Index DETECÇÃO DE ABERRAÇÕES CROMOSSÔMICAS EM LINHAGEM TUMORAL APÓS IRRADIAÇÃO Luciana Maria Silva1,2, Consuelo Latorre Fortes-Dias2, Ricardo Ferracini3, Tarcísio Campos1 1 Departamento de Engenharia Nuclear da Escola de Engenharia da UFMG, Belo Horizonte, Brasil. 2 Laboratório de Cultivo Celular do Centro de Pesquisa e Desnvolvimento, Fundação Ezequiel Dias, Belo Horizonte, Brasil. 3 Centro de Desenvolvimento Tecnológico Nuclear , Campus UFMG, Belo Horizonte, Brasil. RESUMO Quando células tumorais são irradiadas, os efeitos podem não produzir alterações morfológicas distinguinveis ou efeitos obviamente tão intensos como a morte celular em poucas horas. Mudanças celulares viáveis de observação dependerão de uma combinação de fatores que irão determinar a probabilidade de sobrevivência celular em resposta à uma dada dose de radiação. Muitos fatores podem afetar a resposta das células como a sua sensibilidade à radiação, sua capacidade de reparo e sua cinética de proliferação. Neste trabalho pretendemos avaliar a sensibilidade de uma linhagem tumoral de cérvix humano, quando irradiada por raios gama e detectar possíveis aberrações cromossômicas e apoptoses nas células. Keywords: radiosensibility, Double strands breaks (DSB´s), chromosome aberration, apoptose I- INTRODUÇÃO Um dos métodos mais utilizados para avaliação experimental de tumores frente à radiacão tem sido a técnica de cultura de tecidos in vitro. Há muito tempo pesquisadores utilizam linhagens humanas tumorais como modelo experimental, no intuito de se avaliar os efeitos biológicos da radiação, tentando assim, estimar sua radiosensibilidade. A radiação ionizante, que é um agente físico efetivo para radioterapia, atinge de forma direta ou indireta a molécula de DNA. Os fótons gerados por aceleradores clinícos para terapia induzem à uma variedade de lesões bioquímicas no DNA genômico, sendo a quebra da cadeia dupla do DNA (DSBs) a classe de lesão mais relacionada à morte celular [1]. Este dano, causado pela irradiação desencadeia instantaneamente uma variedade de reações bioquímicas na tentativa de reparar a lesão e minimizar mutações. Quando a quebra do DNA ocorre em apenas uma das cadeias, formam-se as SSB´s (Single strand breaks) e quando ocorre em ambas as cadeias, tem-se as DSB´s (double strands breaks). Essas lesões podem ser reconhecidas direta ou indiretamente por componentes reguladores do ciclo celular. O gene supressor de tumor p53 produz uma proteína (fator de transcrição) que tem múltiplas funções na regulação da célula, e é essencial para controle da proliferação celular [2]. A mutação no gene p53 inativa o caminho para apoptose e leva à uma proliferação contínua e alta sobrevivência das células que repararam o dano no DNA. Sabendo-se que p53 induz a parada do ciclo celular em G1 e à apoptose, mutações nesse gen tem efeito variável no mecanismo de reparo nas células após irradiação. Quando o ciclo celular é interrompido, o gene supressor de tumor p53 eleva o seu nível de expressão, estimulando a DNA polimerase a reparar o dano na molécula de DNA, como visto na Fig.1. Em geral o bloqueio do ciclo ocorre na fase G1 da intérfase que é a fase que antecede a divisão celular[3]. Existem fortes evidências de que a falta de reparo na alteração do DNA radio-induzida é responsável pela morte da célula. Confirmando estes dados, Dikomey et al. [4] relataram que a radiosensibilidade de tumores estaria relacionada ao índice de cadeias duplas de DNA que não foram reparados até 24h após irradiação. A maioria das lesões é reparada rapidamente por enzimas mas, quando o reparo não acontece, pode levar à mutações e até mesmo à aberrações cromossômicas. A morte da célula pode ocorrer após alguns ciclos celulares [5]. A morte celular por DSBs é considerada como morte mitótica ou clonogênica e está relacionada com o mecanismo pelo qual a maioria dos tumores sólidos respondem à radioterapia [6]. Index Mitose •3h G2 • 3h Células filhas G1 • 5h S • 7h P53 parada do ciclo celular DNA polimerase reparo do dano no DNA Figura 1. Representação da intérfase do ciclo celular, aonde ocorre o bloqueio que promove o reparo do dano na molécula de DNA. A DSB tem mostrado ser uma das principais lesões induzidas por radiação, e seu reparo é crucial para sobrevivência celular [7]. A quantificação da DSB's é importante para investigação do fenômeno de radiosensibilidade individual. As DSB´s podem ser reparadas pela maquinaria celular e o tempo de duração para que isso ocorra estará relacionado com a taxa de DSB's reparadas. No contexto da biodosimetria, é importante ressaltar que o processo de reparo precede à eventual formação de aberrações cromossômicas [8]. O estudo de aberrações cromossômicas em linfócitos periféricos do sangue representou um avanço significativo em dosimetria, pois forneceu com precisão a dose de radiação absorvida por um indivíduo exposto [9]. Entre as aberrações cromossômicas radioinduzidas, as que melhor indicam a dose de radiação absorvida são as do tipo dicêntrico (cromossomos anômalos contendo dois centrômeros) e os anéis cêntricos (cromossomos em forma de anel contendo centrômero). A detecção de aberrações cromossômicas tem se tornado um método comum para predizer a sobrevivência celular ou medir biologicamente a dose de radiaçao absorvida pelas células. A formação de micronucleos (MN) também tem sido relacionados com a frequência de aberrações cromossômicas após radiação. Os micronúcleos são formados de quebras de cromossomos e, estão correlacionados com morte celular por irradiação [10]. Takagi et al. [11] examinaram a frequência de aberrações cromossômicas ou micronúcleos (MN) após irradiação em linhagens de humanas de fibrosarcoma e, assim avaliaram a radiosensibilidade celular. Eles verificaram que a frequência de MN aumentava de acordo com a dose de radiação e era proporcional à sobrevivência celular. Um outro efeito biólogico da irradiação é a apoptose, um mecanismo de morte celular induzida, que acomete mais as células embrionárias e hematopoiéticas do que as epiteliais [6]. A apoptose apresenta características morfológicas como encolhimento celular, condensação nuclear, fragmentação da membrana formando corpos apoptóticos, e mudanças de membrana que eventualmente levam a fagocitose da célula [12].A apoptose ocorre espontaneamente em tumores e sua relação com a radiosensibilidade é objeto de muitos estudos. Muitos dos dados relatados são observados em linhagens celulares; e alguns tumores tratados in vitro demonstraram correlação entre radiosensibilidade e a taxa de apoptose espontânea ou induzida. Neste trabalho pretendemos avaliar o comportamento de uma linhagem tumoral de cérvix humano quando irradiada por raios gama, uma vez que, após irradiação, as células podem seguir caminhos distintos, como mostrado na Fig.2. Com isto, além de avaliarmos a sensibilidade destes tumores quando expostos à radiação, procuramos detectar possíveis aberrações cromossômicas. Pretendemos também visualizar, através de técnicas de fluorescência, células em apoptose e se há um aumento de expressão de RNA que indicaria se a célula acionou o mecanismo de reparo após terem sido irradiadas. Função celular normal Reparo DSB´s ou SSB’s Morte celular Sinal apoptótico Aberrações cromossômicas Falta de reparo Carcinogênese Mutação Figura 2. Esquema representando os caminhos a serem seguidos pela célula após terem sido irradiadas [8]. II- MATERIAIS E MÉTODOS Linhagem celular. Para desenvolvimento deste trabalho utilizamos um carcinoma de cérvix Humano, HeLa, presente no Laboratório de Cultivo celular da Fundação Ezequiel Dias (Fig. 3), adquirida pela ATCC#CCL2 (EUA). As células crescem em estufa a 37°C na ausência de CO2 e em meio de cultivo CMRL 1415, Index preparado em nosso laboratório, a partir dos componentes individuais, suplementado com 10% de Soro Fetal Bovino (Funed # 007) e 4% de glutamina. Irradiação celular. A fonte radioativa usada foi o 60 Co, emissora de raios gama, presente no Laboratório de Neutrons do CDTN (Gamacell 220). O 60Co é produzido em reatores nucleares por bombardeamento da forma estável 59Co com neutrons térmicos. As células foram semeadas em 4 frascos de T-25, corning, com 100000 cels/cm2 em cada frasco. Os frascos foram mantidos por 11’ 22’’ de tempo de exposição, equivalente a uma dose de 5Gy de radiação gama, no Gamacell 220. Análise dos cromossomos. À cultura celular irradiada e controle adicionou-se uma solução 0,01µg/ml de colcemid (Sigma# D-6279) por 2h, esta substância bloqueia o ciclo celular em metáfase, fase em que os cromossomos atingem o máximo de espirilização o que permite visuálizá-los melhor. Em seguida os frascos foram agitados manualmente, afim de desatachar as células em mitose que ficam fracamente presas ao fundo dos frascos. Aspirou-se o meio dos frascos guardando-os em um tubos de centrífuga de 50ml. A monocamada foi tripsinizada e o meio anteriormente guardado em tubo de centrífuga foi usado para ressuspender as células e também, para interromper a ação enzimática da tripsina. A suspensão celular foi centrifugada e então ressuspendida em 10ml de KCl 0,075M, e deixada assim por 10-12min. Após esse período, as células foram colocadas por 30 min a 4 oC, em 10 ml de solução fixadora de metanol e ácido acético (3:1). Em seguida as células foram centrifugadas e lavadas na solução fixadora por 3 vezes e ressuspendidas, no final, em 1mL de fixador [8]. Esta suspensão celular final, a uma determinada distância, foi gotejada sobre lâminas, previamente mergulhadas em metanol absoluto, para liberação dos cromossomos. As lâminas foram flambadas para secarem, em seguida coradas com Giemsa (1:3) (Merck Art#9204) e observadas em microscópio óptico como mostrado na Fig. 4. Fluorescência. Para verificar nas células a presença de apoptose e expressão de RNA, estas foram coradas com Acridine orange (AO, Sigma#A-6014) um corante dual, que detecta tanto DNA quanto RNA. Utilizou-se uma alíquota da suspensão celular, anteriormente tripsinizadas para análise dos cromossomos e irradiadas no Gammacell 220 e mais uma parte de células controle. Estas alíquotas, contendo 1x105 células, foram centrifugadas e ressuspendidas em 0,4ml de PBS 1X suplementado com 15% de soro fetal bovino. As células foram colocadas em solução permeabilizante com Triton X-100 em pH ácido e na presença de proteínas séricas por 5min. Após serem tratadas com a solução permeabilizante foi adicionada solução de AO por 2min, no escuro. A soluçaõ de uso do AO é preparada na razão 1:10 com a solução estoque de AO (1mg/mL) e tampão fosfato pH 6,0. Após coradas, cerca de 100µl da suspensão celular, foi colocada sobre lâminas de vidro e sobre elas um lâminula. As lâminas montadas foram analizadas em microscópio fluorescente (Nikon/ Labophot2), filtro azul DM510, excitação de 450-490 nm. Figura 3. Fotomicrografia da linhagem celular HeLa, carcinoma de cérvix humano, (aumento de 400x). γ Co 60 células HeLa em CMRL1415 Colcemid 0,01µg/mL KCl 0,75M e em seguida metanol/ac. Acético (1:3) Figura 4. Representação esquemática do processo de obtenção de cromossomos para análise. Index III. RESULTADOS As células submetidas à radiação gama no Gamacell 220 apresentaram diversos tipos de aberrações como: cromossomos dicêntricos, invertidos, deleções terminais e anelamentos Fig.5. Nas células controle, quando analizadas, não foi detectada a presença de aberrações, como as encontradas nas células irradiadas. Foram verificado somente dois tipos de aberrações comuns à todas as células controle: fragmentos acêntricos e um tipo característico de inversão com centrômero bem evidente. Fig.6. Na fig. 7 encontramos um cromossomo dicêntrico unido apenas por uma das cromátides. Fig. 7. Fotomicrografia de cromossomos em lâminas coradas com orceína. A seta indica romossomo dicêntrico (Di), união de apenas uma cromátide. (Aumento 400x). IV. DISCUSSÃO Di I Dt A Di Di Di Di Fig. 5. Fotomicrografia de cromossomos em lâminas coradas com Giemsa. Cromossomo invertido (i); cromossomo dicêntrico (Di); anéis cêntricos (A) e deleção terminal (Dt). (Aumento 400x). Ac I Fig. 6. Fotomicrografia de cromossomos em lâminas coradas com orceína. Fragmentos acêntricos (Ac) e cromossomo invertido (I) comumente encontrados nas células controle (Aumento 400x). Conhecer a biologia molecular de tumores tornou-se uma importante ferramenta para elucidar as causas que levam ao seu aparecimento ou, até mesmo, os mecanismos responsáveis por sua resistência ou sensibilidade à radioterapia [5]. Muitos testes são utilizados para avaliar a radiosensibilidade intrínsica de certos tumores, incluindo a detecção de aberrações cromossômicas e frequência de apoptoses [11]. Estimar a dose de radiação absorvida é requisito básico para o planejamento de uma terapia adequada. A radiação ionizante produz muitas aberrações cromossômicas, e a motivação primária para estudá-las tem sido a associação das mudanças estruturais cromossômicas com o câncer e suas aplicações em radiobiologia [12]: biodosimetria; carcinogenêse e radioterapia. Nesse trabalho, células submetidas à dose de 5Gy de radiação gama, no Gamacell 220, apresentaram aberrações cromossômicas, sendo a maioria do tipo dicêntrico, confirmando os dados da literatura que associam este tipo de aberração à efeitos biológicos provocados pela radiação. Em algumas lâminas foram detectadas deleções envolvendo apenas uma das cromátides dos cromossomos. Este tipo de aberração não pode ser relacionado com a irradiação, uma vez que, por ter ocorrido em apenas uma das cromátides, pode ter ocorrido após a síntese de DNA, devido a erro de replicação na fase S da intérfase, representado na Fig. 7. A HeLa é uma linhagem considerada radioresistente, sendo que um dos fatores que contribuem para tanto, é o seu caracter tetraplóide (4n). A dose em que foi verificado as aberrações não foi suficiente para promover um efeito letal sobre a mesma. No teste de fluorescência com AO, nas células irradiadas, verificou-se a presença de várias células em apoptose +3h após terem sido irradiadas e um aumento da expressão de RNA nas células . Estes estudos estão em progresso. Index O acridine orange foi utilizado devido ao seu carater dual, detectando tanto RNA quanto DNA, por este motivo, procuramos, então verificar se haveria um aumento na expressão de RNA, indicando que a célula estaria desencadeando o seu mecanismo de reparo. Confirmando a nossa expectativa as células submetidas a irradiação apresentaram o citoplasma com cor avermelhada, indicando a presença de RNA. V. AGRADECIMENTOS Este trabalho contou com apoio da Capes. Agradecemos também, a Diretoria do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da FUNED, que em parceria com o Departamento de Engenharia Nuclear, nos cedeu suas instalações para desenvolvimento desse estudo. VI. REFERÊNCIAS [1] Hillman G. G., Richard L. maughan., Forman J. D., Yudelev M., Rubio J., Lyer ª , TekyiMensah S., Abrams J., SarkarnF. H. Neutron on Photon irradiation for prostate tumors. Enhancement of cytokine therapy in a metastic tumor model, Clinical Cancer Research, vol. 7, p 136-144, 2001. [2] Saikumar P., Milhailov V., Denton M., Weinberg J. M., Venkatachalan M. A., Apoptosis: definition,mechanisms, and relevance to disease, Am. J. Med., vol. 19, p. 489-506, 1999. [3] Li L., Story M., Legerski R. J., Cellular responses to ionizing radiation damage, Int. J. Radiat. Oncol. Biol. Phys, vol. 49(4), p. 11571162, 2001. [4] Dikomey E. & Dahm-Daphi J. Correlation between cellular radiosensitivity and nonrepaired double-strand breaks studied in nine mammalian cell lines, Int. J. 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