CAPTAÇÃO E MANEJO DE ÁGUA DE CHUVA PARA
SUSTENTABILIDADE DE ÁREAS RURAIS E URBANAS –
TECNOLOGIAS E CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
TERESINA, PI, DE 11 A 14 DE JULHO DE 2005
A CONVIVÊNCIA COM O SEMI-ÁRIDO: A CONSTRUÇÃO E
DESCONSTRUÇÃO DE NOVOS SABERES E VALORES
Alexandre de Oliveira Lima - Eng. Agrônomo (Visão Mundial) [email protected])
Tel (84) 3206-6800;
Priscila Regina de Aragão Rego - Ms. Eng Agrônoma(INCRA/RN.)
[email protected]) Tel: (84) 3202-3100
1. Resumo
Quando se fala ou se ouve falar em semi-árido nas conversas informais ou nas mais
variadas reportagens, veiculadas nos mais variados sistemas de comunicação, logo associa-se,
relaciona-se ou pré-concebe-se a uma
imagem estereotipada, onde a fome; miséria,
solos
rachados pela falta de água; animais; mortos; etc constitui-se no pano de fundo principal desse
cenário. Essa visão de semi-árido é fruto de um conjunto de interesses que em muito favorece a
elite local, que historicamente se beneficiou dessa situação. Não seria arriscado afirmar que a
construção desse “senso comum” é resultado do binômio “seca” e “fome”, aliado a um forte
componente político e sensacionalista. No entanto, é cada mais crescente o sentimento, que pensar
o semi-árido tendo como referencia esta visão reducionista que a seca e a falta de água são os
grandes problemas do semi-árido é um erro histórico. Em contraposição a esta visão inventada do
semi-árido, acima exposta, surgiu um novo conceito, ou melhor inventam-se, criam-se, novos
referências a cerca da percepção/visão do semi-árido brasileiro. Para essa nova forma de pensar,
agir e refletir sobre o semi-árido, convencionou-se chamar de convivência com semi-árido. Nesta
perspectiva a seca não é a grande vilã, mais um fenômeno natural. Nesse contexto, os habitantes
desta região devem construir alternativas e estar preparados para conviver com este fenômeno.
Nesta nova perspectiva a agricultura familiar inserida no contexto do semi-árido tem um papel
protagonista de ajudar a construir alternativas sustentáveis para a região.
5º Simpósio Brasileiro de Captação e Manejo de Água de Chuva,Teresina, PI, 11-14 /07/2005
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Palavras-chave: convivência; semi-árido; mobilização social; água de chuva e agricultura
familiar.
2. Introdução
Até os dias atuais perdura no imaginário comum a idéia de natureza do semi-árido veiculada a
anomalia, uma natureza fora de ordem, defeituosa, árida e sem predicados, cabendo à ciência pô-la
em ordem, concertá-la. Este debate se desenvolve em duas direções alternadas: ora a seca é
interpretada como um problema predominantemente climático, cujas soluções são de ordem
técnico/científica- solução hidráulica – barragens, irrigação, etc; ora é interpretada sob a ótica da
fragilidade socioeconômica dos agricultores familiares da região (Mattos,2004).
Para Malvezzi (2001), a imagem difundida do semi-árido, enquanto clima, sempre foi
profundamente distorcida. Vendeu-se a idéia de uma região árida, não semi-árida,. É como se não
chovesse, como se o solo estivesse sempre calcinado, como se as matas estivessem sempre secas e
estiagem durassem anos. A imagem dos emigrantes, dos retirantes dos acossados pela seca
povoaram a música (Luis Gonzaga), a pintura (Portinari), e a literatura (João Cabral de Melo Neto,
Graciliano Ramos, etc).
Em contraposição a esta visão inventada do semi-árido, acima exposta, surgiu um novo
conceito, ou melhor inventam-se, criam-se, novos referências a cerca da percepção/visão do semiárido brasileiro. Para Carvalho (2004), o movimento que hoje se procede no pensar, agir e
conduzir os debates a cerca do modelo de desenvolvimento apropriado para o semi-árido aponta
para a falência da lógica do combate a seca e a emergência da lógica da convivência com semiárido, ou, a falência da lógica técnico-economicista para a emergência da lógica ambiental
sistêmica.
A pedagogia da convivência pressupõe complementaridade e interdependência. A proposta de
aprender a conviver com o semi-árido trabalha o sentido das coisas a partir da vida cotidiana.Opera
na dimensão comunitária, através da atuação no nível micro, onde é possível desenvolver novas
perspectivas para a reapropriação subjetiva da realidade e abrir um dialogo entre o conhecimento e
os saberes tradicionais (Mattos,2004).
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Duque (2004), nos idos dos anos 50, em seus estudos já levantava estas questões, e explica que
além dos espinhos, engrossamento da cutícula, cobertura de cera, redução da área foliar, etc, as
plantas adaptadas à terra escaldante atravessam as secas anuis e os verões sem chuva mediante
reservas alimentícias armazenadas nas raízes, nas batatas tuberculadas e xilopódios. Os estudos
anotômicos de muitas árvores e arbustos do Nordeste revelaram a existência destas reservas na
cavidade dentro das raízes em forma de água, amido, gomas resinosas, gomas miculaginosas e seus
derivados, açucares, pentosas,etc. Os xilopódios, assim, tem um forte influencia sobre a vida
vegetativa das ervas e sub-arbusta, enquanto que as raízes turbeculadas pertencem mais a flora
arbórea. O mesmo autor comenta, elas, as plantas, estão ensinando a população o segredo de viver
na zona seca, como subsistir guradando alimentos produzidos nos anos chuvosos para os tempos
de fome.
3. A captação de água de chuva: Uma alternativa sustentável para a agricultura
familiar no semi-árido brasileiro.
Malvezzi (2001), afirma que é no semi-árido brasileiro onde está concentrada o maior
número de estabelecimentos familiares do Brasil. Dados de 1995-1996 indicam existir só no semiárido cerca de 2 milhões de estabelecimentos familiares, correspondendo a 42 % do número total
de unidades agrícolas do pais, mas ocupando somente 4,2 % do total da área agrícola.
Muitos estudos e pesquisas têm destacado a contribuição da captação de água de chuva para
fornecimento de água para uso humano, para os animais e para a produção agrícola no Semi-Árido
Brasileiro (SAB), onde a variabilidade de chuva durante e entre as estações e anos constitui, entre
outras razões, um desafio maior para o desenvolvimento rural em geral. A ênfase está colocada no
desenvolvimento sustentável no clima semi-árido com captação de água de chuva. Numa visão
integrada e sistêmica, o desenvolvimento sustentável deve ser considerado nos seus diversos
contextos ou ambientes. Diferenciamos três ambientes onde o desenvolvimento rural sustentável
(com uso de água de chuva, denominada em seguida "de sequeiro") se desenvolve.
(Gnadlinger,2003).
O aproveitamento das águas das chuvas confere uma particularidade ao semi-árido
brasileiro. Noventa e dois porcento de todas as águas de chuva que caem neste território são
consumidas pela insolação, evaporação e evapotranspiração. São assim, aproveitados apenas 8%
de todas as chuvas na alimentação dos rios, açudes, e sistemas de drenagem dessa região (Carvalho
e Egler, 2003).Este mesmo autor relata que o SAB, difere de outras áreas semi-áridas do mundo
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como dos Estados Unidos e Israel , onde estes perdas de água da chuva com evaporação e
evapotranspiração chegam a 45% .
Gnadlinger (2003) aponta nesta mesma direção, afirmando que as chuvas anuais (com média
entre 200 mm e 1.000 mm) nesta região ocorrem na estação de calor e são distribuídas muito
irregularmente quanto à área e à época. A taxa de evaporação é muito alta, chegando a superar
3.000 mm/ano de evaporação potencial (de superfície aberta). Isto, porém, não significa escassez
de água. Se presumirmos uma pluviosidade anual média de 700 mm, temos aproximadamente 630
bilhões de m3 de água de chuva no SAB. Considerando que 87% são absorvidos pela
evapotranspiração e outros 4% infiltram no subsolo, restam 9% como escorrimento (coeficiente de
escorrimento 0,09), perfazendo, portanto, 56,7 bilhões de m3/ano (Vieira, 1999) ou 3.780
m3/pessoa/ano. Se considerarmos que estresse de água acontece com menos de 2000 m3/ano e
escassez com menos de 1000 m3/ano de água disponível, então somente a captação da água de
chuva podia resolver a demanda de água no SAB.
Para Andrade Neto (2003), a água da chuva é geralmente excelente para vários usos, inclusive
beber, exceto em locais com fortes poluições atmosféricas, densamente povoadas ou
industrializadas. Metais pesados, especialmente chumbo, são potencialmente perigosos em área de
densidade de tráfego alta ou nas redondezas de indústrias. Substâncias químicas orgânicas, como
organofosforados e organoclorados, usados em venenos, .praguicidas e herbicidas, quando em
altas concentrações na atmosfera, também podem contaminar a água de chuva. Contudo, a
contaminação atmosférica da água de chuva normalmente é limitada a zonas urbanas e indústrias
fortemente poluídas e, mesmo nestes locais, a água de chuva quase sempre tem boa qualidade
química (dureza, salinidade, alcalinidade,etc) para vários usos, inclusive para diluir águas duras.
Esta nova perspectiva de valorização e de potencialização das alternativas existentes em
cada propriedade rural, principalmente o desenvolvimento e difusão de tecnologias de tecnologias
de captação e armazenamento, vão ser encampadas por diversas organizações não governamentais,
e vão paulatinamente surgindo no semi-árido, principalmente a partir do final de década de 80 e
início da década 90.
Entre todas estas, não restam dúvidas que a mais destacada e difundida foi a construção de
cisternas familiares, que a partir do surgimento da ASA (Articulação no Semi-árido Brasileiro) e
do Programa de Formação e Mobilização Social para Construção de 1 Milão de Cisternas, vem
ganhando um forte impulso. Este projeto da ASA, que visa construir 1 milhão de cisternas em
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todo o semi-árido, é inovador e abre espaço para uma imensa revolução no campo da convivência
com o semi-árido. As cisternas são elaboradas com cálculos científicos minuciosos, levando em
consideração a pluviosidade, a dimensão dos telhados, o número de pessoas na casa, a educação
dos usuários, enfim, todo um trabalho popular delata qualidade (Malvezzi,2001).
4 . As tecnologias de convivência e o processo de mobilização social da
sociedade civil no semi-árido brasileiro
Atualmente existe um conjunto de tecnologias que vem sendo utilizada em todo semi-árido,
no sentido de possibilitar o aproveitamento da água da chuva com vistas viabilizar o seu uso para o
abastecimento humano, animal e para garantir a segurança alimentar
das famílias. As
características que determinam a viabilidade e funcionalidade das tecnologias são: sua capacidade
de adaptação aos mais variados ambientes, ser facilmente replicáveis, ter baixo custo de
implantação e manutenção e ser facilmente apropriáveis pelos agricultores. As tecnologias mais
difundidas no semi-árido brasileiro, são as cisternas de placas, poços amazonas ou cacimbões,
pequenas irrigações familiares e barragens subterrâneas.
A retenção de águas subterrâneas para fins de conservação não é um conceito novo, uma
vez que há indícios de construções de barragens subterrâneas que datam dos romanos, na ilha da
Sardenha. (Palmier e Carvalho, 2003). A barragem subterrânea é uma estrutura simples que visa a
retenção da água que escoa subsuperficilamente nos leitos dos terraços aluvionais (baixios) no
período chuvoso. Com a sua construção, o agricultor visa potencializar a capacidade diferencial
dos solos de baixios naturais no que se refere à segurança do estabelecimento de cultivos de
sequeiro. Ao bloquear o escoamento subsuperficial, a barragem subterrânea induz ao aumento do
nível piezométrico do lençol freático da parcela situada imediatamente a jusante (Silveira et al,
2002).
Para Costa (1997), o barramento subterrâneo consiste em construir um septo no depósito com
a finalidade de impedir que a água nele acumulada continua a escoar durante o período de
estiagem. A partir do local de construção a montante, isto é, no sentido do alto curso do riacho, a
água irá ficar acumulada, enquanto para jusante ou seja, no sentido do baixo do riacho irá baixando
com o tempo.
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A figura abaixo explica como funciona uma barragem subterrânea: numa baixada levemente
inclinada, de solo fértil, se cava uma valeta em formato semi circular. O comprimento pode ser 100
metros ou mais, dependendo da largura da baixada. Precisa cavar até encontrar a camada de rocha
impermeável, às vezes numa profundidade de um metro, mas normalmente um pouco mais de dois
metros. À partir do fundo rochoso, a parede de terra é revestida de lona plástica e a valeta
novamente enchida. O coroamento da valeta, uma pequena barragem de terra, serve para reter os
resíduos trazidos pela água, como terra e restos orgânicos, para formar assim uma nova camada de
solo. A água querendo se deslocar lateralmente pela gravidade, é retida pela folha de plástico e
forma assim um lençol freático alto, artificial, do qual as raízes das plantas podem se suprir das
suas necessidade de água (www.irpaa.org.br.19/03/2005)
Figura – Demonstração da forma de utilização de uma barragem subterrâneas nas condições do
semi-árido brasileiro (Fonte: IRPAA).
Conforme Lima et al (2003), a tecnologia de construção de barramentos subterrâneos
destinados ao seu posterior uso na agricultura, é, sem dúvida, uma das tecnologias mais
recomendadas para a parte inserida no embasamento cristalino da região semi-árida, servindo como
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um importante componente para se trabalhar estratégias de garantia da segurança alimentar para a
região. É bem verdade que se faz necessária a utilização de rigorosos critérios na locação e
construção das obras e principalmente na seleção das famílias a serem beneficiadas, para a garantia
do sucesso deste tipo de tecnologia.
A viabilidade da captação de água de chuva por meio dos telhados das casas, foi
confirmada por meio de uma pesquisa realizada pela Diaconia em 22 comunidades rurais dos
Sertões do Pajeú e Médio Oeste do Rio Grande do Norte, na qual os resultados comprovaram que a
área média dos telhados era de 84 m2 e que mais da metade das residências tinham 75 m2 de
telhado, superfícies tais, que proporcionam a uma família de 5 pessoas, água limpa para beber e
cozinhar durante o ano todo, a baixo custo. A área é de fácil de acesso por ficar próxima à casa
(CAVALCANTI, et al., 2001).
Foto - Cisterna familiar construída na comunidade de Cabelo de Negro-Mossoró,RN, para
captação e armazenamento de água de chuva.
Estudos realizados por JALFIM (2001) revelaram que o consumo humano de água, no
meio rural do semi-árido, é, em média, de seis litros per capita por dia (3,5 litros para beber e 2,5
litros para cozinhar).
É importante frisar que devido ao empenho de diversas organizações sócias existentes no
semi-árido brasileiro, foram desenvolvidas muitas outras opções tecnológicas que podem ser
utilizadas com objetivo de captação e armazenamento da água da chuva. É fundamental perceber
que em face a grande variabilidade ambiental da região, existe a necessidade de que para cada
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situação seja pensada e discutida qual opção tecnológica adotar. Uma outra condição fundamental
para o sucesso de qualquer intervenção na região é, que qualquer que seja a situação a decisão do
que fazer, seja feita em conjunto com os agricultores e agricultoras do semi-árido, de forma
participativa e construtivista, levando em consideração os saberes locais acumulados durante
décadas.
5. Considerações Finais
Quando se fala ou se ouve falar em semi-árido nas conversas informais ou nas mais
variadas reportagens, veiculadas nos mais variados sistemas de comunicação, logo associa-se,
relaciona-se ou pré concebe-se a uma imagem estereotipada, onde a fome; miséria, solos rachados
pela falta de água; animais; mortos; etc constitui-se no pano de fundo principal desse cenário.
Essa visão de semi-árido é fruto de um conjunto de interesses que em muito favorece a elite
local, que historicamente se beneficiou dessa situação. Não seria arriscado afirmar que a
construção desse “senso comum” é resultado do binômio “seca” e “fome”, aliado a um forte
componente político e sensacionalista.
A desconstrução deste processo histórico de instrumentalização do fenômeno natural seca,
como instrumento de perpetuação da miséria da maioria da população, começa a ser questionada
na sua essência. Fala-se de um conjunto de experiências gastadas no seio da sociedade civil com
atuação na região semi-árida, tendo os agricultores e agricultoras como protagonistas, começa a
dar um novo rumo, ou melhor, começa como dirá o poeta “ ... o povo começa a assumir as rédias
do seu destino”.
Para essa nova forma de pensar, agir e refletir sobre o semi-árido, convencionou-se chamar
de convivência com semi-árido. Nesta perspectiva a seca não é a grande vilã, mas um fenômeno
natural. Nesse contexto, os habitantes desta região devem construir alternativas e estarem
preparados para conviver com este fenômeno.
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