MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SERGIPE EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SERGIPE. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, através do Procurador da República que esta subscreve, vem, ante Vossa Excelência, com fulcro no art. 129, III, da Constituição Federal, bem como no art. 1º, I, da Lei nº 7.347/85, além dos dispositivos pertinentes na Lei Complementar nº 75/93, em defesa do meio ambiente, propor a presente AÇÃO CIVL PÚBLICA com pedido liminar em face do MUNICÍPIO DE NOSSA SENHORA DO SOCORRO, por seu representante legal, com sede na Praça Getúlio Vargas, 36, Socorro/SE, em Litisconsórcio Passivo Necessário com o IBAMA/SE- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis no Estado de Sergipe, por seu representante legal, situado na Av. Ivo do Prado, nº 840, bairro Centro, Aracaju/SE; com a ENERGIPE –Empresa Energética de Sergipe S.A, por seu representante legal, com sede na Rua Ministro Apolônio Sales, nº 81, Aracaju/SE,; com a ENGETEL – Engenharia e Montagens Elétricas LTDA., por seu representante legal, situada na Rua Olavo Alves dos Santos, nº 13, bairro Centro, Salgado/SE, e na Rua Distrito Federal, nº 1325, bairro Siqueira Campos, Aracaju/SE, ou seja citada por 1 edital, caso não seja encontrada nos endereços indicados, devendo, assim, ser citados na pessoa de seus sócios, Alfredo Santos Filho (CPF nº 372.651.565-87), residente e domiciliado na Rua Adroaldo Campos, 79, Conj. Inácio Barbosa, Aracaju/SE e Hermenegildo Gomes da Silva Neto (CPF nº160.291.604-78), residente e domiciliado na Rua Armando Barros, 81, Edf. Flamboyant, Apto. 501, bloco “B”, e das pessoas físicas a seguir mencionadas, irregular ocupantes da região, além dos consumidores de energia elétrica, conforme relação anexa da ENERGIPE, respectivamente: ANDERSON SANTOS MOURA, ANDREA SANTOS, ALESSANDRA DOS SANTOS DONATO, JAILTON DA PAIXÃO SANTOS, ELIZABETE JAVENCIO DE SOUZA, JEANE NASCIMENTO SANTOS, MARIA ROSINEIDE DOS SANTOS, JOSÉ ANTONIO DOS SANTOS, MARIA ANGÉLICA DOS SANTOS, REGINALDO MESSIAS DOS SANTOS, PUREZA RODRIGUES DOS SANTOS, MARIA JOSEFA DE JESUS, ZEZITO DOMINGOS DOS SANTOS e NAILSON DA PAIXÃO SANTOS ; ALCINO ROQUE DOS SANTOS (Rua São Expedito nº 40), MARIA DIVA CÂNDIDO DOS SANTOS (Rua São Expedito nº 80), ANTONIO MARCOS P. SANTOS (Rua São Expedito nº 11), SILVANIA CRISTINA ALVES (Rua São Expedito nº 10), CIRO DE SOUZA (Rua Manoel Souza Santos nº 07), IZABEL CRISTINA DOS SANTOS (Rua Manoel Souza Santos nº60), NOEL MARCOS SANTOS (Rua Manoel Souza Santos nº06), GLADSON BISPO DOS SANTOS (Rua São Expedito S/N), ALINE DA PAIXÃO SANTOS (Rua Manoel Souza Santos nº04), GILBERTO DA PAIXÃO SANTOS (Rua Principal nº 05), MARIA JOSÉ SANTOS (Rua Principal nº 02), RAIMUNDO DA PAIXÃO SANTOS (Rua Principal nº10), todos residindo na área designada como “Povoado Aratu”, no Município de Nossa Senhora do Socorro/SE; bem como desconhecidos e terceiros que eventualmente venham a ocupar a área durante o transcorrer do processo, devendo estes ser citados por edital e na forma do Código de Defesa do Consumidor (art. 94), aplicável subsidiariamente à Ação Civil pública (art. 21 da Lei nº 7347/85), isto é, com divulgação por intermédio de meios de comunicação social, pelos motivos fáticos e jurídicos a seguir delineados: 1. DOS FATOS A presente Ação Civil Publica cuida de uma ocupação irregular de pessoas em uma região do Município de Nossa Senhora do Socorro, Estado de Sergipe, invasão que a Prefeitura Municipal de Nossa Senhora do Socorro designou como “Povoado Aratu”, com construção de barracos em Área de Preservação Ambiental Permanente, mais especificamente 2 em ecossistema manguezal e terreno de marinha, além de implantação irregular nessa área de postes de energia, o que está ocasionando sérios danos ambientais. Nesta Procuradoria da República foi aberto o Procedimento Administrativo nº 232/2003 para apuração do fato (procedimento em anexo), e foram constatadas inúmeras irregularidades acerca da ocupação da área designada pela Prefeitura como “Povoado Aratu” e da colocação dos postes de energia na região. Conforme documentos de fls. 62 e 65 do Procedimento Administrativo, o “Povoado Aratu” localiza-se em Área de Preservação Ambiental Permanente, onde não deveria existir qualquer construção de casas ou instalação de energia elétrica sem licenciamento dos órgãos ambientais. Além disso, o local onde as casas estão sendo construídas é de propriedade da União, constituindo terreno de marinha, com registro de ocupação na Gerência Regional do Patrimônio da União em Sergipe em nome de um particular, conforme documentos de fls. 25-29 e certidão de fl. 217. No entanto, como se não bastasse a ocupação irregular, o Município de Nossa Senhora do Socorro resolveu por bem dotar o local de iluminação pública, cujos trabalhos de execução foram paralisados pelo IBAMA (fl.61-65) e após parecer favorável (fl.172) tiveram continuidade, com a ulterior ligação da energia elétrica pela ENERGIPE.. Cumpre salientar que a eletrificação da área só foi levada a cabo em razão de parecer teratológico do IBAMA (fl.172), que reconheceu a área ocupada como de preservação permanente, afirmando que a mesma possui uma acentuado grau de degradação ambiental em decorrência da ocupação desordenada do solo, porém concluiu por acreditar não haver impedimento ambiental para a eletrificação. O IBAMA demonstrou, portanto, desídia e conivência com o dano ambiental. Além disso, destaque-se que o Município de Nossa Senhora do Socorro contratou a empresa ENGETEL para a posteação do Povoado, porém esta não tem sede administrativa no endereço que consta nos Certificados de Regularidade do FGTS-CRF emitidos pela CEF e nas Certidões Negativas de Débitos emitidas pelo INSS, sendo uma empresa “fantasma” (fls. 219-237). Enfim, a área onde se encontra o “Povoado Aratu” é de preservação permanente, e não de expansão urbana. Pelo Município de Nossa Senhora do Socorro não foi apresentado qualquer estudo prévio de impacto ambiental ou licença ambiental para a 3 realização da obra e os barracos e casas lá construídos não tem qualquer autorização ou alvará de construção. Além do que o próprio IBAMA reconhece existir na área acentuado grau de degradação ambiental. Ressalte-se que o inusitado “parecer” do IBAMA não tem valor de licença, e não pode substituí-la, mas representa a conivência inusitada do órgão ambiental com a degradação da área e o desrespeito e o descaso com suas próprias atribuições. Notificada para apresentar informações, o Município de Nossa Senhora do Socorro disse que, em síntese, o Povoado Aratu existe há mais de 30 (trinta) anos, onde habitam cerca de 200 pessoas, e que tomou a iniciativa de dotar o Povoado de iluminação pública em razão da atividade laborativa das pessoas que lá habitam, bem como por causa da violência estimulada pela escuridão. Todavia, não apresentou qualquer documento oficial que comprovasse tão longo tempo de ocupação. Aliás, fotos obtidas dos arquivos do INCRA-SE (fls. 147-148) tiradas em 1988 atestam que nessa época não havia ocupação irregular no local. Além disso, existem duas certidões negativas de bens imóveis (fls. 162-163) que atestam inexistir oficialmente o designado “Povoado Aratu”, bem como no Decreto Municipal nº 27/2001 (fls. 164-165), que relaciona os logradouros urbanos do Município de Nossa Senhora do Socorro, não consta tal lugar. Afirmou também que quando os trabalhos de execução da obra de colocação dos postes foram iniciados, o IBAMA vistoriou a área e entendeu irregular a obra, de forma que o Município a paralisou para posterior consulta ao órgão. Por fim, asseverou que a colocação dos postes não agrediu ou provocou qualquer tipo de devastação ambiental. Contudo, não apresentou, frise-se, licença ambiental, estudo ambiental ou mesmo requerimento neste sentido à ADEMA. A Gerência Regional do Patrimônio da União em Sergipe (GRPU/SE) informou que foi enviado Ofício ao Prefeito Municipal de Nossa Senhora do Socorro no sentido de pedir para que todas as licenças para obras, alvarás e projetos de loteamentos pretendidos em área da União fossem previamente submetidos à apreciação da Gerência Regional. Além disso, foi informado que não existe pedido nem autorização, em relação à área em questão, para implantação de qualquer loteamento em nome de qualquer requerente. Por fim, disse que a área em questão se trata de área de preservação permanente, por constituir manguezais e restingas. Destaque-se ainda que, cumprindo o seu papel de fiscalizador, foram enviadas pela GRPU/SE notificações para os ocupantes no sentido de desocuparem a área, sob as penalidades da lei. 4 O IBAMA, embora notificada a prestar informações, não se manifestou sobre a irregularidade da ocupação em área de preservação permanente. Foi realizada uma reunião no dia 07 de outubro de 2003 com representantes do Ministério Público Federal, da Gerência Regional do Patrimônio da União em Sergipe, do IBAMA/SE e do Município de Nossa Senhora do Socorro, na tentativa de solucionar o problema, na qual esta Procuradoria da República ponderou que a solução adequada seria remover os barracos enquanto a ocupação ainda era pequena, haja vista que a obra municipal colaboraria com o avanço da degradação ambiental na área, tendo um grande potencial de estimular novas invasões e consolidar a situação da ocupação irregular atual. Foi determinado ainda que o Município apresentasse, em 30 dias, as licenças ambientais que tivesse para a realização da obra, bem como os registros de IPTU e requerimentos de alvarás de construção que possuísse em relação a essas moradias, além do projeto de engenharia que lastreou a eletrificação e a legislação municipal, se existisse, que determina a expansão urbana para aquela área. No mesmo prazo, foi determinado à Gerência Regional do Patrimônio da União em Sergipe para informar se tinha conhecimento da obra municipal e quais providências adotou em relação à mesma. Ao IBAMA determinou-se que informasse sobre a regularidade ambiental dos barracos na área instalados, bem como sobre prognósticos relativos a futuras invasões estimuladas pela existência de energia elétrica no local. Por fim, foi determinado à ENERGIPE para que informasse se já tinha sido realizada a eletrificação da área e qual o fundamento para a sua ação, bem como se estava ciente de que a área se tratava de preservação permanente, apresentando a documentação que possuísse. Acerca do cumprimento do que ficou determinado na reunião realizada, a ENERGIPE respondeu que já havia eletrificado a área, haja vista parecer do IBAMA informando não haver impedimento ambiental para eletrificação da área. A GRPU/SE, por sua vez, disse que já tomou conhecimento da obra municipal de colocação de postes de energia, bem como enviou Ofício ao Prefeito de Nossa Senhora do Socorro no sentido de que todas as licenças para obras em áreas da União fossem previamente apreciadas pela Gerência Regional. E o município de Nossa Senhora do Socorro apresentou o projeto de engenharia elétrica que subsidiou a eletrificação da área, aprovado pela ENERGIPE, bem como informou que “a obra somente fora levado a efeito após prévia vistoria, análise e expedição de autorização do IBAMA, por considerar que a obra não implica impacto ou dano ambiental”. O que não 5 corresponde à verdade, porque não existe “autorização”, mas apenas um parecer do IBAMA que, pela legislação, não substitui o licenciamento. A Prefeitura Municipal de Nossa Senhora do Socorro deixou, outrossim, de apresentar quaisquer alvarás, licenças ou certidões de cobrança de IPTU na área, provando que é falsa a alegação de que a ocupação remonta a 30 (trinta) anos atrás. Diante da atual degradação ambiental existente na área do “Povoado Aratu”, área de preservação permanente, e com o objetivo de evitar mal maior, protegendo o meio ambiente, direito de todos, interpõe-se a presente Ação Civil Pública. 2. DO DIREITO É cediço que a Constituição Federal de 1988 consagrou no art. 225 a defesa e a proteção ao meio ambiente, dever esse da coletividade e do Poder Público. Para tanto, no que se refere ao Poder Público, deve ele exigir, na forma da lei, estudo prévio de impacto ambiental para realização de obra que possa causar degradação do meio ambiente (art. 225, §1º, IV, CF). Até mesmo antes da promulgação da atual Carta Magna, a Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, condicionou quaisquer obras e serviços que pudessem causar degradação ambiental ao prévio licenciamento do órgão estadual competente, este sendo integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis- IBAMA, supletivamente, sem prejuízo de outras licenças exigíveis (art. 10). Outrossim, o licenciamento acima referido foi condicionado ao estudo prévio de impacto ambiental. A Resolução 01/86, em seu art. 2º, estabeleceu diretrizes, critérios e definições para dar efetividade ao mecanismo de proteção do meio ambiente referente ao estudo prévio de impacto ambiental como condição para licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, dentre elas, linhas de transmissão de energia elétrica acima de 230 kV (art. 10, VI). Há alguns anos, considerando a necessidade de regulamentação de outros aspectos do licenciamento ambiental, bem como a revisão de procedimentos e critérios nele utilizados, dentre outros objetivos, foi editada a Resolução 237/97 que, além de ratificar a 6 indispensabilidade do prévio estudo de impacto ambiental para o licenciamento e a licença ambiental de empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio (arts. 2º e 3º), previu a competência do órgão ambiental estadual para o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades localizados ou desenvolvidos nas florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente (art. 5º, II), dentre as atividades, evidentemente, transmissão de energia elétrica (Anexo I da Resolução 237/97- Serviços de Utilidade). A Resolução nº 303/2002 do CONAMA, por sua vez, regulamentando a Lei nº 4.771/65, afirma que constitui Área de Preservação Permanente a área situada em faixa marginal, medida a partir do nível mais alto, em projeção horizontal, com largura mínima de cinqüenta metros, para o curso d’água com dez a cinqüenta metros de largura, bem como área situada em manguezal (art. 3º, incisos I, “b” e X). Para dar ainda mais efetividade a essa proteção, a Lei nº 9.605/98, em seu art. 38, dispõe que é crime destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção. Embora não seja intocável, a Área de Preservação Permanente só seria suprimida total ou parcialmente após prévia autorização do Poder Executivo Federal, mas apenas quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social, conforme §1º do art. 3º da Lei nº 4.771/65. Mais recentemente, os manguezais, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste foram considerados Mata Atlântica por meio do Decreto Federal nº 750 de 1993 (art. 3º), e como tais, por força do art. 225, §4º da Constituição Federal, fazem parte do patrimônio nacional. O fato é que, hoje, no tocante à supressão de vegetação primária, vige o disposto no art. Art. 1º do Decreto Federal nº 750/93, in litteris: “Art. 1º. Ficam proibidos o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica. Parágrafo Único. Excepcionalmente, a supressão da vegetação primária ou em estágio avançado e médio de regeneração da Mata 7 Atlântica poderá ser autorizada, mediante decisão motivada do órgão estadual competente, com anuência prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), informando-se ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), quando necessária à execução de obras, planos ou projetos de utilidade pública ou interesse social, mediante aprovação de estudo e relatório de impacto ambiental.” Como se não bastasse, o parágrafo §4º do art. 11 da Lei nº 9636/98 afirma que, in verbis: “Constitui obrigação do Poder Público federal, estadual e municipal, observada a legislação específica vigentes, zelar pela manutenção das áreas de preservação ambiental, das necessárias à proteção dos ecossistemas naturais e de uso comum do povo, independentemente da celebração de convênio para esse fim.” No caso em tela, em face documentos já assinalados e dos pareceres do IBAMA, mesmo sendo contraditórios, verifica-se que a área onde se localiza o “Povoado Aratu” é de preservação permanente, integrante da Mata Atlântica, patrimônio nacional, de modo que tanto a ocupação do lugar quanto a colocação de postes de energia violam a legislação ambiental acima descrita, mormente por não existir estudo prévio de impacto ambiental; autorização, alvará de construção ou licença ambiental, nem do IBAMA e nem da ADEMA, gerando sérios danos ao meio ambiente, além de caracterizar ocupação ilícita em terreno de domínio da União. Mais uma vez, repita-se: o malsinado parecer do IBAMA não tem valor de licença e nem pode substitui-lo. A colocação dos postes de energia e a ligação da rede elétrica acaba por gerar uma força atrativa para novas invasões, de modo que esse estímulo deve cessar desde logo, para não comprometer ainda mais a área de preservação permanente e não consolidar as invasões atuais. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL E DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO 8 O art. 20 da Constituição Federal estabelece que são bens da União as terras devolutas indispensáveis à preservação ambiental e os terrenos de marinha, de modo que compete aos juízes federais processar e julgar as causas em que a União for interessada, nos termos do art. 109,I da Carta Magna. Outrossim, no art. 129, a Constituição Federal estabelece ao Ministério Público a função de promover o inquérito civil e a ação civil pública para proteção do meio ambiente. DA RESPONSABILIDADE Como se sabe, a responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, isto é, independe de culpa. Assim, provada a ocorrência do dano e a visualização do agente que diretamente ou indiretamente contribuiu para a degradação, a responsabilidade está caracterizada. Consagrando tal responsabilidade a Constituição Federal dispôs que: “Art. 225(...) §3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” Com efeito, as pessoas ocupantes da região conhecida como “Povoado Aratu” estão em situação irregular, por estarem em área de preservação permanente, construindo barracos sem qualquer autorização ou licença ambiental, degradando o meio ambiente. O Município de Nossa Senhora do Socorro, por sua vez, mesmo sabendo que se tratava de área de preservação permanente, resolveu dotar a área de iluminação pública, sem qualquer estudo prévio de impacto ambiental, autorização do Órgão estadual competente ou licença ambiental. Mais, contratou uma empresa fantasma, a empresa ENGETEL, para a colocação dos postes de energia, também sem qualquer estudo ambiental da área. A sua atuação consolida a invasão e transforma a área num pólo atrativo para novos invasores. Outrossim, até mesmo o IBAMA sabia da ocupação irregular de pessoas na área de preservação permanente. Tanto é verdade que emitiu parecer desfavorável, paralisando as obras de execução de posteação. Porém, mais tarde, emitiu novo parecer que, embora reconhecesse o elevado grau degradação ambiental na região ocupada, decidiu por não haver 9 impedimento ambiental para a eletrificação, incorrendo em manifesta contradição, legitimando os outros responsáveis a tomar atitudes lesivas ao meio ambiente. Também concorreu para o dano ambiental a empresa irregular ENGETEL, que realizou a colocação dos postes de energia na área de preservação permanente, e a ENERGIPE, que procedeu a energização da área. 3. DA LIMINAR Estão presentes os requisitos autorizadores da concessão da medida liminar, quais sejam, o periculum in mora e o fumus boni iuris. O primeiro requisito revela-se na verossimilhança da alegação em face de todos os documentos juntados e na plausibilidade do direito. É fato constatado e provado que pessoas ocupam indevidamente área de preservação permanente, considerada Mata Atlântica, e constróem barracos para moradia, tudo com a anuência da Prefeitura Municipal de Nossa Senhora do Socorro, que dotou a área de iluminação pública, servindo de chamariz para outras pessoas, degradando ainda mais o meio ambiente. No entanto, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de todos e é dever do Poder Público defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, cabendo ao Ministério Público propor ação civil pública para a sua proteção. O segundo requisito reside no fato de que quanto mais decorre o tempo, mais pessoas se sentirão estimuladas a ocupar a área de preservação permanente, uma vez que agora a área está dotada de iluminação pública, colaborando com o avanço da degradação ambiental. Dessa forma, requer desde logo seja determinado à ENERGIPE que não proceda a novas ligações na rede de energia elétrica além daquelas já constantes no doc. anexo (Ofício CE nº005/2004-DTEC-ENERGIPE), bem como seja concedida medida liminar para suspender o abastecimento de iluminação pública, permanecendo provisoriamente apenas o abastecimento privado aos consumidores relacionados no Ofício CE nº 005/2004-DTEC da ENERGIPE, e para paralisar e impedir quaisquer tipos de obras ou serviços na área de preservação permanente por parte dos réus. 4. DO PEDIDO 10 Ante o exposto, requer a Vossa Excelência: a) a concessão de medida liminar para: - determinar à ENERGIPE que proceda ao desligamento da rede de iluminação pública da área, permanecendo ligadas provisoriamente, até o final do processo, apenas as ligações que forneçam energia para as residências hoje identificadas pela ENERGIPE como consumidores de energia elétrica, conforme relação anexa; - determinar à ENERGIPE que não proceda a novas ligações na rede de energia elétrica, nem referente à iluminação pública, nem a residências individualmente identificadas; - determinar a paralisação e impedir que se iniciem, por parte dos réus, quaisquer tipos de obras ou serviços na área de preservação permanente onde se localiza o local designado “Povoado Aratu”, no Município de Nossa Senhora do Socorro /SE, bem como determinar à Prefeitura Municipal de Socorro que não licencie obras ou reformas na área; b) a citação dos Réus, nos endereços informados no preâmbulo, para, querendo, contestarem a presente ação, sob pena de confissão, aplicando-se os efeitos da revelia, observados os pedidos de citação por edital dos ocupantes não identificados e de eventuais terceiros, e da empresa ENGETEL, se necessário; c) a notificação da União Federal para se manifestar no feito; d) a condenação dos ocupantes da área de preservação permanente a desocuparem-na, no prazo de 90 (noventa) dias, demolindo e retirando todas as construções que tenham sido feitas na área, sob pena de a União promover a demolição e imputar-lhes o custo, na forma do art. 6º, I, do Decreto-Lei nº 2.398/87 (redação dada pelo art. 33 da Lei nº 9.636/98); e) a condenação da ENERGIPE a proceder o desabastecimento de energia elétrica da área do “Povoado Aratu”, quer na forma de iluminação pública, quer como de energia de consumidores individuais; 11 f) a condenação do Município de Nossa Senhora do Socorro/SE e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis no Estado de Sergipe-IBAMA/SE a proceder a recuperação integral da área, devolvendo-a à situação ambiental anterior, mediante elaboração de um PRAD (Plano de Recuperação de Área Degradada), com posterior aprovação por este Juízo, no prazo de 60 (sessenta) dias, promovendo a recuperação no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias, sob pena de multa diária pelo atraso, a ser estipulada por arbitramento na sentença; g) a condenação dos Réus, solidariamente, ao pagamento de indenização pelos danos causados aos interesses difusos, a serem liquidados na forma da lei. Provará o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, especialmente a documental anexada, a testemunhal e a pericial, e o que mais se fizer necessário, tudo requerido desde já. Dá-se à causa o valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), para efeitos fiscais, isento o Ministério Público Federal da cobrança de custas e do ônus da sucumbência na forma da Lei nº 7.347/85. Eis os termos que pede DEFERIMENTO. Aracaju, 29 de janeiro de 2004. Paulo Vasconcelos Jacobina Procurador da República 12