LÁGRIMA TERRA ANDRÉ LUIZ PEREIRA & DANIEL FAGUNDES Concepção editorial Allan da Rosa, André Luiz Pereira, Daniel FagundeS e Silvio Diogo Ilustrações Mateus Subverso e Marcelino São Paulo * Edições Toró * Janeiro de 2009 Edições Toró Rua dos Guassatungas, 05 Americanópolis, São Paulo/SP CEP: 04330-010 Telefone: (11) 4786-4620 Sítio da Toró: www.edicoestoro.net Correio eletrônico: [email protected] Os autores André Luiz Pereira Contato: [email protected] & 9475-3549 Daniel FagundeS Contato: [email protected] & 8861-6700 Impressão Gráfica Maxprint Realização Dedicamos este trabalho a Adriana Ribeiro, Antônio José Pereira, Dona Benedita B. Herculano, João Bach Fagundes Gusmão e ao bairro de Piraporinha. Agradecemos a... Mônica Aparecida Fagundes, K-roço, Dona Lourdes, Fabíola, Vó Luzia, Camila, Tia Morgana, Luquinhas, Vinicius Punk, Jaiminho Muquica, Nadia, Pássaro (Prainha Branca), Sergio (Gody), Daniel de Deus, Ronaldo César Correia, Família Nicodemo, Ivaloo Giorgi Gusmão, Leandro A. Ramalho, Joyce Izauri, Thamiris S. de Souza (Thatha), João Roberto Jovem (Toréx), Antonio de Pádua Jungo (Nono), Tarciso Rosa (o Tar), Alex F. Gabriel, Marcelino Q. Bessa, Fernando S. Soares, Diego F.F. Soares, Maria Helena Barros, Tia Ana, Tio Chico, Tio Luiz (Filho), Prof. Anaídes, Prof. Gino, Renato Burket (Té), Sara, Gabi, Dú e Di (Os Primo), Luiz do Cavaco, Luana Fagundes, Allan R. Almada, Danilo Rocha, Allan da Rosa e todos da Toró e toda Cooperifa, pela paciência, cuidado, incentivo, pelas prosas, pelas dores, pelas caminhadas, conquistas e amizades. E à mulecada... Tainan, Pedro, Dandara, Cauê, Gabriel, Jade, Claricinha, Raul, João, Vinicius e Aninha, por não deixarem a esperança morrer, por manterem a alegria viva em cada sorriso em dia de chuva e principalmente por permitirem que sejamos crianças ao lado deles. Façamos a erudição popular! Lágrima Terra André Luiz Pereira e Daniel Fagundes Lágrima na terra evapora e ganha os ares umidece a brisa purifica o vento enche nuvem vira tempestade Lágrima da terra que chora corta a pele torrada pela seca Lágrima que pinga do céu pinta um sorriso no mesmo rosto ressecado Lágrima de tristezas e alegrias na folha em branco Marca d’água em poesia Lágrima Terra Gota de orvalho pingando do mato Encharcando Virando lago Criando riacho Regando a semente dos sonhos Enverdecendo arbusto Enriquecendo o tronco Fazendo lama Traçando do solo uma veia pulsante no ventre da terra Lágrima no asfalto Fluindo no meio-fio Matando a sede do nosso ser tão castigado Lágrima, lava a terra que empoeira a alma vem ungir, abençoar o chão Lágrima sentimento, razão de terra O açúcar e o fel O inferno e o paraíso A dor que tempera quando é preciso O amor pra todo dia Lágrima que empoça e cria o caminho argiloso dos contatos futuros Deixa Gaya esculpir na pisada deste barro, ninguém erguerá novos muros. BANHO MARIA Daniel FagundeS Banha-te mulher, banha-te! Quero ver te embebida nas caudalosas águas abissais da liberdade. Onde mentalidade moral nenhuma possa algemar-te. Vai Maria sem medo, deixa que em liquefeito estado a vida flua Deixa, Maria, que só a lua te observe de cima, que só teus pés testemunhem seu caminho 17 18 Banha-te, Maria, no vinho da emancipação e na cachaça do cotidiano. Dê-me, Maria, o prazer de estar nos teus planos por tempo determinado e na eternidade das sensações Quero te ver em fúria lutando com as armas que tem, voando com asas próprias... Mulher, quero-te tranquila quando solta, quando com sua mentalidade sagaz em banho Maria envolta siga pra onde a paz sempre existiu, pra onde a guerra É AMOR! INFÂNCIA ROUBADA André Luiz Pereira Ferro e concreto separam desejo e realidade A vida acorrentada ao relógio determina até o horário de ir ao banheiro Em certa hora da noite, só lhe resta o travesseiro O sol cortado pelas grades não ofusca o brilho nos olhos do menino as mãos seguram com firmeza cada barra esperando contar as pedras perdidas na calçada Na rua outros cantam, correm, gritam e ali, o aliado da tristeza apenas olha Imagina que um dia seu mundo será tão grande quanto a distância até a esquina Vendo os carros passarem se pergunta por que foi condenado Por que não nasceu como pássaro? Por quê? Por quê? Por quê... Por que estava ali enjaulado? Sendo que o único mal foi ter nascido urbanizado 19 20 Isso mesmo! Enquanto uns batem no peito com orgulho de serem acinzentados outros com olhos lunares se tornam sedentários engolindo o desejo enigmático de fazer o asfalto sentir o calor de seus livres pés descalços... Negro Guerra Daniel FagundeS Negro guerra, entre o céu e a terra, na luta na espera de um levante popular... Negro guerra, entre Zumbi e os Pantera, entre a favela e os sem terra, construindo, resistindo... Negro Bantú, entre o candomblé e o vodú, resgatando minhas raízes, minha ancestralidade demonizada. Me pergunto: – O filho “deles” qué sê preto? Em que circunstância? Por quanto tempo? Enquanto a moda durá? Com certeza nunca 24 horas por dia... Mas e os nossos filhos? Negros por consequência e brancos por consciência, nossas meninas, lindas negras querendo ser a Xuxa. Não! Assim num dá! Não quero loira, nem negra burra. Quero meu povo podendo pensá, quero andá de cabeça erguida e não com um carro de teto solar, quero cachaça de alambique e não champanhe pro ar... 21 22 Negro Drama? Não, isso não! Dramática é a vida do cara pálida capitalista que acumula riqueza às nossas custas, mas não preenche o vazio do existir. Dramática é a falta de humanidade dos capitães do mato da atualidade que escondem atrás da farda a pele tão preta quanto a minha. Dramática, Brown, é a consciência individualista, a idéia de sucesso classista que cria mitos e não parceiros, o estilo de vida imperialista, a postura de revista que reafirma o padrão norte-americano, o engano consumista. Dramático é perambular pela casa com insônia, enquanto mulheres de nossa quebrada sonham em brilhar como Antônias! Lunestro André Luiz Pereira Nessa noite lancinante acalente meus sonhos em tua alvura manta, capture meu sono com teu engodo reluzente. Cândida menina, sorri e ironiza minha inércia de fim do dia. Amo-te castamente semente dos tempos. Imaculada Lua, senhora dos sentimentos. Noite adentro, és livre desse mundo de horrores, mas prefere luzir a terra guiando sonhadores. 23 24 Eu diante a ti, difuso em fim. Uivando versos por um minuto, universo. És então meu satélite cintilando o estro e o resto que pulsa em minha veia quando o crepúsculo de cetim anuncia que vinde a mim intimidando-me a dormir. 48 Corpo Fechado Daniel FagundeS Num arrepare não seu moço, pois aqui do pescoço pra baixo todo mundo é igual. E só naqueles em que falta o respeito há um certo diferencial. Sou eu o homem comprimido, comprimido na boca cosmopolita, sou eu a voz que grita em meio à povoação. Um camaleão reavivando no caos os resquícios da terra natal. Pois aqui os mesmos justiceiros injustiçados caminham sobre esta terra travando a mesma guerra desigual, a história é sem fim, mas a honra é mortal. A mesma dor, o mesmo descaso, o mesmo perigo, no pau-de-arara moderno “o coletivo”, a mesma massa sem graça e sem juízo se entrega ao trabalho escravo e impreciso, a mesma mão calejada e o mesmo sorriso. Quem puder faz a reza do corpo fechado ou acende uma vela, porque o que no sertão foi cangaço na cidade é favela! 49 50 Meu coração André Luiz Pereira meu coração é um cortiço abriga a todos branco, preto, amarelo, vermelho meu coração é um cortiço cheio de bagunça cheio de crenças alegria, tristeza meu coração não difere é sempre acolhedor bate em meu peito tal brasileiro que sou meu coração, cortiço por vocação guarda risadas e prantos e mesmo cheio sempre abre espaço pra mais um meu coração, de criança ou ancião inveja os olhos quistos... mas não foi feito pra curtição por isso, logo aviso mantenha distância, se acaso não for bem vindo 51 Pântano Daniel FagundeS Foi nesse charco que cresci, ora terra, ora asfalto, ora felicidades, ora melancolias... Às vezes políticos pra lamentar o esquecimento, às vezes a vida e a expansão dos pensamentos. Lamacento mesmo sem chuva, o lugar é retrato de quem o vive. Abandonado, simples, exagerado, forte e desorientado. Balaio de gente teimosa que se prolifera nas brechas do capital, com fome de quem se auto devora se necessário o for, com a impietude dos vermes em carcaça fresca. Lugar de gente às vezes ignorantemente justa, lugar de gente impossível e reservatório das frustrações que servem de alimento mal alimentado pra máquina do estado. Moradia dos malabaristas do caos, mar morto de peixes vivos, o pântano permanece fantasmagoricamente alegre, apesar de sua aparência podre. O Poeta André Luiz Pereira Um olhar fixo, vazio e cego. Tudo olha, nada vê. A chorosa manhã que divide sua dor banha o chão com ácido, beleza e torpor. O Poeta está descrente nem sua prosa presa lhe parece verdadeira. Pororoca de pensamentos na panela de pressão do corpo. A cabeça... vai explodir! Sim! Big-Bang versado, corroendo os laços encefálicos do homem. 81 Ressaca de letras imagens e amores. Vai fluir... Vai lavar... Pobre poeta pincela como louco vírgulas, acentos e pontos. Quer exaurir-se pela ponta da caneta e rebuscar novas verdades vontades, dizeres e pensamentos. A validade da palavra Daniel FagundeS O pensamento é a maior arte, para fazer arte tem que ter pensamento, a mão faz a arte virar realidade, pro pensamento virar poesia e brilhar na mente da humanidade pra que um dia valha a intenção de ser poeta. André Luiz Pereira nasceu em Santo Amaro, zona sul de São Paulo no dia 18 de abril de 1987. Fruto da mistura de raças e cores que formaram este país, fez-se brasileiro. Com a família do pai, descendentes de portugueses, viu o mundo de braços abertos querendo acalentá-lo enquanto a meta era acumular bens para o futuro. Com a família da mãe, descendentes de índios e negros, sentiu o preconceito vivo e a dor de bater a cara nas portas que sempre se fechavam. Mesmo assim, sempre tinham um sorriso sincero para oferecer. Por crescer em meio às diferenças, injustiças, preconceitos e sofrimentos que passa um periférico no Brasil, tornou-se amante das dúvidas, críticas, amores e arte. Desde cedo aprendeu o valor das amizades, no abraço e no sorriso sincero. Descobriu na poesia um modo de expor suas angústias, desejos, sonhos e felicidade, um modo de dizer ao mundo o que vê quando olha tudo. Sonhador por natureza, vive sonhando em não deixar morrer a possibilidade de sonhar, enquanto prova o pó da estrada fria, dura, longa, incerta, feia e quente a que todos chamam de Vida. Contrariando finados aos 02 de novembro de 1986 nasce Daniel Fagundes Souza. Do pai herdou a capacidade de sonhar, a validade dos amigos. Da mãe herdou a visão de mundo para além dos olhos, a sensibilidade e o amor. Batizado pela poeira da estrada e pela fumaça da lenha queimada no fogão, onde o feijão borbulhava ao som da violada e das conversa prosiada das muié e dos homi de pé no chão e cabeça na lua. O convívio com a arte o fez intrometido a fazer de poema a imagens em vídeo, de violadas a embalos de bebê. Morador da Piraporinha na quebrada sul da Sampa Mundi, peregrinou por diversos caminhos na andada do conhecimento, e foi de auxiliar mecânico a educador social, se alimentando do saber popular e canibalizando a inteligência acadêmica. Tornou-se processo na eterna crescença do existir.