ACONSELHAMENTO DE PARES
Maria de Lourdes Guarda: uma conselheira inata
Por Benê Ramos
Depois de ter participado do 1º Curso de Aconselhamento de Pares do
Centro de Vida Independente Araci Nallin (CVI-AN), ministrado por Romeu
Sassaki, percebi que, durante meu trabalho com Maria de Lourdes
Guarda, tive a oportunidade de conviver com uma grande conselheira de
pares. Vou tomar como exemplo apenas um caso.
Como era comum acontecer na vida da Lourdes, um dia ela foi solicitada
a conversar com um rapaz que havia tido uma perna amputada e por isso
estava num processo de autodestruição.
Através de um padre muito amigo, foi marcado um encontro, na igreja,
entre ela e o rapaz, após a missa de domingo. Ele não apareceu, mas
Lourdes, compreendendo a situação dele, deixou um recado com um
convite para que ele a visitasse quando quisesse.
Segundo seu próprio relato, ele foi ao encontro da Lourdes em desespero,
num momento muito ruim de sua vida. Pensou que encontraria uma
pessoa doente, cheia de conselhos para dar, num ambiente à meia-luz, e
espantou-se ao ver uma pessoa alegre, cheia de vida, sorridente e tão
ocupada, que ele chegou a pensar que não deveria ter ido.
Num quarto bem-iluminado e muito movimentado, ele conta que Lourdes
atendia várias pessoas e falava ao telefone freqüentemente. De repente,
como que por encanto, as pessoas foram saindo, o telefone parou de
tocar e ele se viu, frente a frente, com aqueles profundos olhos azuis.
Descobriu que ele era o centro da atenção dela e numa conversa, que
começou com banalidades, ele acabou falando sobre tudo o que o afligia.
Contou-me que foi ouvido sem nenhuma recriminação, nenhum
julgamento ou conselho, mas que, quanto mais falava, mais se enxergava
e mais se achava "ridículo por atitudes tão desprezíveis".
Saindo dali, já havia se decidido a mudar de vida. Procuraria trabalho,
dedicaria parte de seu tempo à causa das pessoas deficientes.
A partir desse caso que, em parte presenciei e em parte me foi relatado,
pude observar que Lourdes, sem se dar conta disso, empregara muitas
das técnicas de aconselhamento de pares que aprendi no curso:
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Colocou-se à disposição, sem forçar uma aproximação.
Encarregou-se de tornar o ambiente tranqüilo e adequado ao
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aconselhamento.
Demonstrou empatia e foi capaz de "calçar o mocassim do outro",
uma qualidade imprescindível a um conselheiro de pares.
Não deu conselhos, não recriminou, nem julgou. Apenas ouviu
atentamente. Muitas vezes, num aconselhamento de pares, tudo o
que a pessoa precisa é ser ouvida.
Maria de Lourdes Guarda nasceu em 22 de novembro de 1926 e faleceu
em 5 de maio de 1996. Deficiente desde os 20 anos de idade, se
locomovia numa maca. Morou por 40 anos no Hospital Matarazzo (depois
Umberto Primo), em São Paulo. Foi coordenadora Nacional da FCDFraternidade Cristã de Doentes e Deficientes durante 10 anos, período
em que viajou por quase todo o Brasil, participando de forma decisiva na
luta pelos direitos das pessoas deficientes. Hoje, o rapaz é membro
atuante da FCD, trabalha, namora e leva uma vida normal.
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