UM ACORDO DIPLOMÁTICO NA FAZENDA TRÊS MARIAS EM MATO
GROSSO: AS REIVINDICAÇÕES PARAGUAIAS NO IMPASSE COM O
BRASIL
Luiz Eduardo Pinto Barros
Mestrando do Programa de Pós- Graduação em História da UFGD
INTRODUÇÃO
As relações diplomáticas entre o Brasil e o Paraguai são objeto de estudo de
vários pesquisadores das Ciências Humanas, sobretudo na área de História. Apesar
da temática diplomacia ainda estar mais relacionado a disciplina Relações
Internacionais, enfatizar a pesquisa sobre este tema na História é importante para o
entendimento do processo histórico e social da atual conjuntura no qual se encontra a
diplomacia brasileira com a paraguaia. E é justamente as relações do Brasil e do
Paraguai que é uma das que estão no foco da mídia brasileira nos últimos anos após
a eleição de Fernando Lugo para presidência do Paraguai que tem como uma de
suas metas a reivindicação do Tratado de Itaipu no qual o Brasil compra do Paraguai
a parte excedente que este não usufrui da usina binacional. E como é um tema atual
relacionado à política externa brasileira, nada como pesquisar as relações
diplomáticas do Brasil com o Paraguai, principalmente durante o século XX, para
enriquecer também o debate acadêmico.
E o tema no qual trata este artigo é sobre as relações de Brasil e Paraguai na
década de 1960 num momento em que o governo de Juscelino Kubitschek inicia os
estudos para o aproveitamento hídrico da região de Sete Quedas como objetivo de
construir uma usina hidrelétrica que beneficiasse o Brasil de forma política e
econômica. Porém, tal região historicamente passou por um longo processo de
demarcação fronteiriça que havia deixado uma lacuna pendente a ser resolvida com o
Paraguai. E foi justamente por causa deste motivo que o país guarani questionou a
atitude do governo brasileiro de dar inicio aos estudos da região de Sete Quedas sem
mencionar nada ao seu vizinho fronteiriço.
O impasse relacionado aos estudos hídricos brasileiros e as reclamações
brasileiras duraram pouco mais de três anos num contexto em que o governo de
Alfredo Stroessner estava num processo de consolidação de uma ditadura no
Paraguai e o Brasil passava por momentos perturbados internamente com a renúncia
de Jânio Quadros, que aprofundou os estudos em Sete Quedas, e com os transtornos
políticos na administração de João Goulart que culminou com sua queda no primeiro
semestre de 1964. Porém, os motivos que levaram a resolução do impasse estão
relacionados à influência argentina na América do Sul e principalmente sobre o
Paraguai que não interessava ao governo Brasileiro. A fazenda Três Marias em Mato
Grosso em janeiro de 1964 foi o local para João Goulart e Alfredo Stroessner
demonstrarem suas argumentações em benefício de suas nações e das relações
entre ambas que dariam início ao maior acordo diplomático na história das relações
diplomáticas entre o Brasil e o Paraguai.
O BRASIL E O PARAGUAI SOBRE OS ESTUDOS HÍDRICOS EM SETE QUEDAS
Desde a década de 1930 o Brasil passou a dedicar grande parte de seus
esforços em política externa no intuito de assumir a liderança do continente sulamericano. Como conseqüência destes esforços, o Brasil teve uma aproximação
política com o Paraguai. Essa aproximação aconteceu durante o governo de Getúlio
Vargas com a visita deste a Assunção em 1941, iniciando as conversações sobre a
construção de uma rodovia ligando os dois países. No trecho abaixo Amaral e Silva
aponta que naquele mesmo ano outros projetos foram discutidos para serem firmados
como acordos entre os dois países.
Ainda no mesmo ano, o então chanceler paraguaio, Luís Arganã,
veio ao Brasil. Nesses encontros foi discutido o projeto, durante
muito tempo sonhado pelos paraguaios, de uma saída para o leste
por via rodoviária que finalmente, pudesse ser uma alternativa para o
escoamento de seus produtos e, assim, libertar o país guarani da
dependência de Buenos Aires (AMARAL E SILVA, 2006, p.56).
A partir daquele encontro muitos projetos e acordos foram realizados entre os
dois países. A Missão Cultural e a Militar brasileira em solo paraguaio fizeram parte
desses acordos. O caso da Missão Cultural teve suas funções e objetivos
sistematizados num acordo assinado em 1952 e esteve em vigor até 1974. Sua idéia
inicial era organizar cursos de português, cooperar com a Universidade Nacional de
Assunção e desenvolver projetos educacionais de intercâmbio, porém, logo tomou
grandes proporções: seu potencial passou a ser visto dentro de uma lógica estratégica
de dominação.
Nas décadas de 1950 e 1960, o governo brasileiro visando interesses
econômicos no país vizinho, relacionou-se com o governo paraguaio administrado por
Stroessner que assumiu a presidência após um golpe militar em 1954 e que teve como
conseqüência uma ditadura civil e militar que durou trinta e cinco anos e teve apoio
significativo dos Estados Unidos e inclusive do Brasil. No caso deste ultimo o apoio
político, econômico e militar ocorreu porque a oposição política do presidente
paraguaio era apoiada pelo governo da Argentina, que tinha os mesmos interesses
que o Brasil de assumir uma liderança política no continente. Segundo Menezes
(1987) Elpidio Yegros, um dos maiores opositores políticos de Stroessner, chegou a
declarar que o presidente paraguaio fazia discursos contra a oposição com o apoio do
Brasil.
Segundo Moraes (2003) a amizade entre os dois países se tornou mais
próxima quando foi assinado em 1960 o “Convênio para Revisão de Textos de Livros
Didáticos de Forma a não Prejudicar a Amizade entre os Dois Países” tendo em vista
que o Paraguai ainda tinha marcas da Guerra da Tríplice Aliança em que foi derrotado
pelo Brasil com apoio da Argentina e o Uruguai. Este acordo foi feito em decorrência
da política de Stroessner e os investimentos brasileiros na área econômica e cultural
no Paraguai, especialmente após a década de 1950.
As relações entre o Brasil e o Paraguai passavam por um momento de
aproximações diplomáticas significativas até o inicio da década de 1960. Porém, uma
região de aproximadamente vinte quilômetros foi motivo de discórdia para um impasse
diplomático entre ambos os países. Era a de Sete Quedas, chamada no Paraguai de
Salto Del Guairá, fronteira na região sul do antigo Sul de Mato Grosso.
Os motivos da discórdia eram de que tal região ainda não havia sido
demarcada desde o final da guerra da Tríplice Aliança (1864-1870). Isto porque após o
conflito bélico foi assinado em 1872 o Tratado de Paz e Limites entre o Brasil e O
Paraguai para a demarcação definitiva de fronteira entre os dois países. Parte da
região de fronteira não foi demarcada após aquele tratado por várias questões sendo
uma delas a presença de grupos de pessoas argentinas na região e a reivindicação da
Bolívia de ter direitos sobre a região. Passados algumas décadas foi assinado em
1927 o Tratado Complementar de Limites que teve como objetivo completar o
processo de demarcação da fronteira de ambos os países que não havia ocorrido no
Tratado de 1872. Uma comissão de brasileiros e paraguaios foi formada e assim teve
procedimento o processo de demarcação complementar da fronteira Brasil-Paraguai.
Porém, no desenrolar do processo demarcatório uma duvida pairou entre os
brasileiros e paraguaios que estavam fazendo parte da comissão. Menezes (1987)
aponta que os paraguaios acreditavam que o cume da serra de Maracaju indicaria o
salto das Sete Quedas como o norte, e, se isto fosse verdade, a região de Sete
Quedas pertenceria então ao Paraguai. Tal duvida praticamente imobilizou a
continuidade do processo demarcatório por algumas décadas.
Segundo Menezes (1987) o Brasil, ao que parece, acreditava que a região era
de sua posse. O presidente Juscelino Kubitschek, em 1960 iniciou os estudos para
aproveitar o potencial energético de Sete Quedas. Com a construção de Brasília
durante seu governo, mais tarde, Jânio Quadros deu seqüência ao projeto de seu
antecessor.
O Ministro das Minas e Energias na Administração Jânio Quadros,
João Agripino, criou uma comissão em 31 de maio de 1961 para um
reestudo da área de Sete Quedas e o seu potencial para que o
governo tivesse bases técnicas necessárias para desenvolver o
projeto. A resposta da comissão veio em julho do mesmo ano,
dizendo que era necessário um profundo estudo técnico do assunto.
Mais tarde isto foi feito por técnicos japoneses da Overseas Eletrical
Industry Survey Istitute que calculou o custo de kilowatt em CR$
1,24, o mais baixo do mundo, justamente por causa das cataratas de
Sete Quedas (MENEZES, 1987, p.73).
O Brasil desenvolvia suas pesquisas sobre o potencial energético de Sete
Quedas quase em segredo com certo contato da imprensa nacional sem mencionar
nada ao país vizinho. Mas em um momento, a imprensa escrita brasileira despertou o
olhar dos paraguaios.
Em 13 de fevereiro de 1962, o Jornal do Brasil publicou um artigo
sobre Sete Quedas e os estudos para usar seus recursos, como
fonte de energia elétrica. Através disso o governo paraguaio veio a
ter conhecimento do que estava se passando. Em sua primeira nota
ao governo brasileiro sobre o assunto, a diplomacia paraguaia citou
o artigo daquele jornal. A nota paraguaia foi para o Chanceler
brasileiro durante o regime parlamentar, Santiago Dantas, e através
dela os paraguaios procuraram demonstrar que Sete Quedas,
principalmente o mais importante dos seus saltos, o quinto, não
estava demarcado e que o Brasil, por conseqüência, não tinha o
direito de explorar nada nas cataratas porque elas não eram
propriedade brasileira (MENEZES, 1987, p 73 e 74).
As relações entre ambos os países começava a ter uma troca de notas sobre
aquela região de Sete Quedas que seduzia os olhares do mundo inteiro pelo seu
potencial hidrelétrico.
O governo paraguaio tinha grande interesse em não permitir que a região de
Sete Quedas fosse objeto de benefícios econômicos e políticos apenas para o Brasil.
Isto porque, o Paraguai alegava que a posse de tal região ainda estava pendente e por
isso o Brasil não teria direitos de explorar aquela área.
Uma grande questão neste impasse é que o incompleto processo de
demarcação feito na região na década de 1930 foi pouco repercutido nas relações
diplomáticas
de
ambos
os
países
naquele
momento
e
consequentemente
desembocou algumas décadas depois numa discórdia entre os governos de Brasil e
Paraguai. E o governo brasileiro pelo visto jamais imaginaria que o Paraguai fosse
pleitear os direitos sobre Sete Quedas.
Fazendo uma analise contextualizada sobre o processo de demarcação da
região em questão, na década de 1930 o Brasil ainda estava distante
diplomaticamente do Paraguai. Na década de 1960 as relações entre ambas as
nações estavam mais próximas depois dos acordos firmados desde a década de 1940.
O caso é que tais acordos naquele momento não serviriam de consolo para o
Paraguai aceitando a exploração hídrica de Sete Quedas por parte do Brasil.
O Paraguai é uma nação que não é banhada pelo oceano, e naquele momento
ainda dependia do Porto de Buenos Aires para ter acesso a importações e
exportações provenientes do oceano Atlântico. Correr o risco de perder o potencial de
exploração hídrica de Sete Quedas para o Brasil seria uma “ferida” a mais para o
orgulho da nação guarani. Contudo, exigir do Brasil explicações por realizar estudos
“as escondidas” em Sete Quedas era uma questão de interesse nacional.
Em 1962, o então presidente João Goulart estava passando por diversos
embates políticos durante sua administração hora agradando grupos conservadores,
hora esquerdistas e hora estando isolado sendo que o processo para resolver o
impasse com o Paraguai ficou “lento”. Somente no inicio de 1964, já num momento em
que João Goulart praticava discursos que agradava mais os esquerdistas (na sua
maioria contrários à políticas imperialistas1) e menos os grupos conservadores, que o
processo de negociação para resolver o impasse com o Paraguai foi mais dinâmico.
Em 19 de Janeiro de 1964, o então presidente João Goulart recebeu o
presidente Alfredo Stroessner na fazenda Três Marias em Mato Grosso e apontou:
“Tenho a maior satisfação em anunciar que, com a colaboração do Paraguai,
construiremos a maior usina hidrelétrica do mundo”.2 Goulart ainda deixou bem claro
ao presidente do Paraguai o respeito à soberania do mesmo. E acrescentou: “Estou
convencido de que não haverá nenhuma dificuldade e que dentro de um futuro
próximo, com a colaboração do Paraguai, teremos construído a maior usina
hidrelétrica do mundo”.
Os motivos que levaram João Goulart a firmar o acordo sobre a construção de
uma usina hidrelétrica com o Paraguai naquele contexto esta relacionado à Política
Externa Independente iniciada por seu antecessor Jânio Quadros que teve como
objetivo se relacionar com qualquer país do mundo com intenções pacíficas. Tal
política externa não “agradava” os Estados Unidos em plena Guerra Fria que não tinha
boa perspectiva nas relações com países diretamente ligados a União Soviética. O
Paraguai não era um aliado dos soviéticos, mas relacionar-se com este sem
problemas diplomáticos era uma perspectiva do então governo brasileiro. Isto porque,
além do país guarani se aproximar do Brasil e diminuir a sua dependência em relação
1
Política de expansão e domínio territorial e/ou econômico de uma nação sobre outras.
ENCONTRO DE PRESIDENTES: BRASIL APÓIA CONSTRUÇÃO DE SETE QUEDAS Jornal
Ultima Hora. Rio de Janeiro, p.1, 21jan.1964
2
à Argentina somado ao fato de que o Paraguai era administrado por um ditadura civilmilitar e de que grande parte dos militares no Brasil já se manifestavam contrários ao
governo de João Goulart, sendo que a atitude do então presidente brasileiro teve
como objetivo “acalmar” os militares brasileiros, além de firmar um importante acordo
político e econômico em sua administração com a construção de uma usina
hidrelétrica que beneficiaria parte significativa de empresários brasileiros ligados ao
setor energético e industriais necessitados de diminuir os custos com gastos em
energia para produção.
O acordo para construção da usina binacional foi um grande avanço e
sacramentou o bom momento de aproximação entre o Brasil e o Paraguai desde o
inicio da década de 1940. A fazenda Três Marias foi palco importante para consolidar
a construção futura da usina de Itaipu que atualmente esta no cenário das discussões
diplomáticas entre ambos os países tendo em vista que o governo paraguaio pede a
revisão do Tratado baseado no processo histórico por parte do Brasil em consumir a
energia excedente da parte paraguaia de Itaipu a baixo custo. Por isso a importância
dos estudos sobre as relações diplomáticas entre o Brasil e o Paraguai serem tão
importantes e necessárias para o entendimento do cenário atual e apontar possíveis
ações de ambos os governos no futuro já que em 2023 será o período em que vence o
prazo no qual o Paraguai vende para o Brasil o excedente de energia de sua parte da
Itaipu, o que provavelmente provocará novas reivindicações paraguaias para renovar o
Tratado recebendo um valor reajustado do governo brasileiro na compra de energia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As ações do governo brasileiro para resolver o impasse com o Paraguai não
podem ser observadas de forma isolada. O acordo firmado na fazenda Três Marias em
Mato Grosso foi informal, mas significativo. Era resultado de uma aproximação política
de três décadas do Brasil com a nação guarani iniciada durante o governo Getúlio
Vargas no qual João Goulart trabalharia na administração do mesmo no inicio da
década de 1950 assumindo o Ministério do Trabalho. E foi justamente na valorização
dos trabalhados iniciados por Vargas em relação ao Paraguai e tendo prosseguimento
com seus sucessores presidenciais que João Goulart realizou um acordo com Alfredo
Stroessner para resolver o impasse e dar inicio a construção futura de uma hidrelétrica
administrada por ambos os países.
Apesar dos estudos relacionados a dinâmica Brasil-Paraguai apontar que após
1964 a construção de uma usina hidrelétrica administrada por ambos os países ainda
sofreria várias discórdias políticas entre o Brasil, o Paraguai, e outras nações como a
Argentina, é nítido perceber que o encontro na fazenda Três Marias em Mato Grosso
foi resultado de uma aproximação de três décadas de relações diplomáticas na
tentativa de aumentar as relações com o Paraguai e superar definitivamente as
marcas negativas da Guerra da Tríplice Aliança na segunda metade do século XIX que
afetou a diplomacia de ambos os países, além de possibilitar a gênese de um acordo
que seria firmado formalmente em 1973 que resultaria na construção da maior usina
hidrelétrica do mundo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL E SILVA, Ronaldo Alexandre do. Brasil-Paraguai: Marcos da política
pragmática na reaproximação bilateral, 1954-1973. Um estudo obre o papel de
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Internacionais). Brasília. IREL/UNB,2006.
FILHO, Luís Viana. O governo Castelo Branco. Rio de Janeiro. Ed: José Olimpio,1975.
Pg 445
MELO, Leonel Itaussu Almeida. A Geopolítica do Brasil e a Bacia do Prata.
Dissertação (mestrado em sociologia política). São Paulo. PUC/SP, 1987.
MENEZES, Alfredo de Mota. A herança de Stroessner: Brasil-Paraguai 1955-1980.
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MORAES, Ceres. As Políticas Externas do Brasil e da Argentina: O Paraguai em Jogo
(1939-1954). Tese de Doutorado. Porto Alegre: PUCRS, 2003.
_______________. Paraguai: a consolidação da ditadura de Stroessner (1954-1963).
Porto Alegre, RS: EDIPUCRS, 2000.
FONTE
ULTIMA
HORA.
Rio
de
Janeiro,
[1964]
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