A LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA E O SENTIDO PRAGMÁTICO Débora Pereira Claudio e Priscila Vidal Festa UTP/Integração das Licenciaturas/LIBRAS RESUMO Historicamente, o surdo foi considerado um indivíduo portador de uma deficiência não apenas sensorial, mas também intelectual e emocional. Era uma vergonha social e familiar. Durante muito tempo, achou-se que os surdos não conseguiriam aprender como os ouvintes, e seriam sempre dependentes. Os primeiros educadores de surdos surgiram na Europa, no século XVI, criando diferentes metodologias de ensino, as quais se utilizavam da língua auditiva-oral nativa, língua de sinais, datilologia (representação manual do alfabeto) e outros códigos visuais; podendo ou não associar estes diferentes meios de comunicação. A partir do século XVIII, a língua dos sinais passou a ser bastante difundida, atingindo grande êxito do ponto de vista qualitativo e quantitativo, e permitindo que os surdos conquistassem sua cidadania. Na história, L’Epeé, francês, foi um dos primeiros educadores de surdos. Segundo (SACKS, 1989), Charles Michel de L'Epée, nascido em 1712, ensinava, numa primeira fase, os surdos, por motivos religiosos. Muitos o consideram criador da língua gestual. Embora saibamos que a mesma já existia antes dele, L'Epée reconheceu que essa língua realmente existia e que se desenvolvia, embora a não considerasse uma língua com gramática. As suas principais contribuições foram: criação do Instituto Nacional de SurdosMudos em Paris, primeira escola de Surdos do mundo; reconhecimento do surdo como ser humano, por reconhecer a sua língua; adoção do método de educação coletiva; reconhecimento de que ensinar o surdo a falar seria perda de tempo. Para L’Epeé, antes se devia ensinar a língua gestual, hoje conhecida como língua de sinais. Como toda língua, as línguas de sinais aumentam seu vocabulário com novos sinais introduzidos pelas comunidades surdas em resposta às mudanças culturais, sociais e tecnológicas. São línguas em constante movimento. Outro aspecto relevante é pontuar que, ao contrário do que muitos pensam, as línguas de sinais não são universais; cada uma tem sua própria estrutura gramatical. Pode-se relacionar a língua oral dominante em cada país com a língua de sinais. “Assim como as pessoas ouvintes, em países diferentes, falam diferentes línguas, também as pessoas surdas por toda parte do mundo possuem suas próprias línguas, existindo, portanto muitas línguas de sinais diferentes, como: Língua de Sinais Francesa, Chilena, Portuguesa, Americana, Argentina, Venezuelana, Peruana, Portuguesa, Inglesa, Italiana, Japonesa, Chinesa, Uruguaia, Russa, citando apenas algumas” (FENEIS, 2010). Passemos nossa reflexão para a Libras (língua brasileira de sinais). No Brasil, a iniciativa primeira de sistematizar a língua de sinais brasileira partiu da professora Marta Ciccone. Esta professora iniciou suas pesquisas de sistematização após realizar uma visita a Universidade Gallaudet, onde conheceu os cursos e pesquisas em ASL (língua de sinais americana). A Universidade de Gaullaudet está situada nos Estados Unidos. Nesta instituição, todos os funcionários são surdos e as aulas são ministradas em língua de sinais americana (ASL). A partir do momento em que Ciccone dá início ao estudo da Libras, esta proposta de também se expande em outros trabalhos e projetos de sistematização da língua de sinais utilizada no Brasil. Em 1987, com a fundação da Feneis (Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos), a divulgação sistemática da Libras ganhou maior porte. A partir da década de 90, cresceram muito as pesquisas em linguística sobre Libras e pesquisas sobre educação de surdos. O movimento surdo começa a se organizar de maneira mais efetiva no Brasil. No dia 24 de abril de 2002, o presidente da República sanciona a Lei nº 10.436, que reconhece a Libras em âmbito federal. Em 22 de dezembro de 2005, o atual presidente assina o Decreto nº 5.626, que regulamenta a Lei nº 10.436 e dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras). O decreto funda importantes conquistas para a comunidade surda brasileira. Destacamos: o Decreto estabelece que a Libras deva ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (PEREIRA, 2007). O decreto e seu impacto nos meios de comunicação e comunidade em geral demonstram que o reconhecimento da Libras vem aumentando consideravelmente, aliado aos avanços das pesquisas acadêmicas. Contudo, todo este processo ainda está em fase inicial. Apesar dos avanços, a maior parte dos surdos hoje recebeu uma educação oralista, com inúmeros prejuízos em todas as esferas já apresentadas, e os resultados das conquistas da luta dos surdos terá efeitos que só poderão ser sentidos mais efetivamente a médio e longo prazo (PEREIRA, 2007). Ao contrário do que algumas pessoas pensam, a língua de sinais não se realiza apenas com mímicas e gestos soltos, utilizados por aqueles que não ouvem para facilitar sua comunicação. A língua de sinais é a língua natural dos surdos e apresenta estrutura e regras gramaticais próprias. Considerada natural porque surge “espontaneamente da interação entre pessoas e porque, devido a sua estrutura, permite a expressão de qualquer conceito e de qualquer significado decorrente da necessidade comunicativa e expressiva do ser humano” (BRITO et al., 1998). Estudos sobre essa língua foram iniciados no Brasil pela Gladis Knak Rehfeldt com a publicação: A língua de sinais do Brasil (1981). Há também artigos e pesquisas realizadas pela Lucinda Ferreira-Brito que foram publicadas em forma de um livro em 1995: Por uma gramática das línguas de sinais (QUADROS, 2004). Depois desses trabalhos, as pesquisas começaram a explorar diferentes aspectos da estrutura da língua brasileira de sinais. Apresentaremos, a seguir, apenas alguns exemplos, tais como: Fernandez (1990), um trabalho de psicolingüística; Karnopp (1994) que estudou aspectos de aquisição de fonologia por crianças surdas de pais surdos; Felipe (1993) que propõe uma tipologia de verbos em língua brasileira de sinais; Quadros (1995) que apresenta uma análise da distribuição dos pronomes na língua brasileira de sinais e as repercussões desse aspecto na aquisição da linguagem de crianças surdas de pais surdos (publicado parcialmente em forma de livro em 1997 - Educação de surdos: a aquisição da linguagem) e Quadros (1999) que apresenta a estrutura da língua brasileira de sinais (QUADROS, 2004). A Libras, como toda língua de sinais, é uma língua de modalidade gestual-visual porque utiliza, como canal ou meio de comunicação, movimentos gestuais e expressões faciais que são percebidos pela visão. Portanto, diferencia- se da Língua Portuguesa, que é uma língua de modalidade oral-auditiva. Uma semelhança entre as línguas é que todas são estruturadas a partir de unidades mínimas que formam unidades mais complexas, ou seja, todas possuem os seguintes níveis linguísticos: o fonológico, o morfológico, o sintático, o semântico e o pragmático. (KARNOPP E QUADROS, 2004). Outro aspecto em comum entre as línguas é que os usuários de qualquer língua podem expressar seus pensamentos diferentemente. Por isso, uma pessoa que fala uma determinada língua a utiliza de acordo com o contexto: o modo de se falar com um amigo não é igual ao de se falar com uma pessoa estranha. Isso é o que se chama de registro. Quando se aprende uma língua, está aprendendo também a utilizá-la a partir do contexto (BRITO et al., 1998). Outra semelhança também é que todas as línguas possuem diferenças quanto ao seu uso em relação à região, ao grupo social, à faixa etária e ao sexo. O ensino oficial de uma língua sempre trabalha com a norma culta, a norma padrão, que é utilizada na forma escrita e falada e sempre toma alguma região e um grupo social como padrão (www.ines.gov.br). Nesse trabalho, o objetivo é exemplificar o nível pragmático da gramática da língua de sinais, sendo esse o estudo da linguagem em uso. Para essa pesquisa foi realizada uma análise bibliográfica calcada na metodologia de pesquisa qualitativa que analisou pesquisas e teses relacionadas à gramática da LIBRAS. O estudo da pragmática envolve a dêixis (como os apontamentos, indicações, enfim, a demonstração), as pressuposições (antecipações do que foi falado), dos atos de fala, das implicaturas (do que foi dito nas entrelinhas) e a estrutura da conversa com os turnos de conversação durante esse momento. Ou seja, o significado que vai além do que foi dito. Existem expressões na Língua Portuguesa, que não estão diretamente relacionadas ao sentido real das palavras, porém, nas metáforas de seu uso, como a expressão “Bater na mesma tecla” e “Pegar no flagra”. Portanto, a expressão “Bater na mesma tecla” pode ser realizado na LIBRAS no sentido de repetição, com as mãos em configuração em [G1] de acordo com a classificação de Ferreira-Brito e Lagevin (1995), em movimento circular e frequência repetida, não relacionado à sinais referentes à tecla. Na expressão “Pegar no flagra”, a mão dominante possui configuração em [G1] com o movimento para baixo em contato com a outra mão em CM [A6].Portanto, a pragmática da LIBRAS é independente da língua oral. Palavras-chave: Língua de sinais; gramática; linguagem; pragmática; língua materna.