantamento feito da literatura de subculturas, Kozinets (2001)
aponta três importantes questões a serem consideradas quando se analisa o
interrelacionamento dos significados e práticas de consumo entre as subculturas e a
cultura macro, ou ‘principal’. O primeiro cuidado que deve ser tomado é para que
não haja confusão entre o que é uma atividade de lazer com o que é uma
subcultura. Muitas atividades podem não possuir a profundidade e a coerência de
um estilo de vida, e portanto, não pode a ela ser auferida o status de subcultura. Em
segundo lugar, é freqüentemente feita a associação de subcultura com
comportamento ‘desviado’, desconforme. Acredita-se que esta associação é
derivada até da interpretação do prefixo “sub” que pode passar a idéia de que os
grupos sociais investigados como subculturas são subordinados em relação à
cultura dominante, ou ainda são “subterrâneos” e rebeldes, ou ainda possuem uma
qualidade inferior em relação à dominante. O autor afirma ainda que, de um lado, é
interessante que as subculturas sejam vistas como desviadas, porque isto ajuda a
esclarecer a ordem moral a que se está resistindo e contestando. Entretanto, o autor
concorda que seria também útil se designar um outro termo que fosse livre de tais
conotações. O terceiro alerta que ele coloca é que do desenvolvimento empírico do
conceito subcultura de consumo infere-se que o consumo compartilhado de um
produto necessariamente expressa uma identidade também compartilhada. Esta
inferência deve ser evitada para que possa ser revelada uma potencial
heterogeneidade dentro do grupo. No estudo que este autor conduziu com
participantes do “fandom” que envolve o filme de ficção científica Guerra nas
Estrelas, foi constatada a presença de indivíduos com motivações, significados e
ações muito diferentes no grupo, considerado por ele uma subcultura. Assim, esta
79
subcultura de consumo heterogênea, era formada por diversos subgrupos
homogêneos, que se organizavam conforme a suas “afinidades eletivas”.
80
3. MÉTODO
3.1 Questão da Pesquisa
Conforme visto na revisão da literatura, o consumo da celebridade pelo consumidor
devoto contém um conjunto de características que num primeiro momento parecem
acentuar o caráter individualista deste tipo de consumo, a saber:
a) a relação assimétrica e para-social que cria uma espécie de mundo
paralelo e imaginário onde apenas o/um fã atua;
b) o processo de singularização no qual o fã utiliza diversos artifícios para
destacar-se da massa de admiradores e conseguir finalmente uma
reciprocidade que validará seu relacionamento com o ídolo;
c) o sentimento de posse do indivíduo em relação ao seu ídolo; e
d) o evento sacralizador, que é internalizado de maneira bastante particular e
individual.
Ao mesmo tempo em que isto acontece, as coletividades de consumo, as
comunidades formadas em torno de uma marca de celebridade representam um
fenômeno muito comum na indústria do entretenimento e um integrante já
reconhecido nos mercados onde a esta indústria atua.
A questão que aqui se coloca é :
$%
&
' # (
# '
)*
#
#
# #
81
Entendendo o fã-clube como uma comunidade de marca que representa o consumo
coletivo, busca-se compreender de que forma ele pode afetar a relação entre um
consumidor individual caracteristicamente já comprometido afetivamente com a
marca, o fã devoto.
A hipótese de trabalho é que o fã-clube é o locus privilegiado para a ocorrência de
procedimentos
de sustentação da sacralização,
que são
fundamentais
à
manutenção e ao fortalecimento do comprometimento afetivo existente na relação
consumidor devoto-celebridade.
Acredita-se também que, mais particularmente, o fã-clube é importante para o fã
devoto, porque:
1. os relacionamentos reais, físicos ou virtuais, que são estabelecidos entre
os fãs participantes de um fã-clube proporcionam um senso de
comunidade que ameniza o desconforto que o relacionamento para-social
com a celebridade pode causar em certos momentos aos fãs, uma vez
que assimetria é reconhecida por eles;
2. o fã consegue – ou tem mais chances – de conseguir atingir seus objetivos
individuais através do pertencimento ao grupo. Primeiro, como uma
organização o fã ganha massa crítica tornando mais fácil e “oficial”
conseguir
o
reconhecimento
do
ídolo,
e,
assim
finalmente,
a
singularização. Segundo, porque o fã-clube é o lugar onde o fã pode
expressar toda a sua devoção e o fato de pertencer, ser “fã de carteirinha”,
legitima e corrobora diante dos outros o direito de “possuir” o ídolo.
82
3.2 Estratégia de Pesquisa
Embora o “fandom” seja um campo delimitado e de existência reconhecida, faltam
pesquisas e modelos específicos do agrupamento dos fãs em organizações com
fronteiras delimitadas.
A função desta pesquisa, então, é ajudar a construir o conhecimento a respeito da
dinâmica de um fã-clube para fomentar o levantamento de novos problemas e suas
respectivas hipóteses a serem aprofundadas em estudos posteriores.
Baseando-se nas indicações de Yin (1994) para a escolha da estratégia de pesquisa
- embora ele deixe claro de que elas não são mutuamente exclusivas e, mais,
podem se sobrepor uma às outras - a mais indicada para o atendimento do objetivo
deste trabalho foi o estudo de caso (FIGURA 8). De acordo com o autor, em geral,
os estudos de caso são conduzidos quando as questões que levam à pesquisa são
do tipo “Como?” ou “Por quê?”; quando o pesquisador tem pouco controle sobre os
eventos e ainda quando o foco é um fenômeno contemporâneo da “vida real”.
Com o objetivo de entender a totalidade de uma situação, a adequação da estratégia
de estudo de caso se dá porque ela permite que se recorra a uma variedade muito
grande de evidências (além das mais comumente utilizadas entrevistas, pode-se
aplicar também a observação, documentos, artefatos, entre outros) e reunir
informações de um modo mais integrado do que outras estratégias permitiriam.
83
forma
da questão
da pesquisa
exige controle
sobre eventos
comportamentais ?
focaliza
acontecimentos
contemporâneos ?
experimento
como, por que
sim
sim
levantamento
quem, o que,
onde, quantos,
quanto
não
sim
análise de arquivos
quem, o que,
onde, quantos,
quanto
não
sim/não
pesquisa histórica
como, por que
não
não
estudo de caso
como, por que
não
sim
estratégia
Figura 8 - Estratégias de Pesquisa
fonte: YIN, Robert (1994), p.3
O caso é um sistema integrado e delimitado, onde partes individualmente atuantes
formam um todo. É uma rede de relacionamentos com toda sua complexidade
(STAKE, 2000). A utilização de uma celebridade da música e seus fã-clubes como
um caso permite que se possa entender toda a rede de relacionamentos que
envolve um típico produto cultural (FIGURA 9).
IMPRENSA
FÃ CLUBE
GRAVADORA /
CANAL
PESSOA
CELEBRIDADE
(persona)
FÃ
STAFF
TÉCNICO E
OPERACIONAL
EMPRESARIO
Figura 9 - Rede de Relacionamentos do caso fã clube de uma celebridade da música
O tipo de estudo de caso definido é o chamado por Stake (2000) de estudo de caso
instrumental, já que o objetivo desta exploração é chamar a atenção e promover
insights a respeito do fenômeno fã-clube e todo o seu potencial produtivo cultural e
84
econômico. O caso em si tem aqui uma função muito importante, ainda que
secundária, porque mesmo com o olhar profundo que é feito em relação ao caso,
com o “esmiuçamento” realizado em relação ao seu contexto e ao detalhamento de
suas atividades rotineiras, o interesse e a visão externa foi sempre mantido ao longo
de toda a investigação.
3.3 Seleção do Caso
Para este estudo foi definido como caso a celebridade Daniel e seus fã-clubes. Entre
os diversos motivos, destacam-se:
1. perfil do fã do Daniel: embora o cantor atraia um grande número de crianças e
adolescentes, percebe-se uma grande concentração de mulheres adultas
entre seus consumidores. A escolha deste público-alvo mais adulto é
importante para a pesquisa, para se tentar isolar desta forma a característica
de colecionadores do público infantil bem como a característica de
“inconseqüência” e “irreverência” do público pré-adolescente e adolescente.
Partiu-se do pressuposto que as mulheres adultas possuem uma maior
liberdade – inclusive financeira – para dar vazão a sua devoção;
2. fenômeno comercial: como conseqüência da grande capacidade de atração
de consumidores que o Daniel têm, os números que o cantor movimenta são
bastante significativos.
a. Com uma equipe de 55 pessoas, entre técnicos, banda, bailarinos e
staff, o cachê para shows do cantor custa em torno de R$ 90,00020.
b. Faz em media 15 shows por mês21.
c. 50 produtos licenciados com a marca do cantor22.
20
21
valor informado por presidente de fã clube, porém não confirmado pela equipe do cantor.
Dado fornecido pelo staff em 26/10/2004 (E-M03)
85
d. Possui um número aproximado de 13 milhões de discos vendidos23
3. relacionamento com fãs: parece haver uma unanimidade entre os fãs em
relação à atenção que o cantor sempre dedicou a eles. Em diversas
oportunidades o cantor expressou literalmente a forma especial com que trata
seus seguidores. A importância que os fãs têm no consumo da marca é
reconhecida e refletida na estrutura especialmente desenvolvida para o seu
atendimento e manutenção24.
a. fã clube-oficial Turma do Dani, que conta com 04 pessoas em sua
estrutura e faz uma média de 108 atendimentos/dia 25;
b. Estimam-se existir 300 fã-clubes não oficiais26;
c. mailing list: o cantor tem aproximadamente 387 mil
pessoas
27
cadastradas ;
d. Publicação de uma revista mensal, distribuída em bancas, com uma
tiragem de 30 mil exemplares a um preço de venda de R$ 3,0028;
e. site oficial do cantor que divulga notícias a respeito da sua carreira,
agenda de shows, discografia, shopping, cadastro para a Turma do
Dani e contato para shows (www.daniel.art.br);
f. Estância Nathálya: espécie de clube em Botucatu para atendimento
aos fãs do fã-clube oficial e realização das versões do Encontro
Nacional de Fãs, que na sua terceira edição em 2002 chegou a reunir
1,700 fãs.
A opção pelo estudo de caso único se justifica pela força mobilizadora e econômica
da celebridade Daniel e pelos indícios de que seus produtores vêm desenvolvendo a
22
o diretor de comunicação, Silvio Finato, forneceu esta informação, mas afirmou não ter certeza de ser este o
número correto. As informações solicitadas a respeito do faturamento dos produtos licenciados e do cachê
publicitário e de shows do cantor foram negadas.
23
ídem
24
dados referentes a 2004
25
em junho de 2004 foram 2,408 contatos: 1,383 telefonemas, 384 cartas e 641 e-mails. Dados de Silvio Finato
26
dado fornecido em 26/10/2004 por Silvio Finato.
27
dado fornecido em 12/07/2004
28
idem
86
relação com os fãs de uma forma antes sem precedentes no mercado cultural
brasileiro. O trabalho que é realizado junto aos fãs torna o Daniel e seus fãs devotos
um caso exemplar.
3.4 Desenho da Pesquisa
Uma vez selecionado o caso, a pergunta da investigação foi aplicada e reescrita
para:
$! +
#
'
# !
'
,
' # (
,
'
)*
A primeira questão que foi colocada para a estruturação da investigação foi em
relação à unidade de análise. Existe uma distinção entre um fã-clube oficial e não
oficial. Para fundar um fã-clube, um fã não precisa realizar nenhum procedimento
legal, muito embora seja recomendada (por Blanche Trinajstick, “O Guia do Fã
Clube”, ANEXO A) a permissão da celebridade a ser honrada, para a concessão de
reprodução de imagens oficiais, e quem sabe até obter um apoio através de doação
de materiais (fotos, pôsteres) a serem distribuídos pelo fã-clube. Estes são os fãclubes não oficias, espontâneos, que nascem da iniciativa dos próprios fãs. Já o fãclube oficial é iniciativa do produtor cultural, que pode ou não contar com ajuda de
fãs e/ou terceiros para sua estruturação e gerenciamento. Mas estes contam com
total apoio, anuência, e subordinação à celebridade e portanto, costumam possuir
uma abrangência muito maior.
Então, a primeira etapa (QUADRO 2) desta pesquisa empírica buscou a
compreensão da estrutura, função e escopo do fã-clube oficial do Daniel e tinha
como principal objetivo a apropriação do linguajar dos envolvidos com a marca e a
delimitação das demais etapas da pesquisa. De início, acreditava-se que a Turma do
87
Dani - nome dado ao fã-clube oficial do cantor - seria a unidade de análise do caso,
porém após esta primeira etapa notou-se que os fã-clubes espontâneos, pela sua
própria natureza, apresentariam uma riqueza maior de dados para a compreensão
da importância do fã-clube no consumo do Daniel. A estrutura da Turma do Dani tem
como foco o gerenciamento do consumidor com a marca, e não necessariamente do
consumidor-consumidor através da marca. Assim, durante entrevista com Silvio
Finato, o diretor de comunicação da Turma do Dani e principal responsável pela sua
administração, foi solicitado que ele apontasse alguns fã-clubes espontâneos que
eram considerados parceiros e consistentes na relação com a celebridade.
Na segunda etapa da pesquisa (QUADRO 2), dos quatro fã-clubes indicados foram
utilizados três como unidades de análise. O fã-clube Portal do Daniel foi descartado
pela dificuldade em se contatar as dirigentes já que sendo exclusivamente virtual,
elas não se concentravam geograficamente.
Originalmente a pesquisa havia sido desenhada para contemplar uma terceira etapa
a ser realizada com o empresário Hamilton Policastro e com o cantor José Daniel
Camillo com o objetivo de captar as suas percepções da importância das unidades
de análise acima no consumo da marca e também como uma forma de validação e
controle. Mas o cantor estava com indisponibilidade de tempo devido à sua agenda
de shows e o empresário não retornou às tentativas de contato realizadas.
88
ETAPA 1
Objetivos
ETAPA 2
- compreensão da estrutura,
- exploração da importância do
função e escopo do fã-clube
fã-clube para o consumidor
oficial
devoto
- apropriação do linguajar dos
envolvidos com a marca
- delimitação das demais
etapas da pesquisa
Instrumentos
- análise do conteúdo de sites
- entrevistas semi-estruturadas
de Coleta
de fã-clubes
com presidentes de fã-clubes e
- reportagens publicadas
pessoas próximas à
(revista Turma do Dani® e
organização
meios “abertos”)
- análise de cartas de fãs
- entrevista semi-estruturada
endereçadas aos fã-clubes
com diretor de comunicação
- depoimentos de fãs
da Turma do Dani, Silvio
publicados em meios
Finato
eletrônicos (sites) e impressos
(revistas)
- documentos e artefatos
produzidos pelos fã-clubes
- correspondência e
telefonemas trocados com fãs.
- observação direta (reunião de
fã-clube)
Período da
- novembro 2003 a jullho 2004
Coleta
- entrevista em 12/06/2004
Agosto 2004
com Silvio Finato
Quadro 2 – Etapas da Pesquisa
89
3.5 Instrumentos de Coleta de Dados
3.5.1 Entrevistas
As entrevistas representaram neste estudo empírico o principal instrumento na
coleta de dados, fato este comum e bem característico dos estudos de caso.
Através de seis entrevistas realizadas foram contatados sete consumidores,
representantes dos três diferentes fã-clubes, além do responsável pelo fã-clube
oficial do cantor (QUADRO 3). As entrevistas foram conduzidas individualmente com
exceção do presidente do fã-clube Dentro do Coração, que foi entrevistado na
presença da vice-presidente e de sua prima, uma fã bastante engajada neste fãclube. No grupo então, o relato das experiências individuais foi prejudicado, em
favorecimento, porém, da melhor compreensão e observação da dinâmica de
relacionamento destes três integrantes.
Fã clube
Nome
Sexo
Turma do Dani®
Silvio Finato
M
Ida
de
40
Função
Diretor
Cidade
de
Botucatu
Comunicação
A Jiripoca vai Piar
Rita de Cássia Batista
F
39
Presidente
São Paulo
Rosemeire Parra
F
36
Fã ativa, porém
Guarulhos
sem cargo oficial
Dentro do Coração
Marcos Brasil
M
50
Presidente
Indaiatuba
Kátia Cristina Milanio
F
29
Vice-presidente
Indaiatuba
Lucimara Milani
F
36
Fã ativa, porém
Indaiatuba
sem cargo oficial
Estação Somente
Adriana Gonçalves
F
30
Presidente
Você
Rio
de
Janeiro
Aisha Figueiredo
F
23
Diretora
Rio
Administrativa
Janeiro
Quadro 3 - Perfil dos Entrevistados
de
90
Vale lembrar que estes presidentes de fã-clubes e seus principais colaboradores,
possuidores ou não de funções oficiais, dedicam uma grande quantidade de
recursos, como tempo, energia e dinheiro, na organização, condução e divulgação
dos respectivos fã-clubes, sem contudo receber remuneração econômica. Parte-se,
então, do pressuposto que o comportamento devoto se manifesta de maneira mais
explícita e intensa nestes fãs.
Com o objetivo de estimular o entrevistado a relatar a série de experiências do
contexto do consumo era lançada uma “questão gerativa narrativa” (FLICK, 2002, p.
110) do tipo “quem é você e como chegou até aqui?”. Naturalmente isto levou os
entrevistados a seguirem uma ordem cronológica de relato. Pela própria natureza
informal das entrevistas semi-estruturadas, técnica utilizada que permite que novas
situações e dados se moldem e mostrem no decorrer da coleta das informações,
foram criados roteiros de entrevista para as duas etapas (que podem ser
consultados no Protocolo de Estudo de Caso – ANEXO B) para garantir que os
pontos
principais
do
problema
de
pesquisa
fossem
abordados.
Mais
especificamente, o roteiro da segunda etapa foi desenvolvido a partir dos dois
modelos centrais discutidos na revisão bibliográfica: o consumo devoto (PIMENTEL;
REYNOLDS, 2004) e a comunidade de marca (MUNIZ; O’GUINN, 2001).
Com a permissão dos entrevistados e visando evitar a perda de informações e
detalhes importantes, bem como economizar tempo e limitar as anotações ao
estritamente necessário, as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas.
Acumulou-se um total aproximado de 14 horas de entrevistas e quase 100 mil
palavras transcritas. A entrevista realizada com Aisha foi uma exceção. Com
duração de 1 hora e meia ela foi concedida no caminho da casa dela, no Leblon (Rio
de Janeiro/RJ) até o local onde é realizado o encontro mensal dos fãs, em Irajá (Rio
de Janeiro/RJ). Anotações foram feitas e, quando redigidas naquele mesmo dia,
foram enviadas por e-mail para a entrevistada, que respondeu validando o conteúdo.
91
É comum que a utilização de entrevistas acabe se restringindo a algumas limitações
desta técnica (GIL 1989, apud PESSANHA FILHO, 1999). Mas pela própria natureza
desta pesquisa estas limitações acabaram sendo minimizadas e não representaram
uma ameaça à qualidade dos dados coletados. A saber:
a) falta de motivação de alguns entrevistados para responder às perguntas
em nenhum momento isto foi verificado já que a própria indicação destes fãclubes pelo Silvio Finato, representante da equipe do cantor, significou para
os entrevistados um forte gesto de reconhecimento. Além disto, faz parte do
trabalho e do interesse deles a divulgação do fã-clube e de suas atividades;
b) fornecimento de respostas falsas, determinadas por razões conscientes ou
inconscientes
como será reportado no item de procedimentos o intuito de
falar com mais de uma pessoa pertencente a um mesmo fã-clube serviu como
um balizador das informações dadas. Mas pela própria natureza aberta e das
informações serem passadas em forma de narrativa, se elas se tornavam
incoerentes, na mesma hora eram elucidadas;
c) inabilidade ou incapacidade do entrevistado em responder adequadamente
os entrevistados eram os presidentes dos fã-clubes, ou pelo menos, pessoas
muito próximas e atuantes na concepção e/ou manutenção destes mesmo fãclubes. Decorrente desta posição, os entrevistados apresentavam um perfil
comum de ótima articulação, liderança e exposição;
d) influência exercida do entrevistador sobre o entrevistado
talvez de todos os
itens o mais difícil em administrar. Era necessário explicar e reforçar o caráter
estritamente acadêmico desta pesquisa e assim desvincular a pesquisadora
do ídolo e de seu staff.
92
3.5.2 Observação
A técnica de observação direta foi utilizada de modo informal, em dois momentos:
durante as entrevistas e numa visita de campo realizada no Rio de Janeiro (RJ) num
encontro mensal das fãs do Fã-Clube Estação Somente Você Daniel.
Durante as entrevistas muito se utilizou a observação de fotografias, a “observação
de segunda mão”. Como parte da característica colecionadora dos fãs, eles
possuem grandes quantidades de fotografias. Na grande maioria das vezes, cada
evento relatado era ilustrado através delas, que serviam ao mesmo tempo para
comprovar e confrontar algumas situações como para estimular novos relatos. Junto
com os fãs foram vistas algo em torno de 250 fotografias, pré-selecionadas pelos
mesmos.
No dia 22 de agosto de 2004, 50 integrantes do fã-clube Estação Somente Você
Daniel se encontraram no bairro de Irajá (Rio de Janeiro/RJ). Mais do que uma
versão das costumeiras reuniões mensais, neste dia, uma equipe iria gravar o
encontro, onde seria realizada a uma homenagem para a comemoração de
aniversário do Daniel, e que eles tentariam negociar espaço no programa Domingão
do Faustão, da Rede Globo. Embora não tenha sido veiculado, a gravação ocorreu
logo após a reunião da qual tive a oportunidade de participar como observadora.
Totalmente cientes do objetivo de minha presença, tive a oportunidade de conhecer
as estórias de algumas integrantes e, mais importante, observar a dinâmica das
relações entre os participantes. Os dados coletados neste Encontro geraram notas e
fotografias.
93
3.5.3 Documentação
As informações documentais podem assumir diversas formas. Nesta
pesquisa, elas foram coletadas durante as entrevistas que eram realizadas
preferencialmente na casa dos entrevistados, onde todo o seu material se
encontrava disponível. Daí estes documentos terem desempenhado sua
função principal de “corroborar e valorizar as evidências oriundas de outras
fontes” (YIN, 1994, p.109)
Estes documentos foram coletados de seis formas:
1) mensagens de fãs endereçadas para os fã-clubes e/ou para os
presidentes destes fã-clubes. Estas mensagens foram coletadas ou em
forma de cartas, de mensagens assinadas nos livros de visitas dos
sites dos fã-clubes, ou ainda em mensagens publicadas em sessões
especiais
destes
sites
(ex.:
Cantinho
do
Fã
do
site
www.portaldodaniel.com) e de outras publicações impressas;
2) recortes de jornais e outros artigos e entrevistas publicados na mídia
eletrônica (TV e Internet) e impressa (jornais e revistas);
3) Revista da Turma do Dani: 38 exemplares (da edição número zero, de
julho de 2000 a edição ano IV número 37 – julho 2004);
4) Jornais e publicações internas dos fã-clubes;
5) Conteúdos de sites dedicados ao cantor;
6) E-mails trocados com os entrevistados.
94
3.5.4 Artefatos Físicos
A criatividade e a “produção cultural das sombras” (FISKE, 1992) característicos dos
fãs também é uma fonte rica de informações. Na constante busca pela
singularização, como indivíduos ou como fã-clubes, os fãs criam vários artefatos
físicos, principalmente na forma de presentes e agrados para o ídolo. Em cartas
escritas em rolos de papel higiênico, em bolas de futebol onde os fãs coletaram
autógrafos de todos os jogadores do time de futebol preferido pelo ídolo e nos
próprios objetos que eles fazem para si mesmos para organizar suas coleções
(pastas, altares, cadernos) estão impregnados os significados da devoção e da
importância do ídolo na vida cotidiana dos fãs.
Parte destes artefatos foi relatada nas entrevistas e mostrada em fotografias que os
documentavam; parte deles eu retive através de fotografias tiradas e outros me
foram doados para compor o banco de dados desta pesquisa.
3.6 Procedimentos de Validação
O objetivo desta seção é mostrar os cuidados que foram tomados para a validação
de todos os dados coletados e garantir assim a qualidade das análises e das
conclusões que serão apresentadas.
3.6.1 Triangulação
“Triangulação é o processo de utilização de percepções múltiplas com o objetivo de
esclarecer significados e verificar a capacidade de repetição de uma observação ou
interpretação” (STAKE, 2000)
95
Considerando que observações e interpretações não se repetem perfeitamente, a
triangulação também pode ser utilizada para esclarecer significados ao identificar
diferentes formas pelas quais um fenômeno pode ser visto.
Neste sentido, três procedimentos foram adotados:
1) a adoção de diferentes unidades de análises, representados pelos três fãclubes diferentes;
2) entrevista com no mínimo duas pessoas pertencentes a um mesmo fã-clube,
sempre na figura do presidente e de alguém próximo à sua administração;
3) utilização de diferentes fontes de evidências.
3.6.2 Criação de um Banco de Dados
Todas as evidências coletadas foram organizadas, catalogadas e arquivadas em um
banco de dados que poderá ser acessado a qualquer momento.
Ao longo da análise cada vez que é feita uma referência a uma determinada
evidência há um código que identifica o material utilizado e qual sua localização.
A codificação dos dados segue a seguinte nomenclatura (conforme QUADRO 4),
sempre acompanhado de um número que quantifica:
No caso das entrevistas, este procedimento tem o duplo sentido de localizar a
evidência e preservar os entrevistados.
96
EVIDÊNCIA
NOMENCLATURA
Entrevista
ENT
Carta
CAR
Materiais produzidos pelos fã clubes
MAT
E-mails
E-M
Conteúdo de site
SIT
Fotografia
FOT
Artigos
ART
Revista da Turma do Dani
RTD
Quadro 4 - Nomenclaturas Atribuídas por Tipo de Evidências
3.6.3 Ética
Os seguintes cuidados foram tomados:
1) o envolvimento do cantor e de sua estrutura, através de seu empresário e de
seu diretor de comunicação nos objetivos desta pesquisa e na presença da
pesquisadora no campo, coletando dados junto aos fã-clubes por eles
indicados;
2) antes de cada uma das entrevistas começar era novamente esclarecido o
objetivo da pesquisa bem como o contexto em que os fã-clubes haviam sido
indicados;
3) depois de transcritas e editadas as entrevistas foram enviadas para os
entrevistados que retornaram expressando a autorização da utilização de
seus testemunhos;
4) todos os materiais obtidos no momento das entrevistas foram dados e/ou
copiados com total anuência dos entrevistados que estavam cientes de que
eles seriam utilizados como dados.
97
4. ANÁLISE DE DADOS
A análise dos dados será exposta em três diferentes seções. A primeira delas tem
como objetivo apresentar a celebridade Daniel através de sua biografia e da forma
como a sua marca é trabalhada. Esta análise introdutória proporciona o contexto
para a compreensão da relação que se estabelece entre o cantor e seus fãs
devotos, abordado na segunda seção. Utilizando o modelo teórico desenvolvido por
Pimentel e Reynolds (2002) esta seção tem como objetivo analisar a relação
individual e particular do fã com a marca, caracterizando o seu comportamento como
devoto, portanto comprometido afetivamente. Finalmente na terceira seção, estudase o fã-clube, através das relações estabelecidas entre os fãs e destes, enquanto
um grupo organizado, com a marca. O modelo teórico que norteou a análise nesta
terceira seção foi o de comunidade de marca, apresentado por Muniz e O´Guinn
(2001).
4.1 A Celebridade: Daniel
4.1.1 Biografia
José Daniel Camillo nasceu em Brotas em 09 de setembro de 1968. Em 2004, com
36 anos, conhecido como cantor Daniel, é uma celebridade reconhecida
nacionalmente (QUADRO 5). Por três anos foi eleito, através de voto popular
promovido pela Rede Globo, como o Melhor Cantor do Brasil. Em 2003 ganhou
também o prêmio “Arena de Ouro”, uma espécie de “Oscar dos rodeios” (RTD35)
concedido pela Confederação Nacional de Rodeio e, também, sua gravação da
música “Evidências” ganhou o prêmio de “Música Mais Executada”, concedido pela
Crowley Best, que audita mensalmente as programações das emissoras de rádio.
98
Em 1978, começou a ter aulas de violão e formou uma dupla, chamada Teodoro &
Daniel que se apresentava na rádio brotense, no bar da família. Teodoro, embora a
maioria das pessoas não soubessem, na verdade era seu pai, José Sebastião
Camillo. Em saraus nas praças da cidade e em festivais promovidos, seu principal e
constante rival era o futuro parceiro José Henrique, pedreiro, que, como dupla Néri &
Nerinho, cantava em companhia de seu irmão Francisco. Com a desistência de
Francisco após seu casamento, a parceria entre Daniel e Jose Henrique foi firmada
e nasceu, em 1980, a dupla José Néri e Daniel, assim batizada pelo pai de Daniel. A
partir daí, os dois começaram a se apresentar em festas, circos e a conseguir boas
colocações nos festivais em que participavam.
O primeiro disco foi gravado em 1985 e patrocinado pelo pai de Daniel, que na
época já era dono de uma transportadora. Pela biografia do cantor e pelos
depoimentos do cantor pode-se perceber o papel de extrema relevância
desempenhado pelo pai José Camillo na carreira de seu filho. Em entrevista
(ART05) Daniel conta que, de origem pobre, pai e mãe trabalhavam na roça. Suas
vidas tomaram um novo rumo a partir de uma proposta de sociedade feita pelo dono
da fazenda onde trabalhavam. Ao José Camillo foi dado um caminhão e, com os
fretes das viagens para o transporte de materiais, ele pagava sua parte. O negócio
cresceu e se transformou na sua própria transportadora, a Translíquido Brotense.
Acreditando numa possível carreira de cantor para o filho, foi seu pai quem o
incentivou em sua iniciação à música, comprando-lhe seu primeiro violão e pagandolhe aulas para o seu aprendizado.
O lançamento do primeiro disco aconteceu através da gravadora Continental, que
mais tarde foi comprada pela multinacional Warner Music. Neste momento, o nome
da dupla foi alterado para João Paulo e Daniel. A sugestão inicial de seu produtor
Paraíso (o cantor e compositor José Plínio Trasferetti) era João Paulo e Gabriel, “o
nome de um papa e de um anjo” (ART05). Apesar dos dois artistas não quererem
mudar seus nomes, apenas Daniel conseguiu manter o seu. A principal dificuldade
da dupla passou a ser a realização da divulgação deste primeiro disco, atividade
99
esta crucial para o seu estabelecimento no mercado. Neste momento, então, entra
para a equipe um novo integrante: Hamilton Regis Policastro. Até hoje empresário
de Daniel, Hamilton é dono da HRP Produções Artísticas, empresa sediada em
Botucatu, que representa o cantor e uma nova dupla Guilherme & Santiago, além de
já ter representado uma dupla com relativo sucesso no segmento de música
sertaneja, Rick & Renner.
A entrada de fato na mídia aconteceu com o lançamento do terceiro disco, em 1993,
com a regravação de uma música conhecida como “Desejo de Amar”. Esta música
foi para todas as paradas de sucesso das principais emissoras de rádios. Isto
despertou a atenção de programas específicos na mídia televisiva, o que acabou
levando a dupla a uma visibilidade nacional.
Foi em 1996 quando uma música do repertório de seu sétimo título recém lançado –
“Estou Apaixonado” – entrou para a trilha sonora de uma telenovela da TV Globo,
que a sagração na mídia se deu. A dupla alcançou o patamar de 500 mil cópias
vendidas, uma grande exposição em programas de rádio e TV e requisição para
shows.
Em setembro de 1997, no auge da divulgação do oitavo disco da dupla, que
confirmava o sucesso do anterior, com 1 milhão de cópias vendidas, discos de
platina, platina duplo e ouro29 concedidos, João Paulo veio a falecer num acidente
automobilístico a caminho de Brotas, após uma apresentação em São Paulo.
Este fato e a maneira com a qual Daniel reagiu a esta fatalidade são fundamentais
para a carreira solo futura do cantor e para a compreensão do comportamento que
os fãs devotos passaram a ter em relação a ele. O luto e a dúvida na continuação de
uma carreira sem o parceiro tornaram-se públicos, o que levou a uma comoção,
especulação e curiosidade muito grandes por parte da audiência, e, obviamente
29
Concedidos pela ABPD, Associação Brasileira de Produtores de Discos, até 2004, o disco de ouro equivale a
100 mil cópias vendidas, platina a 250 mil, platina duplo a 500 mil, platina triplo a 750 mil, diamante a 1 milhão
e diamante duplo a 2 milhões de cópias vendidas. A partir deste ano, como reflexo da recessão e da pirataria no
mundo da música, os níveis de vendas necessários para a emissão dos certificados foram reduzidos em,
respectivamente, 50%. (fonte: http://www.abpd.org.br acesso em 22/10/2004
100
devidamente explorada pela mídia. Em maio de 1998, já oito meses passado o
incidente, programas de TV mostraram uma foto que registraria uma suposta
aparição de João Paulo ao lado de Daniel, enquanto se apresentava num show
(ART05).
Em 1998 é oficializada sua carreira solo, com o lançamento do CD Daniel, que teve
grande aceitação do público.
Em 2000, participou de um filme com a apresentadora Xuxa, “Requebra”, onde seus
personagens faziam um par romântico. Três anos depois voltou às telas com a
participação em “Didi - o Cupido Trapalhão”. Tanto Xuxa como Renato Aragão são
celebridades sólidas no mercado e sua associação com ambos, atuando no papel de
galã nos dois filmes, confirmam a força e estabelecimento de Daniel como
celebridade reconhecida.
Em 2001, a carreira internacional foi iniciada, e atualmente contando o lançamento
de um CD gravado em espanhol o cantor totaliza aproximadamente 13 milhões de
cópias vendidas.
Ano
Idade
do
Evento
Cantor
1968
0
nascimento em Brotas (SP)
1978
10
inicia-se na música, dupla com pai: Teodoro e Daniel
1980
12
dupla José Néri e Daniel
1985
17
gravação do primeiro CD como João Paulo e Daniel
1993
25
música “Desejo de Amar” traz visibilidade nacional
1996
28
música “Estou Apaixonado”, trilha de telenovela, traz sagração na
midia
1997
29
morte de João Paulo
1998
30
início da carreira solo
2000
31
grava filme com Xuxa
2001
32
mercado estrangeiro, com cd em espanhol
2003
34
grava filme com Renato Aragão
Quadro 5 – Resumo da Biografia da Celebridade Daniel
101
4.1.2 O Produto e a Marca
Para apresentar as considerações a respeito da marca Daniel, faz-se importante
antes aprofundar um pouco a discussão acerca das particularidades do produto
celebridade.
Produto é um termo genérico que designa o que satisfaz a necessidade e desejo do
cliente, seja um bem tangível como alimento, roupa e carro; um bem intangível
(serviço) ou ainda outro meio de satisfação como pessoas, idéias e emoções, entre
outros (LIMEIRA, 2003, p. 4). Na prática de marketing já existem algumas “subáreas” a respeito da administração mercadológica para produtos-pessoa, como o
marketing político e o marketing pessoal. Em comum com o que Rein, Kotler Stoller
(1997) chamaram de marketing da alta visibilidade, o marketing de celebridades, o
produto que se planeja, produz, implementa e controla é representado por uma
pessoa. Segundo estes mesmo autores, produzir uma celebridade é transformar
uma pessoa privada em figura pública.
E é na característica pessoal deste tipo de produto que reside uma das grandes
dificuldades em se trabalhar com celebridade: uma vez representado pela pessoa
que a incorpora, existe uma contaminação muito grande entre ambos, e a partir daí,
o controle deste tipo de produto é muito mais complicado de se realizar. A história da
celebridade Daniel é construída a partir da história de José Daniel Camillo. De forma
recíproca, o que acontece com a celebridade interfere na vida da pessoa.
Embora o limite entre pessoa e persona seja difuso, tanto celebridade como fã o
reconhecem e ressentem-se dele. Foram encontradas, em várias cartas e através
das entrevistas, diversas manifestações dos fãs para conhecer o “verdadeiro Daniel”,
“o José Daniel Camillo”, o “Daniel antes da fama”. O assédio que acaba se
estendendo à família do cantor representa uma tentativa de aproximação com o
filho, irmão e sobrinho que Daniel é, e não com a celebridade que ele representa.
102
Por parte do cantor, em alguns depoimentos ele mostra a consciência e a dificuldade
em lidar com esta distinção. Questionado se sabia diferenciar a mulher apaixonada
por ele daquela impressionada por sua fama, respondeu: “Vai ser difícil encontrar
uma pessoa com quem realmente me sinta seguro de que ela gosta mesmo de mim“
(ART05).
Porém, quanto mais o fã tenta mesclar persona com pessoa, eliminando a fronteira
existente entre ambos, mais o produto deve ser protegido da contaminação. As
vulnerabilidades da pessoa não podem interferir de forma não planejada na
administração da celebridade, porque poderiam assim representar uma ameaça à
identidade cuidadosamente construída. Exemplos desta proteção podem ser
observados nos seguintes depoimentos:
“Existem momentos em que você está com o pavio curto. Mas
nessas horas tento evitar ter contato com fã. Porque ela não quer
saber se você está bem, se você não está. Você tem que estar
sempre legal com elas, sorridente, e de bem com a vida” (Daniel,
ART05)
“Tinha uma fã em Itapecerica da Serra que eu percebi que queria
ser íntima [do Daniel]. [Eu falei] ‘Pára de tentar querer ser íntima que
você vai perder o encanto do ídolo. Quando o cara for ser amigo vai
perder todo o encanto’” (Silvio Finato, diretor de comunicação da
Turma do Dani)
Assim como acontece nos demais tipos de produtos, o consumo da celebridade
também se baseia no princípio da troca, conceito fundamental de marketing. A
celebridade proporciona estórias, entretenimento, diversão, experiências e emoções,
transcendendo a rotina da vida cotidiana do consumidor. Em troca o consumidor
proporciona visibilidade, fama, dinheiro e poder aos “detentores” da celebridade.
Para que a celebridade possa entregar os benefícios esperados e previstos no
chamado produto núcleo são tomadas decisões acerca dos atributos do produto, da
103
embalagem e da marca. Todas estas decisões devem ser tomadas de forma
conjunta para que o conceito e posicionamento estratégico da celebridade tenham
respaldo e consistência.
Após a morte do seu parceiro, e com o processo de sacralização do Daniel que este
evento desencadeou (que será abordado mais especificamente nas próximas
seções), houve um reposicionamento da marca, explícito no depoimento abaixo
transcrito do seu empresário.
“Se eu deixasse o Daniel cantar apenas sertanejo, ele estaria
fazendo o mesmo que Sergio Reis. Se fosse só romântico, seria
mais um José Augusto” (ART13, grifos meus)
Assim, de uma dupla sertaneja, formada por um negro e um branco, que
representava a amizade, tolerância e o não preconceito, a marca Daniel passou a
representar a humildade, ingenuidade, família e raízes oriundas do seu veio
sertanejo, com a sedução, o amor e esperança da sua incorporação com o
romântico.
Para as celebridades, as decisões acerca de atributos e embalagem podem ser
comparadas ao que Rein, Kotler e Stoller (1997) chamaram de aparência (rosto e
cabelo, vestimenta), voz (tom, sotaque, dicção), movimento (gesticulação, andar);
conduta e material. A decisão de marca equivale ao nome da celebridade.
O sotaque típico do interior paulista, do “caipira”, e a maneira de falar informal e
despojada do cantor reforçam seu posicionamento sertanejo, “humanizam” a
celebridade, trazendo-a mais próxima das pessoas que o consomem.
Por outro lado, através do histórico das fotos de divulgação do cantor, ao longo de
sua carreira, pode-se notar como o seu reposicionamento, com a incorporação do
elemento romântico, se explicitou notadamente na aparência. O figurino mais
“country” utilizado na época da dupla com João Paulo onde predominavam jeans,
104
botas, e couro cede espaço a uma versão mais cosmopolita e eclética, com ternos
de marcas famosas, calça social e camisa. Através da inclusão de momentos de
dança em seus shows, busca-se investir também numa movimentação mais sensual
e provocativa, agregando também uma porção sedutora ao romântico.
O material, definido como “o conteúdo que o artista leva até o público” (REIN;
KOTLER; STOLLER, 1987, p.180), do repertório do Daniel é notadamente composto
por canções românticas. Em projetos especiais e amplamente divulgados, como os
discos Meu Reino Encantado 1 e 2 (respectivamente 2000 e 2002), que reúne
músicas de moda de viola e conta com a participação dos grandes nomes da
chamada “verdadeira música raiz sertaneja”, a celebridade resgata sua origem
sertaneja e reforça as associações inerentes a ela.
O nome de uma celebridade é a marca utilizada para identificá-la. O ato de nomear,
de marcar um produto (brand naming) é algo que cada vez mais tem sido discutido
estrategicamente. Um bom nome pode ajudar um produto a se estabelecer no
mercado, da mesma forma que um mau nome pode prejudicá-lo. Este cuidado com
o nome parece ser algo inato à produção de celebridades. Issur Danielovitch
Demsky, Bette Joan Perske, Melvin Kaminsky e Allen Konigsberg talvez não
tivessem tido o mesmo sucesso como celebridades se não tivessem remarcados
seus nomes para Kirk Douglas, Lauren Bacall, Mel Brooks e Woody Allen,
respectivamente.
A marca Daniel tem uma logomarca, representada pela assinatura do cantor
(FIGURA 10).
Figura 10 - Logomarca
105
A partir de depoimentos do cantor coletados na mídia impressa pode-se inferir qual o
conjunto exclusivo e estratégico de associações – a identidade – que a marca Daniel
pretende criar e/ou manter (QUADRO 6). A identidade da marca traduz de forma
consistente o posicionamento sertanejo-romântico adotado. A vantagem de um
produto celebridade é que a marca tem literalmente um rosto, um nome e uma
personalidade o que torna a projeção dos seus valores mais direta e automática.
O produto Daniel é tangibilizado em diversos objetos físicos, como cd´s, vídeos e
dvd´s, camisetas, fotografias e bottons.
Humildade e
“Eu sigo as raízes da minha família, que além de ser
Simplicidade
humilde, sempre nos ensinou a sermos simples. É uma
qualidade que aprendi e que ainda sigo. Não mudei e não
vou mudar” (SIT04)
Dedicação
“Amo o que faço – não tiro férias há dezoito anos, mas não
sei o que é estresse, se tive, não percebi” (SIT04)
Bom caráter
“Se me convidassem como ator, acho que toparia fazer um
personagem com muito prazer, galã, não sei. Seria mais fácil
fazer um cara bom caráter, parecido comigo” (SIT04)
Família
“O convívio familiar é meu esteio, onde sempre encontro as
forças que preciso” (SIT04)
Religiosidade
“Sou católico, rezo, acredito em Deus” (ENT05). É devoto de
Nossa Senhora.
Romantismo
“As fãs percebem que sou romântico, que me identifico com
as coisas que digo em minhas músicas” (SIT04)
Sedução
“Se Deus fez alguma coisa melhor do que mulher, guardou
só pra ele” (SIT04)
Quadro 6 – Identidade da Marca Daniel
Como conseqüência natural do brand equity (valor da marca) de Daniel, a marca foi
estendida para diversas categorias, através de licenciamento de produtos. Em 2004,
106
conta com 50 produtos encontrados em diversas categorias, entre elas: instrumentos
musicais (violão), brinquedos (cavalinho, bonecos “com cheirinho de Daniel” e
palhacinhos), jóias, vestimentas e acessórios (botas e chapéus) e alimentos
(goiabada e extrato de tomate), conforme ANEXO C.
Todos os produtos que possuem a marca Daniel são desejados pelos seus fãs, para
comporem suas coleções pessoais. Ciente do direito do cantor da posse de sua
marca, existe uma ética entre eles, que se expressa no seu comportamento em
relação à pirataria. “Fã que é fã não compra produto pirateado”, afirma uma
entrevistada (ENT06). O site Portal do Daniel, mantido por um grupo de 7 fãs, tem
uma seção específica divulgando a campanha contra a pirataria e convoca os fãs do
Daniel, em nome de sua lealdade ao cantor, a não comprarem cd´s piratas (SIT06)
4.2 O Fã Devoto
Foi mostrado na revisão bibliográfica que tanto o fã consumidor de uma celebridade,
como o consumidor devoto, possuem comportamentos característicos em relação ao
seu objeto de consumo.
Esta seção tem o objetivo de mostrar como o fã devoto se comporta em relação à
celebridade
Daniel,
informação
esta
importante
para
a
compreensão
do
engajamento deste mesmo fã em um fã-clube. Embora a forma estereotipada do fã,
amplamente divulgada e explorada pela mídia, pressuponha o comportamento
devoto, nem todo fã pode assim ser considerado.
Segundo o modelo de Pimentel e Reynolds (2004), o consumidor devoto é aquele
que, a partir de um processo de sacralização do objeto desejado, desenvolve um
comprometimento afetivo com a marca e se engaja em procedimentos de
sustentação desta sacralização, que representam investimentos do consumidor na
manutenção do comprometimento com a marca.
107
Os antecedentes que levam o fã a sacralizar o Daniel não foram foco neste trabalho.
Não se buscou saber por que o Daniel, dentre as opções de celebridades, mas sim,
uma vez detectado um já estabelecido comprometimento afetivo em relação ao
Daniel, por que se engajar num fã-clube. Mesmo não tendo este foco, pode-se
perceber através dos depoimentos, que de uma certa maneira, o antecedente mais
comum que levou os fãs pesquisados ao consumo devoto do Daniel é o que
Pimentel e Reynolds (2004) chamaram de “preenchimento de vazio”, reforçado pela
importância da fama no contexto cultural atual.
Esta seção inicia-se apresentando a imagem da marca Daniel, ou seja, as
associações que o consumidor fazem em relação ao Daniel, mostrando uma
coerência muito grande com a identidade da marca, anteriormente apresentada. Em
seguida são mostradas as características reunidas num fã devoto: a sacralização e
os procedimentos de sustentação (exemplificados ao longo do texto), do
comportamento devoto e a relação assimétrica, o sentimento de posse, a
singularização, tão característicos do relacionamento fã-celebridade.
4.2.1 A Imagem da Marca Daniel
Para entender o processo de desenvolvimento do comportamento devoto dos fãs do
Daniel faz-se necessário compreender a forma com que a marca é por eles
percebida.
As associações ao nome Daniel, em última instância, levam a sua audiência a
desenvolver um forte sentimento de identificação com ele. Uma sessão específica da
Revista da Turma do Dani solicita às suas fãs que descrevam por que Daniel é
importante para elas. Invariavelmente as respostas fazem menção à simplicidade do
cantor, à sua humildade e aos seus fortes laços familiares, antes mesmo da sua
valorização enquanto intérprete.
108
A associação de simplicidade está fortemente relacionada com a forma pela qual o
cantor trata as suas fãs, exemplificado pela declaração abaixo.
“Ele é importante pela importância que dá às pessoas; pelo
interesse que demonstra ao conversar conosco (...) ele conversa
como se já nos conhecesse há muito tempo... eu já estive na
fazenda dele e vi a atenção que dá aos funcionários, do mais
simples ao mais importante” (CAR34).
Além desta atenção característica, o cantor é exaltado pela forma igualitária com que
trata a todos. Esta postura não preconceituosa é reforçada pela divulgação de sua
própria história com o parceiro João Paulo, um negro a quem sempre se refere como
irmão. Em suas biografias é divulgado o preconceito que a dupla dizia sentir. Como
exemplo, são contadas histórias de shows contratados por telefone mas que eram
cancelados quando a dupla se apresentava fisicamente ao contratante, além de
“conselhos de carreira” que Daniel alega ter recebido para se separar do parceiro.
“Admiro a sua fidelidade ao saudoso amigo João Paulo, podemos
sentir que a amizade deles é eterna e que o João Paulo foi e sempre
será o amigo e irmão camarada, e que através dessa amizade ele
mostrou que o ato de descriminar (sic) é algo muito pequeno e que
na verdade o que importa é a personalidade” (CAR54)
Este ato de “abraçar e beijar a todos sem nenhum preconceito” (CAR80) se estende
notadamente a deficientes e idosos. Padrinho da AACD e grande mobilizador da
causa da APAE, Daniel prioriza o atendimento de pessoas deficientes físicas, visuais
e mentais. Seu carinho por elas, visualmente comprovado em diversas fotografias
publicadas, é autenticado e legitimado pela sua própria história pessoal. Seu irmão
mais velho, Gilmar, sofre de paralisia cerebral desde os 3 meses. Em toda
oportunidade, Daniel manifesta publicamente, seu especial carinho pelo irmão: “Meu
irmão Gilmar é uma pessoa maravilhosa, uma luz que a gente tem dentro de casa”.
(RTD10)
109
De maneira geral, o trabalho filantrópico de Daniel é altamente divulgado. O cantor e
seu empresário idealizaram em 2000 um time de futebol, que formado por amigos de
ambos, realizam jogos beneficentes em cidades espalhadas por todo o Brasil. Em
casos de cobrança de ingressos, 10% da arrecadação é revertida à Fundação João
Paulo e Daniel. O restante fica para as entidades da cidade promotora do evento. No
caso de troca de ingressos por alimentos, toda a arrecadação fica na cidade. Estes
jogos são muito disputados pelos fãs, já que como Daniel participa deles, se tornam
verdadeiros espetáculos. Na maioria dos estádios por onde passou, o Daniel F.C.
bateu recordes históricos de público. Este projeto alcançou proporções tão grandes
que nos primeiros 70 jogos realizados, arrecadou um total de 1,6 milhões de reais e
1700 toneladas de alimentos. Este tipo de ação é bastante divulgado pelo site e
revista oficiais do cantor, mas principalmente movimenta as cidades onde os jogos
são realizados, gerando muita exposição na mídia regional. Isto acaba reforçando a
identidade da marca não somente para seus fãs devotos, mas para a opinião pública
em geral.
Embora não quantificado, é de conhecimento dos fãs que o público idoso também
forma uma boa parte da audiência do cantor (ilustrado na FIGURA 11). Marcos
Brasil, presidente entrevistado do fã-clube Dentro do Coração (Indaiatuba/SP) conta
que durante um tempo, este fã clube era conhecido como o “fã clube da terceira
idade” em função do número proporcional de idosos-membros.
“O Dani é importante para mim porque ele não faz distinção entre
seus fãs. Tanto ele beija uma pessoa idosa como eu, uma criança
ou um jovem. Ele dá atenção a todos” (CAR47)
110
Figura 11 – Fã-Clube formado por senhoras
fonte: Revista Turma do Dani
É interessante notar que grupos histórica e socialmente discriminados - mulheres,
idosos, crianças, negros e deficientes – se sentem completamente valorizados pelo
cantor o que ajuda a lhe imprimir, além da simplicidade, a associação de humildade.
(...) porque Daniel é uma pessoa humilde e isto me cativa. É muito
bom saber que alguém tão famoso como ele consegue ficar lado a
lado com a gente. Ele entende como é importante para o fã chegar
perto, tocar, falar, sorrir e chorar por ele.” (CAR54)
Em diversas oportunidades, ele atribui ao seu público a razão do sucesso. Ao se
colocar numa situação de passividade, os papéis são invertidos e isto dá ao fã a
sensação de controle. “Sempre atendo ao público porque ele é o responsável pelo
sucesso da gente” (SIT04). Mas a associação de humildade não seria tão forte se
ficasse apenas no discurso. A presença da família do Daniel, principalmente de pai e
mãe, pessoas de aparência e atitudes em público humildes, e a forma com que ele a
valoriza publicamente acabam por lhe atribuir esta associação de “bom moço”,
“moço de família” e a reforçar a de simplicidade e de humildade.
4.2.2 A Sacralização
A imagem da marca apresentada até agora, essencialmente de humildade e
simplicidade, reforçada pelo fato de o produto ser representado por uma pessoa, cria
num primeiro momento entre seus consumidores um forte sentimento de
111
identificação. Porém, por mais que os fãs devotos o vejam como alguém parecido
com eles, simples e humildes, sabem que Daniel não é igual a eles. Para estes fãs,
assim como um pastor, o cantor inspira sentimentos puros, de amor e amizade, e os
propaga através de suas canções. A sacralização deste ídolo é tão intensa que
quase se banaliza. É reveladora a intensidade e a constância da utilização de
expressões religiosas para se referirem ao ídolo. Daniel passa a ganhar outra
importante associação à sua marca: santidade. Belk, Wallendorf e Sherry (1989)
mesmo acreditando que a melhor forma de compreender o sagrado é contrastando-o
com o profano, tentam caracterizá-lo através de 12 propriedades. Algumas delas são
muito claras nos depoimentos dos fãs de Daniel o que confirma a condição de
sagrado da marca, e conseqüentemente, corroborando seu comportamento devoto
(verificar resumo na QUADRO 7).
É no momento da sagração do cantor que as “características funcionais do produto”
começam a ganhar evidência, num tom de justificativa. Para os fãs, Daniel canta
muito bem, mas também as referências à sua voz vêm envoltas numa aura mística:
é um dom divino. Escutá-lo, então, torna-se uma experiência extática, uma das
propriedades do sagrado.
“Escutar ele cantar, ao vivo ou pela TV, deixa a alma mais leve, os
problemas são esquecidos” (CAR35)
“acordar e saber que será possível ao menos ouvir a voz do Daniel,
já é uma dádiva” (CAR49)
Mas a sua característica funcional não sobreviveria sozinha. Daniel, suas
associações, sua voz e sua interpretação se fundem de tal maneira que ele acaba
sendo a própria personificação das letras de suas músicas. É como se ele fosse o
porta-voz de uma força divina:
“suas mensagens através das canções transmitem sensibilidade,
emoção, sentimentos que estão no coração de cada fã” (CAR30)
“sãos suas belas músicas que me fazem viver e ter esperanças”
(CAR78)
112
Propriedade
Definição
Êxtase
é uma experiência “Escutar ele cantar, ao vivo
que
Evidencia
promove
um ou pela TV, deixa a alma
estado de quem se mais leve”. (CAR35)
encontra como que Em relação à experiência de
transportado
para vê-lo pela primeira vez em
fora de si e do um show:
mundo sensível
“Fiquei parada, vidrada, sem
me mexer” (ENT06)
“Eu lembro que fiquei uma
verdadeira estátua,
assistindo” (ENT02)
Hierofania
aparecimento e/ou
“É até estranho falar, tento
manifestação do
buscar uma explicação mas
sagrado
não consigo. Quando
apareceu o Daniel não sei o
que me deu. Ele me passou
uma coisa muito boa”
(ENT04)
Contaminação através do contato o
“Minha coleção de cd´s é
sagrado tem o
sagrada. Ninguém mexe.”
poder de
(ENT06)
contaminar coisas.
Num extremo, as
possessões das
pessoas sagradas
se tornam ícones
venerados porque
estão contaminados
com a santidade
Quadro 7 – Exemplo de Propriedades do Sacrado, segundo BELK et AL (1989) encontrados na imagem
da marca Daniel
113
As suas canções embalam e fazem a trilha sonora da vida dos fãs. Elas marcam, ou
melhor, traduzem momentos de vida destes fãs. Através de suas letras de músicas
eles expressam seus próprios sentimentos. É como se Daniel os entendesse e os
traduzisse.
“Aí eu lembro que ele cantava aquela música lá, e eu falei assim:
`Nossa Senhora!’ Achei que ele tinha feito a música para mim
porque ele falava...`eu só quero seu amor, por que você me deixou,
por que você foi embora, o que eu vou fazer da minha vida agora’
(...) E eu no maior pranto escutava aquela música (...) Parecia que
fez [a música] agora, é uma coisa assim do outro mundo” (ENT02)
Mais até do que um simples porta-voz, ele é visto como um mensageiro divino:
“todos os dias, antes de me deitar, agradeço a Deus por nos ter
enviado este anjo para alegrar nossa vida” (CAR32);
“é um ser superior e especial” (CAR61);
“é um presente de Deus” (CAR49);
“Deus lhe deu um coração de ouro (...) a importância do seu brilho e
de sua existência vai muito além da vida, vai muito além da matéria,
você é importante para mim, para o mundo, você é importante para
Deus (CAR51)”;
“Dani, seu D é de Deus por isso você faz a diferença na vida de
qualquer um” (CAR86);
“DEUS e DANI, nomes com quatro letrinhas que nos dá amor e
alegrias” (SIT06)
“ele tem o dom de fazer as pessoas sonhar acordadas e chorar de
alegria” (CAR67);
Em vários editoriais na Revista do Dani, o próprio Daniel assume para seus fãs seu
“dom” e diz acreditar que tem uma missão a cumprir, através da sua música. Em
suas mensagens, seu mantra é “acredite em sonhos”, sendo, ironicamente, que ele
é o sonho de grande parte de seus fãs devotos. “Aconteceu comigo e pode
acontecer com você” imprime uma esperança muito grande na vida de seus
114
seguidores. E este “acredite sempre em seus sonhos” é algo que repercute
constantemente no discurso dos fãs. No dia da reunião do fã-clube Estação
Somente Você Daniel – RJ, as fãs montaram dois cartazes intitulados “Sonhos
Realizados” e “Sonhos a Realizar”. No primeiro figuravam as fotos do Daniel com as
fãs, uma a uma. Num contraste claro, no segundo estavam as fotos das fãs do
Daniel, sozinhas, aguardando o dia que teriam a felicidade de, enfim, realizarem seu
sonho de “conhecê-lo”.
Numa primeira leitura, mais rápida e superficial, sim, Daniel é o sonho deles. Mas
esta crença, esta esperança e justificativa de busca impregnam a vida dos fãs. Se o
primeiro sonho, o Daniel, pode ser realizado, todos os outros também podem.
Uma das questões que se coloca (BELK; WALLENDORF; KOENIG, 1989;
PIMENTEL; REYNOLDS, 2004) em relação à sacralização do secular é que uma vez
que o consumo pode se tornar um veículo de experiência transcendente, qualquer
coisa pode se tornar sagrada. Porém, este é o tipo de significado construído
necessariamente a partir do consumidor.
No caso do Daniel, o processo de sacralização dos fãs estudados se deu muito em
função das características e histórias de vida pessoais e através de um processo
particular e individual. Porém, a morte de seu parceiro fez com que, para alguns, o
processo se intensificasse, mas para a maioria representou o evento detonador da
sacralização. Poderíamos dizer que foi um processo coletivo de sacralização. O
sofrimento público do Daniel comoveu sua audiência, que passou a admirá-lo mais.
“Emocionou todo mundo. Cada vez que ele cantava aquela música
`Estou Apaixonado’, este tipo de música que ele cantava com João
Paulo. Às vezes, ele parava, dava um nó na garganta dele. Aí a
arquibancada, todo mundo gritando `João Paulo` direto, `João
Paulo, João Paulo`. Ficava aquele silêncio. Ele parava e ficava com
o microfone, e não conseguia cantar, ... dava um nó na garganta”
(ENT03).
115
“E aparece ele cantando uma música, acho que ‘Estou apaixonado’.
Ele não sabia se cantava ou se chorava de tão envolvido com a
morte de João Paulo. Ai, que dó deste cara” (ENT05)
“todo mundo começou a prestar atenção no Daniel, porque todo
mundo estava sentindo o que ele estava sentindo. A gente começou
a acompanhar ele aí” (ENT03)
Esta comoção gerou uma curiosidade e desencadeou, ou pelo menos potencializou,
o processo de identificação, que aproxima o cantor de seu fã. Afinal de contas,
finalmente a dupla estava alcançando o sucesso, coroando todo o esforço e história
de luta. As pessoas não queriam que ele parasse. Não achavam justo. E diante de
sua dúvida na continuidade da carreira se sentiram de certa forma responsáveis,
tendo que mostrar a ele que, não, o público não o deixaria sozinho, e que mesmo
sem o parceiro, ele não estava abandonado. Os fãs passaram a ser seus
companheiros.
“teria que continuar pois ele não estava mais sozinho; já tinha
atingido o sucesso de milhares de fãs em todo o Brasil, que rezavam
e torciam para que seu ídolo percebesse que sua missão era cantar
e trazer alegria a todos que viam nele uma pessoa humilde,
carismática e especial” (SIT06);
Em alguns casos, a perda do parceiro desencadeou o processo de sacralização de
uma forma imediata, através, mais uma vez, da identificação mais pessoal – e não
somente da curiosidade ou dó. A perda de alguém causa uma dor muito profunda e
um sentimento de solidão imensos. Inevitavelmente a morte se conecta à
religiosidade, mesmo que em forma de questionamento, uma vez que desperta a
consciência da própria vida. Algumas pessoas viveram seus lutos particulares junto
com o do Daniel, potencializando a sua sacralização.
“O primeiro programa que ele foi, depois que o João Paulo morreu
foi no Gugu. E eu estava lá em Olímpia, ainda sozinha na minha
casinha, chorava que nem não sei o quê. E tudo o que ele [Daniel]
116
falava [eu pensava] ‘eu sei o que é isso, eu sei o que é isso’. É
aquela sensação de você ter vontade de chegar perto da pessoa, de
por a mão nela e falar: `Eu sei exatamente o que você está sentindo
(...) Eu quero por a mão, eu preciso dar um abraço nesse cara e
falar para ele que eu sei que a dor dele é igual a minha’” (ENT02, o
marido da entrevistada faleceu num acidente automobilístico 40 dias
antes de João Paulo).
“simultaneamente passamos por situações difíceis na vida, eu fiquei
viúva e ele perdeu seu par vocal ... ele precisou do público para
superar-se, eu precisei dele” (RTD28, depoimento de fã, que tatuou
o nome do Daniel, ao lado do nome de seu filho, no lado esquerdo
de seu peito).
Após este episódio, uma nova associação é atribuída à celebridade: mais do que um
batalhador, Daniel é um vencedor, que com muita força de vontade superou um
terrível obstáculo. Completa-se assim o modelo a ser admirado, adorado e seguido.
A propriedade do sagrado de contaminação, isto é, a capacidade da santidade ser
espalhada pelo toque ou posse do que foi tocado pelo sagrado também é
manifestado em relação ao Daniel. Tudo o que ele toca também é venerado,
inclusive o fã devoto. Se até agora ele só queria vê-lo, agora precisa tocá-lo. Rita,
presidente do fã clube “A Jiripoca Vai Piar” (São Paulo/SP) relata uma história de
uma conhecida, moradora de uma pequena cidade do interior do Ceará que fez
questão de tirar uma foto com ela, segurando uma das fotos onde Rita aparecia
junto com o Daniel. O objetivo desta foto é provar para seus amigos do Ceará que
ela conheceu “alguém que já tocou o Daniel”. É o mito da fama se propagando.
Rosas, autógrafos, toalhas, peças de roupas, tudo o que o Daniel tocou,
“contaminou” vale muito para o fã.
“Ele beijou a flor, deu na minha mão e falou `obrigado’. Tem o
perfume ainda. E eu não mostro para ninguém que é para não sair o
perfume” (ENT03)
117
“Quando você veio na minha cidade fazer o show eu não pude ir (...)
Mas o meu pai foi e me trouxe uma foto na qual estão você e o João
Paulo, eu digo que esta foto é como um tesouro para mim, só pode
ver de longe, mas pegar, não!”(CAR28)
A deferência, o cuidado e a transformação destes objetos em peças de suas
coleções representam a forma individual mais recorrente do fã devoto em sustentar
a sacralização. Uma fã me mostrou o “altar” (literalmente, foi este o termo utilizado
por ela) feito a partir de uma caixa de vinhos, devidamente encapada com fotos do
Daniel (FIGURA 12). Dentro as “preciosidades”, também devidamente etiquetadas:
um copo descartável de água “que o Daniel bebeu no show tal”; rosas já murchas
que o Daniel jogou no show tal; toalhinha (o cantor costuma enxugar o suor de seu
rosto em toalhinhas brancas com seu nome bordado e jogá-las a platéia) que o
cantor jogou no show tal. Ao separar fisicamente estes objetos “contaminados” com
santidade, a fã evita que eles se “contaminem” com os objetos profanos,
sustentando assim a sacralização do Daniel.
Figura 12 - Altar com peças tocadas pelo Daniel
Obs: fotos tirada na reunião do fã-clube carioca
118
A simples visão do ídolo, ao vivo, de longe ou de perto parece ser uma experiência
sublime, que reforça tanto a condição humana dos fãs quanto a divina do ídolo,
aumentando ainda mais sua distância. Diante do ídolo, o fã é petrificado, não
consegue falar, não consegue se mexer.
“Você pensa que é um Deus, você acha que é diferente (...) Eu
lembro que a hora que ele apareceu, que eu falei assim `Gente! Eu
não to acreditando que eu to vendo este homem, que este homem
existe’” (ENT02)
Nove meses depois da morte de João Paulo morre Leandro, também a segunda voz
da dupla Leandro e Leonardo. Novamente a audiência fica comovida. Embora
Leonardo também tenha continuado na carreira, este evento não foi o que o
consagrou, e ele não se transformou no mito e no fenômeno mobilizador que Daniel
representa. Em primeiro lugar, a dupla já estava mais estabelecida no mercado
quando da morte de Leandro; Leonardo não incorpora as mesmas características de
personalidade que Daniel, e é considerado malandro, imagem esta aparentemente
cultivada pelo cantor.
“O Leonardo, ele inspira um pouco de cuidado, é bocudo, é
malandro, coisa que o Daniel não [é]. Eu nunca vi o Daniel tratar
diferentemente uma fã de outra, com malicia, um abraço
malicioso...” (ENT03)
Mas, principalmente, a morte não sacralizou Leonardo como o fez com Daniel,
porque a audiência acompanhou toda a luta, a dor e o sofrimento de Leandro. Ele
morreu de câncer, e embora num processo rápido, durante 2 meses seus fãs
acompanharam a sua doença. Ele sim foi sacralizado (seu filho, também cantor, tem
um imenso rosto do pai tatuado em sua barriga). Não houve transferência desta dor
para seu parceiro na proporção em que aconteceu com Daniel.
Assim a morte que “heroifica” não só permeia mas é fator determinante na
construção do ídolo Daniel. Construção esta que teve participação das pessoas.
119
Mais concretamente do que simplesmente partilhar de sua dor, elas participaram
ativamente na produção dos seus primeiros shows solo, gritando “João Paulo” e
cantando junto com o cantor, fazendo coro, preenchendo o espaço vazio deixado
por seu parceiro.
A imagem da marca Daniel está fortemente relacionada às associações humilde,
simples, batalhador e sagrado. A categorização do comportamento destes fãs como
devoto, vem desta última associação.
4.2.3 A Assimetria da Relação
O grande paradoxo da relação fã-celebridade fica bastante explícito nestes dois
processos de identificação (humilde, simples e batalhador) e sacralização (sagrado).
Ao mesmo tempo em que o ídolo reflete a imagem de seu fã o fã tem nele seu
modelo de vida. Muito embora sejam constantes as referências ao Daniel com
intimidade, “Dani”, eles têm completa consciência da assimetria existente na sua
relação.
O Daniel é para estas pessoas “o companheiro em horas de solidão” (CAR64).
Presente em todos os momentos – alegres ou tristes – de seus fãs. Este
companheiro fiel é aquele que os ajuda a transcender a rotina de suas vidas, “[com o
Daniel] esquecemos todos os problemas e mágoas que carregamos em nosso dia-adia” (CAR67). Ávido por informações sobre o seu ídolo, o fã devoto conhece toda a
biografia, gostos e desgostos da celebridade e acredita, por isto, conhecê-lo muito
bem. Aliás, impressionam também os detalhes da vida de Daniel que são
conhecidos pelos seus fãs. Num concurso entre seus membros, o fã-clube Portal do
Daniel fez uma promoção na qual os fãs deveriam responder a um questionário.
Eram 15 perguntas que variavam do nome da professora de catequese do cantor e
do médico que fez o seu parto até a quantidade de pintas que ele tem no rosto. E,
sim, este concurso teve vencedor.
120
Dada a assimetria que a caracteriza, a relação entre o fã e seu ídolo é na verdade
para-social, conforme teorizaram Horton e Wohl (1956). E o fã, ao mesmo tempo em
que compreende isto, se ressente deste fato:
“(...) vou continuar na esperança de que um dia você arrume um
tempo em sua vida e me dê a oportunidade de te conhecer (...)
porque te amo do fundo do meu coração e espero que um dia você
possa também saber quem é essa pessoa que tanto ama você, bom
isso se você se interessar em saber quem sou eu, porque de certa
forma eu te conheço, pelas revistas, televisão, mas você não sabe
quem sou”. (CAR17)
“(...) estou bastante triste porque você se esqueceu de minha
pessoa. (...) Eu queria tanto um dia poder lhe conhecer
pessoalmente” (CAR07, grifos meus)
O fã parte desesperadamente em busca de uma forma de quebrar esta assimetria, e
acredita que ao conhecê-lo finalmente estabelecerá a relação. O grande sonho de
conhecer o cantor significa para a maioria deles dois minutos de contato com o
artista: o tempo para um beijo, um abraço e o click de uma máquina fotográfica. Os
fãs que têm uma foto junto ao Daniel – e pela seção “No coração do Dani” da
Revista da Turma do Dani onde são publicadas as fotos enviadas pelos fãs pode-se
ter uma idéia da quantidade deles (ANEXO D) – falam e escrevem do prazer em têlo conhecido. “Conhecer” é estar alguns minutos ao seu lado.
“Pensei mil coisas, pra lhe dizer, mas não deu tempo para as
palavras, é tudo tão rápido, os seguranças apressando a saída
antes mesmo da entrada. Ah! Mas o abraço, o beijo, o olhar que
trocamos, será inesquecível, a sensação de bem-estar foi
inexplicável. Guardo esta foto com muito carinho” (CAR92)
Mesmo “conhecendo”, os fãs sabem que não têm com ele ainda a validação da sua
relação imaginária. O relacionamento real se estabelece quando o fã passa a ser
121
reconhecido pelo seu ídolo, não necessariamente pelo nome, mas por qualquer sinal
e forma que ele utilize para expressar que se lembra da pessoa. O fã força este
relacionamento de forma quantitativa. Por isto que “quanto mais a gente vê, mais
quer ver” (ENT03). São necessários vários encontros até que o ídolo consiga
reconhecer o fã. O que move este comportamento persecutório de alguns fãs é o
desejo do reconhecimento real. “Primeiro a gente quer ver, depois tocar, e depois
ser visto” (ENT02).
O momento em que o reconhecimento existe é revelador, o indivíduo finalmente se
destaca da multidão. O reconhecimento de um ídolo é mais do que um
reconhecimento qualquer. É ser mais famoso do que o famoso. É conseguir que
aquele a quem todos conhecem, conheça você. Além da fama, ganha-se identidade.
“ele falou comigo...eu existo, meu Deus, ele falou comigo” (ENT02).
Neste contexto, as fotografias adquirem uma importância muito grande. Além de
prolongarem aquele encontro revivendo todas as sensações do momento, elas são
tidas como uma prova da existência da relação. Em todas o Daniel aparece
abraçado, ou beijando a fã.
“Minha fotografia ao lado do meu ídolo, que para muitos não passa
de uma simples foto, para mim significa a prova viva daquele
momento que transformou minha vida. Significou a mudança de uma
total descrença nos sonhos para a retomada desses sonhos em que
tudo pode acontecer, basta acreditar.” (CAR38)
Os fãs têm plena consciência da “condição de ser fã”, da total assimetria na relação,
dos sacrifícios e dos investimentos que são feitos. Sempre variando entre razão e
emoção, tentam justificar suas ações, das mais diversas formas, para se conciliarem
consigo mesmos.
“Quando eu falo do Daniel, as pessoas falam que falo com muita
intimidade. Eu não falo como o cantor, é o Daniel, como se
122
estivesse do meu lado. Eu sempre falei dele como se eu tivesse
intimidade. Não que eu tenha. (...) Eu acho que tenho um carinho
muito grande. Então é como falar da mãe, do pai. Você tem uma
intimidade, não sei. As pessoas param `você fala dele, como se ele
estivesse ao seu lado”. Mas não esta, não tenho nada com ele (...).
É que do jeito que falo parece ter” (ENT04)
“Eu não confio nestas coisas [se referindo a uma cartomante que lhe
leu cartas]. Acho que é mais Deus. Ela falou que numa vida passada
fui casada com o Daniel. É um absurdo, não podia ser agora?
[risos]. Aí eu ia gostar do meu marido como artista...O meu marido é
virginiano, ele faz aniversário na sexta. O Daniel é virginiano e faz
aniversário dia 9... Já é quase igual, né? Ela já falou que fui casada
com ele numa vida passada. A gente só não teve ligação nesta vida,
porque na época foi assassinado. Então, teve um corte na minha
vida com relação a ele. Então, a gente continua nesse mesmo elo,
só que não no sentido marido e mulher. Eu não sei se isto procede.
O meu pai é Daniel, meu sobrinho é Daniel e minha sobrinha é
Daniela, e eu não conhecia o Daniel (...) Então eu não sei qual a
ligação que a gente tem em questão de outras vidas. Talvez não
tenha nada, é coisa que a mulher falou...” (ENT05)
Esta característica assimétrica tão particular da relação fã-celebridade, parece
reforçar a associação de sagrado, porque a celebridade é distanciada do fã e
colocada numa outra dimensão, num mundo paralelo, uma espécie de Olimpo, onde
ele trava relações reais com outras celebridades apenas. Esta característica pode
nos fazer compreender porque é mais comum que o comportamento devoto se
manifeste no consumo de celebridades do que proporcionalmente em outras
categorias de produtos.
123
4.2.4 O Desejo e A Sedução
O fascínio da celebridade alimentado pelo paradoxo do imaginário e divino de um
lado (persona) versus a percepção da existência de uma pessoa normal, de “carne e
osso” de outro (pessoa) é muito claro na relação de Daniel com suas fãs. O
imaginário é traduzido nas diversas menções e referências a ele como um anjo, um
mensageiro de Deus, um iluminado. Ao mesmo tempo porém expressam
insistentemente o desejo de conhecer o “Jose Daniel Camillo”, o homem por de trás
do mito.
A sacralização do fã devoto acaba convivendo, então, com um outro paradoxo: o
amor pelo ‘anjo’ e o desejo pelo homem. Muito embora na grande maioria das vezes,
as fãs afirmam, veementemente, sentir um amor fraternal, não erotizado, pelo
Daniel, através de várias manifestações (como fotos, estórias relatadas, gestos e em
algumas cartas) percebe-se o desejo de possuí-lo.
Pelas fotos, e a forma com que elas explicam o momento em que foram tiradas, os
suspiros, indicam a existência de uma outra motivação. As poses das fotos variam
principalmente entre duas posições: da fã estar ao lado do cantor, abraçando, com a
mão em sua barriga ou em seu peito; ou da fã posicionada à frente do cantor, que a
envolve com seus braços. Esta última é particularmente mais valorizada pela fã,
porque parece transmitir a intimidade de um relacionamento amoroso. Questionadas
a respeito de como é decidida a pose para a fotografia, elas respondem “nós
pedimos para ele nos abraçar por trás”.
“(...) tem uma foto sua aqui com o Daniel que está dando o que falar,
conforme eu bati parece que vocês estão se beijando na boca. Ficou
o maior barato! Você precisa ver!” (CAR28)
“Neste dia quase o Daniel me deu um beijo na boca, tenho até foto”
(ENT05, pelo ângulo em que a foto foi tirada, não pela intenção de
fato)
124
Também através de algumas histórias relatadas, o desejo, mais do que amor, fica
explícito.
“Eu cheguei para ele, “posso te dar um abraço?”. Aí ele cantou no
meu ouvido “me abraça, me beija, me ama”. Tem uma música dele
que é assim. Eu disse, “Não repete, hein?” Eu sai de lá com um
sorriso de orelha a orelha. Isto é uma fração de segundo, mas eu sai
de lá...” (ENT03)
“Aí saí de lá com o perfume dele, aquele homem é demais. Acho
que até as meias dele cheiram a Azzaro. Eu já saí e liguei para a
família inteira: `o que eu vou fazer para ficar com o cheiro dele?” O
João [marido] falou assim: `espera sair, depois você toma banho’”
(ENT03)
“E
aquele
perfume
Azzaro
me
envolvendo,
me
deixando
enlouquecida. O meu coração estava aqui fora, não tinha como me
segurar” (ENT04)
Algumas fãs partem para uma atitude mais extrema e definitiva, embora metafórica,
de posse: a tatuagem (FIGURA 13).
“Em 18 de fevereiro de 2003 dei início à primeira parte da maior
loucura de fã que pode existir [singularização]. Tatuei o Dani nas
minhas costas [posse]. Foi um trabalho de cinco horas na primeira
seção. Em 26 de fevereiro de 2003 fui terminar a segunda seção e
também tatuei o autografo do Dani [intimidade]. Ao todo, foram 11
horas para que meu sonho fosse realizado. [sacrifício e mantra]. Por
ser casada e ter 3 filhos, enfrento muitas criticas, mas o importante é
estar feliz. Eu sou a fã do Dani mais feliz deste mundo” (RTD32)
125
Fonte: Revista Turma do Dani
foto tirada no Encontro do Fã Clube Estação
Somente Você Daniel – RJ em 22/08/2004.
Figura 13 - Fãs com Tatuagem do Daniel
Embora muito mais raras, existem também manifestações mais diretas, explícitas e
assumidas da motivação sexual na relação com o cantor.
“Te admirando, te observando, te desejando. Ao acabar este brilho
desse show que você é, passo a usar a minha imaginação; peço
todo esse brilho só para mim. Todo esse calor, essa ternura, para
mim, te desejando (...) Só eu te vendo ... [volto a ser] mais uma na
multidão de estrela” (SIT04)
126
“(...) quero ser sua donzela (...) olha que meu corpo é um labirinto de
prazer (...) farei você sentir o segredo do prazer e do amor. Gostoso,
lindo. Aquela foto que você está enrolado na toalha, você está
irresistível e até fez meu coração disparar e até ficar sem ar”
(CAR24)
A sedução é o outro lado da moeda do desejo. Em diversos artigos e depoimentos
em mídia eletrônica, em algumas fotos promocionais, o cantor alimenta o desejo das
fãs também pelo indivíduo. Sempre que indagado da possibilidade de relacionar-se
com uma fã ele afirma já ter tido este tipo de relação.
Com isto, Daniel consegue alimentar o desejo das fãs ao mesmo tempo em que
reforça as associações de simplicidade e humildade. O importante é que a forma
pela qual Daniel seduz não é ameaçadora. “Quando percebo que a coisa é séria,
sou capaz de ficar meses só no jogo do olhar, para depois me aproximar” (SIT04).
Ao sobrepujar o romantismo à existente sedução, reforça sua mensagem sacra de
disseminação do amor. Desta forma consegue administrar de forma bastante
competente o alimento do desejo sem contudo, dessacralizar-se.
Mesmo com o desejo latente, as fãs são os principais responsáveis pela
manutenção do Daniel em seu posto sagrado. Os procedimentos de sustentação da
sacralização descritos por Pimentel e Reynolds (2004) estão muito presentes nos
discursos e ações dos fãs de Daniel. Os sacrifícios realizados são físicos (longas
horas de espera para ver o ídolo, para conseguir uma senha no atendimento, para
ver o artista por poucos minutos), financeiros (gastos com passagens, presentes,
shows, hotéis) e emocionais (a reconhecida “loucura”). Existe peregrinação, quer
seja atrás do ídolo (“a gente vai em todos os shows da região) ou aos lugares
sagrados ao ídolo, como sua cidade natal (tem fã que se mudou para a cidade de
Brotas; há uma grande movimentação de pessoas na frente de sua casa em Brotas;
“eu vi a porta da casa do homem!!” (ENT02)). Mas estes procedimentos se tornam
mais intensos quando há a companhia de outro fã. Eles serão então mais
explorados na próxima seção deste capitulo.
127
4.2.5 Os Processos de Singularização
Primeiro se quer vê-lo ao vivo, “tirá-lo da televisão”, depois se quer tocar. Mas isto
não basta: agora o fã quer ser visto. O mito contemporâneo da fama - a busca
contínua pelo estrelato - é também percebido claramente em todas as formas que os
fãs utilizam para serem reconhecidos pelo ídolo. E isto só acontece a partir da
diferenciação, da singularização. A ansiedade e o quase desespero de chamar a
atenção detonam a criatividade destas pessoas, que também se manifesta através
de diversas formas.
Conforme já mencionado, tenta-se quantitativamente provar a sua devoção. A
presença constante em shows, em porta de hotéis, e em todas as aparições
públicas, a quantidade de cartas enviadas e de fotografias tiradas constituem a
divulgação maciça do fã. A criatividade aparece nas diversas formas pelas quais o fã
busca chegar perto do ídolo, “entrar” no círculo onde o artista está. Escondem-se
nos mais inusitados lugares (armário, embaixo da cama, no banco de automóveis),
fingem que são repórteres para obter as informações de local e horário da presença
do cantor, vestem-se de noiva, de freira, tatuam-se, entre outros (FIGURA 14).
“Um dia [entrei] de carregador. Não tinha como entrar, não tinha
mais jeito. Aí, uma pessoa da equipe dele trouxe um tapete bem
grande. `Pra onde será que ele vai com este tapete?’. Quando ele
bateu na porta para entrar, eu agarrei atrás do tapete e coloquei o
tapete no meu ombro. O cara entrou e eu entrei junto com ele. O
segurança não falou nada.” (ENT03)
Por este caminho, provavelmente o reconhecimento acontecerá primeiro através do
staff do cantor. Este é um relacionamento no qual o fã investe, primeiro pelo motivo
utilitário agora apresentado. Mas acaba-se desenvolvendo um vínculo emocional
também com o staff, com a equipe técnica e artística.
128
Figura 14 – Tentativas de diferenciação
Fonte: Revista Turma do Dani
A outra forma de diferenciação acontece nas mais originais formas de prestar
homenagens e presentear o ídolo. Estes presentes, o “amor materializado” (RTD37),
são quase todos eles manufaturados pelos próprios ou encomendados a terceiros.
Para citar apenas alguns exemplos:
a) bandeira de 200m2 de Nossa Senhora, confeccionada pelos fãs do fã-clube
Dentro do Coração, que acabou virando orgulho do povo indaiatubense;
b) pratos e sabonetes confeccionados a partir de fotos do cantor (CAR05 e
RTD23)
c) retratos desenhados do cantor sozinho (ENT05), com seu pai (RTd23)
d) bolo com a forma e cores do símbolo do time de futebol preferido pelo cantor
(RTD23)
e) uma almofada gigante, em forma de coração (FIGURA 15)
129
Figura 15 - Almofada gigante confeccionada pelos fãs
fonte: Revista Turma do Dani
As maneiras são as mais variadas, mas individualmente é mais difícil se conseguir
destacar. As fãs passam a perceber que juntas aumentarão as suas chances de
serem reconhecidas.
4.3 O Fã Clube
Conforme explorado na seção anterior, o comportamento do fã devoto é marcado
por
uma
série
de
forças
opostas
e
de
contradições
que,
uma
vez
descontextualizados, fazem o estigma do fã ser mais difícil de ser carregado. Em
várias das evidências coletadas foi comum encontrar o fã definindo com a palavra
loucura as suas ações e sentimentos no que se refere ao Daniel. Mas eles a utilizam
num sentido de auto-valorização, já que estas loucuras, tradução de seus sacrifícios,
são vistas entre os fãs como comprovações da sua condição de “fã verdadeiro”.
Porém, quando o fã devoto se encontra entre um grupo que não partilha da sua
mesma devoção, mais notadamente, entre o grupo familiar, a denominação “loucura”
adquire um tom pejorativo, ridículo e preconceituoso fazendo com que o fã se iniba,
controle ou disfarce a sua devoção.
Ao racionalizar o comportamento deste tipo de fã, as contradições do
relacionamento com o Daniel ficam mais claras para aqueles que não compartilham
130
da mesma intensidade de consumo: a diferença entre pessoa e persona; a
assimetria da relação; o sentimento de posse e os sacrifícios envolvidos no
incansável processo de singularização.
Os fãs devotos mostram em algumas manifestações que também, quando
racionalizam, são cientes destas contradições que tornariam injustificadas as suas
ações. Quando tentou compreender “a constelação de comportamentos nos quais
consumidores se esforçam para conseguirem contatos com as figuras públicas
consideradas notáveis”, definida por O´Guinn (1991, p.102) como o “fenômeno
Tocando a Grandeza” (“Touching Greatness phenomenon”), o autor comparou-o à
religião. Encarando Daniel como quase um deus, ou pelo menos alguém mais
próximo a ele do que eles próprios, os fãs minimizam, convivem e passam a se
alimentar destas contradições.
É neste contexto que aparece o fã-clube. Se Daniel é quase como um deus, o seu
fã-clube acaba adquirindo algumas das funções sociais de uma igreja. Nele,
pessoas que partilham de uma mesma devoção e profunda admiração pelo cantor –
mesmo que por razões particulares diferentes – se encontram e formam importantes
laços e acabam, assim, preenchendo necessidades sociais fundamentais para o ser
humano. Além de compor os elementos que levam o indivíduo a desfrutar do senso
de comunidade, como pertencimento e responsabilidade moral, através do fã-clube o
fã fica mais propenso a atingir seus objetivos individuais em relação ao Daniel, e
também a manter de forma mais eficiente a sacralização do cantor através,
principalmente, dos rituais coletivos existentes.
Antes de aprofundar a análise do fã-clube, a partir das evidências comuns coletadas
principalmente através das entrevistas e da observação, torna-se necessária uma
breve apresentação de cada um dos fã-clubes pesquisados para apontar as suas
particularidades.
131
4.3.1 Apresentação dos Fã-Clubes do Daniel
Estima-se que existam hoje pelo menos 300 fã-clubes do Daniel30, incluindo o
localizado no Japão, o “Luti Japan Fã-Clube Daniel”, com 100 associados. O
controle ou acompanhamento total destes fã-clubes é dificultado, se não
impossibilitado, pela não obrigatoriedade da existência de nenhum tipo de registro
para oficializar a sua fundação. Basta um grupo de pessoas, de qualquer tamanho,
tomar a iniciativa e o fã-clube é criado.
A seriedade com que o grupo fundador encara a tarefa, traduzida na sua divulgação
e manutenção (publicação de fanzines31, organização de idas e viagens a shows,
uniformes e homenagens ao cantor), acaba por determinar a sua longevidade. Uma
vez estabelecidos, estes fã-clubes “sérios” acabam chamando atenção do staff do
cantor. Não só pela sua presença constante, insistente e organizada em boa parte
das aparições públicas do ídolo, mas também pela necessidade que têm em buscar
informações privilegiadas a respeito do Daniel (agenda de shows, de compromissos
de divulgação, programas de rádio e TV), estes fã-clubes acabam desenvolvendo
relacionamentos com o staff, e assim tornam-se conhecidos e reconhecidos.
No caso específico do cantor Daniel, além destes fã-clubes espontâneos, foi criado
em 2000 um fã-clube oficial que tinha como objetivo inicial a organização da
proliferação de fã-clubes administrados por pessoas que queriam explorar
economicamente a força da marca, através da cobrança de taxas de mensalidade,
de vendas de fotografias, e outros artigos produzidos extra-oficialmente, sem
contudo prestar “um serviço” aos fãs. Esta foi a divulgada principal preocupação do
empresário Hamilton e de Daniel quando da idéia de criação do fã-clube oficial
Turma do Dani (ver logomarca devidamente registrada na FIGURA 16).
30
Dado inicialmente coletado na mídia impressa (ART02) e posteriormente confirmado pelo Silvio Finato (EM03), que porém afirma que não há um registro destes fã clubes.
31
Fanzine é o termo inglês criado a partir das palavras fan e magazine, para definir as publicações feitas pelos
fãs para os fãs, como revistas, jornais e boletins.
132
Figura 16 – Logomarca da Turma do Dani
O termo “oficial”, diferencia este fã-clube dos demais, porque ao contrário dos
outros, é gerenciado pelo staff do cantor. O seu empresário, Hamilton Policastro, tem
o cargo de Presidente Nacional do Fã-Clube Oficial Turma do Dani e mantém uma
coluna regular na Revista da Turma do Dani, chamada de “Palavra do Presidente”.
Junto da divulgação de futuros empreendimentos e eventuais esclarecimentos, a
coluna disponibiliza o número do “celular do presidente” para que os fãs possam, na
teoria, contatá-lo diretamente. O gerenciamento da Turma do Dani é realizado pelo
jornalista contratado para esta função, Silvio Finato, que tem o cargo de Diretor de
Comunicação do fã-clube. Como suporte, possui quatro atendentes que se revezam
no cadastramento e atendimentos aos fãs, via telefone, e-mail e cartas. Além destas
funções este grupo produz a revista mensal do fã-clube (uma publicação mensal, de
32 páginas coloridas), atualiza o conteúdo do site oficial do cantor, organiza os
contatos dos fãs com o Daniel nos camarins dos shows (por eles chamados de
atendimento), através da preparação de listagens com os nomes dos fãs
selecionados, e planejam promoções, que variam desde o comum sorteio de
produtos licenciados (presente em todas as edições da revista) até o Encontro
Nacional dos Fãs, anualmente realizado na Estância Nathalya (Botucatu/SP), de
propriedade do empresário Hamilton. (FIGURA 17)
Figura 17 – Fotos do Encontro Nacional de Fãs – Estância Nathalya (Botucatu/SP).
133
Até 2003 era cobrada uma semestralidade de R$ 40,00. Além dos serviços acima
descritos, o fã associado tinha acesso a uma carteirinha oficial que lhe dava
prioridade no acesso ao ídolo no atendimento realizado em shows e hotéis, um disco
comemorativo no ato da inscrição e o recebimento de seis edições da Revista da
Turma do Dani.
A partir deste ano, porém, o sistema foi mudado. O fã-clube oficial não representa
mais uma associação, mas um cadastro de fãs. O motivo alegado é o de que os fãs,
uma vez com posse das carteirinhas “oficiais” se sentiam com direito adquirido de
serem atendidos em todas as suas tentativas de contato com o ídolo. Segundo dado
de Silvio Finato (ENT01), alguns shows chegavam a reunir de 300 a 400 associados
exigindo o contato com o Daniel.
Assim, decidiu-se pela não mais emissão de carteirinhas, nem cobrança da
semestralidade. A Turma do Dani continuou prestando os mesmos serviços
anteriormente descritos, mas agora como uma espécie de central de fã-clubes,
servindo como intermediária no relacionamento do cantor com os fã-clubes extraoficiais. A revista passou a ser distribuída e vendida em banca, a um preço de R$
3,00 e a participação das promoções se estende aos compradores das revistas, já
que são realizadas através do envio de cupons publicados nas edições.
Da forma como funciona hoje, o fã-clube Turma do Dani parece representar o
formato inicial do Marketing de Relacionamento, que prioriza a relação marcaconsumidor (FOURNIER, 1998), e não necessariamente, a integração consumidorconsumidor através da marca (MUNIZ; O´GUINN, 2001). As atendentes trabalham
com um software de cadastro dos fãs, que chega a somar 387,000 pessoas
(ENT01). Mas não há nenhum tipo de tratamento e classificação das informações
contidas nos cadastros. O relacionamento estabelecido entre a estrutura do fã-clube
oficial com os fã-clubes não oficiais é resultado de um investimento intenso por parte
dos integrantes, mais notadamente dos presidentes, dos não oficiais. Mais
especificamente as relações mantidas com as atendentes da Turma do Dani,
algumas até indicadas para serem madrinhas de fã-clubes não oficiais, são intensas
134
e através desta dita “amizade” estabelecida com alguém de dentro da estrutura do
cantor, o fã-clube não oficial consegue enfim alguns privilégios como prioridade no
atendimento ao fã e acesso a informações novas a respeito do cantor e da estrutura.
Os fãs entrevistados tinham grande envolvimento com seus próprios fã-clubes. Em
maior ou menor intensidade, o fã-clube oficial não representou grandes benefícios
extras, com exceção do Encontro Nacional, unanimidade entre eles. Para uma fã,
mais do que indiferença, ela se mostra indignada com o modelo inicialmente
proposto:
“Pagar 40 reais para ter o que eles têm que dar de graça? Um
mínimo de informação. Se a gente tivesse um pouquinho da verba
[que eles têm] faríamos muito mais do que eles?” (ENT06)
Para os fãs que já pertenciam ao um fã-clube não oficial “sério”, já estabelecido e
reconhecido,
o
fã-clube Turma
do Dani
não
representou
muito,
porque
comparativamente aos outros, ele não proporciona o relacionamento real entre os
fãs dificultando assim as condições para aparecimento do senso de comunidade.
Foram três os fã-clubes pesquisados: “A Jiripoca Vai Piar”, “Estação Somente Você
Daniel – RJ” e “Dentro do Coração”. Cada um deles sediados em cidades diferentes,
com número de membros diferentes e portanto escopo de atuação diferentes,
conforme pode ser observado na descrição abaixo. O que parece direcionar estas
diferenças é seu contexto geográfico. O primeiro, apesar de localizado em
Guarulhos-SP, pela proximidade com a capital acaba se “perdendo” na imensidão da
região metropolitana. O segundo, se orgulha de representar um estado todo, o Rio
de Janeiro. E o terceiro, localizado numa cidade do interior de São Paulo,
Indaiatuba, pelas relações sociais mais próximas
característico
de
uma
cidade
menor,
apresenta
comparativamente maior do que os dois outros fã-clubes.
e portanto facilitadas,
influência
e
exposição
135
O fã clube “A Jiripoca Vai Piar” é o menor dentre os pesquisados, formado por 33
fãs, a maioria delas vindas de um extinto fã clube, chamado “Show de Bola”. O
“Show de Bola” terminou quando a sua presidente, por alegados motivos pessoais,
não pode continuar a frente do fã clube. Este fato, aliado à forma com que os
entrevistados se referem ao fã-clube que pertencem, mostram que o fã-clube tem
dono, representado pelo seu presidente, que necessariamente participou da
fundação do clube. Esta “posse” é legitimada e respeitada pelos demais, conforme
será melhor explorada no item 4.3.5.2. Quando então um presidente desiste do
cargo, o fã-clube pode continuar, mas provavelmente não com o mesmo nome.
Isto foi observado na história da criação do “A Jiripoca Vai Piar”. Rita de Cássia
Batista, conheceu a presidente do “Show de Bola” em um show e, além de se filiar a
este fã-clube, tornou-se sua amiga próxima. Em 2002, este fã-clube deixou de
existir. O fim não foi oficializado, mas a então presidente não mais organizava
nenhuma atividade e ela não mais contatava, nem conseguia ser encontrada, pelos
demais membros. Mesmo sem fã-clube, Rita e suas amigas mais próximas
continuaram indo em shows e eventos juntas, prestando homenagens ao cantor até
que Rita resolveu “oficializar” o grupo junto ao fã-clube Turma do Dani, fundando
assim o “A Jiripoca Vai Piar”.
O nome escolhido – assim como o do antigo fã-clube – é inspirado em título de
musica do cantor, prática esta comum aos fã-clubes do cantor.
Até pelo seu tamanho, comparativamente este é um grupo onde há bastante
proximidade entre os membros já que todos conhecem. Não têm acesso a Internet, e
a divulgação do fã-clube não é intencional, acontece espontaneamente nos lugares
por onde vão juntos com a camiseta do grupo. Quando outros fãs se interessam,
procuram a presidente, único cargo oficial da estrutura. A despeito da não utilização
136
da Internet, a comunicação entre eles é muito eficiente, feita por telefone, as notícias
se propagam como “uma corrente”.
Não fazem encontros regulares, mas além dos eventos do Daniel, se reúnem em
aniversários. Possuem um informativo mensal que é postado mensalmente. Não é
cobrada formalmente nenhuma taxa, mas os participantes acabam contribuindo com
selos, envelopes e outros suprimentos de escritório. Este fã-clube é muito
concentrado geograficamente e, embora nem todos morem em Guarulhos, são
reconhecidos como fã-clube desta cidade.
Apesar de também possuírem uma logomarca, não têm nenhuma estratégia
mercadológica nem administrativa, diferente do que acontece com os outros dois fãclubes pesquisados. Pode-se classificar sua organização como algo mais caseiro,
quase acidental. Isto reflete na própria percepção que têm de si mesmos em relação
ao Daniel. “Quem somos nós?” mostra que mesmo como grupo reconhecido pelo
staff e pelo cantor, acreditam que o Daniel é mais importante para o fã-clube, do que
o fã-clube para o Daniel.
!
"
Este fã-clube apresenta uma postura diametralmente oposta a do “Jiripoca Vai Piar”.
Ele apresenta grandeza em número de membros, em escopo de atuação, em
estrutura administrativa, em programa de divulgação, na seriedade e quase
profissionalismo com que encaram suas funções e em sua auto-percepção.
O
próprio
texto
de
apresentação
do
fã-clube
divulgado
em
seu
site
(www.estacaodaniel.com.br) mostra tanto na forma, como no conteúdo, que este é
um grupo muito bem estruturado e de grande porte.
137
“O fã clube Estação Somente Você Daniel – RJ nasceu da união de dois
grandes fã-clubes: a Estação Daniel, fã clube virtual contando, na época, com
7 anos de experiência no atendimento e suporte aos fãs do cantor através da
Internet e o Somente Você Daniel, com até então 4 anos de plena atividade
na realização de sonhos, aproximando de maneira eficiente os fãs do artista,
se tornando unânime no estado do Rio de Janeiro.
Após uma série de reuniões organizadas em abril /2003, as então
presidentes, Aisha de Figueiredo (Estação) e Adriana Gonçalves (Somente
Você) resolveram juntar forças e reunir experiências e formar, em 21/05/2003,
o que seria sagrado depois o Melhor e Mais Bem Organizado Fã-Clube do
Rio de Janeiro, título este concedido pelo programa “O Rio é Show”, do
Canal 3 da Net Rio, com premiação de troféu, curiosamente no mesmo
evento em que Daniel levou o premio de melhor cantor sertanejo, contando
em especial com o reconhecimento de toda a Equipe Daniel e, principalmente
do próprio.
Acumulando em seu 2º. Ano de atuação os títulos referentes ao Daniel
herdados dos dois antigos fã clubes, de: primeiro site existente, primeiro fã
clube virtual, único fã clube do Estado do Rio de Janeiro e maior fã clube não
oficial, alem do já citado “melhor e mais bem organizado fa-clube do Rio de
Janeiro, e contando com associados de todo o Brasil e de diversos outros
paises, nosso trabalho se baseia em aproximar cada vez mais, da maneira
que nos couber e que nos for possível os fãs do artista .... (SIT01)”
O Estação Somente Você Daniel-RJ contém um organograma que contempla, além
da presidente Adriana Gonçalves, 30 anos, e de Aisha Figueiredo, 24 anos, diretora
Administrativa, uma vice, uma secretária e uma equipe de quatro pessoas que
formam a Diretoria de Comunicação, entre outros, responsável pela atualização do
conteúdo do site.
Não só virtualmente, este grupo é muito ativo fisicamente. Fazem duas reuniões
mensais: uma da diretoria a cada terceiro domingo do mês, onde discutem o que
será abordado na outra reunião, onde todos os membros são convocados, que
acontece no quarto domingo de todo mês. Nesta reunião, além dos assuntos a
respeito do Daniel e do fã-clube, os integrantes aproveitam para confraternizarem-
138
se. A presença média é de 35 pessoas, de idades variadas entre 8 e 70 anos.
Algumas levam amigas, acompanham filhas e netas que apesar de nutrirem uma
simpatia especial pelo Daniel, seu comprometimento não passa dos níveis calculado
e/ou normativo. Estão lá para se distraírem, fazendo uma passeio de domingo. Há
também as fãs devotas, mas que não são tão ativas e não participam, geralmente
por motivos financeiros, tão ativamente de todas as atividades propostas pelo fãclube. Tanto estas, como as “visitantes” apresentam um comportamento mais tímido
e retido, contrastando com o grupo formado pelas fãs com função administrativa e
pelo círculo mais próximo de fãs, ou seja, aquelas que acompanham todas as
atividades. Há naturalmente uma integração maior entre eles, uma maior quantidade
e troca de brincadeiras, onde se nota um forte elo de amizade estabelecido. Quando
a reunião de fato começa, a presidente se coloca no centro de um semi-círculo,
lidera uma oração e conduz a reunião. (FIGURA 18).
As reuniões acontecem num salão na parte superior da casa da tia da presidente,
localizada em Irajá, um bairro do subúrbio do Rio de Janeiro (RJ). Na entrada é
colocado um livro de presença, onde cada uma registra seu nome. Ao lado, é
disponibilizada uma mesa onde, à medida que chegam, os fãs vão depositando os
biscoitos e refrigerantes que costumam trazer. Na semana anterior à reunião
específica em que a observação aconteceu uma música de um novo trabalho do
cantor havia sido lançada. Uma fita inteira foi gravada com esta música e a letra
distribuída aos presentes para que todos saíssem da reunião com “a música na
ponta da língua, pronta para ser cantada em show”.
Figura 18 – Reunião do Fã Clube Estação Somente Você Daniel
139
Para se associar, também não é cobrada nenhuma taxa. Os gastos correm por conta
da diretoria (a hospedagem do site, por exemplo, custa 35 reais mensais), que por
vezes realiza pequenos eventos para a arrecadação de verba.
O conteúdo do site e do blog é constantemente atualizado. Possuem bastante
cuidado com a parte jurídica de suas publicações. Antes de publicarem qualquer
material, seja foto ou declaração providenciam junto ao autor uma declaração de
autorização de utilização de imagem e conteúdo. Uma vez estabelecida a cor
vermelha para identificar o grupo, tomam especial cuidado na identidade visual de
seus materiais, inclusive uniformes, bem como na utilização de sua logomarca
(FIGURA 19).
Figura 19 – Logomarca do Fã-Clube Estação Somente Você Daniel – RJ
Orgulham-se, conforme se apresentam, em representar o Daniel no Rio de Janeiro.
Cientes de sua importância e participação na divulgação do trabalho do cantor no
Rio de Janeiro e crentes na sua diferenciação enquanto fã-clube, ressentem-se
constantemente do staff, principalmente com a Turma do Dani, pelo pouco apoio e
reconhecimento que percebem receber.
!
!
#
Este fã-clube tem uma dimensão intermediária entre os dois anteriormente
apresentados. A característica de ser localizado numa cidade do interior, de
aproximadamente 150 mil habitantes, faz com este fã-clube, embora pequeno e que
140
não utiliza a Internet como meio de comunicação consiga uma exposição muito
grande na cidade em que atua.
Muito ativo, este grupo se articula com pessoas importantes, da mídia e da gestão
pública para a realização de atividades em nome do fã-clube, atividades estas que
viram notícias e são amplamente divulgadas nos principais veículos da cidade, junto
com o telefone de contato do fã-clube.
Além de atividades assistenciais, este grupo é responsável por uma das grandes
atrações na FAICI, a Feira Agropecuária, Industrial e Comercial de Indaiatuba. Há
oito anos o cantor Daniel se apresenta no encerramento da festa. Na sua 12ª.
versão, em 2001, o grupo teve a idéia de comemorar a sua presença com uma
grande – literalmente – homenagem ao ídolo: sabendo que o cantor incluiria no seu
repertório a música Nossa Senhora (de autoria de Roberto Carlos) da qual o cantor é
devoto, o fã-clube confeccionou uma bandeira de 200 m2 que foi estendida pela
arquibancada (FIGURA 20). Na ocasião, o ato emocionou a todos, cantor, staff e
presentes e a bandeira, que já viajou a vários shows do cantor, é presença esperada
e obrigatória nas versões do FAICI.
Figura 20 – Bandeira de Nossa Senhora
141
O grupo também é famoso pela confecção e distribuição de bandeirinhas (15,000 a
cada festa) e bexigas nos shows do Daniel. A idéia de criar o fã-clube foi de Kátia
Milanio, 29 anos, cuja devoção pelo cantor se tornou maior após a experiência que
sua prima Lucimara teve de encontrar o cantor após um show. Animadas,
convenceram o namorado de Kátia, Marcos Brasil, 50, a presidir o fã-clube. Em
fevereiro de 1998, inauguraram o Fã-Clube Daniel Dentro do Coração, e se tornaram
o fã-clube do Daniel de Indaiatuba, agora também reconhecido como o “fã-clube da
bandeira”.
Ele começou com 40 sócios e teve uma ampla divulgação na mídia local, além de
pontos de adesão, montados em lanchonetes e shoppings pelos participantes. O
grupo se encontrava mensalmente numa sala de reuniões do Ginásio de Esportes,
cedida pelo então Secretário de Esportes da cidade, ou no escritório da fábrica de
Marcos Brasil, endereço este transformado na sede do fã-clube. Cobrava uma taxa
mensal de 5 reais, para cobrir os gastos com papelaria e xerox (confecção das
bandeirinhas) e para as despesas das festas de final de ano realizadas. Nestas
reuniões discutiam atividades e homenagens a serem feitas, organizavam caravanas
para shows nas cidades próximas e trocavam fotos. As reuniões deixaram de
acontecer porque a presença era baixa, mas continuam ativos nos demais serviços
que prestam.
O nome foi criado em referência a letra de uma música interpretada pelo Daniel. Em
toda sua produção impressa, colocam o logo do fã clube (FIGURA 21) junto com o
logo da Turma do Dani.
Figura 21 – Logomarca do Fã-Clube Daniel Dentro do Coração
142
As similaridades existentes entre estes três fã-clubes permitiram que inferências
fossem feitas a respeito do que estas organizações representam para o consumo da
celebridade Daniel pelo consumidor devoto. As funções que o fã-clube adquire serão
aprofundados nos próximos itens.
4.3.2 Procedimentos de Sustentação da Sacralização
O fato do comprometimento afetivo ser mais duradouro e profundo do que o
calculado e o normativo (PIMENTEL; REYNOLDS, 2002) não permite assumir que
necessariamente esta forma de comprometimento é permanente. É possível que o
objeto de devoção perca o status de sagrado. O produto celebridade é difícil de ser
controlado pela mescla existente entre persona e pessoa. Assim, o status de
sagrado da celebridade é constantemente ameaçado pelas ações do indivíduo que a
representa.
Evitar que a dessacralização ocorra é, porém, um esforço não exclusivo aos
produtores. Os próprios fãs, pela dimensão e importância que o consumo da
celebridade acaba assumindo em suas vidas, imbuem-se em evitar a profanização
do seu objeto adorado reforçando, num círculo virtuoso, o seu comprometimento
com a marca.
Assim, os fãs acabam proativamente se engajando em procedimentos de
sustentação da sacralização. A discussão sobre o fã devoto do Daniel apresentada
na seção anterior mostra que os fãs já individualmente apresentam estes
comportamentos. A exposição espontânea da marca através de vestimentas, dos
mais diversos artefatos por eles produzidos, as tatuagens, além da criação e
manutenção de suas coleções guardadas em verdadeiros altares representam
alguns exemplos destes comportamentos.
143
Porém, evidências sugerem que, intensificado pelo estigma que o fã devoto carrega,
o esforço em manter o status de sagrado do Daniel é muito grande quando feito
individualmente. No fã-clube, este fã encontra pessoas que partilham da sua
devoção e que estão dispostas a investir na sua sustentação.
O primeiro motivo comum retratado para a procura de um fã-clube foi a busca por
companhia para ir a shows e/ou aparições públicas do cantor (presença em rádios,
gravações de programas de televisão, entre outros). Em suas primeiras experiências
de “contato” com a celebridade, costumam conseguir a companhia de pessoas de
seus círculos sociais existentes, como familiares e amigos mais próximos. Mas para
o fã devoto, um “encontro” gera a necessidade de outro “encontro” e assim
sucessivamente.
“Eu estava louca para ir, mas não tinha ninguém para ir comigo (...)
Eu senti necessidade de conhecer pessoas que gostassem para ir
junto comigo. Aí eu cheguei na fila [de entrada de um show no
Olimpia] e falei `é a gora que eu tenho que fazer amizade porque
aqui só vai ter fã, é aqui que eu tenho que fazer amizade, aqui que
vai ser ter meu ponto para fazer amizade com alguém e ter
companhia para poder ir nos lugares porque eu não tinha ninguém”.
(ENT02)
“quero me filiar ao fã clube, quero ter amiga, quero ter companhia”
(ENT02)
“é por isto que gostaria de fazer parte do fã clube, já que sempre
que é possível estou nos shows do Dani, mas tudo é meio
complicado...dependo
sempre
dos
meus
pais
para
me
acompanharem (...) possamos nos unir rumo a um simples objetivo:
o nosso querido Daniel’ (CAR13)
Para os fãs não devotos, não existe sentido nem lógica que justifique a ida a todos
os shows de uma temporada, muito menos a partir numa peregrinação pelos lugares
onde o cantor novamente se apresentará. Mas esta é uma propriedade de um “fã
144
verdadeiro”. Assim como acontece com torcedores de futebol (BARROS, 1978), o fã
que não peregrina não é fã de verdade.
“Ela só quer aproveitar o artista enquanto esta ali (...) Quem não é do fã
clube, é só naquela hora ali e acabou. Não vai acompanhar ele. [o fã clube]
é igual a torcida organizada, todo mundo corre atrás” (ENT03)
“fã que se preza dá sempre um jeitinho de estar em contato com seu
ídolo”(RTD29, moradora do Japão, cadastrada na Turma do Dani e
participante do Luti Japan Fã Clube Daniel)
Fazer a peregrinação através do fã-clube é garantia de companhia e sentimento de
segurança e proteção. A peregrinação é segundo Pimentel e Reynolds (2004) um
das possíveis formas de sustentação da sacralização, e no caso dos fãs devotos do
Daniel, anda junto com outra forma: o sacrifício.
O sacrifício – financeiro e emocional – que envolve a peregrinação também é mais
fácil de ser suportado quando em grupo. Se necessário for, um fã acaba auxiliando
outro financeiramente para que o sonho, isto é, o “encontro” com o Daniel, seja
realizado, ou pelo menos, os custos com transportes, hotéis, presentes são
rateados. Existe uma solidariedade muito grande entre eles que ameniza as horas
de espera, as dificuldades de acesso, e auxilia na administração da culpa que às
vezes lhes arremete, quando por alguns momentos racionalizam suas “loucuras” e
pensam em suas famílias.
Kelly, pertencente a um fã clube, manda fazer um quadro com o
Daniel pintado a grafite e entra em contato com as dirigentes do fã
clube para que elas possam ajudá-la nesta missão: “A Kelly com
dois quadros enormes, uma mala enorme nas costas, nós
andamos...Nossa, a gente se perdeu em Campinas, quase no
horário do show. Estava muito quente naquele dia (...) O hotel que a
gente ia ficar era horrível, ninguém merece aquilo lá (...) Este foi o
dia mais desesperador da minha vida, andei igual a uma camela,
145
quase não tinha comido direito (...) Me deu um desespero e comecei
a chorar.
Quando finalmente conseguiram encontrar o Daniel veio a
recompensa: “Quando ele me viu, me deu um baita beijo no rosto.
Ela [Kelly] falou assim para ele `Daniel, a gente quase morreu hoje,
mas estou aqui por causa dela’. Ele me olhava e fazia assim [sinal
de aprovação e reconhecimento]” (ENT05)
No aspecto religioso, os sacrifícios têm a importante função de preparar e purificar o
indivíduo para sua comunhão com o sagrado, e mais, indica a sua deferência com o
sagrado (BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989).
Parece que quanto maior for o sacrifício do fã, mais facilitada fica o contato com o
cantor. Os relatos indicam que esta deferência é percebida pelo staff e pelo Daniel,
que talvez constrangidos pela responsabilidade que acabam sentindo por estes
sacrifícios, acabam facilitando o acesso destes fãs. A leitura que estes fazem,
porém, é de que foram recompensados e valorizados pela sua lealdade, o que
retroalimenta este tipo de comportamento.
Os rituais têm um duplo papel na explicação da importância do fã-clube para os fãs
devotos. Ao mesmo tempo em que representam uma forma de manutenção da
sacralização (PIMENTEL; REYNOLDS, 2004) são também fundamentais para que o
senso de comunidade se desenvolva (MUNIZ; O’GUINN, 2001).
A importância dos rituais no consumo da celebridade Daniel fica mais clara quando
vista sob a ótica da antropologia do consumo, que aborda o ato de consumir como
uma forma de atribuição de significados. Para Douglas e Isherwood (1979), o
principal problema da vida social é fixar os significados de modo que fiquem estáveis
por algum tempo. Os rituais representam um conjunto de regras social e
visivelmente estabelecidas que devem ser observadas em qualquer ato solene.
Desta forma, têm o importante papel de conter a flutuação dos significados. Para
estes mesmos autores, “viver sem rituais é viver sem significados claros, e
possivelmente, sem memória” (p. 112).
146
Para os fãs, a própria inserção num fã-clube representa um ritual, que o transforma
de um simples e comum fã, num fã verdadeiro, um “fã de carteirinha”, legitimando,
assim, a sua devoção. Neste sentido, a carteirinha de sócio do fã-clube é a
materialização deste ritual e adquire um significado muito grande para o fã, que a
exibe com bastante orgulho.
Outra forma de materialização desta transformação é a possibilidade da utilização
dos uniformes dos fã-clubes. Comparados com as carteirinhas de sócio, os
uniformes representam uma forma mais explícita de comunicar a condição de ser fã
de verdade.
“Gostaria muito de poder usar a camiseta do fã clube”
(CAR20), em carta endereçada a um fã-clube, pedindo para
ser considerada a associação
A transformação em fã verdadeiro também perpassa pela aceitação e conformidade
em relação aos códigos de conduta. Eles representam um forte instrumento de
manutenção e enraizamento da cultura de um grupo, porque desempenham o
fundamental papel de perpetuar suas normas e valores.
Os códigos de conduta relatados pelos fãs do Daniel entrevistados são muito
parecidos, o que indica sua mesma fonte geradora: o staff do cantor. Quando
comunicam a este staff sua vontade de fundar um fã-clube são doutrinados no tipo
de comportamento que devem então seguir. Estas lições acabam sendo difundidas
através dos fã-clubes para todos os fãs, ajudando então a organizar, controlar, ou
pelo menos minimizar, as demonstrações mais efusivas dos fãs.
“Nesse meio tempo eu já tinha ligado para São Paulo, para HRP na
época e falei com o irmão do Hamilton, o Laércio. Aí ele me passou
as coisas que precisava. ‘Tem que ter muito amor e carinho’ [ele
falou]. `Isso você não se preocupa’ [respondeu a presidente]”
(ENT04)
147
“ele [do staff do Daniel] falou assim `você tem que agir assim, fazer
isto ... quando o pai dele estiver em algum evento, tentam pedir
autografo para o pai dele que ele também gosta. Vocês nunca
peçam para o Daniel autografar caderno porque lê não autografa...’”
(ENT05)
“Mas estas pessoas [fãs que passavam a noite inteira no porta do
hotel... coitadas] não eram de fã clube. Os fã clubes são muito bem
organizados. Nos temos os nossos códigos de respeito ao ídolo tipo:
não gritar em porta de hotel, não invadir, não ser grosseira. Então, a
gente faz o contrario do que essas pessoas pensam. As pessoas
pensam que quem faz a bagunça são os fã-clubes e não são os fãclubes. É o contrário.” (ENT03)
“Existem um conjunto de regras que todas têm que respeitar. Elas
são importantes porque mantêm a integridade do fã-clube, a
imagem do fã-clube” (ENT06)
A primeira foto tirada com o cantor é o quarto ritual observado nas evidências,
porque traduz o “sonho realizado” de conhecer ídolo. Todos se mobilizam para esta
primeira foto: o fã, os demais membros e o próprio staff do Daniel procuram priorizar
em seus atendimentos aqueles que nunca tiraram foto com ele antes, traduzido, por
aquelas que nunca “conheceram” o ídolo. A ansiedade diante da eminência de um
primeiro encontro não se restringe apenas ao fã em questão, mas contamina o
restante do grupo, que torna a viabilidade deste momento um objetivo coletivo, que
justifica as peregrinações e os sacrifícios. A primeira foto, materialização deste
encontro, é sagrada e recebe uma posição de destaque na coleção de fotos típica
do fã.
A celebração de certas datas também constitui o conjunto de rituais dos fãs
pertencentes a fã-clubes. Estas datas, cientes por todos os fãs membros, estão
carregadas de significados e cada uma delas é celebrada com um respectivo
sentimento comum. A morte de João Paulo, por exemplo, é relembrada com solene
respeito. Muito embora, boa parte destes fãs não acompanharam a carreira da
dupla, pela deferência que nutrem pelo Daniel e pela consciência da dedicação do
148
cantor com a memória do parceiro falecido, celebram esta data. O aniversário do
cantor é aguardada com muito ansiedade. Buscam das formas mais criativas
parabenizar o cantor e mostrar que elas se lembram desta data (FIGURA 22). A
expectativa desta data é marcada por uma grande movimentação entre os membros,
reuniões, telefonemas, numa intensa troca de idéias e de preparativos. A cada ano
querem surpreender e se superar. Mesmo que a homenagem não aconteça, o ritual
acontece nos preparativos.
Figura 22 – Outdoor em homenagem ao aniversário do Daniel
“Nós fizemos uma festa. Tentamos fazer porque a festa não aconteceu. Eu
organizei tudo, na festa teria todos os doces que o Daniel gosta (...). Então
tinha quindim, tinha Baba de Moça, banana com Leite Moça porque ele
adora, tinha pudim, tinha aveia, pudim, tudo o que o Daniel gosta. Foram 56
pessoas para Teresópolis [o Daniel se encontrava hospedado num hotel
nesta cidade]. Uma senhora estava internada, pediu licença médica para
poder ir, porque se ela morresse, queria antes ver o Daniel. (...). A irmã da
Ivete Sangalo fez uma música, ‘Sou sua fã’, para a Ivete. Nós readaptamos
para o Daniel (ANEXO VI). Aí fizemos lá e fomos gravando. Como era dia
10 de setembro, era um dia depois do aniversário do Daniel e três dias
antes da comemoração de aniversario de morte do João. Então, a gente
queria prestar uma homenagem para o Daniel e para o João Paulo, que era
149
aquela música que ele gravou no cd sertão, ‘Meu Reino Encantado’, que
era o ‘Saudades’”. (ENT04)
Os aniversários do fã-clube e de seus membros, principalmente dos presidentes e
dos fãs mais assíduos, também são datas celebradas. Existe uma expectativa, por
mais racionais que sejam os testemunhos nesta hora, de que um dia o Daniel
prestigie as festas de aniversario do fã-clube com sua presença. Para eles isto seria
o verdadeiro presente que reconhecem merecer por sua dedicação ao ídolo. Os
aniversários dos membros é comemorado com ida aos shows, e novamente o grupo
todo se mobiliza para que Daniel saiba que é aniversario daquele fã em particular. O
staff do cantor também prioriza os aniversariantes que como presente querem um
abraço – e uma foto – do cantor. Irônico é que, embora sejam os fãs os
aniversariantes, eles mesmos levam presentes para dar ao Daniel, e assim celebrar
este dia.
Todos estes procedimentos – peregrinações, sacrifícios e os rituais – sustentam a
sacralização do Daniel, mas também ajudam na delimitação das fronteiras entre o fã
verdadeiro e os outros, peça fundamental na construção do senso de pertencimento.
4.3.3 Senso de Pertencimento
Os rituais ajudam na tradução da chamada conscientização compartilhada (MUNIZ;
O’GUINN, 2001), ou seja, da consciência de quem é ou não parte da coletividade.
Isto gera um sentimento forte de conexão entre os membros, que acaba lhe
ajudando na construção de sua identidade social. Tornar-se um fã verdadeiro é uma
forma de provar sua seriedade em relação a sua devoção, tanto para seus familiares
e amigos não devotos, como para o próprio Daniel, já que esta condição os
diferencia dos “fanáticos”. A partir da transformação não é mais preciso esconder-se,
e agora, dentro de um grupo constituído por pessoas não somente mais tolerantes e
compreensivas, mas que estimulam seus comportamentos em outros grupos
150
reprováveis, o fã passa a viver sua devoção de forma plena. O fã-clube transmite
para o fã devoto o que McMillan e Chavis (1986) definiram de “segurança
emocional”, ou seja, a vontade do indivíduo em revelar o que realmente sente. No fãclube, finalmente a aceitação do seu sentimento e conseqüente comportamento em
relação ao ídolo acontece.
Uma vez estabelecida a fronteira entre o fã comum ou o fanático, do verdadeiro,
membro de um fã-clube, o limite da diferenciação torna-se mais específico: entre os
fã-clubes do Daniel existentes. Diferente do que é apontado na literatura sobre os
fãs de esportes, notadamente dos torcedores de futebol, não foi percebida rivalidade
entre os fã-clubes. Primeiro porque não existe o encontro de um fã-clube de uma
celebridade com o fã-clube de outra celebridade. Isto não tem lógica na indústria da
celebridade. Não há um jogo onde duas torcidas rivais se encontram. Mas, poderiase acreditar numa disputa pelo tempo e atenção da celebridade entre os seus
diversos fã-clubes.
Ao contrário disto, constatou-se que, de maneira geral, os fãclubes se respeitam
mutuamente e até se unem quando se trata de delimitar a fronteira existente entre
eles e os “outros” fãs.
Porém, se através do fã-clube, o indivíduo consegue se diferenciar da grande massa
de fãs, o fã-clube agora quer se diferenciar um do outro. E para isto, cada um cria
seu sistema simbólico próprio para que Daniel os reconheça. Esta é uma clara
característica das comunidades, a construção dos limites, nitidamente reconhecidos
por que está dentro e por quem está fora. Estas formas de diferenciação acabam se
transformando nos rituais de cada um dos fã-clubes.
“Já na escolha do nome: “não podia ser nome de música [a grande
maioria dos fã-clubes tem nome de música do Daniel, [nomes estes
que acabam se repetindo]. Tem que ser um nome que marque
presença, tem que ser uma coisa que ele lembre que somos nós,
tem que ser uma coisa diferente (...). Eu virei para o Daniel e falei
assim, toda contente, ele estava com a mão assim na van e eu
151
coloquei a mão em cima da dele ‘Daniel, tá formado, como você já
deve ter visto por aí, você hoje tem um fã-clube no Rio. O Daniel
olhou para mim, eu sempre falei com ele olho no olho, isso sempre
teve. Eu virei para ele “você hoje tem um fã-clube no Rio e eu sou a
presidente”. Ele colocou a mão em cima da minha ‘engraçado, todo
lugar que eu chego tem um fã clube [na leitura da depoente havia
ressentimento e mágoa em sua voz...] Eu coloquei a outra mão em
cima da mão dele e falei assim: não igual ao meu, porque o meu é
especial, o meu é diferente e eu vou te provar’ (ENT04)
As cores e logotipos dos uniformes também são importantes nas distinções dos fãclubes. A escolha da cor segue sempre um racional: a cor vermelha de um fã-clube
foi escolhida porque “chama a atenção”, a cor azul de outro porque é a cor predileta
do ídolo. As faixas também são obrigatórias e fazem parte do “kit show”. O cantor
tem o hábito de ler estas faixas que trazem mensagens com a assinatura do fãclube.
Alguns rituais, praticados através de símbolos, reforçam os limites de fã-clubes
específicos. O fã afiliado ao “A Jiripoca Vai Piar”, por exemplo, leva em todo contato
que tiver com o cantor uma rosa para lhe entregar; se não puder ser dada em mãos,
os fãs as atiram para o cantor. Os pompons vermelhos também fazem parte do “kit
show” do Jiripoca. Como afirmou a presidente, junto com as faixas, eles fazem parte
do patrimônio do fã-clube. O fã-clube “Estação Somente Você Daniel” também
considera ter o que chamou de “marca registrada”, um coração. Mesmo que em
forma de cartaz, “tem um coração sempre presente”.
Todos estes símbolos que ajudam na delimitação de um fã-clube servem também
como uma forma de divulgá-lo.
“Estas meninas novas que entram, elas falam isto (..): ‘Ah, eu já
tinha visto vocês em outro lugar, já vi que vocês são super
animadas, são tudo arrumadinha’, porque a gente vai tudo de
camisa, a gente tem ido de pompom (...), leva bexiga” (ENT02)
152
Mesmo as normas de conduta acabam sendo personalizadas, distinguindo os fãclubes entre si:
“no início [as regras] eram mais severas. Primeiro tem que respeitar
o Daniel como pessoa, antes do artista. Não arranhar, não gritar no
ouvido dele, porque ele não é surdo. Não beliscar, não morder,
tentar se conter ao lado dele e não poderia nenhum envolvimento
com ninguém da equipe do Daniel. A gente não precisava fazer
nada que sujasse nossa imagem primeiro como mulher, segundo
como fã e terceiro como fã clube. Não poderia fazer isto. Era
proibido” [grifo meu] (ENT04)
Uma evidência em particular chamou bastante a atenção que é a importância da
delimitação geográfica dos fã-clubes pesquisados como mais uma forma de compor
o senso de pertencimento e, portanto, o senso de comunidade. Na definição original
de comunidade de marca (MUNIZ; O’GUINN, 2001), a variável geografia não
interferia no senso de comunidade proporcionado por aquelas comunidades
formadas em torno de uma marca. Pelo contrário, estas comunidades foram por
estes autores definidas como “difusas”, não geograficamente determinadas.
Estes fã-clubes utilizam as suas origens e alcances geográficos como forma de
identificação, principalmente os localizados fora da cidade de São Paulo.
“O pessoal de Indaiatuba”. Quando ele falava só faltava enfartar na
hora (...) Ele tem que saber que estamos ali, prestigiando, isso é
importante. Muitas vezes ele falou “o fã-clube está sempre
presente”,
porque
íamos
em
todas
as
cidades.
É
um
reconhecimento... E ele falar lá do palco.... (ENT03)
“Ele costuma agradecer: ‘a todas as fãs, ao fã-clubes, ao Jiripoca
que está ali’. Quase tem um ataque, a gente grita tanto, pula tanto”
(ENT02)
“Tenho um segredo para contar para vocês, eu tenho um fã clube no
Rio” A gente chorava, gritava, pulava, não sabia o que fazer. Nossa,
153
nos fomos à loucura. Foi tipo um muito obrigado pra gente. Eu sei
que vocês existem, ponto.” (ENT04)
“Fã clube marca. A nossa cidade está marcada com ele porque o
trabalho que o fã-clube faz, que cada cidade é uma coisa que marca
na vida do cantor”. (ENT03)
Além dos limites que a participação de um fã-clube estabelecem, a medida em que
os fãs membros convivem, peregrinam juntos, sacrificam-se juntos, e são juntamente
recompensados, histórias de vida vão sendo construídas conjuntamente, reforçando
os laços criados entre estes membros. As experiências vividas e compartilhadas
através do fã clube fazem as amizades nascidas dentro dos fã-clubes se tornarem o
que por eles é considerada “verdadeiras”.
É dentro desta lógica que explicam que “cada show é um show”, com sua história,
com sua diversão, independentemente de ele já ter sido visto várias vezes.
“Minha irmã fala `você não enjoa de tanto ir em show?’. Eu falei que
cada show é um dia, cada dia é um dia e não tem igual (...). É uma
viagem que você faz assistindo a um show”. (ENT02)
“o fã clube é bom porque está acompanhando a pessoa que você
gosta e também porque esta viajando e conhecendo tudo, o mundo
fora da sua cidade, conhecendo outras cidades, outras pessoas, ne?
Então une o útil ao agradável”. (ENT05)
Da mesma forma que se criam aqui a amizades, acontecem também os desafetos,
conseqüência normal de qualquer tipo de interação real entre pessoas de um grupo.
Alem das relações amistosas, das “amigas de verdade”, são demonstrados
sentimentos como ciúmes, inveja, disputa de poder e outros tipos de desgate. Estes
fãs acabam experimentando, enfim, os sabores e dissabores dos relacionamentos
reais.
Este compatilhamento de histórias reforça o comportamento de acompanhamento
das atividades do fã-clube, principalmente naquelas de “perseguição” ao ídolo,
154
porque o fã demonstra um certo receio de se marginalizar do grupo, caso falte a
algum destes eventos, e portanto, não participe de mais um capítulo da história do
fã-clube.
Além do relacionamento entre os membros, o pertencimento de um fã-clube permite
estabelecer outros tipos de relacionamento, intermediários entre o real e constante
com os demais fãs e o idealizado e assimétrico com o ídolo: o relacionamento
estabelecido com os membros do staff. Corpo de balé, músicos, equipe técnica,
Turma do Dani, todos eles são passíveis de se manter relacionamento. Estes
relacionamentos além de ajudarem na aproximação com o cantor, são por si só
recompensadores para os fãs membros.
Neste momento, a importância do Daniel e do fã-clube se mistura. Daniel é um meio
é algo que lhes proporcionou desfrutar o que Horton e Wohl (1956) chamaram de
“elixir da sociabilidade”. Assim, recompensados, acabam desenvolvendo um senso
de responsabilidade com o fã-clube como um todo, com o seus membros, e
naturalmente, com o Daniel.
4.3.4 Senso de Responsabilidade Moral
Responsabilidade moral é um senso de dever que o indivíduo tem em relação à
comunidade como um todo e em relação aos membros individualmente (MUNIZ;
O’GUINN, 2001). No caso do fã-clube, estende-se ao senso de dever também em
relação ao Daniel.
O comprometimento dos fãs em relação ao fã-clube como um todo é uma tradução
do lema “um por todos”. Em consonância com o que McMillan e Chavis (1986)
definiram como influência, a segunda dimensão para o florescimento do senso de
comunidade,
nota-se
que
o
fã,
uma
vez
engajado
no
fã-clube,
acaba
voluntariamente sucumbindo seus interesses individuais em nome do interesse
155
coletivo. A conformidade é essencial para que haja coesão no grupo, que por sua
vez é essencial para o senso de comunidade.
Isto justifica a aceitação de um dos termos – comum em todos os fã-clubes
pesquisados – do código de conduta:
“a ordem é a seguinte: quem nunca viu o Daniel na frente, senhoras
e crianças depois, e depois vão aquelas que há mais tempo não
vêem o Daniel” (ENT04)
O cumprimento desta regra pode implicar para o fã devoto na ida a vários shows
sem que “reencontre” o ídolo. Aqueles que conseguem entrar nos camarins e/ou nas
áreas mais restritas, e portanto mais próximas do cantor (camarotes e bretes32)
tentam sempre “puxar” sem companheiros que não tiverem a mesma sorte de estar
no local privilegiado, convencendo ou mesmo burlando os seguranças e/ou equipe
do Daniel.
A recepção de novos membros também é feita de maneira especial, traduzida na
norma acima. A integração dos novos fãs, junto com a manutenção dos membros
mais antigos, é fundamental para a longevidade do fã-clube.
Outra forma de manifestação do compromisso com o fã-clube pode ser percebida
pela deferência e respeito com que a figura do presidente é tratada pelos demais
membros. De uma certa maneira, o presidente acaba personificando o fã-clube e às
vezes até a sua posse é reconhecida. Era comum o presidente se referir ao “meu fãclube”. Assim, há relatos em relação ao controle que o presidente mantém, “apenas
pelo jeito que olha”, e a espera dos membros até que o presidente “resolva a melhor
forma de agir”.
32
Nos rodeios, o brete é o local onde o animal a ser montado fica confinado até o momento de ser liberado na
arena. Uma área pequena, o brete é considerado o melhor local para assistir a shows que são realizados nas festas
de boiadeiro, logo após os rodeios.
156
O respeito é tanto que alguns fãs pedem autorização para o presidente para ir a um
show, caso o fã-clube, sempre traduzido na figura do presidente, por algum motivo
não vá.
A submissão em relação ao fã-clube existe porque se sabe que haverá uma troca.
Através do fã-clube o fã consegue satisfazer as suas necessidades individuais,
conforme será abordado no próximo item, o 4.3.5.
Existe no fã-clube também a manifestação do “todos por um”. A união do grupo para
realizar o que eles denominam de “sonhos”, traduzidos nos encontros com o Daniel,
nas fotos a serem tiradas, no abraço de aniversário desejado, no presente especial
que ser quer ter a oportunidade de entregar mostra o clima de solidariedade que
envolve aqueles que fazem parte do grupo.
“O fã-clube me fez crescer como pessoa. São pessoas muito
diferentes e que a gente tem que aprender a lidar com elas todas.
Afinal, a gente ajuda muitas delas. É um trabalho meio que
filantrópico. Tem gente que tem depressão, que sai dela por causa do
Daniel. Uma menina, anoréxica, mal, não queria sair de casa por
nada. Saiu para ir no show do Daniel”. (ENT06)
Em relação ao cantor, o senso de dever é explicitado de diversas formas. O’Guinn
(1991) continua na comparação do fã-clube com uma igreja. Diz:
“assim como na maioria das religiões, esta igreja tem trabalho a ser
feito. Importantes tarefas são realizadas em nome de Barry
[Manilow], protegendo-o contra maus fãs, recrutando novos
seguidores, e sempre estando lá por ele” (p. 107).
Os fãs acreditam que, através do fã-clube, têm a função de servir ao Daniel, dando
todo o tipo de suporte necessário, no que diz respeito à divulgação de seu trabalho,
mas principalmente na manutenção de uma imagem impecável da marca.
157
A divulgação da marca acontece de diversas formas, mas mais notadamente com a
participação dos fã-clubes em programas de rádio, televisão, ou concedendo
entrevistas para a mídia impressa. Mais notadamente utilizam com maior intensidade
as emissoras de rádio, porque podem participar tanto com entrevistas formais,
previamente agendadas, ou de formas mais improvisadas quando ligam nas rádios
pedindo para que sejam tocadas músicas do cantor. De fato, quando acontece o
lançamento de uma nova canção, estes fãs fazem uma espécie de corrente, com
pedidos sucessivos às emissoras para tocarem a nova música do cantor. Têm com
isto o intuito de ajudá-lo na divulgação do novo trabalho, evidenciando-a ao colocálas no “topo das paradas”.
E o que o fã-clube fez pelo seu ídolo, que e o Daniel. E bandeirinha, e
bandeirona, acompanhando eles em varias cidades levando faixa,
divulgando o nome dele. Que é o que faz, ele divulga” (ENT03)
Os três fã-clubes pesquisados também se dedicam a atividades filantrópicas,
organizando eventos com instituições de caridade, em nome do fã-clube,
reproduzindo o “modelo institucional” e propagando as atividades que o Daniel faz
com seu time de futebol.
Em 2000, aconteceu um episódio que mobilizou fã-clubes. Uma antiga fã foi a um
programa de televisão reinvidicar junto ao Daniel direitos por tê-lo ajudado no inicio
da carreira. Como fã, ela organizou caravanas de pessoas para assistirem a seus
shows, divulgando sua marca deste o início de sua carreira. Silvio Finato, diretor de
comunicação da Turma do Dani, convidou alguns presidentes de fã-clubes para
participarem da platéia deste programa, que dá oportunidade para que os presentes
se manifestem. Inconformados, revoltados e defendendo tanto o Daniel como a “sua
classe”, eles participaram ativamente, mostrando que aquela pessoa não era fã de
verdade, mas uma aproveitadora.
158
“Não entra na cabeça da pessoa que uma fã vai chegar no ponto de
dizer ‘eu ajudei na carreira dele’. É impossível. (...) Se ele não fosse
tão carismático, por mais que a gente fizesse... Não da pra gente
cobrar. Eu faço porque quero, porque gosto. (...) Se ela
acompanhou o Daniel desde o início, do comecinho, foi porque ela
quis. O Daniel não precisa, tem um empresário para encaminhar ele.
Ele tem o talento, o dom de cantar, o dom de cativar as pessoas”
(ENT03)
O fã-clube é um grande guardião dos valores da marca do Daniel. E, quando
necessário, se mobilizam para defender a marca e protegê-la de qualquer tentativa
de profanação.
“a fã de fã-clube é diferente porque ela esta em todos os lugares, ela
só compra cd original, ela vai comprar todas as revistas, ela vai
defender o Daniel quando chamam ele de gay, quando falam que
ele é cabeção, isso ou aquilo, o que ele fez ou deixou de fazer... é
aquela coisa do Marketing...(ENT04)
“A minha maior preocupação era daquelas fanáticas. Eu não era
daquelas loucas. Eu queria estar perto, olhar. Tem mulher que
belisca, arranha” (ENT04)
Nenhuma ação, seja participação em programas, organização de homenagens para
o cantor ou qualquer outro evento é feito sem a anuência oficial. Os presidentes
sempre entram antes em contato com a Turma do Dani por dois motivos: primeiro
para “não se queimarem”, para não correrem o risco de fazerem algo que possa
desagradar ao cantor e seu staff; em segundo lugar, porque ao divulgar seu
trabalho, buscam reforçar uma proximidade. Para a marca Daniel, esta regra tácita
tem um valor especial, porque ao mesmo tempo que descentraliza o relacionamento
com os fãs através dos fã-clubes, os mantém ainda no controle da imagem da
marca.
159
4.3.5 Atingimento dos Objetivos Individuais
A integração e o preenchimento de necessidades é também uma das dimensões do
senso de pertencimento desenhada por McMillan e Chavis (1986) e que mais tarde
foi metaforizado por McMillan (1996) como troca. Neste conceito está implícita a
idéia de que existe uma recompensa individual quando da participação de uma
comunidade.
No fã clube, além do reconfortante senso de pertencimento, da própria importância
que o senso de responsabilidade moral atribui e à manutenção da sacralização do
objeto adorado, a inclusão num fã clube permite que alguns objetivos pessoais
sejam atingidos. Estes objetivos podem tanto ser aqueles inerentes ao tipo único de
relacionamento fã-ídolo (necessidade de singularização) ou ainda aqueles mais
pessoais, classificados como antecedentes à devoção.
4.3.5.1 Singularização
Tanto o processo de singularização, como os procedimentos de sustentação da
devoção – comportamentos estes típicos do fã devoto – são comportamentos que o
fã percebe terem mais êxito quando feitos em companhia de outro fã, em grupo. É
como se a unidade deixasse de ser o indivíduo e passasse a ser coletiva, de um
determinado grupo. Assim, quem passa a se diferenciar é o fã-clube, e não o fã
individualmente.
O objetivo final da singularização é a diminuição da desigualdade da relação entre fã
e celebridade e a garantia de reciprocidade. Num fã-clube, esta reciprocidade
acontece mais rapidamente, uma vez que os fã-clubes são organizações altamente
valorizadas pelo ídolo e seu staff e, portanto, possuem um tratamento diferenciado.
Novamente se vê aqui de forma muito explicita o paradoxo da indústria cultural: não
160
é possível atender ao indivíduo, mas é urgente a necessidade da diferenciação. O
fã-clube se apresenta, assim, como uma resposta a este dilema, porque através do
grupo o fã será evidenciado.
O reconhecimento, na grande maioria das vezes só acontece através do fã-clube.
Seja nas reportagens da Revista do Dani, seja nas leituras dos cartazes e faixas, ou
no agradecimento da presença do fã-clube feita do próprio palco, ao longo do show.
Não individualmente, mas como integrante do grupo, o fã consegue o
reconhecimento, e sua notoriedade, seu momento de fama.
.
É importante não só que Daniel os veja e os reconheça uma vez. Não é suficiente
que ele saiba apenas que tem um fã-clube. É importante que ele reconheça que
aquele é um fã-clube “verdadeiro”, ou seja leal. Que estará com ele sempre, não
importa o que aconteça, ou o que venha a ser falado a seu respeito. A partir do
reconhecimento fica claramente estabelecido um compromisso com o Daniel: eles
nem precisam necessariamente falar com o cantor no atendimento de um
determinado show, mas é fundamental que Daniel saiba que eles estavam ali,
prestigiando.
O Daniel reconheceu o pessoal pela primeira vez por causa das
faixas e das camisetas (...) Ele tem uma memória privilegiada ... Ele
guarda o rosto das pessoas, por isto é tão importante que ele nos
veja” (ENT03)
De fato, estes fã-clubes conseguem se diferenciar e acabam até ganhando
“apelidos” por parte do Daniel e staff. Assim, o Estação Somente Você Daniel é
conhecido como “as vermelhinhas”, ou ainda “fã-clube Coca-Cola”, em razão da cor
da camiseta do clube; Daniel Dentro do Coração, que já foi conhecido como o “fãclube da Terceira Idade”, hoje é conhecido, como o “Clube da Bandeira”, em
referência à bandeira de Nossa Senhora e a tradição deste fã-clube de confeccionar
bandeirinhas de papel distribuídas nos shows (MAT01, MAT02 e MAT03), e quando
161
percebe uma “chuva de rosas”, o cantor parece identificar que “A Jiripoca Vai Piar”
está presente.
O fã-clube atinge este seu objetivo já que o reconhecimento do grupo vem antes do
individual, na grande maioria das vezes. Numa edição da Revista da Turma do Dani
(RTD18) ele faz, através da menção de 5 fãs, uma homenagem a todos eles. Das 5
citadas, quatro eram presidentes de fã-clube.
4.3.5.2 Os Sócios: Tipos e Objetivos
Rein, Kotler e Stoller (1997) classificaram os fãs em diferentes níveis, onde todos os
membros de fã-clube se encontravam juntos, no mesmo agrupamento. Foi
constatado, porém, que dentro do próprio fã-clube existem diferentes tipos de fãs
membros. O que os diferencia são os motivos para a agremiação, as diferentes
formas de participação na estrutura do fã-clube e, finalmente, a localização
geográfica.
Com estas três variáveis determinando conjuntamente as diferenças, três grupos
foram identificados: a) os presidentes; b) staff, ‘panela’ e ‘vizinhos’ e c) distantes
(FIGURA 23)
PRESIDENTE
STAFF
“PANELAS” e
VIZINHOS
DISTANTES
Figura 23 – Grupos Formados dentro do Fã-Clube
162
A) Presidente
Os
presidentes
dos
fã-clubes
estudados
apresentaram
entre
si
algumas
características muito comuns e marcantes: pessoas simples, batalhadoras,
carismáticas, líderes, bem-relacionadas e muito bem articuladas. Os demais
membros vêem reproduzidas nos presidentes as mesmas características do Daniel.
Mais ainda, estas pessoas, mais do que qualquer outro membro, ganham a
notoriedade com o Daniel e assim, experimentam elas mesmas o sabor da fama.
Dentro de suas áreas de atuação, dentro do grupo que representam, os presidentes
viram celebridades. São tratados como tais, assediados por mídia e adorados pelos
fãs. Num escopo menor, o mito da fama acaba sendo reproduzido.
Eles assumem um importante papel de intermediação, que os coloca em destaque:
para os demais fãs do clube, representam o Daniel; para Daniel e equipe,
representam o fã clube; para a mídia representam a ambos, Daniel e fã clube.
Os presidentes são assediados pelos mais diversos meios. As emissoras de rádio
lhes solicitam participar de programas especiais para concederem entrevistas tanto
sobre as relações da celebridade com seus fã-clubes, como pela natural curiosidade
sobre a “condição de ser fã”. As chamadas “loucuras de fãs” parecem ser um
material de alto potencial de consumo e interesse nos noticiários. As emissoras de
TV têm interesse predominante na presença de fã clubes para comporem os
programas de auditório. Através das caravanistas os fã-clubes participam da
audiência ao vivo destes programas. Jornais e revistas, principalmente as
publicações regionais, costumam dar ampla cobertura às atividades e homenagens
realizadas pelos fãs.
“Foi uma experiência super diferente [a entrevista concedida no
Programa da Monique Evans]. Eles foram me pegar em casa,
fizeram uma transformação no meu cabelo, fizeram pintura em mim.
163
Eu fui com uma blusa amarela e depois comecei a prestar atenção,
todo mundo estava de amarelo. A apresentadora do Jornal Nacional
estava de amarelo, daí a outra semana a moreninha do Fantástico
estava de amarelo. Agora todo mundo gosta de amarelo só porque
fui na Monique de amarelo. Fiquei meio que viajando. Mas foi a
melhor experiência da minha vida” (ENT05)
Os demais membros dos fã-clubes costumam nutrir um respeito e admiração muito
grandes pelos presidentes. Primeiro em função do reconhecido esforço, dedicação e
investimento que eles fazem na estrutura do clube. São pessoas empreendedoras
que estimulam a mobilização das pessoas em torno de seu ídolo. Não raro adotam
uma postura “filantrópica”. Acreditam que seu papel é a realização dos sonhos dos
outros, e assim, acabam eles mesmos emprestando um pouco da aura divina do
cantor.
“Eu comecei a ir atrás e todas pessoas que eu sabia que queriam
conhecer o Daniel, eu movia montanhas para conseguir fazer a
pessoa entrar [no atendimento] também (...).Ela acha que eu fui um
anjo caído na vida dela [porque ajudei a entrar no atendimento]”
(ENT05)
“Agora vamos passar um elogio também para o Marcos
[presidente]. Não só para o Daniel. Mas o Marcos é uma pessoa que
eu falo assim é de se invejar a disposição. Ele é festeiro, pau pra
qualquer obra. Ligo, Marcos... Ta ta na mão. Bora, Bora” (ENT03)
Além do reconhecimento do papel do presidente, acaba-se fazendo uma
transferência da devoção. Os presidentes representam o Daniel nos seus clubes, e
encantam os membros pela proximidade que acabam conseguindo ter com o ídolo e
mais notadamente com o staff do ídolo. Mas ao contrário do que acontece com seu
ídolo, os membros conseguem estabelecer uma relação próxima e verdadeira com
esta outra celebridade, que demonstra e retribui de forma mais personalizada o
carinho que é devotado ao ídolo.
164
“Não é o meu fã clube, é o fã-clube do Daniel. Eu só tenho o
trabalho de organizar isto para ele. Apesar que elas não deixam de
ser um pouquinho minhas fãs também (...) Elas têm um carinho e
eles [staff do Daniel] já perceberam isto. (...). Eu recebo um pouco
do carinho que é para ele, eu fico com um pouquinho para mim. As
pessoas acabam associando uma pessoa a outra ate mesmo
porque (...) eu sempre corro para realizar o sonho [delas]” ENT04
O reconhecimento do Daniel, o assédio da mídia e a adoração dos demais membros
dos fã-clubes espalham a notoriedade dos presidentes também entre seus
familiares, vizinhos e demais círculos de amizades.
E este reconhecimento é realmente conquistado a partir de muito investimento
pessoal. A agenda, a vida dos presidentes gira em função da vida do Daniel e do fãclube.
“Daniel foi de férias para o NE e ficou um bom tempo por lá, eu até
achei bom [para eu poder] cuidar da família” (ENT02)
“É muito minha vida, está muito no meu dia-a-dia. Eu acordo já
pensando em coisas que a gente tem [que fazer]” (ENT04)
Longe de um constrangimento, ser presidente de um fã-clube não só extravasa de
forma ímpar toda a paixão de um consumidor extremamente devoto, como acaba
sendo uma experiência que muda o estilo de vida da pessoa.
“na volta dentro do ônibus, nossa, quanta bagunça que eu fiz, aí
lembro que tava conversando com a Andréia (...) ‘no to me
conhecendo, não sou eu que to aqui, se minha tivesse aqui ela ia
falar que não sou eu, porque eu nunca fui assim. Ai eu comecei a
conversar com ela `eu sou viúva, perdi não sei o que, tive uma
depressão danada, contei que eu era muito tímida. E eu não
acreditava em mim, porque eu não sentei no ônibus e todo mundo
me chamava e cada vez que elas me chamavam eu já ia com
brincadeira, nunca fui assim. Minha irmã é assim, minha irmã é bem
165
brincalhona e eu nunca fui assim. Sempre fui que nem ela fala: ela
sempre foi o show e eu sempre fui a platéia” (ENT02)
-.
'', /
01
2 3
O staff são as pessoas que possuem outras funções oficiais no fã-clube (secretários,
diretores de comunicação e administrativos). A “panela” são os
fãs que
assiduamente vão aos shows, reuniões e outros eventos organizados pelo clube. Os
vizinhos são aquelas pessoas que mesmo que não de forma tão assídua como a
“panela”, conseguem se encontrar e, que pelo menos, conhecem pessoalmente os
membros “superiores” da estrutura do fã-clube. O conjunto deles formam um grupo
muito importante, porque legitimam o código de conduta do fã-clube.
O primeiro interesse destas pessoas ao procurarem o fã clube é encontrar
companhia para ir aos shows. Logo após a ocorrência do processo de sacralização o
fã se vê sozinho e isolado na sua devoção.
Porém, o que inicialmente começou com a busca de companhia se transforma em
amizades sólidas. Com a convivência, o relacionamento até então utilitário com os
demais membros se transforma em afetivo. Eles aqui têm todos o mesmo status, ou
seja, não desfrutam do mesmo glamour das duas celebridades, ídolo e presidente.
Tornam-se companheiros não mais para o consumo exclusivo do ídolo. O intuito é
diversão, na melhor representação do que HOLT (1995) metaforizou como “consumo
como diversão”.
Neste grupo, através da observação de uma reunião de fãs, notou-se que se
encontram alguns fãs que, mesmo fazendo parte do fã-clube, não são devotos. As
atividades do fã clube representam para estes uma forma a mais de lazer e se
apresentam
um
comportamento
calculado
ou
normativo
com
o
cantor.
Provavelmente começaram a freqüentar o fã-clube por acaso, como companhia para
alguém, mas acabaram eles mesmos a desenvolver amizades com os demais
166
membros. Embora estas pessoas estejam expostas à possibilidade da sacralização
do Daniel ocorrer a estas fica claro, então, que não se pode afirmar que todos os
membros de fã-clubes são fãs devotos.
.!
Neste grupo encontram-se as pessoas que estão mais distantes dos demais, quer
seja porque sua rotina, ou condição econômica, não permite o acompanhamento
das atividades reais do fã-clube, ou ainda porque se localizam geograficamente
muito longe de onde os outros grupos se concentram.
Para eles, a procura pelo fã-clube acontece por duas razões identificadas.
Principalmente para os que estão longe geograficamente dos centros urbanos,
espalhados pelas diversas pequenas cidades do Brasil, o acesso à informação e
fotos é sua primeira demanda. Estes fãs são devotos e estão tentando manter o
status de sagrado que Daniel tem para eles.
“preciso me manter informada sobre sua vida, seus shows, eventos
e tudo mais. Por isto escrevo a vocês” (CAR03)
“Me ajude (...), como vocês gostam do Daniel e eu também gosto,
aqui onde eu moro não tem nenhum fã clube. Se vocês pudessem
mandar pelo menos uma foto dele com chapéu na cabeça. Nossa,
eu iria ficar muito feliz” (CAR15)
Isto não significa, porém, que o principal desejo deles não seja conhecer o Daniel. O
que acontece é que ao contrário dos outros dois tipos de fãs, esta é uma
possibilidade muito distante, quase impossível, embora esperada. E também, estes
fãs, continuam na solidão do consumo devoto individual.
Nota-se o desespero de ser correspondido pela finalização comum de todas as
cartas endereçadas ao fã-clube. Há sempre um pedido insistente de “retorno”, “por
167
favor”, “ansiosamente” e agradecimento antecipado pela simples possibilidade da
carta estar sendo lida.
Algumas cartas são endereçadas ao Daniel, mas remetidas ao fã clube. Isto mostra
o quanto a fama da “segunda celebridade” também se propaga. Acreditando na
proximidade da relação Daniel-presidente, estes fãs pedem a eles que entreguem
suas cartas ao cantor, em mãos. E se, os grupos que convivem com os presidentes
já lhe reverenciam, estas pessoas que não os conhecem, mas recebem sua atenção
a partir das respostas às suas cartas, os veneram tanto quanto ao próprio Daniel.
“Oi, inesquecível amiga (...). depois de eu ter passado a noite do dia
18/06/2003 cheia de dores fortes no dia seguinte eu tive um aborto
de gêmios (sic), um menino, uma menina. Os dois fetos, ou seja
embriões, tavam (sic) perfeitamente formados. Até o sexo a gente
via bem. Quando vi, a primeira coisa que pensei comigo mesma,
que veio do meu coração, foi se eles tivessem agüentado espera
(sic) os últimos 4 meses que faltava (sic) para eles nascerem, eu
teria colocado neles os nomes de duas pessoas que eu amo de
paixão. A menina seria Adriana e o menino seria Jose Daniel”
(CAR93, respectivamente se referindo a presidente do fã clube e ao
cantor)
4.3.6 ANÁLISE DE DADOS EM CONJUNTO
As características do comportamento próprio ao consumidor devoto verificadas neste
trabalho representam mais uma evidência de que o consumo representa muito mais
do que um meio de satisfação das necessidades cotidianas, assim como o objeto
consumido assume funções muito maiores do que as características funcionais
assumidos na sua concepção. Assim, para o fã devoto do Daniel, o seu consumo
traz muito mais do que a satisfação e o lazer de ouvir música e portanto, significa
168
muito mais do que um cantor. Consumir Daniel se transforma num veículo que
proporciona experiências transcendentais e, portanto, o comportamento do
consumidor acaba assumindo certos aspectos religiosos.
A sacralização do Daniel e todos os procedimentos para sustentá-la mostram a
deferência e a dimensão espiritual que acabaram impregnando a marca. Através dos
novos significados que foram dados pelos consumidores ao Daniel, a celebridade é
transformada numa espécie de deus, o fã num fiel e o fã-clube em sua igreja.
Esta “religião” tem pontos de contato com muitos aspectos da vida pessoal dos seus
fiéis, tornando muitas vezes difícil encontrar uma linha que os separe. Esta pode ser
uma das explicações do estigma da condição de ser fã. Daniel preenche tanto a vida
dos fãs devotos, que para aqueles que não partilham da mesma adoração, eles são
considerados todos fanáticos.
O levantamento do padrão de comportamento destes fãs do Daniel sugere que o
relacionamento com a marca é formado por paradoxos e sentimentos contraditórios
que, ao contrário do que se poderia supor, acabam por dinamizar esta relação,
reforçando estes comportamentos.
Conforme demonstrado, já o início da relação é marcado, pela própria natureza
particular do tipo de produto que a celebridade representa, por um conflito: do lado
do consumo, o fã busca ultrapassar o limite sutil que separa pessoa da celebridade;
do lado da produção, busca-se reforçar esta fronteira, para proteger principalmente a
celebridade. Enquanto os produtores buscam afastar o “Daniel” do “José Daniel”, o
fã tenta aproximá-los, o que o acaba levando a um comportamento ávido, às vezes
compulsivo, de aproximação e obtenção de informações.
O segundo conflito, agora interno do fã, está criado a partir de dois sentimentos
contraditórios que o fã, notadamente do sexo feminino, nutre em relação ao Daniel:
ao mesmo tempo em que ele é considerado sagrado, as fãs demonstram um grande
desejo em possuí-lo. Os fãs devotos não expressam literalmente este desejo, pelo
169
contrário, tentam reconciliar-se através de um discurso amoroso, porém não
erotizado, este sim permitido.
A terceira dinâmica estabelecida é a busca pela singularização, resultante da
assimetria da relação fã-celebridade. Ciente do caráter para-social de sua relação
com o Daniel, de seu anonimato e do prosaísmo que esta condição confere à sua
vida, o fã busca se evidenciar e estabelecer um relacionamento real com o ídolo.
Para alguns, “conhecer” o ídolo é tirar uma foto com ele, mostrada e cultivada como
prova material desta “relação”. Para outros, como os presidentes de alguns fãclubes,
a
relação
torna-se
verdadeira,
quando
o
Daniel
dá
provas
de
reconhecimento, seja fazendo referências a situações anteriores, seja mencionando
e fazendo agradecimentos ao fã-clube, ou ainda como forma mais intensa,
chamando o fã pelo seu próprio nome. Quando este reconhecimento por parte do
Daniel acontece, o fã desfruta um pouco da fama do Daniel, porque acaba sendo
reconhecido por aquele que todos reconhecem.
Estas características da relação do fã-Daniel e as suas conseqüências na
caracterização do comportamento do fã devoto foram resumidas no QUADRO 8.
Antecedentes
Características do Fã Devoto
aspecto religioso
estigma de fanático
confusão entre pessoa e
comportamento persecutório, ávido e
persona
até compulsivo de aproximação
relação assimétrica
busca pela singularização
sacralização e desejo
discurso do amor não erotizado
Quadro 8 – Caracterísricas do Fã Devoto
Compreendidas
as
características
e comportamentos
do fã comprometido
afetivamente, a importância do fã-clube fica contextualizada e torna-se passível de
entendimento. As evidências coletadas sugerem que a adesão ao fã-clube do Daniel
proporciona aos seus fãs já devotos:
170
1. a legitimação da condição de fã: ao se tornar um membro de fã clube, o fã
confirma a seriedade de sua devoção e valida-se como “fã verdadeiro”. Ao
distinguir-se dos “outros” fãs, o fã-membro liberta-se do estigma de fanático
diante dos demais membros e, tão importante quanto, diante do cantor e de
seu staff;
2. o locus privilegiado para a realização de procedimentos de sustentação da
sacralização do cantor: individualmente as peregrinações, os sacrifícios e os
rituais que alimentam o status de sagrado do Daniel são mais difíceis de
serem sustentados. Assim como através da igreja, o fiel pode melhor servir ao
seu deus, através do fã-clube, o fã consegue melhor servir e expressar a sua
devoção ao Daniel;
3. o senso de comunidade: através dos rituais e dos sentimentos de
pertencimento e de responsabilidade moral que são desenvolvidos no fã
clube, o fã concilia as contradições existentes na relação para-social que tem
com seu ídolo, ao estabelecerem finalmente relações reais (físicas ou virtuais)
com os demais membros do fã-clube;
4. a fama: o interesse inicial do fã no fã-clube é atingir seu objetivo individual de
singularização, de se fazer conhecido através do reconhecimento do Daniel.
O fã-clube, que legitima, que dá massa crítica, aproxima o fã do ídolo e,
portanto, serve como um veículo para se alcançar a celebridade. O fenômeno
da fama permeia a relação. O fã quer ser famoso.
171
5. CONCLUSÕES
5.1 Conclusões
No campo da pesquisa do consumidor, o aspecto social do consumo costuma ser
tratado como uma variável moderadora do processo cognitivo individual (O´GUINN;
MUNIZ, 2004). O esforço do entendimento dá-se no sentido de considerar a
influência dos outros nos pensamentos e julgamentos do consumidor individual.
Mais profundamente do que esta visão, surge um veio teórico acreditando que o
comportamento do consumidor é formado e executado dentro de agrupamentos
moldados, sancionados e fundamentados nos papéis dos relacionamentos,
instituições e outras formações sociais. Baseando-se no papel fundamental atribuído
às comunidades para a explicação do comportamento humano, estes teóricos
buscam comprovar que o efeito recíproco existente entre comunidade e consumo é
central para a total compreensão de como vivemos e por que consumimos da forma
que o fazemos.
Ao mesmo tempo, um outro veio teórico, representado pela antropologia do
consumo, mostra que historicamente, em qualquer sociedade as “coisas” sempre
tiveram um significado social. Porém, na cultura do consumo, característica da
sociedade industrial ocidental, as marcas das “coisas” assumiram grande parte na
representação dos significados.
Assim, mesmo que num primeiro momento a formação de comunidades de marca
pareça algo contraditório (afinal, as marcas representam um ícone do processo
produtivo capitalista, tido como destruidor das comunidades), pela importância das
marcas na vida das pessoas e pela necessidade do ser humano de se agrupar,
estas comunidades de marca floresceram, evidenciaram e passaram a chamar a
atenção dos mercadólogos como uma possível estratégia para obtenção do nível de
lealdade mais desejado, o consumidor comprometido.
172
A estas comunidades de marca é atribuída a função de criar, manter e potencializar
os elos com o consumidor e a partir daí desfrutar dos benefícios para a marca,
decorrentes do comportamento do consumidor comprometido (McALEXANDER;
SHOUTEN; KOENIG, 2002).
O consumidor que se encontra no mais alto estágio de comprometimento afetivo
com a marca, faz investimentos na relação que acabam sustentando e reforçando
este comprometimento. Este consumidor foi denominado de devoto por Pimentel e
Reynolds (2004).
Na indústria do entretenimento, é comum observar o agrupamento de fãs devotos
nos chamados fã-clubes. Como comunidades de marca que são, o objetivo principal
deste trabalho foi compreender o real papel do fã-clube para o fã devoto, porque
pela sua própria definição, estes consumidores já são altamente comprometidos com
a marca e, portanto, para eles a comunidade de marca não representaria um
antecedente para o comprometimento afetivo.
De fato, o estudo levantou que o comprometimento afetivo do fã devoto se dá pelo
processo de sacralização da marca que ocorre em âmbito individual. Assim, neste
trabalho não se evidenciou o fã-clube como gerador do comprometimento afetivo
com a marca. Este é um evento que se mostrou ocorrer anterior e
independentemente da agremiação. Porém, nos limites do caso estudado, o fã-clube
demonstrou ser fundamental para a manutenção e intensificação deste tipo de
comprometimento.
Ao representar o locus privilegiado para a realização de procedimentos de
sustentação da sacralização da marca, através dos rituais, peregrinações e
sacrifícios coletivos, o fã-clube mantém operante o antecedente que gerou o
comprometimento afetivo deste fã.
A intensificação do comprometimento através do fã-clube acontece porque ele
proporciona para o fã um senso de comunidade, nutrido tanto pelos rituais como
pelos sensos de pertencimento e responsabilidade moral que se estabelecem entre
os membros.
173
Para as marcas, as vantagens do fã-clube encontradas são muito claras e coerentes
com o teorizado. Os fã-clubes representam a marca tanto junto aos membros como
às demais pessoas e instituições. Assim sendo, pela sua manifestação pulverizada,
estendem a rede de relacionamentos da marca para um horizonte muito além do que
ela sozinha conseguiria atingir. A marca obtém divulgação e conhecimento. Mais
importante do que somente o conhecimento do nome de marca, o respeito e a
fidelidade que o fã-clube nutre pela marca, fazem a divulgação ser feita em plena
conformidade com os seus valores, disseminando assim também as associações da
marca. O fã-clube mostra seu importante papel na valorização do brand equity
porque interfere em três importantes ativos: conhecimento de marca, associações e
lealdade. Com o trabalho intenso de exposição da marca, seja propagando-a,
arregimentando novos fãs ou defendendo-a, os fã-clubes participam ativamente no
prolongamento do ciclo de vida do produto e da marca. Podemos definir estas
vantagens como uma “descentralização controlada” da administração da marca.
No papel de intermediários que assumem , os fã-clubes também representam os fãs
junto à marca. Assim o feedback para a empresa é altamente motivado e dado de
forma mais relevante, consistente e organizada do que o retorno promovido por
manifestações individuais dos fãs.
Fica claro, então, que apesar das vantagens estratégicas de um fã-clube, quando
criado pela empresa ele perde a característica de comunidade de marca e passa a
representar mais um programa de relacionamento e fidelidade, assumindo um
inerente interesse comercial. Este “clube de fãs” (ou ainda “fã clube oficial”) não
demonstra funcionar plenamente como uma comunidade de marca porque uma vez
que os seus significados são atribuídos pelos consumidores, a empresa não domina
o processo de sacralização.
O fã-clube, enquanto comunidade de marca, não pode ser criado nem gerenciado
pela empresa. Porém, a empresa pode dar suporte e incentivo para que o ciclo de
vida desta comunidade se prolongue.
174
O objetivo secundário deste trabalho foi chamar a atenção para as especificidades
do consumo do produto celebridade, que a despeito de sua importância cultural e
econômica, ainda não provocou grande interesse acadêmico.
A fama, que fundamenta o consumo da celebridade, é um conceito embutido de
contradição: embora vários desejem a fama (a representação de uma forma de
singularização do indivíduo), e qualquer um possa conquistá-la, muitos têm que
permanecer anônimos, para que poucos atinjam o estrelato.
Esta contradição inicial permeia o comportamento do consumidor da celebridade e
apresenta-se de forma mais explícita na consciência da existência da assimetria na
relação. Ao contrário de desestimular o consumo, esta conscientização intensifica-o,
porque desafia o fã a buscar formas para se singularizar e, assim, em busca do
reconhecimento do ídolo desfrutar de sua fama.
Neste momento o fã-clube se apresenta ao fã devoto como um meio, também
contraditório, para se atingir a este objetivo individual de singularização. O fã-clube
propicia massa crítica para chamar atenção do ídolo. O reconhecimento do fã-clube
soa para o fã membro como um reconhecimento individual.
5.2 Limitações
A maior limitação do estudo está relacionada à característica da estratégia de
pesquisa utilizada, o estudo de caso, que impede qualquer tentativa de
generalização dos resultados da analise aqui executada. Dentro da indústria do
entretenimento o caso aqui mostrado pode ajudar na compreensão da comunidade
de marca e seu papel na relação da celebridade com seus fãs e, num escopo maior,
pode proporcionar insights para o estudo de comunidades de marca.
Outro limitador metodológico é a escolha dos fã-clubes que serviram como unidades
de análise do caso. Todos eles foram indicados pela equipe do cantor, na figura do
175
seu diretor de comunicação. Assim, limitam-se a unidades que já conseguiram o
reconhecimento do cantor, o que especifica ainda mais a análise apresentada.
Uma última questão se refere à limitação da visão da importância do fã clube à
perspectiva do consumidor. Outros elementos da vasta rede de relacionamentos que
se forma no consumo poderiam abranger a análise, a começar pelos próprios
produtores da marca, gravadora, emissoras de TV e radio, entre outros.
5.3 Pesquisas Futuras
Da mesma forma que nem todos os fãs devotos são membros de fã-clubes, nem
todos os membros de fã-clubes são fãs devotos. Para estes fãs, o comprometimento
com a marca está limitado aos níveis calculado e/ou normativo. Eles não passaram
por um processo de sacralização da marca. A questão que se pode colocar é em
relação ao efeito que a convivência com consumidores devotos, a participação nos
rituais do fã-clube e as experiências com a marca partilhadas entre os membros
provoca nestes consumidores. Estes consumidores apresentam relevância para a
marca, porque mesmo não apresentado lealdade atitudinal em relação a marca,
pode apresentar um elevado padrão de consumo.
Uma segunda linha de investigação que este estudo levanta diz respeito a
importância da variável geográfica na definição de uma comunidade de marca. Ao
contrário da definição de Muniz e O´Guinn (2001) e a favor da posição de
McAlexander, Schouten e Koenig (2002), as evidências deste trabalho mostraram
que, embora não seja obrigatória, a localização geográfica é um importante
componente do senso de comunidade. Além de melhor proporcionar a possibilidade
do contato físico, o pertencimento a uma mesma localidade ajuda na criação da
identidade do fã clube. Os fãs devotos membros de um fã-clube, mas que não
tiveram a oportunidade de conhecer fisicamente pelo menos a figura do presidente
podem constituir um bom objeto de estudo para a averiguação da importância desta
variável na composição do senso de comunidade de um fã-clube.
176
Como ávidos colecionadores que são, os fãs de celebridade provavelmente são
responsáveis pela maior parte do consumo dos produtos licenciados. Da mesma
forma, estão muito atentos às mensagens das marcas que se associam aos seus
ídolos através do endosso. Do ponto de vista gerencial, os efeitos destas atividades,
licenciamento e endosso, são analisados pelos fabricantes e empresas donas das
marcas respectivamente. Para a administração de uma celebridade torna-se
relevante compreender se estas atividades essencialmente comerciais podem de
alguma maneira profanar a marca da celebridade, abalando seu status de sagrado,
e portanto, ameaçar o comprometimento afetivo do fã devoto.
Uma quarta sugestão para pesquisa futura nasce da particularidade da natureza do
produto celebridade. Não só pela importância do significado da fama para a nossa
sociedade, mas pelo fato deste produto ser representado por uma figura humana
(embora não necessariamente verdadeira) pode-se supor que o comportamento
devoto seja mais fácil de ser estabelecido. Conseqüentemente, a formação de
comunidades de marca em torno de celebridades, mais proliferada. Além disto as
referências religiosas no trato da marca se tornam mais claras de serem entendidos.
A questão que se coloca é em relação à forma com que estes sentimentos são
traduzidos em categorias de produtos onde a personificação da marca não é tão
natural.
177
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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184
7. ANEXOS
7. 1. Anexo A – Material da NAFC (National Association of Fan Clubs)
185
186
187
188
7.2 Anexo B – Protocolo de Estudo de Caso (Guia para Entrevista da Etapa 2)
QUESTOES
OBJETIVO
Historia de Vida
Determinar os possíveis antecedentes
- quem é (Idade, estado civil, etc)
do consumo devoto
- o que faz, o que fez
- com quem mora
- faz parte de alguma outra coletividade
(Igreja, fã clube, associação, etc...)
História do Fã
Identificar o processo de sacralização
- outros ídolos
que
- como o Daniel entrou na vida
comprometimento afetivo e caracterizou
- por que o Daniel
o consumo devoto
História do Fã Clube
Identificar a importância do coletivo no
- como surgiu / como ingressou
consumo anterior:
levou
o
consumidor
ao
- por que / mudou alguma coisa na - intensificação do consumo
condição de ser fã
- atividades de sustentação do sagrado
- rotina e encontros (estórias do fã - consumo como integração: produção
clube)
e processo de singularização
História da Turma do Dani
Identificar a capacidade da construção
- impacto para a fã no consumo do (e apropriação) de uma comunidade da
Daniel
marca, por parte do detentor
- impacto para o fã clube no consumo
do Daniel
Relacionamentos
- com Daniel
=> importância da assimetria relação
consumidor-ídolo e confirmação dos
antecedentes do consumo devoto e do
processo de sacralização
189
- com staff (produção, bailarinos e =>
importância
da
empresa
na
músicos)
construção da comunidade de marca
- com outras fãs do mesmo fã clube
=> construção do PSOC
- com fãs de outros fã clube
=> extensão da comunidade, da rede
de relacionamentos e confirmação do
PSOC
- fãs sem fã clube
=> reflexão da importância do consumo
coletivo
- não fãs
=>
avaliação
do
estigma
e
das
conseqüentes limitações impostas
Coleções
Identificar processos de sacralização,
- itens
de poder entre os membros através das
- importância simbólica
posses, limites do consumo através da
extensão da marca.
Questões literais, para finalização da entrevista:
a)
O que você acha de criticas como:
- a música do Daniel é ruim
- ele só fez sucesso porque o João Paulo morreu
O que teria que acontecer para você deixar de ser fã do Daniel?
Checar defensores da marca, lealdade à marca
b)
Qual a importância do Daniel para sua vida
c)
Qual a importância do fã clube para sua vida?
d)
Qual a sua importância para o Daniel?
e)
Qual a importância do seu fã clube para o Daniel?
190
7.3 Anexo C – Exemplos de produtos licenciados com a marca Daniel
Violão
Chapéu
Jóias
Bonecos
Cavalo
Palhaço
Goiabada
Extrato de Tomate
Doces
Doces
191
7.4 Anexo D – Fotos de Fãs com Daniel (RTD36)
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