1 A CARACTERIZAÇÃO DOS LICENCIANDOS EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS: O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE DIEGO CARLOS PEREIRA VÁLDINA GONÇALVES DA COSTA Resumo O Estágio Curricular Supervisionado (ECS) caracteriza-se como momento de grande importância na formação docente, uma vez que contribui para a constituição de sua identidade. O artigo apresenta as primeiras reflexões acerca da caracterização dos licenciandos que realizam o ECS em um curso de Licenciatura em Ciências Biológicas. O trabalho insere-se no âmbito do projeto “Investigando a transformação do licenciando em professor a partir do Estágio Curricular Supervisionado”, desenvolvido pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Cultura (GEPEDUC). Fundamenta-se em Freitas, Bastos e Pimenta para as discussões relativas ao ECS e em García e Dubar para o estudo da Identidade. A abordagem é do tipo qualitativa, com uso de questionários mistos, assim como propõe Ludke e André. Participaram 44 discentes; que cursavam, no segundo semestre de 2014, a disciplina ECS. Há predominância do sexo feminino (31) entre os respondentes e, do total, 33 não trabalham, ou seja, podem dedicar-se integralmente às atividades relativas à universidade. Entre os licenciandos que não trabalham, 19 participam de programas de bolsa; quanto aos que trabalham (10), apenas 2 participam desses programas. Os dados, que constituem e contextualizam a identidade dos futuros professores, demonstram que aspectos relativos à caracterização desses sujeitos apresentam características importantes e que se relacionam com seu processo formativo. Palavras-chave: Estágio Supervisionado; Ciências Biológicas; Formação de professores; Identidade 1. Introdução A formação de professores de ciências, segundo Freitas (2002), tem se preocupado com a constituição de um profissional que incorpore reflexões teóricas sobre sua prática em articulação com as mudanças tecnológicas e informacionais. Para a autora, essa realidade pressupõe novas reflexões sobre o perfil deste profissional a partir da permanente reconstrução de saberes, valores e atitudes. O Estágio Curricular Supervisionado (ECS) adquire importância neste processo tendo em vista a sua concepção curricular na formação de professores prevista pela própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996) e nas resoluções complementares do Mestrando em Educação pela Universidade Federal do Triãngulo Mineiro (UFTM). Doutora em Educação Matemática e docente do PPGE da Universidade Federal do Triãngulo Mineiro (UFTM). 2 Conselho Nacional de Educação (CNE) que fortalecem a concepção de que o ECS é prérequisito para a formação profissional de professores para atuarem nos sistemas de ensino público e privado. Com isso, as pesquisas e discussões a respeito dos ECS são aspectos fundamentais para a constituição de uma formação docente permanentemente em transformação acadêmica e prática. Tendo em vista essa preocupação com a formação dos professores de ciências, em especial na Biologia, este trabalho insere-se no âmbito do projeto “Investigando a transformação do licenciando em professor a partir do Estágio Curricular Supervisionado”, desenvolvido pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Cultura (GEPEDUC). Ressaltamos que este trabalho faz parte de um recorte inserido no projeto maior citado anteriormente, projeto este que também inclui outros cursos de licenciatura. Nesse sentido, este artigo tem como objetivo apresentar as primeiras reflexões acerca da caracterização dos licenciandos que realizam os Estágios Curriculares Supervisionados em um curso de Licenciatura em Ciências Biológicas na cidade de Uberaba-MG. Ressaltamos que este trabalho fundamenta-se apenas na etapa inicial de um estudo maior e que, portanto, configura-se como um recorte de uma pesquisa ainda em andamento. Os Estágios Curriculares Supervisionados que estão sendo pesquisados em cursos de Licenciatura (Ciências Biológicas, Física, Química e Matemática) foram elaborados, na instituição pesquisada, sob uma perspectiva conjunta. Destaca-se nos projetos pedagógicos desses cursos o eixo que norteou a criação dos mesmos: formar um professor educador comprometido com o desenvolvimento humano em todas as suas dimensões. Para tanto, foi pensado uma proposta de Estágio Curricular Supervisionado que buscasse integrar os quatro cursos, o que fomentou a criação do Núcleo de Estudos e Análises do Estágio, composto pelos professores de estágio. Esse núcleo promove reuniões sistemáticas para estudo, pesquisa, discussão, planejamento e avaliação dos estágios. Iniciados em 2011, os estágios na instituição pesquisada têm em sua proposta um trabalho a ser realizado em diferentes espaços educativos, propondo aos estagiários que reflitam e se envolvam com esses novos nichos a cargo dos educadores, por exemplo - museus, e também busquem romperem com a dicotomia entre “teoria” e “prática”, promovendo a integração entre tais dimensões. O lócus de atuação dos estagiários e futuros professores é cerca de 130 Escolas Públicas e Privadas de Ensino Fundamental e Médio, sendo que 34 delas são estaduais em Uberaba. Além dessas instituições, há cerca de metade deste contingente num raio de 50 km a partir desse centro urbano. Esse número expressivo de escolas de Educação Básica justificou e 3 justifica a necessidade de um acompanhamento e pesquisa da formação desses licenciandos, de maneira que se formem, com excelência, professores para atuarem na região do Triângulo Mineiro. Diante desta configuração e contextualização do campo de pesquisa e pressupondo um constante processo de reflexão acerca desses estágios, este trabalho, assim como o projeto maior ao qual este se insere, configura-se como espaço de discussão básica para a formação de professores em âmbito regional. Ressaltamos que não pretendemos estabelecer verdades absolutas ou estabelecer parâmetros fixos a respeito da formação de professores, mas sim, estabelecer diálogo e contribuir cientificamente para as discussões acerca da temática e buscar transformações, reelaborações e discussões para as propostas de Estágio Supervisionado, em especial no âmbito da Licenciatura em Ciências Biológicas. 2. Formação Inicial de professores e identidade No campo teórico, García (1991) estabelece uma gama de possibilidades teóricometodológicas de abordagens da formação de professores tanto tendo em vista os cursos de formação inicial e continuada como tendo em vista os pressupostos do docente enquanto a constituição de sua profissionalidade. O autor explana acerca das diversas teorias que são legitimadas cientificamente no âmbito da formação de professores e que estabelecem pressupostos para a sua estabilização enquanto campo de estudos. Entre eles estão as teorias formais – estruturação intelectual dos conteúdos -, formação categorial – dialética entre reflexão e prática -, formação dialógica – auto- realização e liberdade do sujeito -, da formação técnica – necessidades e exigências da sociedade real –. (GARCÍA, 1991). Acreditamos que essa amplitude de teorias em relação à formação de professores pressupõe o quão desenvolvido o campo de estudos está, partindo da definição do objeto de estudo e da concepção teórico-metodológica que legitimam essas teorias segundo padrões científicos. No entanto, a nosso ver, é importante reconhecer os limites de cada teoria e estabelecer o bom senso ao se posicionar em relação a elas considerando os múltiplos aspectos que envolvem o desenvolvimento profissional e a prática docente. Pimenta (2005) aponta que a formação inicial de professores na universidade não consegue dar respostas aos problemas do dia-a-dia profissional docente, pois os contextos da sala de aula ultrapassam a formação técnica e científica das áreas de conhecimento. Portanto, a 4 autora acredita que as práticas de ensino e os Estágios Supervisionados configuram-se como importantes espaços de experiência para a docência e que devem ser pensadas no que tange à sua aproximação com a realidade profissional e seus impactos na constituição da identidade dos futuros professores. Problematizando a questão dos Estágios Supervisionados enquanto proposta curricular para a formação de professores, Pimenta (2005) aponta que há a necessidade de se desenvolver um currículo formal e informal que relacione os conteúdos e as atividades de estágio com a realidade das escolas. A partir disso, a autora coloca que é preciso repensar os saberes da docência no que tange uma ressignificação das práticas docentes enquanto postura reflexiva do professor. Para tanto, a natureza do trabalho docente é ensinar contribuindo para o ‘processo de humanização dos alunos’, na formação dos professores e nos estágios espera-se que desenvolvam conhecimentos e habilidades possibilitando a construção contínua de seus saberes-fazeres docentes a partir da realidade vivida por eles, mobilizando os conhecimentos da teoria da educação e da didática, desenvolvendo a capacidade de investigar a própria prática para construir e transformar os seus saberes- fazeres docentes, construindo suas identidades como professores (PIMENTA, 2005). Para Pimenta (2005) a identidade profissional se constrói a partir da significação social da profissão, da revisão dos significados e das tradições, reafirmação de práticas valorizadas culturalmente do confronto entre as teorias e práticas, da investigação das práticas, construindo novas teorias. Constrói-se pelo significado que o professor atribui à atividade docente a partir de seu modo de vida, representações e contextualização social, e das relações com outros professores nas diferentes instituições. Dubar (2005) desenvolve os pressupostos sobre a questão da identidade a partir da “forma identitária”. As formas identitárias profissionais se constituem a partir das relações sociais e de trabalho que se configuram na realidade dos sujeitos. As pesquisas deste autor, realizadas por décadas, elucidam os processos de socialização pelos quais as identidades profissionais se constroem e se reconstroem ao longo da vida. Para Dubar (2005, p.136) a identidade é “[...] resultado a um só tempo estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, que, conjuntamente, constroem os indivíduos e definem as instituições”. Neste sentido, a constituição da identidade é um aspecto complexo que insere-se no campo da formação de professores sob diversos aspectos individuais coletivos que constroem estruturas organizacionais e perpassam a constituição do sujeito. 5 Para compreendermos a estruturação identitária é preciso retomar a articulação dos processos identitários que se desenvolvem nas múltiplas relações na vida e no cotidiano, que são heterogêneos, inseparáveis, complementares ou contraditórios. Nessa dinâmica consideramse os processos biográficos – identidade para si (o que o indivíduo diz de si mesmo, o que pensa ser, ou gostaria de ser), e os processos relacionais – identidade para outro (quem o outro diz que eu sou, a identidade que o outro me atribui). Na articulação desses processos ocorre a atribuição de papéis pelo outro, a interiorização que é a aceitação e vivência do papel e a incorporação, processo pelo qual esse papel passa a fazer parte da identidade socialprofissional do indivíduo (DUBAR, 2005). Neste sentido, a constituição identitária dos licenciandos que atuam nos estágios supervisionados de Ciências Biológicas perpassa diversos aspectos que estamos estudando em sentido amplo no estudo envolvido, no entanto, para este trabalho, daremos enfoque à caracterização desses licenciandos e, a partir de nossas interpretações, elencar alguns aspectos, do ponto de vista pessoal, da constituição da identidade dos estagiários. 3. Formação de professores em ciências De acordo com Schnetzler (2002), no início dos anos 2000, o que mais se encontrava na literatura sobre a formação de professores, em especial no âmbito das Ciências, eram temas que traziam indícios de que geralmente os professores não tiveram formação adequada para lidarem com o processo de ensino e aprendizagem de seus alunos, nos diferentes níveis de escolaridade. Situação que nos leva a pensar o quão complexa é a profissão docente e principalmente em relação às necessidades atuais, com todo o aparato tecnológico que temos. Com a intenção de superar essa formação, o autor aponta algumas necessidades formativas para que o professor busque atender às novas demandas. I) dominar os conteúdos científicos a serem ensinados em seus aspectos epistemológicos e históricos, explorando suas relações com o contexto social, econômico e político; II) questionar as visões simplistas do processo pedagógico de ensino das Ciências usualmente centradas no modelo transmissão-recepção e na concepção empiricistapositivista de Ciência; III) saber planejar, desenvolver e avaliar atividades de ensino que contemplem a construção-reconstrução de idéias dos estudantes; IV) conceber a prática pedagógica cotidiana como objeto de investigação, como ponto de partida e de chegada de reflexão e ações pautadas na articulação teoriaprática (SCHNETZLER, 2002, p. 215). Nesse mesmo sentido, ou seja, buscando trazer contribuições para a formação de professores de Ciências, Malucelli (2007) afirma: a) que essa formação deveria ser dirigida para a 6 construção de um corpo de conhecimento específicos, que busque a integração de forma coerente dos resultados das pesquisas com os problemas do ensino e da aprendizagem; b) que esta deveria, de forma “espontânea”, ser proposta como mudança didática do pensamento e comportamento docente; ser orientada de maneira a incorporação de propostas com vivências inovadoras e a reflexão didática explícita; c) que deveria, no âmbito da inovação da didática das Ciências, se estruturar de maneira a incorporar o professor no campo da pesquisa; d) que ela seja proposta em consonância com as práticas docentes, tendo está como eixo central da formação docente. Ambos autores têm como foco as necessidades formativas no conhecimento do professor, o que coaduna com as ideias de Cachapuz (2005) quando afirma que a mudança no Ensino de Ciências acontecerá somente a partir da mudança na epistemologia do professor. Mudança que Carvalho e Gil-Pérez (2003, p. 28) já afirmavam perpassar pelo questionamento do professor sobre suas visões de ciência para que as mesmas não sejam abordadas na escola de forma repetitiva, dogmática e acrítica, mas visem romper com a visão simplista de ciência vinculada ao senso comum. De acordo com os autores a formação de Ciências deve: Conhecer e questionar o pensamento docente de ‘senso comum’. [...] A título de exemplo, questionar a visão simplista do que é a Ciência e o trabalho científico. Questionar em especial a forma em que enfocam os problemas, os trabalhos práticos e a introdução de conceitos. Dessa forma, é de fundamental importância que o professor, nesse caso o de Ciências esteja atento às demandas contemporâneas, que se veja como um agente de transformação social e estimule os estudantes, levando em consideração as suas especificidades, a olharem para a realidade na qual estão inseridos e possam perceber o seu entorno e buscar soluções para o mesmo. Enfim, discutir sobre a formação de professores de Ciências numa sociedade em que ocorre a valorização do conhecimento científico e tecnológico, significa romper com de Ciência dogmática, acrítica e descontextualizada da realidade na qual o sujeito vive para que esse docente possa contribuir para a formação de sujeitos críticos, reflexivos e alfabetizados cientificamente. 4. Metodologia A abordagem deste estudo é de natureza qualitativa na qual Ludke e André (2008) afirmam que se pressupõe a perspectiva dos sujeitos sobre os processos sociais, econômicos, culturais 7 e educacionais em que os mesmos estão inseridos. Com isso, são elementos da pesquisa qualitativa os significados e experiências construídas pelos sujeitos no seu cotidiano, contextualizadas pelo processo a ser investigado. A abordagem qualitativa deste trabalho pressupõe a preocupação de se pesquisar a perspectiva dos licenciandos em Ciências Biológicas sobre o estágio supervisionado pois os mesmos estão inseridos no processo de formação e influenciados por ele e, portanto, conforme afirmam Ludke e André (2008), constroem suas experiências em meio ao processo estudado. Resta estabelecer também que a pesquisa qualitativa não exclui os dados quantitativos, pois a mesma estabelece com esses dados uma interpretação, que no nosso caso é qualitativa e procura contextualizar a questão da caracterização dos estagiários e seus elementos constituintes de identidade. Salientamos que este artigo é um recorte de um projeto amplo, que inclui outros cursos de licenciatura em uma Universidade pública da cidade de Uberaba-MG. Além disso, este estudo encontra-se em andamento e, portanto, nem todas as fases do mesmo ainda foram realizadas. Nesse sentido, este trabalho pauta-se sobre as primeiras reflexões do estudo, as quais se relacionam com a primeira etapa do projeto. Contudo, a primeira fase do estudo da qual debruçaremos nossas análises é constituída de questionários mistos, conforme propõe Fiorentini e Lorenzato (2006), buscamos realizar uma caracterização e descrição do objeto de estudo, explicitando questões inerentes aos dados referentes aos licenciandos. Ainda no que tange aos pressupostos apontados pelos autores, realizamos um questionário misto, que intercala questões de interesse quantitativo (fechadas) com questões abertas que ampliam o leque de dados qualitativos à pesquisa. 5. Discussões e interpretações dos dados Participaram do estudo respondendo ao questionário 44 discentes que cursavam, no segundo semestre de 2014, a disciplina Estágio Curricular Supervisionado em um curso de Ciências Biológicas em Uberaba-MG. Nesta instituição a disciplina é dividida em 4 etapas/disciplinas em que 9 discentes estavam no “Estágio I”, 9 no “Estágio II”, 19 licenciandos no “Estágio III” e 7 na última etapa, o “Estágio IV”. Há predominância do sexo feminino (31) entre os respondentes. Essa predominância feminina contextualiza uma questão de gênero à escolha pelo curso de Ciências Biológicas A nosso ver, há significados atribuídos socialmente, seja pela mídia ou mesmo pelas estruturas conjunturais de nossa sociedade, que constroem uma estrutura identitária 8 relacionada ao sexo feminino. Obviamente, o número de discentes do sexo masculino (13) é um dado representativo nos estágios que lhe atribuem diversidade. Mais da metade dos discentes nos estágios de Ciências Biológicas (26) não são naturais da cidade de Uberaba-MG onde realizam o curso de graduação sendo que há uma predominância de estudantes do interior de São Paulo e de cidades menores do Triângulo Mineiro. Percebemos que o perfil deste curso de licenciatura se afasta um pouco da proposta inicial de formar professores em âmbito regional, pois como vemos, muitos discentes são de outras regiões. Ao mesmo tempo, isso confere maior grau de reconhecimento, em termos geográficos, do curso e de sua proposta de formação de professores em Ciências Biológicas em diferentes regiões. Esta questão da naturalidade reflete ainda uma configuração identitária de licenciandos que ressignificam suas práticas em diferentes lugares. A nosso ver, seria uma função do estágio promover com os discentes reflexões sobre os diferentes lugares e realidades que eles encontram na sua cidade natal e na cidade em que realizam sua graduação e seus respectivos estágios: quais as relações são possíveis nesse processo formativo sob diferentes lugares? Os discentes que possuem mais idade (10) que estão no curso possuem entre 26 e 34 anos de idade, enquanto os que possuem entre 20 e 25 anos representam 34 discentes. Percebemos que, em termos de estruturas identitárias, os mais jovens representam a maioria dos discentes o que lhes configuram uma característica própria a esses futuros docentes relacionadas a uma geração. Dos estagiários pesquisados, os dados mostram que 18 deles realizaram seus estudos de Educação Básica totalmente em escolas públicas e outros 13 afirmaram ter estudado parte deste período em escolas públicas e outros 13 fizeram totalmente em escolas particulares. O perfil dos licenciandos em Ciências Biológicas demonstra predominância de formação em escolas particulares de educação básica sendo que 26 estudaram em algum momento de sua formação em escolas particulares. No entanto, tento em vista as representações construídas por esses discentes ao longo da educação básica, percebemos que existe uma diversidade nas prováveis concepções de ensino e docência que estes estagiários carregam significativamente na sua trajetória formativa. Essa trajetória também se constitui, em parte, como elemento de construção, reconstrução e ressignificação da identidade desses futuros professores. No que tange à moradia, a maioria dos discentes dos estágios em Ciências Biológicas se dividem entre os que moram com os pais (18) e os que moram com amigos (17), os demais (9) moram com outras pessoas. Essa conjuntura reflete principalmente no perfil do aluno que 9 cursa a licenciatura, pois, a vida social e particular desse sujeito bem como as suas relações cotidianas, familiares e afetivas configuram-se como aspectos das estruturas identitárias. Dos discentes pesquisados 27 nunca atuaram como docentes enquanto os outros 17 atuaram na docência seja em escolas (15) e os outros 2 como professores particulares. Neste sentido, para a maioria dos estudantes pesquisados, o estágio curricular configurava-se no momento da pesquisa como o espaço de prática docente e de imersão nas experiências profissionais docentes. Entre o total (44) de estudantes que responderam o questionário, 33 não trabalham, ou seja, acreditamos, por isso, que podem dedicar-se integralmente às atividades relativas à universidade à sua formação. Entre os licenciandos que não trabalham, 19 participam de programas de bolsa; quanto aos que trabalham (10), apenas 2 participam desses programas. Essa relação trabalhista e a relação institucional dos bolsistas configuram uma realidade de estrutura identitária complexa, pois, ao mesmo tempo que se pressupõe uma maior dedicação às atividades da graduação nos questionamos até que ponto essa preocupação relaciona-se com a docência. No entanto, percebemos que todos os estudantes que se declararam bolsistas fazem parte do PIBID (Programa Institucional de Iniciação à Docência) da instituição pesquisada. Todavia, quais são os impactos e relações dessas atividades do PIBID com os estágios curriculares? Acreditamos que o PIBID tem um formato e proposta diferenciada e que não se configura como estágio, no entanto, sabemos que estes mesmos discentes que estão nos estágios e nos PIBIDs ressignificam suas práticas em ambos espaços. 6. Considerações finais Neste trabalho, procuramos apresentar as primeiras reflexões acerca da caracterização dos licenciandos que realizam o Estágio Curricular Supervisionado em um curso de Licenciatura em Ciências Biológicas de Uberaba-MG. Inserido em um projeto amplo com vários cursos de licenciatura, este artigo busca discutir de maneira específica os primeiros resultados do estudo. Percebemos que a caracterização destes estagiários configura-se como uma conjuntura de elementos que pressupõem algumas reflexões e um “perfil” deste licenciando que está em processo de formação. Estas características, ao longo das análises, tornaram-se elementos iniciais sobre as estruturas identitárias que fazem parte da trajetória e da vida destes licenciandos e, consequentemente, possuem atribuições em seu processo formativo e em sua 10 constituição de identidade profissional, assim como apontamos nos referenciais de Dubar (2005) e Pimenta (2005). As problemáticas levantadas por este trabalho ao longo das análises nos instigam a novos e mais sistematizados estudos a respeito da transformação do licenciando em professor, bem como da identidade constituída neste processo. O estudo em sua amplitude, com as etapas em andamento e a serem realizadas, vislumbra discutir e ampliar essa questão, abrangendo todo o processo de formação desses sujeitos. Contudo, acreditamos que este esboço inicial da pesquisa nos instiga o aprofundamento destas questões em âmbito científico e acadêmico e suscita novas possibilidades de estudo. 7. Referências BRASIL, Ministério da Educação. Lei de diretrizes e bases da educação nacional – LDB. Lei 9394/96. Brasília, 1996. CACHAPUZ, A. et al. (Orgs.). A necessária renovação do ensino das ciências. São Paulo: Cortez, 2005. CARVALHO, A. P.; GIL-PEREZ, D. Formação de professores de ciências: tendências e inovações. 7. ed. São Paulo, Cortez, 2005. DUBAR, C. A socialização. Construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005. FREITAS, Denise. Formação de professores em Ciências: um desafio sem limites. Investigações em Ensino de Ciências, Porto Alegre, v. 7(3), p. 215-230, 2002. GARCÍA, Carlos Marcelo. Formação de professores para uma mudança educativa. Lisboa: Porto Editora, 1991. MALUCELLI, V. M. B. Formação dos professores de ciências e biologia: reflexões a uma prática de qualidade. Estudos de Biologia, Porto Alegre, v. 29(66), p. 113-116, jan/mar 2007. 11 PIMENTA, Selma Garrido. Formação de professores: saberes da docência e identidade do professor. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 22, n.2, p. 72-89, jul./dez. 1996. SCHNETZLER, R. P. Prática de ensino nas ciências naturais: desafios atuais e contribuições de pesquisa. In: ROSA, D. E. G.; SOUZA, V. C. de (Orgs.). Didática e práticas de ensino: interfaces com diferentes saberes e lugares formativos. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p. 205-222. 1 A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DOS DEFICIENTES AUDITIVOS RITA DE CASTRO ENGLER NADJA MARIA MOURÃO FLÁVIA NEVES DE OLIVEIRA Resumo Para atender a diversidade, é importante refletir sobre a necessidade da construção de espaços sociais inclusivos que levem em conta as características e necessidades de todos os cidadãos. A “Libras” é uma língua que possibilita a comunicação bilateral, com facilidade e rapidez para a interpretação da mente dos surdos, afirmou Long (1910). É a segunda língua oficial no Brasil e com a nova política de inclusão deveria ser incluída em todos as escolas. Na prática, existe grande dificuldade e falta de preparo por parte da sociedade e dos professores, para lidar com os surdos. A pesquisa procura investigar e propor soluções didáticas, para suprir as necessidades educacionais dos deficientes auditivos e expandir a língua de sinais. A metodologia utilizada foi de pesquisa-ação, que em contato com o universo dos surdos, proporcionou um panorama da necessidade de comunicação mais eficiente, e revelou a possibilidade dos ouvintes aprenderem Libras. Foi desenvolvido um jogo para incentivar o uso da “Libras” de forma lúdica. O jogo “Librário” é constituído de um baralho de pares de cartas, contendo os sinais de Libras e as palavras em português, possibilitando o aprendizado de sinais para ouvintes. Foram desenvolvidas oficinas do jogo, viabilizando a comunicação entre os participantes no ensino formal e não formal. A participação de todos, Surdos1 e ouvintes, favoreceu o aprendizado de forma divertida, como o estreitamento de laços entre a comunidade, onde todos estão incluídos. Palavras-chave: recursos didáticos, design inclusivo, deficiente auditivo, educação básica. 1. Introdução No mundo atual, há uma crescente preocupação em inserir o portador de deficiência no contexto social, no âmbito do Ensino e da Sociedade. De forma busca-se permitir a troca de informações, que levam ao aprendizado, e estabelecer um canal de comunicação para que o conteúdo possa ser adquirido. UEMG – Universidade Estadual de Minas Gerais/CEDTec – Centro de Estudos em Design & Tecnologia da Escola de Design, PhD em Gestão da Inovação, Capes/Fapemig. UEMG – Universidade Estadual de Minas Gerais/CEDTec – Centro de Estudos em Design & Tecnologia da Escola de Design, Mestre em Design, Capes/Fapemig. UEMG – Universidade Estadual de Minas Gerais/CEDTec – Centro de Estudos em Design & Tecnologia da Escola de Design, Graduanda em Artes Visuais- Licenciatura, Capes/Fapemig 1 Nesse trabalho, foi traduzida a forma Norte Americana de referência aos deficientes auditivos (Deaf), em respeito a um desejo desta comunidade de não ser denominada deficiente. 2 É inegável a dificuldade de interação com o meio, seja por falta de infraestrutura adequada às deficiências, seja por carência de uma via de comunicação ou até mesmo pela condição de inferioridade que, muitas vezes, é atribuída ao portador de deficiência pelas pessoas menos informadas. Assim, conforme Inácio (2009), a existência de um movimento inclusivo reflete o esforço por parte de várias esferas da sociedade, de minimizar a evidencia de um ambiente de exclusão ao se inserir um portador de deficiência em determinado contexto. Para atender a diversidade, faz-se necessária a formação de profissionais preparados para o exercício da inclusão, criando programas de treinamento de professores e atuando no processo de formação destes na fase acadêmica. “A diversidade, dentro desta perspectiva, passou a ser vista como algo fundamental, refletida na necessidade da construção de espaços sociais inclusivos que levassem em conta as características e necessidades de todos os cidadãos” (BARCELLOS, 2009, p.13). Existem falhas de informação à cerca das deficiências em todos os aspectos desde a física, visual e mental, a auditiva. Skliar (1998) relata que a deficiência auditiva tem em si um caráter mais visual. Esse “visual” está contido na importância de que é preciso ver a surdez. De certa forma, seria necessário em primeiro lugar conhecer que a linguagem utilizada pelo surdo no caso a “Libras”. É a linguagem adequada que dá significado de "ser surdo" do sujeito que utiliza forma diferente de se comunicar. E quando se agrupam, surge um contexto social definido, tendo por sua principal característica a linguagem. Para os indivíduos Surdos, a língua oficial brasileira é a “Libras”, a segunda língua em território nacional é o português. O uso de recursos pedagógicos específicos para o incentivo a aprendizagem da Libras nos ouvintes é fundamental para que ocorra a integração entre os alunos, através da comunicação eles trocam experiências e aprendizagens. Por meio da alfabetização visual e pela leitura de imagens podemos estimular esse modo de linguagem, que prioriza a visão como receptor de mensagens e não apenas o sentido da audição. As imagens têm sido meio de expressão e comunicação humana desde a pré-história e como canal de comunicação obteve perspectivas grandiosas. A atual organização da atividade humana em sociedade é direcionada por mensagens visuais que a todo o momento informam, localizam, expressam e no caso da Libras, falam. As mensagens visuais são emitidas em todo o mundo e não precisam ser traduzidas, compartilhamos naturalmente com os que veem essa linguagem. No ambiente de ensino, a organização didática desse espaço de ensino implica o uso de muitas imagens visuais e de 3 todo tipo de referências que possam colaborar para o aprendizado dos conteúdos curriculares em estudo. A escola é uma das instituições principais que deve assegurar os processos de sociabilidade entre os alunos, preparando o sujeito sociocultural para se integrar e interagir com o mundo de forma consciente e independente. O desafio dos professores é lecionar em uma sala inclusiva superando as dificuldades perante a língua heterogênea dos alunos e exercitar suas funções com estudantes que são integrados na mesma classe, mas não falam a mesma língua. Em parceria com o projeto Libras na escola e na vida2 são desenvolvidos os objetivos de promover a aprendizagem da Libras entre ouvintes e comunidade surda, o incentivo da profissão de tradutor e intérprete de Libras na sociedade e também a promoção da formação continuada destes profissionais. 2. Regulamentação da Educação Inclusiva Oficialmente, a Libras foi decretada como a Língua de Sinais Brasileira, através da Lei Federal nº 10.436, de 24 de abril de 2002, instituindo a forma de comunicação e expressão formal em todo o território brasileiro, entre surdos e ouvintes. Para a inclusão dos deficientes auditivos, a língua oficial brasileira é a Libras, a segunda língua em território nacional é o português. Para a comunicação em Libras deve-se atentar aos seus cinco parâmetros: configuração de mãos, movimento, orientação das mãos, ponto de articulação e expressão facial/corporal. “Estes cinco parâmetros podem ser comparados a ‘fragmentos’ de um sinal porque, no nível morfológico, eles podem ter significados, sendo, portanto, morfemas” (FELIPE, 2007, p. 148). “A lógica da inclusão conforme a Lei da Declaração de Salamanca constitui a essência do ideal democrático fundado na lógica da igualdade consensual” (MONTEIRO, 2006, p. 299). Ainda, segundo a Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994), a inclusão deve ocorrer independentemente da condição física, social e linguística do indivíduo; devendo contemplar pessoas de diferentes capacidades cognitivas, origens, etnias, crenças ou classes sociais. Para tanto, torna-se necessário equipar e capacitar as instituições educacionais, de forma a atender a todos os estudantes sem distinção. Desta forma, os surdos passam a ter o direito de serem assistidos por um intérprete em Libras, conforme representado em uma classe de aula, em disciplina da área de exatas, no ensino formal, conforme figura 1. 2 Projeto que visa a inclusão dos Surdos desenvolvido na Escola Municipal Julia paraíso em Belo Horizonte. 4 Em setembro de 2012, a mídia divulgou amplamente o fechamento das escolas especiais públicas, no intuito de promover a inclusão dos deficientes na sociedade. Esta divulgação provocou uma reação da população que através das redes sociais lançaram diversos manifestos em repúdio a esta iniciativa. É ainda questionável a qualidade desta inclusão, já que, o processo é extremamente recente e as escolas públicas já sofrem com problemas estruturais físicos, para o atendimento dos demais alunos, o que dirá da integração de seus novos discentes com deficiências? A Lei da Libras (lei n° 10.436 de 24 de abril de 2002) foi regulamentada pelo decreto n° 5626 de 22 de dezembro de 2005, que esclarece: “Para a educação destes, Libras se tornou disciplina obrigatória nos cursos de licenciatura e pedagogia no intuito de proporcionar ao aluno acadêmico o contato com a língua de sinais, entender os seus parâmetros, legislações e importância”. “É direito deles a tradução e interpretação de libras e língua portuguesa, é dever do governo e educadores desenvolver e adotar mecanismos alternativos para avaliação de conhecimentos expressos em libras”, conforme o regulamento nº 5626 de 22 de dezembro de 2005. Figura 1 - Professor intérprete em Libras no ensino formal Fonte: Blog cancaonova.com. Disponível em: <http://blog.cancaonova.com/maosqueevangelizam/tag/utilidadepublica/>. Acesso em: 05 abr. 2014. As questões preocupantes vão além dos equipamentos e pessoal capacitado, as metodologias ainda são experimentais no ensino no Brasil. O decreto n° 5626 de 22 de dezembro de 2005, que a regulamenta a Lei das Libras, esclarece que: “é dever do governo disponibilizar equipamentos, acesso às novas tecnologias de informação e comunicação, bem como recursos didáticos para apoiar a educação de alunos surdos”. Que recursos são estes? O que fazer em relação à diversidade cultural? Os métodos serão eficientes para todos, considerando a extensão de tradições, hábitos e cultura? Estas são algumas questões que devem ser analisadas. 5 3. Inclusão dos deficientes auditivos nas escolas de Belo Horizonte Em Belo Horizonte, desde 1994, há uma Lei Municipal de nº 6.701/94, que garante vagas escolares para os alunos com deficiências nas escolas regulares e especiais do município. Os alunos com deficiências serão atendidos na rede pública municipal ou em escola particular conveniada, conforme previsto no art. 18 das Disposições Transitórias da Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte. Outra Lei Municipal de Belo Horizonte, a Lei Municipal nº 6.590/94, que dispõe sobre a implantação de ensino especial nas escolas públicas municipais e determina que o município deve adotar sistema especial de ensino nas escolas da rede pública municipal, visando a plena integração e o atendimento adequado a deficientes físicos e mentais e a superdotados. De acordo com cartilha da inclusão, da Secretaria de Desenvolvimento Social e Esportes – SEDESE, do Governo do Estado de Minas Gerais (2006), o sistema especial de ensino abrangerá o pré-escolar e todo o primeiro grau, com reciclagem de seus professores e servidores e deverá adotar uma infraestrutura física e de equipamentos adequados à satisfação das exigências dessa lei. A Lei Estadual nº 10.379, de 10 de janeiro de 1991, no seu art. 3º, determina que “fica incluída no currículo da rede pública estadual de ensino, estendendo-se aos cursos de magistério, formação superior nas áreas das ciências humanas médicas e educacionais, e às instituições que atendem ao aluno com deficiência auditiva, a Língua Brasileira de Sinais”. Em Belo Horizonte, há a Lei nº 8.122/00, que acrescenta parágrafo ao art. 30 da Lei nº 8.007/00, que determina que o poder executivo deve garantir que a linguagem brasileira de sinais - Libras - seja reconhecida como língua oficial no município como forma de eliminação de barreiras na comunicação. O executivo também estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessível mensagem oficial à pessoa com deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação, para garantir-lhe o direito de acesso à informação. Deve-se entender que a Libras se caracteriza como “[...] uma língua visual-espacial articulada através das mãos, das expressões faciais e do corpo. É uma língua natural usada pela comunidade surda brasileira” (QUADROS, 2004, p.19). Este leque de possibilidades poderia contribuir para a comunicação dos alunos deficientes auditivos durante as aulas. Porém, este aluno possui restrições perante a formalidade recorrente ao método de aprendizagem no ensino das escolas padrões. A falta da troca de ideias com outros colegas de sala, a participação em debates e o ato de copiar o conteúdo em sala de aula, por exemplo, é uma dificuldade para este estudante. O 6 deficiente auditivo, diferentemente do aluno que escuta, não pode desconcentrar sua atenção do intérprete para fazer anotações e comentários. Conforme Quadros (2004), o aluno que escuta já pode parar de olhar para o professor e copiar o conteúdo e as observações. O aluno com deficiência auditiva, por sua vez, se parar o contato visual para com o seu interprete perderá obviamente aquilo que está sendo expresso. Já que a comunicação depende essencialmente da visão como receptor. Dessa forma, busca-se desenvolver uma solução que amenize essas situações e permita ao aluno deficiente um melhor aproveitamento em sala de aula e estimule os ouvintes à aprendizagem da Libras, facilitando assim a troca de experiências entre a comunidade surda e a ouvinte. 4. A importância de recursos pedagógicos específicos para aprendizagem da Libras A língua de sinais é uma língua extremamente dinâmica e expressiva, possibilitando a comunicação uns com os outros, com facilidade e rapidez para a interpretação da mente dos surdos, afirma Long (1910). Para o autor, as imagens reveladas em gestos proporcionam um efeito de realização aos surdos, pois nem a natureza ou a arte lhes concedeu um substituto à altura. Para aqueles que não a entendem, é impossível perceber suas possibilidades para os surdos, sua poderosa influência sobre moral e a felicidade social dos que são privados da audição e seu admirável poder de levar o pensamento a intelectos que de outro modo estariam em perpétua escuridão, Tão pouco são capazes de avaliar o poder que ela tem sobre os surdos. Enquanto houver duas pessoas surdas sobre a face da terra e elas se encontrarem, serão usados sinais3 (LONG, 1910, apud SACKS, 1998, p. 5). Segundo Botelho (2009), não ter uma língua compartilhada define uma situação de desigualdade cognitiva e interativa imensa. O surdo compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, não compartilha da mesma língua dos ouvintes, isso se torna um desafio para educação, conduzir positivamente essa diferença reconhecendo que a linguagem é um fator fundamental ao desenvolvimento cognitivo do sujeito sociocultural. A Libras é a língua brasileira de sinais e sua sigla foi criada em 1994, pela própria comunidade surda. A aprendizagem da Libras, por muito tempo, não foi valorizada pela sociedade. Somente em 2002, foi decretada como forma oficial de comunicação dos surdos. Como relatado acima, em 2005, foi inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores e estipuladas às obrigações de seus intérpretes em sala de aula, em 3 J. Schuyler Long - Diretor da Iowa School for the Deaf. In: The Sign Language (1910). 7 2010. Observa-se que nos últimos anos, houve relevantes conquistas dos deficientes auditivos no âmbito educacional. O uso de recursos pedagógicos específicos para o incentivo da aprendizagem da Libras nos ouvintes é fundamental para que ocorra a integração. Por meio da alfabetização visual podemos estimular esse modo de linguagem, já que as imagens têm sido o meio de expressão e comunicação humana desde a pré-história. Como canal de comunicação obteve perspectivas grandiosas, tanto que permeia a vida cotidiana com mensagens visuais que direcionam a organização da atividade humana em sociedade. Duarte Junior (1991) elucida que os signos e a leitura de imagens nos acompanham desde as cavernas, que também definiu a linguagem como código simbólico. Isto quer dizer que as palavras (símbolos) são utilizadas para transmitir um determinado significado. Ou seja, toda comunicação carrega em si expressões, símbolos e significações. E dentro desse panorama social e simbólico, as diretrizes educacionais estão muito presas aos padrões culturais dos ouvintes. A escola é uma das principais instituições que devem assegurar os processos de sociabilidade entre os alunos, preparando o sujeito sociocultural para se integrar e interagir com o mundo de forma consciente e independente. O desafio dos professores é lecionar em uma sala inclusiva superando as dificuldades perante a língua heterogênea dos alunos e exercitarem suas funções com alunos que são integrados na mesma classe mas não falam a mesma língua. O deficiente auditivo tem sua própria cultura, sendo assim, subcultura da cultura brasileira, ou seja, um grupo minoritário de pessoas, com sua língua própria, uma subdivisão dentro de uma cultura dominante da sua comunidade, no território brasileiro. E é na educação inclusiva que podemos fazer a manutenção dessas diferenças. 5. Desenvolvimento do jogo "Líbrário: o jogo da linguagem visual" Na busca da compreensão do universo dos Surdos*, reflete-se sobre o contexto simbólico das palavras de Manoel de Barros, ao se referir à importância da imagem na arte: “Imagens são palavras que nos faltaram" (BARROS, 1998). Piaget (1994) ressalta a importância pedagógica dos jogos ao demonstrar a estreita relação entre o jogo e os mecanismos envolvidos na construção da inteligência. De acordo com Duarte Júnior (2004), o homem iniciou sua existência ludicamente, utilizando os recursos que se encontravam em torno de si, numa ordem que dava sentido à sua ação, o que significou a criação da cultura. O jogo trabalha de maneira lúdica com regras e nos faz 8 constatar que a lógica do brinquedo, como ferramenta pedagógica, está nas origens das construções humanas e “é uma ação que não produz nada, em termos materiais, que não tem um fim exterior a si próprio: suas finalidades residem nele mesmo” (DUARTE JUNIOR, 2004, p.51). Sob a ótica dos autores citados, selecionaram-se algumas palavras de maior usabilidade no ensino brasileiro, para experimentação em representação fotográfica do gesto. Assim, para cada carta com um desenho figurativo de um objeto, produzimos outra carta com a imagem fotográfica do sinal, na língua da Libras. No desenvolvimento do jogo de Libras - Librário, figura 2, enfatiza-se a linguagem como instrumento básico para a significação, dos objetos em palavras. Figura 2 - Registro do processo de criação do Librário Fonte: Acervo da pesquisa (2013). O jogo educativo “Librário” foi inspirado no jogo do grupo NAD (National Asoociation of the deaf) estruturado em ASL (American Sign Linguage), linguagem original em inglês. A pesquisadora Drª Rita Engler, professora convidada da Ryerson University /Canadá, conheceu a aplicação do jogo e verificou a possibilidade de adaptá-lo à pesquisa no Brasil e à Libras. A mesma relata que este jogo é aplicado para estimular a comunicação de forma lúdica, entre surdos e não surdos, por interpretação de imagens, na sociedade canadense. Nas escolas infantis no Canadá as crianças aprendem um vocabulário básico em ASL, o que auxilia na inclusão das crianças surdas e na sua mais rápida aceitação pelo grupo. Duarte Júnior (2004) relata que linguagem e a criação da cultura e afirma que no jogo é estruturada a ordem e equilíbrio, através da atuação do corpo. Esclarece que suas regras, ao serem criadas e seguidas, permitem que o homem se envolva numa ação prazerosa por si própria. 9 O Librário possui dois baralhos, um com o campo semântico generalizado e o outro com o campo semântico da linguagem visual. Propõe-se a aplicação do jogo “Librário” como recurso didático-pedagógico no ensino inclusivo, incentivando a aprendizagem da Libras por pessoas “ouvintes” e valorizando o estudo das imagens e dos elementos como estímulo para a alfabetização visual, fomentando também debates e trocas de opiniões sobre comunicação visual e leitura de imagens. Na figura 3, apresenta-se as embalagens coloridas e a forma criativa das cartas do Jogo Librário. Figura 3 - Embalagem do Librário Fonte: Acervo da pesquisa (2014). O estudo das imagens referentes às palavras utilizadas no baralho de campo semântico generalizado evidencia e propõe o reconhecimento da relação entre imagens figurativas e substantivos concretos. Diferentemente da palavra subjetiva que não possui uma imagem que a ilustre, para ela existem as imagens abstratas. Com o baralho do campo semântico da arte busca-se promover a inclusão do Surdo em diálogo por imagens e sinais trabalhando com os elementos básicos da comunicação visual como: ponto, linha, forma, cor, textura, dimensão, movimento, além dos meios da arte visual como: pintura, desenho, gravura, escultura e instalação. Foram elaborados estudos sobre os elementos da linguagem visual e seus respectivos sinais em Libras, esses elementos combinados em si criam imagens. A criação de uma imagem para comunicar uma ideia pressupõe o uso de uma linguagem visual. Acredita-se que, assim como as pessoas podem "verbalizar" o seu pensamento, elas podem "visualizar" o mesmo. Contexto inerente à Língua brasileira de sinais - Libras, que é uma língua visual - motora, ou seja, que é percebida com o sentido da visão. Dentro deste contexto artístico em junção com a Libras, promove-se a aproximação com a comunidade surda e a participação da inclusão de pessoas surdas brasileiras, mas que não 10 falam o português. Dentro de um universo simbólico, todos somos "fluentes" da linguagem e comunicação visual. Na perspectiva de contribuir com a comunicação e o ensino das escolas, a aplicação do jogo Librário foi desenvolvida em etapas descritas na sequencia: Encontro com os professores e orientadores das escolas selecionadas, para esclarecimento sobre a aplicação do jogo Librário e sua importância na comunicação e como recurso didático; Encontros previamente estruturados com alunos e professores, encontros por grupo nas escolas definidas, utilizando de uma aula/hora em disciplinas definidas pela instituição, para cada encontro; Apresentação de uma síntese em vídeo sobre o contexto da pesquisa para alunos e professores; Apresentação das possibilidades de utilização do Librário em jogos e divisão dos grupos de alunos para participação de todos; Aplicação dos jogos Saci, Pescaria e Memória, através do Librário do campo semântico generalizado sequencialmente, conforme o número de alunos e dinâmica da turma; Avaliação do aprendizado das palavras na linguagem da Libras pelos alunos participantes, em debates pós-atividades, registrados em gravações sonoras, para uso exclusivo da pesquisa; Finalmente, elaboração de relatórios parciais para os parceiros e artigos científicos para compartilhar e divulgar os resultados parciais da pesquisa. É importante mencionar que, todas as vezes que as cartas dos jogos (“Saci” e “Memória”) formarem um par, o jogador deverá sinalizar em Libras o par formado. No caso do jogo “Pescaria”, os jogadores devem se comunicar em Libras para pedir as cartas e responderem uns aos outros. Assim, com a repetição dos sinais durante os jogos a aprendizagem da Libras é feita de forma natural e mais efetiva. Exemplo: para expressar a palavra professor, considera-se que os participantes do jogo saibam o significado da função de um professor. Assim, a carta da palavra “professor - em desenho” faz o par com a carta do “professor – fotografia do sinal em Libras”, conforme sequencia de imagens, representando o “professor” na figura 4. Para que não ocorram dúvidas, a carta “professor – em desenho” também possui uma marca d’água do gesto em Libras. 11 Figura 4 - Imagem do professor (função), carta da palavra “professor - em desenho” que faz o par com a carta do “professor – fotografia do gesto em Libras” Fonte: Acervo da Pesquisa (2014). 6. Aplicação do Librário na Educação Básica A oficina poderá ser desenvolvida no espaço de uma sala de aula comum, seminários e aulas informais. É importante enfatizar que deve ser feito o sinal durante o desenvolvimento do jogo, para a memorização dos sinais em Libras contextualizados com palavras do português. 6.1. Para alunos de Artes Visuais - Licenciatura do 8º período, da Universidade Estadual de Minas Gerais: De acordo com a lei de 2005, n° 5626 decreta que “a Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. O jogo foi aplicado durante a aula da Disciplina de Libras e os alunos apoiaram a iniciativa. A ideia do jogo é dar suporte também para futuros professores em turmas e escolas inclusivas. 6.2. Para alunos para alunos do 5º ano - 2º Ciclo - Ensino Fundamental, da Escola Municipal Júlia Paraíso - Regional Pampulha em Belo Horizonte/MG: Neste ambiente, registrou-se a presença de uma aluna (12 anos) que é surda profunda. A discente utiliza de uma intérprete de Libras que a acompanha em todas as aulas. Observou-se o bom relacionamento dos demais alunos com a jovem e vice-versa. Os alunos se 12 interessaram pela execução da atividade, sendo que, alguns já conheciam a linguagem de Libras, influenciados pela presença da aluna surda na sala de aula. Na avaliação, a estudante surda comentou que o jogo foi muito divertido e que se sentiu feliz com a valorização língua. 6.3. Projeto Libras na Escola e na Vida Ao estabelecer parceria com esse projeto, procuramos a integração dos objetivos entre as partes. O objetivo do projeto Libras na escola e na vida é difundir a importância da Libras, do tradutor e do intérprete de Libras na sociedade, promovendo a formação continuada destes profissionais e da comunidade surda. O Projeto promove oficinas de Libras gratuitas para a comunidade escolar, grupos de estudos para quem deseja treinar a Libras, para passar por bancas e concursos para TILS 4 e realiza também o LIBRAS PAM - Seminário de Libras da Região da Pampulha. Acontece também encontros mensais de profissionais da Libras, comunidade surda e ouvintes onde são ministradas palestras com temas que abrangem geralmente a educação e a inclusão. O primeiro seminário foi em 2013 e os encontros acontecem na Escola Municipal Júlia Paraíso, localizada na Rua Tiês, S/N - Esquina de Rua Leonil Prata, no bairro Alípio de Melo - BH. Todos os encontros mensais são realizados no sábado, de 14 às 18h. Uma das oficinas gratuitas que foi ofertada pela pesquisadora Flávia Neves foi a aplicação do Librário na aula de Libras, que é realizada aos sábados à tarde e terças à noite, essas aulas são ministradas por um professor surdo, comprovando assim a inserção ativa do deficiente auditivo no mercado de trabalho. Nessas aulas, são estudados conteúdos básicos para o aprendizado da Libras. São tratados inclusive os conteúdos relacionados ao: dinheiro, moeda, cartão de crédito, banco, etc. Neste ambiente, o resultado da aplicação do Jogo do Librário foi considerado um sucesso, pois ocorreram contribuições na participação de todos os participantes. Na figura 5, entre as atividades do ano de 2014, registra-se a participação da equipe da pesquisa, dos interpretes, professores e alunos, na Oficina do “Projeto Libras na Escola e na Vida”. 4 TILS – Tradutor Interprete da Libras 13 Figura 5 - Oficina do projeto “Libras na Escola e na Vida” Fonte: Acervo da pesquisa (2014). 7. Análise das atividades da pesquisa e com o Librário Os resultados obtidos com as atividades de jogos do Librário foram analisados a partir avaliação dos participantes. Todos consideram, em debate informal, que o jogo Librário é um recurso pedagógico divertido. Alguns participantes relataram o sentimento de surpresa com os resultados dos diálogos. A linguagem gestual visual, os textos orais, os textos escritos e as interações sociais que caracterizam a comunicação total parecem não possibilitar um desenvolvimento satisfatório e com as atividades de integração lúdica os estudantes surdos se sentem confortáveis, tanto quanto os ouvintes. Ressalta-se, a importância da participação de surdos e ouvintes nas atividades educacionais, possibilitadas pelo desenvolvimento e uso Librário, através desse projeto da instituição acadêmica. Observou-se que tanto a pesquisa participativa quanto aplicação do Jogo Librário foram capazes de reunir estes sujeitos, aceitando-os e estimulando-os a serem participativos dentro de suas próprias possibilidades. Os alunos com deficiências, incluindo a surdez, são atendidos na rede pública municipal ou em escola particular conveniada, que executam as leis e decretos federais, estaduais e municipais, citados nesse artigo. Existe nas instituições de ensino o interesse em propiciar a inclusão social estabelecida pelas políticas públicas. Todavia, as estruturas e equipamentos implantados até o momento nas escolas e nos espaços públicos, não atendem adequadamente à inclusão. As atividades pedagógicas dos jogos demonstram a estreita relação entre o jogo e os mecanismos envolvidos na construção da inteligência. Acredita-se que para a formação social, deve ser envolvido o divertimento. 14 Observou-se que o processo de aprendizagem do surdo é lento, mas gradual, sua aprendizagem tem um tempo e uma modalidade. Cabe em a “escola” oferecer um emaranhado de situações do dia a dia que possam sistematizar todo o processo de ensino-aprendizagem, por outro lado não se deseja afirmar, que seja somente na escola, como o único lugar onde devem ocorrer estas mudanças, mas também e principalmente dentro do seio familiar, nas associações e grupos de sociais formados pelos sujeitos surdos. Verificou-se que é necessário fazer adaptações no material didático oferecido ao aluno surdo. A inclusão de figuras autoilustrativas e vídeos podem contribuir para melhor compreensão dos conteúdos. Assim, o Librário, constituído para reconhecimento de imagens e gestos, poderá contribuir com o sistema educacional. Vale lembrar que a primeira língua do Surdo é a língua de sinais, sendo a língua portuguesa sua segunda língua. Isso destaca que a comunicação visual, através de fotos e gravuras, é um fator essencial no processo cognitivo do aluno surdo. 8. Conclusão: A inclusão depende de todos Conclui-se que os mecanismos educacionais para o deficiente auditivo, como componente do processo inclusivo, é um fator essencial para que a sociedade como um todo, possa perceber que o Surdo* possui capacidade plena de desenvolver habilidades e resultados, em todas as áreas de conhecimento. É necessário que o Surdo* receba o tratamento adequado à sua diversidade, desde a infância, em casa e na escola. Para tanto, a linguagem da LIBRAS, deve ser aplicada em todas as atividades do indivíduo, e com a participação dos familiares e colegas de escola, o que permite transmitir os conteúdos para a formação do conhecimento do indivíduo. No entanto, o processo de preparação de docentes nesta direção ainda é lento. É preciso que autoridades e educadores acreditem no potencial e no desenvolvimento cognitivo, emocional e social das pessoas surdas no Brasil. Sugere-se que as instituições competentes ofereçam mecanismos de interação com a linguagem da Libras com o português, como um instrumento de inclusão, que proporcione a todos os indivíduos a serem compreendidos, pelos seus sonhos e expectativas, buscando apoio em todos os setores sociais e especializados, conscientes sobre os ideais de uma educação inclusiva. A inclusão é um processo de se auto analisar, de procurar no outro o que ele tem a nos oferecer, a forma como vê a vida, as coisas e as pessoas. O uso do termo inclusão tem sido 15 muitas vezes, compreendido de forma equivocada, colocado sob o prisma social em apenas incluir, colocar junto com outros e ponto. Mas, o outro é parte deste processo e também precisa sentir-se incluído. Com esta visão, o jogo Librário foi desenvolvido e aplicado, divertidamente com a participação de todos, surdos ou não. O Librário surgiu de uma questão de um Surdo*: Porque todos não podem aprender a linguagem de sinais? Utilizando então de uma lógica reversa percebemos o quão mais fácil é para os ouvintes aprenderem Libras do que um surdo ser oralizado. Os ouvintes não possuem nenhuma barreira física, intelectual ou emocional que os impeça de aprender a linguagem de sinais, portanto a pergunta do Surdo* fazia todo o sentido. O Librário foi desenvolvido buscando dar essa oportunidade aos ouvintes, proporcionar de maneira lúdica o acesso a alguns sinais de forma a facilitar a comunicação com os Surdos. No espaço inclusivo, todos os diferentes que buscam objetivos comuns, são fadados ao mesmo fracasso ou sucesso. Estão sob as consequências dos fatos na mesma orbita, sob o espectro de realizações compartilhadas e correções em ações participativas. A inclusão de tudo e de todos é premissa para a sociedade agora e nos anos vindouros. Finalmente, registrase a necessidade de valorização do setor educacional e em especial, o profissional e a escola como formadores de uma sociedade igualitária e soberana. 9. 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AGRADECIMENTOS CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior FAPEMIG - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais CEDTec - Centro de Estudos em Design & Tecnologia da Escola de Design/UEMG 1 A FILOSOFIA COM CRIANÇAS COMO PRÁTICA PEDAGÓGICA EMPREENDEDORA Resumo O presente trabalho, realizado através de revisão bibliográfica, visa discorrer acerca da possível relação entre o ensino de filosofia para crianças e a pedagogia empreendedora, assim como demonstrar que o ensino de filosofia para crianças pode ser considerado uma prática educativa, em determinados aspectos, empreendedora. Destarte, apresenta os eixos mais importantes da pedagogia empreendedora proposta por Dolabela, define pedagogia empreendedora à luz deste autor e da recepção crítica de sua obra, expõe os elementos centrais da proposta de ensino de filosofia para crianças na perspectiva de Lipman e Kohan. Porquanto, a filosofia para crianças visa à construção de um pensar crítico, criativo, sensível ao contexto e, portanto, capaz de motivar o desenvolvimento de um comportamento inovador. Palavras-Chave: Educação Empreendedora, Filosofia para Crianças, Dolabela, Lipman, Kohan. Abstract This work, carried out through literature review aims to argue about the possible relationship between the teaching of philosophy for children and entrepreneurial pedagogy, as well as demonstrate that the teaching of philosophy for children can be considered an educational practice, in certain aspects, entrepreneurial . Thus, presents the most important axes of entrepreneurial pedagogy proposed by Dolabella, defines entrepreneurial pedagogy in the light of this author and the critical reception of his work, exposes the central elements of the philosophy of teaching proposal for children from the perspective of Lipman and Kohan. Because, philosophy for children aims to build a critical thinking, creative, context-sensitive and therefore able to motivate the development of innovative behavior. Keywords: Entrepreneurial Education, Philosophy for Children, Dolabella, Lipman, Kohan. 1. Introdução O presente trabalho tem como monte refletir sobre a possível relação entre o ensino de filosofia para crianças e a pedagogia empreendedora, assim como demonstrar que ensino de filosofia para crianças pode ser considerado uma prática educativa, em aspectos específicos, empreendedora. A proposta de ensino de filosofia para crianças discutida neste trabalho tem como aporte capitular a análise proposta do filósofo educador americano Matthew Lipman. E o que denominamos pedagogia empreendedora, nessa abordagem, refere-se especificamente ao pensamento de Fernando Dolabela e a recepção crítica de sua obra. 2 Porquanto, reconhecendo o inestimável valor da produção intelectual empreendida por Dolabela e Lipman, evidenciando, entretanto, que as respectivas temáticas aqui debatidas merecem novas pesquisas e debates, optou-se metodologicamente pela revisão bibliográfica. Destarte, na primeira parte, apresentaremos os eixos mais importantes da pedagogia empreendedora proposta por Dolabela (2003) e definiremos pedagogia empreendedora à luz deste autor e interlocutores pesquisadores da supracitada temática. Em seguida, exporemos alguns elementos da compreensão da proposta de ensino de filosofia para crianças na perspectiva de Lipman (1990) e (1994) e da recepção crítica de sua obra, suas vantagens e pontos de encontro em relação à pedagogia empreendedora. Apontaremos, nesse sentido, presumíveis aproximações entre uma proposta e outra: elementos conceituais comuns, características das crianças que poderíamos denominar filosóficas e, igualmente, empreendedoras; o pensar, o “filosofar” como “empreender”, a filosofia para crianças na escola como prática pedagógica empreendedora. 2. Desenvolvimento 2.1. A filosofia para crianças e a educação empreendedora A Unesco (2002), estabelece que a educação deve ser vista como a forma sistêmica por meio da qual os indivíduos sejam capazes de buscar: aprender a ser, aprender a conviver, aprender a fazer, aprender a aprender e, conforme Dolabela (2003), aprender a empreender. Assim sendo, o indivíduo, denominado empreendedor seria capaz de gerar novos conhecimentos com bases nesses saberes acumulados na sua história de vida. E é isso que conduz ao aprender a empreender, postulado por Dolabela (2003). Conforme Dolabela (2003) a pedagogia empreendedora visa à construção de novos valores em uma sociedade heterogênea, marcada positivamente pela diversidade cultural. Mas, entretanto, marcada negativamente pelas diferenças abissais de renda, poder e conhecimento. Dolabela (2003) parte do pressuposto de que todos nós possuímos originais características empreendedoras. Afirma, outrossim, que nossa educação acaba reprimindo o livre desabrochar e o desenvolvimento de tais atributos. Para este autor, lidar com crianças é lidar com autênticos empreendedores ainda não contaminados pelos valores antiempreendedores da educação, nas relações sociais, no ‘figurino cultural’ conservador a que somos submetidos. Nesse processo, a educação filosófica de crianças à maneira proposta por Lipman (1990), especialmente, pode afigurar-se sobremodo relevante. A relação entre a filosofia e o 3 empreendedorismo encontraria terreno fértil na criança e sua original disposição para o novo, para a admiração e o assombro; contribuindo para construção de comportamentos inovadores. Conforme Lipman (1994) e Kohan (1998) a proposta de ensino de filosofia com crianças possibilita a constituição de um pensar mais criativo, crítico, sensível ao contexto e, destarte, de um comportamento inovador; este último, elemento essencial da pedagogia empreendedora. Isso acontece mediante a transformação da sala de aula em uma “comunidade de investigação”, para usar um dos conceitos mais importantes da proposta do educador americano Matthew Lipman(1990), ambiente em que o diálogo não se configura, tão somente, em uma estratégia educacional. É, sobretudo: um princípio educativo por meio do qual os alunos são instigados à investigação e à procura, ao pensar livre e à inovação. A prática da filosofia para as crianças, como estabelece o programa do Centro Brasileira de Filosofia para Crianças (CBFC, 1990) e outras propostas igualmente dignas de reconhecimento e respeito parecem acordar em relação a três grandes objetivos: a iniciação filosófica é possível com crianças; a educação para o pensar é possível no interior da escola; a educação filosófica pode colaborar na preparação para uma cidadania consciente. Pensar crítica e reflexivamente possibilita à criança o que chamamos de constituição de sentidos desta realidade e de si mesmos nela. E isso é possível pelo diálogo investigativo em uma comunidade que, para esse empreendimento, exige a aprendizagem e a construção de comportamentos, atitudes de cooperação, respeito mútuo, inovação, etc. Dessa forma, inserida e aplicada no contexto escolar, a prática do ensino de filosofia para crianças se estabelece da maneira mais ampla possível. Oportunizando a aprendizagem de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais por meio do diálogo com os filósofos e com a História da Filosofia, do diálogo com os textos filosóficos e da disponibilização dos educandos à prática do diálogo. Assim, tornar-se-ia possível dizer que as crianças não só estariam aptas à iniciação filosófica. Elas possuiriam uma disposição original para uma atitude filosófica na mesma medida em que para o empreendimento. Disposição, esta, amiúde reprimida também pelas instituições de formação ou por valores antiempreendedores do ‘figurino cultural’ conservador a que são submetidos. Portanto, pensamos que a filosofia com crianças, mediante a transformação da sala de aula em uma comunidade de investigação poderia oferecer enorme contributo no intento de manter acesas as centelhas filosófica e empreendedora frequentemente encontradas entre os mais jovens; e encontraria aí um terreno sobremodo fecundo. 4 Pacheco (2006) aproxima as ideias de Freire e Dolabela. Ao modo como empreendera esta autora, pensamos ser possível estabelecer, outrossim, relação entre o que propõe Dolabela (2003) e Lipman (1990) e, por conseguinte, entre a filosofia para crianças e a educação empreendedora. E, ademais, demonstrar como a filosofia com crianças pode ser compreendida como prática pedagógica empreendedora. Para Dolabela (2003), por exemplo, o conceito de empreendedorismo transcende a questão empresarial e/ou mercadológica e, destarte, não se limita à noção de prática para o enriquecimento pessoal ou vinculada aos interesses do capital. Segundo o criador da pedagogia empreendedora, o empreendedorismo deve amiúde estar ligado à ideia de desenvolvimento social e de inclusão para a construção de melhores condições de vida para o país (DOLABELA, 1999). A ação empreendedora possibilita às pessoas intervirem, inovando e criando, avançando na busca de novos patamares de produção. A noção de empreendedorismo exposta por Dolabela em sua obra Pedagogia Empreendedora (2003) refere-se à formação de um cidadão atento às mudanças, à busca de oportunidades, e à inovação. Segundo Dolabela (2003), a pedagogia empreendedora caracteriza-se sobremodo por uma abordagem humanista e tem como objetivo capitular a preparação do indivíduo para a construção do desenvolvimento social em virtude da melhoria da vida das pessoas e a superação da exclusão. Da mesma forma que Lipman (1994) considera que a iniciação filosófica pode ser realizada com crianças, compreende-se, na esteira do pensamento de Dolabela (2003) que a educação empreendedora também pode ser ensinada no ensino fundamental, na educação regular. Além disso, assim como os programas de Filosofia para crianças acreditam que o ensino de filosofia pode contribuir para a construção da prática de uma cidadania consciente, o ensino do empreendedorismo no ensino fundamental está intimamente relacionado a uma educação para a sustentabilidade. Pensamos, destarte, que a educação filosófica com crianças, como compreendida por Lipman (1994), pode encontrar-se em consonância com os pressupostos da pedagogia empreendedora proposta por Dolabela (2003). 5 2.2. Empreendedorismo: elementos históricos e conceituais O empreendedorismo é um processo que se percebe em vários períodos na história da humanidade desde os povos primitivos até os modernos ambientes empresariais e educacionais, provocando mudanças que ocorrem por meio de inovações. Essa ação seguramente contribui significativamente para que a humanidade cresça e descubra sempre algo novo. Nesse sentido, é possível afirmar que a sociedade atual necessita amiúde de pessoas empreendedoras para continuar fazendo descobertas para satisfazer suas necessidades. O que justifica a relevância, a pesquisa e a reflexão acerca de uma educação efetivamente empreendedora. Na perspectiva deste trabalho, algo que pode ser ensinado nas escolas às crianças. Coforme Tonelli (1997), a expressão empreendedorismo teve sua origem na França, no início do século XVI, para se referir aos homens envolvidos na coordenação de operações militares. Termo que, paulatinamente, passa a ser usado como referência às pessoas que se associavam a proprietários de terras e trabalhadores assalariados. No século XVIII, Smith (apud LONGEN, 1997) esse conceito passa a ser associado à figura do proprietário capitalista. Entrementes, o papel do empreendedor pode ser definido sob vários aspectos. Para os economistas, é aquele que providencia recursos, trabalho; que introduz inovações. Para os psicólogos, é uma pessoa dirigida por objetivos muito claros, como a necessidade de experimentar, realizar, alcançar seus ideais. Entretanto, faz-se mister salientar que tal conceito encontra inúmeras variantes quanto à época, autor, cultura, etc, conforme Carmo (2011). Segundo Drucker (1987), os empreendedores são eminentemente pessoas que inovam. Postula que a inovação é o instrumento específico dos empreendedores, o meio pelo qual eles exploram a mudança como uma oportunidade para um negócio ou serviço diferente. Para Fillion (1991) o empreendedor é uma pessoa criativa, marcada pela capacidade de estabelecer e atingir objetivos e que mantém um alto nível de consciência do ambiente em que vive usando-a para detectar oportunidades de inovações. Porquanto, notamos que a expressão empreendedor, ainda que diante de inúmeras definições, associa-se, em geral,à ideia de inovação. A essência do empreendedorismo estaria, pois, na percepção e no aproveitamento das novas oportunidades no âmbito dos negócios tradicionais, constantemente pensando e criando novas ideias, novos produtos, novos métodos. Em suma, o empreendedor é aquele que, reflexivamente e sensível ao contexto, percebe a necessidade de realizar, de vencer obstáculos, romper rotinas, definir e alcançar seus 6 objetivos, quebrar paradigmas, pensar e criar o novo. O empreendedor continua a aprender a respeito de possíveis oportunidades e a tomar decisões moderadamente arriscadas que objetivam a inovação. Empreender é, pois, a concentração de energia no criar, iniciar e dar continuidade a um empreendimento, uma obra. É o desenvolver de uma organização a partir da observação e análise da mesma. Mas é também a sensibilidade individual para perceber uma oportunidade quando outros enxergam caos, contradição e confusão. É desenvolver competências para descobrir e controlar recursos aplicando-os da forma produtiva (BARRETO, 1998). Conforme Barreto (2014) o empreendedor pode ser estudado sob diferentes enfoques e por uma variedade de áreas de conhecimento como a psicologia, sociologia, pedagogia, economia, administração e outros. Embora nos estudos e pesquisas relacionados com o empreendedor existam muitas diferenças e disparidades a respeito das exatas definições, pode-se perceber que há entre os estudiosos o consenso de que o empreendedor caracteriza-se pela maneira como ele percebe a mudança e lida com as oportunidades de inovação. 2.3. Empreendedorismo na Educação As pessoas são influenciadas desde cedo a se prepararem para um emprego seguro. Porém, no mercado atual, emprego algum é seguro; a manutenção do mesmo depende exclusivamente do desempenho do profissional. Da educação básica ao ensino superior, pouca ênfase está sendo dada à orientação dos estudantes no sentido de conquistarem autonomia e independência, ou seja, que sejam estimulados ao pensamento reflexivo, autônomo, criativo, livre, sensível ao contexto capaz de gestar comportamentos inovadores; o que requer a utilização de métodos e procedimentos pedagógicos que estimulem o desenvolvimento de habilidades e competências efetivamente empreendedoras nos alunos. Destarte, faz-se necessário que o professor aproxime a realidade educacional e a realidade do aluno: o mercado, a preparação para a vida, para o mundo do trabalho, coforme a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96). A nova proposta educacional, que visa à construção de competências e habilidades, está direcionada para uma aprendizagem em que o “aprender a aprender” e o “aprender a fazer” estejam sempre presentes nas salas de aula. Desta maneira, o educador está contribuindo para que os alunos sejam mais autônomos e com capacidade de avaliar e decidir sobre situações do mundo real (PERRENOUD, 1999). 7 O papel das instituições de ensino é proporcionar condições para que seus alunos possam se tornar futuros empreendedores, identificando as visões do que desejam realizar, ou seja, transformar os sonhos em projetos reais (FONSECA Jr, 2014) Algumas correntes de pensadores acreditam que empreendedores não podem ser formados nas escolas. Seria necessário, antes de tudo, conhecer as características do sujeito, do educando e do profissional que se deseja preparar nas salas de aula e, desta maneira, definir a formação necessária para se chegar ao objetivo intencionado (FRIEDLAENDER e LAPOLLI, 2001) Faz-se mister constatar que, entretanto, a maioria dos educadores não foi preparada para formar empreendedores, mas sim indivíduos que irão desempenhar papéis definidos há bastante tempo. A modificação das atitudes dos professores ocorre gradualmente à medida que o educador começa a compreender, e vivenciar a conduta empreendedora (FRIEDLAENDER e LAPOLLI, 2001). Desenvolver empreendedores significa trabalhar atitudes, exercitar o desenvolvimento de conhecimentos atituidinais. Haja vista que o modo de aprender influencia tanto ou mais do que o conteúdo. O modelo de educação tradicional deve adaptar-se para formar empreendedores, de maneira que os estudantes não sejam condicionados à passividade, à apatia e à mera reprodução. A sociedade atual requer que os profissionais sejam mais autônomos, criativos, inovadores, obtenham melhor desempenho, sejam competentes nas definições e soluções de problemas, ou seja, exige que este profissional seja um empreendedor (FREIRE, 2002; FRIEDLAENDER e LAPOLLI, 2001). Em suma, é fundamental despertar a consciência da responsabilidade pelos resultados de tarefas específicas. O conhecimento, entretanto, não se adquire somente em salas de aula, Trata-se de um fenômeno que ocorre diariamente, mas que também ocorre a partir do cotidiano escolar (FRIEDLAENDER, LESZCZYNSKI e LAPOLLI, 2003). 2.4. A motivação e o comportamento empreendedor O comportamento empreendedor está incluído nas pesquisas realizadas por diversos economistas, behavioristas, psicólogos, psicanalistas, sociólogos. Observa-se, nestes, como já mencionado, certa ambiguidade relativa aos conceitos sobre empreendedorismo (FRIEDLAENDER, BRINGHENTI, 2000). David McClelland foi um dos estudiosos a analisar e discorrer acerca do comportamento do empreendedor. Ele demonstrou que o ser humano é um produto social e tende a reproduzir seus próprios modelos (BRINGHENTI et al, 2000). 8 O que amiúde percebemos é que a cultura, as necessidades e hábitos de uma região determinam os comportamentos dos sujeitos que a esta pertencem. Assim, normalmente, os empreendedores locais refletem a cultura de suas comunidades. No ambiente globalizado, deve ocorrer mudança no comportamento local, considerando que todas as informações e novidades estarão disponíveis praticamente instantaneamente. As atividades profissionais estão sempre ligadas às particularidades locais, porém, as soluções podem surgir de qualquer local. Especialistas da área comportamental, analisando as formas de pensar, as atitudes e comportamentos que diferenciam os empreendedores, estabelecem suas habilidades e competências. Destarte, conforme Pinchot (1985) e Tonelli (1997), como todo o ser humano pode ser considerado como possuidor de algumas características que definem sua personalidade, igualmente, no empreendedor, se sobressaem algumas dessas características: necessidade: busca frequente por satisfação e pela realização de seu sonho; valores: visão que o empreendedor tem do mundo; conhecimento: visualização do sonho, a intuição; habilidade: facilidade que o empreendedor tem de desenvolver todo o projeto. Segundo Maslow (2013), o comportamento humano é motivado pela insatisfação de suas necessidades. Maslow (2013), também, afirma que cada indivíduo atualiza-se por si mesmo, buscando seus próprios objetivos, desta maneira cada um é capaz de alcançar níveis de satisfação através de uma aprendizagem que acarreta a motivação para o desenvolvimento do indivíduo. Vários são os conceitos de motivação, mas há relativo consenso de que motivação é um estado interno ou uma condição - descrita como uma necessidade, um desejo ou um querer – que provoca determinados comportamentos do indivíduo e estimula sua persistência. A motivação é importante, pois ela está envolvida em todas as respostas individuais, ou seja, influencia no comportamento humano. As teorias sobre motivação são muitas, porém todas têm um fundamento básico de que é a satisfação das necessidades do indivíduo. Alberton (2002) postula que a dúvida fica em quanto a motivação pode alterar o comportamento do ser humano, o quanto ele pode ser modificado em razão da motivação. O conceito de comportamento é muito complexo, porém, estudos também demonstram que o meio ambiente, a percepção, a memória, o desenvolvimento cognitivo, o emocional, a personalidade podem ter influência pela motivação. 9 Deve ficar claro que emoção não é motivação. Emoção é o resultado da interação entre o indivíduo e algum estímulo externo. “Todo comportamento humano tem um motivo, uma causa, uma coerência interna” (ALBERTON, 2002). Destarte, partindo amiúde da necessidade considera-se que a motivação é algo que pertence à esfera da individualidade, dependendo das experiências de cada pessoa, provoca estímulos diversos suprindo suas necessidades, a fim de chegar aos seus desejos, muitas vezes enfrentando e superando desafios. A motivação é primordial para que as pessoas desenvolvam suas tarefas, principalmente na sociedade hodierna, marcada amiúde pela competição. Assim sendo, saber motivar é uma habilidade essencial para um professor. 2.5. Educação, Motivação e empreendedorismo De acordo com Dolabela (2003a), os fundamentos da formação do empreendedor dependem mais de fatores motivadores e habilidades comportamentais do que de um conteúdo meramente técnico. As disciplinas voltadas ao empreendedorismo devem priorizar o comportamento (o ser) em relação ao saber. A proposta não é a transmissão de conhecimentos, mas o esforço no desenvolvimento de características pessoais necessárias ao empreendedor de sucesso. Conforme BRINGHENTI (1999), a formação do sujeito empreendedor requer habilidades, conhecimento e principalmente comportamento: capacidade de assumir riscos, elevada criatividade, motivação muito grande por resultados, pela autorrealização e busca de comprometimento, dentre outros. Uma proposta metodológica de ensino empreendedor deve, portanto, contemplar: a motivação; o processo visionário; a capacidade de identificação, análise e aproveitamento de oportunidades; a criatividade; o comportamento empreendedor. A abordagem didática deve levar o aluno a enfrentar situações similares àquelas que poderá encontrar na prática. (FRIEDLAENDER e LAPOLLI, 2001). Segundo Liberato (2004, p. 1), [...] a escola, espaço de vida, socialização e formação dos jovens, surge neste contexto como Instituição promotora da educação, e, inserida nela, o professor, empreendedor por natureza, e agente determinante na construção dos saberes e das novas competências, cabendo-lhe a missão de preparar esses jovens para uma nova Era, que não é mais a do pleno emprego, e que exige outros referenciais na direção do trabalho e da cidadania. 10 No texto em questão, Liberato (2004) retoma a proposta do Sistema SEBRAE que, em 1999, iniciou um processo de reposicionamento institucional, quando definiu novas diretrizes para um direcionamento estratégico inovador. Dentre essas diretrizes, uma das ações estratégicas prioritárias para a Instituição foi a disseminação da cultura do empreendedorismo e da cooperação em todos os níveis da educação formal e nos diversos meios de comunicação. Com base no estudo das diversas experiências motivadas e promovidas pela supracitada proposta Liberato postula: [...] pode-se concluir que as teorias, teses, artigos e resultados de estudos que são realizados em todo o mundo comprovam que a ação empreendedora acontece a partir de três condicionantes motivacionais: uma vontade, uma necessidade e a identificação de uma oportunidade (LIBERATO, 2004, p. 8). No entanto, adverte: [...] Culturalmente sabe-se que não é fácil mudar um Sistema Educacional tão fortemente arraigado e fragmentado como no Brasil, uma vez que, na cabeça de alguns educadores mal informados e apáticos em relação ao futuro e à realidade atual, o conceito de empreendedorismo ainda pressupõe lucro, dominação capitalista e neo-liberalismo. Porém, concluí-se que, quando o jovem é estimulado a pensar e é motivado para uma ação estruturada através de objetivos claros e definidos , os resultados são impressionantes. Com esse olhar empreendedor sobre a educação, pode-se compreender que o empreendedor é aquela pessoa que percebe quem está motivado para fazer alguma coisa ( quem tem talento) e motiva para uma ação! Cabe ao educador e a todos os participantes da prazerosa e desafiadora missão de fomentar o empreendedorismo na escola (LIBERATO, 2004, p. 10-11). 3. A Filosofia para crianças e o Empreendedorismo 3.1. A proposta do filósofo educador Matthew Lipman Este parte do presente trabalho pretende aprofundar a importância e a possibilidade do ensino de filosofia para crianças, assim como apontar para a proximidade desta proposta com a pedagogia empreendedora. Destarte, partiremos da premissa que aponta para a necessidade do exercício do pensamento, para que ocorra enfrentamento das questões envolvidas na busca da construção dos significados que podem resultar no seu próprio aprimoramento e na construção de um comportamento efetivamente inovador. E isso ocorre à medida que o exercício do pensar exige a reflexão, a sensibilidade em relação ao contexto, o cuidado, a criticidade e a criatividade. 11 Muito tem se pensado acerca de alguns aspectos que poderiam, no processo formativo das crianças, contribuir para a formação de um indivíduo mais crítico e criativo no modo como se relaciona com as situações consuetudinárias. Em face de tantas propostas para a educação, interessamo-nos pela tentativa pioneira de Matthew Lipman – um filósofo e educador – também preocupado com o significado da educação, cujo objetivo é iniciar as crianças na arte do filosofar, possibilitando-as a construção de um pensar mais reflexivo, atento e crítico que as habilite na discussão, na escolha, na tomada de suas próprias decisões e na motivação para um comportamento inovador. Conforme Kohan (1998) apoiado em uma vasta argumentação, Lipman (1990) e (1994) no decorrer de sua obra afirma amiúde que o caminho mais apropriado para uma educação adequada desde a infância, é a filosofia. Para compreendermos sua intenção, buscamos descrever, a priori, alguns elementos de sua vida e obra. Professor Lipman, como é chamado por seus seguidores e colaboradores, nascido nos Estados Unidos, em 1923. Em 1938, concluiu seus estudos secundários. Todavia, em decorrência de dificuldades financeiras, ingressa no curso de Filosofia da Universidade de Standford em 1945, finalizando sua graduação três anos mais tarde. Doutora-se em Filosofia no ano de 1954, pela Universidade de Colúmbia, em Nova York, seguindo então para a França, onde permanece por aproximadamente dois anos. Regressando aos Estados Unidos assumiu a cadeira de professor de Filosofia na Universidade de Colúmbia (KOHAN, 1998). Mobilizado pela preocupação acerca do ensino de lógica a seus alunos, incentivado também pela solicitação de alguns pais – para que ele, filósofo-educador, desenvolvesse uma proposta que pudesse cuidar qualitativamente, do desempenho dos alunos – e, finalmente, por acreditar que as crianças podiam aproveitar a educação do raciocínio, contanto que recebessem isso antes em seu desenvolvimento (KOHAN, 1998, p. 22), o professor Lipman cria, ainda em 1969, o primeiro material didático destinado ao programa de Filosofia para Crianças. Kohan (1998, p. 09) salienta que Matthew Lipman, pioneiro, lança a ideia de que as crianças podem e merecem ter acesso à Filosofia. Não apenas lança uma ideia, mas cria uma instituição e desenvolve materiais e metodologia para que este projeto se materialize. Dessa forma, ao final da década de 60, o programa de Filosofia para Crianças de Matthew Lipman é concebido visando uma proposta de educação para o pensar, cujo objetivo é desenvolver dentro do contexto da sala de aula, as habilidades cognitivas, empregando uma metodologia específica para que o aluno possa conseguir pensar no âmbito das ciências e das demais áreas do conhecimento. 12 Por isso, em consonância com Kohan (1998) afirmamos que as ideias de Matthew Lipman relativas ao ensino de Filosofia apontam para três aspectos importantes, quais sejam, o acesso que a criança deve ter à filosofia desde o ensino fundamental; o fato de ser, por intermédio da Filosofia, que a criança possa preservar seu espírito inquisitivo; a compreensão de que reflexão filosófica é o recurso privilegiado para o desenvolvimento do pensar bem, vem a ser, o desenvolvimento de um pensar crítico, criativo, sensível ao contexto e, portanto, inovador. 3.2. O exercício do filosofar Uma das condições para o exercício filosófico pode ser identificada com a inquietação, que em grande medida depende do fator motivacional ao qual nos referimos anteriormente. Este, devidamente orientado, conduziria ao bem pensar que possibilitaria a construção de comportamentos inovadores. Destarte, pode-se identificar em que medida o questionar pode fazer parte do cotidiano da criança, embora muitas vezes, enquanto um aspecto ingênuo. Pois a criança sempre se pergunta em função de querer saber algo que desconhece, ela de alguma forma, vive um momento de constituição de significados e sentidos das experimentações que realiza tanto na escola quanto em outros espaços e tempos. É a partir desta constatação que a filosofia tem sido pensada como relevante, uma vez que, poderá possibilitar um pensar de maneira mais crítica, criativa e sensível ao contexto e, destarte, inovador como requer uma educação empreendedora. Certamente o processo do pensamento é uma característica inerente ao ser humano. Chauí (2000) argumenta, descrevendo o pensar e o pensamento como atividades essencialmente humanas. Porquanto, a autora faz referência a Descartes e à descoberta do cogito. Em seguida, refere-se a Pascal que define o homem como um “caniço pensante”. Diante disso, podemos nos perguntar: é realmente possível ensinar alguém a pensar? É bem provável que não, mas é possível ensinar a pensar ‘melhor’. Assim assinalamos, porque é importante ressaltar que quando Lipman (1990) aponta para uma educação para o pensar, ele não subestima essa capacidade humana, menos ainda nas crianças. Percebemos que ele faz referência a uma determinada maneira de pensar que difere, qualitativamente, de outra. Sabemos que isso não é o bastante para compreendermos efetivamente a postulação lipmaniana do que é o pensar. Resgatando o significado etimológico desta expressão, faz-se necessário ser radical, ou seja, é preciso ir até a raiz para 13 que a investigação possa contemplar nossa intenção de chegar à essência do que estamos buscando. Chauí (2000) discorre acerca da etimologia das palavras pensamento e pensar. Ambas são provenientes do verbo latino pendere, que significa ficar em suspenso, estar ou ficar pendente ou pendurado, suspender, pesar, pagar, examinar, avaliar, ponderar, compensar, recompensar e equilibrar. Chauí (2000) acrescenta: Pensare, que deriva de pendere, caracteriza-se mais como uma atividade sobre ideias, opiniões, juízos e pontos de vista já existentes do que como criação ou produção de uma ideia ou ponto de vista. Chauí (2000) observa ainda que os textos de Filosofia, tantos os antigos quanto os modernos – quando escritos em latim – para pronunciar ‘pensar’ utilizam os verbos cogitare e intelligere. Cogitare que quer dizer “considerar atentamente e meditar”, vem do verbo agere, ou seja: “empurrar para diante de si”, e também do verbo agitare, que quer dizer “empurrar para frente com força, agitar”. Diante disso: “Pensar, enquanto cogitare é colocar diante de si alguma coisa para considerá-la com atenção ou forçar alguma coisa a ficar diante de nós para ser examinada” (CHAUÍ, 2000). A autora prossegue em sua análise estabelecendo que intelligere constitui-se da conciliação da palavra inter, que significa “entre” e da palavra legere, que significa “colher, reunir, recolher, escolher e ler”. Conforme a pensadora brasileira, isto quer dizer “Reunir as letras com os olhos. Neste sentido,intelligere significaria ‘escolher entre, reunir entre vários, apanhar, aprender, compreender, ler entre, ler dentro de’. Donde: conhecer e entender” (CHAUÍ, 2000). Por fim, Chauí (2000) assim conclui em relação ao conceito de pensar e pensamento: [...] Se reunirmos os vários sentidos dos três verbos – pensare, cogitare e intelligere – veremos que pensar e pensamento sempre significam atividades que exigem atenção: pesar, avaliar, equilibrar, colocar diante de si para considerar, reunir e escolher, colher e recolher. O pensamento é, assim, uma atividade pela qual a consciência ou a inteligência coloca algo diante de si para atentamente considerar, avaliar, pesar, equilibrar, reunir, compreender, escolher, entender e ler por dentro (CHAUÍ, 2000, p. 158). As palavras de Chauí (2000) a respeito do pensar dispensam comentários. Entretanto, faz-se mister notar que enquanto atividade atentiva, o pensar precisa ser estimulado (motivado). Isto porque voltamos nossa atenção apenas ao que verdadeiramente nos interessa, ou seja, aquilo que nos significa algo. Dessa forma, para colocarmos algo diante de nós – pensar – é preciso que esse algo nos seja realmente significativo, do contrário, não lhe prestaremos atenção; enfim, não lhe dispensaremos o nosso pensar. Diante disso, como esperar que os alunos 14 pensem diante de conteúdos escolares que não lhes convidam –estimulam, motivam – a dedicar atenção, por causa do seu [des] significado? Entendemos aqui, o ensinar a pensar proposto no programa de Filosofia para Crianças, como o estímulo (motivação) que propicia ao aluno o interesse pelo significado necessário para que o aluno se interesse, ou seja, coloque diante de si algo para que possa “considerar, avaliar, compreender e ler por dentro”, por ele mesmo, e não para que apenas ‘aprenda’. É possível observar que uma queixa sobremodo recorrente nas escolas – mesmo nos tempos atuais –refere-se à forma como nossas crianças e nossos alunos, de modo geral, pensam. Idêntico ao que já fora citado, e apesar de entendermos que não se ensina uma pessoa a pensar, dada a condição natural desse processo no ser humano, muitos educadores – em todas épocas – clamam por alunos que pensem com mais criticidade, criatividade e autonomia. Neste sentido, afigura-se possível perceber que a compreensão lipmaniana acerca do pensar bem fornece significativas elucidações sobre esses enunciados sobre o pensar. Isso ocorre na medida em que a proposta do filósofo norte-americano prima por uma educação para o pensar que se traduz “na consolidação das potencialidades cognitivas das crianças de modo a prepará-las a um pensar mais efetivo” (LIPMAN, 2001, p. 35). Percebe-se que sua proposta é de uma educação que assegure à criança que já pensa a capacidade de pensar bem, por intermédio de um programa queestimule, motive e possibilite o desenvolvimento do pensamento reflexivo, crítico, criativo e sensível ao contexto e, deste modo, inovador. O que é diferente de ensinar a pensar. Para tanto, ele nos diz numa entrevista concedida ao CBFC que precisamos fazer com que as crianças sejam flexíveis nos seu conhecimento, nas suas habilidades, nos seus julgamentos para que elas, entre outros, sejam capazes de lidar com as diferentes pressões e desafios consuetudinários (LIPMAN, 1999). 3.3. A filosofia para crianças e a “comunidade de investigação” A Filosofia, e principalmente o seu ensino vem ganhando notoriedade no cenário dos debates, isto é, sua inclusão no currículo do Ensino Médio (conforme Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96) e as possibilidades de sua presença também no Ensino Fundamental, tem permitido inúmeras discussões sobre tal relevância e quais seriam as finalidades. Filosofia com crianças é uma tarefa que, segundo Lipman (1994), permite transformar a sala de aula em uma “comunidade de investigação”, mediante uma perspectiva metodológica que privilegie o diálogo, isto é, a “prática dialógica”, através da qual as crianças são convidadas a participar da aula, e deste modo, como afirma Scolnicov: 15 [...] Crianças precisam do grupo para aprender a externalizar seu pensamento, para aprender respeito por outros pontos de vista e a importância de critérios públicos de validez. Porém, mais uma vez, uma discussão requer consciência da distinção entre o meu ponto de vista e o do outro ou outros. E é precisamente esta diferenciação do grupo que promove o pensamento. A comunidade pode dar suporte ao pensamento, aguçá-lo, corrigi-lo, mas não é ela que pensa (SCOLNICOV, 1999, p. 95). Deve-se perceber que esta prática não visa apenas ser uma troca de opiniões, ou uma simples conversação. É a partir desta prática dialógica presente na “comunidade de investigação” que as crianças exercem, coletivamente, sua busca pelo conhecimento. Sendo assim, Ann Margaret Sharp (2004) em seu artigo “A outra dimensão do pensamento que cuida”, publicado no livro organizado por Walter Omar Kohan Lugares da infância: Filosofia que uma “comunidade de investigação” na sala de aula seria: [...] um grupo de crianças que investigam juntas sobre questões problemáticas comuns de uma maneira tal que as faz construir ideias a partir das ideias umas das outras, oferecer contraexemplos umas às outras, questionar as inferências umas das outras a gerar visões alternativas e soluções para o problema tratado, além de seguir com a investigação para onde quer que ela leve. Com o tempo, elas passam a se identificar com o trabalho do grupo, ao construírem significados cooperativamente e ao se comprometerem a uma reconstrução em andamento autoconsciente da própria visão de mundo enquanto a investigação procede. Esta construção e reconstrução de visões de mundo é algo coma a qual todos estamos engajados consciente ou inconscientemente (SHARP, 2004, p.121-130). Nesta perspectiva, esse método requer que os professores saibam de tal maneira conduzir esse procedimento, e para isso, afigura-se imprescindível que estes estejam preparados para uma reflexão que construa o conhecimento. Desse modo, o papel do professor deve ser o de provocar o diálogo e garantir que sejam seguidos os procedimentos apropriados para a sua realização. Sendo assim, certas “barreiras” entre professores e alunos, e determinadas doutrinas dos profissionais devem ser superadas; elemento igualmente caro à educação empreendedora (DOLABELA, 2003). O docente terá a função de motivar, estimular os alunos a organizarem e exporem suas ideias e consequentemente fundamentá-las. O diálogo tem sido um dos métodos pelo qual desde os filósofos gregos a Filosofia tem constituído uma perspectiva de abordagem dos problemas. Mais contemporaneamente, ele tem sido uma opção para metodologias de ensino - não só na filosofia - utilizada enquanto recurso didáticometodológico. Este instrumento,usadoe consagrado por Sócrates com a finalidade de parturiar os conhecimentos de seus interlocutores, objetivando um saber puro e verdadeiro, é também utilizado por muitos filósofos como exercício que facilita e aproxima do filosofar. No processo de filosofar com crianças, este princípio fundamental enquanto método exerce uma função pedagógica especial. O programa de educação para o pensar, proposto e 16 organizado por Matthew Lipman, privilegiava principalmente as questões filosóficas, pois quando há uma reflexão a partir do diálogo o mesmo pode indicar a constituição de novas descobertas, até então desconhecidas, e consequentemente, há o desenvolvimento da capacidade de pensar, criar, inovar. Partindo deste princípio, o filosofar com crianças não é ensinar tão somente a História da Filosofia ou a cultura filosófica elaborada durante séculos pelos pensadores. Nem mesmo a realização da leitura de textos ou fragmentos de forma mecânica, apenas para constar como atividade didática, mas é, sim, mediante o diálogo com as crianças, que segundo Lipman(1990), acreditava ser possível a realização da educação, isto é, construir um processo dialógico que problematize o modo como tal saber foi produzido e o relacione com o presente e o futuro das gerações. Sendo a Filosofia para/com Criança importante para produção de situações de ensinoaprendizagem significativas, muitos têm adotado os pressupostos do pensamento pedagógicofilosófico de Lipman e têm procurado implantá-lo em seus países. Em nosso país, entre os que mais se destacam em aprofundar e apresentar propostas vinculadas à questão da filosofia com crianças no ensino fundamental tem sido o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, Walter Omar Kohan. Segundo ele: [...] As regras e os princípios do pensar aparecem sempre ligados a experiências que as crianças estão vivendo: pergunta-se o que significa pensar para em seguida indagar quanto e como se pensa numa escola, para que ir à escola e como deveriam ser as escolas; constatam os preconceitos que habitam no pensar de muitos adultos e então perguntam-se quantos preconceitos existem na sua própria escola; aprendem o valor do diálogo no processo do conhecimento e exigem o diálogo como modo de fazer frente aos problemas que se apresentam na escola e fora dela (KOHAN, 1998, p. 86). O diálogo elaborado na sala de aula com crianças, quando bem conduzido lógico e linguisticamente, compõem o instrumento elementar da “investigação filosófica”. Deve se ter em vista que esse método baseado no diálogo, não trata de uma simples confrontação de ideias, ou uma “roda de conversas”, mas trata de realizar um diálogo crítico e contextualizado na tradição a partir da Filosofia, tendo como pressuposto uma reflexão rigorosa que privilegie o afastamento das querelas do senso comum. As crianças, nas situações do cotidiano, exercem a sua “natureza investigativa”, e há certo deslumbrar-se frente a tais situações, este aspecto pode ser um fator decisivo e importante que aproxima as crianças da filosofia. O diálogo tem para Lipman (1994) a função de motivar a reflexão do mesmo modo que tinha para Platão, sendo assim, o mesmo tem como objetivo motivar a criança a se envolver nas atividades dialógicas, no entanto, é preciso ter em mente 17 que a criança precisa ser orientada para a educação dialógica. De acordo com Lipman (1994, p. 45): [...] as crianças tem de passar por um processo de transição em que verbalizam diversos modos de abordar um determinado tópico para preparar o seu maquinário intelectual. Têm que tentar expressar as suas ideias, escutar os comentários, superar a sensação de que o que tem para dizer é absurdo ou irrelevante testando a ideia para aprender com as experiências do grupo e começar a ficar animada à medida que as implicações do tema forem surgindo. Somente ai é que a tarefa proposta, pelo professor, começa a lhe aparecer apaixonante. Conforme Kohan (2008) a filosofia contribui significativamente com a formação das crianças, pois ela apresenta um importante fator pedagógico que oportuniza a aprendizagem de uma maneira especial de compreender e elaborar questões filosóficas acerca dos mais diversos saberes. Muito embora o questionamento por si só não tenha garantias que porte valor filosófico, é mediante o exercício do mesmo que se adquire autoconfiança para ousar relacionar as questões e as possíveis soluções passíveis de serem encontradas. Muitas vezes a ausência de questionamento por parte do aluno pode implicar em um modo de ensino que apenas preocupa-se em transmitir o conteúdo, e consequentemente, um tipo de aprendizagem que não se distingue de uma reprodução de conceitos, de definições, de noções, sem efetivamente implicar os alunos no processo de pensar acerca do que já foi produzido por outros. E deste modo compromete até mesmo os processos de avaliação que apenas verificam se os conteúdos foram memorizados de forma adequada, ou seja, na avaliação os mesmos são “despejados” para que se possa ter a certeza que o aluno captou o que foi ensinado em sala de aula. Segundo Lipman (1994) o questionamento dos alunos em sala de aula é de suma relevância, devendo ser proporcionado ao aluno desde as séries iniciais, pois o aluno se habitua a fazer intervenções e os colegas passam a aceitar a opinião do outro. Para Lipman (1994) o desenvolvimento das habilidades relativas a esta dimensão é mais difícil se proposto apenas no Ensino Médio porque geralmente nesta fase eles apresentam uma condição psicológica e social que os limita muitas vezes a uma exposição frente ao grupo. Outro fato importante é que na interação pode-se perceber a melhor forma de ensinar, suprindo assim, as dificuldades encontradas pela turma e direcionar o seu ensino para facilitar a compreensão. Naturalmente, deve-se levar em consideração o grau de complexidade do que possa ser trabalhado com crianças, evidentemente que um texto que apresente alguma densidade filosófica pode comprometer o interesse e a motivação, para isso é necessário considerar não só para quem? Mas também agregarmos as questões: o que? e como? 18 desenvolver atividades filosóficas que sejam significativas com crianças do Ensino Fundamental. Dessa forma, atento a estes aspectos, parece evidente que, entre outros, é através do diálogo que se criam as condições para que a criança desenvolva as habilidades que lhe permita dentre outras coisas formar cidadãos reflexivos, sensíveis ao contexto, críticos (criativos tanto para o mundo quanto para si mesmo) e efetivamente inovadores. Assim sendo, empreendedores. Destarte, percebemos a importância e a necessidade da implantação do filosofar com crianças a partir do Ensino Fundamental e que tal implementação se coaduna sobremaneira aos propósitos de uma educação empreendedora. 4. Considerações Finais Segundo o filósofo grego, Aristóteles, a filosofia começa com o assombro, com o espanto diante do mundo, da vida, dos seres, dos fenômenos e das coisas (CHAUÍ, 2000). Sugerimos que a conhecida definição aristotélica indique que a infância, a filosofia e o empreendedorismo possuam uma relação de significativa semelhança, o que sugere a oportunidade e relevância do ensino de ambas nas escolas já nos anos iniciais. Indica, outrossim, que a proposta conhecida como filosofia para crianças do filósofo educador MattewLipman situa-se sobremodo próxima à denominada educação empreendedora à maneira como propusera um de seus pensadores mais importantes, vem a ser, Fernando Dolabela. A infância é uma fase da vida notadamente marcada por descobertas, mudanças, grande abertura para o novo, o diferente e o desafiador. Além disso, as crianças também costumam ter um grau maior de franqueza e de espontaneidade que os adultos. Todas essas características são igualmente caras à filosofia e ao empreendedorismo. Nesse sentido, parece-nos evidente que a infância é um momento da vida extraordinariamente favorável à iniciação filosófica e à educação empreendedora. Malgrado, ao menos no âmbito educacional, a infância foi frequentemente mantida longe da iniciação filosófica. Na mesma medida, o empreendedorismo, sob a ótica do capital, parece, ao menos para o senso comum, ser “coisa de adultos” que já possuem “maturidade” para os negócios. O que acontece com alguma frequência é que as instituições educacionais, em geral, vão ofuscando o brilho filosófico e o espírito empreendedor que existe em nossas crianças, recusando-lhes o direito de questionar, criar e inovar − filosofar e empreender − 19 desencorajando-os desta empreitada ou, no mínimo, condenando-os à mediocridade do contentamento de respostas insatisfatórias, em um sistema educacional que privilegia a transmissão de informações, vilipendiando a motivação para o pensar bem, ou seja, o desenvolvimento de um pensamento reflexivo, crítico, criativo, sensível ao contexto. Sugerimos neste trabalho que este pensar bem é um elemento capaz de gerar o comportamento inovador e cidadão. A filosofia com crianças, mediante a transformação da sala de aula em uma comunidade de investigação pode ter o atributo de manter acesas as centelhas filosófica e empreendedora, frequentemente encontradas entre os mais jovens; e encontraria aí um terreno sobremodo fecundo. A ação empreendedora possibilita às pessoas intervirem, inovando e criando, avançando. A noção de empreendedorismo exposta por Dolabela em sua obra Pedagogia Empreendedora (2003) refere-se à formação de um cidadão atento às mudanças, à busca de oportunidades, e à inovação. Segundo Dolabela (2003), a pedagogia empreendedora caracteriza-se mormente por uma abordagem humanista e tem como objetivo predominante a preparação do indivíduo para a construção do desenvolvimento social em virtude da melhoria da vida das pessoas e a superação da exclusão. Da mesma forma que Lipman considera que a iniciação filosófica pode ser realizada com crianças, compreende-se, na esteira do pensamento de Dolabela que a educação empreendedora também pode ser ensinada no ensino fundamental, na educação regular. Além disso, assim como os programas de Filosofia para crianças acreditam que o ensino de filosofia pode contribuir para a construção da prática de uma cidadania consciente, o ensino do empreendedorismo no ensino fundamental está intimamente relacionado a uma educação para a sustentabilidade. Pensamos, assim, que a educação filosófica com crianças, como compreendida por Lipman, pode encontrar-se em consonância com os pressupostos da pedagogia empreendedora proposta por Dolabela. 5. Referências ALBERTON, L. Uma contribuição para a formação de auditores independentes na perspectiva comportamental. 272 f. 2002. 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Em especial, esse trabalho objetiva discutir o potencial das Tecnologias de Informação e Comunicação - TICs e sua inserção no âmbito educacional, além de descrever e discutir algumas das experiências de formação inicial e continuada, mediadas pelo uso das TICs nas práticas pedagógicas, as quais foram desenvolvidas a partir da parceria entre a Universidade e uma Escola de Educação Básica, na cidade de Viçosa, MG. A análise e discussão dos dados são provenientes da pesquisa qualitativa, realizada nos anos de 2013 e 2014, desenvolvidas a partir do Edital FAPEMIG 07/2013. A partir das vivências, são apontados os desafios enfrentados, bem como a nossa percepção, enquanto formadores, na elaboração das práticas pelos participantes do projeto. Podemos afirmar que a decisão de inserir as tecnologias repercutiu na adição de um outro olhar ao trabalho, que embora fosse necessário um esforço para compreender novas informações e contornos metodológicos de interação, resultou positivamente a todos os envolvidos, ampliando o campo de possibilidades inclusivas, no que se refere ao uso de mídias digitais e a abrangência dos aspectos visuais, de extrema importância para o ensino e aprendizagem da LIBRAS. Palavras Chave: práticas pedagógicas; tecnologias de informação e comunicação; formação inicial e continuada de professores. Universidade Federal de Viçosa (MG); Professora especialista em TICs e colaboradora voluntária do Projeto “Formação Inicial e Continuada de Professores: Abordagem Inclusiva na Educação Básica”. Universidade Federal de Viçosa (MG); Professora de Libras, do Departamento de Letras e Coordenadora Geral do projeto “Formação Inicial e Continuada de Professores: Abordagem Inclusiva na Educação Básica”. Financiado pelo Edital FAPEMIG 07/2013. Universidade Federal de Viçosa (MG); Professora e responsável pelo setor de Suporte Pedagógico da Coordenadoria de Educação Aberta e a Distância – CEAD, e colaboradora do projeto Geral “Formação Inicial e Continuada de Professores: Abordagem Inclusiva na Educação Básica”. Universidade Federal de Viçosa (MG); Professora colaboradora da Educação Básica e bolsista do Projeto “Formação Inicial e Continuada de Professores: Abordagem Inclusiva na Educação Básica”. Universidade Federal de Viçosa (MG); Graduanda em Dança e voluntária do projeto “Formação Inicial e Continuada de Professores: Abordagem Inclusiva na Educação Básica”. 2 Abstract This article comes from the development of the project "Initial and Continued teacher’s training: Inclusive Approach in Basic Education", which proposed the teaching and learning with the interface of Brazilian Sign Language (LIBRAS), experienced between an University and a Municipal School of Basic Education. In particular, this paper discusses the potential of Information and Communication Technologies – ICTs and their integration in the educational field. This intention is to describe and to discuss some experiences of initial and continued training teachers, mediated by the use of ICTs in teaching practices, which were developed through a partnership between the University and School of Basic Education in the city of Viçosa, MG. The analysis and discussion of the data are from qualitative research conducted in the years 2013 and 2014, developed from FAPEMIG foundation, nº 07/2013. From the experiences are pointed out the challenges as well as our perception, as trainers, in the preparation of practices by the project participants. We can say that the decision to enter the reflected technologies in adding another look at the work, that although an effort was needed to understand new information and methodological interaction shapes, resulted positively to all involved, expanding the field of inclusive possibilities. To use digital media and the scope of the visual aspects was very relevant to teach and learn LIBRAS. Key-words: pedagogic practices; information and communication technologies; initial and continued teacher’s training 1. Introdução O advento da Internet e das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) possibilitou o desenvolvimento de novos recursos e mídias voltadas especificamente para o processo educacional, cada vez mais crescente e demandado pela nova geração de estudantes que chega desde a escola de educação básica até as universidades. Em função disso, inicialmente alguns se mostraram arredios ao uso dessas tecnologias; no entanto, a maioria dos professores tem sido desafiada por essa nova geração, e aceita o desafio de aprender, gerenciar e integrar novos ambientes de ensino aprendizagem, além do espaço tradicional de sala de aula. O convívio desses alunos, desde muito cedo com a tecnologia, via computador, videogames e DVDs, faz com que essa geração, em geral, seja mais exigente no processo de aprendizagem, não ficando mais satisfeita, somente com os recursos didáticos tradicionais. Esses alunos buscam meios de aprendizagem de acordo com as suas vivências, as quais estão interligadas com o ambiente virtual. Entretanto, para os professores, a inserção das TICs como ferramentas metodológicas em sala de aula torna-se um desafio. Uma vez que, durante a formação esses recursos metodológicos não são inseridos como alternativas didáticas, indicadas ao futuro processo de ensino aprendizagem na sala de aula. Faz-se necessário encarar novos conhecimentos para explorar as práticas pedagógicas e apresentar aulas mais interessantes e desafiadoras. Desse modo, “o educador democrático não 3 pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão” (FREIRE, 2002, p. 13). O uso de TICs tornou-se claramente um dos focos atuais no sistema educativo de todo o país. No entanto, sua utilização por si só, sem a estruturação de um projeto pedagógico coerente e consistente, não é mais relevante ou eficiente que as tecnologias tradicionais em qualquer situação de aprendizagem. Libâneo (2001, p. 145), afirma que “o professor não pode mais ignorar os meios de comunicação e os recursos tecnológicos como meio de aprendizagem, uma vez que o livro didático não é mais a única fonte de informação e conhecimento. Os sons, imagens, movimentos precisam aprender a serem lidos”. As tecnologias inseridas no contexto educacional, já estão disponíveis e acessíveis a todos os indivíduos. Para tanto, a escola e o professor devem integrá-las no seu contexto de sala de aula e de recurso didático. Uma vez que se o ensino for baseado meramente em conteúdos tradicionais acaba perdendo a essência do ponto de vista do educando. Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), o uso das tecnologias no ensino pode direcionar à autoaprendizagem, além de ter a possibilidade de os recursos didáticos serem sistematicamente organizados e apresentados em diferentes suportes de informação. Estes podem ser utilizados isoladamente ou combinados e veiculados pelos diversos meios de comunicação (BRASIL, 1998). Com as TICs, a reorganização do ensino vai influenciar diretamente a prática docente, a partir da seleção dos meios mais apropriados para determinada situação de ensino-aprendizagem, considerando os objetivos pedagógicos e didáticos previamente definidos, bem como as características dos estudantes e acessibilidade aos meios (YATES, 2006). Desse modo, as TICs abrem outras possibilidades didáticas e metodológicas para o ensino e aprendizagem, uma vez que essas tecnologias oportunizam formas de interação, de comunicação, de acesso à informação, que se convertem em um meio interativo e ativo no processo educacional (TORI, 2002; PUNIE, 2006). Levando em consideração a perspectiva das TICs e sua inserção no âmbito educacional, este artigo tem por objetivo descrever e discutir algumas das experiências de formação inicial e continuada, mediadas pelo uso das TICs nas práticas pedagógicas, as quais foram desenvolvidas a partir da parceria entre a Universidade e uma Escola de Educação Básica, na cidade de Viçosa, MG. A análise e discussão dos dados são provenientes da pesquisa qualitativa, realizada nos anos de 2013 e 2014, desenvolvidas a partir do Edital FAPEMIG 07/2013. 4 Inicialmente, a pesquisa será contextualizada, por meio da descrição do percurso metodológico realizado. Em seguida, será apresentado o desenvolvimento de uma base teórica, relacionando as Tecnologias de Informação e Comunicação com a Legislação. Nesse tópico, foram discutidos os caminhos traçados para que o uso dessas ferramentas adentrasse o âmbito escolar e as TICs fossem utilizadas como mediadoras do processo de ensino e aprendizagem. Posteriormente, propomos uma reflexão sobre a utilização de ferramentas virtuais na elaboração dos conteúdos, os quais foram construídos e aplicados ao longo do curso de Ensino e Aprendizagem da LIBRAS aos professores da Escola Básica. Durante esse processo, será tecida uma análise sobre desafios enfrentados, bem como registrar a nossa percepção, enquanto formadores, sobre o processo de formação na Educação a Distância - EAD, e de elaboração das práticas pelos participantes do projeto. Nesse contexto, realizamos algumas construções teóricas, dialogando com dados empíricos da pesquisa, o que possibilitou discussões sobre a inserção das tecnologias como recurso didático, mediando o ensino aprendizagem da LIBRAS. A formação mediada pelas TICs precisa ser pensada no sentido de contribuir com a formação do professor. Pois, Segundo o PCN† (1998), a incorporação das tecnologias só tem sentido se contribuir para a melhoria das qualidades do ensino. A simples presença de novas tecnologias na escola não é por si só, garantia de maior qualidade na educação, pois a aparente modernidade pode mascarar um ensino tradicional baseado na recepção e na memorização de informação. 2. Os caminhos da pesquisa e o campo metodológico das TICs no curso de formação de professores O foco de estudos envolvendo tecnologias e a formação de professores nessa área partiu das observações realizadas durante o primeiro semestre de desenvolvimento do projeto “Formação Inicial e Continuada de Professores: Abordagem Inclusiva na Educação Básica. Tal projeto objetivou investigar a interação dos professores de formação inicial e continuada; pesquisadores e esses professores, focando as concepções teóricas e práticas a respeito da LIBRAS; privilegiando inclusão, a diversidade e multiculturalidade. Para chegar aos dados dessa pesquisa e entender o processo de formação continuada, foi construído um curso para o ensino e aprendizagem da LIBRAS, a partir de módulos. † Parâmetros Curriculares Nacionais - disponível em http://portal.mec.gov.br. Acesso em 12 mar. 2015. 5 Durante o período de realização do primeiro módulo, referente ao ensino básico sobre a LIBRAS, foi observada a demanda de atividades e a necessidade de maior comunicação e interatividade entre os participantes. No entanto, não havia período de tempo compatível para adição de aulas presencias. Desse modo, a perspectiva da educação à distância e as TICS entraram como uma ferramenta essencial para a aproximação dos cursistas às atividades. Além disso, foi um importante período de ressignificação das práticas pedagógicas aos integrantes do projeto, visto que para muitos, foi o primeiro contato com as TICs, em momentos de EAD e nas aulas presenciais. Para contemplar metodologicamente o proposto pelo projeto, o curso foi organizado a partir de três módulos, os quais foram ofertados durante um ano e meio aos professores da educação básica, sendo ministrado semanalmente de forma presencial, com duração de uma hora e meia e duas horas e meia à distância. As atividades à distância basearam-se em conhecimentos teóricos que foram trabalhados no Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA, utilizado as TICs com auxilio de professores e integrantes do projeto. Esse processo foi acompanhado pela Coordenadoria de Educação à Distância – CEAD/UFV, que contribuiu com o espaço físico e com os recursos humanos para auxiliar de criação das atividades. O ambiente virtual de aprendizagem ou simplesmente AVA é a integração de um conjunto de tecnologias digitais, que possibilita a construção de um ambiente ou software educativo, no qual é possível promover a informação em conhecimento aos seus integrantes de forma individual ou coletiva (SARMENTO et al. 2011; BARBOSA, 2005; CASTRO FILHO et al. 2005). Em um AVA é possível organizar conteúdos de uma maneira atrativa, que facilite a aprendizagem e a interação (DILLENBURG & TEIXEIRA, 2011). Franco et al. (2003) e Sarmento et al. (2011), descrevem a importância de que nos AVAS é possível incorporar ferramentas da web, como por exemplo, sistema de e-mail, sala de chat, espaços para debates, local para enviar arquivos, sistema de avaliação, relatórios de participação dentre outros. Segundo Valentini (2010) um ambiente virtual de aprendizagem - AVA -, é um espaço social, constituindo de interações cognitivo-sociais sobre, ou em torno de um objeto de conhecimento: um lugar na Web, “cenários onde as pessoas interagem”, mediadas pela linguagem da hipermídia, cujos fluxos de comunicação entre os interagentes são possibilitados pela interface. O fundamental não é a interface em si mesma, mas o que os interagentes fazem com essa interface. Nesse sentido, o plano pedagógico que sustenta a configuração do ambiente é fundamental para que o ambiente possa ser um espaço onde os interagentes se construam como elementos ativos, coautores do processo de aprendizagem. 6 No entanto, quando se trata do uso pedagógico, dos recursos de um AVA, ainda surgem dúvidas sobre o uso didático. Nesse aspecto, Pequeno et al. (2004) nos ajuda a refeltir um pouco, quando afirma que o uso pedagógico das tecnologias tem crescido e pode ser percebido em diferentes ambientes, tais como: texto colaborativos (wiki); experiências de produção multimídia (blogs); e, na utilização para fins acadêmicos para gravação de vídeos (youtube). Nesse sentido, o PVANet, ambiente usado para a formação dos professores, apresenta ferramentas e interface que possibilitam a inclusão de conteúdos nos mais diferentes formatos (textos, aulas narradas, vídeos, animações e simulações, interação aluno-professor de forma síncrona e assíncrona, e acompanhamento do processo de aprendizado, via avaliações). Houve uma preocupação no arranjo estrutural desse ambiente, objetivando a melhor usabilidade pelos professores, bem como o acompanhamento da equipe do projeto. O curso de LIBRAS, via Ambiente Virtual de Aprendizagem, iniciou em fevereiro de 2014. Os professores de modo geral, nos primeiros encontros presenciais, estavam ansiosos, muitos deles, acessaram o computador pela primeira vez, sentindo dificuldade em acompanhar as aulas em um curto espaço de tempo. Sendo assim, foi necessário desenvolver outras estratégias para demonstrar uma visão geral do conteúdo a ser trabalhado, visto que a discussão aconteceria no ambiente virtual, via ferramentas de interatividade, fóruns, chats, e outras. Nesse período, o grupo integrante do projeto participou de um conjunto de cursos oferecidos pela CEAD, o que favoreceu a sua formação e o entendimento acerca das TICS aplicadas à EAD. Além disso, nesse mesmo período, foram elaboradas oficinas aos professores em formação, para sensibilização sobre o uso das TICs e, ainda, oficinas práticas para o manuseio dessas ferramentas que facilitariam a realização do curso. A partir disso, a equipe planejou e elaborou um cronograma e atividades específicas para a atuação à distância. Foram utilizados materiais didáticos lúdicos em forma de jogos, que privilegiaram a aprendizagem da LIBRAS, de modo prático pelos professores. Essas atividades foram utilizadas como recurso para melhoria dos processos ensino e aprendizagem da LIBRAS, entendendo a importância do campo visual para o ensino dessa língua. A partir daí, buscou-se compreender quais fatores dificultaram o uso de novas tecnologias educacionais pelos professores, especialmente no ambiente virtual de aprendizagem. Ainda, foi possível refletir sobre do grau de utilização dos recursos tecnológicos como recursos mediadores. Para chegar a essas questões, foi necessária uma pesquisa bibliográfica para dar 7 suporte à inserção do tema proposto e, a realização de uma pesquisa de campo, utilizando a técnica observação participante. As informações obtidas por meio da observação participante tiveram papel fundamental na compreensão da situação social, visto que a partir dos acontecimentos do cotidiano escolar, adentramos aos dados específicos referentes à complexidade da inserção das TICs no processo de formação dos professores da escola básica. A observação permite, ainda, uma apreensão das concepções dos integrantes da pesquisa acerca das possibilidades de inclusão, a partir da formação inicial e continuada de professores, o que levará, consequentemente, a um processo de avaliação dos caminhos do trabalho, de forma coletiva e mediada. Segundo Brandão (2002), a observação demanda que o pesquisador seja crítico e reflexivo, com a finalidade de contribuição para o campo científico/acadêmico e, também, para o próprio grupo em questão. Além disso, todas as aulas foram filmadas. O uso de imagens como registro científico possibilita ao pesquisador transpor em imagens a problemática da pesquisa, uma vez que elas teriam uma visibilidade específica. Ou seja, a linguagem imagética, detentora de uma sintaxe própria, pressupõe articular o conteúdo significante capturado pela câmera, com a discursividade das narrativas etnográficas (BITTENCOURT, 1998). Contudo, as contribuições da imagem, para o registro na pesquisa qualitativa, não se restringem à valorização das técnicas que geram um produto fiel à realidade, mas sim à captura das experiências humanas em sociedade e suas relações com os significados acionados por esses (COLLIER, 1973). A partir do uso de câmera e vídeo foram registrados todos os passos da pesquisa, desde a preparação dos cursos e atividades para as aulas, via integrantes do projeto; a realização da articulação com o espaço escolar; as discussões e construções pedagógicas geradas no decorrer das aulas; os produtos evidenciados, as reflexões e as práticas desenvolvidas acerca dos sinais, das estratégias e metodologias de ensino. Tal procedimento metodológico auxiliou na compreensão, descrição e análise da pesquisa. 3. Formação de Professores e a Legislação frente às TICS na Educação Percebe-se, atualmente, a significativa expansão tecnológica, em que quase todas as camadas da sociedade têm acesso a algum tipo de recurso tecnológico, trazendo a necessidade de novas aprendizagens, as quais se ampliam em todas as áreas, na medida em que o conhecimento acompanha o ritmo acelerado de mudanças. Nesse sentido, (MATIAS-PEREIRA, 2008) 8 destaca que as transformações sociais aceleradas, provocadas pelo desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação, e a necessidade da rápida circulação da informação, são as principais responsáveis pelas necessidades de alterar as perspectivas de formação dos indivíduos. Sendo assim, na sala de aula os recursos tecnológicos precisam ser pensados e incorporados de forma a contribuir para o processo de ensino e aprendizagem. O educador assume, também, a função de conectar os conteúdos curriculares com conhecimentos que vem de fora da escola, no sentido de auxiliar os alunos a relacionar o aprendizado com o mundo. Já que a sociedade contemporânea encontra-se em processo de mudanças rápidas e destacamos, claramente, que um dos fatores que a influencia são os avanços das tecnologias. Nesse sentido, Carvalho (2007), afirma que várias dificuldades envolvem o processo de sua formação em ambiente virtual de aprendizagem: Ao se deparar com a responsabilidade de sua própria aprendizagem, que inclui gerenciar a quantidade de tempo destinada aos estudos, a realização das atividades e o tom das relações com os tutores/professores,invariavelmente o aluno leva algum tempo confuso, com muitas dificuldades no processo de adaptação. A tecnologia que supostamente deveria tornar-se uma ferramenta poderosa no desenvolvimento da aprendizagem pode virar um pesadelo para o aluno, que descobre rapidamente que interagir com o ambiente virtual não é tão lúdico quanto parecia a princípio (CARVALHO, 2007, p. 04). Notamos que o primeiro aspecto a ser considerado é a presença constante do professor e tutor, isso ajuda a garantir um feedback para o cursista. Diante disso, cabe ao professor, nesse desafio, promover a interação, assumindo uma postura democrática no encaminhamento da disciplina, proporcionar a todos, um crescimento condizente com as propostas de educação atuais. Essa foi uma perspectiva apresentada durante a realização dos cursos do CEAD de formação dos integrantes do projeto. O entendimento de que é necessário um contato próximo com os cursistas e uma mediação construída de forma virtual, foi ressignificada por todos: na organização do curso de LIBRAS, foram incorporados papeis aos integrantes, para o contato com os professores cursistas; e, no caso dos cursistas, os mesmos realizaram oficinas e vários diálogos sobre o uso do ambiente virtual, no sentido de conscientizá-los sobre o uso desses espaços para realizar atividades e tirar dúvidas, por exemplo. A utilização que se faz das ferramentas de interatividade contribui para facilitar a interação e estimular os cursistas a não desistir da capacitação. Já nos fóruns de discussão, a comunicação proposta é mais formal, dado ao objetivo de se formar conceitos. De acordo com Carmo (2002), no princípio, quando as novas tecnologias começaram a chegar nas escolas, por volta de meados da década de 90, a grande preocupação foi com o trabalho do 9 professor. A questão que se colocava era: como fica o trabalho docente com a implantação das novas tecnologias da comunicação e da informação na educação? O computador seria capaz de substituir o professor? Seria a realização do sonho da máquina de ensinar de Skinner? (Essa idéia tecnicista fez com que muitos educadores reagissem contra o computador nas escolas). A ideia era que o computador iria desumanizar o ensino. Ou o professor teria um novo papel? Muito se pesquisou a esse respeito e se chegou à conclusão de que o professor, de ditador de conteúdos, passaria a ser orientador de pesquisa, principalmente, com o advento da Internet e a linguagem do hipertexto. Ainda, outras categorias foram formuladas com o aperfeiçoamento do ensino a distância, em que novas funções surgem para o professor, tais como webmaster e webdesigner, além de a necessidade de intensificar o trabalho em equipe entre os professores (CARMO, 2002). A tecnologia sempre esteve presente na educação, mesmo que de forma sucinta. Essa relação pode ser mais bem avaliada quando se observa o vínculo existente entre elas; e o objetivo não é só demonstrar a capacidade das novas tecnologias, mas utilizá-las como modo de transformação. O Parâmetro Curricular Nacional - PCN (BRASIL, 1998:138) aborda que “o desenvolvimento das tecnologias permite uma aprendizagem em diferentes pólos e por vários meios”. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB - Nº9394/96, em vários momentos faz referência à educação tecnológica. Porém, segundo Ponte (1994), a exigência legal da Lei de Diretrizes e Bases – LDB, não garante o seu efetivo desenvolvimento, visto que não adiantará valores proclamados se na prática não acontecer de forma significativa. Há que se refletir sobre o papel das tecnologias no campo educacional, pois elas têm eliminado progressivamente as barreiras físicas, intelectuais, sociais, estando presente em uma crescente produção e trocas de conhecimentos. No entanto, é possível verificar na LDB nº. 9394/ 96 algumas considerações a respeito das tecnologias, no sentido de domínio dos princípios científicos e tecnológicos atribuídos à educação: (art. 35); o incentivo ao trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia (art. 43); a determinação de uma educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia (art. 39) (BRASIL, 1996: ART 35; ART.43; ART. 39). Nesse sentido, a educação voltada para a utilização de tecnologias como mediação, vem na perspectiva de democratizar e simplificar o acesso ao conhecimento, ao passo que o educando se auto programa para estudar de acordo com seu tempo e sua disponibilidade, já que as tecnologias não se esgotam na sala de aula. A escola aparece como espaço necessário para a 10 formação integral. Como afirma (LIBANÊO, 2001: 40) “a escola continuará durante muito tempo dependendo da sala de aula, do quadro negro, dos cadernos, mas as mudanças tecnológicas terão um impacto cada vez maior na educação escolar e na vida cotidiana”. Com a sociedade tecnológica, novos paradigmas vão surgindo, principalmente na área de educação; pois, segundo Moran (2000: 45), a educação está sendo pressionada por mudanças, já que “a formação continuada tornou-se uma prioridade no mercado de trabalho”. Perrenoud (2002) afirma que se a escola não estiver atenta às mudanças, ela acabará desqualificando-se. Em relação a isso, o PCN contempla a necessidade de verificar a interação entre o mundo atual e o âmbito escolar: O mundo vive em acelerado desenvolvimento e que a tecnologia está presente direta ou indiretamente em atividades bastante comuns. A escola faz parte do mundo e para cumprir sua função de contribuir para a formação de indivíduos que possam exercer plenamente sua cidadania, participando dos processos de transformação e construção da realidade, deve estar alerta e incorporar novos hábitos, comportamentos, percepções e demandas. Ao mesmo tempo é fundamental que a instituição escolar integre a cultura tecnológica extra-escolar dos alunos e habilidades para utilizar os instrumentos de sua cultura (BRASIL, 1998, p. 138). As tecnologias não devem ser trabalhadas como único recurso didático. A busca de integrá-las na prática da sala de aula envolve também o trabalho com outros recursos que são importantes na vida do educando. Perrenoud (2002: 126), afirma que “a verdadeira incógnita em relação às tecnologias adotadas pelos professores surge no fato de saber se os professores irão utilizálas como auxilio no ensino ou para mudar de paradigma”. Os recursos tecnológicos (televisão, computador, internet, som etc.) devem ser considerados “aliados” do processo ensino aprendizagem. Através deles é possível trabalhar de forma mais real e pode, sem dúvida, facilitar a aprendizagem do educando. Porém, Libâneo (2001:54) descreve que “tanto professores como especialistas da educação tem uma certa resistência ao uso de tecnologias e, além disso, expressam dificuldade em assumir esse fato”. As tecnologias tornam-se cada vez mais indispensáveis, não podendo ser ignoradas nem consideradas como desnecessárias pela escola. Já Moran (2000), argumenta que os professores, além de buscarem novas metodologias de ensino, devem também abrir discussão sobre seus papeis como profissionais, além de seu relacionamento com seus alunos. Para Freire (2001, p.60) “só educadores autoritários negam que, ao passo que educa, pode também estar se auto educando, fazendo com que o ato de ensinar torne-se ato de aprender, já que o educador deve buscar diante de novas realidades saberes para sua formação, a medida que forem transmitindo conhecimento vão de certa forma aprendendo novos”. 11 Conforme Perrenoud (2000), as novas tecnologias reforçam o trabalho pedagógico, uma vez que permite criar situações de aprendizagem, ricas, complexas e diversificadas. A prática pedagógica mediada por novas tecnologias contribui para motivar os alunos a aprender, pois eles poderão estar em contato com esses recursos tanto dentro como fora da sala de aula. Dessa forma, o professor precisa buscar essa qualificação para tornar o ensino mais integral e ter nesses recursos um aliado no processo ensino aprendizagem, A pouca familiaridade com os recursos tecnológicos pode levar o professor a não adotá-lo em sua prática pedagógica. Porém, as demandas atuais exigem que a escola ofereça ao educando, além da formação, competência técnica para sua adaptação no mercado de trabalho. O domínio das tecnologias só faz sentido quando se torna parte das relações do homem com a sociedade. Nesse sentido, Perrenoud (2002, p. 30), discute que o professor, independente de sua formação, deve preocupar-se em adquirir uma cultura básica em relação ao domínio das tecnologias, quer seja para suas práticas pessoais ou para fins pedagógicos. As escolas devem ser equipadas e diversificadas com recursos tecnológicos, focalizando sempre sua verdadeira finalidade pedagógica, uma vez que o conhecimento, através destas mediações instrumentais materializadas nas tecnologias, requer uma forma de trabalho coletivo na busca da totalidade do conhecimento, buscando sempre um trabalho solidário e não competitivo na mudança de concepção da sociedade. O PCN (BRASIL, 1998) afirma que livros, jornais, revistas são considerados tecnologias informacionais e já fazem parte do cotidiano escolar há muito tempo. A grande novidade hoje é a introdução de novas tecnologias da comunicação e informação (NTIC ou TIC) no contexto escolar. Ou seja, as novas tecnologias de comunicação levam a educação a uma nova dimensão tendo como objetivo enriquecer as aulas, de torná-las mais atrativas, além de estimular a criatividade dos educandos. A compreensão entre educação e tecnologia fundamenta numa compreensão que a escola, educador e educando devem ter a clareza de quais são os fins ou os motivos do uso das tecnologias na educação, pois a relação entre ensino e aprendizagem deve ter claro o potencial pedagógico favorecido pelas tecnologias como mediação. 4. As TICs no contexto do Ensino de LIBRAS na Educação Básica O contexto de formação de professores da Educação Básica, via uso das TICs, foi um grande desafio à equipe. A diversidade de profissionais envolvidos, a inserção no mundo virtual, o 12 interesse em desenvolver um curso semipresencial foram fatores importantes a ser considerados para a elaboração do curso de LIBRAS e das atividades que o constituíram. Ao realizarmos a formação da equipe, nos deparamos com um conjunto de ações que seriam necessárias e que não havíamos planejado, como por exemplo, a organização de um espaço que contemplasse os bastidores do curso, para acesso da equipe. Desse modo, reestruturamos a equipe, com a definição de um grupo específico para atuar frente à moderação do PVAnet, com pessoas que tinham experiências anteriores de atuação nas TICs. Esse grupo responsabilizou-se pela criação de um espaço destinado aos arquivos e planos de aula; aos cronogramas dos cursos desenvolvidos; aos manuais de esclarecimento sobre as atividades que foram construídas para os cursistas; além de um local para arquivar os trabalhos e atividades a serem desenvolvidas pela equipe. Esse todo foi nominado como a “Secretaria do FIC 001” (Formação Inicial e Continuada), de acordo com a imagem que segue: Figura 1 - FIC 001 - Secretaria do FIC Essa estrutura favoreceu a dinâmica das ações da equipe, visto que todos, a partir desse momento, tiveram acesso aos materiais que estavam sendo elaborados semanalmente para o desenvolvimento das aulas presenciais, antes mesmo de elas serem ministradas. Consecutivamente, as atividades à distância tinham um parâmetro exato do que complementaria a atividade presencial. Além desse meio interativo, a equipe dispunha de um grupo de email e de reuniões semanais presenciais (somente um membro da equipe, que era acadêmico de um curso de Licenciatura à distância da UFV, durante esse período, participou das reuniões via skype). Os ambientes virtuais utilizados nesse processo de organização e ação da equipe demonstraram sua eficácia na agilidade das informações, sem a necessidade de aguardar até o encontro presencial para discutirmos determinada alteração de atividade ou a adição de 13 material no espaço virtual dos cursistas. Ainda, foi importante como meio para sanar as dúvidas que surgiam entre os membros da equipe ou que eram postadas pelos cursistas. Para Litwin (1997) as inovações costumam ser definidas como uma nova proposta que inclui um melhoramento no sistema educacional ou nas práticas das salas de aula. Nesse sentido, o uso do PVAnet como uma inovação ao curso, trouxe ganhos em vários sentidos: aproximação dos professores em formação às tecnologias; cooperação integral do grupo para o desenvolvimento de tarefas dinâmicas; aprendizagem e aprimoramento dos recursos didáticos utilizados pela equipe; e, ainda, ressignificação do olhar aos dados do trabalho. O trabalho de formação do professores em LIBRAS, a partir do uso das TICs demonstrou a importância da diversidade de práticas pedagógicas, usando diferentes dinâmicas, como meio para promover a construção do conhecimento pelo educando. Trabalhar fazendo uso de novas tecnologias como recurso didático pode constituir-se em um contexto favorável. Porém, cabe ao professor a tarefa de saber explorar pedagogicamente as potencialidades que o desenvolvimento dessas propiciam. Nessa perspectiva, a elaboração do ambiente virtual, aos cursistas via PVAnet, ocorreu de forma estratégica; ou seja, em um primeiro momento, logo ao início do curso, foi sugerido um espaço de ambientação aos cursistas. Desse modo, o item que primeiro foi disponibilizado aos professores na disciplina de FIC 102, referente à formação em LIBRAS II, no começo do período de 2014, foi a Ambientação. Foram criadas duas pastas, contendo um guia de estudos ao cursista e um espaço para que ele conhecesse o ambiente do curso. Posterior a esse período, as demais atividades passaram a ser inseridas, como é possível verificar na imagem que segue: Figura 2 - Ambientação do PVAnet FIC 102 Essa estratégia auxiliou no processo de adaptação dos cursistas aos modelos de atividades à distância. A apropriação e utilização das tecnologias por alguns cursistas, professores da escola básica, foram questionadas a todo o momento, no sentido de entendimento sobre o 14 processo de mediação virtual. Consideramos essa dinâmica, quando utilizada conscientemente, como fonte de benefícios aos envolvidos. Nesse sentido, a relação universidade x escola torna-se um ambiente de constante aprendizagem e troca de informações, em que, nesse processo, todos têm a ganhar. As experiências e trocas de ideias sobre a prática aplicada na sala de aula fez com que a interação com a realidade ficasse mais objetiva, possibilitando uma maior assimilação entre a teoria e prática. A exigência quanto ao desempenho dos educadores levou em consideração, principalmente, o que se refere à sensibilização desses para o uso das tecnologias em um sentido inclusivo. As atividades virtuais poderiam auxiliar no espaço da prática educativa em sala de aula, para contemplar alunos surdos e ouvintes, especialmente em relação à busca do desenvolvimento das competências dos educandos, a partir de suas especificidades e da realidade social. Desse modo, um conjunto de atividades à distância foi elaborado, para que os professores, a partir das atividades de formação que estavam sendo propostas, refletissem acerca de suas próprias práticas, com a possibilidade de incorporá-las em sua atuação pedagógica no âmbito escolar. É possível verificar essa dinâmica a partir da imagem que segue, em que no menu principal existem links com jogos, construídos virtualmente para prática da LIBRAS em diferentes situações; vídeos, com temáticas variadas envolvendo a educação de surdos; e, biblioteca, com textos englobando diferentes áreas do conhecimento para abrangência de todos os cursistas. Figura 3 - PVAnet e atividades extraclasse Além das atividades extraclasse adicionadas ao PVAnet, estavam presentes aquelas que seriam desenvolvidas ao longo do semestre, referentes ao curso de LIBRAS. É notório que o educador de hoje enfrenta diversos desafios, no sentido de realizar transformações da prática pedagógica, em ter que disponibilizar tempo e adquirir competências para assimilar as disciplinas com os recursos didáticos. Em relação à 15 experiência dos cursistas nesse processo, foi relatada uma grande dificuldade da maioria em dar conta das atividades por falta das habilidades de informática e por não ter hábito de uso do computador no trabalho ou fora dele. A grande maioria dos professores participantes do curso de formação não utilizava, de forma frequente, os recursos de multimídia no dia-a-dia. A falta de acesso, de conhecimento, e do próprio computador em casa prejudicou a permanência dos participantes no decorrer do curso. Desenvolver essas habilidades de lidar com inovações não é tarefa fácil, já que o educador precisa ir além da simples memorização do conteúdo; ele precisa estar ciente que o educando deve, também, compreender o real significado da aprendizagem. Mercado (2002) discute que a sociedade torna-se cada vez mais tecnológica, com a necessidade de perceber a inclusão de maneira consciente; e a inserção de competências que abranjam as diferenças nos currículos escolares. Pontua-se como essencial que nos cursos de LIBRAS para formação de professores, que para além de um curso básico da língua, exista, principalmente, espaço para conscientizar e sensibilizar os professores acerca da sua responsabilidade em sala, para atingir todos presentes. O professor necessita compreender a singularidade linguística do seu aluno, principalmente na sintaxe, essencial na compreensão de enunciados‡. Tal compreensão facilita a aproximação entre professor e aluno surdo, e entre alunos surdos e ouvintes. A pedagogia visual relaciona-se de maneira intrínseca com a imagem visual que o surdo recebe. Enquanto os ouvintes recebem uma “pedagogia ouvinte” ou “pedagogia sonora”, o surdo aprende com a pedagogia visual (ou pedagogia surda), que é baseada em uma linguagem visual, imagética, de expressão corporal e de representações artísticas (BASSO; STROBEL; MASUTTI, 2009). No que se refere à pedagogia visual (BASSO; STROBEL; MASUTTI, 2009), buscou-se contemplá-la através do material didático produzido. Ao terem contato com a visualidade, aspecto tão presente na cultura surda, por meio das atividades desenvolvidas via TICs, os cursistas obtiveram conhecimentos a respeito da importância de estratégias que alcançassem também os alunos surdos. A utilização das novas tecnologias viabiliza em partes o tempo do professor e da qualidade do seu trabalho. O professor passa a não só elaborar suas aulas e ministrá-las com o uso de ‡ A LIBRAS é uma língua natural (GESSER, 2009), porém o reconhecimento linguístico só veio através dos estudos de William Stokoe, linguista americano, que em 1960 estudou os vários aspectos gramaticais das Línguas de Sinais. Ele foi o primeiro a perceber e comprovar que a Língua de Sinais atendia a todos os critérios linguísticos de uma língua genuína, no léxico, na sintaxe e na capacidade de gerar uma quantidade infinita de sentenças. Portanto os sinais não são meras imagens, mas sim “símbolos abstratos mais complexos” (QUADROS & KARNOPP, 2004). 16 recursos tecnológicos como, também, digitar seus textos, formatá-los e imprimi-los, além de pesquisar novas informações, criar ambientes e situações de aprendizagem para interagir melhor com os educandos num processo de mediação. Em relação aos conteúdos do curso de LIBRAS, os cursistas identificaram que foram bem explorados e ministrados. As metodologias vieram a somar na ressignificação das atividades desenvolvidas pelos professores na educação básica. Segundo eles, fez diferença no processo de aprendizagem, pois, as atividades foram vivenciadas coletivamente, outras construídas pelo próprio grupo e, muitas outras, apresentadas de maneira lúdica no decorrer do curso. Essas ações possibilitaram a promoção da aprendizagem de forma prazerosa e lúdica, em que todos puderam participar. Desse modo, o conhecimento deixa de ser um processo estático para se tornar flexível e acessível a todos, ultrapassando as paredes das salas de aulas. Os livros impressos não são mais a única forma de ensino. Os recursos como e-mails, correspondências, telefone, vídeo, televisão, internet, redes sociais começam a fazer parte do processo educativo. O ensino exclusivamente verbalista, a mera transmissão de informações, a aprendizagem entendida somente como acumulação de conhecimentos não subsistem mais. Isso não quer dizer abandono dos conhecimentos sistematizados da disciplina nem da exposição de um assunto. O que se afirma é que o professor medeia a relação ativa do aluno com a matéria, inclusive com os conteúdos próprios de sua disciplina, mas considerando os conhecimentos a experiência e os significados que os alunos trazem à sala de aula, seu potencial cognitivo, suas capacidades e interesses, seus procedimentos de pensar, seu modo de trabalhar (LIBÂNEO, 2001, p. 45) A mediação pedagógica é primordial no processo ensino aprendizagem, uma vez que o professor ajuda o aluno a argumentar, dialogar, de modo que a sala de aula seja, de certa forma, uma continuação da realidade vivida, já que a educação não pode estar indiferente às transformações e mudanças do mundo. O PCN (BRASIL, 1998, p. 145) aponta que a escola precisa adaptar as mudanças num curto espaço de tempo, visto que precisa acompanhar os processos de transformação da sociedade e atender as novas demandas. Embora haja uma necessidade de o professor buscar novos meios e recursos, os professores apresentam uma considerável resistência alegando experiência. Segundo (MERCADO, 2002, p. 16) os professores são profissionais que tem uma função re (criadora) sistemática. Há, ainda, lacunas que precisam ser repensadas no processo de formação dos professores, para que as contribuições dessa formação sejam visíveis nos locais de atuação dos educadores. Se a formação estiver sendo desenvolvida através dos meios convencionais, é preciso refletir sobre os questionamentos em voga sobre a preparação desses para usar 17 adequadamente as novas tecnologias em sala de aula. De acordo com Mercado (2002), as novas tecnologias e seu impacto na sociedade são aspectos pouco trabalhados nos cursos de formação de professores e as oportunidades de se atualizarem nem sempre são as mais adequadas à sua realidade e às suas necessidades. A variedade de recursos didáticos na sala de aula ajuda o educando a compreender o processo de ensino e interessar-se mais pelas aulas, já que são recursos, principalmente no que diz respeito a tecnologias, estão facilmente disponíveis e acessíveis à sociedade. Nota-se que ainda faltam iniciativas de formação inicial e continuada no processo de formação do professor para nortear o processo de inovação, favorecendo novas formas de construir conhecimentos. 5. Considerações finais Este estudo está distante de esgotar as possibilidades de pesquisas em torno do tema escolhido, ao contrário, percebeu-se que as TICs demandam de outros temas de investigação, que poderão contribuir para a compreensão de um emaranhado de relações e articulações que compõe o campo da educação básica na formação de professores em LIBRAS, via tecnologias de informação e comunicação. As tecnologias não podem ser tratadas apenas como apêndices, usadas em certos momentos ou em disciplinas de caráter optativo, em que os educandos escolhem apenas para preencher um espaço em sua programação curricular ou porque têm afinidade, sem a devida importância. Esse estudo possibilitou a reflexão sobre a qualidade dos recursos e dos modelos de práticas que estão sendo implantados pelos educadores na formação dos educandos. Essa troca de experiências gerou dúvidas, temores e uma vasta reflexão sobre a vida acadêmica e profissional, já que o sistema tende muitas vezes a “estatizar” as pessoas, seja por falta de recursos, ou, ainda, por falta de estímulos do meio. Observou-se durante o curso, voltado para um processo de ensino e aprendizagem, mediado pela utilização do PVANet, que: nem todos os professores têm noção da importância do uso das tecnologias; ainda há uma resistência para mudar sua forma de ensinar e aprender; e, o ensino ainda encontra-se voltado para o modelo tradicional, em que o conteúdo torna-se mais valorizado que a prática pedagógica, o que faz com que alguns professores sintam-se, de certa forma, “inseguros” para utilizar as tecnologias digitais. Essas percepções nos fizeram refletir sobre a escassez de disciplinas, nos cursos de formação de professores, na área tecnológica. Essa mediação durante o processo de formação foi 18 identificada como um problema, que dificulta o atendimento às novas formas de atuação didática e pedagógica dos professores ao adentrarem os espaços escolares. Foi identificado, ainda, que enfoque dado às tecnologias como apoio pedagógico ao professor não é suficiente, visto que os mesmos não possuem habilidades anteriores para a utilização das tecnologias como viés metodológico, o que repercute na insegurança para lidar com tais recursos. Partindo desse pressuposto, é necessário articular de forma coerente e cautelosa sobre a inclusão, a partir de uma educação mediada por tecnologias. As TICs viabilizaram, no curso formação de professores em LIBRAS, o despertar para uma visão crítica e consciente a respeito do seu processo de aprendizagem e, ao mesmo tempo, da necessidade de dominar as metodologias e linguagens, inclusive a linguagem tecnológica. Nessa perspectiva, o estudo colaborou com formação inicial e continuada de professores, que a partir das interações durante a formação e a elaboração dos materiais mediados pelas TICs, refletiram em relação aos seguintes aspectos: - a necessidade de articular a teoria apreendida com a prática em sala de aula; e, de posse dessa nova aprendizagem, identificar como é possível construir novas metodologias que atendam à diversidade presente na sala de aula; - a autocompreensão de que há resistência em mudar didaticamente as aulas, principalmente, pela falta de preparo para as mudanças. Ainda é insignificante o uso de tecnologias ou mesmo a variação de recursos de apoio pedagógico pelo professor em sala de aula. A inserção das TICs no processo de ensino e aprendizagem por si só não consegue resolver com as lacunas existentes. Mas, pode facilitar melhorias que precisam ser pensadas, discutidas e colocadas em prática no âmbito de reformas educacionais. A construção de conhecimentos significativos, objetivo das propostas pedagógicas na atualidade, ainda é um desafio, inclusive para os educadores comprometidos com a formação, dado aos vários problemas que cercam a educação. No ambiente virtual, a construção do conhecimento estará condicionada aos tipos de abordagens feitas entre os que estão encaminhados no processo, e, mais ainda, deixa visível a concepção pedagógica que rege o trabalho docente. O estudo apontou as dificuldades dos professores na propensão à adoção de tecnologias no processo de ensino aprendizagem. Nesse sentido, verifica-se que, tanto para o processo de capacitação, bem como, nas práticas pedagógicas de sala de aula, ainda é um desafio que precisa ser superado. A decisão de inserir as tecnologias repercutiu na adição de um outro olhar ao trabalho, que embora fosse necessário um esforço para compreender novas informações e contornos metodológicos de interação, resultou positivamente a todos os envolvidos que permaneceram 19 ao longo de todo o processo. As TICs ampliaram o campo de possibilidades inclusivas, no que se refere ao uso de mídias digitais e a abrangência dos aspectos visuais, de extrema importância para o ensino e aprendizagem da LIBRAS. O que fica claro, com esta experiência, é que as potencialidades das TICs seduzem todos aqueles que tomam conhecimento de seu funcionamento e resultados. Aqueles que realmente conhecem seus recursos e que buscam um aprofundamento em novas possibilidades. No entanto, a inclusão das tecnologias no processo educacional deve ser vista como uma necessidade para o desenvolvimento que a sociedade em si opera, uma vez que essas já fazem parte do nosso dia-a-dia. Sua inserção no meio educacional torna-se cada vez primordial, para uma completa interação do indivíduo com a sociedade. Contudo, não só as novas tecnologias tornam o trabalho do professor mais ou menos qualificado. Elas podem dar suporte para uma melhor execução das atividades docentes, no entanto, segue a necessidade de um ensino de qualidade, que não está apoiado somente no uso das novas tecnologias na educação, mas no processo educacional como um todo. Os problemas educacionais são muito amplos e não estarão resolvidos somente a partir do uso das novas tecnologias, mas, também de Políticas Públicas e de melhores condições de trabalho docente. 6. Referências BARBOSA, R.M.(org.). Ambientes Virtuais de Aprendizagem. Porto Alegre: Editora Artmed, 2005. BASSO, I. M. S.; STROBEL, K. L.; MASUTTI, M. Metodologia do Ensino de Libras L1. Florianópolis: UFSC, 2009. BITTENCOURT, Luciana Aguiar. Algumas considerações sobre o uso da imagem fotográfica na pesquisa antropológica. 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O objetivo é inovar a construção do conhecimento da língua materna junto às turmas de 6º ao 9º ano do ensino fundamental de uma escola municipal de Uberaba, MG. Estudos sobre gêneros e análise de obras de artistas locais, nacionais e internacionais interagiram para o conhecimento do conteúdo proposto, além de contribuir para a educação da sensibilidade. Palavras chave: Arte. Interdisciplinaridade. Língua Portuguesa. Introdução Atualmente, a Educação adota a forma clássica de organização do conhecimento, que é o “modelo linear disciplinar, ou conjunto de disciplinas justapostas” (SANTOMÉ, 1998, p. 103). Esse modelo compartimenta os saberes tornando-os fragmentados, cada vez mais especializados. O aluno, dentro e fora do ambiente escolar, muitas vezes não consegue contextualizar o que foi ensinado, nem dar-lhe um sentido ou significado. A perda dessa significação é a consequência da tentativa de entender o todo a partir de sua fragmentação. Nesse contexto, os professores e todos os envolvidos no sistema educacional, sentem a dificuldade, a responsabilidade e a necessidade de promover uma educação que cumpra sua finalidade primordial, já regulamentada na legislação vigente, que é o desenvolvimento integral do educando, assegurando-lhe a formação indispensável. Universidade de Uberaba-UNIUBE. Licenciada em Letras Português-Inglês pela Universidade de UberabaUNIUBE; Pós-graduada em ‘Leitura e Produção de texto na Interdisciplinaridade pela Universidade do Estado de Minas Gerais- UEMG; professora bolsista de educação básica, Programa CAPES-OBEDUC. Orientadora da pesquisa. Universidade de Uberaba-UNIUBE. Doutora em Educação. Pesquisadora no PPGEUNIUBE. Membro da Rede de Pesquisadores sobre Professores no Centro-Oeste-REDECENTRO; do Círculo Latinoamericano de Fenomenología; coordenadora institucional do Observatório da Educação Interdisciplinaridade na educação básica: estudos por meio da arte e da cultura popular. Agencias financiadoras: CAPES/FAPEMIG 2 Na tentativa de superar os problemas ocasionados pela fragmetação da ciência, reconciliar essa fragmentação e criar uma relação entre o saber e a realidade do aluno assume-se uma atitude interdisciplinaridade que busca conciliar os conceitos pertencentes às diversas áreas do saber a fim de promover avanços como a produção de novos conhecimentos. Essa atitude leva em consideração que a formação de uma pessoa não pode ser construída de maneira fragmentada, pois essa acontece na integração de várias circunstâncias, de vários acontecimentos, fatores e saberes. Nesse sentido, Luck (1994, p. 64) afirma que o processo que envolve integração e o engajamento dos educadores, num trabalho conjunto da integração das disciplinas no currículo escolar entre si e com a realidade, de modo a superar a fragmentação do ensino, objetivando a formação integral dos alunos a fim de possam exercer criticamente a cidadania, mediante uma visão global do mundo e serem capazes de enfrentar os problemas complexos, amplos e globais da realidade que atua. Assim, a escola precisa pensar em um processo educacional e em projetos que contemplem toda essa situação em torno do aluno. Todavia, faz-se necessário um cuidado especial quando se fala em práticas interdisciplinares, pois muitos educadores e estudiosos demonstram insegurança e desconhecimento na implementação da interdisciplinaridade. Como afirma Fazenda (2005, p. 16), “muitos estudiosos têm tomado para si a tarefa de definir a interdisciplinaridade e, nessa busca, muitas vezes se perdem na diferenciação de aspectos tais como: múlti, plúri e transdisciplinaridade”. Trabalhar a Língua Portuguesa em um projeto interdisciplinar foi um desafio, pois não é fácil inovar, criar situações e atividades diferentes que provoquem mudanças no processo ensinoaprendizagem. Nas atividades aqui relatadas, trabalhou-se com obras de diversos artistas, textos de diversos gêneros (entrevistas, reportagens, artigos jornalísticos, poemas, biografias encontrados em diferentes suportes textuais). Além disso, utilizaram-se vários recursos como a internet, que possibilitou a pesquisa sobre os artistas e suas obras; os jornais; a reprodução fotográfica e impressa de obras, e, os livros didáticos adotados na escola. As ações utilizaram, assim, diferentes fontes de informações e recursos para se construir um conhecimento sobre gêneros discursivos. A utilização das linguagens verbal e não verbal para expressar e comunicar ideias visava despertar a sensibilidade para a arte, ou o desinibimento para mostrar a sensibilidade artística. A formação para o trabalho interdisciplinar 3 O trabalho começou com estudos teóricos e a participação em minicursos. Leituras de Ivani Fazenda (2005), Paola Zordan (2011, PCN-Arte (1997), foram as primeiras de várias outras. Das leituras de Ivani Fazenda, o livro organizado por ela “Práticas Interdisciplinares na Escola” (2005) foi de singular importância. Muitas considerações dessa autora chamaram a atenção no decorrer do projeto vivenciado, tais como: “No projeto interdisciplinar não se ensina, nem se aprende: vive-se, exerce-se”. “A interdisciplinaridade mostra-se fundamentada na intersubjetividade, tornando- -se presença através da linguagem como forma de comunicação e expressão humana”. “A interdisciplinaridade perpassa todos os elementos do conhecimento, pressupondo a interação entre eles.” “(...) a interdisciplinaridade estimula a competência do educador, apresentando-se como uma possibilidade de reorganização do saber para a produção de um novo conhecimento.” “(...) a interdisciplinaridade se fez por meio da consciência individual caracterizada por um discurso interior que se fortalece na busca da sua identidade pessoal e profissional, e de exteriorização dessa consciência, por meio da palavra, do gesto e da ação, que exprimem um modo particular de conceber o mundo, o homem e a sociedade” (FAZENDA, 2005 ). A fundamentação teórica foi enriquecida com a participação em minicursos organizados pelo “Observatório da Educação sobre Interdisciplinaridade na educação básica”, da UNIUBE, como: “A pesquisa documental no processo investigativo em educação”, ministrado pelo Prof. Dr. Geraldo Gonçalves de Lima, no dia 3 de julho de 2013; a “Construção e socialização do conhecimento científico”, ministrado pela Profa. Dra. Sueli Teresinha de Abreu Bernardes e pelo Prof. Dr. Gustavo Araújo Batista, no dia 31 de julho de 2013 e “Filosofia e educação: a linguagem em Santo Agostinho e Jürgen Habermas”, ministrado pelo Prof. Dr. Geraldo Gonçalves de Lima e pelo Prof. Dr. Bento Borges, no dia 30 de outubro de 2013, todos na UNIUBE. A observação de vídeos da TV Escola, Coleção/Programa: Salto Para o Futuro, como os de número 43 e 44, que tratam de Cultura Popular e Educação (2007); “Linguagens artísticas da cultura popular” (2005) também foram analisados. Foi proporcionado, aos integrantes desse observatório uma viagem à São Paulo. Lá foram visitados o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), onde estava exposta, no 2º piso, a mostra "Passagens por Paris-Arte Moderna na capital do século XIX". Apreciando todo o acervo exposto, foi posível observar obras de Renoir, Manet, Picasso, Cézanne, Eugène Delacroix, entre outros. No térreo, foi visitada a exposição itinerante “A 4 Terra vista do Céu”, do fotógrafo e ativista ambiental Yann Arthus-Bertrand. No outro dia, pela manhã, o grupo visitou a Pinacoteca de São Paulo, um dos mais importantes e o mais antigo museu de arte de São Paulo. À tarde, o Mercado Municipal, lugar citado por todos quando se fala em refeição popular na cidade de São Paulo, foi objeto de observação. Logo depois, a equipe de pesquisadores dirigiu-se ao Museu da Língua Portuguesa. No dia visitado, no primeiro piso acontecia a mostra sobre a vida e obra de Cazuza; no segundo, a história da língua portuguesa, e no terceiro foi possível assistir um curta metragem sobre a importância da linguagem e, em seguida, foi presenciada uma declamação de textos, poemas e fragmentos de textos de escritores brasileiros e portugueses. Nos três pisos, a tecnologia está presente o tempo todo. Todas as situações de aprendizagem e estudo foram discutidas em reuniões em grupo e em orientações individuais no decorrer do desenvolvimento dos projetos. O desenvolvimento das atividades No primeiro projeto desenvolvido, “O texto jornalístico por meio da criação artística”, a primeira atividade realizada em sala de aula foi a produção de texto jornalístico a partir da observação e análise da obra “O Retrato de Suzanne Bloch”( 1904), “O Lavrado” de Pablo Picasso (1939). No primeiro dia, foram levados jornais impressos para serem lidos pela turma. Vários itens foram observados e explicados (figura 9) nesse primeiro momento: a estrutura do jornal, como por exemplo, os cadernos, a localização dos assuntos, o próprio manuseio do jornal foi difícil para alguns. Depois do primeiro contato, quando foi explicado a estrutura do jornal, foi solicitado aos alunos que escolhessem assuntos de seu interesse para serem discutidos. Essa atividade foi realizada em pequenos grupos com 2, 3 e até 4 participantes (figuras 1 e 2). Os assuntos escolhidos variaram: esporte, política, entretenimento, policial, saúde. No ano anterior houve um surto de dengue na cidade e muitos estudantes tiveram o que contar na hora dos relatos orais. Em outro momento, foi apresentado um artigo retirado de um jornal online que relatava um furto em obras no MASP de São Paulo. A leitura do artigo despertou muita polêmica pois o valor das obras era inusitado. Para os alunos, era muito caro. Foi realizada uma simulação dos valores, e isso despertou o interesse de todos. Em seguida, os estudantes foram levados ao laboratório de informática onde puderam constatar a veracidade da notícia. Eles investigaram 5 em vários sites sobre o roubo, depois sobre o pintor espanhol em questão e suas obras e registraram o resultado em seu caderno de Língua Portuguesa. Os alunos procuraram a biografia do artista e ainda fizeram em seus cadernos colagens de imagens de algumas obras. Depois da pesquisa, foi-lhes solicitada a leitura de artigos policiais envolvendo roubos. Em seguida, os estudantes construíram produções textuais com o gênero lido e discutiram sobre a obra furtada. Várias sugestões foram aceitas para a produção textual, de roubo de material escolar a roubo de carro, casas, animais de estimação e igrejas. Feita a produção escrita, os alunos mostraram cadernos muito bonitos, pois haviam feito colagens com as obras dos artistas que tiveram as obras roubadas. Alguns começaram a fazer pequenas releituras e desenhos em seus cadernos, pois não tinham como fazer xerox colorido . Posteriormente, quiseram fazer releituras maiores, em cartolinas, usando lápis de cor, giz de cera, cordão, jornal, papel colorido recortado, cola e pequenos pedaços de galhos de árvore (figura 3). Logo depois, foi realizada uma exposição dos quadros com análise e discussão do gênero jornalístico e da obra noticiada, com muito envolvimento dos alunos. Após essa atividade, foi enviado um texto relando a experiência para uma revista da Prefeitura Municipal de Uberaba com o título “Um modo interdisciplinar de criar um texto jornalístico”. O artigo foi publicado no mês de março de 2015 e entregue às escolas durante o Congresso Regional de Educadores do Triângulo Mineiro. O segundo projeto, “O ensino da língua portuguesa através de entrevistas e da arte fotográfica”, abrangeu o gênero entrevista, tema proposto no plano anual de curso e, ainda, nas Olimpíadas de Língua Portuguesa de 2014. Inicialmente, os alunos assistiram entrevistas, leram umas no livro didático “Português Linguagens” (2013) e também algumas xerocopiadas de revistas. Após esse primeiro contato, os alunos de 7º ano foram orientados a realizar entrevistas e a produzirem textos. Essas variaram muito: entrevistaram familiares, vizinhos, colegas e funcionários da escola, durante as aulas e em horários extraclasse. Das interlocuções trouxeram fotos dos entrevistados. Esses alunos tiraram fotos em várias situações: em passeio com a professora de Ciências, no parque do Jacarandá (figura 4); no caminho para casa; nos jardins do bairro. Tiveram como foco árvores, queimadas próximas à cidade, lixeiras coloridas espalhadas na cidade, praças, escola e o pôr do sol. Enquanto isso, os alunos do 9º ano entrevistaram, na escola, um fotógrafo uberabense (figura 5) muito conhecido na cidade, e, também, fizeram seus textos. A partir daí a fotografia ficou sendo o objeto de trabalho dos alunos. Vídeos e fotos de Salvador Salgado e de sua obra 6 foram mostrados, o que despertou muito interesse dos alunos. Então, foi proposto um trabalho em que os alunos iriam fotografar. Alguns alunos escolheram o tema meio ambiente, pois a escassez de água e os recursos naturais estavam sendo muito comentados. Outros escolheram cidadania. Fotografaram com celulares e máquinas fotográficas. As fotos foram entregues em pen drives, via Facebook e por e-mail. Os próprios alunos ajudaram na seleção e foram, então, reveladas 80 fotografias, 20 de cada turma. Essas foram expostas no pátio e na biblioteca da Escola Municipal Santa Maria. Os alunos do 9º foram ao local de captação de água, pois a cidade estava com problemas de abastecimento de água, na época. Lá, fotografaram o percurso da água, a captação (figura 6), o lixo na região. Fotografaram ciclovias, vagas de estacionamento para deficientes e idosos, faixas de pedestres e situações de desrespeito a elas, lixo pela cidade, acessibilidade na cidade e na escola. Alguns alunos fizeram questão de falar, também, sobre a fotografia do momento, a self. Na exposição de fotos realizadas na escola, os alunos fizeram questão de expô-las. Houve, também, o reconhecimento e valorização da fotografia em preto e branco. O vídeo com as fotos do livro “Gênesis” de Salvador Salgado (2013) foi assistido e discutido pelas turmas. Esse trabalho foi além do planejado: além de trabalhar com o gênero entrevista e sensibilizar os alunos com a arte fotográfica, foi despertado neles o senso de responsabilidade com o meio ambiente, acessibilidade (figura 7) e a valorização de ações que representam a cidadania praticada de maneira consciente. Neste ano de 2015, outro projeto foi desenvolvido nas turmas de 8º e 9º anos do ensino fundamental: “Estudo do texto descritivo a partir do texto verbal e artístico de pintores e escritores brasileiros”. Seu objetivo foi estudar o texto descritivo a partir do texto verbal e artístico de pintores e escritores brasileiros. A fundamentação teórica abarca a conceituação de textos descritivos feita por Othon M. Garcia (1980) que afirma: "descrição é a representação verbal de um objeto sensível (ser, coisa, paisagem), através da indicação dos seus aspectos mais característicos, dos pormenores que o individualizam, que o distinguem"; na constatação de que artistas, os pintores no caso em estudo, descrevem numa língua nãoverbal, ou seja, através de sua arte. A pintura, como representação artística da descrição foi escolhida porque ela acompanha o ser humano em grande parte sua história. Os alunos fizeram leituras de textos de Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Bonfim e Jorge Amado. Na pintura, realizou-se um diálogo com obras de Di Cavalcanti e também de 7 artistas que pintaram ou fotografaram a cidade de Uberaba. Essa extensão deve-se às comemorações do aniversário da cidade. Os alunos escreveram textos descritivos e criaram releituras de imagens da cidade aniversariante. Como no primeiro projeto, as criações dos alunos em todas as atividades foram socializadas na escola em murais nos espaços abertos como pátios e quadras (figura 8). Considerações finais Em cada projeto desenvolvido, foi possível observar os diferentes modos que os alunos recebiam a arte em suas vidas e como o ensino da língua portuguesa tomou nova significação. Esse entrelaçar arte, língua portuguesa, texto verbal e não verbal, em cada momento ia tomando forma diferente e observava-se que o prazer tomou conta das atividades desenvolvidas. A sensibilidade para a percepção das criações artísticas foi estimulada e, em vários momentos, foram contempladas ações que demonstraram o desenvolvimento do uso da linguagem artística. O encontro das artes plásticas, pintura e fotografia, com a literatura propiciou a interação das manifestações da arte. E ainda despertou em alguns alunos a percepção de que é possível estudar em diálogo com a arte. A prática das atividades interdisciplinares precisa contar com a colaboração de todos os professores de todos os conteúdos e proporcionar ao aluno uma reflexão, uma crítica sobre o conhecimento. Faz-se necessário pensar e repensar o conceito de interdisciplinaridade nas instituições educacionais e como a arte pode contribuir na construção do conhecimento e na educação da sensibilidade. Referências: AMADO, Jorge. Releituras: resumo biográfico e bibliográfico. Disponível em: http://www.releituras.com/jorgeamado_bio.asp>. Acesso em: 12 abr. 2014. BONFIM, Paulo. Jornal da Poesia. 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Figura 7 - Acessibilidade Fonte: Foto: Samara Rosa (2014). 12 Figura 8 - Exposição de fotografias dos alunos, E, M. Santa Maria, Uberaba, MG. Fonte : Foto Claudia Beatriz Fontes (2014). Figura 9 - Aula de Língua portuguesa, E. M. Santa Maria, Uberaba, MG. 1 A INTRODUÇÃO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO NA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA MARIA ALICE DE MIRANDA ARANDA WANDER LUÍS MATIAS Introdução O presente artigo retoma estudos realizados em decorrência de pesquisa efetivada no início da primeira década do século 21 na Universidade Federal de Mato Grosso Sul (UFMS), Campus de Dourados, hoje Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Estudo este que veio à tona por ocasião de participação recente em Projeto de Pesquisa e Extensão intitulado A participação da comunidade na gestão democrática da escola em prol da qualidade do ensino: o Projeto Político Pedagógico em questão (Edital 13/2012 – Pesquisa em Educação Básica – Acordo Capes-FAPEMIG – 2013-2015), desenvolvido pelos participantes do Grupo de Pesquisa Estado, Democracia e Educação (GPEDE), do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais. Cabe registrar que foram lócus da pesquisaduas escolas públicas situadas na Região do Triângulo Mineiro (MG), sendo uma estadual (Município de Araguari) e outra municipal (Município de Uberlândia). Considerando a contextualização registrada, o objetivo do artigo é tecer breves considerações sobre a proposição do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola como instrumento do processo em que ganhou expressão o tema da democratização da educação nacional nas últimas duas décadas do século 20, particularmente na afirmação da gestão democrática escolar, com vistas a mostrar a introdução do mesmo como componente da política educacional brasileira, ressaltando o caráter adquirido nos anos de 1990. Baseado em pesquisa bibliográfica e documental, o estudo está organizado em seções, iniciando por apresentar o PPP como mecanismo de gestão democrática, decorrente da luta dos educadores na busca de uma concepção de educação pautada nos ideais de transformação social, mostrando, em seguida, um segundo instrumento denominado apenas Projeto Pedagógico e como foi a sua introdução na política educacional. Segue-se apresentando a distinção existente entre ambos, fechando o estudo com os fundamentos teóricos do primeiro. PPGEDU/FAED/UFGD - [email protected] – HTTP://lattes.cnpq.br/2155809586937730. PPGED/FACED/UFU - [email protected] – HTTP://lattes.cnpq.br/6599948292942046. 2 1. O Projeto Político Pedagógico como mecanismo de gestão democrática O tema da democratização da educação apareceu no cenário educacional brasileiro inicialmente como proposta de abertura da escola para as massas e de sua articulação com a comunidade, notadamente com o debate educacional das décadas de 1920 e 1930 (SPÓSITO, 2001). Desde então, esteve presente, de um lado, como reivindicação, luta e prática dos educadores e, de outro lado, como discurso e política de governos. No primeiro caso, tinha em vista a democratização da educação, a democratização da escola e do conhecimento. Para tanto, propunha o controle social da atuação do Estado na educação, mediante a conquista da autonomia administrativa, financeira e, principalmente, pedagógica da escola pública. No segundo caso, apareceu, em diferentes momentos históricos, sempre com um caráter funcional, pragmático e imediatista, gerando uma cidadania tutelada, sob controle. Cidadania tutelada é entendida neste estudo como as condições de participação estabelecidas por regras burocráticas, mediante a regulamentação e a obrigatoriedade de canais de participação. Do seio dos movimentos sociais, do debate e das propostas de setores progressistas da sociedade organizada (anos 1970, 1980) emergiu uma concepção de gestão democrática da educação voltada para a transformação das relações de poder, para a instituição de uma cidadania efetiva, para o controle social dos serviços públicos, destacando a importância da construção coletiva de uma escola pública capaz de promover a cidadania emancipada. Esta, compreendida nesse trabalho como o exercício de uma participação que reflete a conquista de um espaço público de ação, reflexão, decisão e discussão que não seja tutelado pelo Estado, e, sim, garantido através de uma gestão democrática (SPÓSITO, 2001; ARANDA, 2004; 2009). Decorrente deste processo, em 1988, as forças sociais democráticas inscreveram a gestão democrática como princípio do ensino público na Constituição da República Federativa do Brasil. Abriu-se, então, a possibilidade de, entre diversas medidas, instituir-se a elaboração de um projeto educacional no qual cada coletivo escolar definisse: que homem, que escola, que sociedade tem em vista. E, a partir disso, decidisse: a organização da escola, do trabalho docente e do ensino; a natureza das relações escolares; que conhecimento e que saberes ensinar; o caráter das práticas pedagógicas; as formas e meios de redimensionar a relação escola e sociedade. Com a valorização da dimensão político-pedagógica da ação educativa, por parte dos educadores comprometidos com essa concepção de educação, passou-se a falar não em qualquer projeto educacional, mas no Projeto Político Pedagógico. 3 Porém, o Projeto Político Pedagógico adotado nessa época não alcançou o êxito almejado, pois não conseguiu, entre outros pontos, valorizar simultaneamente saber popular e apropriação crítica do conhecimento acumulado socialmente. Em muitos casos, a escola privilegiou a organização da categoria docente, fortalecendo aspectos corporativos que não representaram ganhos para a gestão democrática da educação. Nesse sentido, a educação, que deveria ser o instrumento para as escolhas do homem livre, democrático, cidadão e autônomo acaba se tornando mais uma ferramenta de manipulação e de homogeneização do pensamento crítico da sociedade. Contrapondo-se a essa tendência, as teorias críticas da educação são colocadas em relevo com destaques para a afirmação quanto à necessidade da escola assegurar a apropriação do conhecimento científico, historicamente acumulado pela humanidade, como questão nuclear do projeto educativo da escola pública e, assim, criar as condições para a cidadania efetiva (SAVIANI, 2006; LIBÂNEO, 2004, 2003). A viabilidade do Projeto Político Pedagógico da escola dependia, também, de uma estrutura político-administrativa que favorecesse o trabalho coletivo e rompesse com práticas burocráticas e autoritárias instaladas. Assim, outros mecanismos de gestão democrática ganharam maior espaço nas escolas públicas, em especial, a instituição de processos eletivos para escolha de diretores e a criação de órgãos colegiados. Com a institucionalização do projeto pedagógico pela Lei nº. 9394/1996 acreditava-se que a escola poderia ensejar ganhos nessa direção. 2. O Projeto Pedagógico na Política Educacional No decorrer dos anos 1990, configurou-se um conjunto de diretrizes e de políticas públicas voltadas para a promoção de mudanças na área educacional, anunciando ruptura com o paradigma educacional até então vigente. Os insucessos da área educacional, em especial referentes à universalização de uma educação mínima e à baixa produtividade e qualidade do ensino foram atribuídos, fundamentalmente, ao padrão de gestão vigente. À luz do acordo firmado em Jomtien, Tailândia (1990) o Brasil elaborou, nos anos 1993 e 1994, o Plano Decenal de Educação para Todos (PDEpT) para o decênio de 1993 a 2003. No geral, o PDEpT colocou a democratização, a descentralização e a construção de competências em gestão educacional como alvos de modernização. Tal modernização referia-se ao estabelecimento de “novos padrões de gestão”. Segundo Carbonnel (2002) o termo modernização indica as muitas mudanças que vêm sendo colocadas e movidas por 4 imperativos econômicos, como a busca de racionalização de gastos e eficiência operacional. É uma inovação orientada para resultados ou produtos, prestando-se apenas a modernizar, não diluindo o conservadorismo presente nas concepções arraigadas. De acordo com o discurso oficial, esses “novos padrões” deveriam redefinir as responsabilidades e competências, eliminando a burocracia desnecessária, descentralizando as decisões e os recursos, aumentando a autonomia da escola, promovendo a participação da coletividade escolar, racionalizando o uso de recursos físicos e humanos, valorizando os profissionais do ensino e incorporando novas tecnologias (BRASIL, 1993). Estudos apontam que a reordenação da gestão com vistas a novos padrões, ensejou a formulação de políticas educacionais no sentido da privatização e da responsabilização das esferas não centrais pelo processo e resultados. A estratégia de mobilização da sociedade implicou a abertura da gestão da educação para a participação privada, com vistas à introdução de critérios da administração empresarial na educação e ao co-financiamento da educação (FARAH, 1997; FREITAS, 1997a, 1997b). Farah (1997), fazendo uma análise da Reforma da Educação, no Brasil, do início de 1980 a meados de 1990, mostrou que a democratização da gestão e dos processos decisórios foi o elemento forte na agenda dos anos 1980 e a partir daí, a agenda de reforma da educação foi redefinida, incorporando, ao lado da temática da democratização, novas propostas de reformulação do setor, que tinham como eixo a modernização da gestão. Esta tendência manifestou-se inicialmente sob influência do neoliberalismo, que veio enfatizar a necessidade de introduzir eficiência e eficácia na provisão de serviços educacionais pelo Estado, mas foi, no entanto, também incorporada pela vertente progressista, passando a preocupação com a eficácia e com a eficiência na utilização de recursos e, ao mesmo tempo buscando articular à busca da equidade e da democratização da política educacional. Anderson (1995) conceitua o neoliberalismo como “[...] um movimento ideológico, em escala mundial, como o capitalismo jamais havia produzido no passado. Tratase de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo a sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão internacional” (p. 22). É um meio que tem como fim histórico: “a reanimação do capitalismo avançado mundial” (p.15). Nesse período, observou-se que o debate em torno da reformulação da gestão passou a privilegiar a “ponta” do sistema, ou seja, o estabelecimento escolar. Esta ênfase se articulou à centralidade que assumiu a questão da qualidade do ensino nas propostas de reforma do setor. 5 Entendeu-se que a recuperação da qualidade no setor educacional passava necessariamente pelo fortalecimento do estabelecimento escolar, pelo resgate da autonomia da escola. Freitas (1997a) analisa que a modernização institucional foi uma das tarefas básicas da reordenação da gestão educacional nos anos 1990 implicando em novas formas de administração e gestão educacional, priorizando a descentralização e a autonomia institucional. Acordos, consensos, redistribuição de tarefas, estratégias de regulação à distância, profissionalização, medidas de responsabilização pelos resultados, abertura institucional para a participação da sociedade, passam a ser as principais características desses “novos padrões de gestão” influindo na provisão do serviço educacional público, reduzindo a atuação do Estado como provedor desse serviço e adotando práticas de gestão do setor privado. “Tem-se em vista uma gestão cujo caráter seja dado pela eficiência, eficácia e efetividade social, na qual a 'democratização' das relações e dos processos decisórios torna-se meio de 'modernização' educacional” (Ibid., p.11). Em um cenário fortemente marcado pela escassez de recursos, observou-se ainda a busca de novas alternativas de provisão da educação que, procurando manter o caráter público da educação, não se restringiu à provisão estatal clássica, envolvendo diversas formas de articulação entre Estado e instâncias não estatais (setor privado, organizações não governamentais e entidades comunitárias). É nesse quadro que a gestão democrática da educação, princípio de ensino estabelecido pela Constituição Federal de 1988 (Artigo 206, Inciso VI), deveria ser regulamentada de modo a que se prestasse aos propósitos do projeto de modernização da gestão educacional. Considerando que a regulamentação do dispositivo constitucional referente à gestão democrática seria realizada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, naquele momento em tramitação no Legislativo, tal princípio foi item da pauta de discussões no processo de elaboração do PDEpT. Aparentemente abria-se espaço para uma questão que vinha sendo discutida pelos educadores desde os anos 1970 e 1980: uma gestão democrática efetiva que passava por delinear um projeto educacional. Assim, é reintroduzido nos debates e discussões dos educadores e pesquisadores o Projeto Político-Pedagógico da escola como instrumento de gestão nas formulações do Estado brasileiro. Conferências Nacionais, Seminários, Simpósios discutiam o tema, porém não falavam mais em Projeto Político Pedagógico, mas em Projeto Pedagógico da Escola. Paradoxalmente, dois projetos históricos em questão, não apenas diferentes, mas antagônicos: o capital e os setores dominantes com o objetivo de formar um novo trabalhador que, melhor 6 qualificado, agora pela escola, e educado, possa trabalhar, de forma polivalente, nos postos de trabalho, principalmente com as tecnologias mais avançadas; e de outro lado, os educadores, setores democráticos e progressistas comprometidos com a transformação da sociedade, defendendo uma escola que forme um novo homem, desenvolvido em todas as suas potencialidades para o exercício efetivo da cidadania, um homem que, ao mesmo tempo, conheça a realidade fundamentada no critério da cientificidade e seja crítico dessa realidade. Ponto de extrema importância que Mészáros (2006, p.59) assim analisa: “não basta, de forma alguma, afirmar em termos genéricos que ‘o homem é o ator da história’, se a natureza da própria mudança histórica não for devidamente apreendida [...] em relação ao sujeito da ação histórica”. Nesse sentido, a luta de muitos educadores ao longo da história e entendida como válida é justamente por ter condições teóricas para mostrar no seu processo de ensino as contradições presentes na sociedade e consequentemente na educação, “de modo a fazer as mediações possíveis visando à superação de concepções educacionais pautadas em princípios voltados para a dominação e para a exploração do homem” (ARANDA, 2004, p 14). Tal compreensão reafirma a necessidade de um projeto educacional com uma “direção política, um norte, um rumo. Por isso, todo projeto pedagógico é também político [...] A gestão democrática da escola [...] é uma exigência de seu Projeto Político-Pedagógico” (GADOTTI, 1994, p. 21-22). O projeto pedagógico assume dimensão política, devendo estar referido a um projeto mais amplo de sociedade. A dimensão política atribui ao projeto pedagógico uma natureza democrática e requer o exercício da ousadia, a busca da utopia, rompendo imobilismos, desestruturando o presente para reestruturar o futuro. Um PPP construído e apropriado pelo conjunto dos professores, funcionários, alunos, pais e organizações da comunidade, pressupõe uma visão histórica da sociedade, um projeto histórico, que assuma uma proposta de transformação da sociedade, a busca da autonomia (SILVA, 2006). Entretanto, em 1996, com a LDB 9394, de 20 de dezembro de 1996, esse instrumento passou a constar da norma jurídica, sendo denominado apenas “Projeto Pedagógico”. Retirou-se, então, o termo que destacava a dimensão política da ação pedagógica. E não se tratava de mera questão terminológica, mas de indicativo de que esse instrumento e a própria gestão democrática ficavam subordinados aos objetivos de modernização da gestão pública. 7 A referida Lei menciona de forma explícita o projeto pedagógico da escola e, em alguns momentos reporta-se a uma proposta pedagógica, conforme Artigo 12, Inciso I, Artigo 13, Inciso I, Artigos 14 e 15. O caráter compulsório do projeto pedagógico se evidenciou, ainda, no Plano Nacional de Educação, elaborado pelo MEC em 1998 e aprovado em janeiro de 2001. (BRASIL, 1998; 2001). Na meta 05 do ensino fundamental ficou previsto que, em três anos, os sistemas de ensino deveriam assegurar que todas as instituições escolares elaborassem os seus projetos pedagógicos. Assim, de recurso de gestão — incluído como possibilidade quando da elaboração do PDEpT — passou a ser um imperativo legal com decorrentes tarefas para sistemas, escolas e professores. No entanto, abandona-se a ênfase à dimensão política. Vê-se que, enquanto proposição do Estado, o projeto pedagógico teve inscrição recente na história da educação brasileira, substituindo a proposta do Projeto Político-Pedagógico formulada na luta social pela gestão democrática da educação. Isso porque a concepção estatal de gestão democrática — agora imperativo constitucional — reedita a cidadania tutelada e sob controle como propósito da democratização da educação, desta feita regida por uma lógica economicista. Mas afinal, o que é Projeto Político-Pedagógico? E o que, com a Lei nº 9.394/96, foi denominado “projeto pedagógico”? 3. O Projeto Político-Pedagógico e o Projeto Pedagógico O assunto Projeto Político-Pedagógico tem sido objeto de estudo e de pesquisa, referenciando práticas institucionais que têm como objetivo uma qualidade do ensino e da escola pública comprometida com os setores populares. Uma escola voltada para a promoção da cidadania emancipada cujo horizonte é a transformação das relações sociais e a qualificação da vida em sociedade. Seus fundamentos integram o conjunto da produção teórica que embasou a defesa da democratização da educação. Explica Cury (1997) que todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas para o futuro. Projeto significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma nova estabilidade, em função da promessa que cada projeto contém um estado melhor que o presente. 8 Silva (1997) o define como “[...] orientação ou direção que se vai imprimindo na prática. É uma cultura institucional em construção, algo a ser construído com vistas no futuro, o novo que se pretende construir” (p.62). Veiga (1996) afirma queo “Projeto [Político] Pedagógico exige profunda reflexão sobre as finalidades da escola, assim como a explicação de seu papel social e a clara definição de caminhos, formas operacionais e ações a serem empreendidas por todos os envolvidos com o processo educativo [...]. É, portanto, fruto de reflexão e investigação, [...]” (p.09). Trata-se, pois, de um instrumento da gestão escolar que pressupõe e exige uma direção política, isto é, uma ação intencionada com um sentido definido explícito, tendo presente à finalidade da educação frente às necessidades históricas. Propõe que haja rupturas com as questões presentes, portanto traz promessas para o futuro. O uso da denominação Projeto Pedagógico na perspectiva colocada por Gadotti, Silva, Cury, Veiga, entre outros, mesmo explicitado sem a denominação político traz implícito a concepção do Projeto Político-Pedagógico. Mas cabe deixar claro que político todo projeto é, a diferença está na opção pela concepção de homem, de educação e de sociedade que o sustenta que certamente não prescinde da denominação. Entretanto, nas disposições normativas e nas diretrizes político-administrativas do Estado brasileiro nos anos 1990 essa discussão tem uma conotação que precisa ser compreendida no contexto das medidas de políticas públicas do período, em particular das atinentes à educação. Freitas (1997b), por exemplo, analisa que no processo de modernização da gestão educacional dos anos 1990, o projeto pedagógico é concebido como um instrumento estratégico de consecução da reforma educacional, no espaço local. Serve à viabilização do projeto educativo que o pensamento hegemônico afirma necessário à sociabilidade contemporânea, traduzido no currículo oficial. Um instrumento de regulação que evidencia a relativa autonomia da escola para tomar decisões sobre sua proposta educacional. Com esse instrumento, o governo operou modificações no interior da instituição escolar, que favoreceu a efetivação da gestão democrática e a construção da autonomia, ambas preceituadas pela Constituição Federal de 1988 e pela LDB/1996, porém segundo a lógica da modernização perceptível no projeto neoliberal de sociedade. Nesse sentido, esse instrumento na visão do governo federal, foi potencialmente favorável à promoção do engajamento responsável, ativo, dinâmico, contínuo e autorregulável dos “atores” escolares, bem como da mobilização da comunidade beneficiária do serviço público educacional. Orientado pela ótica funcionalista, justifica-se em objetivos de caráter 9 pragmático e perde de vista os propósitos para os quais se defendia um Projeto PolíticoPedagógico. Melo (2000, p. 243-253) chama atenção para a tese transportada para o interior da escola — a da qualidade total da educação — nada mais do que uma fórmula de gestão empresarial, que, na busca por resultados, persegue o pragmatismo pedagógico, a eficiência e a eficácia. A autora ainda alerta quanto à cultura que os defensores do projeto neoliberal de sociedade querem impor ou manter a qualquer custo, ou seja, a do trabalho compartilhado e não a da gestão democrática. É a gestão compartilhada que vem sendo posta pelas políticas de governo, visando um poder maior, objetivando envolver as pessoas, buscar aliados de “boa vontade”, que se interessem em “salvar a escola pública”. O projeto pedagógico (sem o político) é visto como instrumento de tal gestão, distanciando-se da concepção não-neoliberal que fundamenta o Projeto Político-Pedagógico. Segundo Freitas (2003), compartilhar a gestão escolar é adotar princípios e critérios da gestão empresarial, é buscar resultados com base no pragmatismo pedagógico, na eficiência e na produtividade. Uma gestão que se pauta nessa política, para garantir o sucesso, utiliza o estímulo à participação pontual e filantrópica, de parceria entre o público e o privado, de premiações públicas por mérito, uma avaliação como processo impulsionador da competitividade, da produtividade e da competência. Freitas ainda frisa que nesse tipo de gestão a concepção que se tem de autonomia e de iniciativa é autodeterminação na catalisação de recursos e na busca de meios possíveis para melhorar o desempenho e a imagem da escola. 4. Fundamentos Teóricos do PPP O PPP está fundamentado teoricamente numa pedagogia progressista que traduz o compromisso de “fazer” uma educação que concretamente contribui para a transformação da sociedade. Tem em vista um processo pedagógico que possibilite aos sujeitos o domínio de conhecimento científico, e, também, a vivência democrática. São nessas duas premissas que se revela o caráter político e pedagógico da educação (SAVIANI, 2006). Saviani analisa que, ainda que se reconheça a educação como elemento secundário e determinado, nem por isso pode-se deixar de vê-la como um instrumento importante e muitas vezes decisivo na transformação da sociedade. Porém, o autor lembra que a educação “não transforma de modo direto e imediato e sim de modo indireto e mediato, isto é, agindo sobre os sujeitos da prática” (Ibid., p.82). Sua importância política reside em sua função de 10 socialização do conhecimento. É “realizando-se na especificidade que lhe é própria que a educação cumpre sua força política” (Ibid., p.98). Uma pedagogia que busca articular-se com as forças emergentes da sociedade, fazendo-se instrumento a serviço da instauração de uma sociedade igualitária. Nessa direção, analisa Veiga (2003) que o projeto político-pedagógico tem sentido frente à preocupação fundamental de melhorar a qualidade da educação pública para que todos aprendam mais e melhor. Essa preocupação se expressa na tríplice finalidade da educação em função da pessoa, da cidadania e do trabalho. Desenvolver no educando o exercício da cidadania e do trabalho “significa a construção de um sujeito que domine conhecimentos, dotado de atitudes necessárias para fazer parte de um sistema político, para participar dos processos de produção da sobrevivência e para desenvolver-se pessoal e socialmente” (p. 268). Essas reflexões direcionam para uma educação pautada numa perspectiva crítica e para isso a escola pública, gratuita e de boa qualidade, precisa trabalhar o conhecimento de forma a encarar a sociedade de classes. Para tanto, se faz necessário uma organização escolar construída a partir do coletivo, calcada na competência política e pedagógica de seus profissionais imbuídos num só objetivo, e, conscientes de que é na escola que estão os elementos válidos que irão possibilitar, a partir da escola que aí está, a construção de uma “nova” escola. Com essa orientação, o Projeto Político-Pedagógico possibilita à escola ser um espaço possível de lutas de classe, no qual se “constrói” uma percepção de que a prática pedagógica é permeada pela clareza de seu compromisso com a emancipação social, proporcionando a todos os homens uma tomada de consciência dos antagonismos sociais. O projeto político-pedagógico dá o norte, o rumo, a direção; “Ele possibilita que as potencialidades sejam equacionadas, deslegitimando as formas instituídas” (VEIGA, 2000, p. 192). A gestão democrática — decorrentemente o Projeto Político-Pedagógico, um de seus instrumentos — está fundamentado em Marx e Gramsci. Esses teóricos destacam: o homem como sujeito histórico, a cultura tomada como socialização, a dialética como método de conhecimento, o trabalho como princípio educativo, a educação politécnica (saber e saberfazer unidos) e a escola única. Em Gramsci (1991) estão os elementos para a compreensão da “educação como hegemonia”, para se pensar a teoria dialética da educação. Para Gramsci, a escola é o instrumento para elaborar os intelectuais em diversos níveis. Assim, deve ter por objetivo uma educação 11 integral, fundamentada na perspectiva histórico-crítica em educação. Tal pedagogia postula a necessidade de se compreender as condições existentes, a relação pedagógica (que tem na prática social o seu ponto de partida e o seu ponto de chegada). Também no campo da produção do conhecimento sobre a Administração da Educação é possível encontrar as referências teóricas da gestão democrática da educação e, em decorrência, de seu instrumento, o Projeto Político-Pedagógico. O trabalho de Sander (1995) aparece como uma importante fonte. Esse autor, analisando a construção e reconstrução do conhecimento sobre gestão da educação na América Latina, destaca teorias organizacionais e administrativas adotadas historicamente à luz do que denominou “tradição funcionalista do consenso” e “tradição interacionista do conflito”. A primeira, fundada no positivismo e evolucionismo e a segunda no marxismo, no anarquismo, na fenomenologia, na teoria crítica e na abordagem da ação humana. A tradição funcionalista do consenso consolidou-se nas teorias clássicas e psicossociológicas de organização e administração que se ocupam da ordem, do equilíbrio, da harmonia e da integração. Pontos que se resumem apenas em uma palavra: consenso. A tradição interacionista do conflito reúne as teorias críticas e libertárias do conflito nas Ciências Sociais e na Pedagogia. Nas primeiras formulações de alternativas voltadas para a organização e gestão da educação, os teóricos críticos, a partir de questionamentos dos fundamentos positivistas e funcionalistas da administração tradicional, concebem a tradição interacionista do conflito como antítese da tradição funcionalista do consenso, argumentando que esta última não tem sido capaz de oferecer elementos que expliquem “fenômenos do poder, da ideologia, da mudança e das contradições que caracterizam o sistema educacional no contexto da sociedade contemporânea” (SANDER, p.94), considerando que em todos esses elementos citados está vinculado o “conceito político de sociedade e de qualidade de vida e de educação que implica uma preocupação com a emancipação humana e a transformação social” (Ibid.). Destaca-se, nessa tradição, a construção teórica que Sander denominou “administração dialógica”. Esta, centrada na mediação dialética, enfatiza a totalidade e a contradição multidimensional. Esse tipo de administração, aplicada à educação, “[...] enfatiza os princípios de totalidade, contradição, práxis e transformação do sistema educacional [...]” (p. 100). No que diz respeito a seu conteúdo, privilegia a preocupação com os fenômenos do poder e da mudança, das desigualdades sociais e da emancipação humana. Assim [...] a administração da educação desempenha uma mediação concreta e substantiva entre o sistema educacional e a sociedade com suas instituições econômicas, 12 políticas e culturais; entre a totalidade do sistema educacional e cada uma de suas partes componentes; entre realidades concretas e suas abstrações teóricas; entre o contexto das teorias pedagógicas e os compromissos práticos de seus criadores; e entre os diferentes grupos que participam do sistema educacional (SANDER,1995: 101). A gestão democrática encontra na administração dialógica suas referências teóricas. Sendo o PPP um instrumento da gestão democrática da educação, pode-se afirmar que ele encontra na categoria “administração dialógica”, os referenciais que o fundamentam, situando-o na tradição interacionista do conflito. Considerações finais O instrumento de gestão denominado Projeto Político-Pedagógico origina-se no movimento de democratização da sociedade brasileira, tendo como foco à ação educativa, cuja intencionalidade é a democratização do saber que indica o porquê do “fazer” da escola. Tem como horizonte um ideal de sociedade busca firmar-se a partir dos seguintes atributos: o princípio unitário, o caráter público democrático e a mediação político-cultural. Objetiva a promoção de estratégias voltadas para a conscientização, para a participação, para a autogestão e para a autoavaliação, num contínuo processo coletivo de reflexão-ação-reflexão, ou seja, numa perspectiva dialética. Perspectiva que oferece a possibilidade de compreender que a escola é um espaço contraditório, considerando que, em termos estruturais, está colocado para ela o papel de disseminadora da ideologia dominante, passada pela classe chamada hegemônica por deter, nessa sociedade, o poder político e econômico tendo a função de divulgar um conjunto de princípios defendidos, cujas concepções estão pautadas nos postulados liberais/neoliberais (PARO, 2002). Entretanto, nessa mesma escola está a possibilidade de formar os sujeitos que, compreendendo a realidade social injusta decorrente dessa organização política e econômica da sociedade capitalista, podem contribuir na busca dos meios e instrumentos para a superação desta. Isso significa que as orientações das elites dirigentes não são determinísticas, nem que as ações divergentes não possam ser traduzidas em ações efetivamente próprias e dotadas tanto de autonomia relativa quanto de concepções diferentes (CURY, 2002:148). Analisa Veiga (2003) que a instituição educativa não é apenas um lugar que reproduz relações sociais e valores dominantes, mas é também uma instituição de confronto, de resistência e proposição de inovações. “A inovação educativa deve produzir rupturas e, sob essa ótica, ela 13 procura romper com a clássica cisão entre concepção e execução, uma divisão própria da organização do trabalho fragmentado” (VEIGA,2003:277). O Projeto Político-Pedagógico da escola pode ser um grande aliado nessa busca. Nessa perspectiva, alunos e profissionais da educação são sujeitos históricos e, como tal, sujeitos da ação político-pedagógica. O Projeto Político-Pedagógico é um instrumento de gestão democrática que deve ser pensado, planejado, elaborado e executado pelo coletivo de uma escola comprometida com os setores populares, voltada para a promoção da cidadania emancipada. Se concebido apenas como Projeto Pedagógico, conforme a concepção apregoada pela lógica estatal, atendendo a concepção do projeto neoliberal de sociedade, não alcança tal amplitude. E a leitura dos fundamentos teóricos tornou nítida esta questão. O exposto evidencia a possibilidade de materialização de um projeto educativo coletivo como expressão de uma gestão deveras democrática, com vistas a mostrar a “diferença” que a educação pode fazer na história humana. Não como uma prática social redentora, mas como uma instituição importante no processo de transformação das relações sociais. Referências ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo. (Org.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo: Paz e Terra, 1995. ARANDA, M. A. de M. Projeto Pedagógico e Plano de Desenvolvimento da Escola: buscando a distinção. 78 f. 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Caderno Cedes, Campinas, v. 23, n. 61, p. 267-281, dezembro 2003. 1 APRENDIZAGEM DE ESTUDANTES CEGOS POR FIGURAS NO LIVRO DIDÁTICO: UM DESAFIO PARA O DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS EDUCACIONAIS AMAURI CARLOS FERREIRA ADRIANA GOMES DICKMAN Resumo A inclusão de alunos cegos praticada em escolas regulares não tem atingido as metas esperadas, visto o despreparo dos professores para lidar com tal situação e a falta de material específico ou adaptado. O Ensino de Ciências e Matemática tem sido um tema de grande preocupação dos educadores, uma vez que, diversos estudos mostram uma real dificuldade de ensinar, como também de aprender. Uma possível estratégia dos estudantes cegos para contornar os obstáculos que surgem na sala de aula, seria a realização de estudos autônomos por meio dos livros didáticos. No entanto, embora os livros didáticos sejam traduzidos para a linguagem braile, grande parte das figuras é suprimida e substituída por orientações para que o aluno peça ajuda ao professor, comprometendo a autonomia dos estudantes cegos. Uma aula para alunos cegos será considerada inclusiva se algumas condições forem observadas, sendo que a principal delas é desmistificar a ideia de que o conhecer depende do ver; consequentemente, deve-se valorizar a ideia do “conhecer sem ver”, tornando-se necessária a contribuição dos outros sentidos. Na busca de respostas para questões relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem de Ciências e Matemática para estudantes cegos, utilizamos a metodologia de história oral, em sua vertente temática, dando voz a estudantes cegos, para abrir possibilidades para um melhor entendimento do não aprendizado, ao compreender os desafios enfrentados por estes estudantes. Neste trabalho, apresentamos os produtos educacionais desenvolvidos por nosso grupo de pesquisa, com o intuito de promover a interação dos estudantes cegos com a informação discutida pelos professores para a melhoria do processo de inclusão destes alunos em salas de aula regulares. Acreditamos que os produtos possam contribuir para que o aluno cego tenha uma autonomia maior ao interagir com os conteúdos, ampliando a possibilidade de completar os estudos e seguir uma carreira profissional. Palavras-chave: Inclusão. Ensino de Ciências e Matemática. Produto Educacional. 1. Introdução No contexto da perspectiva da inclusão, o processo de ensino e aprendizagem para estudantes com deficiência torna-se um desafio. Apesar de haver um consenso geral entre educadores e colegas professores sobre a importância do processo de socialização destes estudantes, Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática e Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Doutor; CAPES, FAPEMIG. Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Doutora; CAPES, FAPEMIG. 2 percebe-se um atraso nas discussões que envolvem o processo de inclusão na sala de aula de alunos com alguma deficiência ou mesmo com dificuldades de ordenamentos teóricos e práticos em relação ao saber. Este tipo de preocupação surge à medida que educadores se deparam com a ausência de métodos e alternativas com vistas a tal aprendizado. Uma aula para alunos cegos será considerada inclusiva se algumas condições forem observadas, sendo que a principal delas é desmistificar a ideia de que o conhecer depende do ver; consequentemente, deve-se valorizar a ideia do “conhecer sem ver”, tornando-se necessária a contribuição dos outros sentidos. Com o objetivo de apresentar pistas para este problema, a nossa pesquisa volta-se para o processo de ensino e aprendizagem de estudantes cegos, na percepção do conhecimento na área de Ciências e Matemática. Especificamente, concentramos nossas investigações na elaboração de recursos didáticos alternativos para auxiliar estudantes cegos no que se refere à utilização dos livros didáticos, no campo da representação de símbolos e gráficos. Neste trabalho, apresentamos os produtos educacionais desenvolvidos por nosso grupo de pesquisa, com o intuito de promover a interação dos estudantes cegos com a informação discutida pelos professores para a melhoria do processo de inclusão destes em salas de aula regulares. Acreditamos que os produtos possam contribuir para que o aluno cego tenha uma autonomia maior ao interagir com os conteúdos, ampliando a possibilidade de completar os estudos e seguir uma carreira profissional. 2. Ensino de Ciências e Matemática para estudantes cegos Uma revisão da literatura sobre o tema revela um número reduzido de trabalhos publicados dedicados ao ensino/aprendizagem de Ciências e Matemática para alunos cegos, em comparação com outras áreas temáticas, como por exemplo, interdisciplinaridade, laboratório didático, espaços alternativos. O enfoque principal da maioria dos trabalhos situa-se nas dificuldades enfrentadas para se ensinar Ciências e Matemática na perspectiva da Educação Inclusiva. Os principais obstáculos apontados são: dificuldade de acesso a estudos sistematizados e resultados de pesquisa na área (bibliografia restrita), indisponibilidade ou mesmo inexistência de materiais didáticos adequados, exclusão tecnológica, despreparo do docente, inexistência de programas específicos, laboratórios inadequados, limitações dos currículos e evasão escolar (COSTA; NEVES, 2002; COSTA; NEVES; BARONE, 2006, CAMARGO, 2005, HARWOOD, 2006). Os autores enfatizam que é indispensável o desenvolvimento de processos pedagógicos, 3 metodologias, formas de avaliação, escolhas de conteúdos e flexibilização de currículos a fim de se adequar o Ensino de Ciências às necessidades peculiares dos alunos com necessidades educativas especiais (CAMARGO, 2005; COSTA; NEVES; BARONE, 2006). Para garantir, não apenas a permanência destes alunos na escola, mas também o seu aprendizado, muitos autores têm pesquisado sobre o Ensino de Ciências e Matemática para alunos cegos questionando o papel do professor e as metodologias utilizadas, a fim de estabelecerem alternativas para que o aluno aprenda os conceitos ministrados em sala de aula. Ainda, no que se refere ao estudante cego, a impossibilidade de acesso à comunicação via imagem, e a quase inexistência de imagens na forma tátil, constituem-se em mais uma via de exclusão. Essa lacuna precisa ser preenchida no ensino, com o reconhecimento da importância de imagens táteis, pelo uso de materiais concretos em texturas e em relevo, o que pode possibilitar ao aluno a formação da representação mental do que lhe é oferecido para tatear. A percepção tátil para os alunos cegos é fator imprescindível para que estes obtenham o máximo de informação e compreensão do seu entorno, e isto é possível quando eles entram em contato com o concreto. A pessoa cega apresenta uma forma peculiar de aprendizagem, como também de assimilar o real, isso implica que para construir seus conceitos, o aluno cego ou de baixa visão precisa de mais tempo para vivenciar, aprender e consequentemente organizar suas experiências (MEDEIROS et al., 2007). Para as pessoas com deficiência visual, o acesso à informação num mundo exclusivamente visual é um obstáculo enorme, mas transponível. A construção do conhecimento científico em geral, deve ser repensado além do atual “teoricismo” que reina em escolas especiais ou não. Porém, devemos incorporar filosofias de trabalho oriundas da pesquisa em ensino de ciências e matemática, que delineiam o sujeito no aprendizado como uma fonte de inquirição, imerso num universo de conhecimento do senso comum, que aprende e constrói a ciência numa relação dialógica. (NEVES et al., 2000). Mantoan (2002) discute a necessidade de termos uma sala de aula inclusiva, em que a diversidade dos alunos seja reconhecida e suas potencialidades desenvolvidas, com a reestruturação das práticas pedagógicas. No aspecto da deficiência visual, a autora despertanos para a necessidade dessa reestruturação, afirmando que práticas como anotações no caderno, a utilização do quadro por parte do professor para transcrição de textos ou explicação de atividades, sentenciam o aluno com deficiência visual ao fracasso escolar. Camargo e Silva (2003), Dickman e Ferreira (2008) concordam que a maior dificuldade encontrada por alunos com deficiência visual para o aprendizado de Ciências e Matemática 4 está na utilização de referenciais funcionais visuais adotados constantemente pelos docentes. Muitos autores, como Camargo e Silva (2003), Camargo, Nardi e Veraszto (2008), defendem como alternativa para o ensino de Ciências, a experimentação dos fenômenos e a materialização das figuras, o que proporcionaria benefícios aos alunos com deficiência visual, que, através do tato e de estímulos sensoriais, poderiam compreender melhor os conteúdos ministrados. Concordamos com os autores sobre a necessidade de adotarmos práticas pedagógicas que realmente incluam os alunos no contexto educacional, como por exemplo, atividades que têm por finalidade, ensino baseado na estimulação tátil-sensorial. 3. Descrição de figuras do livro didático Na sala de aula, os recursos didáticos, que podem ser utilizados para auxiliar no processo de ensino e aprendizagem, intermedeiam a relação entre o professor e o aluno. O principal representante destes recursos é o livro texto. Desta maneira, o Ensino de Ciências e Matemática no Ensino Médio apoia-se fortemente no livro didático. Percebemos que as figuras são muito utilizadas pelos autores para ilustrar o conteúdo proposto. Vários trabalhos publicados mostram que a aprendizagem é mais eficiente se são utilizados textos combinados com imagens, do que apenas textos (MAYER e GALLINI, 1990; MAYER e ANDERSON, 1991 e 1992 e MAYER, 2001 apud COUTINHO et al., 2010). Mesmo reconhecendo que a imagem é fundamental no processo de ensino e aprendizagem permitindo a construção do conhecimento científico, quando os livros didáticos são transcritos para o braile, observa-se que na maioria dos casos, no lugar das figuras vem uma frase orientando o aluno “Peça ajuda ao seu professor”. Por outro lado, quando ocorre a descrição das figuras, muitas vezes esta não é feita de maneira adequada, utilizando termos e analogias desconhecidas para o aluno cego. Isto posto, levantamos uma questão: Se a aula se baseia principalmente na visualização das figuras e textos do livro didático, esse recurso será suficiente para o aluno com deficiência visual aprender? Se a imagem desempenha algum papel na negociação de significados nos livros didáticos, por menor que seja, temos que nos ocupar com a aplicação de recursos alternativos para aqueles que não podem submeter-se a essa experiência. As Normas Técnicas Para Produção de Textos em Braille (BRASIL, 2006) têm por finalidade padronizar as formas de aplicação do sistema braile e permitir que os livros didáticos em braile possam, tanto quanto possível, transmitir aos alunos cegos as mesmas informações e 5 experiências que os livros didáticos em tinta transmitem aos demais alunos. Além disso, oferecer aos profissionais que produzem livros em Braille, orientações técnicas que tornem mais simples suas tarefas de adaptar, transcrever e revisar os livros didáticos. Como as ilustrações e desenhos são cada vez mais frequentes nos livros didáticos, as Normas Técnicas para a Produção de Textos em Braille recomendam que o profissional brailista, determine, previamente, quais ilustrações devem ser mantidas e quais devem ser suprimidas. Após essa determinação, há de se julgar quais figuras serão descritas e quais serão representadas em alto relevo, de forma a não prejudicar a compreensão do texto. Não acreditamos que suprimir uma figura contribua para o aprendizado do aluno com deficiência visual, pois se estão no livro didático, são essenciais para a compreensão do texto. Além disso, não transcrever uma figura e indicar que o aluno peça ajuda ao professor, retira do aluno sua autonomia para estudar em locais que não sejam a sala de aula. É necessário, que previamente, o professor ou profissional brailista conheça o aluno deficiente visual e seu histórico, a fim de julgar quais elementos são conhecidos e quais são desconhecidos, e a partir daí, estabelecer a descrição. Aponta-se como fator importante a utilização de analogias e comparações para que os conteúdos abstratos sejam melhores assimilados por esses alunos e quando possível, trabalhar o desenvolvimento tátil sensorial a partir de maquetes e materializações para que a figura se torne concreta para o aluno. Assim, nesses estudos, o que se tem percebido até o momento é um processo de ensino e aprendizagem por meio de representações, que em muitos casos, não são análogas ao mundo vivido do estudante cego. De acordo com a literatura e entrevistas realizadas podemos perceber que o uso de desenhos em relevo ou qualquer outro aparato tátil pode contribuir de forma efetiva no aprendizado dos alunos cegos. O desenvolvimento de aparatos táteis e novas metodologias que auxiliem no ensino de diversos conteúdos de Ciências e Matemática são indispensáveis para aprendizagem do aluno cego. 4. Desenvolvimento de material educacional inclusivo A inclusão de estudantes gera um malestar aos professores que quase sempre reconhecem a sua importância, mas, no entanto, deparam-se com dificuldades no processo de ensino e aprendizagem. Os professores, na sua maioria, sabem que é essencial a elaboração de materiais e práticas educativas que contemplem e incluam os alunos, e em particular os cegos, na sala de aula. 6 Nossos dados indicam que os estudantes cegos requerem um tempo maior para a aquisição das informações necessárias para a construção do conhecimento, em acordo com Medeiros et al. (2007). Baseado na narrativa dos estudantes cegos, podemos afirmar que, principalmente em salas de aula do Ensino médio, o acesso às figuras que ilustram o conteúdo é bastante precário, inexistindo na maioria das vezes. Os resultados desta pesquisa estão sendo utilizados como orientação inicial ao processo de elaboração de um método que realmente contribua para a descrição de figuras para estudantes cegos. A partir dos relatos dos estudantes cegos e professores destes estudantes, foram desenvolvidos materiais educacionais com o objetivo de materializar as figuras do livro didático. Para tal foram aplicadas estratégias distintas na busca de caminhos que possam contribuir para as mais variadas situações de uma sala de aula. Relatamos a seguir alguns produtos educacionais desenvolvidos por nossa equipe. 4.1. Ensinando fenômenos ondulatórios com massa de modelar Ensinar Ciências para um aluno cego exige dos professores uma busca constante por atividades que explorem o tato, pois em muitos casos, a dificuldade de aprendizagem está relacionada à falta de estímulo sensorial. Assim, esse trabalho busca a otimização das aulas de física ondulatória para alunos com deficiência visual utilizando como ferramenta didática a experimentação por meio de materiais táteis. Nossa proposta consiste em materializar as figuras relacionadas ao tópico Ondas na superfície de um líquido do livro: Curso de Física (ALVARENGA; MÁXIMO, 2000), aprovado pelo Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM 2012) e utilizado na rede estadual de ensino de Minas Gerais. A estratégia consiste em um plano de ensino-aprendizagem por meio da proposição de um material didático que auxilie na compreensão dos conteúdos de Física ondulatória, mais especificamente as propriedades das ondas na superfície de um líquido e o experimento de Young. Propõe-se um trabalho em conjunto, entre o professor e o aluno cego, utilizando como ferramenta didática a massinha de modelar. Neste curso específico, a massinha para modelar será utilizada como ferramenta de substituição da imagem ou figura do livro didático. A escolha da massinha de modelar se baseou nas suas qualidades táteis, por ser de fácil manipulação e modelagem. Já que, ao desenvolver um experimento, maquete ou recursos didáticos diversos para estudantes cegos é importante que estes possuam estímulos táteis. 7 Portanto, o material deve apresentar texturas e tamanhos adequados, e ser agradável ao tato. É de grande importância a mobilização do professor em construir o material tátil em conjunto aos alunos. Para a implementação da proposta são necessários massa de modelar e filetes de madeira de tamanhos diversos. Na figura 1 são mostradas as representações da propagação de uma onda na superfície de um líquido. O professor, ao montar junto com os alunos a representação das ondas em duas dimensões, pode trabalhar os conceitos de comprimento de onda, frequência e introduzir a ideia de raios da onda, ou seja, retas indicando a direção de propagação. Figura 1 - Representações de pulsos retos e circulares Fonte: Dados da pesquisa. A representação da reflexão de uma onda em uma barreira é mostrada na figura 2. Nesta situação, o professor pode explorar a relação entre materiais refletores e não refletores, e em quais condições ocorre a reflexão de uma onda, caracterizada pelo ângulo de incidência igual ao de reflexão. Com este material, vários ângulos podem ser representados. A mesma representação pode ser utilizada para discutir o fenômeno da refração quando uma onda passa a se propagar em uma região com velocidade diferente da anterior. Novamente, vários ângulos podem ser utilizados para trabalhar a lei de refração (Lei de Snell). 8 Figura 2 -Reflexão de uma onda Fonte: Dados da pesquisa. A representação da difração de uma onda na superfície de um líquido, figura 3, pode auxiliar na compreensão de características do fenômeno, como a mudança dos pulsos retos em circulares, após a barreira. Pode-se também variar o tamanho do orifício ou do comprimento de onda, e discutir as suas consequências. Figura 3 - Esquema de difração de uma onda ao atravessar um orifício. Quando uma onda encontra um obstáculo, ela o contorna, isto é, sua propagação deixa de ser retilínea. Fonte: Dados da pesquisa. Na sequência discute-se a interferência de duas ondas na superfície de um líquido. Baseado na representação da figura de interferência, figura 4, pode-se mostrar as condições para que as duas ondas estejam em fase, e as superposições construtiva e destrutiva por meio da soma de cristas com vales, cristas com cristas ou vales com vales. 9 Figura 4 - Interferência produzida pela superposição de duas ondas em fase se propagando na superfície de um líquido Fonte: Dados da pesquisa. A partir dos conceitos trabalhados anteriormente é possível discutir a experiência de Young, cuja representação é mostrada na figura 5. O professor pode explorar o contexto de ondas na superfície de um líquido e interligar com o fenômeno da interferência da luz. A montagem das representações da propagação, reflexão, difração e interferência das ondas em uma superfície líquida e da experiência de Young, foram realizadas com a modelagem permitida pela massinha de modelar. Por meio dos modelos materializados é possível explicar os conceitos de física ondulatória, tais como: comprimento de onda, pulso, crista, vale, entre outros, além dos conceitos da reflexão, difração, etc. Figura 5 - Esquema da montagem com a qual Young obteve a interferência com a luz Fonte: Dados da pesquisa. Este trabalho é uma contribuição para que as aulas de física ondulatória possam incluir alunos cegos, potencializando, através da estimulação tátil, a compreensão de termos científicos necessários para aprendizagem. 10 4.2. Descrição de figuras de Biologia do ENEM para alunos cegos Neste trabalho foi realizado um estudo sobre as potenciais dificuldades encontradas pelos estudantes cegos para realizar as questões do ENEM (INEP) de Biologia que contém figuras em sua estrutura e as possibilidades de adaptação dessas figuras para esses estudantes. Com base em análise documental realizada, constatou-se que as figuras nas provas do ENEM são presentes em grande parte das questões de biologia. Foram propostos dois métodos para a adaptação das figuras em alto relevo para serem utilizadas nas aulas e provas, e inclusive, um deles, em larga escala como é o caso das provas do ENEM. Um método utilizado foi a construção de figuras em alto-relevo com materiais de diferentes texturas, e o outro foi a montagem de matrizes para submeter à técnica de thermoform. As palavras e quaisquer indicações em língua escrita foram transcritas para o Braille. Há uma limitação dos materiais que podem ser utilizados para a confecção de matrizes de thermoform, pois estas serão submetidas à alta temperatura para a conformação do material. Para a confecção da matriz de thermoform relativa à figura 6, foram utilizados os seguintes materiais: papel cartolina branca, linha, lã, lixa, papel cartão texturizado e canetinha hidrocor. Figura 6 - Matriz confeccionada para reprodução em thermoform relativa à questão 50 do ENEM 2005 Abaixo: figura original. 11 Figura 7 - Representação em alto-relevo do gráfico presente na questão 48 do ENEM 2005 Abaixo: Gráfico original. Para a confecção da matriz de alto-relevo relativa à figura 7, utilizou-se papel cartão, papel corrugado, lixa, E.V.A. texturizado, papel cartão, papel laminado e cordão. A matriz de alto-relevo relativa à figura 8 foi feita com papel cartão, tela quadriculada, palito de madeira, linha grossa e lã. O teste do produto foi realizado de forma qualitativa com profissionais deficientes visuais e com professores que trabalham com deficientes visuais. Para tanto, foi utilizado como instrumento de coleta de dados a entrevista semiestruturada, seguida de um teste com o próprio material. Os resultados mostram que o produto desenvolvido é viável e pode ser melhorado visando testes futuros. Figura 8 - Matriz para thermoform dos gráficos presentes na questão 43 do ENEM 1999. 5. Considerações finais Muitos alunos com deficiência visual apresentam baixo rendimento escolar. Como alternativa para essa questão, nosso trabalho mostra que é preciso que profissionais brailistas e professores se unam para estabelecer metodologias que proporcionem um ambiente propício à 12 aprendizagem desse aluno deficiente visual. Para tal é importante esse diálogo entre esses profissionais, para que conhecendo o aluno e suas potencialidades, estratégias metodológicas sejam traçadas, a fim de melhorar o rendimento desse aluno. Desta forma, será possível criar, descobrir e reinventar estratégias e atividades pedagógicas condizentes com as necessidades dos alunos deficientes visuais. Quanto à descrição das figuras contidas nos livros didáticos, é importante pensar nos aspectos relevantes e fazer essa descrição junto ao aluno, para que ele vá direcionando o professor para uma maneira mais eficaz. Como alternativa propomos a utilização de representações e comparações para que os problemas sejam sempre referenciados no universo do aluno e que de tal forma ele consiga concretizar os problemas e alcançar sucesso em suas resoluções. 6. Referências BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Normas técnicas para a produção de textos em Braille. Secretaria de Educação Especial, 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/textosbraile.pdf>. Acesso em: 7 mai. 2015. CAMARGO, E. P.; SILVA, D. Trabalhando o conceito de aceleração com alunos com deficiência visual: um estudo de caso. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO DE FÍSICA, 15, 2003, Curitiba. Curitiba: CEFET-PR, 2003. Anais... Disponível em: <http://www.sbf1.sbfisica.org.br/eventos/snef/xv/trabalhos/trabupload/R028011.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2015. CAMARGO, E. P. Ensino de Ciências, Parâmetros Curriculares Nacionais e Necessidades Educacionais Especiais: Discussão, reflexão e diretrizes. 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Acesso em: 21 abr. 2015. 1 ARTE E INTERDISCIPLINARIDADE: UMA ANÁLISE NOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – ARTE JULIANA CÂNDIDA OLIVEIRA CUBA SUELI TERESINHA DE ABREU-BERNARDES Resumo O presente artigo tem por objetivo analisar as menções ao ensino da arte e à interdisciplinaridade nos PCN-Arte referentes às quatro primeiras séries e aos terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental, fundamentado em obras de Ivani Fazenda e Ana Mae Barbosa. A partir de uma análise documental, observa-se que a arte é entendida como conhecimento e seu ensino é obrigatório como componente curricular. Esse ensino visa a compreensão da arte como manifestação humana, a formação crítica, e o desenvolvimento criativo e sensível. Além disso, busca favorecer as relações com outras áreas do saber, buscando torná-las mais efetivas e construindo um conhecimento circular sobre as múltiplas maneiras de aprender. Nos PCN, a interdisciplinaridade é mencionada como facilitadora dos componentes curriculares, e, implicitamente, como alternativa para o ensino da arte. Afirmase que ainda existe um grande descompasso entre a produção teórica e o acesso docente a essa produção, além da visão estereotipada que reduz a atividade artística a apresentações em eventos escolares. Ao final, apresentam-se algumas reflexões críticas. Palavras-chave: Arte. Interdisciplinaridade. PCN: Arte. 1. Introdução O que é permitido criar em uma aula na qual a ciência interage com a criação artística? Indagou o professor durante um minicurso sobre arte na educação básica. Questões como essas estimulam a busca de respostas com arte-educadores, em livros sobre arte e em obras que discutem o ensinar e o aprender. No caso deste trabalho, o incentivo foi direcionado à identificação de respostas em documentos que expressam as políticas educacionais públicas sobre a arte na educação escolar. Assim, esta proposta de iniciação científica como foco no estudo sobre as menções à arte e à interdisciplinaridade nos Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte – primeira à quarta série (1997) e quinta à oitava série (1998). Como tal, este Aluna bolsista de Iniciação Científica do Observatório da Educação Interdisciplinaridade na Educação Básica: estudos por meio da Arte e da Cultura Popular, com apoio CAPES-OBEDUC/FAPEMIG/CNPq, Universidade de Uberaba. [email protected] Doutora em Educação, pesquisadora no PPGE na Universidade de Uberaba, coordenadora local do Observatório da Educação Interdisciplinaridade na Educação Básica: estudos por meio da arte e da cultura Popular, com apoio CAPES-OBEDUC/FAPEMIG/CNPq, membro da Rede de Pesquisadores sobre Professores do Centro-Oeste-REDECENTRO e do Círculo Latino-americano de Fenomenologia. [email protected] 2 projeto de iniciação científica integra-se ao Observatório da Educação “Interdisciplinaridade na educação básica: estudos por meio da arte e da cultura popular”, realizado na Universidade de Uberaba-UNIUBE. Esse observatório tem por objetivo realizar ações que interajam os conceitos científicos, a arte e a cultura popular e, assim, contribuir para a melhoria da qualidade do ensino na educação básica com ações inovadoras e metodologias interdisciplinares. Para isso envolve professores e alunos de um curso de mestrado, de graduação e professores de duas escolas da rede municipal de ensino que oferecem o ensino fundamental completo, sendo elas a Escola Municipal Santa Maria e a Escola Municipal Ricardo Misson. Além dessas instituições, abrange o Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Triângulo Mineiro-IFTM e três cursos de licenciatura. Assim, esse observatório procura estimular a produção acadêmica e a formação de discentes e, também, proporcionar a ligação entre pós-graduação, licenciaturas e escolas de educação básica. O objetivo deste texto é analisar um recorte das menções à arte e à interdisciplinaridade nos PCN-Arte. À luz de referenciais teóricos fundamentados, sobretudo, em obras de Ivani Fazenda e Ana Mae Barbosa, são apresentados os resultados de uma pesquisa documental. 2. Um breve histórico sobre o ensino da arte no Brasil Segundo Barbosa (2012), antes da década de 1970, no Brasil, a arte era tratada como como uma atividade de recreação. Para entender como a arte se disciplinarizou na escola, parte-se do princípio de que as práticas de ensino atuais derivam não apenas de ideários pedagógicos, como também de encaminhamentos legais. Em relação à legislação, observa-se que a lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971, fixou diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus. A promulgação dessa lei, que ocorreu no contexto autoritário do golpe militar no Brasil, propôs a obrigatoriedade da educação artística no ensino de 1º e 2º graus, por meio do artigo 7º. Pode-se indagar como e porque, em um regime que suprimia a reflexão filosófica e política, que bloqueava a manifestação e expressão livres, que extraditava seus artistas, igualmente fazia obrigatória a “educação artística” nas instituições escolares dos níveis iniciais? Segundo Subtil (2012, p. 127-128), uma das hipóteses para essa aparente contradição. seria a de que a arte, uma área historicamente ligada ao exercício da liberdade e da expressão criadora, deveria manter-se sob controle, tornar-se um instrumento a favor da conservação e dos objetivos desenvolvimentistas apregoados pela ditadura militar. Evidentemente, a obrigatoriedade da educação artística veio revestida de um discurso centrado no desenvolvimento individual dos educandos, embasada num 3 caráter técnico científico e com um planejamento rigoroso que escamoteava a crítica e a contradição. Inicialmente, a obrigatoriedade da educação artística constituiu ensejo para exaltação no meio escolar. Professores entendiam que essa determinação significava a valorização do ensino artístico e possibilitaria ampliar a discussão teórica sobre a educação da sensibilidade, a criatividade e a liberdade artística. Porém, em oposição ao entusiasmo docente, constata-se que a educação artística nomeada não alcançou a discussão das propostas de artistas e de movimentos artísticos que abarcaram uma arte mais engajada. Assim, não eram bem-vindas na escola obras de artistas como Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento, Geraldo Vandré, Nara Leão, Gilberto Gil, Glauber Rocha, entre outros. O proposto era a prática da polivalência como conceito de ensino de arte. Segundo essa lei, as artes plásticas, a música e as artes cênicas (teatro e dança) deveriam ser ensinadas por um mesmo professor da 1ª à 8ª séries do 1ª grau. Apesar desse ensino artístico ter sido um avanço, muitos professores não tinham formação para ministrar o conteúdo e, com isso, diversos docentes passaram a ensinar Arte independente da sua formação original. Segundo Barbosa (2003), em decorrência dessa situação, em 1973, cursos de licenciatura em educação artística com duração de dois anos (licenciatura curta) foram criados para preparar esses professores polivalentes. Depois desse curso, o professor poderia prosseguir seus estudos em uma licenciatura plena, com habilitação específica em artes plásticas, desenho, artes cênicas ou música. Na década de 1980, ocorreu um movimento organizado por professores de arte, denominado arte-educação, com o intuito de conscientizar esses profissionais, sendo sua principal representante Ana Mae Barbosa. A origem mais remota desse movimento refere-se à influência do filósofo norte-americano John Dewey na Semana de Arte Moderna, em 1922. Os princípios de Franz Cizek, também contribuíram para a formação do movimento por meio de Anita Mafalti, que chegou a orientar classes de arte em São Paulo. Inicialmente, o movimento de arte-educação organizou-se fora da educação escolar e a partir de premissas metodológicas fundamentais nas ideias da “Escola Nova” e da “Educação Através da Arte”. Augusto Rodrigues, com o mesmo ideário, iniciou a divulgação dessa metodologia através da Escolinha de Arte do Brasil. No final da década de 1980, Ana Mae Barbosa (1988) adaptou a proposta do Discipline Based Art Education- DBAE para o que se denominou Metodologia Triangular, por envolver três vertentes: o fazer artístico, a leitura da imagem e a história da arte. 4 A não obrigatoriedade do ensino da arte no currículo escolar, prevista pelas leis anteriores a LDB de 1996, levou os arte/educadores de todo país a mobilizarem-se para que esse ensino fosse implantado nas escolas. O objetivo era que a arte fosse reconhecida como campo de conhecimento específico, com objetivos, conteúdos e metodologia peculiares, e não apenas como atividade, até então entendida pelas leis vigentes. As atuais Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) promulgadas pela a lei n. 9.394, define a arte como componente curricular obrigatório em todos os níveis da educação básica. A partir daí a arte passou a ser inserida nas políticas educacionais como área do saber, e não apenas como atividade. Porém, ainda hoje, muitos educadores veem dificuldades e desafios no ensino dessa área do conhecimento. Na defesa da compreensão da arte como área do conhecimento, a artista e educadora Noêmia Varela (1988, p.2) afirma, (FUSARI e FERRAZ, 1993, apud VARELA, 1988, p .221). [...] o espaço da Arte-educação é essencial à educação numa dimensão muito mais ampla, em todos os seus níveis e formas de ensino. Não é um campo de atividade, conteúdos e pesquisas de pouco significadas. Muito menos está voltado apenas para as atividades artísticas. É território que pede presença de muitos, tem sentido profundo, desempenha papel integrador plural e interdisciplinar no processo formal e não-formal da educação. Sob esse ponto de vista, o arte-educador poderia exercer um papel transformador na escola e na sociedade. A interdisciplinaridade de que fala Varela (1988) foi decisiva para a arte-educação como abordagem pedagógica, pois os currículos e a prática de ensino (da arte) foram construídos por intermédio dela. Seu papel é contribuir na elaboração de um pensamento que busque novas sínteses. Nesse sentido, a integração do conhecimento será sempre entendida como busca contínua, e não como fim de uma etapa. Historicamente, Barbosa (1988) assinala como base da interdisciplinaridade a ideia de totalidade, gradativamente substituída pela ideia do inter-relacionamento do conhecimento. Segundo Fazenda (1999), as reflexões sobre a interdisciplinaridade surgiram na Europa, sobretudo na França e na Itália, na década de 1960, época em que os movimentos estudantis reivindicavam uma nova concepção e organização de universidade e de escola de um modo geral. No Brasil, a interdisciplinaridade começa a ser discutida no final dos anos sessenta, mais como um modismo e preocupação com sua explicitação terminológica. A primeira obra significativa é de Hilton Japiassu (1976), acompanhado de Ivani Fazenda, autora de inúmeras produções e pesquisas sobre o tema. A interdisciplinaridade cada vez mais é trabalhada na educação brasileira (em todas as fases: ensino fundamental, médio, superior, pós-graduação), pois ela trás um conhecimento circular 5 que é o determinador comum do conhecimento, trazendo múltiplas maneiras de aprendizagem. Observa-se que hoje, uma das maneiras mais importantes de se entrar em uma universidade é pelo Exame Nacional do Ensino Médio que traz um grande número de questões interdisciplinares, integrando, muitas vezes, o português com a matemática, a biologia com a geografia, a física com a história, entre outros. Como todo aluno aspira passar nesse exame, as escolas, desde o ensino fundamental, já trabalham com essa abordagem. 3. Os Parâmetros Curriculares Nacionais-Arte (1997; 1998) Antes de discorrer sobre os PCN-Arte (1997; 1998), referentes, respectivamente, às quatro primeiras séries e aos terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental, apresentam-se, aqui, algumas pontuações sobre os PCN como explicitação de uma política pública de educação. No discurso desses Parâmetros, observa-se que os mesmos expressam o intento de delinear as linhas norteadoras para esse nível de ensino, as quais compõem uma proposta de reorientação curricular que a Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação oferece a secretarias de educação municipais e estaduais, escolas de educação básica, instituições de formação de professores e de pesquisa educacional, editoras, enfim, e a todos aqueles que se dedicam ao processo educativo. Têm como função, também, subsidiar os professores e educadores que se encontram mais isolados da atual produção pedagógica. Declaram uma natureza aberta, da qual busca respeitar as diferenças culturais, regionais, étnicas, religiosas e políticas de cada região, pois assim é possível adequar-se as dificuldades regionais e locais, não sendo, portanto, um modelo curricular homogêneo. Desse modo, os PCN apresentam propostas para serem discutidas e aplicadas em projetos educativos dos diferentes estados e municípios brasileiros. Nos princípios e fundamentos apresentados, lê-se que o processo educacional deve resultar do próprio processo democrático, nas suas dimensões mais amplas. Atualmente, a desigualdade social tem sido um problema para grande parte da população brasileira. Essas diferenças têm travado o pleno exercício dos direitos e garantias fundamentais dessa parte menos favorecida. É papel do Estado investir em na escola para que os jovens de hoje sejam preparados para poder exigir e gozar de seus direitos mínimos garantidos constitucionalmente. Deve-se forçar o acesso de todos, sem exceção, não só a escola, mas a uma educação de qualidade e a possibilidade de participação social. Para que todos possam exercer completamente a cidadania é necessário o acesso de todos a todos os recursos culturais e educacionais como forma de atender as necessidades básicas de 6 interação pessoal, comercial e familiar, de modo que todos possam participar ativamente e criticamente dos fenômenos sociais, políticos, econômicos e culturais da nossa sociedade, atuando com competência, dignidade, responsabilidade e respeito, defendendo seus interesses e os da coletividade. Diante destas exigências para a realização da cidadania observa-se a importância de alguns princípios, como o da dignidade da pessoa humana, a igualdade de direitos, a proibição de discriminação e a solidariedade, entre outros, que são aparados pela Constituição Federal em seu art. 5º. Cabe à escola, à educação, propiciar as capacidades de vivenciar as diferentes formas de inserção sociopolíticas e culturais, além de ser o lugar no qual se deve ensinar os pressupostos éticos para uma vida justa em sociedade. Afirma-se, ainda, que a função da escola atual não se restringe apenas ao ensino das disciplinas curriculares obrigatórias. É preciso ter em vista a formação para que os alunos possam desenvolver atividades profissionais e na vida como um todo, preparando-os para lidar constantemente com o novo, capazes de responder a novos ritmos e processos. É o que se cobra cada vez mais da educação básica, visto que todo esse processo se inicia lá. Para tanto, é preciso que no processo de ensino e aprendizagem sejam exploradas a aprendizagem de metodologias capazes de verificar e comprovar hipóteses na construção do conhecimento; a construção do poder de argumentação; o desenvolvimento do senso crítico visando favorecer a criatividade e a compreensão dos limites das explicações lógicas. Além disso, é de extrema relevância uma dinâmica de ensino que não favoreça apenas o trabalho individual, mas também, o trabalho coletivo. Para alcançar seus propósitos, os PCN apresentam conteúdos procurando determinar a forma e a intensidade com que serão abordados, visando não desrespeitar as particularidades de cada Estado, buscando a construção de um saber coerente com os objetivos da educação básica. Para isso, adotam uma forma individual de estudo de cada componente devido à importância instrumental e às peculiaridades típicas de cada um destes. Partem, assim, do pressuposto de que esses conhecimentos auxiliarão no desenvolvimento do aluno e contribuirão para a sua formação. Em relação aos PCN-Arte, após a promulgação da LDB, nº 9.394/96, quando o ensino da arte passou a ser componente obrigatório em todos os níveis da educação básica, os Parâmetros Curriculares Nacionais-Arte referentes às quatro primeiras séries da Educação Fundamental, passaram a entender que: “são características desse novo marco curricular as reivindicações de identificar a área por Arte (e não mais por Educação Artística) e de incluí-la na estrutura 7 curricular como área, com conteúdos próprios ligados à cultura artística e não apenas como atividade (BRASIL,1997, p.25). Nesse documento está explicitado que, por meio da arte, é possível desenvolver habilidades em outras áreas do conhecimento além de facilitar as relações interpessoais. Ademais, é tão importante como as demais matérias voltadas para o ensino e a aprendizagem, apesar de possuir suas particularidades. Afirma-se, ainda, que a educação em arte favorece o desenvolvimento intelectual, ajudando assim, a melhor interpretar ou assimilar as outras disciplinas cursadas em toda essa fase do ensino e prepara o aluno para encarar os conflitos sociais aos quais estará exposto. Com os conhecimentos dessa área, o aluno pode desenvolver sua sensibilidade, percepção e até a imaginação, o que facilitará seu convívio e sua interação no meio em que vive e até mesmo em culturas diferentes. Conhecendo a arte de outras culturas, o aluno poderá compreender a relatividade dos valores que estão enraizados nos seus modos de pensar e agir, que pode criar um campo de sentido para a valorização do que lhe é próprio e favorecer abertura à riqueza e à diversidade da imaginação humana. Além disso, torna-se capaz de perceber sua realidade cotidiana mais vivamente, reconhecendo objetos e formas que estão à sua volta, no exercício de uma observação crítica do que existe na sua cultura, podendo criar condições para uma qualidade de vida melhor (BRASIL, 1997, p. 19). Pondera-se, ainda, que: O conhecimento da arte abre perspectivas para que o aluno tenha uma compreensão do mundo na qual a dimensão poética esteja presente: a arte ensina que é possível transformar continuamente a existência, que é preciso mudar referências a cada momento, ser flexível. Isso quer dizer que criar e conhecer são indissociáveis e a flexibilidade é condição fundamental para aprender. O ser humano que não conhece arte tem uma experiência de aprendizagem limitada, escapa-lhe a dimensão do sonho, da força comunicativa dos objetos à sua volta, da sonoridade instigante da poesia, das criações musicais, das cores e formas, dos gestos e luzes que buscam o sentido da vida (BRASIL, 1997, p. 19). Assim, o aluno irá entendendo a Arte como conhecimento humano e não apenas como atividade exclusiva dos artistas. A Arte, também, aproxima-se da ciência, pois, segundo os PCN, nunca foi possível existir ciência sem imaginação, nem arte sem conhecimento. Tanto uma como a outra são ações criadoras na construção do devir humano. O próprio conceito de verdade científica cria mobilidade, torna-se verdade provisória, o que muito aproxima estruturalmente os produtos da ciência e da arte (BRASIL, 1997, p.27). Ela está presente em tudo o que nos cerca, inclusive nas profissões, praticamente em todas exige algo relacionado à arte para que se obtenha sucesso. Mesmo que isso não seja de fácil 8 percepção, é fundamental para o crescimento profissional. A partir dessa premissa, surge a necessidade de seu estudo desde a infância. Nas reflexões sobre a arte e a educação, afirma-se que desde a pré-história a arte está presente em nossas vidas. Das pinturas nas cavernas até as músicas e o teatro de hoje, dentre outros. Entretanto, a arte como disciplina é relativamente recente, tendo surgido junto com as mudanças educacionais que vieram ocorrendo ao longo do século XX em muitos países. Pesquisas desenvolvidas nesse período reconheciam a arte da criança como espontânea e auto expressiva, o que de certa foram limitava a atuação dos professores, afim de que não gerassem influência. O ideal de todas as escolas era seguir o princípio da livre expressão, que tinha o objetivo de facilitar o desenvolvimento artístico e criador. Foi a partir da década de 70 que estudos mostraram ser o desenvolvimento artístico resultante de formas complexas de aprendizagem. É nesse ponto que se faz necessária a intervenção do professor, instruindo essas crianças pela prática e experiências diárias em meio a sociedade. Os professores, atualmente, focam em alguns pontos para reflexões, como a função e a contribuição específica da Arte para a sociedade e para a educação do ser humano. É na busca dessas respostas que se pode formar referências conceituais, definindo “a especificidade da área com base nas características inerentes ao fenômeno artístico” (BRASIL, 1997, p. 21). Outro aspecto discutido nos PCN:arte é a prática docente e a formação específica para o ensino de arte. Afirma-se que: a questão central do ensino de Arte no Brasil diz respeito a um enorme descompasso entre a produção teórica, que tem um trajeto de constantes perguntas e formulações, e o acesso dos professores a essa produção, que é dificultado pela fragilidade de sua formação, pela pequena quantidade de livros editados sobre o assunto, sem falar nas inúmeras visões preconcebidas que reduzem a atividade artística na escola a um verniz de superfície, que visa as comemorações de datas cívicas e enfeitar o cotidiano escolar (BRASIL, 1997, p. 25). Devido à falta de conhecimento por parte de alguns educadores, surge um grande número de ações individuais como folhas para colorir, cantos para momentos do cotidiano escolar, visitas a museus, tudo dependente da criatividade e iniciativa dos professores. Essas experiências individuais têm escassa chance de troca, pois esse intercâmbio realiza-se em eventos científicos, aos quais em sua quase totalidade os educadores não têm acesso. O que se observa, então, é uma espécie de círculo vicioso no qual um sistema extremamente precário de formação reforça o espaço pouco definido da área com relação às outras disciplinas do currículo escolar. Sem uma consciência clara de sua função e sem uma fundamentação consistente de arte como área de conhecimento com conteúdos específicos, os professores não conseguem formular um quadro de referências conceituais e metodológicas para alicerçar sua ação pedagógica; não há 9 material adequado para as aulas práticas, nem material didático de qualidade para dar suporte às aulas teóricas (BRASIL, 1997, p. 26). Sob reflexões como essas, os PCN: arte apresentam uma proposta ousada: dizer como ensinar e como aprender arte. Assim, aprender arte está diretamente ligado às interações que o aluno realiza com outros colegas, professores e/ou com outras fontes de informação. Ao fazer arte, deve-se analisar o trabalho artístico realizado, buscando uma aprendizagem conectada com os valores e os modos de produção nos meios socioculturais. O ideal, segundo os proponentes desses parâmetros, é ensinar arte em consonância aos modos de aprendizagem do aluno, garantindo sua liberdade de pensar, imaginar e criar integrado aos aspectos lúdicos e prazerosos característicos da atividade artística. Deve-se estar atento para que os conteúdos da arte sejam ministrados por meio de situações que proponham a participação de todos nas aulas. Cabe ao professor elaborar seus recursos didáticos para transmitir as informações utilizando as formas artísticas, visto que o ensino da arte pela arte é o melhor caminho. Segundo a proposta triangular de Barbosa, assumida nessas diretrizes, o aluno deve realizar a integração do fazer artístico, a apreciação da obra de arte e sua contextualização histórica. Em síntese, é possível afirmar que entende-se que aprender arte envolve não apenas uma atividade de produção artística pelos alunos, mas também a conquista da significação do que fazem, pelo desenvolvimento da percepção estética, alimentada pelo contato com o fenômeno artístico visto como objeto de cultura através da história e como conjunto organizado de relações formais. É importante que os alunos compreendam o sentido do fazer artístico; que suas experiências de desenhar, cantar, dançar ou dramatizar não são atividades que visam distraí-los da “seriedade” das outras disciplinas. Ao fazer e conhecer arte o aluno percorre trajetos de aprendizagem que propiciam conhecimentos específicos sobre sua relação com o mundo. Além disso, desenvolvem potencialidades (como percepção, observação, imaginação e sensibilidade) que podem alicerçar a consciência do seu lugar no mundo e também contribuem inegavelmente para sua apreensão significativa dos conteúdos das outras disciplinas do currículo (BRASIL, 1997, p. 32). Assim, entende-se que o ensino de arte consta de conteúdos específicos, devendo ser incorporado ao currículo escolar de todas as escolas. Para tanto, é mister o investimento na formação de professores na área, para que possam orientar corretamente seus alunos auxiliando-os em sua formação. Tais conteúdos são: a arte como expressão e comunicação dos indivíduos; elementos básicos das formas artísticas, modos de articulação formal, técnicas, materiais e procedimentos na criação em arte; produtores em arte: vidas, épocas e produtos em conexões; 10 diversidade das formas de arte e concepções estéticas da cultura regional, nacional e internacional: produções, reproduções e suas histórias; a arte na sociedade, considerando os produtores em arte, as produções e suas formas de documentação, preservação e divulgação em diferentes culturas e momentos históricos (BRASIL, 1997, p. 42). Esses conteúdos e atividades são propostos a partir de objetivos assim definidos: expressar e saber comunicar-se em artes mantendo uma atitude de busca pessoal e/ou coletiva, articulando a percepção, a imaginação, a emoção, a sensibilidade e a reflexão ao realizar e fruir produções artísticas; interagir com materiais, instrumentos e procedimentos variados em artes (Artes Visuais, Dança, Música, Teatro), experimentando-os e conhecendo-os de modo a utilizá-los nos trabalhos pessoais; edificar uma relação de autoconfiança com a produção artística pessoal e conhecimento estético, respeitando a própria produção e a dos colegas, no percurso de criação que abriga uma multiplicidade de procedimentos e soluções; compreender e saber identificar a arte como fato histórico contextualizado nas diversas culturas, conhecendo respeitando e podendo observar as produções presentes no entorno, assim como as demais do patrimônio cultural e do universo natural, identificando a existência de diferenças nos padrões artísticos e estéticos; observar as relações entre o homem e a realidade com interesse e curiosidade, exercitando a discussão, indagando, argumentando e apreciando arte de modo sensível; compreender e saber identificar aspectos da função e dos resultados do trabalho do artista, reconhecendo, em sua própria experiência de aprendiz, aspectos do processo percorrido pelo artista; buscar e saber organizar informações sobre a arte em contato com artistas, documentos, acervos nos espaços da escola e fora dela (livros, revistas, jornais, ilustrações, diapositivos, vídeos, discos, cartazes) e acervos públicos (museus, galerias, centros de cultura, bibliotecas, fonotecas, videotecas, cinematecas), reconhecendo e compreendendo a variedade dos produtos artísticos e concepções estéticas presentes na história das diferentes culturas e etnias (BRASIL, 1997, p. 39). Esses objetivos permitem, segundo os PCN o desenvolvimento de competências estéticas e artísticas nas diferentes linguagens da arte. 4. A interdisciplinaridade no PCN: arte Nas páginas 47 e 101 do documento há menção a “projetos interdisciplinares”, embora com pouco detalhamento. A interdisciplinaridade é tratada mais como um método, que irá relacionar criadoramente a arte com as outras disciplinas. Afirma-se que o aluno que conhece a arte e que exercita sua imaginação está mais habilitado para construir um texto, desenvolver estratégias, solucionar problemas matemáticos. Segundo Fazenda (2008), “na interdisciplinaridade escolar, as noções, finalidades habilidades e técnicas visam favorecer sobretudo o processo de aprendizagem, respeitando os saberes dos alunos e sua integração”. 11 O PCN: arte trazem como sugestão que os professores, em seus projetos e planejamentos escolares, envolvam outras disciplinas do currículo a fim de desenvolver a criatividade, o autocontrole, a visão crítica da criança e a sensibilidade. Afirma-se ainda, que ao aprender arte, o aluno não desenvolverá habilidades somente nessa área, pois ele irá utilizar seus conhecimentos em outras matérias, porém cada disciplina, de acordo com Ivani Fazenda: precisa ser analisada não apenas no lugar que ocupa ou ocuparia na grade, mas nos saberes que contemplam, nos conceitos enunciados e no movimento que esses saberes engendram, próprios de seu lócus de cientificidade. Essa cientificidade, então originada das disciplinas, ganha status de interdisciplina no momento em que obriga o professor a rever suas práticas e a redescobrir seus talentos, no momento em que ao movimento da disciplina seu próprio movimento for incorporado. (FAZENDA, p. 20). Porém é preciso que a ideia de projeto interdisciplinar nasça da consciência comum, da fé dos investigadores e professores no reconhecimento da complexidade do mesmo e na disponibilidade destes em redefinir o projeto a cada dúvida ou a cada resposta encontrada. (FAZENDA, p. 22). 5. Reflexões críticas Sem desmerecer os resultados pedagógicos que os PCN: arte trouxeram para a educação da sensibilidade e o entendimento da arte como conhecimento, deseja-se pontuar algumas sombras que permanecem em relação ao que os documentos propõem e suas possíveis repercussões na educação escolar. Reflete-se que Parâmetros, diretrizes e documentos legais de qualquer natureza no campo educacional não são suficientes para construir o professor na expectativa que os PCN apresentam. Se o docente não se reconhecer como sujeito da educação no discurso ele não entenderá “a sua própria ação docente como transformadora do contexto social e político”, conforme Pereira e Sommer (2009, p. 4). Esses mesmos autores (2009, p. 9) ponderam que nos PCN: arte há uma simetria discursiva “que se manifesta pela ênfase na ideia de defasagem. A superação do passado é tomada como mote para a construção dessa nova realidade; a ideia é mostrar que, no futuro, se nos engajarmos neste projeto, tudo será melhor”. Desse modo, conforme os PCN-Arte: “O ensino fundamental permite que as áreas se incorporem umas às outras e o aluno possa ser o principal agente das relações entre as diversas disciplinas, se os educadores estiverem abertos para as relações que eles fazem por si” (BRASIL, 1998, p. 103). Ou seja, se não houver êxito, é apenas porque o professor não teve a abertura requerida. 12 Outro aspecto a considerar é que os PCN: arte posicionam-se pela premência de reestruturação da formação do professor e do aluno. Lê-se no texto em análise que “ao estruturar-se o documento, procurou-se fundamentar, evidenciar e expor princípios e orientações para os professores, tanto no que se refere ao ensino e à aprendizagem, como também à compreensão da arte como manifestação humana” (BRASIL, 1998, p. 15). A mensagem explicitada é a de progresso, de inovação, de transformação, de avanço. Subentende-se que seria ultrapassado o que não assimilasse as orientações. Para fundamentarse, os autores do documento recorrem a teorias filosóficas, antropológicas, psicológicas, psicanalíticas e estéticas, entre outras. Isso pode significar uma intervenção que lança mão de um respaldo científico e, ainda, sugere alianças para sua efetivação. Porém, enxerga-se outra dimensão: o professor de arte estaria assumindo um campo de controle e de intervenção social. 6. Considerações finais Termina-se este artigo observando-se que os PCN: arte expressam mais que uma política educacional, uma conquista inicial dos arte-educadores. Se uma análise dos significados do discurso apresenta ainda limites, lacunas, equívocos, sobretudo em questões de poder, considera-se que, até mesmo por instigar discussões e críticas, tem a dimensão positiva de poder constituir-se o início de um processo para prosseguir nas reflexões sobre o sentido e o ensino da arte nos ambientes escolares. Uma sugestão de aprofundamento de outras propostas e outros estudos pode ser o aprofundamento na questão da arte como eixo interdisciplinar na educação básica. 7. Referências BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação: conflitos/acertos. São Paulo: Max Limonad. 1988. __________. Arte-Educação no Brasil. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2012. 132 p. __________. 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Para o desenvolvimento da investigação envolve uma universidade, um instituto federal de educação, ciência e tecnologia, quatro cursos de graduação e três escolas de educação básica. Em sua realização abrange oito subprojetos de pesquisa e três subprojetos de ensino-aprendizagem e investigação. Os resultados iniciais apontam a dificuldade de compreensão da arte como conhecimento e a formação específica dos professores em conteúdos científicos, sem acesso ao estudo e à apreciação da arte. Por outro lado, a adesão à linguagem artística é notória nos alunos do ensino fundamental e do ensino superior e os estudos revelam percursos para a compreensão do processo formativo docente e discente em interdisciplinaridade, e à reflexão sobre valores de convívio social. Palavras-chave: Interdisciplinaridade. Arte e educação. Fenomenologia bachelardiana. 1. Introdução Os processos interdisciplinares são inerentes ao tempo atual, devido às reflexões contemporâneas sobre a complexidade da realidade e a unidade do conhecimento. Esse momento supõe reincorporar à ciência aspectos ligados à intuição, à criatividade e à sensibilidade, os quais podem ser encontrados na criação artística. Na interdisciplinaridade, a relação é de reciprocidade, de diálogo entre as disciplinas envolvidas, em que da coparticipação decorre a interação. Ao enfatizar, também, o estudo da cultura popular, pensase que o depauperamento da arte de compartilhar experiências aponta o declínio de memória de fatos que dão identidade à população brasileira. Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade de Uberaba. Doutora em Educação. Coordenadora do Observatório da Educação Interdisciplinaridade na educação básica: estudos por meio da arte e da cultura popular; membro da Rede de pesquisadores sobre Professores do Centro-Oeste-REDECENTRO. Agências financiadoras FAPEMIG/CAPES-OBEDUC/CNPq 2 Na discussão sobre essa temática, considera-se que os processos interdisciplinares são inerentes ao tempo atual, devido às reflexões contemporâneas sobre a complexidade da realidade e a unidade do conhecimento. Conforme reflete Santomé (1998, p. 44): A ruptura de fronteiras entre as disciplinas (corolário da multiplicidade de áreas científicas e de modelos de sociedade cada vez mais abertos, do desaparecimento de barreiras na comunicação e de uma universalização da informação) está levando à consideração de modelos de análise muito mais potentes dos que caracterizavam apenas uma especialização disciplinar. A complexidade do mundo e da cultura atual leva a desentranhar os problemas com múltiplas lentes, tantas como as áreas do conhecimento existentes; do contrário, facilmente os resultados seriam afetados pelas deformações impostas pela seletividade das pesquisas de análise às quais se recorre. A ruptura de fronteiras entre as disciplinas (corolário da multiplicidade de áreas científicas e de modelos de sociedade cada vez mais abertos, do desaparecimento de barreiras na comunicação e de uma universalização da informação) está levando à consideração de modelos de análise muito mais potentes dos que caracterizavam apenas uma especialização disciplinar. A complexidade do mundo e da cultura atual leva a desentranhar os problemas com múltiplas lentes, tantas como as áreas do conhecimento existentes; do contrário, facilmente os resultados seriam afetados pelas deformações impostas pela seletividade das pesquisas de análise às quais se recorre. Sob esses pressupostos, desenvolve-se um projeto temático sobre estudos interdisciplinares na educação. Sua efetivação envolve sete subprojetos de pesquisa, sendo cinco dissertações de mestrado e três planos de trabalho de iniciação científica referentes às temáticas: i linguagens artísticas e valores éticos em portfólios no ensino fundamental; ii - direito e arte cinematográfica; iii - a obra de arte na sala de aula; iv - arte africana e afro-brasileira em livros didáticos de história e de literatura; v – brincadeiras tradicionais retratadas em obras de artistas brasileiros; vi - direito e literatura; vii – a arte nos conteúdos do ensino fundamental e viii - políticas educacionais, arte e interdisciplinaridade (dois subprojetos);. Além disso, desenvolvem-se quatro projetos de ensino-aprendizagem e investigação junto ao ensino fundamental, os quais propõem a arte como eixo temático, e são propostos por professores da educação básica. O objetivo comum desta investigação é realizar estudos e ações que possibilitassem interagir conceitos científicos, valores e a arte, e com aporte em obras de autores como Bachelard (1960, 1992), Gusdorf (1967), Pombo (1993), Eisner (2008), Fazenda (2003), Barbosa (2008), entre outros. Sua opção metodológica abarca a abordagem qualitativa, o método fenomenológico bachelardiano e, em atitude colaborativa, a realização de análises 3 documentais, observações, análises de imagens, estudos bibliográficos e discussões em grupo. O diálogo entre os integrantes dos diferentes subprojetos permite revelar itinerários para o entendimento dos aportes e das escolhas teórico-metodológicas desenvolvidas no processo investigativo. A metodologia inclui, igualmente, um trabalho com três professores da educação básica que abrange uma integração nas atividades de pesquisa e uma formação para o trabalho interdisciplinar nas escolas de educação básica nas quais atuam. Desse modo, os estudos realizados no grupo fundamentam a prática pedagógica em que a arte e a cultura popular são eixos integradores. Para o desenvolvimento dos estudos, integra uma Universidade, um Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia, duas escolas públicas de educação básica e três cursos de licenciatura. As instituições de educação básica nas quais se realizam esta pesquisa são escolas tanto receptivas quanto empenhadas em estudos que promovem uma aproximação entre diferentes áreas do conhecimento. Constadas as condições de infraestrutura, o número de alunos que gradativamente seria possível abranger, além da disponibilidade e do interesse das escolas, o grupo de pesquisa tem uma preocupação: verificar a potencialidade da escola também por intermédio do resultado das avaliações do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Reflete-se que para o aluno aprender, não repetir o ano e frequentar a sala de aula, é necessário dar apoio a essas instituições. O índice já alcançado pela escola resulta de um desenvolvimento contínuo, o que as credencia como instituições públicas merecedoras de apoio e incentivo para prosseguir nessa transformação ascendente. Além disso, no ensino de graduação e nos cursos de formação de professores de educação básica da universidade proponente, identificam-se projetos pedagógicos, grupos de estudo, componentes curriculares e práticas nos quais a interdisciplinaridade está em questão. O aprofundamento das bases para essa temática torna-se oportuno e necessário. Ao acolher alunos do Mestrado em Educação, estudantes e professores da graduação, e especialmente de cursos de formação de professores, e docentes da educação básica, vê-se, ainda, a possibilidade de aproximar a produção acadêmica às necessidades sociais de conhecimento. 2. Estudos interdisciplinares As abordagens interdisciplinares realizadas por este grupo de pesquisa têm várias faces. Em uma delas, ao pesquisar portfólios de alunos do ensino fundamental, definem-se como objeto 4 os portfólios criados no período escolar em uma instituição que oferece os anos iniciais de ensino fundamental. Distanciando-se de uma concepção de arte como um campo separado e distinto da formação do aluno, busca-se analisar as poéticas visuais desses portfólios em relação ao conteúdo estudado e explicitado nos trabalhos. Por poéticas visuais entendem-se as linguagens artísticas — desenho, colagem, pintura, escultura, fotografia, representação de poemas — utilizadas pelos alunos em seus portfólios, as quais se integram ao texto verbal. Para compreendê-las, realizaram-se estudos bibliográficos; análise documental do projeto pedagógico da escola e dos portfólios docentes, além de análise de imagens do conteúdo verbal dos trabalhos dos alunos, com aporte em Bicudo (2000). Esses estudos interdisciplinares, que se realizam no contexto das interações arte e educação, têm como referencial teórico obras de Duarte Jr (2000) que reflete sobre a dimensão do sensível como pressuposto fundamental para se chegar ao conhecimento pela arte; Barbosa (2008), que discute a arte como conhecimento e as interações arte e educação; Bachelard (1960), que aborda o sentido da formação integral do sujeito e a complementaridade entre ciência e arte, Bernardes (2012) que utiliza a fenomenologia bachelardiana em análises e reflexões, e Hernández (2000), que questiona os métodos tradicionais de educação e propõe como mudança educativa no ensino por projetos de trabalho e cultura visual. Observa-se que as poéticas visuais expressam o conhecimento construído na escola, nos diferentes conteúdos curriculares, além de manifestar valores éticos assumidos, como sobre a relação familiar e escolar, a preocupação ecológica e o respeito à diversidade. Nas investigações sobre as relações arte e direito, constrói-se um conhecimento em que se desvelam alguns aspectos. O primeiro revela que a recorrência ao uso do poético-afetivo em contraposição ao teórico-conceitual contraria os parâmetros do pensar paradigmático positivista tão arraigado na produção epistêmica do jurídico. A interdisciplinaridade, vista sob esse prisma, desfaz o enfoque fragmentário e reducionista das disciplinas. Busca-se compreender como a criação artística cinematográfica pode contribuir para o processo de formação do profissional de direito por meio da análise de filmes que discutem temáticas relacionadas ao campo do Direito Constitucional e do Direito Privado. Para alcançar esse propósito, realizam-se estudos bibliográficos e análise dos filmes escolhidos, com aporte em Bicudo (2000) e Eisner (2008). Nesse trabalho, selecionam-se sete filmes com qualidade técnica, repercussão na sociedade e abordagem de temas possíveis de serem analisados do ponto de vista jurídico. O enredo e as imagens são analisados como fenômenos que se desvelam ao pesquisador e procura-se uma relação com a imaginação criante do artista. Essas ideias têm como referencial teórico obras de Bachelard (1960, 1992), que refletem sobre a 5 importância da arte na formação do sujeito; Eisner (2008), que discute o que o que o educador pode aprender com a arte, e Nalini (1999), que aborda as questões da formação do acadêmico do curso de Direito. A arte possibilitou reflexões sobre princípios constitucionais, direitos humanos, discriminação, direitos trabalhistas, marginalização e conduta ética do advogado, entre outros. Nesse âmbito arte e direito, um subprojeto de iniciação científica almeja mostrar um contexto geral entre o direito e a literatura, abordando convergências, divergências e interfaces existentes do direito contado a partir da literatura. Recorre-se a recursos poéticos e artísticos para suscitar no indivíduo a reflexão indispensável a sua formação. Nesse sentido, realizam-se estudos teórico-bibliográficos: leituras de obras literárias e de textos jurídicos, que apresentam pontos de vista sobre as obras literárias, sob o enfoque hermenêutico e técnico-jurídico, sempre com o viés interdisciplinar, e fundamentado em Barthes (1978), Cancellier (2005), Godoy (2008) e Posner (2004), entre outros. Verifica-se, no estágio atual da pesquisa, a dificuldade de compreensão da arte como conhecimento e como comunicação de valores, a indefinição do que é, para que serve e como o conhecimento artístico pode ser praticado no ambiente escolar. Por outro lado, constrói-se um conhecimento sobre as interfaces existentes entre o direito e a literatura — mais especificamente, do direito na literatura, isto é, do direito contado a partir da literatura — possibilitando, assim, que se desenvolva um novo modo de pensar o direito e, sobretudo, de compreender os fenômenos socais no interior das culturas jurídica e literária. Em outra pesquisa, procura-se demonstrar como criações artísticas podem ser utilizadas na construção do conhecimento no ensino fundamental. Para alcançar este objetivo, desenvolvem-se estudos bibliográficos, observações e análises iconográficas, através de registro fotográfico das pinturas, esculturas, tecelagens presentes em ateliês, praças públicas, museus, exposições em órgãos públicos ou privados, além de construções arquitetônicas de uma cidade do interior mineiro. Com aporte em Eisner (2008), Bachelard (1992) e Barbosa (2008), tem-se por critério a escolha de obras de arte expostas à visitação pública. O intuito é apresentar aos professores de educação básica recursos oriundos da arte que podem contribuir na construção do conhecimento, criando práticas interdisciplinares inovadoras. Enquanto na escola há rotinas fundamentais que devem ser seguidas no processo ensino aprendizagem, no qual predomina a linguagem verbal, nas mostras artísticas há uma proposta peculiar, também educativa, mas sua base está na observação ou audição de objetos – a linguagem é outra. Os estudos realizados nesse subprojeto levam à reflexão de que a vista à obra de arte deve iniciar-se na sala de aula, com reflexões docentes e discentes sobre a exploração dos espaços e 6 conteúdos do exposto; com incentivo à interação que, por exemplo, alguns museus já proporcionam com o uso de tecnologias; com a informação sobre as criações artísticas a serem visitadas, proporcionando a compreensão de seu significado, a aprendizagem do olhar e o incentivo a releituras e observações sobre outros ângulos. Como mediador entre a escola e a obra de arte, o professor precisa conhecer os objetos visitados, ainda que por meio da internet, e apresentar perguntas para estímulo de uma atitude investigativa nos alunos, que, por sua vez, apresentarão as suas questões. Reflete-se, ainda, que os projetos educativos que envolvem o diálogo com a obra de arte devem ser construídos buscando um aluno leitor que interaja com as obras dos artistas a partir de sua própria leitura. Esse diálogo pode contribuir, além da educação da sensibilidade, para o exercício da argumentação e da reflexão. Um grande e diversificado número de criações artísticas foram observadas até o momento, trazendo em si a potencialidade para outras formas de construção do conhecimento na educação básica. Segundo Barbosa (2008), a produção de arte dos alunos não é suficiente para a leitura e o julgamento de qualidade das imagens produzidas por um artista. Por este motivo, faz-se necessário haver um currículo que integre, além do fazer artístico, também a história da arte e a análise da obra de arte, para que os seja possível compreender o contexto nos quais as obras se situam e suas múltiplas significações. O objetivo de outro subprojeto de pesquisa é analisar, a partir de elementos da arte africana e afro-brasileira presentes nos livros didáticos de história e português do ensino fundamental, o cumprimento do disposto na Lei 10.639 (2003) e suas regulamentações, as quais tornaram obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira. Baseia-se, ainda, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004), a serem observadas pelas Instituições de ensino que atuam nos níveis e modalidades da educação brasileira e, em especial, naquelas que desenvolvem programas de formação inicial e continuada de professores. Essa legislação tem o intuito de reparar e reconhecer as desigualdades raciais e sociais sofridas pelas pessoas negras no Brasil, assumindo a importância do combate ao preconceito e ao racismo, além de contribuir para a construção da identidade brasileira com seus evidentes traços de africanidade. Partindo desses pressupostos, a análise da presença da arte nos livros didáticos em questão tem como foco o que se pode aprender sobre a África nas expressões artísticas desse continente. Os livros são propostos pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, o que justifica, igualmente, um estudo sobre políticas públicas educacionais nesse âmbito, com base em análises de Dourado (2007) e Hofling (2000). 7 No triênio estudado, 2011-2013, verifica-se que as escolas da rede municipal (não considerados aqui os cursos específicos da Educação de Jovens e Adultos) passaram a utilizar apostilas de cada conteúdo curricular, elaboradas por uma escola particular, e, nas instituições da rede estadual no município em estudo, prevaleceram as obras disponibilizadas pelo programa federal. As expressões artísticas são pouco presentes, encontrando-se mais criações sobre temas da África produzidas por artistas não africanos, como Jean-Batist Debret e Joaquim Cândido Guilobel, entre outros. O ensino da literatura africana dá-se de maneira superficial, o que representa uma perda para os alunos, pois, assim, diminuirá a oportunidade de conhecer a diversidade da cultura, dos costumes, dos valores e de vários outros aspectos que a literatura africana traduz da sua terra e de seu povo. Outro subprojeto relacionado à dissertação de mestrado faz a leitura de pinturas de artistas plásticos brasileiros para analisar expressões de brincadeiras tradicionais de criança. Sob a perspectiva teórica de Bachelard (1942, 1943a, 1943b, 1992), apreende-se que essas brincadeiras realizam-se junto aos elementos naturais água, ar, terra e fogo, e o conceito bachelardiano sobre imaginação material é o aporte para compreender o sentido dessas brincadeiras. Na análise das imagens, com aporte em Bicudo (2000), definiram-se unidades de significado segundo esses elementos naturais, observando-se como a imaginação das crianças constrói brincadeiras junto à natureza. Essa imaginação, denominada por Bachelard (1942) como imaginação material, associa-se ao destino essencial possível nas forças imaginantes ligadas às raízes do universo, segundo a doutrina cosmogônica delineada por Empédocles de Agrigento (cerca de 484 - 421 a.C.) sobretudo no poema “Da Natureza” (EMPÉDOCLES, 1999). A partir dessa inspiração na filosofia antiga grega, o pensador francês entende a água como matéria dominadora, o fogo como sentido de horizontalidade, o ar como movimentos dinâmicos e a terra trazendo significados de experiências vividas com a matéria sólida. Para o filósofo da imaginação, o devaneio na criança é um devaneio materialista, dessa forma, a relação com diferentes materialidades por meio das brincadeiras tradicionais promove compreender, conhecer e desafiar positivamente o sentido do brincar. Dois subprojetos de iniciação científica buscam identificar menções à interdisciplinaridade, à arte e à cultura popular na legislação e documentos oficiais que expressam diretrizes para a educação básica. O referencial teórico abrange autores como Fazenda (2013) nos estudos sobre interdisciplinaridade; Barbosa (2008) nos estudos sobre arte e Brandão (2002) nos estudos sobre cultura popular. Os documentos analisados compõem-se de leis, diretrizes 8 curriculares, resoluções, pareceres, planos de educação e os Parâmetros Curriculares Nacionais do ensino fundamental (Brasil, 1988). Nesses parâmetros, a arte é proposta como obrigatória em todos os níveis da educação básica, pois se considera que o aluno desenvolve sua sensibilidade e imaginação criadora tanto ao construir formas artísticas, como ao contemplar e conhecer as criações das diversas culturas. Nos documentos há menção a projetos interdisciplinares, embora com pouco detalhamento; a arte é apresentada como conhecimento, e como tal implica um espaço próprio e uma interação com os conteúdos curriculares. A cultura não é mencionada de modo relevante. Os resultados desvelam, ainda, que não há menção direta à interdisciplinaridade na lei que estipula as diretrizes e as bases da educação nacional, porém, abre flexibilidade no trato dos componentes curriculares que constituem a base nacional comum, Nessa legislação, a arte passa a ser componente obrigatório em todas as séries. Os subprojetos de ensino-aprendizagem realizados por professores de educação básica têm como objetivo o ensino de matemática, de língua portuguesa e de geografia e história por meio da arte e da cultura popular. O primeiro desenvolve estudos de geometria através da obra de Tarsila do Amaral, e de sistemas de medida por meio da gastronomia mineira. Os estudos sobre gêneros textuais e classes gramaticais, por meio da pintura de Van Gogh e/ou Di Cavalcanti, de cantos, fotografias e poesias, são realizados em dois subprojetos, envolvendo alunos do 6º e do 9º ano do ensino fundamental. Neles discute-se a identidade e trabalha-se com a autobiografia. Os estudos de geografia e história interagem o conhecimento construído por alunos dos últimos anos do ensino fundamental sobre o bairro da escola, com poemas, dramatizações e pintura. Professores e estudantes utilizam observações, entrevistas, registros fotográficos, investigação na internet e estudos bibliográficos, com aporte, sobretudo, em Barbosa (2008, 2013) e Fazenda (2013). Nesses subprojetos de ensino-aprendizagem as questões didáticas são continuamente discutidas em torno da concepção de educação que requer dos professores uma atitude interdisciplinar. Isso significa “atitude feita de curiosidade, de abertura, de sentido de aventura, de intuição das relações existentes entre as coisas e que escapam à observação comum” (JAPIASSU, 1979, p. 15). É um percurso que supõe sensibilidade, intersubjetividade, diálogo, integração e interação, os quais concretizam a integração das partes, dos conhecimentos que estimulam novas perguntas e com isso novas respostas. Nessa natureza de reflexão, assim Fazenda (1991, p.14) sintetiza em que consiste uma atitude interdisciplinar. 9 Atitude de busca de alternativas para conhecer mais e melhor; atitude de espera perante atos não-consumados; atitude de reciprocidade que impele à troca, ao diálogo com pares idênticos, com pares anônimos ou consigo mesmo; atitude de humildade diante da limitação do próprio saber; atitude de perplexidade ante a possibilidade de desvendar novos saberes; atitude de desafio diante do novo, desafio de redimensionar o velho; atitude de envolvimento e comprometimento com os projetos e as pessoas neles implicadas; atitude, pois, de compromisso de construir sempre da melhor forma possível; atitude de responsabilidade, mas, sobretudo de alegria, revelação, de encontro, enfim, de vida (grifos da autora). Assim, segundo essa pesquisadora, se tornará possível envolver conteúdos e ultrapassar a percepção fragmentária do conhecimento. 3. Comentários finais Os resultados conduzem à reflexão sobre a dificuldade de compreensão da arte como conhecimento e como comunicação de valores, a indefinição do que é, para que serve e como o conhecimento artístico pode ser praticado nos componentes curriculares. Observa-se a formação específica dos professores, assim como dos pós-graduandos e alunos de iniciação científica, direcionada aos conteúdos científicos, sem acesso ao estudo e à apreciação da arte, assim a existência de uma visão predominantemente utilitarista atribuída aos conhecimentos escolares. Além disso, os conceitos de inter e multidisciplinaridade são confundidos pelos docentes e alunos. Por outro lado, o processo formativo realiza-se por meio de interações pessoais, de reflexões sobre si e seu fazer investigativo e docente, assim como a adesão à linguagem artística é notória nos alunos do ensino fundamental e dos cursos superiores e integra-se, em algumas situações, à reflexão sobre valores de convívio social. O trabalho desenvolvido foi avaliado pelos professores e por todos os integrantes do grupo de pesquisa como algo peculiar e avaliaram que se tratava de uma atitude diferente na investigação e no ensino. Antes da elaboração dos subprojetos de pesquisa e de ensinoaprendizagem, foi identificado, pelos próprios participantes do grupo, a necessidade de estudar e compreender as concepções e as integrações que se solicitavam, além de, em alguns casos, fazer os primeiros estudos sobre alguns momentos da história da arte. Essa disposição para a pesquisa foi discutida como inerente à construção interdisciplinar do conhecimento. Do mesmo modo, a aproximação às obras de arte era também uma nova experiência, e essas dimensões têm requerido muitos estudos e atividades de apreciação artística, o que incluiu até mesmo visitas a museus de arte em São Paulo e a mostras artísticas no próprio município, além de cursos de extensão sobre questões específicas de metodologia da pesquisa, arte e educação. 10 As análises dos primeiros resultados apontam, ainda, um contexto pedagógico em que a arte pode ser o eixo de um saber interdisciplinar, e o entendimento de que leituras das criações artísticas contribuem para que as aprendizagens dos alunos se expressem de modo coerente, além da linguagem verbal, em pinturas, desenhos, colagens e poemas que constituem poéticas visuais e anunciam um conhecimento construído. Pensamos que dentre as inúmeras alternativas que se colocam para a abordagem das questões sobre educação e arte, o estudo interdisciplinar adquire relevância. Não só pelo próprio enfoque que se baseia no cruzamento dos caminhos da educação com as demais áreas do conhecimento – fundando um espaço crítico por excelência, através do qual seja possível questionar seus pressupostos, seus fundamentos, sua efetividade, mas, também, porque a aproximação de campos diversos favorece assimilar a capacidade criadora, crítica e inovadora da arte. O presente trabalho foi realizado com apoio do Programa Observatório da Educação, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES; da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. 4. Referências BACHELARD, G. L’eau et les rêves: essai sur l’imagination de la matiére. Paris: Librairie J. Corti, 1942. __________. L’air et les songes: essai sur l’imagination du moviment. Paris: Librairie J. Corti, 1943a. __________. La terre et les reveries de la volonté: essai sur l’imagination des forces. 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Para isso, buscou-se envolver licenciandos e professores da Universidade Federal de Viçosa (UFV), além de professores da Educação Básica, que se engajaram nas seguintes ações formativas: (i) capacitação na LIBRAS; (ii) produção de materiais didáticos adaptados; (iii) capacitação para o uso das tecnologias; (iv) oficinas de expressão corpóreo-facial; e (vi) palestras. Realizou-se, também, uma pesquisa colaborativa, envolvendo todo o grupo, de modo a ser possível abordar as questões de ensino e aprendizagem da LIBRAS, com destaque para a relação professorestudante surdo. Os dados foram coletados por meio de filmagens e fotografias das interações estabelecidas nos encontros formativos. A análise baseou-se na observação participante e no tratamento de dados visuais. A partir daí, foi possível evidenciar que a falta de capacitação dos professores sobre questões relativas à inclusão dos sujeitos surdos, mediada pela LIBRAS, parece tornar pouco efetivas as políticas públicas voltadas à Educação Inclusiva. Nove professoras (das que concluíram o curso) desconheciam a LIBRAS e cinco não estavam informadas acerca do debate relativo à inclusão dos surdos na Escola. Assim, com o projeto foi possível introduzir um conhecimento básico sobre a LIBRAS e discutir as possibilidades para utilização de recursos multimodais nas aulas, buscando favorecer o ensino e a aprendizagem dos estudantes ouvintes e surdos, sem distinção, por meio de ações que priorizem os aspectos imagéticos e as interações estabelecidas em sala de aula. Agradecimento FAPEMIG, pelo fomento dado à pesquisa, aos professores envolvidos no trabalho e a UFV. Professora de LIBRAS no Departamento de Letras da Universidade Federal de Viçosa (MG) e Coordenadora Geraldo projeto “Formação Inicial e Continuada de Professores: Abordagem Inclusiva na Educação Básica”, financiado pelo edital FAPEMIG 07/2013. Licenciado e Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Viçosa (MG), professor da Educação Básica e bolsista do projeto“Formação Inicial e Continuada de Professores: Abordagem Inclusiva na Educação Básica”, financiado pelo edital FAPEMIG 07/2013. Professora da Educação Básica e Coordenadora Técnica e voluntária do Projeto“Formação Inicial e Continuada de Professores: Abordagem Inclusiva na Educação Básica”, financiado pelo edital FAPEMIG 07/2013. Professor no Departamento de Química da Universidade Federal de Viçosa (MG) e colaborador voluntário do projeto“Formação Inicial e Continuada de Professores: Abordagem Inclusiva na Educação Básica”, financiado pelo edital FAPEMIG 07/2013. 2 Palavras-chave: LIBRAS, metodologias ativas, FIC de professores, mediação do conhecimento. 1. Introdução Devido às novas aberturas políticas, econômicas e sociais, diversas ações vêm sendo provocadas e produzidas para responder a problemática que envolve o uso da LIBRAS na escola regular e os sujeitos surdos inseridos no processo educacional (embasado numa filosofia Bilíngue). Nesse sentido, as ações desempenhadas pelo projeto “Formação inicial e continuada de professores: abordagem inclusiva para surdos na Educação Básica” (Projeto FIC) caminham em consonância com as demandas relativas à preparação teórico-prática, agregada a uma formação continuada de educadores no ensino básico, em uma Escola pública no Município de Viçosa (MG). O projeto insere-se no contexto da problemática escolar situada nos campos da Linguística, Sociologia, Antropologia, Educação e Política, buscando investir na formação continuada dos professores da Educação Básica, além de contemplar a formação inicial dos futuros docentes, possibilitando, assim, a capacitação no uso da LIBRAS e de metodologias ativas1, com foco na inclusão escolar de surdos. Quadros e Karnopp (2004) afirmam que com o estabelecimento legal do direito dos estudantes surdos de ter acesso aos conhecimentos por meio da LIBRAS tem estimulado uma série de ações, voltadas para metodologias inclusivas e para a capacitação técnica dos professores. Tais iniciativas partem do MEC, em parceria com a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS). Para atender a essa nova demanda é importante que os docentes articulem estratégias de ensino e metodologias adaptadas, que facilitem a interação de surdos e ouvintes no ambiente escolar. Desse modo, o que se propõe atualmente nos documentos oficiais é uma regulamentação, sob a orientação do Sistema Nacional de Educação, embasada na constituição de uma educação Bilíngue para surdos. Essa nova concepção educacional concerne ao sujeito surdo à possibilidade de ter acesso aos conteúdos educacionais por meio da Língua de Sinais e do português escrito (sendo considerada como a primeira língua (L1) a LIBRAS e, como a segunda (L2), a grafia do Português escrito). Neste contexto, é que se insere o Projeto FIC, buscando estimular uma reflexão pedagógica e ressignificação da prática docente em um grupo de professores em exercício no ensino básico, com alunos surdos matriculados em sua escola. 1 Bastos (2006) sugere uma definição para o conceito, como: um processo de interação, envolvendo a produção do conhecimento, análise, estudos, pesquisas e decisões individuais ou coletivas. Com o objetivo de buscar soluções para problemas. Desse modo, o professor é visto nesta perspectiva como um facilitador da aprendizagem conferindo ao aluno autonomia, em que o estudante aprenda fazendo. 3 No presente trabalho, buscaremos explicitar um recorte da pesquisa proporcionada por meio das ações de ensino, extensão e pesquisa universitária. Trata-se de análises realizadas a partir de observações participantes2 e de registros produzidos, durante as interações sociais3 proporcionadas pelo Projeto FIC. Para tanto, as análises foram desenvolvidas a partir de três eixos: FIC professores X interação social, prática docente X interação social e sensibilização da LIBRAS e educação de surdos X interação social. A partir destes eixos analíticos, buscaremos elucidar o processo interacional que estimulou uma ressignificação à prática docente, evidenciando: (i) uma mudança na postura dos professores em relação a uma significação autocrítica de sua prática; (ii) um estímulo a uma sensibilidade em olhar para a LIBRAS e inclusão de surdos no cotidiano escolar; e, ainda, (iii) capacitação para produção de metodologias ativas bilíngues. 2. Contextualização das ações do Projeto e perspectivas metodológicas da pesquisa O projeto “Formação inicial e continuada de professores: abordagem inclusiva para surdos na Educação Básica” decorreu de uma parceria entrea Universidade Federal de Viçosa (UFV), Coordenadoria de Educação Aberta e a Distância (CEAD/UFV); Projetos de Pesquisa em Educação Básica, acordos CAPES-FAPEMIG, Secretaria Municipal de Viçosa (MG) e Curso de Extensão em Língua Brasileira de Sinais (CELIB/UFV). Tal projeto contou com a mobilização de entidades públicas, privadas e de agentes multidisciplinares, estimulando a reflexão acerca de estratégias pedagógicas com o uso de metodologias ativas no processo de ensino e aprendizagem para surdos. O Projeto FIC ainda contou com uma parceria entre a UFV e a Escola Municipal Dona Nanete4, em Viçosa (MG). Esta parceria surgiu de demandas ligadas à necessidade de essa escola em atender um estudante surdo de nove anos, matriculado no segundo ano do Ensino Fundamental. Por intermédio de uma professora da escola, que também atua como colaboradora em pesquisas e projetos na UFV foi possível desenvolver o Projeto FIC, 2 Essa técnica para coletar evidências, tem como pressuposto a vivência e acompanhamento de rotinas cotidianas das pessoas, com o objetivo de compreender os sentidos atribuídos por elas à realidade a qual estão inseridas. Em que, o “observador está face a face com os observados e, ao mesmo tempo, ao participar da vida deles no seu próprio cenário”. 3 Neste trabalho, utilizaremos o termo “interação social” a partir da perspectiva de Goffman (1998). A interação social é entendida como meio de constituição social de um sujeito por parte de um diálogo estabelecido entre ele(a) e outros(as). Constitui uma fração por meio de uma coerência de comunicação verbal e não verbal (e nesse caso, adiciona-se a comunicação sinalizada), ininterrupta, concernente à vida cotidiana; ocorre em uma situação social historicamente localizada e socialmente definida (GOFFMAN, 1998). 4 Ao longo do texto utilizaremos o nome fictício “Dona Nanete” para nomear a escola parceira do projeto, local onde várias ações foram realizadas, e que a participação dos professores foi efetiva. 4 objetivando fornecer capacitação para um grupo de professores em complementar sua prática docente. Desse modo, o Projeto contou, inicialmente, com a participação voluntária de acadêmicos de diversas Licenciaturas: Ciências Sociais, História, Química, Dança, Educação Infantil e Pedagogia. Inicialmente, os educandos (professores em formação continuada) participaram do curso num formato semipresencial, com atividades realizadas à distância (2013/2). 2014/1 e 2 continua com a mesma modalidade, no entanto realizou-se uma parceria com o CEAD, de modo que foi possível fazer uso do AVA - ambiente virtual de aprendizagem. O Curso de Capacitação em LIBRAS e Metodologias Ativas para surdos (2014/2) - terceira ação do projeto, foco de nosso artigo, tinha o formato semipresencial, com atividades realizadas, também, à distância, ocorrendo uma semana na UFV e outra na Escola. Todos os materiais teóricos preparados para o curso (Manual do Estudante, Guia de Estudo da Semana e arquivos de texto e slides) e demais atividades foram disponibilizados no AVA. As aulas oferecidas pelo projeto tiveram o período de duração de duas horas semanais na modalidade presencial e uma hora à distância, totalizando três horas semanais. Foram utilizados alguns espaços para ministrar as aulas, previstas no cronograma do curso de LIBRAS: Laboratório de Informática e sala de aula do Colégio de Aplicação – COLUNI; sala de vídeo da Escola. Além disso, foram realizadas oficinas (UFV, Escola e Microlins) e palestras (realizadas na Escola e em diferentes espaços na UFV). Ainda, participaram do projeto, como colaboradores: uma professora que atua na Coordenadoria de Educação a Distância – CEAD; um professor do Departamento de Química, envolvido com projetos na área de metodologias de ensino de Química e Língua de Sinais; uma pedagoga que atua como tutora na UFV; e uma professora da educação básica que atua na rede pública mineira. Uma professora do Departamento de Letras, vinculada ao ensino da LIBRAS, como coordenadora do projeto; e vinte e cinco cursistas5, envolvendo professores em exercício na Escola, comunidade e funcionários de ambas as instituições de ensino (básico e superior). Além da professora da escola Dona Nanete - bolsista da CAPES; o licenciando bolsista de Iniciação Científica. Para o desenvolvimento dos planejamentos das aulas, são agendados encontros quinzenais da equipe colaboradora do Projeto. A partir dessas ações e interações foi possível realizar filmagens e fotografias, entre outubro de 2013 a dezembro de 2014. Bem como as informações obtidas, por meio da observação 5 É importante mencionar que, ao longo dos períodos letivos de desenvolvimento do curso, houve a evasão de alguns dos cursista. Desse modo, consideraremos neste artigo que prevaleceram até o momento final do curso 8 professoras. Esse aspecto foi considerado como um dado de pesquisa proporcionado pelo projeto, o que será descrito adiante neste trabalho. 5 participante – com o intuito de compreender uma situação social a partir de manifestações particulares, levando em conta a obtenção de evidencias e de enunciados específicos acerca de esquemas simbólicos, presentes nos saberes pedagógicos e na constituição da prática docente dos sujeitos envolvidos (ANGROSINO, 2000). No âmbito da realização da pesquisa, a partir dessas ações do projeto FIC, seguimos orientados pela instrumentalização científica sugerida nos pressupostos metodológicos da Pesquisa Qualitativa, na perspectiva das Ciências Humanas. Tais pressupostos são capazes não apenas de estimular uma observação sistemática dos fatos, mas, sobretudo, de realizar sua problematização teórica em relação aos significados dados pelos sujeitos envolvidos com os fatos investigados. Contudo, não é um método científico meramente prescritivo, mas crítico, que entende não existir uma única forma de desenvolver a ciência, muito menos um único método de investigação. Ainda, levou-se em conta o consentimento e espontaneidade das pessoas em participar do estudo, de forma direta ou indireta. Mantendo sigilo quanto a sua privacidade e identidade, conforme princípios éticos que norteiam a fundamentação científica para a pesquisa qualitativa (ANGROSINO, 2000; MINAYO, 2012). Nesse sentido, a pesquisa parte do Método Etnográfico para analisar os impactos das ações do Projeto FIC a partir das interações via ensino aprendizagem da LIBRAS e Metodologias Ativas. Utilizando-se das seguintes técnicas para coleta de evidencias: observação participante, filmagem e fotografia. Foi filmado, fotografado, catalogado e analisado um total de onze encontros para o desenvolvimento deste artigo. A partir desses encontros foram produzidos diários de campo e anotações, que serviram como aporte teórico para análise do conteúdo imagético produzido. As imagens, em movimento ou estáticas encontram-se em um campo de fácil expressão cultural, por meio da linguagem visual, o que possibilita ao pesquisador transpor em imagens a problemática investigada, uma vez que se considera a linguagem imagética, detentora de uma sintaxe própria (BITTENCOURT, 1998). Nesse sentido, as contribuições da imagem para o registro etnográfico não se restringem à valorização das técnicas que geram um produto fiel à realidade, mas sim à captura das experiências humanas em sociedades e as suas relações com os significados acionados (COLLIER, 1973). Devido a grande diversidade e riqueza de dados coletados, a partir dos diferentes métodos utilizados, optamos por adentrar em alguns dos aspectos evidenciados, os quais foram demarcados na introdução. Vale destacar que a proporção da pesquisa ampliou-se ao longo do desenvolvimento das ações, as quais trouxeram um conjunto de reflexões e ressignificações das práticas docentes da equipe de formadores e dos professores em formação. 6 3. Formação de professores e as perspectivas frente aos novos desafios para o “aprender” Refletir a respeito do contexto escolar e da prática docente na atualidade requer ir além de uma concepção educacional tradicional. E, ao mesmo tempo, considerar que as novas demandas pedagógicas exigem atualização na formação de professores. Assim, as ações desenvolvidas pelo Projeto FIC ajudaram os professores a pensarem em estratégias para mediar o conhecimento a partir de novos sentidos agregados ao “aprender”. Segundo Libâneo (2010) as novas exigências educacionais: [...] pedem às universidades um novo professor capaz de ajustar sua didática às novas realidades da sociedade, do conhecimento, do aluno, dos meios de comunicação. O novo professor precisaria, no mínimo, de adquirir sólida cultura geral, capacidade de aprender a aprender, competência para saber agir na sala de aula, habilidades comunicativas, domínio da linguagem informacional e dos meios de informação, habilidade de articular as aulas com as mídias e multimídias (LIBÂNEO, 2010, p. 29-30). Dentre algumas atitudes que sinalizam uma ação no sentido dessas “novas” performances docentes, diante do mundo contemporâneo, o autor supracitado, destaca que a capacidade de o professor assumir o ensino como uma possibilidade de mediação do conhecimento, sugere que isso ajudaria “no questionamento dessas experiências e significados, [que] provê condições e meios cognitivos para sua modificação por parte dos alunos e orienta-os, intencionalmente, para objetivos educativos” (LIBÂNEO, 2010, p. 31). Para que os professores em formação assumissem essa perspectiva de articulação dos saberes em suas práticas, foi necessária uma motivação intrínseca para a realização do trabalho docente. O conceito de motivação intrínseca se relaciona à tendência que o ser humano apresenta para lidar com as novidades e os desafios pessoais e profissionais, exercitando as suas múltiplas capacidades para mediar problemas e conflitos de diferentes ordens 6. Ryan e Deci (2000) destacam que a motivação intrínseca é o fenômeno que melhor representa o potencial da natureza humana, sendo essencial para o desenvolvimento cognitivo e para a inserção social dos indivíduos. 6 Essa relação de mediação tem sido associada ao conceito de resiliência. Tal conceito, que foi originalmente cunhado da Física, pode ser definido no campo da Psicologia como a capacidade de o indivíduo mediar problemas e situações conflituosas, superando obstáculos ou resistindo à pressão de situações adversas. Job (2003) e Barlach, Limongi-França e Malvezzi (2008) argumentam que a resiliência se trata de uma tomada de decisão quando se depara com uma situação limite entre a tensão do ambiente e a vontade de superar o desafio apresentado. Essas decisões favorecem o desenvolvimento de ações para enfrentar a situação problema em questão. Assim, pode-se considerar que a resiliência é uma combinação de fatores que propiciam ao ser humano condições para mediar e superar conflitos e adversidades do seu dia a dia. 7 Nessa perspectiva, entende-se que os cursos e atividades de formação de professores podem ser formulados de maneira a estimular as potencialidades desses profissionais. No contexto do Projeto, as palestras como, por exemplo,a realizada nodia 27 de agosto de 2014 no auditório do Departamento de Economia Rural da UFV. O objetivo foi realizar uma abertura oficial da terceira fase do Projeto de Formação Inicial e Continuada de Professores, bem uma aula inaugural para o CELIB. Para tanto, a programação contou com uma mesa de abertura e um ciclo de palestras que envolveram um auditório com aproximadamente duzentas pessoas entre surdos e ouvintes (estudantes de diversas licenciaturas, intérpretes de LIBRAS, professores/as da UFV e do Ensino Básico da cidade de Viçosa). Este evento contou em sua mesa de abertura com a participação da Reitora da Universidade, pela diretora do Centro de Ciências Humanas, pela chefe do Departamento de Letras e pela professora coordenadora do CELIB. Todas as falas das participantes ouvintes, traduzidas para a LIBRAS por uma intérprete, enfatizaram a relevância da Língua Brasileira de Sinais, no sentido de: 1) ser a segunda língua oficial brasileira e fundamental para a construção da cultura e identidade Surda; 2) evidenciar e legitimar um campo de estudo de imenso vigor no DLA/UFV e que envolve pesquisa, ensino e extensão comprometimentos com a promoção de uma universidade diversa; e 3) demarcar a relevância da inclusão dessa minoria etnolinguística na esfera pública e privada.Após esse momento, iniciou-se o ciclo de palestras com a apresentação do Professor de LIBRAS da UFV, Charley Pereira Soares e da Professora de Linguística da UFV, Aparecida de Araújo Oliveira. Esse contexto de formação buscou estabelecer articulações entre os aspectos sociais e individuais relacionados aos saberes docentes. Esses saberes são sociais, pois, são partilhados por todo um grupo de professores que possuem formação comum, embora, muitas das vezes, discrepantes (TARDIF, 2002). O “saber” é resultado de uma negociação entre diversos grupos e práticas sociais através das interações, sugerido ao professor não trabalharcom “objetos”, mas sim com sujeitos. Contudo, o saber não se restringe a um determinado conteúdo, ele se manifesta por meio das complexas relações estabelecidas entre professores e estudantes (face to face). Assim, é importante inscrever no próprio cerne do saber dos professores, a relação com o outro e, principalmente, com esse outro coletivo representado pelos estudantes e pela sociedade. A partir das experiências do curso, proporcionado pelo Projeto FIC, foi possível evidenciar a articulação de saberes dos professores, que ao adentrarem em sala de aula, ressignificaram suas práticas docentes durante as interações com os demais envolvidos. Demonstrou-se nesse processo, uma maior articulação do professor na mediação entre alunos surdos e ouvintes e, 8 ainda, na utilização de atividades e metodologias ativas sugeridas pelo projeto, no âmbito da sala de aula. Ao passo que os professores acionavam essa transposição de ideias teóricas e de atividades desenvolvidas na formação para a escola. Nota-se que foram realizados esforços de construção de habilidades e de percepção das práticas pedagógicas, para identificá-las, classificá-las e utilizá-las de acordo com um contexto específico. Diante dos múltiplos saberes associados à prática profissional dos professores, Tardif (2002) propõe um modelo para identificá-los e, ao mesmo tempo, classificar essa diversidade de saberes, relacionando-os com os lugares onde os próprios professores atuam, com as organizações que os formam, com seus instrumentos de trabalho e, enfim, com sua experiência biográfica e profissional. O autor também demonstra as fontes de aquisição desses saberes e seus modos de integração no trabalho docente. A seguir será apresentada uma, onde se tem sistematizado tais saberes. Tabela 1 - Saberes dos professores: fontes sociais de aquisição e modos de integração no trabalho docente Modos de integração trabalho docente no Saberes dos professores Fontes sociais de aquisição Saberes pessoais A família, o ambiente de vida, a Pela história de vida e pela educação no sentido lato etc. socialização primária. Saberes provenientes formação escolar As escolas primárias e da secundárias, os estudos pós- Pela formação e pela secundário não especializados socialização pré-profissionais. etc. Os estabelecimentos de Saberes provenientes da formação de professores, os formação profissional para o estágios, os cursos de magistério reciclagem etc. A utilização das ferramentas dos Saberes provenientes dos professores: programas, livros programas e livros didáticos didáticos, cadernos de usados no trabalho docente exercícios, fichas, cursos de aperfeiçoamento. Pela formação e pela socialização profissional nas instituições e formação de professores. Pela utilização das ferramentas de trabalho, sua adaptação às tarefas. Saberes provenientes da sua A prática no ofício da escola e Pela prática do trabalho e pela experiência na profissão, na sala na sala de aula, a experiência socialização profissional. de aula e na escola dos pares etc. Fonte: Tardif (2002 p. 63). Com base nesse esquema teórico foi pensado o processo interacional a partir de saberes pedagógicos e do processo educacional motivado pelo curso de capacitação como parte das ações do Projeto FIC. Este autor aponta um curioso percurso, envolvendo a experiência 9 profissional do professor, ou seja, as motivações e o arcabouço de saberes presentes na prática docente. Tal esquema teórico explicita a relação entre os “saberes dos professores”, “fontes sociais de aquisição” e “modos de integração no trabalho docente”. Nesse trajeto, estabelecido por meio de um processo de produção da significação da prática docente, destaca-se as “fontes sociais de aquisição” dos saberes pedagógicos, o que dimensiona o lugar, o tipo de relação e os conteúdos mobilizados no momento em que acontece a interação social, responsável por estabelecer processos de aprendizagem. Esses processos podem agregar novos elementos à prática docente. Isso acontece no momento em que os professores passam a desempenhar uma autorreflexão a sua prática, estimulados por meio do curso, como pode ser observado no vídeo FIC107. As professoras sentadas em círculo são inicialmente indagadas a respeito da realidade da prática docente. A ministrante chama atenção para a diversidade das práticas e metodologias ativas que facilitam na interação diante da diversidade. Esta aula foi na maior parte dialogada, em forma de debate e conversa, explorando a realidade escolar e os referencias teóricos referentes às abordagens inclusivas, além da abordagem das dificuldades práticas do cotidiano escolar, que surgiu ao ongo da atividade. Em um segundo momento, a licencianda da Dança, explorou algumas possibilidades lúdicas para o processo ensino-aprendizado de estudantes, trabalhando as expressões corporais nas abordagens pedagógicas. Por fim, a licencianda organizou, como exemplos, atividades envolvendo metodologias ativas inclusivas desenvolvidas pelas professoras. Uma dessas metodologias envolveu as participantes numa dinâmica para aprendizado do nome das frutas em Português e em LIBRAS: em circulo e em pé no centro na sala, as professoras retiram de forma sorteada, imagens recortadas de frutas; e, em seguida, deveriam fazer o sinal da fruta coletada na cesta. Tal situação e interação de aula fez com que as professoras, além de refletirem sobre suas práticas, experienciar metodologias ativas bilíngues, ainda, desenvolverem uma sensibilidade para perceber a LIBRAS e o imagético como mediadores no processo de aprendizado de surdos. 7 A aula registrada foi desenvolvida na escola Dona Nanete, no dia 12 de novembro de 2014, em que estavam presentes nove das professoras e dois licenciandos. 10 Figura1 - Foto produzida durante aula do dia 12/11/2014 na Escola em que as professoras apresentaram algumas possibilidades para metodologias ativas bilíngue. É possível constatar que os saberes docentes são provenientes de diferentes instituições, níveis e situações. Entretanto, verifica-se na prática que os conhecimentos tomam corpo e significado somente na ação dos professores, sendo assim, ressignificados pela prática. Além disso, Shulman (1986) define o conhecimento pedagógico de conteúdo, que permite ao professor perceber quando um tópico é mais factível na aula, quais as experiências prévias dos estudantes e as relações possíveis a serem estabelecidas, incluindo todas as estratégias utilizadas para que um conteúdo seja apreendido na dinâmica da sala de aula. Considerando as contribuições desses pesquisadores, temos na constituição da prática docente, os seguintes elementos: Figura 2 - As características que estruturam a prática docente, na perspectiva de Perrenoud, Shulman e Tardif É importante que o professor desenvolva a capacidade de refletir a respeito da sua própria prática, de modo a tornar explícitos os saberes tácitos, que são aqueles provenientes de suas experiências. Para Schön (1987), tornar-se consciente de seus saberes tácitos seria o ponto de partida para que o profissional possa questionar as estratégias e as teorias nas quais acredita, 11 possibilitando, assim, uma reflexão acercados modos possíveis de atuação docente. Além disso, a importância de se pensar na epistemologia da prática, fundamentada sempre na reflexão a partir de situações reais, permitiria uma mudança no foco da formação docente, centrando-se mais nas investigações do trabalho em sala de aula (NÓVOA, 1992; ZEICHNER, 1992). Considerando o exposto, ressalta-se que a partir dos saberes práticos, os professores expressam suas concepções de ensino, projetando suas ações no espaço educativo. Somente assim, eles “serão capazes de modificar, adequar ou reafirmar as escolhas por determinada postura e sobre sua interação com os demais sujeitos em sala de aula” (SILVA, 2009, p. 26). Nesse aspecto, enquadram-se as ações desenvolvidas pelo Projeto FIC na dimensão do ensino e extensão, reverberando nas evidências analisadas no âmbito da pesquisa, proporcionadas a partir de tais interações. Com base nos autores supracitados, é possível inferir que os saberes mobilizados durante o processo de formação de professores, seja iniciada ou continuada, favoreceram: (i) o conhecimento na ação ou saber fazer; (ii) a reflexão na ação, considerando que ao realizarmos uma ação estamos refletindo sobre essa ação e aprendendo sobre o processo dialógico da aprendizagem; e (iii) a reflexão sobre a ação, que permite uma análise mais pormenorizada da atividade realizada, de modo a melhor compreender e, quando necessário reformular, as ações práticas em sala de aula. Contudo, é importante que a formação dos professores proporcionem aos docentes o questionamento de suas práticas, que perpassam pelos saberes da experiência, saberes relacionados aos conteúdos específicos e saberes pedagógicos. Ainda acerca do contexto educacional, Perrenoud (2002) e Contreras (2002) ressaltam que a formação do professor como um profissional crítico e reflexivo é de grande importância para uma sociedade em constante transformação. Isso por que fomentaria o desenvolvimento de habilidades essenciais ao docente do Século XXI, tais como a capacidade de inovar, articular e negociar novos saberes em contextos de construção coletiva de conhecimentos. Para favorecer “mudanças na cultura escolar, criando comunidades de análise e investigação, crescimento pessoal, compromisso profissional e práticas organizacionais participativas e democráticas” (PIMENTA, 2005, p. 529), foi incitada uma reflexão colaborativa. O professor torna-se capaz de problematizar, analisar e compreender suas próprias práticas, além de produzir significado e conhecimento que permitam orientar o processo de transformação das práticas escolares. 12 4. O processo de ensino-aprendizagem de professores na perspectiva analítica sociolinguística interacional A partir de uma breve pesquisa bibliográfica8 averiguou-se que há poucas pesquisas que tenham como foco a interação face a face em sala de aula, tendo como meta investigar como os professores da rede pública de ensino constroem suas aprendizagens, em relação com seus pares identitários em processo de interação social, tendo como foco a aprendizagem de uma segunda língua e de metodologias ativas. Gumperz & Cook-Gumperz (1982) desenvolveram a premissa de que os processos sociais são, também, processos simbólicos; e questões de gênero, etnicidade, língua e classe seriam parâmetros importantes para a criação de identidades sociais. O estudo da língua, na perspectiva de discursos ocorridos via interação face a face, demonstra que esses parâmetros não são homogêneos e que são produzidos por meio da comunicação. Nesse sentido, Gumperz (1972) argumenta que na análise sociolinguística, conforme a realidade de cada grupo e suas interações sociais, as pessoas estão expostas a uma variedade de estímulos, os quais são ajustados de acordo com os repertórios, as mudanças de papéis e os ajustes na linguagem. O autor definiu que as relações constituem diferentes dimensões do comportamento linguístico. Desse modo, a fala não é forçada por regras gramaticais, ou seja, Gumperz (1968) explica que os indivíduos entre si escolhem a permissividade de alternâncias no discurso em eventos particulares que envolvam a fala, os quais podem ser presenciados na família ou em um momento de sociabilidade entre amigos. Considera-se que este tipo de investigação seja de grande significância, uma vez que, entendendo como está acontecendo a interação face-a-face na sala de aula, entre professores em formação inicial e os em formação continuada será possível, ao observar essa situação sociointeracional, pensar novas metodologias de ensino aprendizagem, em prol dos sujeitos surdos. Além disso, a investigação, focando as interações face a face, sendo compreendidas a partir de como os professores constroem seus conhecimentos e reflexões acerca de sua formação, permitirá a compreensão de fatos sociais e atividades do cotidiano de modo completo. 8 Ao longo do projeto financiado pelo Edital FAPEMIG 07/2013, outros projetos sugiram para colaborar com as perspectivas do trabalho. Desse modo, foi realizada a pesquisa autônoma, intitulada: “As concepções teóricas da Sociolinguística Interacional no ensino da Língua Brasileira de Sinais- LIBRAS”, considerado como subprojeto de pesquisa do projeto “Formação inicial e continuada de professores: abordagem inclusiva na educação básica”, com autoria de Érica Rodrigues Fonseca, sob orientação da professora Ana Luisa Borba Gediel, registrado na UFV e desenvolvido entre os anos de 2013 e 2014. 13 Nesse sentido, averiguou-se que as docentes participantes do projeto FIC foram estimulados, por meio das interações em sala de aula, a repensar uma prática docente capaz de facilitar o acesso dos sujeitos surdos aos conteúdos escolares. Os cursistas, de um modo geral, foram estimulados a repensar o imagético na comunicação, para explorar o uso de recursos visuais e da LIBRAS. Essa ação pode ser observada na situação sociointeracional descrita e analisada, durante a interação face a face orientada pelo plano de aula do dia 29 de setembro de 2014. A aula iniciou as 18h30, após expediente das professoras. Nesse momento, sem abandonar suas experiências e saberes docentes anteriores, o grupo de professores transfigurava seu papel e prática docente, passando a experimentar o papel de estudante em formação continuada. Os licenciandos participantes das aulas, também, relativizavam seu lugar no processo educacional, passando de estudante de graduação para professor atuante no curso de capacitação do Projeto FIC. Iniciou-se a aula apresentando os recursos didáticos utilizados (Datashow e Computador) e como foi planejada a aula, desde a construção dos slides, vídeos e imagens mobilizados na aula, até, a montagem dos equipamentos para utilização dos recursos em aula. O conteúdo trabalhado foi da Geografia, voltado para o segundo ano do ensino fundamental. No primeiro slide foi apresentada uma imagem de satélite do planeta terra, em seguida ensinado o sinal em LIBRAS correspondente. Aproveitando esse momento, chamou-se a atenção dos professores para a utilização contextual deste sinal, pois pode também significar “mundo”. Avançando nos slides, contendo tópicos sobre o cinco parâmetros da LIBRAS, utilizamos o sinal de PLANETA TERRA como exemplo para explicar a estrutura mínima de funcionamento da LIBRAS (CM, L, M, ENM, OR)9. Depois a próxima imagem exibida no slide tratava-se do Continente Americano. Em seguida, indagou-se com as cursistas como imaginavam ser o sinal referente à imagem projetada, pois o sinal de AMÉRICA é iconográfico e remetia à imagem projetada; entretanto, as professoras não foram capazes de adivinhar o sinal. Demonstrou o sinal de AMÉRICA e depois o do CONTINENTE. Dando prosseguimento com as imagens, a próxima projetada fora a da AMÉRICA DO SUL, chamando a atenção para a mudança na configuração de mão para diferenciar AMERICA DO NORTE, AMÉRICA CENTRAL e AMÉRICA DO SUL. No segundo momento da aula, terminada a apresentação dialogada por meio dos slides, apresentou-se um pequeno vídeo (4 min) a respeito das regiões brasileiras. Tal vídeo foi 9 Segundo pesquisas linguísticas a sintaxe da Língua Brasileira de Sinais se estrutura a partir de referenciais estruturantes que organizam as possibilidades de ocorrência dos códigos linguísticos por meio de sinais. Tais ocorrendo a partir de uma Configuração de mão, Locação, Movimento, Expressão não manual e Orientação de mão específica. Ou seja, através de seus parâmetros gramaticais. 14 produzido por um surdo, que sinalizava a respeito de determinada região do Brasil, além de conter elementos visuais que ilustravam culturalmente tal região. No terceiro e último momento da aula, foi desenvolvida uma atividade prática, com base em uma metodologia ativa que consistia em estimular as cursistas a aprender os sinais em LIBRAS dos estados brasileiros. Cada cursista recebeu uma ficha, com fotos de três momentos da ocorrência do sinal. Elas teriam que descobrir (com auxílio de livro didático) de qual estado se tratava e posteriormente colar o sinal no mapa do Brasil projetado no quadro. No decorrer da atividade, as cursistas presentes foram bastante participativas e auxiliaram umas as outras, ao mesmo tempo, que os licenciandos tiravam dúvidas, no que se refere aos sinais pesquisados por elas. O objetivo dessa atividade era fazer com que as professoras visualizassem materiais didáticos aplicados às metodologias ativas bilíngües, além de serem estimuladas a aprender aspectos do funcionamento da Língua de Sinais, através da utilização desses sinais em contexto. Figura 3 - Imagens produzidas durantes aulas na Escola, explorando as TIC’s, o Imagético e a LIBRAS para ensino de conteúdos de Geografia,referentes aos anos iniciais da Educação Básica A partir da prerrogativa advinda da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), torna-se importante o fato de que a igualdade de direitos não seja confundida com a padronização dos sujeitos, ou seja, faz-se necessário o reconhecimento das diferenças e a adequação de uma educação que contemple o envolvimento e aprendizagem de todos. De acordo com Rodrigues (2007), a educação inclusiva propõe a inclusão de todos os alunos, respeitando suas particularidades, potencialidades e diversidades. Isso não significa que iremos acabar com as diferenças para que haja uma padronização frente aos considerados “normais”, “mas, pelo contrário, é enfraquecer a idéia de “padronização” e “normalização” (RODRIGUES, 2007: 101). Partindo desse ponto de vista a respeito da inclusão, entendemos que o envolvimento 15 dos futuros professores, por meio de disciplinas e projetos que enfatizem temáticas de educação especial, é de suma importância para um olhar atento às posturas e concepções de ensino que serão tomadas em sala de aula. Analisando os vídeos produzidos, os relatos de campo e as observações participantes nas aulas foi possível evidenciar, inicialmente, a falta de preparo técnico e teórico na prática para lidar com a questão da inclusão de surdos, a partir de uma perspectiva filosófica educacional bilíngue – por meio da LIBRAS e do Português escrito. Somado a isso, como aponta Moran (2013), há um despreparo teórico-técnico das escolas em lidar com as Novas Tecnologias, enquanto instrumentos pedagógicos, sugereum quadro precário e de responsabilidades negligenciadas diante das novas exigências presentes na pratica docente no cotidiano escolar. Tal realidade pode ser evidenciada ao longo dos encontros, um dos motivos que podem ter levado a evasão de 10 professores do curso ministrado pelo Projeto FIC. Essa evasão por si só apresenta-se como um importante dado, pois, além de uma autocrítica em relação às ações do Projeto, explicita a dificuldade desses professores continuarem em formação, pois muitos apresentaram dificuldades em encontrar um tempo para se dedicar ao curso, ou, por se mostrarem resistentes diante ao uso de novos instrumentos e metodologias agregando às tecnologias, à Língua de Sinais e à exploração do imagético em práticas pedagógicas. Das oito professoras que concluíram o curso, a partir de análise dos vídeos, foi evidenciado um processo de ressignificação à prática docente, por meio da incorporação de novas reflexões de sua própria prática pedagógica. Nesse sentido, a LIBRAS e a inclusão do estudante surdo na sala de aula, por meio de metodologias ativas bilíngue, enquanto novos elementos presentes em seu cotidiano escolar sugeriram outras performances educacionais e saberes pedagógicos. Como pode ser observado no depoimento de uma das professoras da escola: [...] para mim mudou muita coisa, em questão de dá aula mesmo néh, metodologia que pra mim tá sendo muito bom, de fato assim, uma reciclagem néh. Éhh... também de eu pensar a libras por que eu sempre quis aprender libras, mas aihh é difícil, tô com algumas dificuldades só que tô conseguindo néh algumas coisas... eu entrei sem saber nada, alfabeto, nada. (Fragmento retirado de depoimento vídeoFIC8enunciado por uma das professoras) Esses novos traços, apresentam-se enquanto fatores importantes durante o processo de ressignificação da prática docente, proporcionado durante as interações intersubjetivas para a produção de conhecimento. Assim, o professor em formação inicial e o em formação continuada, por meio de trocas de saberes passa a repensar suas posturas profissionais e a encarar a realidade problematizada de modo mais autoconsciente. Dessa maneira, ajustam 16 suas posturas diante das novas exigências sugeridas para a integração de surdos e ouvintes no contexto da educação inclusiva. Nessa perspectiva, ocorreram as ações do projeto FIC ao repertório de saberes das professoras da escola básica. A partir das ações e das aulas, as docentes entraram em contato com novas teorias, metodologias e práticas de ensino mobilizadas em âmbito acadêmico, em que houve um processo de trocas, voltadas para a formação em LIBRAS, levando em consideração os alunos surdos. Assim, a partir dessas interações face a face, foi possível construir conhecimentos capazes de agregar novos elementos a prática docente. Tais elementos são exigência que se impõem ao cotidiano escolar, uma vez que são evidentemente vivenciados pela sociedade atual. 4. Algumas considerações O Projeto FIC, enquanto programa capaz de mobilizar professores universitários, licenciandos e professores em formação continuada da Escola Dona Nanete, foi capaz de proporcionar interações face a face entre sujeitos e produção de conhecimento. Estes, motivados voluntariamente por um consenso que evidencia a problemática da inclusão das diferenças no contexto escolar. Desse modo, pensar a prática docente, em meio às políticas educacionais inclusivas para surdos, requer ir além de um repertório de saber e, buscar agregar novos saberes pedagógicos a este repertório. Ou seja, trata-se de articular saberes da experiência, saberes relacionados aos conteúdos específicos e saberes pedagógico sem consonância com estratégias para incluir tais sujeitos na Escola – mediando o conhecimento por meio da LIBRAS e metodologias ativas focadas no imagético, enquanto elementos responsáveis por estimular uma ressignificação à prática docente, para lidar com a diferenças. Contudo, por meio da catalogação e análise dos dados, averiguou-se o processo de aprendizagem proporcionado pelo FIC para os profissionais e comunidade escolar e, ainda, para a equipe de formação. Para tanto, considerou-se três eixos analíticos, pautados na interação social como princípios básicos para análise a interação, enquanto meio de constituição social dos sujeitos por meio de suas experiências, em momentos compartilhados face a face, as quais serão desenvolvidas a seguir: (i) FIC professores/interação social Os saberes pedagógicos mobilizados pelas interações capacitaram em duplo aspecto a formação de professores em formação inicial e continaida orientados e estimulados a repensar 17 sua postura enquanto profissional, por meio dos conhecimentos mobilizados durante as aulas, palestras e oficinas. Em primeiro lugar, observou-se a conscientização do futuro profissional no que tange seu papel de mediador entre o conhecimento e o educando surdo. Em segundo lugar, de acordo com as Diretrizes Curriculares (CNE/CP 009/2001), o desenvolvimento de novos conhecimentos pedagógicos agregados ao saber desse. Bem como, o aprimoramento na utilização mais adequada dos recursos didáticos, performances na sala de aula e a busca por diferentes estratégias de comunicação e linguagens para os conteúdos e conhecimentos acerca da produção de materiais bilíngües, focados no imagético e na LIBRAS. Ainda, nessa dimensão analítica, é possível dizer que os professores envolvidos foram estimulados as competências necessárias para a formação do professor em relação à capacidade de resolver problemas, tomar decisões e trabalhar em equipe. Por fim, o Projeto FIC constitui-se enquanto um lócus ideal ao desenvolvimento dessas competências. Sob essa perspectiva, os professores em formação foram encorajados a serem autônomos e a buscar soluções teórico-práticas para os problemas emergentes da realidade. (ii) Prática docente/interação social As pessoas se comunicam a partir de um processo de interação. É nesse processo que se estabelece o conhecimento de mundo, via educação. Nesse sentido, a prática docente envolvendo três principais aspectos: “mobilização das competências”, “saber experiencial ou prático” e “conhecimento pedagógico dos conteúdos”. Tais aspectos aconteceram de modo simultâneo por meio das interações face a face proporcionadas pelo ambiente escolar. Assim, o grupo de oito professoras que concluíram o curso foi estimulado a repensar a prática pedagógica por meio das atividades e interações proporcionadas pelos encontros. A troca de saberes, advinda da subjetividade e da experiência dos professores do ensino básico, do ensino superior e professores em formação, propiciou a construção de competências, conhecimentos e perspectivas. Como exemplo dessa troca e ressignificação à prática docente, podemos citar situação educacional vivenciada no dia 29 de setembro de 2014. Esta aula foi ministrada no COLUNI. Estavam presentes sete professoras e três graduandos em licenciatura da UFV. Dando continuidade a aula anterior, em que as cursistas desenvolveram como tarefa de casa, metodologias ativas bilíngue, enfatizando o imagético, a partir de um “plano de aula incompleto” (direcionando um tema e objetivos para que elas criassem a metodologia). 18 As professoras, uma a uma, foram apresentando seus planos de aula, algumas utilizando recursos do data show, outros cartazes e recortes de imagens. Uma delas apresentou o tema “história da escola”, construído a partir de fotografias. Outra apresentou o tema “espaço” através de jogo de tabuleiro em cartolina, que mostrava um trajeto entre casa e escola realizado pelo estudante. Num segundo momento de interação em sala de aula, as cursistas assistiram a um vídeo em LIBRAS “educação dos surdos no Brasil” e, logo após sua exibição foramconvidadas a refletir a diferença entre gesto e sinal em LIBRAS. (iii) Sensibilização da LIBRAS e educação para surdos/interação social Nesta fotografia aparece uma das atividades realizada pelas professoras, que usufruiu da metodologia inclusiva bilíngue. Nela, é possível evidenciar a preocupação das professoras em recortar e colar no cartaz, junto às imagens, os sinais em LIBRAS referentes às imagens demonstradas. Logo, é possível discorrer que a partir do projeto FIC os professores foram levados a despertar um reconhecimento da Língua de Sinais e da possibilidade inclusiva do surdo na sala de aula. Com base nos eixos analisados foi possível perceber que a inserção do curso de Formação Inicial e Continuada de Professores, levando em consideração a interação nos diferentes aspectos citados acima, trouxe um ressignificação das práticas docentes de maneira positiva. É importante evidenciar, ainda, que a equipe reestruturou a sua forma de olhar o cotidiano escolar, assim como, as professoras em formação modificaram suas posturas no que se refere aos aspectos inclusivos. 5. Referências ANGROSINO, Michael. Etnografia e observação participante. In. Michael Angrosino In: FLICK, Uwe (coord.). Coleção de pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009. 138p. 19 BARLACH, L., LIMONGI-FRANÇA, A. C., & MALVEZZI, S. O conceito de resiliência aplicado ao trabalho nas organizações. Revista Interamericana de Psicología/InteramericanJournalofPsychology, v. 42, n.1, p. 101-112, 2008. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Ministério da Educação, Brasília, 1996. CAPOVILLA, F. C. Filosofias educacionais em relação ao surdo: do oralismo à comunicação total ao bilinguismo. Revista Brasileira de Educação Especial, São Paulo, v. 6. 2000, 99113p. __________. Filosofias educacionais em relação ao surdo: do oralismo à comunicação total ao bilinguismo. 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Essa investigação se insere num projeto mais amplo, cujo objetivo é desenvolver atividades de ensino da álgebra que conduzam à aprendizagem e ao desenvolvimento do aluno, fundamentadas teoricamente, tanto na elaboração como na análise, na Teoria Histórico-Cultural. Na perspectiva desse referencial, a relação entre o pensamento e a linguagem é dialética, e, no ensino da álgebra esse pressuposto é fundamental. Assim, esta investigação, toma o livro didático de matemática dos anos finais do ensino fundamental, adotados pelas escolas municipais da cidade de Uberaba/MG, entre os anos 2000 e 2012, como objeto de estudo, considerando que ele é um elemento mediador importante para o professor da educação básica, ao organizar as atividades de ensino. Visa investigar se a abordagem proposta nesses livros promove a aprendizagem de conceitos algébricos e possibilita o desenvolvimento das capacidades psíquicas superiores dos estudantes. Como se insere num projeto mais amplo, tem, ainda, o objetivo de fornecer subsídios para os demais. A análise perpassa as diferentes concepções de álgebra: álgebra como estudo das equações; álgebra como aritmética generalizada; álgebra como estudo das relações funcionais; álgebra como estudo das estruturas. É um trabalho em andamento, até esse momento foi feito o estudo bibliográfico, o levantamento dos livros adotados no período, as políticas públicas para o livro didático – PNLD e os sistemas apostilados, a definição das categorias de análise. O município de Uberaba no último governo adotou o sistema apostilado, tendo retornado aos livros disponibilizados pelo PNLD. Palavras-chave: Álgebra. Livro didático. Ensino Fundamental. Teoria Histórico-Cultural Mestranda do Programa em Educação da Universidade de Uberaba; Bolsista do Programa Observatório da Educação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior OBEDUC/CAPES/FAPEMIG. Especialista em Metodologia do Ensino de Matemática pela Faculdade Internacional de Curitiba FACINTER. Graduada Licenciatura em Matemática pela Universidade estadual de Feira de Santana – UEFS. E-mail: [email protected]. Doutora em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Graduada em Licenciatura em Matemática - Faculdades Integradas Santo Tomás de Aquino. Professora Doutora Orientadora do Curso de Mestrado em Educação da Universidade de Uberaba. Coordenadora do Programa Observatório da Educação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior OBEDUC/CAPES/FAPEMIG E-mail: [email protected]. 23 1. Introdução O presente trabalho é parte integrante de parte integrante das investigações iniciadas no âmbito do Edital 13/2012 CAPES/FAPEMIG e do Programa Observatório da Educação – OBEDUC, desenvolvido na Universidade de Uberaba (UNIUBE), com apoio das agências de fomento CAPES e FAPEMIG. O Edital 13/12 da FAPEMIG tem o objetivo de apoiar financeiramente projetos de pesquisa e de inovação que permitam criar estratégias diferenciadas de ensino e aprendizagem, bem como, desenvolver políticas de formação docente para a a elaboração de estratégias e orientações sobre o uso de tecnologias na prática pedagógica, nos diversos campos do conhecimento em questões relacionadas à educação básica das redes públicas de ensino de Minas Gerais. O Programa OBEDUC foi instituído pelo Decreto Presidencial nº 5.803 de 2006, numa parceria da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI, e prevê o desenvolvimento de pesquisas que envolvam desde a aplicação de teorias educacionais diretamente com alunos até a formação de professores. O Programa visa estimular a articulação entre a pós-graduação, licenciaturas e escolas da educação básica, por meio de pesquisas, estudos e publicações, aproveitando os recursos das Instituições de Ensino Superior e a base de dados dos INEP. Essa investigação se insere nesse Programa, como dito anteriormente, através do projeto “O ensino e a aprendizagem da álgebra nos anos finais do Ensino Fundamental”. Trata-se de uma pesquisa de mestrado ainda em andamento, e se propõe a apresentar discussões a respeito do processo de ensino-aprendizagem de álgebra e o desenvolvimento das capacidades psíquicas dos estudantes, de acordo com os pressupostos epistemológicos da Teoria Histórico Cultural (THC), criada por Lev Vigotski. Vigotski, em seus estudos de psicologia, se dedica especialmente a estudar sobre a maneira como o indivíduo aprende, sobre como acontece a apreensão dos conhecimentos da cultura humana, e desse modo concentra esforços na educação escolar. Por isso a Teoria HistóricoCultural se constitui como uma teoria psicológica e pedagógica. De acordo com essa teoria, Zankov assevera que “o descobrimento da relação objetiva e necessária entre a estrutura do ensino e o processo de desenvolvimento da psique dos escolares significa em nossa investigação que a estrutura do ensino é a causa de certo processo de desenvolvimento geral dos escolares.” (ZANKOV, apud AQUINO, 2013, p. 24 241). Assim, o objetivo geral do estudo é investigar se a abordagem proposta nos livros escolares de matemática promove a aprendizagem de conceitos algébricos e possibilita o desenvolvimento das capacidades psíquicas superiores dos estudantes. Ao analisarmos o histórico do ensino de Matemática no Brasil encontramos dados preocupantes, pois as várias reformas curriculares, na prática, trouxeram resultados pouco satisfatórios, como mostram as avaliações realizadas em âmbito nacional pelo SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica e pelo ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (BRASIL, 1998) encontramos evidências de preocupações com esses resultados, inclusive ao que se refere ao ensino da Álgebra. “Nos resultados do SAEB, por exemplo, os itens referentes à Álgebra raramente atingem o índice de 40% de acerto em muitas regiões do país.” (BRASIL, 1998, p.115) Pesquisas mais recentes mostram que a situação permanece alarmante, conforme destaca da Silva et al. (2013, p. 26) em um estudo realizado sobre os resultados referentes à avaliação ocorrida no ano de 2009. Impressiona negativamente o fato de termos obtido aproximadamente 71% de distratores nos itens relacionados ao Tema III associado à álgebra e à aritmética. O baixíssimo desempenho dos alunos nos revela a total falta de habilidade dos alunos com um Tema matemático tão relevante e presente no seu dia a dia. Assim, esta investigação, toma o livro didático de matemática dos anos finais do ensino fundamental, adotados pelas escolas municipais da cidade de Uberaba/MG, entre os anos 2000 e 2012, como objeto de estudo, considerando que ele é um recurso didático importante para o professor da educação básica, ao organizar as atividades de ensino. [...] os livros didáticos tendem a apresentar não uma síntese dos conteúdos curriculares, mas um desenvolvimento desses conteúdos; ao se caracterizar não como um material de referência, mas como um caderno de atividades para expor, desenvolver, fixar e, em alguns casos, avaliar o aprendizado; desse modo, tendem a ser não um apoio ao ensino e ao aprendizado, mas um material que condiciona, orienta e organiza a ação docente, determinando uma seleção de conteúdos, um modo de abordagem desses conteúdos, uma forma de progressão, em suma, uma metodologia de ensino, no sentido amplo da palavra (BRASIL, 2001, p. 29). Nesta perspectiva, o livro didático, utilizado como fonte, assume um lugar importante, à medida que permite conhecer a dimensão construtiva do saber e as apropriações políticas a que esteve sujeito. A metodologia utilizada é de abordagem qualitativa por meio de pesquisa bibliográfica em teses e dissertações, textos e livros de autores que discutem a temática, e consolidada pela pesquisa documental nos livros didáticos. 25 Na perspectiva da análise documental, conforme nos apresenta Gil (2008), adotamos algumas técnicas da análise de conteúdo: pré-análise, leitura flutuante, seleção dos documentos, preparação do material para a análise; exploração do material, escolha das categorias; tratamento dos dados, inferência e interpretação. 2. O Ensino de Álgebra e suas Concepções Não existe consenso entre os estudiosos sobre o que vem a ser álgebra nem sobre a partir de quando esse conjunto de ideias é introduzido no ensino de matemática. Contudo, o pensamento algébrico (significado) perpassa os diversos campos da matemática. O pensamento e a linguagem algébrica caminham dialeticamente juntos e se fazem presentes em praticamente todas as outras áreas do conhecimento, e por isso a importância de sua plena aprendizagem. Por outro lado, não restam dúvidas de que as concepções de álgebra influenciam na forma de ensinar, e que existe uma relação indissociável entre a forma algébrica e seu significado, porém um não se sobrepõe ao outro. A cada símbolo algébrico (linguagem) se associam conceitos e objetos de natureza diferentes (aritméticas, geométricas e mesmo algébricas). A letra “a” em uma equação qualquer não é a mesma que simboliza a aceleração em uma fórmula. Símbolo e significados, linguagem e pensamento misturam-se (SOUSA; PANOSSIAN; CEDRO, 2014). Para Vigotski (2010), os símbolos são instrumentos psicológicos que regulam os pensamentos, as ações e as relações humanas. Aqui queremos sinalizar que nossa compreensão acerca da Álgebra está de acordo com o que dizem (BERDNAZ e KIERAN, 1996, apud RESENDE, 2013, p. 2): “o estudo de uma linguagem e sua sintaxe; o estudo de procedimentos de resolução de certas classes de problemas; o estudo das regularidades que governam as relações numéricas; e o estudo de relações entre quantidades que variam”. E ainda a semântica que a envolve. Entendemos, também, que não há passagem do pensamento aritmético para o algébrico, mas ambos se desenvolvem de forma imbricada e continuada. O conhecimento aritmético que é aprendido pelos estudantes nas séries iniciais, constitui-se em base para o desenvolvimento de conceitos mais elaborados, como é o caso da álgebra em relação à aritmética. Essa compreensão, por exemplo, é um dos pressupostos da concepção de educação algébrica que considera a álgebra como aritmética generalizada. 26 As principais concepções de Álgebra e de Educação Algébrica foram desenvolvidas por educadores matemáticos como Lins e Gimenez (2001); Fiorentini, Miorim e Miguel (1993); Usiskin (1995) e Lee (2001, apud FIGUEIREDO, 2007), que trazem ao debate alguns pontos de vista sobre a questão. Segundo Usiskin (1995) as finalidades do ensino de álgebra, as concepções e a utilização de variáveis estão intrinsecamente relacionadas e que as finalidades da álgebra são determinadas por, ou relacionam-se com concepções diferentes da álgebra. E desse modo, essas diferentes concepções correspondem à diferente importância relativa dada aos diversos usos das variáveis. A seguir, elencamos as concepções de Álgebra e de Educação Algébrica utilizadas em nossa pesquisa: 1 – Conforme concepções elaboradas por Usiskin 1.1 Aritmética generalizada 1.2 Procedimentos para resolver certos tipos de problemas 1.3 Estudo de relações entre grandezas (função como variação de duas variáveis) 1.4 Estudo das estruturas 2 – Conforme concepções elaboradas por Fiorentini, Miorim e Miguel 2.1 Processológica 2.2 Linguístico-estilística 2.3 Linguístico-sintática-semântica 2.3.1 Linguístico-pragmática 2.3.2Fundamentalista-analógica 2.4 Linguístico-postulacional 2.4.1 Fundamentalista estrutural 2.5 Sem designação pelos autores 3 – Conforme concepções elaboradas por Lins e Gimenez 3.1 Letrista 3.2 Letrista Facilitadora 3.3 Modelagem matemática 3.4 Aritmética generalizada 4 – Conforme concepções elaboradas por Lee 4.1 Linguagem 4.2 Caminhos de pensamento 4.3 Atividade 4.4 Ferramenta 27 4.5 Aritmética Generalizada 4.6 Cultura 3. O Livro Didático e o PNLD De acordo com Luca (2012), o senso comum classifica uma obra didática como sendo aquela que simplifica conteúdos, e os torna compreensíveis para crianças e jovens, valendo-se de linguagem e estratégias narrativas apropriadas ao grau de compreensão de seus leitores. De acordo com a Constituição Brasileira de 1988, a educação é um direito de todos (BRASIL, 1988), mas mesmo após tantos anos da promulgação deste instrumento que norteia a vida da nação, boa parcela da população está à margem desse direito. Desde o do ano de 2001, o processo de avaliação e seleção dos livros didáticos a serem distribuídos nas escolas públicas em todo o país passou a ser regido por um edital publicado pelo Ministério da Educação, que especifica o conjunto de princípios e critérios que devem ser observados nos livros submetidos à apreciação. A avaliação é realizada por uma equipe de especialistas de cada área do conhecimento. Após essa etapa de avaliação, as obras aprovadas passam a compor um guia, onde, entre outras informações, consta uma resenha que visa orientar os professores, nas escolas, sobre o conteúdo do livro, e a classificação de qualidade da obra por meio da indicação de até 5 estrelas. O guia é disponibilizado um ano antes da chegada dos livros à escola. É importante ressaltar que existe um edital específico para seleção de coleções didáticas destinadas aos alunos e professores dos anos finais do ensino fundamental da rede pública. A proposta é que os professores, nas instituições de ensino, selecionem e indiquem até duas obras (1ª e 2ª opção) que melhor se encaixem com o Projeto Político Pedagógico da escola, e que poderão ser utilizadas ao longo dos próximos três anos subsequentes (livros reutilizáveis). Encerrado o prazo para a escolha dos livros, eles são encomendados pelo MEC, que informa às editoras as quantidades e local de entrega dos exemplares. A seleção dos livros, por parte dos professores, nas escolas, merece uma atenção especial, haja vista a importância que este instrumento (o livro) passou a ter ao longo da história para todos os atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, sobretudo professores, aluno e seus familiares. É fato que para o professor o livro didático, na qualidade de recurso pedagógico, auxilia na construção e execução do plano de aula. Neste sentido, um livro cuja proposta se coaduna com a perspectiva de trabalho a ser desenvolvida pelo professor representa ganho de tempo e consequentemente facilita o alcance de resultados junto aos alunos, e também amplia as 28 possibilidades de exploração dos conteúdos. Da mesma forma que o contrário pode resultar em perda de tempo para o professor que prepara a aula; para o aluno que deixa de encontrar no livro o suporte necessário para melhorar sua aprendizagem, tendo em vista a carência de acesso a outras fontes de estudo; e para os familiares que ficam sem parâmetro para prestar um possível auxílio ao estudante fora da sala de aula. No próprio texto do Guia PNLD 2007 contém esta advertência: É preciso observar, no entanto, que as possíveis funções que um livro didático pode exercer não se tornam realidade, caso não se leve em conta o contexto em que ele é utilizado. Noutras palavras, as funções acima referidas são histórica e socialmente situadas e, assim, sujeitas a limitações e contradições. Por isso, tanto na escolha quanto no uso do livro, o professor tem o papel indispensável de observar a adequação desse instrumento didático à sua prática pedagógica e ao seu aluno (BRASIL, 2007, p.12, [grifo nosso] Cabe-nos comentar que enquanto o PNLD se restringe à avaliação de livros didáticos para as escolas públicas, os Sistemas Estruturados de Ensino, ou ainda Sistemas Apostilados de Ensino, que são materiais didáticos não avaliados pelo PNLD, avançam atingindo escolas privadas e também da rede pública. Segundo Adrião (2009), é possível observar que especialmente em regiões consideradas mais ricas (notadamente sul e sudeste), eles estão sendo adotados pelas redes municipais. Uberaba é um exemplo de município que adotou os Sistemas Estruturados de Ensino no período de 2011 a 2013. Neste caso, o Município deixou de receber o livro didático gratuitamente e investiu seus próprios recursos, na ordem de 20 milhões de reais durante o referido período, para a aquisição do material apostilado (UBERABA, 2014). Segundo a mesma fonte, esse montante equivaleria, por exemplo, à construção de seis escolas de ensino fundamental. 4. Alguns Achados Iniciais da Pesquisa Já analisamos os volumes de uma das coleções para alunos do 8º no, que foram adotadas na rede municipal de ensino de Uberaba, em 2011, a saber: a) SISTEMA DE ENSINO CNEC. Ensino Fundamental. Matemática. 8º ano. Uberaba: Editora e Gráfica Cenecista Dr. José Ferreira, 2013. O material didático do Sistema de Ensino CNEC está identificado por cadernos, o que corresponderia às apostilas de Sistemas Estruturados de Ensino, conforme foi mencionado no item 3 desse texto. Para o 8º ano ele foi organizado em três volumes. Cada volume traz conteúdos e atividades de matemática e também de outras disciplinas, funcionando como um caderno universitário. 29 O primeiro bloco de conteúdos analisados no volume 1 do caderno corresponde ao tópico de número 10 e foi denominado “Cálculo Algébrico”. É composto por 5 seções a saber: 10. Introdução ao cálculo algébrico, 10.1 Expressões algébricas, 10.2 Valor numérico de uma expressão algébrica, 10.3 Polinômios, e 10.4 Operações com monômios e polinômios. Neste primeiro bloco, o autor faz uma introdução do que é a álgebra, apresentando o fragmento de um texto sobre história da matemática. Figura 1 - Introdução ao cálculo algébrico Fonte: SISTEMA DE ENSINO CNEC, 2013, 8º ano, v. 1, p. 88 Conforme Fiorentini (1993), nesse fragmento o autor realiza uma leitura histórica da álgebra, segundo o seu objeto de estudo – Álgebra Clássica (estudo das equações e métodos de resolvê-las) e Álgebra Moderna (estudo das estruturas matemáticas: grupos, anéis, corpos etc). Na tentativa de dar um significado para a palavra álgebra enfatiza-a como a “ciência das equações”. Neste mesmo fragmento é citada a contribuição histórica dos árabes, por meio de um livro escrito em Bagdá, por volta do ano 825, porém não é citado o desenvolvimento da álgebra em outras culturas. “O aluno contemporâneo pode entender a palavra, o número, o objeto da natureza, a obra de arte, só quando elas são vistas simultaneamente do ponto de 30 vista de diferentes culturas (DAVIDOV, 1995 apud FREITAS; LIBÂNEO, 2013, p. 328). Por outro lado, ainda que tenha havido uma preocupação em situar historicamente a álgebra, o fragmento aborda uma possibilidade de leitura da álgebra, citando conceitos que os professores não têm condições de discutir neste nível de ensino. Assim, a função do texto é ilustrativa, não se constituindo em um recurso de aprendizagem para os conceitos que serão tratados. Segundo estudos realizados por MEDEIROS & GOULART (2010), as pesquisas apontam a inadequação quase que unânime dos livros didáticos adotados e analisados no Brasil. Inadequações estas que conforme estes autores incluem o desenvolvimento de noções científicas equivocadas. Durante o desenvolvimento desta pesquisa estamos convencidos de que a preparação de um livro didático deve estar fundamentada e embasada por uma teoria capaz de nortear todo o conjunto da obra, o que envolve uma visão clara de ensino, de aprendizagem e os objetivos pretendidos com estes empreendimentos. Estamos convencidos de que algumas práticas pedagógicas não vislumbram a capacidade impulsionadora do desenvolvimento integral dos estudantes através das atividades de ensino-aprendizagem. Os resultados parciais mostram que existe uma tendência em priorizar as operações algébricas em detrimento à significação e ao pensamento algébrico. De acordo com a THC, o ensino formal deve favorecer aprender conceitos e não apenas aprender procedimentos, mas também procedimentos. A proposta inicial, após algumas leituras e discussões, confirma a necessidade de aprofundar esta investigação, sobretudo, colocar à disposição as evidências encontradas, para demais pesquisas científicas sobre esta temática. Embora atualmente poucos estudos tenham sido realizados especialmente com este viés, fica evidente que, no cenário atual, este assunto deve ser tratado com significativa importância, pois se trata de um tema presente na vida de todos os estudantes do ensino básico no Brasil. 5. Agradecimentos Deixamos expressos nossos sinceros agradecimentos à Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais - FAPEMIG e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES pelos recursos financeiros destinados ao Programa OBEDUC, sem os quais seria improvável a realização deste trabalho e de outros que já estão em andamento. 31 6. Referências ADRIÃO, T.; GARCIA, T. G.; BORGHI, R.; ARELARO, L. R. G. Uma modalidade peculiar de privatização da educação pública: a aquisição de “sistemas de ensino” por municípios paulistas. Educação & Sociedade, Campinas, v. 30, n. 108, p. 799-818, 2009. AQUINO, O. F. L. V. Zankov: aproximações à sua vida e obra. In: LONGAREZI, A. M.; PUENTES, R. V (Org.). Ensino Desenvolvimental: vida, pensamento e obra dos principais representantes russos. Uberlândia: EDUFU, 2013. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p. (Série Legislação Brasileira). BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. 5ª a 8ª séries. Brasília: MEC/SEF, 1998. 148 p. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Recomendações para uma política pública de livros didáticos. Brasília: MEC, 2001. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Guia de Livros Didáticos PNLD 2008: Matemática. Brasília: MEC, 2007. DA SILVA, Luiz Carlos Marinho; DAS FLORES VICTER, Eline; NOVIKOFF, Cristina. Análise do rendimento escolar de turmas do 9º ano no simulado de Matemática da Prova Brasil: um estudo exploratório na rede pública municipal de Duque de Caxias/RJ. Revista Práxis, v. 3, n. 6, 2013. Disponível em: <http://www.foa.org.br/praxis/numeros/06/19.pdf> Acesso em: 18 de agosto de 2013. FIGUEIREDO, Auriluci Carvalho. Saberes e concepções de educação algébrica em um curso de licenciatura em matemática. 290f. Tese de (Doutorado em Educação Matemática). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2007 FIORENTINI, Dario; MIORIM, Maria Ângela; MIGUEL, Antonio. Contribuição para um repensar a educação algébrica elementar. Revista Pro-Prosições, nº 4, v. 1(10), p. 79-91, 1993. FREITAS, R. A. M. da M.; LIBÂNEO, J. C. In: LONGAREZI, A. M.; PUENTES, R. V (Org.). Ensino Desenvolvimental: vida, pensamento e obra dos principais representantes russos. Uberlândia: EDUFU. 2013. 32 GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. LINS, Romulo Campos; GIMENEZ, Joaquim. Perspectivas em aritmética e álgebra para o século XXI. Campinas, SP: Papirus, 2001 LUCA, T. R. de . O debate em torno dos livros didáticos de História. In: MALATIAN, Teresa (org.). Caderno de Formação. 3a ed. São Paulo: Cultura Acadêmica: Univesp, 2012. RESENDE, Marilene Resende. Programa Observatório da Educação - O ensino e a aprendizagem da álgebra nos anos finais do ensino fundamental. 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Concepções sobre a algebra da escolar media e utilizações das variáveis. In: COXFORD, Artur. F.; SHULTE, Alberto. P. (Org.). As ideias da álgebra. São Paulo: Atual, 1995. p. 9-22. VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2010. 1 CAIXA MÁGICA DA DIVERSIDADE BÁRBARA MOURÃO*; MARIA DAS DORES M. MESQUITA; MICHEL BIONDI; CAROLINA N. MENDES; LUCIANO C. A. QUERIDO; ARETHA F. G. GOMES & CARLA R. RIBAS INTRODUÇÃO Minas Gerais, o quarto maior estado em extensão do país, tem aproximadamente cinco milhões de alunos matriculados na educação básica, sendo que 4,7 milhões (90%) estudam em escolas públicas. São 3.762 unidades escolares, presentes em 851 dos 853 municípios, que oferecem ensino fundamental e médio. Este estado tem o maior número de escolas do ensino fundamental e foi o primeiro do país, a assegurar, a partir de 2004, o ingresso de crianças aos seis anos na escola (MINAS GERAIS, 2012). Em contrapartida, o cenário da educação rural em todo país continua precário, sofrendo principalmente com a descontextualização que ocorre entre a realidade dos estudantes e os materiais didáticos utilizados em sala de aula (D’ÁVILA, 2008). Segundo a autora, o ensino tem sofrido uma uniformização através do currículo escolar, considerado como elemento discursivo da política educacional. Através destes currículos os grupos, especialmente os dominantes, expressam seu projeto político e sua visão de mundo favorecendo somente a cultura hegemônica, o que acaba por promover uma alienação da realidade dos estudantes do meio rural (SILVA, 1999; PIRES & FERREIRA, 2011). Neste sentido, a etnobiologia tem como propósito a busca pelo conhecimento popular de qualquer sociedade sobre aspectos biológicos diversos (POSEY, 1987), sendo assim um caminho para a integração da cultura popular e do saber científico. Podendo assim ser uma ferramenta para promover o aperfeiçoamento do material didático à realidade rural. Baptista (2006) expõe a necessidade de um ensino contextualizado que possa conectar os saberes multiculturais ao saber científico dentro do currículo escolar. Outro problema constatado nos materiais didáticos utilizados nas escolas é o enfoque reduzido da biodiversidade, seja ela local ou nacional (FONSECA, 2007). 2 Neste cenário, tendo em vista o papel transformador da educação, se faz urgente a elaboração de metodologias que utilizem estratégias pedagógicas alternativas ao ensino tradicional, de forma a estimular e sensibilizar educadores e educandos, para a construção coletiva do conhecimento. Desenvolvendo assim, atividades teóricas e práticas para o reconhecimento e conservação da biodiversidade local, envolvendo tanto a escola quanto a comunidade em que ela se encontra, pois segundo Benites & Mamede (2008), a comunidade é o sujeito primário de ação sobre o meio em que vive. OBJETIVO Desta forma, o objetivo deste trabalho foi buscar a integração da Escola Municipal Sebastião Vicente Ferreira com as comunidades rurais atendidas por ela através do desenvolvimento de metodologias de ensino alternativas àquelas utilizadas no ensino regular, envolvendo a população no processo de construção do conhecimento para que esta seja sujeito e não só objeto do processo. MATERIAL E MÉTODOS A escola Municipal Sebastião Vicente Ferreira, Núcleo de Educação Rural Comunitário, localizada na Zona Rural do município de Lavras, MG, atende aproximadamente 90 educandos, desde a educação infantil até o 9º ano do Ensino Fundamental. Localizada na comunidade do Funil, a escola foi escolhida devido ao alto impacto sócio-ambiental sofrido com a construção da represa do Funil, finalizada em 2002. Dentro deste contexto, foram realizadas entrevistas com 40 moradores das comunidades atendidas pela escola a fim de conhecer sua percepção acerca do ambiente e da diversidade nela presente. Os formulários utilizados nestas entrevistas foram elaborados em forma de roteiro que visava servir de guia para uma conversa com cada morador, abordando pontos chave sobre o conhecimento a respeito de plantas e animais, bem como sua utilização. O objetivo destes formulários etnobiológicos foi conhecer o ambiente no qual os educandos estão inseridos. Foram levantadas informações sobre os organismos (plantas, animais e outros) que ali habitam a partir da visão de seus familiares, com a intenção de trazer para dentro da sala de aula o saber local, de forma a valorizá-lo. Um segundo questionário foi elaborado, direcionado aos professores da escola Municipal Sebastião Vicente Ferreira, visando detalhar que tipo de material sobre biodiversidade as 3 crianças tem acesso, se a escola dispõe de material didático que faça referência à biodiversidade local e se esse conhecimento é utilizado dentro de sala de aula. Todos os nove professores da escola foram entrevistados. Com base nos formulários dos moradores das comunidades, pais dos alunos e professores da escola, foram elaboradas oito dinâmicas com os objetivos gerais de: (1) verificar se aquilo que a comunidade reconhece como diversidade local é o mesmo que as crianças conhecem; (2) conhecer melhor a percepção dos alunos acerca da biodiversidade local; (3) elaborar materiais complementares alternativos aos que estão sendo utilizados em sala de aula, a partir do conhecimento dos moradores. Cada uma das dinâmicas elaboradas foi concebida com um objetivo e justificativa distintos, sendo executadas com a ajuda da professora Maria Aparecida Oliveira Fiorini na sala multisseriada composta pela primeira e segunda etapas da Educação Infantil, com aproximadamente seis alunos. Este tipo de metodologia de aprendizagem ativa foi escolhida por acreditarmos ser essa a que mais dialoga com crianças desta faixa etária e que nos traria respostas mais acuradas. A explicação de cada dinâmica está estruturada da seguinte forma: (1) Justificativa; (2) Objetivo; (3) Desenvolvimento; (4) Resultados. DINÂMICAS 1) QUEBRANDO O GELO Justificativa Uma boa maneira de se fazer o primeiro contato com crianças, estabelecendo uma relação de confiança, respeito e diversão, é através de dinâmicas e músicas, pois é uma circunstância favorável para a expressão de seus sentimentos e desprazeres. Objetivo O objetivo dessa atividade foi fazer o primeiro contato, de forma leve, agradável e divertida, entre os integrantes da equipe e as crianças participantes do projeto. Desenvolvimento Primeiramente perguntamos o nome de cada criança e em seguida nos apresentamos apresentamos, depois que todos se conheceram, realizamos a dinâmica do indiozinho, a qual conta, utilizando sons corporais que simulam os movimentos do indiozinho ao longo do seu caminho, sua história: 4 “O indiozinho Anauê (“você é meu irmão” em Tupi) saiu bem cedinho de sua tribo e foi pescar no rio Jaguariu (“rio da onça” em Tupi). Quando já estava bem satisfeito de tanto peixe que tinha comido ele avistou uma árvore enorme que dava uma sombra muito gostosa. Então ele resolveu caminhar até a árvore para tirar uma soneca. O indiozinho Anauê foi caminhando bem lentamente, durante o caminho ele observava o céu, as araras, as árvores, sentia o vento em seu rosto e pensava como era bom viver lá. Então, para cortar caminho, ele entrou no mato e continuou caminhando para chegar até a árvore, passou também pelos cascalhos, caminhou mais um pouco e logo chegou ao seu destino final. Quando ele olhou para cima, uma coruja também estava descansando na árvore, então saudou a coruja e deitou-se. Dormiu a tarde toda, acordou com a baforada na sua orelha, era uma Jaguaretê (onça-pintada: “fera verdadeira”), então Anauê assustado, saiu correndo, passou pelos cascalhos, pelo meio do mato, correu muito rápido, até chegar em sua tribo e entrar em sua oca. Ufa, ele escapou por pouco da jaguaretê!” (História adaptada da cultura popular) Depois aplicamos perguntas pré-formuladas por nós para investigar a sensibilidade, o aprendizado acumulado e as perspectivas das crianças. As perguntas foram: O que querem ser quando crescerem? O que mais gostaram de aprender na escola? Com o que gostam de brincar? Qual a comida preferida de cada um? Com o auxílio de um violão, finalizamos cantando várias músicas com a temática natureza e a importância de sua conservação. Resultados As crianças adoraram o indiozinho Anauê, as músicas e o violão. Ficaram bastante animadas e estimuladas a cantar e a participar da atividade proposta. Também nos ensinaram várias músicas que eles aprenderam na escola, como por exemplo: o camaleão. Com relação às perguntas realizadas, quando perguntamos o que querem ser quando crescerem, tivemos respostas bastante interessantes como, por exemplo, meninas dizendo que querem ser bombeira para apagar o fogo, engenheira para construir brinquedos. Outras respostas foram, médico para cuidar das pessoas e professora. Nossa segunda pergunta teve respostas do tipo: estudar o alfabeto, ler, escrever, desenhar, pintar, recortar, brincar e fazer bolo. Para a terceira obtivemos: gangorra, pique-pega, pique-esconde, mamãe e filhinha, jogar bola, subir em árvores, de avião de papel e com o cachorro. E por fim, quando perguntamos qual a comida preferida de cada um, ouvimos: arroz, ovo quentinho, macarrão, pão com salame, bolo de chocolate e de laranja, pé de porco com farinha, banana, manga, pera, mexerica. 5 2) O QUE É NATUREZA PARA VOCÊ? Justificativa O estudo da percepção do ambiente permite compreender como os sujeitos da sociedade adquirem conhecimento e são sensibilizados sobre as questões ambientais, sendo assim, de grande importância para a educação ambiental e para os órgãos responsáveis pela elaboração de políticas ambientais. Objetivo Esta atividade teve o objetivo de investigar o conhecimento acumulado e a percepção das crianças com relação à natureza e o meio em que elas vivem. Desenvolvimento Foram distribuídas uma cartolina para cada criança, sendo que cada cartolina era dividida ao meio por um risco com as indicações “Natureza” e “Não Natureza”. As crianças ficaram livres para colar ou fazer desenhos, a única regra era representar os elementos naturais no lado indicado por “Natureza” e os elementos não naturais no lado indicado por “Não Natureza”. Resultados De modo geral, o conhecimento sobre natureza das crianças é bom e claro, pois representaram muito bem os elementos naturais no lado correto. Ninguém representou o ser humano na parte da “Natureza”, representando-o somente no lado indicado por “Não Natureza”. 3) QUE BICHO É ESSE? Justificativa Este trabalho foi desenvolvido com o intuito de se conhecer melhor sobre a percepção dos educandos acerca da fauna local, assim podendo identificar maior ou menor familiaridade e explorar, futuramente, os animais dos quais eles não conheciam. Objetivo 6 A metodologia foi desenvolvida com intuito de avaliar a percepção dos educandos sobre a fauna local e iniciar um diálogo sobre o tema. Desenvolvimento Primeiramente foi realizada uma entrevista com os moradores da comunidade e com muitos dos pais dos educandos, buscando realizar um levantamento da fauna local conhecida por eles. Posteriormente, os dados foram compilados em uma planilha e ordenados, verificando quais animais foram citados pela maioria dos entrevistados, selecionando-os para a atividade. O jogo consistia em colar os animais em uma cartolina, separando-os em duas partes: animais que as crianças já haviam visto e conheciam, e animais que elas nunca haviam visto. Para criar uma linguagem mais acessível às crianças, por estarem em fase de alfabetização, a cartolina foi dividida ao meio e foram coladas duas imagens: uma sorrindo, representando os animais que elas conheciam, e outra triste, representando os animais que elas não conheciam. As crianças foram separadas em duplas e acompanhadas por um de nós, que monitorou a atividade, interagindo, mostrando as figuras dos animais e auxiliando caso houvesse dúvida. Resultados Os animais os quais as crianças estavam mais familiarizadas foram: onça, cobra, peixe (não souberam especificar que tipo de peixe), tucano, passarinho e siriema. Todas as crianças afirmaram conhecer cobra e peixe. Os menos conhecidos foram pardal, veado, gambá, cachorro do mato, lobo guará e jacu. A dinâmica cumpriu o objetivo, pois, em conjunto com as observações feitas por nós, foi possível ter uma ideia sobre o conhecimento dos educandos de uma forma didática, mostrando em quais animais deveríamos investir para apresentar em dinâmicas posteriores. 4) ERA UMA CASA MUITO ENGRAÇADA Justificativa Segundo Grubits (2003) o desenho de uma casa, feito por uma criança expõe todas as camadas de sua vida cotidiana e suas proteções. Já a visão das crianças sobre a proximidade de suas casas com a natureza é uma importante base para o desenvolvimento de estratégias 7 para aproximação e aprofundamento sobre o conhecimento apresentado pelas mesmas sobre o ambiente que as circundam. Objetivos Essa dinâmica teve como objetivos descobrir a percepção das crianças sobre a própria casa, levando em conta a inserção da mesma no ambiente natural e, ainda, aumentar a nossa aproximação com os educandos. Desenvolvimento Foi pedido aos educandos para que desenhassem suas casas incluindo a área externa (jardim). Os desenhos foram feitos na escola com auxílio da professora responsável e cada um de nós ficou responsável por acompanhar dois educandos. Durante a realização dos desenhos tentouse manter o foco na atividade da casa, porém sem restringir a criatividade ou espontaneidade deles. Resultados Apenas uma das sete crianças que participaram da atividade não quis desenhar a casa e apenas desenhou outras coisas. Quando perguntamos sobre sua casa, ela então desenhou-a sem detalhes e somente com algumas gramas no jardim. As outras seis crianças desenharam as casas e jardins sempre com flores, sendo que apenas uma delas desenhou árvores. Estavam presentes em quatro dos desenhos os familiares e em um deles o cachorro da família, esses mesmos desenhos representavam momentos do cotidiano dessas famílias como o aniversário da irmã de uma das crianças, a família na sala com o animal de estimação, ou ainda a família brincando no jardim. As crianças se mostraram muito animadas por participar da brincadeira e em conversar conosco sobre suas casas e seu cotidiano, a única criança que não se mostrou aberta a esse contato foi a mesma que não quis desenhar a casa, mas esse desejo foi respeitado e ela pode desenhar a vontade. 5) NO RASTRO DOS BICHOS 8 Justificativa Aprender sobre a fauna local na escola é importante para que as crianças construam uma relação de proximidade e pertencimento não só com o ambiente onde vivem, mas com a natureza de maneira geral. Objetivo O objetivo desta dinâmica foi desenvolver uma estratégia pedagógica voltada para as crianças, no âmbito da educação para conservação da biodiversidade. A proposta traz como tema gerador a diversidade da fauna silvestre regional, visando elaborar um instrumento de educação ambiental mais dinâmico, lúdico e de acordo com a realidade daqueles estudantes, a partir da integração entre os educandos e o conhecimento popular local. Desenvolvimento O trabalho foi desenvolvido por meio de um jogo pedagógico, elaborado por nós, utilizando espaços variados da escola como as salas de aula, corredores, refeitório, pátio, etc. A atividade fazia parte da programação da escola para a Semana de Comemoração do Dia da Criança, e por isso envolveu os educandos de todo o período vespertino (Educação Infantil até o Ensino Fundamental I). Os educandos foram misturados entre si, de forma que cada equipe contasse com uma criança de cada ano letivo. Posteriormente, foram divididos em cinco grupos, cada um contando com a ajuda de um de nós (moderadores). Os grupos foram identificados por cores (vermelho, amarelo, marrom, verde e azul), evidenciadas por fitas coloridas amarradas no braço de cada participante. Em seguida, cada moderador começou o jogo apresentando aos educandos de seu grupo a foto de um animal diferente – capivara (Hydrochoerus hydrochaeris (Linnaeus, 1766)), tucano (Ramphastos toco (Müller, 1776)), lobo-guará (Chrysocyon brachyurus (Illiger, 1815)), cobra cascavel (Caudisona durissa (Linnaeus, 1758)) e jacu (Penelope obscura (Temminck, 1815)) – perguntando se os mesmos conheciam este animal e depois explicando que ao longo do jogo as crianças teriam que responder outras perguntas sobre aquele animal. As espécies foram escolhidas a partir da lista das espécies obtida no levantamento com a comunidade, como na dinâmica “Que Bicho É Esse?”. Foram escolhidas espécies dentre as mais citadas pelos moradores, visando incluir animais com maior probabilidade de já terem 9 sido vistos pelos educandos ou com os quais estes poderiam ter maior familiaridade. A fim de garantir uma boa representação da fauna local, a seleção também buscou atender a critérios como diversidade taxonômica (aves, mamíferos e répteis), morfológica (revestimento do corpo, coloração, etc) e ecológica (modo de locomoção, dieta, hábitat, etc). Dentro desse universo foram selecionadas espécies que apresentam características diagnósticas marcantes, a fim de facilitar a representação dos animais por meio de adereços e sua identificação pelos educandos. Uma vez reconhecido o animal, foram dadas aos educandos pistas para que procurassem, nas dependências da escola, envelopes da cor característica do seu grupo. Conforme os encontravam, entregavam ao moderador, que lia as perguntas contidas no envelope e que, uma vez respondidas corretamente, garantia a pista para procurar o próximo envelope. As perguntas foram escolhidas previamente por nós, visando explorar o conhecimento dos educandos sobre aspectos ecológicos de cada animal, mas também como uma forma de que estes pudessem se familiarizar e conhecer melhor a fauna local. As perguntas foram “onde ele mora?”, “como ele anda?”, “o que ele come?” e “por que ele é importante?”. Respondidas todas as perguntas, o grupo então recebia a pista para encontrar o “tesouro” (guloseimas), que foi repartido entre todos os integrantes do grupo. Depois dessa etapa, os grupos tiveram que representar para os outros grupos e para toda a equipe da escola o animal que investigaram na brincadeira. Para isso, cada grupo preparou uma encenação em que utilizaram adereços para se caracterizar como o animal que conheceram. No grupo que representou a capivara, todos pintaram o rosto simulando o focinho do animal, e usaram tiaras com orelhas de cartolina imitando as das capivaras. No grupo do lobo guará, os educandos também se pintaram e usaram orelhas, mas também colocaram dentaduras de plástico simulando os dentes pontiagudos do canídeo. No grupo da cascavel, as dentaduras de plástico também foram utilizadas, acrescidas de um pequeno chocalho de plástico, que as crianças sacudiam imitando o som feito pelo animal. O grupo do tucano utilizou uma máscara feita de cartolina, em forma do comprido bico amarelo, característico dessas aves. Por fim, o grupo do jacu utilizou também uma máscara de cartolina em formato de bico, mas esta era preta e tinha presa a ela um balão vermelho vazio imitando o adorno que os jacus normalmente apresentam. Resultados 10 Os educandos não tiveram grandes dificuldades em responder as questões e pareciam ter familiaridade com os animais. No entanto, muitos nunca haviam visto a espécie “ao vivo”. A participação e interesse dos educandos pelo jogo foi grande, não houve problemas de indisciplina durante a atividade, e todos pareceram ter se divertido muito. Depois da caracterização, os integrantes de cada grupo se apresentaram para os outros educandos e funcionários da escola, contando o que aprenderam sobre a espécie e demonstrando como é o comportamento daquele animal. 6) VAMOS PASSEAR NA FLORESTA Justificativa Esta abordagem junto às crianças é necessária para entender a relação delas com a natureza, visando levá-las para o meio natural de forma a criar boas lembranças acerca desse ambiente, estimulando um sentimento de familiaridade e pertença, que são importantes ferramentas para a conservação do meio ambiente. Objetivo O objetivo da trilha foi atrair a atenção das crianças para que pudéssemos tratar de temas relacionados à educação ambiental, despertá-las para a beleza desse ambiente e aproximá-las da natureza. Desenvolvimento O passeio na trilha foi conduzido por nós e pela professora responsável pela turma, ao longo da trilha foram feitas considerações a respeito da preservação do ambiente, como a destinação incorreta do lixo, e das percepções de cada um com relação ao meio, como cheiros e texturas. Resultados O lixo encontrado ao longo da caminhada foi recolhido e houve a discussão sobre o quanto estes materiais, quando despejados em local inapropriado, poluem o ambiente tanto visual quanto ecologicamente. O cheiro característico e a textura da casca de algumas espécies 11 vegetais foram utilizados para despertar a atenção das crianças para a riqueza de detalhes presentes na floresta. Os animais também foram destaque no passeio, iniciando com as medidas de segurança necessárias para a caminhada, evitando sair da trilha, o que diminui a possibilidade de encontro com animais peçonhentos. Também foram encontradas várias exúvias de cigarra que, após o primeiro impacto, medo, se tornaram adornos nos uniformes. E ao final da trilha foi possível observar alevinos em uma lagoa. 7) FRUTA CEGA Justificativa A alimentação é, atualmente, um fator muito discutido e tem sido priorizado por diversos órgãos de saúde pública e/ou escolas, que indicam que manter uma alimentação saudável com o consumo de frutas é essencial para o desenvolvimento das crianças. Assim essa dinâmica busca apresentar para os educandos novas opções de frutas que podem ser facilmente encontradas e que, apesar de algumas serem nativas, muitas vezes são desconhecidas para elas. Objetivo Avaliar o conhecimento acumulado sobre as frutas, verificando a percepção das crianças com relação a elas e investigar se isso influência em seu hábito alimentar. Desenvolvimento A brincadeira começou com as crianças sendo vendadas e a cada nova amostra de fruta ou suco (abacaxi [Ananas comosus (L.) Merr.], atemoia [Annona atemoya Mabb.], carambola [Averrhoa carambola L.], banana [Musa paradisiaca L.], laranja [Citrus sinensis (L.) Osbeck], mamão [Carica papaya L.], maçã [Malus domestica Borkh.], melancia [Citrullus lanatus (Thunb.) Matsum. & Nakai] / acerola [Malpighia glabra L.], cajá [Spondias lutea L.], caju [Anacardium occidentale L.], pitanga [Eugenia uniflora L.]), todos os educandos eram instruídos a provar ao mesmo tempo, quando um deles adivinhava, as vendas eram retiradas e todos viam o formato e a cor da fruta inteira. Para as frutas que as crianças não adivinharam a 12 venda também foi retirada permitindo que eles a conhecessem. Ao final da brincadeira os educandos puderam escolher as frutas de sua preferência e montaram cada um, a sua salada de frutas. Resultados Quando a brincadeira das vendas foi apresentada aos educandos apenas uma das seis crianças se recusou a brincar e a comer qualquer das frutas oferecidas. Dentre as frutas, somente atemoia e carambola não foram identificadas e dentre os sucos pitanga e cajá. Após a brincadeira, os educandos que brincaram montaram suas saladas de fruta e quatro dos cinco educandos que brincaram optaram por todas as frutas, somente um deles não quis comer mamão. 8) COMPLETE A PAISAGEM Justificativa A construção do conhecimento é algo que acontece gradualmente. É difícil quantificar este processo. Por isso, tivemos a idéia de elaborar uma paisagem, onde a aplicação do conhecimento construído de forma coletiva e obtido através dos vários sentidos nas dinâmicas anteriores ficasse evidente, mostrando tudo o que foi visto, ouvido, apalpado e saboreado, reforçando o aprendizado de maneira leve e divertida. Objetivo Objetivou-se verificar o quanto foi descoberto ou redescoberto de forma diferente por todos e cada um. Observar de modo simples o que e se as crianças aprenderam sobre a biodiversidade, dando a oportunidade delas mostrarem o que cada uma compreendeu e se o efeito observado durante as dinâmicas realmente havia alcançado o resultado esperado. Desenvolvimento De forma a maximizar o tempo na escola, previamente foi montado um painel com as folhas de EVA, formando com elas um fundo azul; com as folhas coloridas de papel cartão foi 13 montada uma paisagem com um lago (de papel celofane) com uma vegetação rasteira e uma árvore ao centro. As imagens das frutas e dos animais ficaram reservadas para, aos poucos, irem sendo reveladas com a participação dos educandos. Foi escolhida uma paisagem que é recorrente na região, e essa é a ideia da inclusão da biodiversidade local. Os animais utilizados na dinâmica foram duas aves: tucano (Ramphastos toco) e jacu (Penelope obscura); dois mamíferos: lobo guará (Chrysocion brachyurus) e capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) e um réptil, a cascavel (Crotalus durissus), todos pertencentes à fauna nativa da região. Diferentemente ocorreu com as frutas, foram escolhidas frutas que propositalmente as crianças tem mais contato como laranja, acerola, mamão, maçã, melancia, caju e outras menos conhecidas como cajá, pitanga, atemoia e carambola. Resultados Todas as crianças participaram da dinâmica, respondendo o nome de cada fruta e animal perguntado por nós, apenas a atemoia não foi reconhecida. Também percebemos que as informações sobre a ecologia dos animais foram assimiladas pelas crianças, pois elas dispuseram os bichos na paisagem com base nas informações das dinâmicas “No Rastro dos Bichos” e da “Fruta-Cega”. DISCUSSÃO Os objetivos traçados na concepção do projeto foram alcançados, tendo em vista o entrosamento e a cumplicidade criados entre alunos, professora e nós, membros da equipe. Estes laços possibilitaram que as dinâmicas se desenvolvessem dentro do esperado e que os problemas observados fossem utilizados para que o material didático se tornasse mais próximo da realidade escolar em que será aplicado. Decidimos iniciar os encontros com as crianças com uma dinâmica informal envolvendo música, pois ela é uma importante ferramenta de aproximação (STEFANI, 1987). Esperávamos, num primeiro momento, um comportamento mais reservado, e foi o que ocorreu, mas depois de pouco tempo, as crianças se entrosaram conosco. Esta boa receptividade e a rápida confiança depositada em nós geraram uma imediata interação. A utilização da música e do violão foram fatores cruciais neste processo de aproximação, 14 permitindo também a troca de experiências, visto que ensinamos, mas também aprendemos várias músicas. É importante ressaltar que, o aprendizado das músicas que as crianças escolheram para nos ensinar, foi uma iniciativa dos mesmos, não pensada anteriormente por nós, e também, que esta atividade demanda tempo, fator que deve ser levado em consideração quando esta dinâmica for aplicada. Deste modo, a troca de saberes reforça positivamente a interação, como também a atração da música, sendo uma ferramenta que torna o aprendizado mais interessante e até mesmo involuntário (FREIRE,1987; STEFANI, 1987 ). Nas atividades envolvendo perguntas (“Quebrando o gelo”, “O que é natureza para você?” e “Que bicho é esse?”), as primeiras respostas foram copiadas pelos outros educandos, ação normal, principalmente quando a cópia é feita a partir da resposta dada por indivíduos mais experientes (alunos mais velhos e adultos). Vigotski (2007) afirma que esta interação é de extrema importância para o desenvolvimento do comportamento, visto que no decorrer do crescimento das crianças ocorrem primeiramente evoluções em nível social e posteriormente individual. Para que as respostas obtidas sejam estritamente fruto do conhecimento individual prévio dos educandos, seria necessário que as perguntas fossem efetuadas individualmente e caso sejam aplicadas em turmas já alfabetizadas a proposta poderia ser de cada um escrever suas respostas e em seguida apresentá-las. A sociedade nos influencia de formas e intensidades diferentes desde a infância (ZENHAS, 2007; REIS, 2008), onde os rótulos são presentes e a importância dada a eles é grande. Portanto, imaginávamos que as crianças seguiriam estereótipos de gênero pré-determinados. Zenhas (2007) defende que há três estágios de desenvolvimento do estereótipo: a primeira ocorre até os quatro anos, é quando as crianças tem o primeiro contato com as características relacionadas aos gêneros; secundariamente, ocorre a internalização destas características ao seu próprio gênero, sendo que esta complexa fase compreende dos quatro aos seis anos de idade. Finalmente, dos seis anos em diante, as crianças perceberiam as associações que elas internalizaram e àquelas pertinentes ao gênero oposto. Sendo assim, as crianças da escola Municipal Sebastião Vicente Ferreira, Núcleo de Educação Rural Comunitário, encontram-se na faixa etária da segunda fase de criação dos estereótipos. Numa sociedade sexista, onde a dualidade homem x mulher inunda as mídias, e desde muito cedo é difundido o que é de menino e de menina, esperávamos comportamentos culturalmente ditos femininos por parte das meninas. Porém, este preceito se mostrou equivocado, já que duas das quatro meninas expressaram a vontade de ser bombeira e engenheira, rompendo com o estereótipo de gênero. 15 É necessário atentar-se para a concepção de natureza adotada por determinada sociedade (BORNHEIM, 1985), pois a temática se define na forma como o homem se faz presente na natureza, ou como a torna presente (BORNHEIM, 1985). Neste contexto, apesar do trabalho ter se desenvolvido em uma escola rural, nas dinâmicas de colagem a respeito da natureza e da casa, foi clara a separação do indivíduo e dos elementos próximos à vida cotidiana (animais domésticos) do meio natural (árvores, horta, jardim, animais de criação), visão enfatizada pela filosofia platônica, onde homem e natureza se opõem em uma visão dicotômica (MERCADANTE & CAVALARI, 2012). Este pensamento, somado ao fato de que na sociedade moderna foi criada uma concepção de natureza como recurso (VESENTINI, 1997), e onde o próprio indivíduo e sua casa não correspondem a uma parcela do meio biótico, forma um “escudo” imaginário capaz de proteger, não só contra animais peçonhentos ou chuvas, mas também contra os efeitos dos danos causados à natureza. Sendo assim, tornase ainda mais válida a proposta aqui apresentada, de aproximar os alunos do meio ambiente, fazendo com que o sentimento seja de união, de conter e estar contido e não de simples agentes, que podem tanto preservar como degradar, sem consequências para si. Neste cenário de aproximação do indivíduo ao meio ambiente, o meio rural antes visto como atrasado e dotado de problemas sociais e que, portanto, sofria com o êxodo, hoje tem tido não só o seu papel de provedor de alimentos e matéria-prima reconhecido e valorizado, mas também suas funções ecológicas, tornando-o agora a solução de inúmeros problemas da vida moderna associada aos grandes centros (SOUZA & BRANDENBURG, 2010), como por exemplo, a preservação dos hábitos saudáveis, refletindo na baixa incidência de obesidade infantil nas áreas rurais quando comparadas às cidades (COITINHO et al., 1991; MONTEIRO et al., 2000). Ainda, segundo estes autores, a natureza é desta forma, realocada, “como mediadora das relações sociais”, trazendo à tona temas como a sustentabilidade e a necessidade de se preservar os saberes tradicionais do campo. Assim, segundo Sorokim (1947), estilo de vida é “tudo o que o indivíduo aprende a fazer para viver numa comunidade particular”, sendo esperado o caráter divergente da cultura, em seu sentido amplo, entre meios rural e urbano. Na dinâmica “Fruta-cega” foi evidenciada uma grande diferença no estilo de vida, baseado nos hábitos alimentares urbanos e rurais. Nela contamos com a presença de um aluno novo, recém-chegado na escola rural e criado no meio urbano, que se recusou a brincar e enquanto todos se divertiam com os diferentes sabores oferecidos, retirou seu próprio lanche da mochila, contendo bolachas recheadas, salgadinhos e refrigerante. Entretanto, não se pode desconsiderar que a não participação desta criança nas dinâmicas iniciais, que possibilitaram a 16 aproximação entre os participantes do projeto, possa ter sido um fator que explique tal comportamento. Pela primeira vez, na dinâmica “No rastro dos bichos”, houve a participação de todos os estudantes do período da tarde da escola, da Educação Infantil ao 5º ano do Ensino Fundamental. A interação entre alunos de variadas idades foi surpreendente, tanto pintando o rosto como encenando os animais, fato que pode ser explicado pela existência de uma premiação no final da atividade. Dolto (1999) afirma que mesmo em atividades pouco prazerosas, a presença do prêmio estimula a participação e o empenho no desenvolvimento da brincadeira proposta. Durante o planejamento da nossa última dinâmica, “Árvore do conhecimento”, não levamos em conta que algumas crianças ainda não tinham sido alfabetizadas, e por isso, termos apresentado o nome da fruta escrito não foi a melhor abordagem. Sugerimos então, que seja utilizada a primeira letra de cada elemento e se possível correlacionar estas letras a palavras do cotidiano ou até mesmo ao nome das crianças. Porém, mesmo com as dificuldades enfrentadas, foi clara a assimilação do conhecimento transmitido nas dinâmicas anteriores, tendo em vista a excelente participação dos alunos na atividade. Durante o passeio pela trilha observamos um ótimo comportamento das crianças fora da sala de aula, com a preocupação das mesmas em pegar os lixos que estavam no chão. As mesmas tiveram bastante desenvoltura com relação ao ambiente, mas elementos desconhecidos foram capazes de causar medo, tal como as exúvias de cigarra encontradas em várias árvores. Porém, após explicação a respeito do que se tratavam, alguns se renderam à brincadeira, utilizando a estrutura como adorno durante a caminhada. A única dinâmica cujo objetivo central não foi atingido plenamente foi a dinâmica “O Que É Natureza Para Você?”, pelo fato de não ter sido possível aprofundar a investigação do conhecimento acumulado e da percepção dos educandos com relação à natureza e o meio em que eles vivem. Tal perspectiva foi abandonada, pois julgamos que esse assunto é complexo demais para crianças de quatro ou cinco anos, principalmente porque quando falamos de natureza não nos referimos somente à flora e à fauna, mas também à maneira como vemos esses elementos integrados a um conceito criado (CARVALHO, 1994). Para que as informações contidas nas dinâmicas sejam absorvidas de forma efetiva pelas crianças, entendemos que há a necessidade de um encontro após cada dinâmica que reforce estas informações e discuta os resultados, mesmo que de maneira informal. Estes encontros proporcionarão um diálogo que trará benefícios para ambas as partes, enraizando o conhecimento passado às crianças e possibilitando maior entendimento do processo de ensino 17 para nós. A efetivação do aprendizado da educação ambiental, por sua vez, proporcionará ganhos futuros em relação à proteção do meio ambiente, com cidadãos se enxergando e se entendendo parte do meio natural. Vemos que o afastamento da natureza torna mais difícil o trabalho para sua proteção, pois quando não estamos associados a ela o discurso ambientalista torna-se vago, esse trabalho tem uma importância para além da educação escolar. Sendo intencionalmente um instrumento de sensibilização a causa ambiental no âmbito escolar, por levar a biodiversidade local para dentro de sala de aula e mostrar a sua importância. Além de mostrar que somos parte sim da natureza e levar a importância de um tema tão em voga como sua preservação a patamares onde realmente pode-se fazer a diferença futuramente, com as crianças. CONSIDERAÇÕES FINAIS As experiências obtidas nas dinâmicas serão instrumento essencial para o aperfeiçoamento das mesmas quando aplicadas com outros alunos. Tanto os resultados esperados quanto os não esperados são elementos positivos no processo de criação. A metodologia desenvolvida na escola rural Sebastião Vicente Ferreira será fornecida a outras escolas rurais da região estudada, sendo distribuído o material criado além de uma breve orientação aos professores dos objetivos deste projeto e da forma como cada dinâmica deverá ser aplicada. Para sua utilização em regiões com fauna e flora distintas, faz-se necessário apenas uma rápida pesquisa sobre a biodiversidade local para que os elementos da natureza daquela região sejam inseridos na vida escolar dos educandos. 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Inserido em um projeto maior, desenvolvido pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação e Cultura (GEPEDUC), intitulado “Investigando a transformação do licenciando em professor a partir do Estágio e Curricular Supervisionado”, o presente trabalho tem como foco a Licenciatura em Matemática. Os referenciais teóricos utilizados para discutir sobre a temática são: Gatti, Dubar, Pimenta, dentre outros. A pesquisa qualitativa se configura como um estudo bibliográfico, documental e pesquisa de campo, tendo como referencial metodológico os estudos de Ludke e André. O instrumento utilizado para levantamento de dados foi o questionário e a análise considerou 15 estagiários. A idade dos estagiários varia significativamente, de 22 a 42 anos. Nove estagiários afirmaram ter estudado em escolas públicas e seis em escolas privadas. Quanto à formação escolar dos pais e considerando o Ensino Fundamental, mais da metade não o concluíram, sendo que apenas três ingressaram no Ensino Superior. No que tange à participação em projeto/programa na Universidade, 13 alunos são bolsistas, sendo PET (6), PIBID (6), Monitoria (1) e dois não recebem bolsa. Diante dos dados cabe-nos refletir que a constituição da formação docente abrange aspectos familiares, sociais, econômicos e profissionais. Palavras-chave: Licenciatura em matemática. Estágio Supervisionado. Formação inicial de professores. Introdução A formação de professores é um desafio presente no âmbito educacional, discutida em congressos, grupos de pesquisa, seminários, entre outros ambientes acadêmicos. As práticas formativas construídas no Estágio Curricular Supervisionado e a Identidade Profissional, compõem essas discussões, apresentando elementos presentes na trajetória e na constituição de um sujeito, enquanto docente. O Estágio Curricular Supervisionado (ECS), é um espaço de formação, por meio dele diferentes conhecimentos são desenvolvidos, 1 Mestranda em Educação na Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM, Bolsista FAPEMIG 2 Mestre em Educação 2 3 Mestrando em Educação na Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM 4 Professora na Educação Básica 5 Professora na Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM experiências são realizadas e a reflexão sobre a prática educativa é concebida. Assim corroboramos com Pimenta e Lima (2008) ao abordarem o estágio como um campo de conhecimentos e eixo curricular central nos cursos de formação de professores possibilita que sejam trabalhados aspectos indispensáveis à construção da identidade, dos saberes e das posturas específicas ao exercício profissional docente. (PIMENTA; LIMA 2008, p. 61). O ECS, então, apresenta aos alunos possibilidades de ensino, em diferentes ambientes e contextos, permite que o discente comece a refletir sobre sua formação, uma vez que se inicia o processo de preparação e execução de aulas. Há os primeiros contatos com os alunos, professores e dirigentes de uma escola, fatores que aproximam o licenciando do cotidiano escolar e fazem parte do processo de construção da identidade docente. A identidade docente faz parte de um processo epistemológico que reconhece a docência como campo de conhecimentos específicos configurados em quatro grandes conjuntos: os conteúdos das diversas áreas do saber e do ensino; os conteúdos didático pedagógicos, diretamente relacionados ao campo da atividade profissional; os conteúdos relacionados a saberes pedagógicos mais amplos do campo teórico da prática educacional; os conteúdos ligados a explicitação do sentido da existência humana individual, com a sensibilidade pessoal e social. (PIMENTA; ANASTASIOU, 2005, p.38-39). Desse modo, discutir sobre o processo de construção da identidade docente não é simples, entendemos que os cursos de formação de professores devem considerar que “o ser professor” não se limita apenas a propiciar a habilitação legal do trabalho docente, mas deve fornecer indícios que facilitem a compreensão da sua atividade, pois o professor não é uma atividade burocrática para a qual se adquire conhecimentos e habilidades técnico-mecânicas. Dada a natureza do trabalho docente, que é ensinar como contribuição ao processo de humanização dos alunos historicamente situados, espera-se que desenvolva nos alunos conhecimentos e habilidades, atitudes e valores que lhes possibilitem permanentemente irem construindo seus saberesfazeres docentes a partir das necessidades e desafios que o ensino como prática social lhes coloca no cotidiano. Espera-se, pois, que mobilize conhecimentos da teoria da educação e da didática necessários à compreensão do ensino como realidade social, e que desenvolva neles a capacidade de investigar a própria atividade para, a partir dela, constituírem e transformarem os seus saberes-fazeres decentes, num processo contínuo de construção de suas identidades. (PIMENTA, 1996, p.75). A construção de uma identidade profissional é um processo contínuo, que ocorre mediante aspectos ocorridos, antes, da socialização profissional, sendo primeiramente no âmbito familiar, social e, sobretudo, na trajetória escolar, na formação inicial. (BOLÍVAR, 2006, p.59). Nessa perspectiva, as aprendizagens desenvolvidas durante a graduação, bem 3 como as experiências vividas no Estágio Supervisionado são particularidades presentes na constituição de uma Identidade Docente. Essa proposta refere-se a primeira etapa de um projeto, desenvolvido pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação e Cultura (GEPEDUC), intitulado, “Investigando a transformação do licenciando em professor a partir do Estágio e Curricular Supervisionado”, e propõe pesquisar a formação inicial de professores. O estudo visa observar a consolidação do licenciando enquanto docente a partir dos estágios supervisionados, bem como a trajetória e as experiências dos acadêmicos dos cursos de Licenciatura em Matemática, Física, Química e Ciências Biológicas, todos ofertados no período noturno. A questão que orienta esse projeto é: “Como o professor em formação inicial se consolida enquanto professor e quais os impactos de suas ações na Educação Básica?” Neste trabalho, questionamos: qual o perfil dos estudantes, das disciplinas de Estágios, do curso de Licenciatura em Matemática? Daremos ênfase aos Estágios do Curso de Licenciatura em Matemática, ao observar as relações existentes entre o ECS e a construção da Identidade docente, uma vez que as experiências vivenciadas nesse componente curricular podem fornecer subsídios importantes para a constituição da identidade docente, para se compreender e analisar como ocorre a relação teoria e prática, uma vez que é o primeiro contato que o licenciando tem, no curso, como seu campo de atuação. Alguns trabalhos com relação a Identidade Profissional Docente já foram realizados, dentre eles destaca-se o de Gatti e Barreto (2011) aborda a formação de professores no Brasil. Dentre os aspectos considerados pela autora, destacam-se as características sócio- educacionais dos licenciandos para as quais ela sinaliza um cenário preocupante, a falta de professores. Referencial teórico Diversas pesquisas são realizadas sobre a importância do período de Estágio Curricular Supervisionado nos cursos de licenciatura. Gatti e Barreto (2009) destacam sobre a importância desse período, mas fazem um alerta de que os projetos pedagógicos e as ementas dos cursos não estão fornecendo informações sobre como esse período é realizado, como é supervisionado e acompanhado. Para Gatti e Barreto (2011) há uma fragilidade referente à imprecisão dos dados referentes ao período de estágio e isso inviabiliza uma apreciação dos acontecimentos nos espaços de formação, ou seja, no campo de estágio. A autora ainda alerta que os estagiários 4 muitas vezes estão envolvidos em atividades apenas de observação e não em práticas efetivas para a sua formação. O Estágio Curricular Supervisionado é regulamentado pela Lei n. 11.788 de 25 de setembro de 2008 que dispõe sobre o estágio de estudantes, em consonância com a Lei n.9.394/96 que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). Segundo a lei o: Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos. (BRASIL, 2008, p.1). O período de estágio pode auxiliar o estagiário a identificar novas e diversas estratégias de soluções de problemas encontrados na prática. É um momento de formação para a futura profissão, mas não se constitui vínculo empregatício. Conhecer o espaço de atuação, as atividades desenvolvidas, o trabalho realizado pelos docentes nas escolas são atividades que o licenciando irá realizar. Ele poderá contribuir levando novidades para a escola campo num movimento de colaboração/cooperação. É um momento de crescimento pessoal e profissional, “é um processo criador de investigação, explicação, interpretação e intervenção na realidade.” (PIMENTA, 1997, p.73-74). Ao olhar para estagiários do curso de Licenciatura em Matemática, tentando compreender o perfil desse grupo, estamos levantando elementos que contribuem para a identidade profissional dos futuros docente. Assim, a trajetória de vida de uma pessoa sugere componentes de uma identidade, compreendida como um processo construído historicamente que surge em determinado contexto, atendendo as necessidades impostas pela sociedade. Ao discutirmos Identidade, temos como referencial Claude Dubar, sociólogo, que considera a identidade para si e a identidade para o outro como inseparáveis e ligadas de maneira problemática, uma vez que “a identidade para si é correlata ao outro e ao se reconhecimento: nunca sei quem sou a não ser pelo o olhar do outro.” (DUBAR, 2005, p.135). Para Dubar (2005) identidade é o resultado do processo de socialização entre os sujeitos, é um período que compreende o encontro dos processos relacionais e biográficos. O primeiro diz respeito a análise dos sujeitos pelo outro e o segundo corresponde a identidade para si. Para Dubar (2005) ambas, a identidade para si e para o outro não estão separadas, 5 pois a identidade para si é correlata à segunda, ou seja, somos reconhecidos pelo olhar do outro, mas precisamos estar alertas, pois não devemos viver apenas a experiência do outro. Segundo Dubar (2005, p. 104) "identidade nunca é dada, é sempre construída e a (re) construir, em uma incerteza maior ou menor e mais ou menos durável" (DUBAR, 2005, p. 104), é produto de sucessivas socializações, de trocas. Socialização destacada pelo autor como um procedimento pelo qual o sujeito pode ir desenvolvendo seu modo de agir, interagir e estar no mundo; como um processo dinâmico que vai se transformando, está sempre em construção e reconstrução ao longo da vida. (DUBAR, 2005). Para o autor o processo de construção da identidade do sujeito vai sendo marcado por interações progressivas podendo serem negativas e positivas. Essa constituição da identidade é também marcada pelas relações sociais, políticas, culturais, pessoais, dentre outras. São vivências do dia a dia, da relação com o outro e da trajetória que cada sujeito vai determinado, ou escolhendo para sua vida. Por isso Dubar (2005) destaca que a identidade é produto da socialização dos seres humanos que ocorre na interação e não no vazio cultural. Interação que pode causar mudanças na construção de sua identidade, se permitindo reflexão sobre a prática diária, apropriação da sua prática pessoal, na universidade, dentre outros. Dubar (2005) prefere destacar o processo de constituição da identidade como formações identitárias, pois os sujeitos assumem várias identidades ao longo da vida. O autor destaca algumas categorias que podem auxiliar nessa identificação, tais como as características éticas, regionais, profissionais, as quais o outro usa para nos identificar. Define essas categorias com atos de atribuição e atos de pertença. Os atos de atribuição dizem respeito a identidade para o outro é definida pelo “tipo de homem (ou de mulher) que você é”, Os atos de pertença referem-se do “tipo de homem (ou mulher) você quer ser” (DUBAR, 2005, p. 106). Sendo assim, compreendemos que o ato de atribuição corresponde à identidade para o outro e o ato de pertença, a identidade para si. As primeiras ações para a constituição da identidade são construídas aos vínculos que vão conectando os sujeitos uns aos outros, esse vínculo tem início na família, os primeiros passos são apresentados pelos pais e sequencialmente pelo meio que nos rodeia, pelas diferentes buscas no meio cultural, social, político, dentre outros. Portanto, a identidade é o resultado simultâneo “estável e provisório, individual e coletivo, subjectivo e objetivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de socialização que, em conjunto, constroem os indivíduos e definem as instituições”. (DUBAR, 2005, p. 105). 6 Metodologia O levantamento de dados aconteceu de forma sistêmica fundamentando-se em uma abordagem qualitativa, desenvolvida por meio de questionários mistos, conforme propõem Ludke e André (1986), direcionados aos estudantes do curso de Licenciatura em Matemática de uma universidade pública federal que cursavam as disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado. O questionário foi elaborado a partir de quatro temas: caracterização do perfil dos Licenciandos em Matemática, aulas na graduação, prática pedagógica e aulas na escola básica. Esses temas foram elaborados tendo em vista o problema e os objetivos da pesquisa de maneira que trouxessem elementos pessoais, familiares e estudantis, que caracterizassem os licenciandos. No decorrer do curso de Licenciatura em Matemática, os acadêmicos cursam quatro disciplinas de ECS, sendo estágio I, II, III e IV. Inicialmente, foi feita uma análise descritiva dos dados utilizando o software SPSS 20 e o Excel. Assim, para a análise dos dados utilizou- se a Análise de Prosa proposta por André (1983) para a qual se busca o significado dos dados qualitativos, ou seja, “o que é que este diz? O que significa? Quais suas mensagens? E isso incluiria naturalmente, mensagens intencionais e não intencionais, explícitas ou implícitas, verbais e não verbais, alternativas ou contraditórias”. (ANDRÉ, 1983, p. 67). Discussões Quinze estudantes responderam ao questionário e ao verificar a quantidade de estudantes que cursavam os quatro estágios, ECS I, II, III e IV, ou seja, os mesmos quinze, o dado nos fez refletir sobre o baixo número de pessoas que querem fazer licenciatura em Matemática. Tabela 1- Número de estudantes por disciplina de ECS Estágios Frequência 1 36 2 5 3 5 7 4 5 Total 15 Fonte: acervo dos autores, 2015. 6 Estes alunos não foram considerados na análise porque cursam o ECS I e II ao mesmo tempo, ou sejam já tinham sido computados no ECS II Gatti e Barreto (2009) ao realizarem pesquisa sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) verificaram que o percentual de alunos do curso de Matemática é relativamente pequeno. As autoras ainda argumentam que, “a Matemática constitui o componente curricular que possui o maior número de aulas na escola básica, o que anuncia provável falta de professor na área, como já apontado pelos estudos do Inep e Conselho Nacional de Educação” (GATTI; BARRETO, 2009, p.155).Reiterando que a identidade também é constituída por meio da socialização nos diferentes espaços pelos quais o sujeito perpassa (DUBAR, 2005), a quantidade de alunos de um curso pode propiciar construção de saberes diferenciados por um lado, no qual o atendimento ao estudante é mais próximo, mas por outro pode dar pouca oportunidade de diálogo, de troca de experiências, de vivências, saberes, dada a escassez de pessoas. A Tabela 2 apresenta a naturalidade dos sujeitos. Observamos que onze estudantes são da cidade de Uberaba/MG. No entanto há presença de alunos naturais de cidades próximas a Uberaba, como alunos que nasceram em Ituverava, Patrocínio e Ribeirão Preto. E, apenas, um aluno, natural do Rio de Janeiro, cidade mais distante da região. Tabela 2- Naturalidade dos sujeitos participantes da pesquisa. Naturalidade Frequência Ituverava 1 Patrocínio 1 Ribeirão preto 1 Rio de Janeiro 1 Uberaba 11 Total 15 Fonte: acervo dos autores, 2015. 8 Partindo do princípio de que a identidade é (re)construída constantemente, o estudante ao ter a oportunidade de vivenciar outra realidade se coloca num espaço de interações novas em outra instituição, o que contribui para a construção de seus saberes profissionais. Dos estudantes, nove participantes da pesquisa são do sexo feminino. Gatti e Barreto (2009) apontam que a participação das mulheres no processo de escolarização, pode ser evidenciado desde a criação das primeiras escolas normais, no final do século XIX. Os autores afirmam que a própria escolarização de nível médio da mulher se deu pela expansão dos cursos de formação para o magistério. Dizem ainda que a carreira do magistério expandiu-se por meio de um padrão altamente segmentado do ponto de vista do gênero, seja em relação a outras carreiras, seja com respeito à própria carreira docente, a qual durante muitas décadas reservou aos homens as funções de mando nos sistemas educativos (direção e supervisão), enquanto as mulheres ficaram restritas às salas de aula.(GATTI; BARRETO, 2009, p. 159). Percebe-se que esse processo histórico da escolarização das mulheres reflete, atualmente, no perfil dos licenciandos em Matemática. Tabela 3 - Tipo de Escola que frequentaram no Ensino Fundamental Cursou educação Básica Frequência – Ensino Fundamental Frequência – Ensino Médio Totalmente na escola pública 11 9 Totalmente na escola particular 1 3 Maior parte na escola particular 3 2 Na escola particular com bolsa Total 1 15 15 Fonte: acervo dos autores, 2015. Tomando como referência a pesquisa de Gatti e Barreto (2009) sobre a formação de professores no Brasil e o fato de um futuro professor já ter vivenciado enquanto aluno, pelo menos por dezesseis anos, o contexto da escola, e nesse caso da escola pública e ainda o fato de o estudante verificar, ao ingressar na universidade, que necessita de muitos conhecimentos que não possui, sua identidade fica marcada por essa trajetória (DUBAR, 2005) e muitas vezes esse futuro docente não quer atuar como professor e nem trabalhar na escola pública. Nas Tabelas 4 e 5, observamos que nove alunos que cursam a disciplina de ECS trabalham, dentre eles três na docência. Carvalho (2001, p. 55) destaca que grande parte dos estudantes 9 frequentam o curso noturno para combinar trabalho e estudo, realidade dos estagiários dessa pesquisa. “O período noturno é reservado ao aluno que trabalha, sendo essa a maior diferenciação entre os períodos” Tabela 4 – Ocupação dos estudantes Tabela 5 – Carga horária de trabalho Frequência Horas por semana de trabalho Frequência Técnica em Enfermagem 1 4h 1 ASPM na polícia militar de MG 1 8h 1 Auxiliar de secretaria 1 20 h 2 Comerciante 1 30 h 3 Funcionário Público Estadual 2 32 h 1 Professor 3 40 h 1 Não trabalham 6 Não responderam 6 Total 15 Total 15 Ocupação Fonte: acervo dos autores, 2015. Fonte: acervo dos autores, 2015. No que tange à participação em projeto/programa na Universidade, por meio da Tabela 6, verificamos que são poucos os alunos que não participam de alguma atividade além daquelas que são obrigatórias no curso de licenciatura, bem como é pequeno o número de alunos que não recebe bolsa de programas/ projetos da Universidade. Tabela 6 - Participação dos alunos em programas/projetos com bolsa. Programa/Projeto Frequência PIBID 6 PET 6 Monitoria 1 Não responderam 2 Total 15 Fonte: acervo dos autores, 2015. Destaca-se que a quantidade de estudantes que participa de algum programa, pois esses são espaços de trocas de experiências, de interações sociais, nas quais as identidades vão sendo construídas e reconstruídas, é um espaço de socialização secundária (na universidade), no qual os saberes específicos e profissionais vão sendo percebidos e vividos (DUBAR, 10 2005). Na tabela 7, estão sistematizados os dados relativos às atividades pessoais realizadas pelos estudantes (frequência relativa a televisão, atividade artística, baladas, cinema, esporte e namorar). Tabela 7- Frequência das atividades pessoais desempenhadas pelos sujeitos da pesquisa. Frequência/ Assistir Atividade Baladas Cinema Esporte Namorar Atividades Televisão Artística Nunca 1 1 Raramente 2 - 1 4 - As vezes 1 - 1 2 1 - Usualmente 3 3 1 1 - 5 Sempre 1 - - - 1 2 15 15 15 15 15 Total 15 Fonte: acervo dos autores, 2015. As atividades pessoais dizem respeito ao que Dubar (2005) denomina de vivências dos estudantes, ou seja, são atividades subjetivas e que representam o que o sujeito pensa de si (processo biográfico) e identidade que possui para o outro (processo relacional) e que tem relações com suas vivências durante a socialização primária, em família. Considerações Finais O trabalho buscou refletir sobre a constituição da identidade do licenciando em matemática que cursavam a disciplina de ECS, a partir de um questionário que teve como objetivo analisar o perfil acadêmico desse licenciando. Ressalta-se na pesquisa o baixo número de estudantes no curso tendo em vista a necessidade de professores de matemática para atuarem na Educação Básica e a importância de um número maior de sujeitos, tendo em vista que as interações sociais ajudam na constituição da identidade desse futuro professor de Matemática. Chama a atenção no âmbito da socialização secundária o fato da maioria dos estudantes serem oriundos da cidade, o que revela uma valorização do seu espaço como formativo, além de considerarmos que grande parte desses sujeitos trabalham. Além disso, ressalta-se também a participação, pela maioria dos estudantes, em programas como PIBID e PET, ou seja, a imersão em espaços desconhecidos, mas de formação para docência, permitindo que se identifique e seja identificado. 11 Em relação às atividades pessoais realizadas pelos estudantes e que estão diretamente ligadas com a subjetividade, percebe-se que realizam pelo menos duas delas, o que pode ajudalos na relação entre a identidade para si e para o outro. Entretanto, cabe nos refletir que a constituição da formação docente abrange aspectos familiares, sociais, econômicos e profissionais e conjunto de novos dados podem auxiliar na reflexão sobre a constituição identitária dos licenciandos em Matemática. Referências ANDRÉ, M. E. D. A. de. Texto, contexto e significados: algumas questões na análise de dados qualitativos. Cad. Pesq., São Paulo, nº.45, p. 66-71, maio 1983. Disponível em http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010015741983000200008&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 09 jan. 2015. BOLÍVAR, A.. La identidad profesional del profesorado de secundaria: crisis y reconstrucción. Aljibe, Archidona (Málaga) 2006, 260 p. BRASIL. Ministério da Educação. Lei n.° 11.788, de 25 de agosto de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2008/Lei/L11788.htm>. Acesso em: 23 abr. 2013. CARVALHO, C. P. Ensino noturno: realidade e ilusão. São Paulo, Cortez Autores Associados, 1984.112 p. DUBAR, C.. A socialização: construção das identidades sociais e profisisonais. São Paulo: Martins Fontes. 2005. GATTI, B.A.; BARRETO, E.S.S. Professores: aspectos de sua profissionalização, formação e valorização social. Brasília, DF: UNESCO, 2009. GATTI, B. A. BARRETO, E. S. , ANDRÉ, M. E. D. A. Políticas docentes no Brasil: um estado da Brasília: UNESCO, 2011. 300 p. LÜDKE, M. e ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. PIMENTA, S. G. Formação de Professores: saberes da docência e identidade do professor. Revista Faculdade de Educação. São Paulo, vol. 22, n.2, 1996. Disponível em: <file:///C:/Users/Patricia/Downloads/33579-39389-1-PB%20(2).pdf>. Acesso em: 10 out. 2014. 12 PIMENTA, S. G., ANASTASIOU, L. das G. C. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2005. PIMENTA, S. G. Formação de Professores: saberes da docência e identidade do professor. Nuances, vol III, Presidente Prudente, 1997. PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L.. Estágio e Docência. São Paulo: Cortez, 2004. 1 DIVERSIFICAÇÃO DE AMBIENTES DE APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA E PROFISSIONAL ADELSON FERNANDES MOREIRA13 RONALDO MARCHEZINI14 Resumo Relatamos etapas fundamentais e resultados de um projeto de pesquisa cujo objetivo foi diversificar as práticas educativas de Ciências na Educação Básica e Profissional por meio da produção e socialização de recursos mediacionais. A etapa I do projeto consistiu na produção dos recursos em projetos de iniciação científica envolvendo estudantes do Ensino Médio, Profissional e Superior. Alguns desses recursos foram utilizados e avaliados em ambientes de aprendizagem do ensino Médio e Profissional. A etapa II foi dedicada à socialização dos recursos produzidos, por meio da realização de oficinas com professores da área de Ciências, da Rede Pública de Ensino. Os professores da equipe executora do projeto, por meio da observação e prática compartilhadas durante a realização das oficinas, tendo como referência a Teoria da Atividade, analisaram sua dinâmica e resultados do ponto de vista da criação de oportunidades de desenvolvimento profissional, assim como das possibilidades e limites de utilização dos recursos mediacionais produzidos, na perspectiva dos professores participantes. A execução deste projeto fomentou, de forma ainda incipiente, a produção de inovações curriculares no ensino de Ciências, na Educação Básica e Profissional. Contribuiu para a consolidação do Programa de Iniciação Científica Júnior, no CEFET-MG, e criou condições para a constituição de um coletivo de professores de Física, Biologia e Química comprometido com ações de ensino, pesquisa e extensão que promovam o desenvolvimento profissional de professores de Ciências e a melhoria do ensino promovido por esses professores, nas instituições em que trabalham. Introdução O reconhecimento dos diferentes estilos de conduta e motivação dos estudantes na interação com objetos de conhecimento implica a importância de se diversificarem os ambientes de aprendizagem, assim como de assumir a impossibilidade de se controlar a aprendizagem. Planejar o ensino, portanto, é planejar oportunidades de aprendizagem. Uma reflexão sobre as práticas educativas vigentes, na Coordenação de Ciências do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), que congrega as disciplinas Física e Biologia da ‘Educação Profissional Técnica de Nível Médio’ (EPT), Campi I e II, resultou na constatação do predomínio de um ensino propedêutico, tendo o livro didático como principal e, na maioria das vezes, único recurso mediacional. 13 14 CEFET – MG; Doutor em Educação; Apoio: FAPEMIG e PROPESQ-CEFET-MG. CEFET – MG; Doutor em Ensino de Ciências; Apoio: FAPEMIG e PROPESQ-CEFET-MG. 2 A diversificação dos ambientes de aprendizagem de Física e Biologia é pequena e, institucionalmente, no nível das ações coletivas dos professores, no caso da Física, acontece por meio de atividades práticas no laboratório. Entretanto, o número dessas atividades é também pequeno: seis no primeiro ano, seis no segundo e quatro, no terceiro ano da EPT. No caso da Biologia, que não dispõe de laboratórios didáticos, as atividades práticas ocorrem em outros espaços, mas também com pequena frequência. Na Física, prevalece nas atividades práticas, realizadas no laboratório, o caráter estruturado e uma orientação de apoio à aprendizagem conceitual, com aplicação de modelos e conceitos na interpretação de situações experimentais vivenciadas pelos estudantes. Na maior parte das atividades, os estudantes não elaboram os problemas experimentais, nem discutem previamente as estratégias para sua solução. Problema, objetivo e estratégias já foram previamente concebidos, cabendo aos estudantes compreendê-los, executá-los e interpretar os resultados obtidos. O caráter propedêutico do ensino de Física e de Biologia, as atividades práticas, em pequeno número, estruturadas e orientadas principalmente para o apoio à aprendizagem conceitual, afastam as práticas educativas de referências curriculares importantes instituídas pelas Diretrizes Nacionais para a Educação Básica e Profissional (BRASIL, 1999; 2010): A constituição de habilidades de pesquisa e de tratamento de diferentes fontes de informação; O aprendizado de aspectos próprios da natureza da Ciência e uma reflexão sobre os modos de produção do conhecimento científico. A constituição de uma cultura de participação na reflexão e discussão sobre as implicações sociais da Ciência e da Tecnologia. O ensino de conteúdos de Astronomia e de Física Moderna e Contemporânea. A utilização de tecnologias de informação e comunicação de forma mais ampla e diversificada em situações concretas na sala de aula. O desenvolvimento de uma maior participação dos estudantes no processo de produção de conhecimento na sala de aula, por meio do diálogo com os colegas e com o professor. O caminho proposto para a diversificação dos ambientes de aprendizagem de Física e de Biologia na Educação Profissional das turmas dos Campi I e II, do CEFET-MG, e uma maior aproximação das práticas educativas dessas disciplinas com as referências instituídas nas diretrizes nacionais passa pela produção de novos recursos mediacionais. Com base na Teoria 3 da Ação Mediada (WERTSCH, 1999), acreditamos que a introdução de novos recursos mediacionais, por meio da tensão irredutível entre agente e recurso mediacional, pode implicar em transformações substantivas nas ações concretizadas em sala de aula e, por conseguinte, na prática educativa em que elas se inserem. Uma de nossas questões de pesquisa decorre dessas implicações. Os resultados alcançados com a produção e a utilização de novos recursos mediacionais, na EPT, podem ter desdobramentos mais amplos, no ensino de Ciências na Educação Básica, desde que sejam constituídos espaços de socialização das práticas educativas, vivenciadas, com professores da Rede Pública de Ensino. Nesse sentido o projeto cujo processo e resultados serão relatados se articula também com a busca de criação de espaços de desenvolvimento profissional, seja para os professores da equipe executora do projeto, seja para os docentes que serão chamados a discutir criticamente as experiências de produção e utilização de recursos mediacionais. A concepção e desenvolvimento deste projeto foram orientados, portanto, pelas seguintes questões: Como oportunidades de aprendizagem se constituem na dinâmica de interações entre participantes de um ambiente de aprendizagem, mediadas por diferentes recursos? Como fatores materiais (as condições) e os agentes humanos (a intervenção) se configuram para constituir oportunidades de desenvolvimento profissional? 2. Referencial teórico O referencial teórico orientador desta pesquisa parte dos conceitos de prática educativa e ambiente de aprendizagem. O caráter distribuído da cognição (SALOMON, 1997; PEA, 1997), a sala de aula como construção social (STENHOUSE, 1991), as pesquisas sobre ambientes de aprendizagem (MCROBBIE; ELLET, 1997), combinadas ao reconhecimento dos diferentes estilos de conduta e motivação dos estudantes na interação com objetos de conhecimento, são as referências utilizadas por Moreira, Pedrosa e Pontelo (2011) para conceituar ambiente de aprendizagem escolar. O ambiente de aprendizagem escolar é compreendido como um lugar previamente organizado para promover oportunidades de aprendizagem e constitui-se de forma única na medida em que é socialmente construído por estudantes e professores a partir das interações estabelecidas entre si e com as demais fontes materiais e simbólicas do ambiente. Lugar, nessa conceituação, deve ser entendido em sentido amplo e, não, reduzido a espaço físico. É o lócus do acontecimento, é síntese de múltiplas condições, é o solo, mas, mais ainda, a cultura e a sociedade (MOREIRA, PEDROSA e PONTELO, 2011: 16-17). 4 O caráter previamente organizado de um ambiente de aprendizagem escolar expressa uma intenção de promover oportunidades de aprendizagem. Pode ser uma estrutura mais diretiva, centrada no professor e fundada na transmissão de conhecimentos, mas pode ser uma organização dinâmica, flexível, centrada nos aprendizes e na formação de sua autonomia (MOREIRA, PEDROSA e PONTELO, 2011: 17). O caráter socialmente construído de um ambiente de aprendizagem escolar expressa a característica local das experiências vividas por professores e estudantes, dependentes dos papéis a que se atribuem nesse lugar, de suas expectativas e desejos, de como percebem uns aos outros, os materiais e sua organização e os resultados de suas ações, de como ocorre a dinâmica da interação entre aprendizes e entre esses e o professor, de como estudantes e professor se valem dos recursos materiais e simbólicos disponibilizados pelo ambiente para concretizar suas interações (MOREIRA, PEDROSA e PONTELO, 2011: 17). Uma prática educativa é compreendia como ‘uma atividade que constitui ambientes de aprendizagem’. As ações que compõem uma prática educativa concretizam tanto o caráter preordenado de um ambiente de aprendizagem como a sua dimensão de construção social, pois envolve planejamento e execução do que se planejou buscando promover oportunidades de aprendizagem para os estudantes. “A prática educativa constitui um ambiente de aprendizagem desde a sua organização inicial fundada em certa concepção de aprendizagem até a sua realização singular” (MOREIRA, PEDROSA e PONTELO, 2011: 17). A partir dessa conceituação proposta por Moreira, Pedrosa e Pontelo (2011), escolhemos, a Teoria da Atividade (TA) como referencial para descrição e análise de práticas educativas constitutivas de ambientes de aprendizagem diversos, na complexidade de seus elementos e da relação entre eles. A teoria da atividade tem como pressuposto que nossa consciência tem uma gênese social, constituída, primeiramente, no plano das interações sociais mediadas por diferentes artefatos e, de forma especial, pela linguagem. Por que é importante chamarmos atenção para essa gênese social da consciência? Porque escolher a teoria da atividade como referencial de análise implica superar a compreensão da aprendizagem como um processo puramente cognitivo, individual, dependente apenas da maturação de funções biológicas. Na perspectiva da teoria da atividade, a aprendizagem é socialmente construída, precede e dirige os processos de desenvolvimento moral e intelectual dos estudantes. Acontece por meio de atividades orientadas por objetos, sempre mediadas, por exemplo, pela linguagem, pelo livro didático, pelo quadro e pincel. Temos nos apropriado dessa teoria, entendendo os objetos de nossa prática educativa como objetos de conhecimento: conceitos, modelos, teorias físicas e biológicas, dito de forma mais sintética, conteúdos na acepção ampla proposta nos PCN. Esses são os objetos de nossa prática educativa. São os objetos das atividades que desenvolvemos com nossos estudantes. O propósito que orienta essas 5 atividades é o desenvolvimento moral e intelectual dos estudantes, por meio da aprendizagem desses objetos. Aprender aqui pode ser entendido também como apreender o objeto de conhecimento, na sua existência material e simbólica. A atividade é compreendida, por sua vez, como algo inerentemente coletivo e mediado. Mas que mediações considerar nessa atividade concretizada por um conjunto de indivíduos, por exemplo, por professor e estudantes ou por grupos de estudantes? De acordo com o que propõe Engeström (1987), essas mediações devem ser compreendidas de forma ampla. São mediações os recursos materiais e simbólicos, que utilizamos para ensinar ou que são utilizados por estudantes para aprender algum conteúdo, objeto de uma atividade. Temos nomeado esses recursos como recursos mediacionais, da forma como os concebe Wertsch (1999). São recursos mediacionais de nossa prática educativa cotidiana: quadro e pincel, livro didático, exercícios, roteiros de atividades propostas em sala, montagens experimentais utilizadas para aulas demonstrativas ou para atividades de bancada no laboratório, roteiros de procedimentos para execução de uma atividade prática no laboratório, imagens projetadas em uma tela, modelos tridimensionais de sistemas. Outros muitos podem ser citados, de acordo com a especificidade da prática educativa concretizada. Mas há outras mediações a configurar uma prática educativa, compreendida como uma atividade. Mais que os recursos materiais e simbólicos (recursos mediacionais), outras mediações são destacadas por Engeström (1987), na verdade, processos que medeiam as interações em uma atividade, quais sejam: regras e divisão do trabalho. Qualquer atividade é organizada por regras e normas, determinadas pelo professor, pela instituição em que ele trabalha, ou mesmo negociadas no contexto da sala de aula. Apreender essas regras, se orientar por elas são condições importantes para a realização de uma atividade. A transgressão dessas regras podem travar o processo e demandar uma reflexão mais cuidadosa sobre determinada atividade e a forma como ela acontece na sala de aula. Outro processo essencial, que também se configura como mediação, é a necessária divisão de trabalho que também pode ser definida previamente pelo professor e pela instituição em que ele trabalha, mas também pode ser resultado de negociação entre os participantes de uma atividade. Quando pensamos na divisão do trabalho, podemos nos perguntar: que papel assume o professor, no desenvolvimento de uma prática educativa? Que papel é atribuído ao estudante? Como professor e estudantes efetivamente se situam nessa distribuição de papéis e atribuições? Como agem a partir dela? Os sujeitos de uma prática educativa, entendida como atividade, interagem orientados pelo propósito de proporcionar a aprendizagem dos estudantes sobre diferentes conteúdos, objetos 6 de conhecimento. Essa interação é mediada por recursos mediacionais, regras, divisão de trabalho, dentro de uma comunidade mais ampla, na qual essas mediações são produzidas e compartilhadas historicamente. Esses elementos que configuram uma atividade são agrupados por Engeström (1987) em um diagrama, chamado diagrama do sistema de atividade, representado na figura 1. O diagrama é tomado como instrumento tanto de descrição como de análise de uma atividade. Como o diagrama cumpre a função de instrumento de descrição e análise? A descrição da prática educativa e do ambiente de aprendizagem por ela constituído acontece na medida em que os elementos dessa prática são identificados tomando como referência os elementos que compõem o diagrama, constituindo uma unidade, o sistema de atividade. A análise, por sua vez, se realiza quando consideramos o sistema de atividade, representado pelo diagrama, em uma perspectiva dinâmica, concretizada na interação entre seus elementos constitutivos. A análise decorre de respostas a perguntas do seguinte tipo: Que tensões emergem da interação entre os elementos constitutivos do sistema de atividade? Essas tensões são positivas? Elas fazem o sistema de atividade avançar no sentido de realização do seu propósito? Essas tensões são negativas? Paralisam a dinâmica do sistema, afastam-no da realização de seu propósito? Demandam superações que podem fazer avançar o sistema de atividade? 7 Recursos Mediacionais Objeto Sujeito Regras Comunidade Divisão do Trabalho Figura 1: Representação do diagrama do sistema de atividade, adaptado de ENGESTRÖM (1987). Ao nos colocarmos questões dessa natureza, estamos avaliando a atividade da qual participamos. Dessa análise podem ser geradas afirmações sobre o processo vivido pelos participantes do sistema de atividade, que podem então ser utilizadas em um processo dialógico de avaliação com a contribuição de todos os envolvidos na prática educativa descrita e analisada. 3. O método O desenvolvimento do projeto se estruturou em duas etapas. A etapa I foi dedicada à produção de recursos mediacionais por meio do Programa de Bolsas de Iniciação Científica que envolveu a participação de estudantes da Educação Básica e Profissional. Uma professora da Escola Estadual Maurício Murgel compôs a equipe executora do projeto, atuando como colaboradora de um dos projetos desenvolvidos. Todos os estudantes envolvidos nos projetos de IC Jr. participaram de seminários periódicos, com o objetivo de discutir criticamente o processo e resultados de cada projeto em curso. Desenvolveram também atividades de sistematização do conhecimento produzido, envolvendo registro sistemático em diário de bordo, elaboração de relatórios, comunicações 8 orais e pôsteres, apresentados nas IX e X Semanas de Ciência & Tecnologia, promovidas, anualmente pelo CEFET-MG. Uma vez produzidos, quando possível, alguns dos recursos mediacionais foram utilizados em salas de aula da Educação Profissional do CEFET-MG. A produção desses recursos, sua possível utilização e a avaliação dos resultados alcançados com eles, tendo como referência os objetivos do projeto, concluíram a etapa I. Na etapa II, foram realizadas oficinas de desenvolvimento profissional com professores da área de Ciências da Rede Pública de Ensino, durante a X Semana de Ciência & Tecnologia do CEFET-MG, realizada no período de 14 a 17 de outubro 2014, no evento ‘Diálogos: ensinar ciências na educação básica e profissional’. O objetivo dessas oficinas foi compartilhar com os professores participantes os recursos e a experiência de sua utilização em salas de aula da Educação Básica e Profissional, quando esta ocorreu. Os professores participantes das oficinas foram convidados a criticar o material produzido, as possibilidades e limites da prática educativa por ele mediada, assim como as características do ambiente de aprendizagem que essa prática educativa pode constituir. Professores participantes da equipe executora do projeto, organizados em duplas, cumpriram, alternadamente, o papel de responsável pela condução da oficina, com o recurso que ele produziu, e o de observador da oficina, realizada pelo colega com quem compôs a dupla. Cada professor produziu um diário de bordo sobre a observação que realizou. Essa observação e a análise dos dados gerados, a partir dela, tomaram como referências o diagrama do sistema de atividade (ENGESTRÖM, 1987). O que propomos a partir desse diagrama? Descrever e a analisar os as práticas educativas e os ambientes de aprendizagem constituídos nas oficinas, realizadas durante o ‘Diálogos...’. Como o diagrama do sistema de atividade cumpriu a função de instrumento de descrição? A partir dos elementos constituintes do diagrama, as seguintes questões foram respondidas para planejar e descrever as oficinas: Qual é o objeto da oficina? Que propósito orienta a atividade proposta com o objeto da oficina? Quais são os sujeitos participantes? Que recursos mediacionais são utilizados? Que regras organizam a oficina? Como o trabalho proposto está dividido entre os sujeitos participantes? 9 Em que comunidade mais ampla se insere esse sistema de atividade? Quais as características dessa comunidade que podem influenciar a dinâmica do sistema de atividade? As respostas a essas perguntas descrevem a prática educativa, proposta para a oficina, e o ambiente de aprendizagem, que se configura a partir dela. Elas dão concretude ao diagrama aplicado a esse sistema de atividade específico: a oficina. A análise da oficina, por sua vez, implicou a explicitação das tensões entre seus elementos constitutivos, seja do ponto de vista dos avanços provocados a partir dessas tensões seja do ponto de vista de obstáculos a superar para fazer avançar o sistema de atividade por ela constituído. As questões orientadoras da análise foram apresentadas na seção 3, que tratou do método. 4. Resultados Foi produzido um conjunto de recursos mediacionais, cuja produção e eventual utilização em sala de aula foi compartilhada no evento ‘Diálogos...’ (figura 2 ) Figura 2: Lombada do caderno de resumos do ‘Diálogos...’ Além de espaço de socialização da experiência de produção e utilização dos recursos mediacionais produzidos na etapa I do projeto, o ‘Diálogos...’ foi também um momento de 10 aproximação do grupo de pesquisa LACTEA15, executor do projeto ora relatado, com outros grupos de estudo e pesquisa do CEFET-MG: AMTEC e GEMATEC16. Por meio da aproximação com esses grupos, ampliamos a participação de professores de Biologia no processo e estabelecemos vínculos, ainda não existentes, com professores de Química. Além de professores e estudantes do AMTEC e GEMATEC, no segundo dia do evento, participaram do ‘Diálogos...’ professores supervisores e estudantes de licenciatura em Física vinculados ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID-Física). Esse dia foi inteiramente dedicado à apresentação de relatos de experiências pelos professores participantes do evento, que inscreveram previamente seus trabalhos. No primeiro e terceiro dia do ‘Diálogos...’. participaram 50 professores distribuídos nas seguintes oficinas: 1. Astronomia - Primeiros Passos. 2. Elaboração de material didático a partir das provas da OBA. 3. Lua e suas fases mediadas pelas TIC. 4. Modelagem e analogias no ensino de Química. 5. Analogias e Metáforas no ensino de Ciências: foco na Educação Sexual. 6. Elaboração e produção de modelos tridimensionais de Biologia . 7. Construção e exploração de microscópios para o ensino de Ciências e Biologia. 8. Elaboração de equipamento de força de atrito para o ensino de Física. 9. Física de partículas, uma proposta de jogos didáticos. 10. Vídeo-aulas investigativas no ensino de Física. 11. Uso de simulações de computador no ensino de Física . 12. Experimento com aquisição automática de dados para o ensino de Física. 13. A educação ambiental como ferramenta da gestão de resíduos nas escolas. 14. Abordagem CTS no ensino da Termodinâmica . 15. Alfabetização Científica para alunos do Ensino Médio . Os professores participantes do Diálogos atuavam em diferentes instituições públicas de ensino, a saber: Escolas Estaduais: Celso Machado; Deputado Manoel Costa; 15 LACTEA: Laboratório Aberto de Ciência, Tecnologia, Educação e Arte – Campus II – CEFET-MG. GEMATEC: Grupo de Estudos em Modelos e Analogias na Tecnologia, Educação e Ciência – Campus VI – CEFET-MG; Grupo de pesquisa AMTEC: Analogias e Metáforas na Tecnologia, Educação e Ciência – Campus VI – CEFET-MG. 16 11 Governador Milton Campos (Estadual Central); Instituto de Educação de Minas Gerais; João Alphonsus; Nossa Senhora da Conceição; Nossa Senhora do Carmo; Professor Dahe; Três Poderes. Institutos Federais: do Triângulo Mineiro; de Minas Gerais (Campi Betim e Santa Luzia); do Norte de Minas Gerais (Campus Salinas). Unidades do CEFET-MG: Belo Horizonte; Leopoldina; Araxá; Curvelo. Colégio Militar de Belo Horizonte; FUNEC/Contagem. Universidades Públicas: Universidade Federal de São João Del Rei; Universidade Federal de Minas Gerais (Faculdade de Educação; Colégio Técnico e Centro Pedagógico). Contamos também com a participação de docentes da Rede Particular de Ensino, atuando nas seguintes escolas: PUC Minas; UNOPAR; UNIPAC; Colégio São Francisco de Assis; Colégio Dona Clara/Instituto Dimensão; Instituto Santa Amélia/ Bernoulli; Escola Profissionalizante Santo Agostinho; Colégio Santa Marcelina. 12 A média de participantes por oficina foi pequena, proporcionando um espaço bastante rico para troca e discussões. A realização do ‘Diálogos...’ foi orientada pelo objetivo de aproximar práticas educativas e estabelecer as condições iniciais para a elaboração e o desenvolvimento conjunto de projetos de ensino e de pesquisa. A avaliação feita pelos participantes, por meio de resposta a uma ficha com afirmações sobre o evento, nos permite afirmar que esse objetivo foi alcançado. As figuras 3, 4, 5 e 6 mostram o posicionamento dos participantes sobre afirmações da ficha de avaliação relacionadas aos objetivos do evento, em uma escala de concordância: 1- discordo fortemente; 2 – discordo; 3 – sem opinião; 4 – concordo; 5 – concordo fortemente. Figura 3: Respostas sobre a oportunidade de discutir criticamente experiências17 Figura 4: Respostas sobre a oportunidade de construção de parcerias 17 Nessa figura e nas demais, nota refere-se ao número marcado pelo participante na escala de concordância. 13 Figura 5: Respostas sobre oportunidade de desenvolvimento profissional Figura 6: Respostas sobre o interesse em participar de uma nova edição do ‘Diálogos...’ Um novo edital com as características do que financia o presente projeto criará condições objetivas para que as parcerias, apontadas de forma potencial nos resultados da avaliação do ‘Diálogos...’, possam ser objetivamente realizadas. O LACTEA, grupo de pesquisa a partir do qual foi realizada a pesquisa relatada neste texto, se apresenta como articulador dessas possíveis parcerias entre professores de Ciências do CEFET-MG e professores de Ciências das Redes Públicas de Ensino. Na produção dos recursos mediacionais das oficinas 2, 3, 6, 8, 9, 10, 11, 12 e 14 participaram 13 bolsistas de Iniciação Científica Jr. Portanto, a execução desse projeto contribuiu para a consolidação do Programa de Iniciação Científica Júnior, no CEFET-MG, com todos os seus impactos no desenvolvimento profissional e pessoal dos professores e estudantes envolvidos. As pesquisas realizadas no contexto das oficinas promovidas no ‘Diálogos...’, referenciadas no Teoria da Atividade, estão em fase de sistematização. Algumas delas já resultaram em trabalhos apresentados no II Encontro de Pesquisadores Mineiros. São desdobramentos de um conjunto de resumos submetidos ao Congreso de Educacion y Aprendizaje, que acontecerá em Madrid, em julho de 2015. Esses resumos são apresentados a seguir e expressam um esforço de sistematização, pela equipe executora do projeto, das investigações que ocorreram em algumas oficinas do ‘Diálogos...’. Alguns desses trabalhos se aproximam mais de um relato de experiência no qual a Teoria da Atividade referenciou o planejamento da oficina e a reflexão sobre a experiência de sua realização. Outros se aproximam de um trabalho de pesquisa com a produção de evidências a sustentar resultados de uma investigação orientada pela Teoria da Atividade. Os resumos com seus respectivos autores são apresentados a seguir. Em um dos resumos, contamos com a colaboração de uma estudante do Mestrado em Educação 14 Tecnológica do CEFET-MG, cuja investigação teve como situação geradora a participação dessa estudante na execução do projeto de pesquisa, ora apresentado. Elaboração de materiais didáticos sobre Astronomia, a partir de uma análise das questões da OBA (Olimpíada Brasileira de Astronomia): CONTRIBUIÇÕES da teoria da Atividade. Sidney Maia Araújo Leonardo Gabriel Diniz Esse trabalho apresenta o resultado de uma oficina de produção de material didático para o ensino de Astronomia a partir da análise das questões da Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA). O ensino de Astronomia tem um grande destaque nos textos dos documentos oficiais da educação básica no Brasil. Apesar disto, ela não tem o mesmo destaque nos currículos dos cursos de licenciatura e de formação de professores do país. Neste trabalho, é relatada a experiência da oficina “Elaboração de material didático a partir das provas da OBA”, ofertada para professores da educação básica em um encontro pedagógico realizado no ano de 2014. A oficina contou com a participação de uma professora de Ciências da rede pública de ensino. Durante a oficina foram discutidas propostas de utilização e elaboração de material didático e uma sequencia didática a partir das questões da OBA, levando-se em consideração as especificidades da escola da professora participante. Os resultados obtidos foram analisados a luz da Teoria da Atividade por meio do diagrama proposto por Engeström. A análise mostrou a existências de tensões relacionadas com a especificidade da realidade da escola pública no Brasil. Percepções de professores de ciências sobre o ensino por investigação a partir de uma vídeo-aula investigativa para o ensino de Física Ivo de Jesus Ramos Ronaldo Marchezini Este trabalho teve como objetivo capturar percepções de professores da área de ensino de ciências da Educação Básica sobre possibilidades e/ou limitações didáticas do ensino por investigação após terem vivenciado experiência em uma oficina com esse enfoque. Nesse sentido, gravou-se uma vídeo-aula sobre medida do tempo para ser utilizada como uma sequência didática em sala de aula. Essa video-aula e sua metodologia foram trabalhadas pelos dois investigadores (um coordenador da oficina e o outro observador), com um grupo de professores de ciências da Educação Básica. Sustentando-se na Teoria da Atividade de Engeström procurou-se identificar as tensões presentes nessa atividade, dentre elas selecionaram-se aquelas relacionadas diretamente com o objetivo dessa investigação. Essas tensões orientaram a elaboração de um questionário que foi respondido pelos participantes dessa oficina. A metodologia de análise consistiu em uma abordagem qualitativa, pautada na análise de conteúdo, e os resultados sinalizam que essa atividade propicia um favorecimento ao ensino de ciências por investigação. Tensões constitutivas de uma desenvolvimento profissional? Ana Lúcia Lopes Corrêa, Adelson Fernandes Moreira, oficina com professores: oportunidades de 15 Henriqueta Regina Pereira Couto 18 Neste artigo apresentamos os resultados da análise de uma oficina, em uma pesquisa sobre desenvolvimento profissional docente, em que foi compartilhada com professores da educação básica a implementação de uma sequência de ensino de termodinâmica, orientada pela abordagem CTS. Utilizamos o diagrama do sistema de atividade, proposto por Irjö Engeström, como instrumento de planejamento, descrição e análise. Uma professora colaboradora, com base nos registros de um diário de bordo, elaborou uma narrativa da oficina. Essa narrativa, problematizada pelo professor coordenador da oficina, possibilitou a reconstrução conjunta da experiência e mediou sua análise, com a consequente enunciação das tensões constitutivas do sistema de atividade configurado pela oficina. Dentre as tensões identificadas, destacamos aquela emergente das regras de administração do tempo da oficina que impediu que esta se realizasse como tal, em razão do pouco tempo destinado às atividades que demandavam uma maior participação dos professores. Em vez de oficina, se concretizou um relato de experiência que proporcionou aos professores participantes uma visão conjunta do processo e dos materiais utilizados na sequencia de ensino, assim como a possibilidade de avaliar a produção dos estudantes, o que se revelou, ao final, em um rico momento de troca de experiências, não orientado por prescrições. Uso do diagrama do sistema de atividade na análise de uma oficina de formação de professores de Ciências Renato Pontone Junior, Rogério Helvídio Lopes Rosa Neste trabalho relatamos a experiência de uma oficina de desenvolvimento profissional realizada com professores da área de Ciências da Rede Pública de Ensino durante a Semana de Ciência e Tecnologia do CEFET-MG, ocorrida em outubro de 2014. O objetivo dessa oficina era compartilhar com os participantes (i) os recursos mediacionais desenvolvidos no projeto de pesquisa “Diversificação de Ambientes de Aprendizagem de Ciências na Educação Básica e Profissional”, financiado pela FAPEMIG e pelo PROPESQ/CEFET-MG, e (ii) a experiência de sua utilização em salas de aula da Educação Básica e Profissional. Os participantes foram chamados a criticar o material produzido, as possibilidades e limites da prática educativa por ele mediada, assim como as características do ambiente de aprendizagem que essa prática educativa pode constituir. A utilização de TIC no ensino de Astronomia foi o tema da oficina, que contou com a participação de três professores, além do apresentador e do professor observador, autores do presente trabalho. Para a análise da experiência, utilizamos o diagrama do sistema de atividade, inspirado nos trabalhos de ENGESTRÖM sobre a Teoria da Atividade. Por meio do diagrama identificamos tensões, tanto positivas quanto negativas, que nos ajudaram a entender a dinâmica das interações que surgiram durante a oficina. Possibilidades e limites de uma aula demonstrativa: quando os resultados experimentais são distantes do esperado José Luiz Saldanha da Fonseca, Marcos Paulo Pontes Fonseca 18 Estudante do Mestrado em Educação Tecnológica do CEFET-MG 16 O objetivo deste artigo é relatar a experiência de uma oficina oferecida em um encontro pedagógico em que se buscava a diversificação de ambientes de aprendizagem de Ciências, por meio da produção e utilização de recursos mediacionais. Foi utilizado um equipamento, proposto por um bolsista de Iniciação Científica, para ser utilizado em uma aula demonstrativa. O equipamento, um plano de inclinação variável, foi construído com o objetivo de efetuar medidas da força de atrito estático e a determinação de seu valor máximo, por dois processos distintos, constituindo, com o roteiro que o acompanha, uma alternativa para aula de Física tradicional. Além do apresentador e de um observador, participaram da oficina seis professores, com diferentes tempos de docência. Para a análise da experiência, utilizamos a Teoria da Atividade e um questionário, enviado posteriormente aos participantes. No diagrama construído com base na teoria, se destacam: a participação ativa de todos os envolvidos, e como tensão notável, as discussões suscitadas pelos resultados obtidos nas medidas efetuadas, em muitos casos distantes dos valores previstos teoricamente. Entre essas discussões, citam-se, como exemplos: a busca por explicações, a conveniência de se utilizar o equipamento no dia-a-dia escolar e os limites e possibilidades de uma aula demonstrativa. Os professores participantes da equipe executora do projeto tiveram também a oportunidade de se desenvolver profissionalmente por meio das atividades de orientação de pesquisa de estudantes de Educação Básica, bem como da realização de pesquisas orientadas por uma reflexão coletiva e teórico-prática. Além disso, essas atividades criaram bases para fortalecer as ações do LACTEA, estabelecendo vínculos desse grupo com a Coordenação de Ciências do CEFET-MG, na qual trabalham professores de Física e Biologia. Os recursos mediacionais produzidos e, especialmente, as discussões do grupo de pesquisa em torno dessa produção criaram condições, ainda que incipientes e não consolidadas, para a produção de inovações curriculares no ensino de Ciências, na Educação Básica e Profissional, orientadas pelos seguintes objetivos: Constituição de ambientes de aprendizagem que promovam o diálogo e a interação entre alunos e professor na elaboração de conceitos. Discussão da natureza da Ciência e da Tecnologia. Envolvimento dos alunos com atividades de investigação e estudo autônomo de fontes diversificadas de informação. Aplicação das Tecnologias da Informação e Comunicação envolvendo alunos em atividades diversificadas orientadas para a elaboração de conceitos e sistematização do conhecimento científico. Discussão das implicações sociais da Ciência e da Tecnologia. Com base nos resultados apresentados, concluímos afirmando que a execução deste projeto criou condições para a constituição de um coletivo de professores de Física, Química e 17 Biologia do CEFET-MG, com ampla experiência de sala de aula e com trajetórias acadêmicas diferenciadas, comprometido com o desenvolvimento de práticas educativas que articulem ensino, pesquisa e extensão. Essa articulação tem como desdobramento necessário o desenvolvimento profissional de professores de Ciências e a melhoria do ensino promovido por esses professores, nas instituições em que trabalham. 7. Referências Bibliográficas BRASIL. Ministério da Educação/Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico. Brasília, DF, 1999, 88p. BRASIL. Ministério da Educação/Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. Brasília, DF, 2010, 78p. ENGESTRÖM, Y. 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SALOMON, G. (Ed.) Distributed cognition. Psychological and educational considerations. Cambridge: Cambridge University Press, 1997. STENHOUSE, LAWRENCE. Investigacion y desarrollo del curriculum. 3. ed. Madrid: Ediciones Morata, 1991. 18 WERTSCH, J. V. La mente en acción. Argentina (capital federal): Aique Grupo Editor S.A., 1999, 303p. 1 ELABORANDO SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS PARA O ENSINO MÉDIO DE BIOLOGIA VICTOR MARCONDES DE FREITAS SANTOS19 FÁBIO AUGUSTO RODRIGUES E SILVA20 MAGNO INÁCIO DOS SANTOS21 NATÁLIA ALMEIDA RIBEIRO22 ALEXANDRE FAGUNDES PEREIRA23 LUIZ EDUARDO STANCIOLI DE MELO24 ELLEN CAROLINA DE DEUS ANDRADE25 FRANCISCO ÂNGELO COUTINHO26 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem o propósito de apresentar os resultados parciais de um projeto de intervenção e pesquisa27 que tem como objetivo principal a produção, aplicação e avaliação de sequências didáticas (SD) norteadas por questões sociocientíficas em turmas do Ensino Médio de uma escola pública estadual em Belo Horizonte (MG). Essas SD tem sido orientadas teoricamente por abordagens da área de educação em ciências e biologia, como por exemplo, a abordagem Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA) e a educação científica para o ativismo e para a ação sociopolítica democrática, e também pela antropologia simétrica e a Teoria Ator-Rede (TAR). Os objetivos específicos do projeto são: 1) produzir e implementar por meio da constituição de um grupo colaborativo, composto por um professor da educação básica e por pesquisadores 19 Universidade Federal de Minas Gerais, Especialista em Metodologia do Ensino de Ciências da Natureza e Mestrando em Educação, CAPES. 20 Universidade Federal de Ouro Preto, Doutor em Educação. 21 Secretária de Educação de Minas Gerais, Especialista em Ensino de Ciências por Investigação, CAPES. 22 Universidade Federal de Minas Gerais, Mestre em Educação, FAPEMIG. 23 Universidade Federal de Minas Gerais, Licenciado em Ciências Biológicas. 24 Universidade Federal de Minas Gerais, Graduando em Licenciatura em Ciências Biológicas. 25 Universidade Federal de Minas Gerais, Especialista em Ensino de Ciências por Investigação. 26 Universidade Federal de Minas Gerais, Doutor em Educação, CNPq e FAPEMIG. 27 Esse projeto foi contemplado pelo Edital CAPES-FAPEMIG 13/2012, Linha Temática 2: Projeto de pesquisa e intervenção em escola de educação básica relacionado à solução de problemas na educação pública. 2 de uma universidade pública federal, quatro sequências didáticas que abordem questões sociocientíficas; 2) contribuir na formação continuada de professores e capacitá-los. para a produção, teste e reformulação de sequências didáticas; 3) colaborar na formação inicial de licenciandos do curso de Ciências Biológicas envolvidos no projeto; 4) produzir conhecimentos sobre a formação de professores no contexto da produção e da disseminação de sequências didáticas. A realização desse projeto se justifica pelo fato de que apesar de haver um avanço das pesquisas em educação em ciências e biologia, que tem destacado a importância no desenvolvimento de diferentes estratégias de ensino/aprendizagem para a melhoria do ensino das disciplinas científicas, os impactos dessas investigações nas escolas públicas brasileiras ainda se mostram tímidos. Para superar essa questão nos parece ser fundamental articular um conjunto de estratégias metodológicas a serem desenvolvidas e testadas junto a professores de escolas públicas de modo a garantir tanto a operacionalização dessas estratégias quanto a inovação dos processos de desenvolvimento profissional de professores. Essas estratégias consistem na formação de um grupo colaborativo que envolvem um profissional da escola básica e pesquisadores e alunos da Universidade, e são fundamentadas na ideia de parceria e diálogo entre os pares para elaboração de sequências didáticas. A formação desse espaço colaborativo possibilita que as atividades elaboradas, executadas e avaliadas nos permita refletir sobre o trabalho docente e também sobre os processos de ensino/aprendizagem em biologia. O artigo está subdividido em quatro partes. Inicialmente apresentamos os referenciais teóricos, no qual discutimos o uso das questões sociocientíficas na educação científica, a antropologia simétrica e a Teoria Ator-Rede. Em seguida expomos a metodologia da elaboração de uma das sequências didáticas produzidas no projeto, apresentamos os resultados e algumas discussões e por fim tecemos considerações sobre o projeto. REFERENCIAL TEÓRICO As questões sociocientíficas na educação científica A ciência e a tecnologia são consideradas fundamentais na estrutura das sociedades avançadas contemporâneas, as denominadas “sociedades do conhecimento”, pois nossas vidas atualmente dependem da produção de conhecimentos científicos e tecnológicos (RUBIO e BAERT, 2012). É inegável que por meio dos produtos da ciência e da tecnologia alguns aspectos da qualidade de vida das pessoas melhoraram, já que houve o aperfeiçoamento das 3 tecnologias de informação e comunicação, melhorias na infraestrutura dos sistemas de abastecimento energético e dos sistemas de transporte, na área de sáude e etc. Contudo apesar dos benefícios resultantes desse desenvolvimento, durante as últimas décadas vários problemas sociais, ambientais e incertezas relacionadas à aplicação desses conhecimentos têm surgido. É nesse sentido que Callon et al (2011) afirmam que vivemos na “era de incertezas”, pois ao contrário do que poderia ter se pensado antes, o desenvolvimento científico e tecnológico não trouxe somente progresso, mas pelo contrário, tem gerado mais e mais dilemas sobre como estes saberes e tecnologias tem provocado exclusão, desigualdades e a degradação do ambiente. Kolstø (2001) argumenta que diante do rápido avanço da ciência e da tecnologia nos dias atuais, de suas inúmeras implicações sociais e ambientais e de sua ampla divulgação na mídia, a educação científica para a cidadania tem sido considerada uma importante meta educacional a ser atingida. Consequentemente para que os sujeitos participem na tomada de decisões, quanto a discussão dos problemas gerados pela ciência e pela tecnologia, é necessário que as pessoas tenham conhecimento e se engajem em discussões e reflexões norteadas por questões sociocientíficas (QSC). As questões sociocientíficas compreendem os temas de natureza controversa, polêmica, complexa e interdisciplinar, envolvem assuntos científicos, tecnológicos, ambientais, políticos, econômicos, éticos, sociais e culturais e são sustentadas por várias disciplinas de diferentes campos do saber como a ciência, sociologia, filosofia, política e ética (ZEIDLER e NICHOLS, 2009; HODSON, 2011). Essas questões não possuem uma solução universal, são consideradas problemas em aberto, não existindo um consenso entre os cientistas e os especialistas, o que abre margem para diferentes interpretações e participação de variados setores da sociedade. As QSC apresentam um grande potencial de impactar seriamente os padrões pessoais, sociais e globais da humanidade nos próximos anos e é por esse motivo que tem tido ampla atenção da população por intermédio dos meios de comunicação em massa, como rádio, televisão, jornal e internet. A proposta de incluir as QSC na educação surgiu no âmbito das pesquisas para reformulação do ensino de ciências e foi influenciada principalmente por dois tipos de abordagens: o movimento CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) e o movimento CTSA (SADLER, 2011 a e b). O foco de tais abordagens estava na inclusão de questões complexas e socialmente relevantes nas salas de aula, para ensinar ciência e na exploração dessas questões com o intuito de melhor preparar os alunos para participar de discussões e decisões relacionadas à ciência. 4 A ideia de ensino por meio de questões sociocientíficas tem sido reconhecida pela comunidade de educação científica internacional (ZEIDLER e NICHOLS, 2009) e o interesse nos estudos sobre as questões sociocientíficas em contextos de ensino tem crescido significativamente na última década, o que tem apoiado muitas propostas de ensino aprendizagem fundamentadas em QSC (SADLER, 2011 a e b). Entretanto pesquisadores da área de ensino de Ciências e Biologia (HODSON, 2004; SADLER, 2011 a e b) tem assinalado que apesar de estarem contempladas nos documentos oficiais para a educação científica, as questões sobre ciência e tecnologia têm sido pouco trabalhadas nas salas de aulas e quando aparecem são apresentadas de forma equivocada. As abordagens sobre ciência e tecnologia que vem sendo veiculadas nas salas de aula, são deturpadas, já que o enfoque principal tem sido sobre seus produtos, de forma a ignorar e a omitir aspectos potencialmente prejudiciais desses dois campos para a sociedade e para o ambiente. Nesta perspectiva a natureza social, política e histórica da produção dos conhecimentos científicos e tecnológicos têm sido desconsideradas, fator que tem colaborado para reiterar uma visão de soberania epistêmica da ciência e a veicular imagens equivocadas, autoritárias e antidemocráticas sobre a ciência (BENCZE e CARTER, 2011). Como observa Bencze (2013) este modelo de educação científica ignora a diversidade do mundo, foca no individualismo, estimula a competição, o que pode implicar em uma concepção para a formação de sujeitos para seguirem as carreiras científicas e/ou para consumirem os produtos da ciência e da tecnologia. Nos currículos orientados por QSC alguns autores, como por exemplo, Roth e Désautels (2002), Hodson (2004), Hodson (2011) e McFarlane (2013) tem argumentado que não é suficiente que os estudantes apenas reconheçam que a ciência e a tecnologia sejam influenciadas por forças sociais, políticas e econômicas, mas que é essencial que experimentem e participem em atividades que envolvam a ação genuína. Nesta direção esses autores tem proposto um currículo orientado para uma ação sociopolítica, a qual implica em práticas centradas nos alunos e em problemas socialmente relevantes, com a finalidade de prepará-los para exigirem e exercerem uma cidadania participativa e fundamentada. Hodson (2011) percebe que existe uma corrente que propõe um currículo diferente para a educação científica, o qual reinvidica uma reformulação do ensino com o objetivo de politizálo. Esta proposta curricular estaria intimamente relacionada com um projeto de educação para a ação sociopolítica, que tem como fim formar ativistas, pessoas que irão rejeitar o antropocentrismo em favor do biocentrismo e que trabalharão nos interesses da biosfera. 5 Cidadãos e cidadãs que adotarão um estilo de vida ecologicamente correto, e que se preocupem em manter a existência da diversidade biológica e das culturas. Segundo Reis (2013), a educação científica e tecnológica para o ativismo e para a ação sociopolítica reconhece crianças e jovens como cidadãos completos, que tem pleno direito de decisão e como importantes agentes para a mudança e transformação do mundo. Nesta perspectiva reconhece-se que as decisões sobre as controvérsias sociocientíficas não devem ser uma exclusividade de especialistas, cientistas ou dos professores, mas também cabe o direito e o poder de intervenção dos cidadãos, desde que esta seja devidamente fundamentada e realizada segundo práticas democráticas. Jasanoff (2012) atenta para o fato de que a política tem utilizado a ciência para sustentar a sua legitimidade, e que a racionalidade técnica quando se alia aos instrumentos do Estado tem um grande poder em afetar a vida das pessoas, podendo organizá-las e discipliná-las. Ela argumenta que a ciência e a tecnologia, mais do que motores de transformação social, são objetos e ferramentas extremamente importantes da política e é por isso, que cada vez mais são tomados como assuntos para análises políticas. Dessa forma a autora critica uma noção epistemológica de ciência e considera que sua despolitização, isto é, manter a população ignorante quanto à ciência para não participação nas decisões públicas, como um grande risco à democracia. Para Jasanoff (2012) a ciência e a tecnologia não são apenas material “epistemológico”, mas agentes na co-produção das ordens sociais e políticas e portanto parte da dinâmica de construção de compreensões integradas de como o mundo é e como ele deveria funcionar. É nesse sentido que a autora observa que a sociedade democrática está ameaçada, quando grandes segmentos do público não estão envolvidos em questões que afetam a vida de todos e o nosso planeta. Com relação a educação em ciências, Jasanoff (2012) argumenta que apesar do ensino de ciências ser garantido na lei, a alfabetização científica que vem sendo desenvolvida nas escolas tem sido um fiasco, pois apresenta a natureza da ciência de forma deturpada e apolítica. Na contramão da ideia de alfabetização científica na qual os sujeitos possuem competências e habilidades que devem ser demonstradas por meio de provas, diplomas e certificados para assegurar sua atuação em disputas técnico-científicas, Jasanoff apresenta uma noção de cidadania em que os sujeitos possuam “direitos de conhecimento”. Fundamentalmente, esse conjunto de ideias pressupõe que se as pessoas possuírem ferramentas e se informarem sobre as questões técnico-científicas, poderão questionar o 6 raciocínio técnico dos governos e participar das decisões que envolvem essas questões, exercendo um bom julgamento. Ainda examinando criticamente a educação científica, Coutinho et al (2014) ao analisarem as diversas tendências do movimento CTS/CTSA observam que apesar dessas propostas procurarem romper com a ênfase de um ensino conteudista, várias aporias surgiram ao longo de suas quatro décadas de existência, a saber: 1) ensinam a ciência como conhecimento objetivo e neutro; 2) ensinam a Ciência e a Tecnologia como desenvolvimento intrínseco da humanidade; 3) romantizam ou estereotipam a História da Ciência; 4) estabelecem uma concepção estreita de racionalidade, tratando assimetricamente o modo de raciocinar de outros povos; 5) estabelecem visões universalistas de valores (sejam morais ou epistemológicos). Esses autores sugerem que a fonte dessas aporias se assenta no entendimento moderno28 das inter-relações entre os elementos Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente e concluem por conseguinte que os movimentos CTS/CTSA acabaram entrando em contradição com o objetivo inicial de valorizar as relações entre Ciência, Sociedade e Tecnologia no ensino de ciências (COUTINHO et al, 2014). Com a finalidade de superar as limitações e o prescritivismo da educação sob às perspectivas CTS/CTSA discutidos por Coutinho et al (2014) e também considerando as críticas a noção de alfabetização científica tecidas por Jasanoff (2012) propomos compreender os temas concernentes à ciência, tecnologia, sociedade e ambiente por meio de redes híbridas. Assim sendo nos apoiaremos em dois referenciais teóricos: a antropologia simétrica elaborada por Latour e seus desdobramentos que resultaram na Teoria Ator-Rede. Acreditamos que essas abordagens apontam para novas possibilidades de ensino e pesquisa na área de educação em ciências, com vistas a reagregar os temas dentro de uma nova concepção CTSA. A Antropologia Simétrica e a Teoria Ator-Rede O antropólogo, sociólogo e filósofo Bruno Latour pode ser considerado um dos analistas contemporâneos mais importantes nos estudos sobre a antropologia da ciência e do que se convencionou chamar de modernidade (HARMAN, 2009). O trabalho de Latour tem se concentrado em problematizar a ideia da existência de uma separação entre natureza e cultura, da dicotomia entre sujeito e objeto e ainda de uma relação de “domínio” dos seres humanos sobre as coisas do mundo (FREIRE, 2006). A pergunta inicial que despertou Latour em seus estudos foi “O que é um moderno?”. 28 Na próxima seção a abordagem moderna será explicada de forma mais acurada. 7 Para responder a esse questionamento, Latour (1994) analisou criticamente o projeto iniciado por Robert Boyle e Thomas Hobbes, nomeado de modernidade e o qual funcionaria de acordo com as regras de sua constituição. Segundo Latour (1994), a constituição moderna implica uma separação total entre as entidades que compõem o universo e divide o mundo em dois domínios distintos: a natureza e a sociedade. Nesta divisão do mundo, a gestão da natureza cabe aos cientistas e a gestão da sociedade aos políticos, isto é, o poder científico é encarregado de representar as coisas e o poder político incumbido de representar os sujeitos. Na hipótese do autor a constituição dos modernos designa dois conjuntos de práticas: a primeira nomeada de translação, que permite as misturas entre a natureza e a cultura, sujeito e objeto, ambos identificados como seres híbridos. Os híbridos, quase-objetos ou quase-sujeitos, são concebidos como misturas de ontologias e formas puras, e não ocupam nem a posição de objetos, nem a de sujeitos que a constituição moderna prevê para eles. A segunda prática é designada de purificação, que permite a criação de duas zonas ontológicas distintas, a qual estabelece uma divisão entre o mundo natural e social. Por meio das práticas de purificação as “tramas” que unem ciência, política, religião, economia, técnica e direito são cortadas e separadas em diversos segmentos, domínios ou disciplinas independentes. Os modernos acreditam nas categorias ontológicas puras, negam a existência dos híbridos e se esforçam para purificar as coisas, representando somente o trabalho de purificação, enquanto os híbridos de sujeito e objeto, sociedade e natureza, ciência e política se ploriferam cada vez mais através das redes (LATOUR, 1994). Latour (1994) constatou que o mundo forjado pelos modernos fracassou e não funcionou de acordo com as regras de sua constituição, pois é incapaz de dar conta de explicar os fenômenos híbridos de natureza e cultura. Ele concluiu, portanto que “jamais fomos modernos”, visto que a separação completa entre os mundos “natural” e “social” nunca aconteceu. Diante da ineficiência da constituição moderna em reconhecer as práticas de translação e também ao desprezar os seres mistos, Latour (1994) elaborou uma abordagem inovadora, a antropologia simétrica. Essa antropologia tem uma Constituição29 própria e propõe aos analistas que considerem concomitantemente as práticas de translação e purificação nos estudos sociais e antropológicos, e também recomenda que seja feita descrições de forma simetrica, que levem em consideração todas as entidades (humanas e não-humanas) que habitam o mundo. 29 Segundo Latour (1994, p. 21) com C maiúculo para distingui-la da constituição moderna. 8 Como consequência da antropologia simétrica e pautado nas noções de simetria generalizada, translação, ator e rede, Latour (2012) formalizou um método de estudo que ficou conhecido como Teoria Ator-Rede. A Teoria Ator-Rede surgiu em um campo denominado de Estudos da Ciência e da Tecnologia (ECT), e foi estabelecida a partir dos anos 1980 por Bruno Latour, Michel Callon e John Law (LATOUR, 2012). Uma importante contribuição da TAR para os estudos sociológicos é a possibilidade de considerar nas análises os não-humanos30 conjuntamente com os seres humanos, como efeitos interativos participantes de redes (LATOUR, 2012). Na visão da TAR nada é dado a priori, todas as entidades são tratadas como atores ou actantes, como efeitos de interações entre diferentes elementos que não possuem qualidades inerentes, mas que são definíveis relacionalmente a partir da maneira que agem nas redes (LATOUR, 2012). Neste sentido, para os sociólogos da TAR a unidade de análise nas redes é a agência ou performance dos actantes, pois consideram que as “coisas” não possuem essência e que a realidade não é única, mas que ambas emergem na ação, nas mediações, translações e nas práticas (LATOUR, 2012). Os conceitos de mediação e translação remetem a comunicação e transformação dos actantes, e auxiliam os analistas a explorarem as associações e desassociações que ocorem nos arranjos sociomateriais. Segundo Latour (2012), a abordagem “Ator-Rede” não deve ser considerada como uma teoria, mas como uma ferramenta, uma sensibilidade, um método de análise, que ao invés de fornecer explicações, permite descrever sobre como as relações entre os actantes são estabelecidas ou não. Com relação ao uso da TAR na Educação, Fenwick e Edwards (2010) observam que apesar de não muito conhecida e utilizada, esta é uma ferramenta que tem potencial para oferecer novas abordagens para perceber os fenômenos educacionais, já que fornece um novo vocabulário, na qual as relações entre as diversas entidades são performadas em atividades sociais e cognitivas. Por meio da TAR seria possível questionar várias categorias pré-estabelecidas na área educacional como professor, aluno, sala de aula, aula, currículo, pedagogia, aprendizagem, competência, habilidade, identidade, contexto, espaço, avaliação, ensino e conhecimento. É nesta direção, portanto, que a TAR pode trazer contribuições para esse campo de estudo, pois nela os eventos educacionais não são vistos como uma realização do social, mas como 30 O termo não-humano inclui uma ampla gama de entidades como os animais, os fenômenos naturais, as ferramentas e os artefatos técnicos, os textos, as ideias, as coisas e etc. 9 efeitos interacionais em redes, que se espalham pelo tempo e pelo espaço, e que devem ser descritos para uma melhor percepção desses fenômenos. No que concerne a educação em ciências e biologia, De Freitas Santos et al (2015) salientam que por meio da TAR é possível repensar os estudos sobre a natureza da ciência, as questões sociocientíficas, os currículos e os programas escolares dessas disciplinas, e a considerar o papel da materialidade nos processos educacionais. De acordo com esses autores uma visão de mundo na forma de redes heterogêneas pode auxiliar na comprensão de fenômenos complexos como os relacionados ao ensino/aprendizagem na educação científica. METODOLOGIA O trabalho de campo foi realizado em uma escola pública estadual localizada na periferia da cidade de Belo Horizonte (MG), com o acompanhamento de um professor de Biologia e de 32 estudantes de uma turma do 1º ano do Ensino Médio. Durante o segundo semestre de 2014, de julho a dezembro, foi realizada a observação participante em 52 aulas de duas disciplinas31, a de Biologia e Meio Ambiente e Recursos Naturais32. Nesse período foram elaboradas e aplicadas duas sequências didáticas, a primeira nomeada de “Impacto Ambiental” e a segunda por “Bioética”. Neste artigo apresentamos as atividades que foram planejadas e desenvolvidas na primeira SD, a qual foi aplicada na disciplina de Meio Ambiente e Recursos Naturais, no mês de Agosto de 2014 durante 10 aulas de 50 minutos cada, as quais foram registradas em áudio e vídeo. Para a produção dessa SD foram realizadas 2 reuniões do grupo colaborativo, realizados tanto na escola quanto na Universidade, ambos encontros registrados em gravador de áudio (Figura 1). O grupo que contribuiu na elaboração da SD que será analisada nesse texto, foi composto por alunos de pós-graduação, licenciandos do curso de Ciências Biológicas da Universidade, o professor da educação básica e o professor orientador do projeto. O termo “sequência didática” utilizado para orientar o planejamento das atividades se aproxima da proposição de Zabala (1998), o qual define uma SD como um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos 31 Ambas as disciplinas tinham a carga horária de 2 horas/aula/semanal. Disciplina incluida na grade curricular das escolas estaduais pela Secretária de Educação do Estado de Minas Gerais (SEE-MG) em 2011 no âmbito do “Programa Reinventando o Ensino Médio”. 32 10 educacionais, que tem um princípio e um fim conhecidos tanto pelos professores quanto pelos estudantes. Figura 1: Linha do tempo da implementação do projeto no segundo semestre de 2014. A SD elaborada contemplou diferentes estratégias, como a aula expositiva, o trabalho em grupos/equipes, o debate, discussão e simulação, e vários recursos como um relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), computador portátil, celulares, entre outros. RESULTADOS E DISCUSSÃO A sequência didática “Impacto Ambiental” O processo de construção dessa sequência didática teve como ponto de partida o interesse do professor em trabalhar com um relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) produzido pela empresa AVG Mineração S.A, e em seu desejo de promover uma audiência pública simulada na escola. A partir da ideia inicial do docente, a sequência didática foi estruturada com o objetivo central: promover o envolvimento dos estudantes do primeiro ano em uma questão sociocientífica ambiental. E com os seguintes objetivos específicos, segundo a fala o professor da turma: “O que uma empresa que quer explorar um local que tem potencial tem que fazer; ver como um ministério público atua. ver como uma ONG atua; como a comunidade é envolvida nesse processo; aprender como funciona uma audiência pública; aprender como é elaborado um EIA/RIMA.”. 11 Os referenciais teóricos que orientaram a construção da SD foram a abordagem CTSA, a educação científica para o ativismo e para a ação sociopolítica democrática, a antropologia simétrica e a Teoria Ator-Rede. Alicerçados nos pressupostos da antropologia simétrica e da TAR, entendemos que tanto os humanos e quanto os não-humanos envolvidos em QSC são actantes e que por conseguinte, ambos devem ser representados e considerados simetricamente nas análises socio-técnicas. Para tanto na concepção dessa atividade utilizamos o conceito de porta voz — o qual deve ser interpretado como aquele que é ou foi designado para falar pela existência de um grupo e de seus interesses e também a favor de quem ou do que não pode ou não sabe falar (LATOUR, 2012). A partir disso definimos, portanto, que seriam representados cinco grupos: o primeiro seria uma empresa mineradora, o segundo uma empresa de captação de água mineral, o terceiro uma ONG ambientalista, o quarto a comunidade que viveria próximo ao local, e o último grupo representaria o Ministério Público. Baseados na TAR e na noção de porta voz, consideramos que o primeiro grupo seria o porta voz dos empresários, o segundo porta voz da água, o terceiro porta voz da biodiversidade, o quarto porta voz dos interesses da comunidade local e o quinto grupo, o qual conduziria a audiência pública, levaria em consideração os interesses de todos os grupos. O desenvolvimento da sequência didática, o qual está resumido no Quadro 1, se deu por meio de uma aula introdutória (evento 1) na qual o professor apresentou o problema, explicou a QSC ambiental e dividiu os cinco grupos. Essa aula teve como objetivo envolver os estudantes no assunto para garantir o engajamento e a participação nas atividades seguintes. EVENTO DIA DESCRIÇÃO RESUMIDA DAS ATIVIDADES DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA 1 05/08/2014 Introdução ao trabalho, explicação das atividades que iam realizadas e divisão dos cinco grupos. 2 06/08/2014 Aula expositiva na sala de multimídia (Apresentação em Power Point – Conteúdo: O relatório de impacto ambiental). 3 07/08/2014 Continuação da aula anterior na sala multimídia e definição dos segmentos que cada grupo iria representar. 4 19/08/2014 Reunião dos grupos para leitura e discussão do relatório EIA/RIMA. Professor forneceu orientações aos grupos. 5 20/08/2014 Reunião dos grupos para leitura e discussão do relatório EIA/RIMA. Professor forneceu orientações aos grupos. 6 26/08/2014 Reunião dos grupos para leitura e discussão do relatório 12 EIA/RIMA. Professor forneceu orientações aos grupos. 7 27/08/2014 Reunião dos grupos para leitura e discussão do relatório EIA/RIMA. Professor forneceu orientações aos grupos. 8 28/08/2014 Simulação de Audiência Pública. 9 01/09/2014 Entrega dos relatórios do grupos. 10 19/11/2014 Discussão com os estudantes sobre as atividades realizadas na SD. 11 20/11/2014 Realização de entrevista com o professor para avaliar a SD produzida e implementada. Quadro 1: Síntese das atividades realizadas na sequência de ensino “Impacto Ambiental”. A etapa subsequente (evento 2 e 3) consistiu em duas aulas expositivas ministradas pelo professor, realizadas na sala de multímidia da escola, e nas quais foram expostos por meio de uma apresentação em Power Point, conceitos relevantes para o entendimento da atividade como impacto ambiental, classificações de risco, avaliação de impacto ambiental e medidas compensatórias e mitigadoras. No evento 3 também foram definidos os segmentos que cada grupo representaria e uma apostila EIA/RIMA foi distribuída para cada equipe. Nos eventos 4, 5, 6 e 7 os grupos se reuniram para se prepararem para a audiência pública simulada. Nessas aulas o professor interagiu com todas as equipes, fornecendo orientações e sanando as dúvidas dos estudantes. Esses momentos foram essenciais para que os alunos pudessem discutir entre si e com o professor sobre o EIA/RIMA. Todos os grupos receberam no evento 4 um roteiro com tópicos comuns que guiaria o estudo, e que também serviria como apoio para a elaboração de um relátório final. O roteiro contemplava tópicos comuns a todos os grupos, como por exemplo, sobre a superfície do local e a área abrangida por cada iniciativa e também questões específicas, como os possíveis danos causados por determinado tipo de atividade, as medidas mitigadoras a serem implementadas, entre outros itens. No evento 8 foi realizada a simulação de audiência pública, atividade principal da sequência didática. Nessa atividade o professor foi denominado como o “prefeito da cidade” e outra professora da escola fora convidada para compor a banca. A atividade aconteceu na sala multimídia e a simulação foi dividida em três partes: na primeira os grupos representantes da ONG ambientalista, mineradora e empresa de captação de água mineral teriam um tempo determinado para apresentar os seus projetos e após a apresentação, o grupo da comunidade poderia fazer até três perguntas para cada grupo. O prefeito também após a apresentação de cada equipe questionou cada uma delas com 13 perguntas. Na segunda parte foi realizado um espaço de discussão, no qual o Ministério Público fez perguntas para os grupos e esses fizeram perguntas entre si. Na terceira parte o Ministério Público se reuniu com o “prefeito”, na ausência dos demais estudantes, para analisar a atuação dos grupos e a qualidade dos argumentos expostos durante as outras etapas, e por fim, foi decidido que a Mineradora seria o empreendimento que iria explorar a área. Por fim, no evento 18, os alunos entregam o relatório produzido como produto final de todas as outras atividades. Para avaliação da sequência didática por parte dos alunos, foi constituído um grupo de discussão composto por 10 estudantes, realizado na sala multimídia da escola durante uma aula de biologia (evento 10). Para que a amostra fosse representativa, procuramos escolher tanto os estudantes que apresentavam bom desempenho na disciplina de Biologia, quanto os que não apresentavam. As questões que estruturaram o diálogo no grupo foram: 1) O que vocês acharam da atividade “Estudos do Impacto Ambiental”? 2) O que vocês acharam das aulas dessa atividade? 3) Vocês já tinham ouvido falar de Impacto Ambiental? E de licenciamento pra execução de um empreendimento? 4) Como foi trabalhar/ler o EIA/RIMA? Além de compreender como foi perfomada a SD para os estudantes, realizamos também uma entrevista semiestruturada com o professor (evento 11) para entender como esse sujeito percebeu as etapas de produção no grupo colaborativo e a aplicação da sequência didática em sala de aula. As seguintes perguntas estruturantes foram utilizadas para conduzir a entrevista: 1) O que você achou da sequência de estudos de impacto ambiental? 2) Você tinha alguma expectativa? Alguma não foi atendida? 3) O que você achou do trabalho com o grupo de pesquisa para a preparação para a sequência? 4) O que você acha do tema impacto ambiental em relação à aprendizagem por parte dos estudantes? E do material utilizado? Como resultados preliminares do estudo dessa SD, salientamos que as atividades planejadas pelo grupo colaborativo possibilitaram reflexões por parte do professor envolvido no projeto e também um espaço de discussão, no qual os estudantes puderam expressar suas ideias, discutir, e propor soluções para a QSC. Acreditamos que um estudo33 mais aprofundado seja necessário para responder a vários questionamentos, como por exemplo: Quais foram as tranformações que emergiram quando aplicada uma SD com uma QSC ambiental em aulas de uma disciplina científica? O que a SD “Impacto Ambiental” mobilizou? Quais elementos se associaram ou desassociaram dessa sequência? Quais deles poderiam ser considerados mediadores na rede? O que emergiu, em 33 Os resultados desse estudo serão publicados em uma dissertação de mestrado. 14 termos de aprendizagem, para os estudantes por meio da aplicação da SD? O que emergiu, em termos de aprendizagem, para o professor durante os processos de elaboração e a aplicação da SD? CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse trabalho teve o objetivo de apresentar os resultados parciais de um projeto de intervenção e pesquisa que tem como objetivo principal a produção, aplicação e avaliação de sequências didáticas norteadas por questões sociocientíficas. A nossa proposta pode ser configurada como inovadora pois articula novos referenciais de pesquisa como a antropologia simétrica e a Teoria Ator-Rede tanto para a produção quanto para a análise de sequências didáticas sustentadas por QSC Acreditamos que o nosso trabalho possa servir como exercício para o uso qualificado das pesquisas em educação e ciências e também para fornecer subsídios para o desenvolvimento de novas propostas. Para, além disso, pretendemos desenvolver pesquisas sobre os processos de ensino/aprendizagem de ciências e biologia, contribuindo para a formação dos sujeitos envolvidos no trabalho e também para a produção de novos conhecimentos na área da educação científica. REFERÊNCIAS BENCZE, John Lawrence; CARTER, Lyn. Globalizing students acting for the common good. Journal of Research in Science teaching, v. 48, n. 6, p. 648-669, 2011. BENCZE, John Lawrence. Science and Technology Education for Global Wellbeing. Disponível em: <http://dse.revues.org/144>. Acesso em: 30/03/2015. CALLON, Michel; LASCOUMES, Pierre; BARTHE, Yannick. Acting in an uncertain world: An essay on technical democracy. Paris: Seuil, 2011. COUTINHO, Francisco Ângelo; MATOS, Santer Álvares; RODRIGUES E SILVA, Fábio Augusto. Aporias dentro do movimento ciência, tecnologia, sociedade e ambiente. apontamentos para uma solução. In: Atas do V Encontro Nacional de Ensino de Biologia e II Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional, São Paulo, Universidade de São Paulo, 2014. 15 DE FREITAS SANTOS, Victor Marcondes; RODRIGUES E SILVA. Fábio Agusto; COUTINHO, Francisco Ângelo. Contribuições da Teoria Ator-Rede para a pesquisa em educação em ciências. In: Atas do III Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional 4, Juiz de Fora, Universidade Federal de Juiz de Fora, 2015. FENWICK, Tara; EDWARDS, Richard. Actor-Network Theory in Education, London, Routledge. 2010. FREIRE, Letícia de Luna. Seguindo Bruno Latour: notas para uma antropologia simétrica. 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A ideia inicial era investigar, a partir da realidade apresentada pelos alunos da Escola Municipal do Bairro Shopping Park na cidade de Uberlândia, quais seriam as interferências nos processos de ensino-aprendizagem das realidades apresentadas nas histórias de vida dos alunos e seus familiares; quais seriam suas demandas, dificuldades, facilidades e, de que maneira o conhecimento das histórias dos sujeitos poderia estar vinculado a formação de uma consciência histórica. Antes de adentrarmos especificamente nas questões relacionadas às atividades do projeto, faz-se mister apontar a relação estabelecida entre a escola e a universidade, entendendo-se esta uma relação não hierarquizada, de proximidade e de diálogo, relação construída a partir das indagações frente as questões demandadas da escola e de seus alunos e inquietações observadas no espaço acadêmico. Esta proximidade intensificou-se com o desenvolvimento de um projeto de extensão universitária38 durante o ano de 2012 na Escola Municipal do Bairro Shopping Park. A partir do diálogo estabelecido com as atividades daquele projeto, pudemos então, observar o 34 Professora bolsista da Educação Básica. Mestranda em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia. 35 Coordenadora do projeto e professora no Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia. 36 Mestranda em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia, colaboradora no projeto. 37 Graduando em História, bolsista de Iniciação Científica. 38 Projeto intitulado Caminhos da História, rastros da memória: o ensino de história e as experiências e histórias de vida de moradores do bairro Shopping Park. 2 quanto algumas questões ainda instingavam os membros da equipe que trabalhara até ali. Desde então, estabeleceu-se um contato mais direto com as demandas da escola e de seus profissionais, o que oportunizou, sobremaneira, pensar o projeto de pesquisa ora em andamento. Desde o momento em que se apresentou a ideia desta pesquisa à administração escolar, tivemos uma pronta recepção, sendo a ideia aceita e apoiada, formalizada por meio da autorização e demais documentos necessários para que a pesquisa pudesse acontecer e ser submetida à agência de fomento. Entendemos que esta disposição da escola, representada por membros da administração, assim como a sensibilidade de percepção de questões que podem contribuir no processo ensino-aprendizagem é fundamental para que o diálogo e o fosso que separa universidade da escola básica sejam superados. Do mesmo modo, a universidade por meio de seus representantes também precisa compreender a escola não apenas como espaço de aplicação de suas teorias, mas como espaço de possibilidades e de diálogos. A partir do momento em que iniciamos as atividades previstas na pesquisa, tivemos liberdade e acesso aos espaços da escola para realizá-las, assim como pudemos estabelecer contatos com a comunidade por meio da escola. Tivemos bolsistas de iniciação científica e bolsistas extensionistas que foram bem recebidos na escola, facilitando a realização do trabalho e, por meio desta, também fomos recebidos pelos pais quando da realização de entrevistas. Contando com o apoio, confiança e empenho da administração escolar, pudemos colocar em prática a proposta de fazer um trabalho de campo com os estudantes na Universidade Federal de Uberlândia. Observamos que havia, por parte da administração escolar, uma preocupação com o aluno da escola que se refletia nas possibilidades de oferecer um conjunto de atividades que pudessem incentivar e motivar o aluno no processo de ensino-aprendizagem. Para além desta preocupação, houve, ainda, o apoio para que a professora bolsista pudesse participar de eventos, apresentações de trabalho e outras atividades. Damos este enfoque inicial por entendermos que a relação escola-universidade, ensino-pesquisa precisa ainda, vencer um fosso há muito instituído e, esta proximidade pode gerar muitos frutos e apresentar resultados que não temos, no momento, como mensurar. Ao que nos parece todos ganham com esta aproximação: aluno e professor-pesquisador39. Temse instituída a oportunidade de se tensionar e refletir acerca da teoria e da prática cotidiana. De algum modo, viabilizou-se ao aluno o contato com uma instituição de ensino superior púbica e de qualidade, que muitas vezes, está distante de sua realidade. É 39 Partilhamos da noção de que todo professor é também pesquisador. As duas habilidades não estão dissociadas em nossa compreensão. 3 oportunizado a ele ter aulas com um (uma) professor(a) que traz, em seu cotidiano uma perspectiva diferenciada em sua argumentação, na proposição de aulas e positivação destes estudantes que são levados, em nosso caso específico, a aprenderem não sobre a história da humanidade, mas sobre sua própria história, tomando-os como sujeitos de seus próprios conhecimentos. (Re)Contando a história Temos observado, assim como autores como Couto (2004), Fonseca (2010) e outros o distanciamento entre os chamados conteúdos formais, determinados e vinculados a uma classe dominante e a cultura popular apresentada pelos estudantes presentes, especialmente, nas escolas públicas e que é camuflada ou ignorada nas práticas pedagógicas das escolas. Parece estarmos diante de um panorama em que, de acordo com Santomé, “os currículos planejados e desenvolvidos nas salas de aula vêm pecando por uma grande imparcialidade no momento de definir a cultura legítima, os conteúdos culturais que valem a pena.” (1995, p.165). Do mesmo modo, podemos afirmar como Arroyo que ocorre uma disputa no território do currículo que não é apenas porque há temas a incluir nas disciplinas, mas por quais experiências e que coletivos merecem ser reconhecidos como produtores de conhecimento legítimos, válidos” (2011, p. 139). É com este quadro de disputa que entramos em sala de aula para ministrar os conteúdos. Diante dele, um conjunto de crianças, adolescentes e jovens que não se reconhecem naqueles contextos ensinados, que não vislumbram suas vidas ali retratadas. Como avançar para que os educandos desde crianças percebam que há sujeitos, que a produção do conhecimento se alimenta de vivências de sujeitos e de coletivos tão humanos quanto eles, mostrando que os sujeitos ocupam um lugar irredutível na produção, mas também na compreensão e aprendizagem de cada conhecimento ensinado? (ARROYO, 2011: 145-146) Este questionamento pode ser rapidamente identificado com a nossa realidade escolar, mas como enfrentá-la? Decidimos tentar algumas iniciativas que pudessem contribuir neste front e nos auxiliasse na perspectiva de tentar compreender em que medida 4 este processo poderia estar relacionado com a percepção que os estudantes, em geral, possuem da disciplina e dos conteúdos de História. Os trabalhos foram desenvolvidos em 5 turmas: 4 turmas de 7º ano e 1 turma de 6º ano. A princípio explicamos e apresentamos aos estudantes que desenvolveríamos um trabalho na disciplina de História e que, em algumas aulas, realizaríamos atividades diversas. Destacamos que um dos objetivos era incentivá-los a conhecerem suas histórias de vida, as histórias de vida de seus pais e familiares, pois muitas vezes aprendemos a história das sociedades humanas na escola, mas pouco conhecemos da nossa própria história. A princípio a proposta não pareceu merecer muita atenção ou despertar a empolgação dos jovens educandos. Como uma primeira atividade, após outras discussões do conteúdo de História, entregamos aos estudantes, o desenho de uma árvore genealógica que deveriam preencher, informando dados como nome dos pais, avós maternos e paternos e a naturalidade de cada um deles. Eles deveriam se identificar, identificar seus irmãos e também colocar a cidade de nascimento de cada um. Uma atividade que parecia muito simples, inclusive para nós, quando provocou as mais variadas dificuldades e questões: Não sei o nome do meu avô ou avó paterno ou materno, e/ou não sei de onde eles são; Não conheço meu pai e/ou avós; Moro com meu padrasto ou madrasta, posso considerar meu(minha) pai (mãe), posso falar dele(a)?; Não conheci meu pai e, minha mãe não sabe quem são meus avós paternos; Fui criado(a) pela minha avó e não tenho contato com meus pais; enfim foram inúmeras as questões familiares e muitos os dramas apresentados pelos estudantes. Chamou-nos a atenção entre outras situações, muitas histórias dramáticas que envolvem prisão de um ou dos pais, abandono por parte dos genitores, e também o grande desconhecimento de sua própria família e de sua história. Essas crianças enfrentam situações difíceis já desde muito jovens. Além disso, a grande maioria desconhece sua história familiar. As situações eram tantas e tão variadas que o que se destacava no desenvolvimento das atividades era os poucos estudantes que tranquilamente conseguiram preencher a árvore genealógica nos informando com convicção quem eram seus pais e avós e de quais cidades e/ou estados era cada um deles. Instigamos e incentivamos-nos a levarem a atividade para casa e, enfatizamos que esta tarefa exigia dele a postura de um investigador, assim ele deveria investigar junto aos membros de sua família sua história e naturalidade; para aqueles que moravam com padrasto ou madrasta e os consideravam como pai ou mãe, poderiam colocá-los no preenchimento de 5 sua árvore genealógica, pois não eram apenas as relações consanguíneas que nos importavam, mas também, as relações humanas e sentimentais que estavam estabelecidas. Tais perspectivas, especialmente, as que se referem ao “modelo de família” que temos na sociedade em contraposição às famílias que existem de fato, nos remetem às discussões apresentadas em diferentes estudos como de Mello, Não há dúvidas, de que com o advento da modernidade nas sociedades ocidentais os modelos familiares se transformaram significativamente. Ao longo do século 20, isto se deu especialmente a partir da difusão crescente de práticas e de valores democráticos relacionados à diminuição da ascendência religiosa sobre a vida mundana e à consolidação de um ideário de identidade individual, o qual faculta aos sujeitos a possibilidade de organizarem suas vidas com base em escolhas pessoais diante de temas como o trabalho, a experiência religiosa, a sexualidade, a política, o lazer e a família, entre tantos outros. (MELLO, 2009, 162) Como pudemos observar, um percentual considerável dos estudantes vivem em famílias que não acompanham o padrão burguês de família nucleada (pai, mãe e filhos), alguns, inclusive são pais ou mães, ainda que em tenra idade. Esta não é uma particularidade dos estudantes com os quais tivemos contato, mas uma realidade cada dia mais presente na sociedade. Trabalhar e discutir também estas formações familiares na escola constitui-se ação de relevância social, uma vez que, observou-se que os adolescentes sentem-se inseguros sobre como pensar sua composição familiar uma vez que foge ao padrão tido como ideal pela sociedade. Enfrentar esta questão pressupõe discutir com os alunos conceitos como diversidade, gênero, racismo, preconceito e tantos outros que estão na ordem do dia. Com as observações e respostas trazidas por cada um deles conseguimos que refletissem sobre a sociedade de modo geral, os modelos familiares, as trajetórias de vida, as mudanças constantes de cidades ou mesmo de estado. Ressaltamos que aquelas histórias eram tão importantes quanto qualquer outra retratada nos livros e que nós, aquele coletivo, compunha a história trazida nos livros apenas sem nomeá-los. Os jovens estudantes depararam-se, nesta singela tarefa, com a história de seus pais, tiveram que buscar saber sobre avós (maternos e paternos), de onde eram, enfim, tiveram que constituir um elo entre a sua vida e a de seus antepassados que não são distantes assim. Isto feito coube-nos perguntar: como conhecer o passado, a história da humanidade, o ocorrido em contextos e sociedades distantes no tempo e no espaço, como atribuir importância, relevância a esta história se não conheço minha própria e minha origem? 6 Uma outra atividade desenvolvida com as turmas tinha por objetivo apresentar e discutir conceitos como migração. Passamos um trecho do filme Central do Brasil no qual a personagem principal Dora encontra-se na Central do Brasil – RJ e seu trabalho ali é, atender as demandas daqueles que por ali passam, de escrever cartas procurando saber e dar notícias a familiares e amigos de seu local de origem. São várias as situações apresentadas e, no filme, se destaca a figura do migrante brasileiro que deixa sua cidade e família e vai para a “cidade grande” em busca de uma vida melhor. A partir desse trecho do filme, estabelecemos um debate procurando trabalhar a migração e o que ela acarreta aos sujeitos que migram. Depois entregamos uma atividade onde ele deveria escrever sobre o filme apresentado e seus personagens; procurar no dicionário o significado dos conceitos citados anteriormente e, por fim, avaliar se ele ou membros de sua família tinham vivenciado alguma experiência de deslocamento ou migração ou se conheciam pessoas nessa situação. Chamou-nos a atenção, nesta atividade, a dificuldade de grande parte dos alunos em registrar suas ideias e impressões. Apesar do debate onde muitos expressaram sua compreensão do filme, no momento da escrita muitos não conseguiram expressar seu entendimento recorrendo ao auxílio para que pudessem elaborar suas respostas; alguns manifestavam que queriam as respostas ditadas por nós; alguns pediam para copiar a resposta do colega; isso tudo sem falar nos erros ortográficos que, em alguns casos, tornavam o texto praticamente incompreensível. Esta atividade nos fez refletir acerca das muitas dificuldades encontradas pelos estudantes quanto às aproximações ou não, entre a língua culta e a oralidade, bem como nos vários letramentos conforme aponta Corrêa (2010, p. 628). os letramentos não se manifestam, como se sabe, apenas pela escrita alfabética, mas, também, por exemplo, pelo desenho, pelo gesto, pelos nós, pelos entalhes sobre matéria dura, pelo próprio modo de enunciação da escrita alfabética etc. Na formulação de Martins (2002), tais manifestações correspondem a diferentes formas de escrita, as quais são, como se sabe, passíveis de variadas combinações, inclusive com o modo de enunciação oral. Muitas vezes, temos nos deparado com situações em que os estudantes manifestam-se de maneira mais coerente por meio de desenhos, paródias ou outras manifestações para além do processo de escrita. Esta parece ter se tornado cada dia mais difícil, especialmente, entre 7 alguns grupos da sociedade que construíram outras formas de manifestar suas ideias e compreensão da vida através da música, da dança, de expressões culturais ou outras não compreendidas, muitas vezes, no mundo letrado. As dificuldades observadas entre os estudantes no que se refere ao processo de escrita conforme aponta Tfouni, pode ser compreendida a partir do apontamento de que A questão não se resume ao domínio de técnicas, habilidades, nem capacidades de uso da leitura e escrita; ela é muito mais ampla, pois lança o desafio de termos de descrever em que consiste o letramento dentro de uma concepção de práticas sociais que se interpenetram e se influenciam, sejam essas práticas orais ou escritas, circulem elas dentro ou fora da escola. (TFOUNI&MONTE -SERRAT, 2012, p. 179 ) Dentro desta concepção temos que os estudantes ao apresentarem as “dificuldades” em relação a escrita, nos impelem a compreendê-los em um processo muito mais amplo que o da escolarização ou o processo ensino-aprendizagem padrão a que temos mais acesso e contato. Instiga-nos a vê-los inseridos em um contexto em que, muitas vezes, o processo de alfabetização se dá de forma alheia a realidade experienciada pelo estudante o que provoca as inúmeras dificuldades que observamos na realidade escolar. Nesse contexto foi trabalhado o conceito de migração com os alunos. Ao pedir que procurassem no dicionário o significado da palavra, tiveram dificuldade em manuseá-lo e em compreender o que estava ali descrito. Adotou-se, então, um mapa que delineavam alguns movimentos de saída de um país em direção a outro, a movimentação dentro do próprio país, bem como a chegada em país estrangeiro. A visualização dos processos no mapa pareceu mais compreensível aos estudantes que conseguiram identificar os movimentos realizados por suas famílias. Na oportunidade, trabalhamos com os mapas do Brasil e Mapa Mundi enfocando a questão espacial e a localização dos diferentes Estados da Federação, propondo que identificassem e colorissem os Estados de origem de sua família, as regiões brasileiras, os continentes e oceanos. Pudemos observar com esta atividade que o processo de ensino-aprendizagem não pode ocorrer de maneira fragmentada, deve-se considerar a interdisciplinaridade nesse contexto e, não somente como uma teoria, mas como possibilidade viável para a prática formativa. Para Thiesen, a interdisciplinaridade busca responder à necessidade de superação da visão fragmentada nos processos de produção e socialização do conhecimento. Trata-se de um movimento que caminha para novas formas de organização do 8 conhecimento ou para um novo sistema de sua produção, difusão e transferência, como propõem Michael Gibbons e outros. (2008, p. 545) Nas atividades realizadas com os estudantes foi possível observar, em diferentes momentos, as possibilidades de se tratar as mais variadas questões sob uma perspectiva interdisciplinar, em que o conteúdo da disciplina História se aproximava e ganharia muito mais em profundidade se trabalhado em parceria com as disciplinas de Geografia, Língua Portuguesa, Literatura entre outras. Embora de maneira acanhada buscamos realizar estas aproximações. Escola-universidade: aproximações físicas Desta vivencia entre escola e universidade a partir do trabalho realizado em sala de aula com a presença de graduandos e professora da Universidade, observamos o desejo e a curiosidade dos estudantes em conhecer o ambiente da Universidade. Para muitos estudantes, esta se constituía em uma distante realidade, talvez inacessível. Tivemos a oportunidade de propiciar a estes estudantes em dois momentos distintos a visita guiada ao espaço da Universidade Federal de Uberlândia. Neste trabalho de campo realizamos, com os estudantes, a visita ao Centro de Documentação e Pesquisa em História (CDHIS). Neste espaço, tiveram contato com o acervo e, com algumas das noções e conceitos utilizados na pesquisa histórica, como compreender o que é um documento; conheceram práticas de conservação e preservação do patrimônio; por que da preservação de acervos documentais, discográficos, fotográficos, de processos-crime entre outros. Visitaram ainda o Museu de Minerais e Rochas da Universidade onde puderam entrar em contato com os diferentes materiais ali expostos seguidos da explicação de um professor de Geografia. Os estudantes conheceram ainda outros espaços da Universidade como as salas de aulas, a biblioteca, o restaurante universitário, entre outros ambientes como o Centro de Convivência em que foram registradas algumas fotos. Ao longo dos percursos entre um espaço e outro, muitas perguntas eram realizadas pelos estudantes, outras explicações eram fornecidas pela equipe que os acompanhava. Ouvimos de muitos o interesse de estudar naquele espaço, o desejo de saber mais detalhes sobre o funcionamento da Universidade, enfim, aparentaram se dar conta de que é possível 9 estudar naquele ambiente. Dias após a visita ainda ouvimos perguntas sobre a Universidade e muitos pedidos de retorno aquele local. O conhecimento e a possibilidade de se cursar uma graduação em uma Universidade, principalmente pública é algo distante de grande parte dos estudantes com os quais trabalhamos. Talvez por falta de informações, exemplos próximos ou incentivo familiar, o fato é que a maioria mal se vê terminando o ensino médio. Muitos não chegarão nem a isso. Observamos os mais diferentes fatores que levam ao abandono dos estudos como gravidez precoce, a necessidade de trabalhar para compor o orçamento familiar, desinteresse pelas aulas, pela escola que não se mostra atrativa para muitos estudantes pois, em geral, não enxergam nela um caminho que seja capaz de garantir transformações econômicas e/ou sociais. Enfim, o trabalho de campo realizado com os estudantes no espaço da Universidade se mostrou como mais uma possibilidade de interação e de avançarmos na compreensão do que é o processo de ensino-aprendizagem. Não conseguimos mensurar até que ponto atingimos nossos objetivos, ou se possibilitamos a estes estudantes uma outra perspectiva de futuro em dois momentos apenas dentro da universidade. Mas, em ambas visitas observamos que os estudantes sentiram-se valorizados, esperados, recepcionados com atividades simples como a monitoria realizada por graduandos, técnicos administrativos, professor e um simples lanche servido ao grupo, que parece ter tornado aquelas atividades algo marcante. Considerações finais Ao longo do desenvolvimento do projeto e da interação escola-universidade temos observado o quanto as atividades repercutem de maneira positiva para os alunos e também para o professor que reflete sobre sua prática e, consegue dar um sentido a ela. Assim, há que se garantir que o que se teoriza em termos de educação seja realizado a partir de uma dada realidade e, não apenas no âmbito de teorias e conceitos inócuos. Nesse sentido, as parcerias podem ser um caminho e possibilidade para os profissionais de ambos os espaços. Observamos que a realização de projetos, de atividades que fogem da “rotina” dá um novo ânimo aos estudantes e por que não aos professores, possibilita maior interação e interesse pelo conhecimento. Assim, compreendemos como Morin (2005) que é necessária uma reforma do pensamento que gere uma reflexão do contexto e do complexo. Deste modo compreendemos o processo formativo como capaz de captar 10 relações, inter-relações, implicações mútuas, fenômenos multidimensionais, realidades que são simultaneamente solidárias e conflitivas (como a própria democracia, que é o sistema que se nutre de antagonismos e que, simultaneamente, os regula), que respeite a diversidade, ao mesmo tempo que a unidade, um pensamento organizador que conceba a relação recíproca entre todas as partes. (p. 23) Enfim, cremos que devemos avançar no sentido de buscar uma educação que parta não de um conteúdo pré-estabelecido, mas que se proponha a construir junto com os alunos, a escola e a comunidade escolar um “caminho” que permita um conhecimento significativo e que, de fato, valorize o conhecimento prévio do sujeito aprendiz. Referências Bibliográficas ARROYO, Miguel G.. Currículo, território em disputa. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. CORRÊA, Manoel Luiz Gonçalves. Encontros entre prática de pesquisa e ensino: oralidade e letramento no ensino da escrita. PERSPECTIVA. Florianópolis, v. 28, n. 2, 625-648, jul./dez. 2010. COUTO, Regina Célia do. PRÁTICAS PEDAGÓGICAS, ENSINO DE HISTÓRIA E MULTICULTURALISMO: UMA PERSPECTIVA DE CURRÍCULO. FONSECA, Selva Guimarães. O trabalho do professor na sala de aula: relações entre sujeitos, saberes e práticas. R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 91, n. 228, p. 390-407, maio/ago. 2010. MELLO, Luiz; GROSSI, Miriam; UZIEL, Anna Paula. A Escola e @s Filh@s de Lésbicas e Gays: reflexões sobre conjugalidade e parentalidade no Brasil. In.: Rogério JUNQUEIRA, Diniz (Org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas /. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, UNESCO, 2009. MORIN, Edgar. Educação e complexidade, os sete saberes e outros ensaios. São Paulo: Cortez, 2005. 11 SANTOMÉ, Jurjo Torres. As Culturas Negadas e Silenciadas no Currículo. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org). Alienígenas na Sala de Aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 1995. TFOUNI, Leda Verdiani; MONT-SERRAT, Dionéia Motta. A ESCRITA EM ENTREMEIO COM A ORALIDADE. Revista (CON)TEXTOS Linguísticos, Vitória, V.6, n.7, 2012. THIESEN, Juares da Silva. A interdisciplinaridade como um movimento articulador no processo ensino-aprendizagem. Revista Brasileira de Educação v. 13 n. 39set./dez. 2008. 1 FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES SOBRE A QUESTÃO DA INCLUSÃO: CONTRIBUIÇÕES DA GEOGRAFIA40 ADRIANY DE ÁVILA MELO SAMPAIO PROFA. DRA. GEOGRAFIA. PESQUISADORA LAGEPOP-IG-UFU [email protected] TEREZINHA TOMAZ DE OLIVEIRA PROFA. QUÍMICA, ESTUDANTE DE PEDAGOGIA. PESQUISADORA LAGEPOP-IG-UFU [email protected] ANTÔNIO CARLOS FREIRE SAMPAIO PROF. DR. GEOGRAFIA PESQUISADOR LAGEPOP-IG-UFU [email protected] DIVINA ETERNA FERREIRA RIBEIRO DE CASTRO PEDAGOGA ESCOLA BÁSICA DA REDE PÚBLICA. PESQUISADORA LAGEPOP-IG-UFU [email protected] Resumo: Este trabalho de pesquisa tem a preocupação de discutir a formação continuada de professores de professores a contento da realidade que se coloca sobre a Inclusão, especialmente os de escolas públicas. Uma das questões, já identificada na pesquisa, é a situação salarial, que por não ser suficiente para sua sobrevivência como cidadão/cidadã, praticamente os força a trabalhar dois turnos, e em até três, o que os impede de planejar adequadamente suas aulas, interagir com a(s) escola(s) em que atua e, principalmente, refletir a própria prática. Partindo da realidade da escola, os cursos de formação continuada podem ser momentos em que o/a docente pare para se atualizar, rever temas e conceitos, aprender novas metodologias e ensinar a partir de suas experiências. Na perspectiva de atender a todos os alunos e com isso por em prática a Inclusão será muito importante Conhecer e Valorizar as Experiências Práticas dos Professores, sobre a Inclusão em Sala de Aula. Pois a Inclusão pressupõe garantir uma educação de qualidade para alunos, e também um ambiente de trabalho coerente com a tarefa do professor. Significa enfrentar a indisciplina e/ou a passividade dos estudantes e ao mesmo tempo propiciar aos professores recursos de valorização da profissão, colocando-o como pesquisador de sua própria prática. Palavras-chave: escola pública, desafios, solidariedade Introdução 40 Projeto financiado pela FAPEMIG 2 O Projeto “Inclusão Social e Formação Continuada de Professores: Contribuições para a Educação Básica” se insere na perspectiva de um projeto de pesquisa e desenvolvimento de ações voltadas para a melhoria da educação básica, em relação ao ensino e à aprendizagem, à formação inicial e continuada de professores; à inclusão social e combate à violência; às tecnologias e modelos para ação inclusiva na educação básica; e à integração escola, família e comunidade. Segundo DORZIAT (1999, 35) “é necessário, cada vez mais, que a escola pública se firme enquanto detentora de responsabilidades específicas, contribuindo para a construção de sociedades mais justas.” A formação do Professor de Geografia, assim como as outras Licenciaturas, necessita de um maior conhecimento sobre a questão da Educação Inclusiva. Os Professores que já estão na escola também precisam se atualizar nestas questões, sentindo-se parte das novas propostas colocadas, e sentindo mais seguros em relação à sua prática profissional. Apesar de a questão da inclusão ser colocada como nova, sempre houve situações de inclusão e exclusão, especialmente se lembrarmos das situações de discriminação que ocorrem no espaço escolar. E as pessoas são discriminadas por serem altas demais, ou baixas demais, por serem muito magras ou gordas. Ou seja, tudo que sai do padrão dito “normal”, incomoda e é discriminado. Assim, temos uma sociedade contraditória, em que pessoas estão com fome por motivos, os mais diversos: uns pela beleza de serem magros, pela ditadura da moda magra, outros por não terem como adquirir sua comida. Muitos estão desnutridos, alguns são amados e protegidos, outros são violentados dentro de casa. Mas mesmo para quem está dentro de um peso dito “normal” ainda pode ser excluído pela cor da pele, pela vestimenta, pela cultura. Com certeza, não é a escola que vai modificar a sociedade excludente em que vivemos, no entanto ela não pode tratar seus alunos de forma a excluí-los. E nenhum desses estereótipos elencados pode servir de justificativa para o fracasso escolar de um aluno. Segundo Gardner (1995) todas as pessoa são inteligentes. Isso significa que todas as pessoas podem aprender, mesmo as que têm algum tipo de comprometimento físico-sensorial, e todas merecem ser respeitadas e incentivadas a mostrar todo seu potencial. Formação Continuada de Professores na Perspectiva da Pesquisa Apesar da LDB (BRASIL, 1997) trazer como uma obrigatoriedade a abertura da Escola para a inclusão, e para salas de aula mais heterogêneas, “(...) no setor acadêmico, a questão da 3 inclusão escolar das pessoas com necessidades especiais não têm ocupado espaço neste embate. A preocupação central continua sendo com a formação do professor para atuar no ensino regular, ignorando o processo de inclusão escolar.” (SILVA et al., 2006, p.04). Pensando nesta questão é importante que a formação do professor pesquisador passe também pela preocupação com as diversas potencialidades como também pelas suas limitações: “O dever dos professores é mediar a relação entre o aluno e o conhecimento, organizando o grupo e priorizando as atividades didáticas que possam ser significativas para a aprendizagem, de acordo com a realidade que trabalham e com o perfil de seus alunos.” (GOMES, 2003, p.270). Todavia, quase sempre "os professores têm dificuldades para compreenderem que seus alunos não compreendem. (...) [Pois alguns destes professores não aprenderam que] a construção do conhecimento é uma trajetória coletiva que o professor orienta, criando situações e dando auxílio, sem ser o especialista que transmite o saber, nem o guia que propõe a solução do problema". (PERRENOUD, 2000, p. 35; grifos do autor) E é dever da Universidade ensinar o futuro professor, e também o professor em exercício a ensinar o aluno de forma a orientá-lo, e não excluí-lo. No caso do Projeto: “INCLUSÃO SOCIAL E FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: Contribuições para a Educação Básica” o objetivo é colaborar com uma Escola Estadual, na Cidade de Uberlândia, Minas Gerais. Figura 1: Abertura da Escola para Atividades Lúdicas desenvolvidas por outras instituições. Fonte: http://www.institutoalgar.org.br, 2012. 4 A Escola Estadual é uma escola de Educação Formal, em três períodos alternados do Ensino Fundamental do 1º ao 9º ano. Conta atualmente com 846 alunos e 87 funcionários. Possui quatro salas de tempo integral para atender alunos em vulnerabilidade social. Em horários diferentes da escola comum, esses alunos são atendidos por profissionais especializados. A Escola Estadual também atende alunos com deficiências, entre eles cadeirantes, crianças com baixa visão, surdos, com hiperatividade, e outros com dificuldades de aprendizagem diversas. Também atende alunos oriundos de outras escolas na sala do AEE (Atendimento Educacional Especializado). Como a Escola já pratica a inclusão (figuras 1 e 2), a tarefa do deste projeto será ajudá-la a melhorar este atendimento educacional, proporcionando momentos de reflexão da própria prática por meio de atividades de formação continuada, e estimulando os professores a serem pesquisadores. Durante estas atividades os participantes do Projeto orientarão a elaboração de materiais didáticos, e de textos produzidos pelos próprios professores. Estas atividades serão fundamentais para assegurar os professores sobre o cotidiano escolar, melhorar sua autoestima, e consequentemente os processos de ensino e aprendizagem. Figura 2: Atividades Lúdicas desenvolvidas pelos professores da Escola em conjunto com as/os estudantes. Fonte: http://www.correiodeuberlandia.com.br, 2012. Uma das premissas deste Projeto foi a de que aprender a refletir a própria prática por meio da pesquisa está entre as competências que o professor precisa dominar. ainda em formação inicial na universidade. 5 Metodologia de Trabalho Este Projeto é uma pesquisa-ação, e de acordo com Thiollent (1985, p. 14) a pesquisa-ação pode ser definida como: (...) um tipo de pesquisa com base empírica que é conhecida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. A pesquisa, ainda está em andamento e tem como proposta passar por quatro momentos: No primeiro momento foi realizada uma reunião com todos os professores e outros funcionários da escola para discutir a questão da Inclusão Escolar. Nesta reunião todos os funcionários foram convidados a expor anseios, e expectativas em relação ao projeto, e a partir destas colocações foram descritos possíveis cursos de formação continuada. Todos foram convidados a elaborarem Projetos sobre Inclusão em sua Disciplina, e apresentá-los ao final do ano. A reunião (figura 3) também serviu para descobrir possíveis professores ministrantes nos cursos, pois os próprios colegas poderão contribuir com a formação continuada do outro. E juntos melhorar as condições de inclusão da escola. Figura 1: Primeira Reunião com os professores da Escola. Fonte: Arquivo do Projeto, 2012. No segundo momento e em posse dos primeiros dados, a equipe do projeto organizará os primeiros cursos e oficinas, além da atualização em serviço nas áreas de Informática, de Leitura e Escrita, e orientação na organização dos projetos de inclusão nas disciplinas. O terceiro momento será a organização do Curso de Especialização sobre Inclusão Escolar gratuito. Para isso serão buscadas parcerias entre a Universidade Federal de Uberlândia e o Estado de Minas Gerais, de forma a atender os professores da Escola Estadual Amador Naves 6 e outras pessoas interessadas. O Curso será de um ano, iniciando ainda no primeiro ano do Projeto. O quarto momento será a apresentação das atividades realizadas pelos professores e alunos ao longo no final primeiro ano do Projeto, no final do segundo, e no final do 3º ano. O compromisso da equipe será de fechar o ano letivo da escola, com melhorias nas práticas de todos os envolvidos. Durante os três anos do projeto a equipe incentivará os professores e outras pessoas interessadas a participarem de um grupo de estudo sobre inclusão e posterior produção de textos sobre o assunto. A organização de Grupo de Estudos permitirá a interação entre os participantes (chamados aqui de professores cursistas), o que será muito interessante para o valor interdisciplinar da questão abordada; por sua vez, o grupo de estudo é importante para a troca de ideias, e de análises sobre o referencial teórico. Nele será possível expor e também ouvir ideias e experiências de todos, assim como começar a escrever sobre as mesmas. Este grupo terá como finalidade servir como um Curso de Extensão e contribuir formalmente para a Formação Continuada dos professores cursistas. Nos Cursos e Oficinas serão utilizadas técnicas lúdicas e vivências como incentivo a motivação do professor para registrarem suas experiências e posterior produção de textos a partir das pesquisas e práticas docentes com inclusão em sala de aula. O Projeto prevê a Revisão do Referencial Teórico sobre Inclusão pelos membros da equipe e os professores cursistas que se interessarem em se envolver com maior tempo. Este momento de pesquisa bibliográfica será essencial para que todos os envolvidos conheçam o que já se pesquisou na temática de trabalho, e o que ainda está sendo discutido a nível nacional. Por sua vez, este referencial ajudará na organização da outras atividades previstas. No final do projeto, e com a participação de todos os professores envolvidos, serão organizados artigos para publicação em eventos científicos, culturais e de extensão assim como a publicação em periódicos. A Avaliação do Projeto ocorrerá em cada final de ano letivo, no qual escola abrirá para a comunidade e apresentará seus trabalhos. Os livros serão o registro acadêmico dessas atividades, organizado a partir de todas as contribuições e com as autorias dos próprios participantes do projeto. Considerações Finais O desestímulo ao trabalho docente é muito grave. Nas Escolas Públicas a rotatividade da equipe escolar é alta. Não há concursos suficientes para preencher a carência de professores e de pessoal de apoio. O salário não é proporcional à responsabilidade do (a) professor (a) o que 7 o (a) leva a trabalhar dois ou até três turnos para tentar sobreviver dignamente. Consequentemente, ele (a) tem pouco tempo (nenhum) para estudar e refletir sobre sua prática. Por sua vez, na escola encontram-se crianças com sérios problemas de aprendizagem, alguns são relativos ao tipo de deficiência sensorial que a criança apresenta. Outros problemas outros são “apenas” emocionais. Ao mesmo tempo, há crianças muito agitadas e dispersas. E estas não são atingidas pela aula convencional, pois são inquietas, ficam com pés e mãos se mexendo constantemente, deixam seu assento por qualquer motivo, falam excessivamente e têm dificuldades de brincar. Este tipo de dificuldade pode levar à falta de atenção. Mais tarde, apresentam dificuldades em seguir instruções ou concluir tarefas, o que levará ao não aprender. E como os professores estão lidando com tantas dificuldades em ministras suas aulas? A maioria dos professores que atua no sistema regular de ensino não teve acesso a conhecimentos relativos às necessidades especiais educacionais desses alunos em sua formação inicial. O que os leva à necessidade então de programas de formação continuada sobre esses conhecimentos, para assim viabilizar a construção de uma escola democrática, na perspctiva da educação inclusiva desses indivíduos. Por sua vez, os alunos das licenciaturas, ainda em formação na universidade, podem ter seus horizontes profissionais ampliados pela sensibilização da temática da educação inclusiva e por aprender a ensinar preocupado com as diferenças humanas. Considerando que a formação continuada permitirá a possibilidade de professores mais informados, mais dinâmicos, com conhecimentos mais amplos e em permanente processo de aprendizagem, os alunos se sentirão mais incluídos em seu ambiente escolar, pois todos os professores envolvidos no projeto terão esse mesmo objetivo. Por sua vez, estes alunos responderão ao estímulo de apoio e confiança com maior atenção às disciplinas, participação colaborativa na escola e fora do ambiente escolar, melhorando inclusive sua convivência no bairro. Pretende-se que o Projeto alcance diretamente os professores e outros funcionários da escola, e indiretamente, os alunos, suas famílias e a comunidade extraescolar, pois as famílias serão chamadas a participar das oficinas e a sentirem também acolhidas pela escola, assim como outras pessoas da comunidade que queiram participar dos cursos e das atividades culturais. A maior relevância do projeto está no incentivo à participação do Professor da Educação Básica na sua própria formação continuada, fazendo do seu dia a dia objeto de pesquisa. Isso ocorrerá ao longo do projeto, quando este se envolver nas oficinas e na especialização, em que 8 poderá pesquisar a sua prática, refletir e até mudar. O maior impacto será na melhoria da autoestima do professor, em aulas mais interessantes para os alunos, pois os professores estarão mais seguros e estimulados. Haverá também diminuição dos problemas de indisciplina e melhores resultados de aprendizagem, pois os alunos ao perceberem as aulas mais próximas de sua realidade ficarão mais interessados e motivados a aprender. O professor não pode esperar homogeneidade, mas estar atento para dar apoio e atenção a todos, especialmente aos que mais precisam. Incentivar a todos é uma tarefa do/a docente, estimulando a participação nas atividades, mostrando que não é vergonha ter dificuldade, cair ou andar de forma diferente, demorar mais para aprender, pois todos podem aprender. Elevar a auto-estima é preciso , assim como mostrar que o limite é relativo e depende de vários fatores; por isso mesmo não há como prever até aonde cada pessoa consegue chegar. Ser professor é assumir a árdua tarefa de possibilitar que seus alunos construam seus próprios conhecimentos. E isso não se encerra na sala de aula, por isso, a importância da universidade em trabalhar cada vez mais próxima das necessidades da sociedade atual contribuindo com um mundo melhor e mais humano. Referências BRASIL, Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Fundamental: Geografia. Brasília: MEC, 1997. DORZIAT, Ana. Bilinguismo e Surdez: para além de uma visão linguística e Metodológica. In: SKLIAR, Carlos (org.) Atualidade da educação bilíngue para surdos: Processos e projetos pedagógicos. Porto Alegre: Mediação, 1999. p.27-40. GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: A teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas. 1995. 257p. GOMES, Rejane T. D. Os Recursos didáticos e a mediação entre o aluno e o conhecimento nas aulas de Geografia. In: Anais... ENCONTRO NACIONAL DE PRÁTICA DE ENSINO DE GEOGRAFIA, 7o, 2003, UFSC. Vitória, 14 a 18 de setembro. p. 268-274. PERRENOUD, Philippe. Dez Novas Competências para Ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. 192 p 9 SILVA, Lázara Cristina da et al. CAS - Cursinho Alternativo para aprendizes surdos. CEPAE on line. [http://www.prograd.ufu.br/cepae.html]. Acessado em março de 2006. THIOLLENT. Michel. Metodologia da Pesquisa - ação: Cortez. São Paulo. 1985. 1 O DEVER DE CASA NOS PROJETOS DE AMPLIAÇÃO DA JORNADA ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL: O QUE SE VÊ DA “JANELA” TÂNIA DE FREITAS RESENDE41 TEREZA CRISTINA STARLING DE SOUZA42 ROBERTA ALVES OLIVEIRA43 MARIANA GADONI CANAAN44 LAÍS DA SILVA REIS45 Introdução Este texto tem como objetivo discutir resultados de uma pesquisa que investigou o tratamento dado ao dever de casa em escolas públicas de ensino fundamental que desenvolvem projetos de “tempo integral”, isto é, nas quais a jornada letiva foi estendida para 7 ou mais horas diárias. A pesquisa foi desenvolvida por meio do financiamento previsto no âmbito do Edital 13/2012 – CAPES/FAPEMIG, o qual prioriza investigações que permitam a elaboração de um diagnóstico de problemas da educação básica e a identificação de práticas que possam contribuir para a elevação da qualidade das escolas públicas. Nesse contexto, a presente pesquisa apresenta resultados que buscam: contribuir para a elevação da qualidade dos projetos de educação integral/em tempo integral e da educação básica de modo geral, ao analisar a questão do dever de casa nas experiências de ampliação da jornada escolar no ensino fundamental e, por meio desta, discutir elementos do currículo e da relação com as famílias na escola de tempo integral; diagnosticar como o dever de casa tem sido tratado no contexto de escolas que desenvolvem projetos de educação em tempo integral no ensino fundamental; discutir as concepções de educação em tempo integral, as diferentes escolhas curriculares a elas associadas e a relação família-escola nesse contexto. 41 Doutora em Educação, Professora da FaE-UFMG. Coordenadora da pesquisa, a qual contou com financiamento do Edital 13/2012 FAPEMIG/CAPES e da CAPES/OBEDUC. 42 Professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte – Bolsista de Pesquisa CAPES / OBEDUC 43 Graduanda em Pedagogia UFMG; bolsista de Iniciação Científica CAPES/OBEDUC 44 Bolsista de Apoio Técnico – FAPEMIG 45 Graduanda em Pedagogia UFMG; bolsista de Iniciação Científica CAPES/FAPEMIG 2 Vivemos um momento histórico de muitas mudanças no nível macro social, as quais acabam repercutindo dentro da escola. A escola pública vem passando por inúmeras modificações ao longo dos anos e no cenário atual há uma exigência de que assuma responsabilidades e compromissos educacionais bem mais amplos do que até então vinha assumindo. Até os anos 1990 a escola destina-se, efetivamente, a poucos, atingindo uma pequena parcela da população. Sua função primordial era a de instrução escolar e a ação social baseava-se em processos lineares de integração da comunidade sócio-cultural homogênea que a ela tinha acesso. Havia um esvaziamento das responsabilidades da escola, dentre outros fatores, pela precariedade de seu ambiente físico, pela redução da jornada e multiplicação dos turnos, pela desarticulação didático-pedagógica e pela baixa qualidade da formação dos profissionais da área, dentre outros aspectos. A partir da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 9394/1996 (LDBEN), em consonância com a mudança da sociedade brasileira, houve um investimento maior em busca de um espaço de democratização da educação, ampliando-se, assim, a compreensão dos processos formativos da educação. Tal lei dispõe que “a educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurando-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania, e fornecerlhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (art. 22). A LDBEN possibilita que a escola se organize de formas variadas, desde que observadas as normas curriculares e os demais dispositivos da legislação. A lei aponta para a perspectiva integral da educação, como estratégia de garantia de direitos, proteção e inclusão social para crianças, adolescentes e jovens em situação de pobreza. A ampliação da jornada escolar no ensino fundamental é hoje uma importante tendência no cenário educacional brasileiro, sendo, além da previsão legal, estimulada por políticas 46 públicas como o programa Mais Educação, do governo federal . Segundo o site do Programa Mais Educação, no ano de 2011 o Programa contava com a adesão de 14.995 escolas, abrangendo 3.067.644 estudantes de “tempo integral47”. A educação em tempo integral e em especial, através da estratégia representada pelo Programa Mais Educação, induz a organização do tempo e do currículo na perspectiva de uma educação que amplie significativamente as dimensões, os tempos, os espaços e as 46 O Programa Mais Educação visa induzir a ampliação da jornada escolar e a organização curricular na perspectiva da Educação Integral, por meio do aporte de recursos didático-pedagógicos e financeiros vinculados ao desenvolvimento de atividades em uma jornada de no mínimo 7 horas diárias. Ver: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16690&Itemid=1115. 47 Disponível: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16728&Itemid=1120. Acesso em 23/03/2015. 3 oportunidades formativas. Porém, cabe ressaltar que os programas de tempo integral implantados no país não seguem um modelo único de organização, observando-se diferentes formatos que revelam concepções distintas sobre a educação integral e sobre a própria função social da escola (MEC, 2010; CAVALIERE, 2007). Com a pesquisa e as entrevistas qualitativas realizadas nas escolas públicas (estaduais e municipais de Belo Horizonte e região metropolitana), percebemos os desdobramentos e impactos no funcionamento da instituição escolar. Dentre outras, a organização dos espaços e do tempo; a alimentação e higiene dos alunos; a adequação da estrutura e dos recursos; ao tipo e profissional envolvido, mas sobretudo, a relação das famílias com o tempo integral e o currículo proposto pela instituição analisada. Sendo esses dois últimos nosso objeto de pesquisa. E com a pesquisa, procura-se analisar tais aspectos abrindo uma janela e se debruçando sobre a sua composição e o que interfere nas relações no que se refere ao dever de casa. Nesse novo cenário, o dever de casa, que já é considerado uma prática pedagógica polêmica no contexto dos turnos parciais (CARVALHO, 2004; RESENDE, 2013) tem suscitado novos debates no âmbito da escola de tempo integral. Compreendidos como atividades pedagógicas prescritas por professores para serem realizadas pelos alunos fora do período de aulas, em geral no contexto doméstico, os “deveres de casa” ou “tarefas para casa” constituem uma prática já tradicional e até mesmo naturalizada no contexto escolar (PAULA, 2000). Classicamente considerado um dispositivo pedagógico bastante específico e, portanto, pouco focalizado nas pesquisas, o dever de casa tem sido, mais recentemente, tomado como objeto de estudos como “janela” para a análise das relações família-escola e/ou do currículo escolar. Com a implantação de uma jornada escolar de tempo integral, novas questões em relação ao dever de casa se colocam. Nos questionários respondidos via site e nas entrevistas e visitas, in loco, aos profissionais da escola, deparamos com inúmeras questões sendo abordadas pelos entrevistados. Dentre outras: É pertinente, nesse novo contexto, continuar prescrevendo deveres? Os objetivos definidos para a implantação dos deveres podem ou devem agora ser assegurados dentro da escola? Deve-se permanecer com os deveres de casa ou a escola caminha para a supressão dos mesmos? Quais seriam os objetivos dos deveres? Os deveres permanecem sendo realizados em casa, após a jornada letiva integral? O tempo integral disponibiliza um horário na sua dinâmica para a sua realização? No tempo integral é necessário disponibilizar um tempo para a elaboração dos deveres? Como organizar esse tempo? E dos pais? Qual profissional acompanhará a oficina? Qual o papel do professor do turno regular nesse processo? E do Coordenador do turno e contra-turno? Qual o papel da 4 família nesse processo? Qual a visão dos pais a respeito do dever de casa para a aprendizagem dos filhos/filhas? Quanto tempo a criança deve ocupar para a confecção do dever de casa? O dever de casa gera um ambiente de tensão ou colaboração entre escola e família? 1. A pesquisa A pesquisa foi desenvolvida nos seguintes municípios da região metropolitana de Belo Horizonte: Belo Horizonte, Contagem, Ribeirão das Neves, Lagoa Santa, Ibirité, Sabará. O critério para essa seleção foi contemplar todos os municípios que, no ano do estudo de campo (2014) tinham projetos de tempo integral sendo desenvolvidos em pelo menos dez escolas de sua rede pública municipal e autorizaram a realização do estudo48. Além disso, foram contempladas também as escolas estaduais do município de Belo Horizonte que participavam do Projeto Escola de Tempo Integral (PROETI) – o que nos interessou dado o formato diferente desse Programa em relação aos demais. Em um levantamento exploratório de informações sobre os programas de tempo integral desenvolvidos por essas redes de ensino, constatou-se que na sua grande maioria eles funcionavam conforme o modelo de “turno e contraturno”. Nesse modelo, as escolas mantêm um turno de “ensino regular”, organizado tal como antes da implantação do programa, e ampliam as oportunidades educativas ao ofertar atividades diversificadas no outro turno (contraturno). Considerando esse formato, foram elaborados três tipos de questionários: (1) para os responsáveis pelo programa de ampliação da jornada em cada escola (professores comunitários, coordenadores do contraturno); (2) para o(s) coordenador(es) pedagógico(s) (ou cargo equivalente) responsável(is), no turno regular, pelos mesmos alunos atendidos no programa de tempo integral (no caso, alunos do 1º ao 3º ano do ensino fundamental 49); (3) para os profissionais que acumulavam essas duas funções na escola. A aplicação desses três tipos de questionários teve como propósito diagnosticar, em termos gerais, como a questão do dever de casa tem sido tratada nas escolas participantes da pesquisa, identificando os desafios encontrados e as soluções já construídas pelas equipes escolares, bem como buscando levantar elementos sobre as concepções dos educadores – e confrontando 48 O município de Betim também foi contatado; porém, não foi incluído na pesquisa porque a autorização não foi fornecida em tempo hábil pela Secretaria Municipal de Educação. 49 O foco em turmas do 1° ao 3° ano do ensino fundamental foi definido por se tratar de um momento da escolaridade no qual, de forma geral, os deveres já são prescritos sistematicamente e, ao mesmo tempo, as crianças ainda tendem a ter pouca autonomia para realizá-los, necessitando da supervisão de adultos. 5 as perspectivas dos responsáveis pelo programa de extensão da jornada com as dos educadores do chamado “ensino regular”. Todos os questionários foram preparados em modelo digital, em website construído especificamente para este fim50. A opção pelo formato digital teve por objetivo otimizar a coleta, a organização e a análise dos dados, gerando maior rapidez, precisão e confiabilidade na construção de tabelas e gráficos, ao substituir/automatizar uma série de tarefas que seriam demandadas pela distribuição de questionários impressos em um número expressivo de escolas e pela tabulação manual das respostas. Cabe ressaltar que a elaboração dos questionários foi uma tarefa bastante complexa, uma vez que os programas de tempo integral constituem realidades muito recentes no Brasil e se observa uma grande variabilidade em sua forma de organização – além das variações já existentes quanto à organização do ensino regular (por exemplo, organização em séries, anos ou ciclos; forma de divisão do trabalho da coordenação pedagógica, dentre outros aspectos). Para a aplicação dos questionários, enviou-se uma correspondência digital aos responsáveis pelo turno e pelo contraturno de todas as escolas envolvidas nos programas de ampliação da jornada das redes de ensino participantes da pesquisa. A correspondência, contendo a apresentação da pesquisa e um link para o questionário digital, foi enviada para 734 profissionais de 356 escolas. Com relação a esses números, cabe observar que, embora a ideia básica fosse o envio de duas correspondências para cada escola (uma para o coordenador do programa de tempo integral na escola e outra para o coordenador pedagógico das turmas de 1º ao 3º ano do ensino fundamental), há escolas com mais de um coordenador pedagógico para o 1º ciclo (podendo essa divisão de trabalho acontecer por área, por turno, por turmas, etc.) e escolas em que uma única pessoa acumula as funções de coordenador pedagógico e de coordenador do tempo integral. Responderam ao questionário, ao todo, 206 profissionais de 173 escolas. O município de Belo Horizonte foi o que teve mais forte representação na pesquisa, tanto pelo maior número total de escolas e de profissionais quanto pelas taxas de resposta em geral maiores (Tabela 1). Dentre os profissionais que responderam ao questionário, 51,5% eram responsáveis pelo programa de tempo integral da escola, 33,5% eram coordenadores ou supervisores pedagógicos e 15% acumulavam essas duas funções. 50 Todo esse trabalho foi realizado por toda a equipe de pesquisa, desde a elaboração dos questionários até a geração dos mesmos em plataforma virtual. Como principal ferramenta utilizamos o SurveyMonkey para questionários pela web (https://pt.surveymonkey.com ) . 6 Tabela 1 Número de escolas e de profissionais que receberam e que responderam ao questionário, por município e rede de ensino Profissionais Município Escolas que Escolas que Profissionais que que - Rede de RECEBERAM RESPONDERAM RESPONDERAM RECEBERAM Ensino o questionário o questionário o questionário o questionário Belo Horizonte 163 89 348 103 Municipal Belo Horizonte 72 40 150 51 - Estadual Contagem 45 18 80 20 Municipal Ibirité 13 5 24 11 Municipal Lagoa Santa 15 7 32 8 Municipal Ribeirão das Neves 32 10 66 8 Municipal Sabará 16 4 34 5 Municipal Total 356 173 734 206 Fonte: dados da pesquisa Na segunda etapa da pesquisa de campo, selecionamos algumas escolas para estudos de caso. A partir das respostas ao questionário, buscamos contemplar instituições com diferentes realidades que apresentassem diferenciais na resolução de problemas com o dever de casa e/ou na dinâmica de comunicação entre suas equipes, e/ou ainda, na articulação entre família e escola. Foram visitadas oito instituições, todas de Belo Horizonte, sendo quatro da rede municipal e quatro da rede estadual de ensino51. Realizaram-se, ao todo, 11 entrevistas - com coordenadores do turno, do contraturno e com outros educadores (professores, diretora) -, além de análise de documentos, observações, contatos informais com oficineiros e com outros profissionais das escolas. 51 A circunscrição ao município de Belo Horizonte foi resultante tanto da aplicação dos critérios mencionados para a seleção das escolas quanto de questões operacionais (aceite da escola, compatibilização de agendas, organização dos deslocamentos, etc.). 7 3. Resultados parciais da pesquisa quanto ao tratamento dado ao dever de casa nos programas de tempo integral investigados e à relação da escola com as famílias A grande maioria das escolas participantes da pesquisa desenvolve projetos de ampliação da jornada em que as crianças permanecem 7 ou mais horas diárias em atividades escolares, podendo essa jornada chegar a 9 horas52. Nesse contexto, observam-se diversas situações em relação à realização dos deveres de casa pelos alunos, como indica a Tabela 2, a seguir: Tabela 2 Situação das crianças do 1º ao 3º ano do ensino fundamental que frequentam o programa de tempo integral da escola, em relação ao dever de casa, segundo os profissionais que atuam no programa* Nº de Situação em relação aos deveres de casa respostas % As crianças não têm deveres de casa. As crianças fazem os deveres em casa. As crianças fazem os deveres no contraturno. As crianças fazem alguns deveres no contraturno, outros em casa. Somente algumas crianças e/ou turmas fazem os deveres de casa no contraturno. Nenhuma criança faz dever no contraturno, mas não sei informar se as crianças têm deveres ou não. Não responderam a questão Total *Nesta tabela estão agrupados os dados dos questionários (1) e (3), ou 5 10 43 37 3,5 7,5 31,5 27,0 31 22,5 6 4,5 5 137 3,5 100,0 seja, coordenadores do contraturno e profissionais que acumulam essa função com a de coordenação do ensino regular. Fonte: dados da pesquisa Observa-se que pouquíssimas escolas chegaram a suprimir completamente os deveres de casa. A grande maioria prescreve deveres e, na maior parte dos casos, há situações de realização destes na escola, seja por todos os alunos que participam do programa de ampliação da jornada (31,5% das respostas), seja por alguns deles (22,5%), ou seja, ainda, em alternância com a realização de deveres no espaço doméstico (27%). É reduzido o número de respondentes segundo os quais os deveres são realizados sempre em casa (7,5%). Tal realidade já indica, para as instituições retratadas nesta pesquisa, certa reconfiguração na 52 Considerando as escolas cujos profissionais responderam à questão sobre a duração da jornada letiva (n= 137), 97 % têm jornadas com 7 ou mais horas diárias, todos os dias da semana, sendo que em 23,5% dos casos, a jornada tem 9 ou mais horas letivas por dia. 8 divisão do trabalho educacional entre família e escola, no que tange aos deveres de casa e ao acompanhamento à escolaridade por parte da família que eles, tradicionalmente, pressupõem. Na atual fase da pesquisa, estamos analisando as respostas a outros itens do questionário (inclusive questões abertas), bem como as transcrições das entrevistas, na busca de identificar que tipo de concepções a respeito das famílias, por parte dos educadores escolares, tem orientado suas interações nesse novo contexto. As análises preliminares indicam a presença de visões assistencialistas, deficitaristas e renuncistas a respeito das famílias (CAVALIERE, COELHO E MAURÍCIO, 2013); ou seja, os deveres de casa passam a ser realizados na escola, muitas vezes, em um contexto que reforça a desvalorização das famílias de camadas populares, vistas pelos professores como omissas em relação ao acompanhamento da vida escolar dos filhos ou como “deficitárias” no sentido de não terem condições de fazer nenhum tipo de acompanhamento. Essa foi uma perspectiva bastante recorrente nos discursos, embora tenha havido também outros depoimentos que apontam para uma visão mais democrática na qual a escola se coloca junto às famílias como co-responsável pela tarefa educacional, positivando o tipo de contribuição que a família tem a oferecer. 3. Algumas discussões preliminares Não é objetivo desta pesquisa apresentar uma definição clara e segura sobre a prescrição ou não dos deveres de casa nas escolas de tempo integral, ou sobre sua realização no contexto da escola ou não. Mas entendemos que o tempo integral e a elaboração dos deveres nessa nova configuração de escola merecem uma discussão mais aprofundada e o nosso objetivo é, diagnosticando como o problema tem sido abordado nas redes de ensino, trazer à tona elementos significativos para essa discussão. Nesse sentido, a pesquisa, embora ainda em fase inicial de análise dos dados, parece trazer questões importantes para serem compreendidas pelos protagonistas desses programas. Tais considerações perpassam sobre quais concepções de educação essa comunidade educativa defende, qual é o real papel do dever de casa para a comunidade, e como a escola lida com o projeto de tempo integral. Há realmente uma integração entre seus protagonistas? Existe de fato uma escola integrada numa escola de tempo integral? Constatamos que a integração da escola do turno com a do contraturno parece acontecer mais facilmente nas instituições em que a gestão é participativa e presente, e possui um papel articulador e de liderança entre os seus protagonistas. Quando não há esse elemento articulador, seja na figura da direção, coordenação do turno e/ou do contraturno, ou de um 9 professor ou grupo de professores, a integração entre turno e contraturno não acontece, portanto, funcionam duas escolas num mesmo espaço, mas sem articulação e compreensão de que os alunos são os mesmos. Há um outro aspecto que merece que nos debrucemos melhor sobre ele, que são os critérios de escolha dos deveres, associados diretamente à sua função. Nas entrevistas qualitativas com os coordenadores do turno e contraturno, percebemos ser frequente, os deveres não serem bem compreendidos pelos monitores e coordenadores. Questões que, antes do tempo integral, eram tratadas de forma conflituosa no espaço família/escola (pais que não conseguem explicar o dever, alunos que não compreendem os comandos, deveres extensos ou curtos, deveres com alto grau de facilidade ou de dificuldade, dentre outros questionamentos) passam a fazer parte das discussões internas na escola, sendo que em algumas escolas, para enfrentar e resolver tais conflitos, a coordenação assume o papel da elaboração de deveres para todos os alunos do turno, para que não haja maiores problemas quanto à resolução dos mesmos. Enfim, diversos são os aspectos a serem aprofundados nas análises que se seguirão, confirmando que o dever de casa pode funcionar como “janela” para entender a relação entre turno e contraturno, as concepções de educação integral, o currículo e a relação entre escolas e famílias no contexto dos programas de ampliação da jornada escolar. 4. Alguns apontamentos sobre o financiamento por meio do Edital 13/2012 FAPEMIG/CAPES O Edital supramencionado constitui uma iniciativa inovadora e de grande relevância, ao fomentar pesquisas voltadas para a Educação Básica brasileira e para seu aperfeiçoamento, em um momento no qual existe certo consenso social da urgência de se qualificar esse nível de ensino. Ao focalizar uma questão emergente na Educação Básica, qual seja, os projetos de tempo integral, muitas vezes apontados como uma das alternativas para a busca de maior qualidade educacional, esperamos também dar nossa contribuição nesse processo. Nesse sentido, o financiamento de uma pesquisa com foco na Educação Básica é um primeiro aspecto positivo a ser destacado. Além disso, em nosso caso o financiamento - ao contemplar bolsas de apoio técnico e de iniciação científica com duração correspondente à do projeto – possibilitou a realização de toda a pesquisa com uma mesma equipe, o que foi altamente positivo, pois todas as participantes acompanharam o processo da pesquisa por completo, o que contribuiu fortemente para a compreensão de todo seu processo, para o desenvolvimento das diversas etapas conforme previsto e para o alcance dos resultados objetivados. 10 Cabe destacar, ainda, a vinculação de um professor de educação básica – que no nosso caso ocorreu por meio do Observatório da Educação (OBEDUC/CAPES), mas era prevista em algumas das linhas de financiamento do Edital 13/2012 –, a qual trouxe experiências e questões que ecoam na própria escola. Porém a articulação com a escola ficou frágil e a inserção do próprio professor como pesquisador foi dificultada pelas condições de trabalho (compatibilização de horários, pouco tempo disponível para dedicação à pesquisa). 6. Referências bibliográficas CARVALHO, M.E.P. (2004). Escola como extensão da família ou família como extensão da escola? O dever de casa e as relações família-escola. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 25, p. 94-104. CAVALIERE, A.M. (2007). Tempo de escola e qualidade na educação pública. Educação e Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100, p. 1015-1035. CAVALIERE, A.M., COELHO, L.M., MAURÍCIO, L.V. (2013). Implicações da ampliação do tempo escolar nas relações entre família e escola. In: ROMANELLI, G., NOGUEIRA, M.A., ZAGO, N. Família & escola: novas perspectivas de análise. Petrópolis, Vozes. P. 257277. MEC – Ministério da Educação. (2010). Educação integral / educação integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira. Brasília: MEC/SECAD.Disponível:http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=arti cle&id=16727&Itemid=1119 Acesso em 12/09/2012. PAULA, F. A. (2000). Lições, deveres, tarefas, para casa: velhas e novas prescrições para professoras. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Educação. Unicamp, Campinas/SP. RESENDE, T. F. (2013). Pela “janela” do dever de casa, o que se vê das relações entre escolas e famílias? In: NOGUEIRA, M.A., ROMANELLI, G. e ZAGO, op. cit. p. 199-219. 1 INTERDISCIPLINARIDADE E EDUCAÇÃO TULA DE VITO FRANCO* Resumo Neste texto apresentamos reflexões sobre o conceito de interdisciplinaridade, a partir de uma pesquisa bibliográfica. O objetivo é trazer esclarecimentos sobre essa ideia para fundamentar estudos para uma prática educativa interdisciplinar. Recorre-se a Fazenda (2011), Gallo (2000), Lück (2010), MORIN, (2005) e JAPIASSU (1976), entre outros. Parte-se de uma referência histórica sobre a concepção integrada do munda na Grécia Antiga para uma discussão e contextualização do tema em questão. Palvras-chave – Interdisciplinaridade. Educação. Processo educativo. Introdução Apesar da noção de interdisciplinaridade ser atual, ela já fazia parte das práticas na Grécia Antiga. Platão (420–480 a. C.), discípulo de Sócrates, em seu manuscrito “Diálogos”, aparece como interlocutor e personagem em diversas conversas baseadas em temas filosóficos, sobre temas diversos, revela em sua filosofia que a integração era uma ciência unificadora. Para Platão, o rei deveria ser o portador do conhecimento universal (CASTORIADIS, 2001). Aristóteles (sec. IV e V a. C.), discípulo de Platão, ensinou uma filosofia baseada na organização do conhecimento e entendia o conjunto de ciências como um sistema integrado. A complexidade do real constituía um todo coeso, daí sua ideia de um sistema do conhecimento. Dessa maneira, Aristóteles concebeu a ideia de que esta totalidade orgânica, que é o mundo, deveria ser refletida no sistema das ciências, de modo que o conhecimento formasse uma unidade que, como um organismo vivente, pode crescer e transformar-se sem perder sua unidade. Assim, o pensamento de pretensões universalistas foi adotado por uma diversidade de povos e de costumes. Mas, no entanto, não foi elaborado nenhum projeto educacional universalista. O intuito não era o de educar os povos, mas em muitas vezes, impor uma nova ordem. *Universidade de Uberaba -UNIUBE. Mestrado em Educação. Agências financiadoras: CAPES/ FAPEMIG. Essa ideia de integração também se explicitava na arte grega. O período que abrigou maior número de obras que influenciaram as civilizações posteriores é o clássico. Nele é possível reconhecer uma unidade ideológica e formal, com aporte em uma filosofia antropocêntrica. 2 Em um aspecto, a feição naturalista do homem e, de outro, a tendência idealista expressa em regras definidoras de proporções e de relações formais para as criações artísticas. Ao mesmo tempo, identifica-se o conceito de paideia, como um sistema de formação integral, visando a formação do homem grego. A arte exprimia a harmonia, a perfeição, o equilíbrio e o ritmo ideais, enfim, o sentido de integração que se buscava na paideia. Exemplo de criação artística dessa época grega é “Dorífero”, de Policleto de Argos, cuja cópia está exposta no Museu Arqueológico Nacional de Nápoles. Policleto de Argos, Dorífero, Grécia Clássica. Analisando o espírito integrador do pensamento grego, o filósofo alemão Schiller reflete que a cultura deve cuidar para que a razão se constitua pelo desdobramento interligado dos distintos domínios que a compõe, o que supõe uma mobilização total das potencialidades humanas. Esta totalidade dos diferentes domínios do humano, que Schiller percebe fragmentados e isolados em seu tempo, no entanto, estava harmoniosamente integrada na cultura grega arcaica, como lemos na VI carta sobre a educação estética da humanidade: Naqueles dias do belo acordar das forças espirituais, os sentidos e o espírito não tinham, com rigor, domínios separados. [...] Por mais alto que a razão subisse, arrastava sempre consigo, amorosa, a matéria, e por finas e nítidas que fossem as suas distinções, nada ela mutilava. Embora decompusesse a natureza humana para projetá-la, aumentada em suas partes, no maravilhoso círculo dos deuses, não o fazia rasgando-a em pedaços, mas sim compondo-a de maneiras diversas, já que em deus algum faltava a humanidade inteira. Quão outra é a situação entre nós mais novos. [...] Eternamente acorrentado a uma pequena partícula do todo, o homem só pode formar-se enquanto partícula (SHILLER, 2009: 48). Se apresentamos essas ideias sobre o espírito integrador no pensamento ocidental, não o fazemos com o intuito de esgotar essas reflexões. Apenas queremos mostrar que ao falarmos 3 de interdisciplinaridade, de integração na construção do conhecimento, ou de uma prática interdisciplinar, não estamos apresentando algo novo. A interdisciplinaridade A noção de disciplina é fundamental para que se possa entender o desenvolvimento das ciências, do pensamento humano. É uma categoria organizada dentro das diversas áreas do conhecimento que as ciências abrangem. Para se entender o termo interdisciplinaridade, devese partir da noção de disciplina. A organização disciplinar foi instituída no século X com a formação das universidades modernas; desenvolveu-se, depois, no século XX, com o impulso dado à pesquisa científica; isto significa que as disciplinas têm uma história: nascimento, institucionalização, evolução, esgotamento, etc; essa história está inscrita na da Universidade, que, por sua vez, está inscrita na história da sociedade; MORIN (2002:105). A disciplina é uma maneira de organizar, de delimitar, ela representa um conjunto de estratégias organizacionais, uma seleção de conhecimentos que são ordenados para apresentar ao aluno, com o apoio de um conjunto de procedimentos didáticos e metodológicos para seu ensino e de avaliação da aprendizagem. Segundo FAZENDA (1999:66): “a indefinição sobre interdisciplinaridade origina-se ainda dos equívocos sobre o conceito de disciplina”. A polêmica sobre disciplina e interdisciplinaridade possibilita uma abordagem pragmática em que a ação passa a ser o ponto de convergência entre o fazer e o pensar interdisciplinar. É preciso estabelecer uma relação de interação entre as disciplinas, que seriam a marca fundamental das relações interdisciplinares. O conhecimento só foi fragmentado em grandes áreas a partir da visão mecanicista de mundo, de Descartes. Morin e Le Moigne afirmam que “Descartes, ao propor o problema do conhecimento, determina dois campos de conhecimento totalmente separados, totalmente distintos” (2000:27). Tais campos distintos foram reconhecidos como sujeito e objeto. Essa separação foi decisiva para o desenvolvimento científico e influenciou os processos de construção, aquisição e disseminação do conhecimento. Morin (1991:48) afirma que “[...] a ciência ocidental baseou-se sobre a eliminação positivista do sujeito a partir da idéia que os objetos, existindo independentemente do sujeito, podiam ser observados e explicados enquanto tais”. Uma vez que a fragmentação do Conhecimento foi decorrente das rupturas dos séculos anteriores e da especialização do trabalho na civilização industrial, tal fragmentação só se 4 desenvolveu, de fato, a partir do século XIX, tendo em vista que, “até ao século XVIII, todos os grandes pensadores tinham uma formação universal” e que, “embora se apoiando em epistemologias racionalistas e empiristas e em antropologias e cosmologias bi e unidimensionais, sempre buscaram, cada um à sua maneira, uma unidade do Conhecimento” (SOMMERMAN, apud DÓREA, 2012:4). Além disso, a organização disciplinar instituída no século XIX foi ocasionada pela formação das universidades modernas. Desenvolveu-se, depois, no século XX, com o impulso dado à pesquisa científica; isso significa que as disciplinas têm uma história: nascimento, institucionalização, evolução, esgotamento, etc. Essa história está inscrita na história da Universidade, que, por sua vez, está inscrita na história da sociedade (MORIN, 2002:105). Para Maria Cândida Moraes (2000), a separação entre corpo e mente teve grandes influências na educação e, consequentemente, no desenvolvimento das disciplinas curriculares. Todavia, ela reforça que a estruturação do currículo escolar em disciplinas foi também impulsionada pela política de fragmentação do processo de produção industrial ocorrida no final do século XIX. Essa separação do conhecimento em disciplinas autônomas está vinculada ao processo de transformação cultural ocorrido nos países europeus mais desenvolvidos, pois a industrialização acabou gerando a necessidade de especializações de acordo com a separação do processo de produção. A interdisciplinaridade vem sendo discutida e estudada desde a década de 1960, e especificamente na educação a partir dos anos de 1980 (GALLO, 2000). São vários os significados atribuídos ao conceito de interdisciplinaridade e, apesar da grande variedade de definições, seu sentido geral pode ser definido como a necessidade de interligação entre as diferentes áreas do conhecimento, conforme afirmam Araújo (2003), Fazenda (1979), Gallo (2000), Lück (2010) e Morin (1990). Para efeito de discussão sobre interdisciplinaridade, é importante primeiramente refletir sobre o termo que a designa. Deste modo, FAZENDA (2008:18-19) esclarece que: A palavra interdisciplinaridade evoca a “disciplina” como um Sistema constituído ou por constituir, e a interdisciplinaridade sugere um conjunto de relações entre disciplinas abertas sempre a novas relações que se vai descobrindo. Interdisciplinar é toda interação existente dentre duas ou mais disciplinas no âmbito do conhecimento, dos métodos e da aprendizagem das mesmas. Interdisciplinaridade é o conjunto das interações existentes e possíveis entre as disciplinas nos âmbitos indicados. Essa educadora aponta, ainda, que as disciplinas são divididas em duas vertentes diferentes: as disciplinas escolares e as científicas. Portanto, faz-se necessário diferenciá-las para que um 5 entendimento sobre a interdisciplinaridade na educação se construa de forma mais consciente. Para isso, a autora esclarece: [...] a interdisciplinaridade escolar trata das “matérias escolares”, não de disciplinas científicas. Mesmo se as matérias escolares tomam certos empréstimos às disciplinas científicas, não constituem cópias de maneira alguma, nem tampouco resultam de uma simples transposição de saberes eruditos (FAZENDA, 2011:47). A interdisciplinaridade na educação é discutida por inúmeros autores, sobretudo por aqueles que pesquisam as teorias curriculares e as epistemologias pedagógicas. Para esses, a interdisciplinaridade é uma forma de articulação no processo de ensino e de aprendizagem, vista como uma atitude (FAZENDA, 2002), um novo jeito de repensar a educação (MORIN, 2005), um pressuposto de organização curricular (JAPIASSU, 1976), um fundamento para as opções metodológicas do ensinar (GADOTTI, 2004) e ainda, um elemento orientador na formação de profissionais da educação (PIMENTA, 2002). De maneira geral, ainda que não exista uma definição concreta para o tema – já que o mesmo permanece em constante construção – é perceptível nos estudos de muitos teóricos um consenso quanto a finalidade da interdisciplinaridade na educação, onde muitos concordam tratar-se de uma busca pela desfragmentação dos processos de produção e socialização do conhecimento. Em uma perspectiva moderna, a interdisciplinaridade pode ser apreendida como um movimento de interação no processo de ensino e aprendizagem, que visa romper com a postura curricular cartesiana e mecanicista adotada e até então enraizada nas escolas de ensino formal e superior. O objetivo é a reestruturação das práticas pedagógicas atuais, através de uma educação mais integradora, dialética e totalizadora. Para Gadotti (2004), a interdisciplinaridade propõe a construção de um conhecimento ainda mais abrangente, que ultrapasse as fronteiras das disciplinas, mas sem desconsiderá-las. Nesta perspectiva, para superar as limitações da disciplinaridade, alcançando a interdisciplinaridade, conclui-se que apenas integrar conteúdos não é suficiente. Assim sendo, (FAZENDA, 2000:85) sustenta que: [...] a integração deve ocorrer como produto de uma aprendizagem completa, mais com pessoas do que com conteúdos, como um processo interno de compreensão do que ocorre no aprendiz, como uma abertura para novas possibilidades. Portanto, para que a integração aconteça de fato, é essencial o comprometimento das pessoas envolvidas neste trabalho. Em uma abordagem interdisciplinar é necessário, antes de tudo, a existência de iniciativas por parte dos educadores, do que Ivani Fazenda intitula de mudança de atitude, onde “a atitude do professor é de um mediador momentâneo, colocando em prática as condições didáticas 6 favoráveis às orientações de integração” (2001:54). O professor precisa desenvolver uma visão integradora da realidade, que compreenda que por mais profundo que seja o seu entendimento em sua área de formação, isso não é o suficiente para dar conta de todo o processo de ensino. Ele precisa apropriar-se também das múltiplas relações conceituais que sua área de formação estabelece com as outras disciplinas e ter o entendimento de que, com essa atitude, o conhecimento da disciplina que leciona não deixará de ter seu caráter de especialidade, sobretudo quando profundo, sistemático, analítico, meticulosamente reconstruído. A temática da interdisciplinaridade, por mais que apareça nos discursos das universidades e escolas durante a elaboração dos planos de ensino, ainda assim continua a representar um desafio para a superação do referencial opositor e parcelado da construção e socialização do conhecimento. Diante desse mundo globalizado, que apresenta muitos desafios ao homem, a educação manifesta a necessidade de se romper com modelos tradicionais para o ensino. É importante destacar, tendo em vista tais reflexões, as considerações sobre a Educação para o século XXI, incorporadas na UNESCO. Em 1998, as Edições Unesco Brasil editou “Educação: Um Tesouro a Descobrir”, relatório da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI. As teses desse documento passaram a integrar os eixos norteadores da política educacional nessa época. Os quatro pilares da Educação contemporânea, citada por esse relatório da UNESCO são: aprender a ser aprender a fazer, aprender a viver juntos, e aprender a conhecer. Esses eixos devem constituir ações permanentes que visem à formação do educando como pessoa e como cidadão. Nessa relação que liga os quatro pilares da educação, e considerando a rapidez com que ocorrem as mudanças na área do conhecimento e da produção, exigindo uma atualização contínua e colocando novas exigências para a formação do educando, a interdisciplinaridade pode, também, inserir-se na ousadia de novas abordagens de ensino, na educação básica e especialmente nos cursos de formação de professores. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (BRASIL, 1999), a reorganização curricular determinada em áreas de conhecimento, estruturada pelos princípios pedagógicos da interdisciplinaridade, da contextualização da identidade, da diversidade e autonomia, vai redefinir uma relação entre os sistemas de ensino e as escolas. Essa proposta proporciona uma influência mútua entre as áreas curriculares e facilita o desenvolvimento dos conteúdos, numa perspectiva de interdisciplinaridade e contextualização. O caráter disciplinar do ensino formal dificulta a aprendizagem do aluno, não estimula ao desenvolvimento da inteligência, de resolver problemas e estabelecer conexões entre os fatos, 7 conceitos, isto é, de pensar sobre o que está sendo estudado. “O parcelamento e a compartimentação dos saberes impedem apreender o que está tecido junto” (MORIN, 2000:45). A interdisciplinaridade não dilui as disciplinas, ao contrário, mantém sua individualidade. Mas integra as disciplinas a partir da compreensão das múltiplas causas ou fatores que intervêm sobre a realidade e trabalha todas as linguagens necessárias para a constituição de conhecimentos, comunicação e negociação de significados e registro sistemático dos resultados, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais-PCNs (BRASIL, 1999:89). Para que ocorra a interdisciplinaridade não se trata de eliminar as disciplinas, trata-se de torná-las comunicativas entre si, concebê-las como processos históricos e culturais, e sim torná-la necessária a atualização quando se refere às práticas do processo de ensinoaprendizagem. Segundo os PCNs (BRASIL,1999), a reorganização curricular em áreas de conhecimento tem o objetivo de facilitar o desenvolvimento dos conteúdos, numa perspectiva de interdisciplinaridade e contextualização. A proposta da interdisciplinaridade é estabelecer ligações de complementaridade, convergência, interconexões e passagens entre os conhecimentos. O currículo deve contemplar conteúdos estratégias de aprendizagem que capacitem o aluno para a vida em sociedade, a atividade produtiva e experiências subjetivas, visando à integração. De acordo com Morin (2000), as disciplinas como estão estruturadas só servem para isolar os objetos do seu meio e isolar partes de um todo. A educação deve romper com essas fragmentações para mostrar as correlações entre os saberes, a complexidade da vida e dos problemas que hoje existem. Caso contrário, será sempre ineficiente e insuficiente para os cidadãos do futuro. Essa inadequação de como as disciplinas são trabalhadas, de saberes divididos, compartimentados não está de acordo com a realidade que é global, as relações entre o todo e as partes, impedem a contextualização dos saberes. Essa maneira de isolar os conhecimentos, de compartimentá-los, causa à incapacidade de considerar o saber contextualizado e globalizado. Enfatiza MORIN (2000:43): “a inteligência parcelada, compartimentada, mecanicista, disjuntiva e reducionista rompe o complexo do mundo em fragmentos disjuntos, fraciona os problemas, separa o que está unido, torna unidimensional o multidimensional”. O ensino formal, todo estruturado e institucionalizado em torno de disciplinas e conteúdos delimitados que não tem nada a ver com o mundo real das pessoas, torna a aprendizagem do 8 aluno artificial e desinteressante. E essa estrutura disciplinar hierarquizada severa do sistema escolar, muitas vezes acaba tornando difícil uma tentativa de atitude interdisciplinar. Considerações finais Em um projeto de pesquisa interdisciplinar é necessário determinar o valor de cada disciplina, discutir-se em nível teórico, suas estruturas e a intencionalidade de seu papel no currículo escolar. Esses fundamentos possibilitam entender que a interdisciplinaridade é muito mais que uma simples integração de conteúdos. O bom professor é aquele que conhece bem sua matéria, que tem uma boa compreensão entre as várias disciplinas e que conheça como os alunos constroem seus conhecimentos, desenvolvem suas capacidades mentais e na prática saber estimular esse processo de ensinoaprendizagem. Mas, igualmente, deve ser o que está aberto a integrações, interações e construção interdisciplinar do conhecimento. Referências ARAÚJO, Ulisses Ferreira de. A construção de escolas democráticas: histórias sobre resistências, complexidades e mudanças. São Paulo: Moderna, 2002. BRASIL, Secretaria da Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Ministério da Educação. Brasília, 1999. CASTORIADIS, C. Post-scriptum sobre a insignificância: entrevista a Daniel Mermet. Tradução de Salma T. Buchail e M.L. Rodrigues. São Paulo: Veras, 2001. DÓREA, M.A.S. Fragmentação do conhecimento e dicotomização dos saberes no processo de formação docente. 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CLARICE ALVES DE ARAUJO53 ANDRÉ LUIS OLIVEIRA54 LUCIANA BEATRIZ DE OLIVEIRA BAR DE CARVALHO55 INTRODUÇÃO Como integrante do OBEDUC– Observatório da Educação Básica da UNIUBE, que desenvolve pesquisas relativas à Educação Básica, passei a investigar a existência do PROLER. O observatório é um programa da CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — com parceira da FAPEMIG – Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais — que visa, essencialmente, à articulação entre pós-graduação, licenciaturas, educação básica, objetivando a formação de pós-graduados em mestrado e doutorado. O PROLER é um Programa de Incentivo à Leitura vinculado ao MinC, instituído em 1992, por meio do Decreto presidencial nº 519 e assinado pelo então presidente da República Fernando Collor de Melo e, o OBEDUC se propôs fazer uma análise do programa. Essa pesquisa tem como objetivo geral examinar a produção acadêmica sobre o PROLER compreendida entre os anos de 1992-2012. Os objetivos específicos estão traduzidos na identificação da trajetória política e histórica do PROLER, em reconhecer seu perfil ideológico e ainda examinar se o Programa atende à sua proposta inicial. 53 Mestre em Políticas públicas UNIUBE/OBEDUC/ acordo FAPEMIG/CAPES Graduado em História. Membro do OBEDUC/UNIUBE/FAPEMIG/CAPES 55 Dra. Doutora em Educação pela UNICAMP, Professora do Programa de Mestrado em Educação da UNIUBE. Autora do projeto “As políticas publicas de incentivo à leitura: uma (re) leitura do programa Nacional de incentivo à leitura (PROLER) e suas implicações no IDEB no município de Uberaba” em atendimento ao Edital 54 13/2012 Pesquisa Educação Básica (acordo FAPEMIG/CAPES). 2 O problema surge no próprio contexto histórico em que o PROLER foi criado. Constatava-se, no Brasil, baixos índices de letramento da população e, conforme demonstração das pesquisas do IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (HANRRIKSON, 2013), a redução desses índices durante os 20 anos do PROLER, não foi satisfatória. É considerada alfabetizada qualquer pessoa que seja capaz de escrever um pequeno bilhete (HANRRIKSON, 2013). São 13,2 milhões de pessoas analfabetas, 2 milhões a mais que toda a população de São Paulo. Já analfabetismo funcional56, ainda constatado pelo instituto e que representa a população com menos de 4 anos de escolaridade atinge 28,4% da população brasileira. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA/IBGE, 2012). Isso significa que mais que um quarto da população brasileira não consegue interpretar e agir no mundo, ou melhor, na sociedade do conhecimento (HANRRIKSON, 2013). De toda a população brasileira, 53,1% não têm ensino médio completo. O PROLER, que em sua origem ambiciona minimizar esse quadro, construiu uma história, possui uma ideologia e uma práxis. Analisando a perspectiva de outras pesquisas e pesquisadores, o programa é eficaz na promoção da leitura e na conquista de novos leitores? Pesquisas dessa natureza são de cunho bibliográfico e documental, tendo como fonte primária teses, dissertações, artigos periódicos e outras publicações científicas referentes ao tema abordado. Tem o desafio de mapear e discutir uma certa produção acadêmica em diferentes campos do conhecimento. É, portanto um levantamento bibliográfico [...] de caráter inventariante e descritivo da produção acadêmica e científica sobre o tema que busca investigar, à luz de categorias e facetas que se caracterizam enquanto tais em cada trabalho e no conjunto deles, sob os quais o fenômeno passa a ser analisado. (JUNGES; REMER, 2011, p. 3). Para Romanowsky e Ens (2006, p. 37) importa porque “[...] a realização desses balanços possibilita contribuir com a organização e definição de um campo, uma área, além de indicar possíveis contribuições da pesquisa para com rupturas sociais”. Outra razão por optarmos por essa modalidade de pesquisa é a argumentação de Ferreira (2006, p. 38), o qual afirma que “[...] é o não conhecimento do todo das pesquisas de uma determinada área ou campo do saber [...]”, pois, quanto ao PROLER, não há visão do todo. E 56 “[...] o conceito foi disseminado principalmente por agencias internacionais e amplamente utilizado no desenho de programas governamentais [...] toma-se por critério os anos de escolaridade, os quais mesmo com a capacidade de decodificar minimamente frases, sentenças, textos e de fazer operações matemáticas para resolver demandas/problemas em sua vida diária. São analfabetos funcionais pessoas com menos de 4 anos de escolaridade.” (CASTRO; GONTIJO; AMABILE, 2012, p. 22). 3 a não existência de uma pesquisa mais abrangente ou mesmo de registros oficiais quanto à prática do Programa é uma constatação que torna nossa investigação relevante. Para isso foram lidos e fichados 63 trabalhos, assim sintetizados QUADRO 1 Relação dos trabalhos produzidos por instituição57 AR T IG O S CAPES Domínio Público FGV PUC UE Ponta Grossa UE Maringá UFBA/ UEBA 3 UFES UFG 1 UFMA 1 UNICAMP 1 USP UNESP UFMG UFSE 1 UFRS FBN 2 Outros/revistas 2 11 Total Fonte: dados da pesquisa M O N O GR A F I A S D IS S E R T AÇ Õ E S TESES 2 3 2 1 1 1 1 2 4 1 1 1 1 2 6 2 1 11 3 6 11 21 20 Ciente de que não se pode fazer tudo do todo, procuramos selecionar as pesquisas que mais nos aproximassem do intuito da nossa investigação e que pudessem abarcar nossa intenção, isto é, analisar a produção acadêmica do PROLER, na perspectiva de outros pesquisadores, para identificar o trajeto político e histórico do PROLER, seu caráter ideológico e ainda examinar sua práxis. Segue abaixo quadro com os textos selecionados. QUADRO 2 Trabalhos selecionados para esta pesquisa TÍTULO Políticas de fomento à leitura: perspectivas e desafios em diferentes contextos. 224.p 57 PESQUISADOR Maria Luiza Batista Bretas Ver quadro completo Apêndice 1 PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO Programa de Pósgraduação em Letras e Linguística LINHA DE PESQUISA Estudos literários NATUREZA Tese LOCAL E ANO Universidade Federal de Goiás/2009 4 As representações e práticas de incentivo à leitura no Espírito Santo, no período de 1997-2005. 248 p. Fome de Programas de Leitura: O PROLER e a dimensão políticoideológica da leitura. 125 p. Eunice Negris Lima Programa de Pósgraduação em Educação Educação e Linguagens Dissertação Universidade Federal do Espírito Santo/2007 Edmilson Moreira Rodrigues Programa de Pósgraduação em Políticas Públicas Políticas Públicas e Movimento s Sociais Dissertação Universidade Federal do Maranhão/ 2008 Fonte: dados da pesquisa Para a organização das informações e aprofundamento, relemos os três textos agora com outro intuito e atender às categorias58: “as concepções políticas do PROLER na visão dos pesquisadores” e “delimitar o perfil histórico e ideológico do programa”. 2 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS FONTES, OS DADOS E A ANÁLISE DOS CONTEÚDOS Pareceu-nos pertinente considerarmos todas as nuanças imbricadas num programa que visa não só promover a leitura, mas também cativar o leitor e mobilizar toda a sociedade civil em favor da leitura e do livro. Nesse sentido, selecionamos os textos de acordo com a temática e ênfase do trabalho. O quadro a seguir mostra o resultado obtido. QUADRO 4 Trabalhos por convergência de temática. T E M A S Q U E C O N V E R GE M Questões da Língua Portuguesa, o aprender a ler Bibliotecas, Bibliotecários Política e perfil do Programa Outros AR T IG O S M O N O GR A F I A S D IS S E R T AÇ Õ E S TESES QUANTOS? 4 — 7 8 19 2 3 1 10 2 1 4 3 5 4 4 4 20 12 11 Fonte: dados da pesquisa Em linhas gerais, tratam de projetos e ações desenvolvidas e vinculadas ao PROLER. No caso da Língua Portuguesa, a tendência das pesquisas é penetrar nos rincões do Ensino Fundamental I e II e explorar estratégias de leitura e desvendar alguma ação ali desenvolvida. 58 “Categorias são entendidas no sentido kantiano: são conceitos que antecedem a experiência, a priori. E tem a função de ordenar e organizar dados aparentemente desordenados reduzindo-os a uma unidade coesa e inteligível, exercitando assim as funções lógicas do pensamento, permitindo ao sujeito determinações sobre o conhecimento. É um dos elementos da cognição kantiana (conceitos).” (ABBAGNANO, 1998, p. 121–4). 5 No caso dos bibliotecários e bibliotecônomos, encontramos uma maior variedade de temas, esses questionam o papel e função da profissão de bibliotecários e bibliotecônomos. Por exemplo, textos que se preocupam com o atendimento de crianças com deficiência visual nas bibliotecas públicas, questionam e sugerem uma biblioteca alternativa, fugindo do modelo clássico. Na categoria outros, podemos dizer também “diversos”. Podemos relacionar alguns trabalhos que têm como base o princípio do PROLER de fazer “[...] da leitura uma prática social comunitária em todos os espaços possíveis” (PELLEGRINI, 2010, p. 187). Nesse sentido, encontramos a implantação do PROLER em presídios, denominado “PROLER carcerário”, sendo que a pesquisa foi feita pela UFRGS na penitenciária feminina presídio Madre Pellietier, localizado em Porto Alegre. O trabalho está voltado para o desempenho das Agentes Penitenciárias como agentes educativas. Outro caso interessante é o de Jequié, na Bahia. Trata-se da educação e letramento de encarcerados da Casa de Detenção. Originalmente, era apenas trabalhar com EJA (Educação de Jovens e Adultos) atendendo às necessidades dos encarcerados e, principalmente, dar-lhes voz, expressão e visibilidade por meio de uma escrita autobiográfica intitulada “Buraco na fechadura: discursos prisionais”. Logo após, inaugura-se, em Vitória da Conquista, o Presídio Advogado Nilton Gonçalves e o projeto é renomeado para “PROLER carcerário” caracterizado como um desdobramento da EJA vinculado UESB e a Secretaria Municipal de Educação de Jequié. Ainda em outros, encontramos o PROLER no Programa de Pós-graduação em Comunicação e Informação da UFRGS e essa dissertação lista o PROLER como item da ementa da disciplina Desenvolvimento da Ciência da Informação no Brasil do Curso de Mestrado em Ciências da Informação da UFBA (BRAMBILLA, 2007). Outros diversos estão voltados para estantes de livros em praça pública, criação e questões de biblioteca e sua relação com o poder municipal. E, ainda temos: ênfase em política, ideologia e história deveria estar por detrás de todas as pesquisas, tendo em vista que essa é a mola propulsora de toda política pública. Notamos também uma repetição dos descritores nas pesquisas selecionadas. Sabendo que a repetição de palavras, em um texto, tanto pode dar-lhe clareza quanto empobrecê-lo e comprometer sua estética, fizemos então um levantamento, dos três textos que escolhemos para nossa discussão, a fim de reconhecer quantas vezes os descritores se repetem ao longo da pesquisa. 6 A repetição dos descritores não é aleatória já que demonstra o interesse maior do escritor, nos casos elencados, é usado como mecanismo de coesão textual não caindo na prolixidade e trazendo os benefícios semânticos aos documentos. QUADRO 5 Índice de repetição dos descritores por texto P O L Í T IC A ID E O L O G I A P R O FE S S O R PROLER L E IT U R A 71 3 383 30 894 129 22 66 127 524 361 x 229 401 939 561 25 708 558 2357 Texto 1 (Bretas) Texto 2 (Rodrigues) Texto 3 (Negris) Total Fonte: dados da pesquisa Interessante perceber que as repetições, como no caso dos textos 1 e 3 da palavra leitura chega a uma média de 3 vezes por página, o que poderia acarretar prejuízos à elegância do documento, porém isso não acontece. No caso do Texto 3, chegamos a 3,7 de repetição por página sem o comprometimento da elegância ou do estilo textual. No texto 3, não há incidência da palavra ideologia, embora o texto tenha uma forte carga política e ideológica, a autora tece críticas sem recorrer a essa palavra, utilizando as especificações e a construção do conceito e suas nuanças sem citar o signo. Todos os textos abordam a questão do professor, literalmente. No texto 1 o termo é citado 383, fazendo uma média de 1,7 por página. O que nos chama a atenção para as citações dos professores é que se referem sempre ao professor da Educação Básica, que é o executor do Programa. E, em todos os textos, mesmo no de maior incidência do termo, esse sujeito é retratado com um ser passivo que recebe sem críticas a capacitação que lhe é oferecida. Esses profissionais executam simplesmente. Não criticam, nem questionam, são passivos em relação àquilo que oferecem as Universidades. Já a palavra política refere-se sempre a dois aspectos principais e seus desdobramentos. Um deles é a instituição e desenvolvimento do PROLER e o segundo refere-se à formação do cidadão leitor, da leitura como agente de transformação social e política, o que nos parece uma contradição se observarmos que, apesar desse enfoque, o professor é retratado como executor das ações pensadas por outros. 7 2.1 Perspectivas diferentes Os três trabalhos distintos para nossa pesquisa compõem-se de uma tese e duas dissertações. O primeiro texto estudado é uma produção da UFG – Faculdade de Letras/2009, a tese intitulada “Políticas de fomento à leitura: perspectivas e desafios em diferentes contextos” refere-se aos anos em que a pesquisadora foi coordenadora de programas de aquisição de livros e de incentivo à leitura da Secretaria de Educação do Estado de Goiás/1999-2005. Os estudos de Bretas (2009) fazem uma comparação entre as políticas de leitura implantadas no Brasil e as da França. As políticas públicas de leitura e disseminação do livro na França são consistentes e desde 1976 a AFL – Associação Francesa para Leitura objetiva desescolarizar a leitura e busca uma interação social que promova a democratização da vida social, econômica, política e cultural. A pesquisa descreve as ações do PROLER em Goiás que se tornaram marcantes: a) Mala de Leitura; b) Leitura itinerante, que levava a leitura aos morros, hospitais, escolas agrícolas; c) Janela de Leitura da Rua D’Abadia, d) Chuva de Poesia; e) Círculo da leitura da casa Cora Coralina (BRETAS, 2009) e que o desenvolvimento dessas atividades se deu na Cidade de Goiás. A cidade goiana, carinhosamente chamada de Goiás Velho, angariou para si o título de Capital da Leitura com destaque para as atividades da UFG na promoção da leitura e atividades do PROLER. A autora esclarece que o Programa “[...] fica com o papel de gerenciador e articulador das experiências dos projetos de leitura” (BRETAS, 2009, p. 87), o que não é uma característica apenas da cidade de Goiás, mas uma tendência do PROLER em todo território nacional. Essas instituições se tornam sustentáculos dos comitês municipais. Nesse sentido, a escola é o local e o tempo por excelência. O PROLER possuía “[...] propostas e ações relevantes, mas sem recei tas, sem doutrina, o programa propunha a leitura como forma de alcançar uma autonomia no pensar e solidariedade no agir” (YUNES, 1998, p. 8 apud BRETAS, 2009, p. 89). Essa afirmativa nos parece contraproducente ou mal colocada, uma vez que é inconcebível um projeto dessa amplitude sem uma doutrina ou uma receita prática. E, ainda que a contraparte da ‘não doutrina” da “não receita” significa também que seja amorfo e disforme. No caso do PROLER a agravante está na consideração das dimensões que o Programa pretende atender: todo território nacional, formar leitores, conquistar a permanência e 8 assiduidade desse leitor, redemocratizar os bens culturais além de valorizar as culturas locais. Sendo assim tão amplo e ambicioso, podemos vislumbrar sérias dificuldades em razão da “não receita” e “não doutrina”. Levando em conta a diversidade, a descentralização, a intenção de desescolarizar a leitura e o intuito de associar o PROLER à iniciativa privada provocando a responsabilização social pela formação do leitor e distribuição dos livros, constatamos, nesses aspectos, uma semelhança com AFL – Associação Francesa para Leitura. A questão do financiamento do projeto é, com certeza, um ponto de estrangulamento e a afirmativa de que não trabalha com voluntários se explica do vínculo com as prefeituras. Em sua origem o programa almejava financiamento constante e regular do Poder Federal e como isso foi impossível, seus criadores optaram por transferir para os municípios e para a FBN essa responsabilidade. Então, a afirmativa de que os Comitês não têm fins lucrativos é de fato relevante já que implica uma quase inversão dos princípios de origem. A afirmativa de que o professor não gosta de ler é encontrada em vários documentos. Essa questão carece de maior investigação já que apenas o não gostar de ler é uma problemática de várias dimensões. Haveríamos que considerar aqui o tempo disponível que o professor tem para leituras não obrigatórias e esse aspecto está permeado por outros fatores que não podemos resumir na simples afirmativa de que o professor não gosta de ler. Contudo, a não a leitura constitui um problema relevante para a escola e para a profissão docente. Além da falta de hábito, há dificuldades de transporte até o local de formação, falta de material adequado e disponível, o cansaço provocado pela sala de aula. Ainda assim, a leitura não é mais fundamental nos cursos de formação de professores. Não é raro encontramos um professor que nunca tenha lido um livro inteiro. 2.2 A necessidade de uma política de leitura consciente O segundo texto analisado é uma dissertação da Universidade Federal do Maranhão do Programa de Pós-graduação em Políticas Sociais tendo como área de concentração Estado e Políticas Sociais, intitulada “Fome de Programas de Leitura: O PROLER e a dimensão político e ideológica da leitura”/2008, que resumidamente, temos como elementos fundamentais. 9 O pesquisador se propôs a uma pesquisa dos documentos oficiais do PROLER e explorar as possibilidades do PROGRAMA por meio desses e, ainda, o confronto bibliográfico de pensamento histórico-social a fim de investigar as ações e incentivo à leitura no Maranhão. A pesquisa se dá na interface entre as aspirações do PROLER, sua implementação e prática. Rodrigues (2008) entende que o Brasil é o oitavo maior produtor de livro do mundo e que apesar disso, o livro, para a população brasileira, ainda é artigo de luxo. Em relação a outros países da América Latina e países ricos, nosso consumo é muito baixo e não legitima o aumento contínuo da produção. A concepção de leitura vai além do prazer de adentrar um mundo diferente instigado pela imaginação. A leitura é, antes de tudo, aquisição dos símbolos de poder e libertação: “[...] ler é discordar do poder e da autoridade, ler é confirmar o humano em nós através do diálogo. [...] o ato de ler é antes de tudo uma ação destrutiva” (CALDAS, 1997 apud RODRIGUES, 2008, p. 12). No mesmo sentido, a leitura além da formação cidadã, deve proporcionar participação na sociedade da informação. Dos 5.187 municípios brasileiros, 1.300 não contavam com bibliotecas públicas em 2008, perfazendo apenas 76,3% do território nacional, demonstrando a dimensão da defasagem de livros e de acesso à leitura. Contudo, dados do IBGE (2010) afirmam que em 2009, 93,2% dos municípios já contavam com as bibliotecas públicas. Constatamos um aumento de 21%, diminuindo assim o número de cidades sem bibliotecas. O que vale discutir nesses números é saber se o aumento significa maior acesso ao livro ou “formação de leitores”. A simples abertura de bibliotecas e de livros nas estantes não significa, obrigatoriamente, transformação da condição do cidadão de participar dos bens culturais ou de consciência das relações de poder. Caminhando no mesmo raciocínio, qual é então, a política do PROLER? Ao descrevermos as dificuldades de documentos oficiais (ou não) para o desenvolver da nossa pesquisa, fomos corroborados pelas informação de Rodrigues (2008). Primeiramente, os documentos informativos, que em qualquer trabalho de pesquisa são essenciais e imprescindíveis, no nosso caso não existem. [...] remetemos ao PROLER e ao comitê regional [...] solicitações sobre materiais existentes e tudo foi ignorado. [...] o que temos são apenas folderes e as chamadas de jornais de circulação, bem como a Folha do PROLER59. A confirmação da falta de documentação de um Programa de leitura, com permanência de mais de 20 anos, ativo e de âmbito nacional, chama a atenção por demonstrar uma 59 Folha do PROLER é um jornal bimestral com artigos, textos e ações sobre leituras e literatura. 10 irracionalidade na condução e gestão do PROLER. Essa falta de informações torna-se uma questão histórica e reconhecida pela coordenadora do PROLER em 2001, Elizabeth D’Angelo Serra, que em seu artigo “leitura e literatura infantil” afirma que a falta de memória e de registros históricos dificulta um projeto da dimensão do PROLER. Assim, [...] não existem muitas informações quanto aos procedimentos avaliativos. Valoriza-se mais a emoção e as impressões em detrimento de parâmetros convencionais, necessários para avaliar a ação de qualquer políticas e programa (SERRA, 2001, p. 43). Impensável, a nosso ver, que em 2001 a questão seja percebida pela gestão do Programa e que nenhuma ação tenha sido desenvolvida no sentido de sanar o problema ou de minimizá-lo, pois como dar seguimento a um programa dessa dimensão sem registros convencionais, sem avaliação de qualquer natureza por tanto tempo? Tomando o homem um ser que vive e se realiza apenas por sua práxis e que esta define sua razão para fazer ou não fazer as coisas, definem seus valores e explicam suas ações por meio da história que o imbui de valores, intenções e fazeres; só podemos explicar a falha histórica do PROLER pelo descaso político ou impossibilidade da gestão pública. Negligência, descaso ou impossibilidade pública não impedem que atribuamos significado ao fato, já que a memória e a história são fundamentais a reversão do quadro social perverso de exclusão que deixa à margem 3/4 da população brasileira. Para Rodrigues (2008), a partir dos anos 80, há um esforço de transposição da lógica empresarial pelo espaço educacional, e um outro esforço, em sentido contrário e paralelo, para não coisificá-la. E dentre as diversas características implicadas no processo, destaca-se a necessidade de imprimir qualidade na educação para que o indivíduo possa se adequar às novas exigências do mercado de trabalho. Torna-se evidente uma reforma na educação para o enfrentamento das necessidades do mercado e do indivíduo em todas as suas dimensões. E a leitura é o portal que dará acesso às diferentes dimensões. O PROLER pretende em 1992 suprir a lacuna deixada pela escola regular e o Maranhão adere ao Programa em 1997 tendo como partida os vários Programas desenvolvidos pela UFMA. Interessante percebermos que a UFMA já desenvolvia quatro programas de incentivo à leitura, e que nesse caso, o PROLER repete o padrão de Vitória da Conquista (BA) quando incorpora um trabalho já existente e desenvolvido pela UESB. A Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e a Secretaria de Direitos Humanos do Estado da Bahia desenvolviam um trabalho de leitura e incentivo na Casa de Detenção e no Presídio 11 Regional de Vitória da Conquista desde 1989 e, em 1992, firmou convênio com a Fundação Biblioteca Nacional transformando o trabalho já existente em PROLER carcerário. Entendemos que o PROLER abarcou projetos locais, regionais e particulares que estavam em andamento na UFMA e UESB e, embora o PROLER tenha um projeto de capacitação de profissionais para atuarem nas respectivas localidades, e que a parceria com instituições de ensino superior seja essencial para o bom andamento, a vantagem que essas instituições recebem, ao acordarem com a Fundação Biblioteca Nacional e ceder o trabalho já em andamento, é uma questão obscura. Cabe esclarecer que nem a UFMA nem a UESB e tampouco o PROLER possuem verbas públicas o bastante para que os acordos sejam interessantes. Dando continuidade a nossa análise, percebemos um tom de denúncia no texto de Rodrigues (2008), pois o autor afirma que os livros que chegam às escolas, por meio dos programas de leitura, são em sua maior parte, livros didáticos. Mesmo que projetos e programas sejam variados. E, no caso do PROLER, isso é agravado, porque o programa não ambicionava fazer da escola seu campo predileto de ação, não fazia parte dos objetivos iniciais. Os programas de leituras, ao serem pensados, são pensados apenas sob a perspectiva de quem lucra e obtém alguma vantagem no mundo do capital. No mesmo sentido, o autor continua: O Programa não tem a preocupação com o profissional da educação, visto que, nos encontros regionais, não há triagem nem controle para as inscrições nas oficinas, que deveriam ser direcionados aos professores, mas que na verdade, aceitam inscrições de toda e qualquer instituição. (RODRIGUES, 2008, p. 66). Constatamos também a falta de coesão na formação dos promotores da leitura, já que não há nenhum tipo de cadastro, controle ou contato posterior com aqueles que participam das oficinas. Suponhamos que para ser efetiva, a maior parte desses deveria ser mantida na oficina seguinte e os temas/conteúdos de formação aprofundados a cada ano. É honesto lembramos que o programa passa a ter a escola como seu foco de ação só a partir de 1996, quando as outras associações previstas no projeto original demonstraram impossibilidade de cumprimento. A nosso ver, a constatação de Rodrigues (2008) de que não há realmente uma preocupação com a formação e capacitação do professor, tem seu lugar de reflexão, uma vez que constatamos que “[...] assessorias para implementação de projetos de leitura; kit de publicações; Leia, professor Leia; kit para implementação de bibliotecas escolares; concurso os melhores programas de incentivo à leitura junto a crianças e jovens de todo o Brasil” 12 (Minc/BN, 1998, s. p.) são ações que carecem de acompanhamento e não apenas de uma determinação. Transferem para o professor executor a responsabilidade. A atenção dessa assessoria esta voltada para o mercado e significa uma boa fatia de consumo, por parte de centenas de editoras espalhadas pelo Brasil e o PROLER, por meio de seus comitês, é o cartão de visita. Rodrigues (2008) baseia-se nas experiências vividas como membro do Comitê do PROLER em São Luis/MA, na falta de documentação, na ausência de controle e cadastro sobre os participantes, na despreocupação com o aprofundamento dos temas. Como exemplo, cita um caso interessante: O IX encontro do PROLER já havia perdido muito daquela euforia do primeiro momento, e PROLER, sendo parte de uma totalidade, traz em seu bojo muitas contradições, evidências no IX Encontro em 2006, como tema: Livro, Leitura e Biblioteca – um passaporte para o conhecimento. [...] sem novidades para o cenário nacional e esvaziada no Maranhão por falta de realização desse mesmo encontro no ano anterior, o IX encontro do PROLER aconteceu no Praia-mar Hotel. [...] Enquanto isso, no auditório da biblioteca pública Benedito Leite acontecia a Conferência com o tema central. (RODRIGUES, 2008. p. 25). Dessa forma, confirma-se a desconexão e a fragmentação entre um encontro e outro, que mesmo sendo anuais haveriam de ter uma sequência e uma lógica. Reconhecemos também a inadequação do local do IX Encontro do PROLER, pois que o tema era leitura e biblioteca e não leitura e hotel. Todo o evento deveria ter acontecido no seu local de abrigo natural, isto é, na biblioteca. 2.3 A concepção das práticas de leitura, representações e política de formação do leitor. Nossa última referência pertence ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, vinculada a área de Educação e Linguagens e intitulada “Representações e práticas de incentivo à leitura no Espírito Santo, no período de 1997- 2005.” A pesquisadora desenvolve um trabalho de exploração documental referente ao PROLER e outras políticas de incentivo à leitura desenvolvidas no Espírito Santo com o intuito de relacionar as práticas e representações dessas políticas à prática do professor. Assim como o texto de Rodrigues (2008), o texto de Lima (2007) parte dos documentos oficiais e da concepção de documentos dada por Le Goff (1996) que além da visão ampliada das fontes, considera como documento todo tipo de registro, também parte das ações do 13 Programa no Espírito Santo para identificar e reconhecer as representações de leitura do PROLER e dos professores. Lima (2007) confirma as primeiras aspirações do Proler: uma ação interministerial com pessoal e supervisão da Biblioteca Nacional. A leitura não é apenas uma questão escolar, mas que também deve ser estimulada em hospitais, estações de trens, de ônibus, parques, presídios, zoológicos etc. Ressalta também as obrigações financeiras e as corresponsabilidades dos Estados e Municípios. O modelo internacional de política adotado pelo PROLER, entre 1992-2003, que corresponde às parcerias e aos princípios do neoliberalismo, não apresentou uma ruptura com a ordem burguesa. Está marcado pela onda de privatização e parcerias com o setor privado e, nesse contexto, formação de leitor corresponde à formação de sujeitos competentes para atuar no mercado de trabalho e promover o desenvolvimento do País (LIMA, 2007). Nesse mesmo sentido, os Estados, Municípios, Universidades e organismos da sociedade civil envolvidos com educação e promoção de leitura, firmam um acordo com o PROLER e assumem responsabilidades por meio do “Convênio de Cooperação Técnica”, que assegura a parceria por quatro anos. Observa-se que o Termo de Convênio de Cooperação Técnica é posto aos interessados na parceira sem possibilidade de discussão, nem negociação das demandas de leitura das localidades. É um modelo acordado e pronto que submete as localidades à sua vontade. Visto dessa forma, o PROLER só precisa dos sujeitos para implantá-lo, já que não há a preocupação de analisar criticamente os impactos e as concepções locais sobre leitura e seus desdobramentos. É um esforço de unificação de um modelo a partir da ótica governamental. A desconsideração pelas localidades e suas respectivas necessidades significa, na verdade, um atendimento aos propósitos neoliberais de formação de mão de obra, haja vista seu caráter unificador, internacional somado com a vocação de gerenciar as atividades e trabalho humano. Em oposição ao discurso do projeto original do Minc e a publicidade recebida, [...] a política do PROLER não cria espaços de discussão com a sociedade, não se apresenta estruturado na/pela sociedade, partilhada, aberta, mas atua como um mecanismo que pretende convergir a formação do leitor para estratégias planejadas e concepções defendidas pelo programa. (LIMA, 2007, p. 100). As parcerias, nessa perspectiva, podem se compreendidas como uma estratégia utilizada pelo Governo Federal para fazer crer que o PROLER está de acordo com as demandas locais e, ainda assim, dividir responsabilidades financeira, administrativa e pedagógica na formação de leitores. Essa posição se justifica quando reconhecemos os parceiros como responsáveis pela 14 captação dos recursos financeiros e humanos e que ainda assumem o gerenciamento e acompanhamento das ações previstas pelo programa que são realizadas de acordo com o documento de Cooperação. Em síntese, o Estado é interventor e os parceiros corresponsáveis. É o deslocamento das responsabilidades do Estado para os parceiros, revelando a participação mínima do Estado, restringindo suas ações e gerenciando as parcerias, embora apurar a eficácia ou não do Programa não seja sua preocupação principal. Para Apple (2002, p. 141), projetos dessa natureza podem ser percebidos “[...] como uma proposta política alternativa concreta [...] a partir da qual pais e sindicatos pudessem trabalhar”, contudo, essas propostas não podem ser encaradas de forma leviana. Há também, no projeto original, a intenção de aumentar a tiragem de impressos e ampliação da publicação de material simples, para Lima (2007) isso é o estabelecimento de um padrão do material destinado a formação do leitor, que baseia na relação entre reprodução do material (comércio de editoras) e a política pública de promoção de leitura. Ora, se o investimento é em materiais simples, baratos e práticos para disseminar informações e conquistar um público que precisa ser convencido das vantagens da leitura, podemos inferir que isso é a massificação do leitor. Então, prevê-se uma leitura simples, direta, reduzida e barata destinada aos pobres e, uma outra leitura mais elaborada, erudita destinadas aos intelectuais. Há que se garantir por meio do PROLER a disseminação da leitura para o pobre em espaços públicos, enquanto que as classes abastadas continuam com a leitura em espaços privados. A pesquisa ainda chama a atenção para o propósito do PROLER em formar um cidadão leitor, mas não um sujeito ativo politicamente. Segundo Lima (2007), há uma supervalorização da leitura, por parte do Estado, para a formação do cidadão, para a família e como bem coletivo. O PROLER apresenta o homem brasileiro como alguém que não gosta de ler, (pois precisa de convencimento, da sedução) ao mesmo tempo em que se apresenta como “Salvador da Pátria” (LIMA, 2007, p. 112) tomando a leitura como “a única salvadora”. Na verdade, a leitura salva o homem da exclusão social, já que o valor da leitura foi instituído pela República e que o cidadão precisa empregar-se, dominar técnicas e adquirir um mínimo de competência profissional. Em sua segunda fase, algumas diretrizes foram ressignificadas e enfatizou-se a ideia de que formar leitores não é tarefa fácil, demanda tempo, dedicação, disposição, material de qualidade e prática constante de leitura e escrita. 15 CONCLUSÃO Em sua gênese, o PROLER se propõe a entusiasmar a sociedade brasileira para o livro e a leitura, contudo a análise feita demonstra que os resultados, quando existem, são parciais e sem registros que possam comprovar ou não sua influência na formação de leitores. Outra constatação é quando desejou comprometer toda a sociedade civil brasileira e promover um tipo de desescolarização da leitura quando buscou parceria com instituições privadas “[...] atingindo toda a sociedade, através das várias instituições públicas [...] investindo na parceria com os representantes dessa sociedade: sindicatos, organizações não governamentais, sistema escolar privado e empresas” (PELLEGRINI, 2010, p. 116). Cabe explicar que uma política de promoção de leitura e livros não se faz sem verbas e que não é do interesse de instituições que não sejam escolares. O PROLER, quando associado a uma atividade fora do sistema escolar, desenvolve ações como a do presídio de Vitória da Conquista, por exemplo, isto é, sendo um projeto de maior amplitude toma para si e engloba projetos menores que já estavam em andamento. O ideal de desescolarizar a leitura não conseguiu parceria suficiente para que se desenvolvesse. O sistema escolar, mesmo caracterizado como “[...] local de reprodução e instrumento da elite [...] pode sob certas circunstâncias históricas, servir aos excluídos [...] e tornar-se estratégia de emancipação popular” (DEMO, 1999, p. 16), assim, mesmo que limitado à escola, ainda é possível um trabalho de formação de leitores cidadãos. Quando Lima (2007) afirma que o PROLER se apresenta, em sua origem, como Salvador da Pátria, chama-nos a atenção o fato de que paralelamente, e vinculado ao MEC, em 1992, nasce o Projeto Pró-leitura que é muito semelhante ao PROLER quanto aos seus objetivos e ambições. As diferenças entre os dois são tênues, como por exemplo, o Pró-Leitura60 não ambiciona expansão para além dos muros da escola e trata, já de imediato, de firmar acordo com os Estados e Municípios. Para melhor compreensão é bom lembrar que o PROLER é, em seu documento inicial, pertencente ao MinC e propõe ações conjuntas entre ministérios. E, o MEC, como responsável pela educação, é um dos quais o PROLER está associado. Contudo, esse mesmo Ministério 60 Foi criado através de uma parceria entre o MEC e o governo francês. Pretendia atuar na formação de professores leitores para que eles pudessem facilitar a entrada de seus alunos no mundo da leitura e da escrita. Inserido no sistema educacional, o Pró-Leitura se propunha a articular os três níveis de ensino, envolvendo, em um mesmo programa, alunos e professores do Ensino Fundamental, os professores em formação e os pesquisadores. O programa aspirava estimular a prática leitora na escola pela criação, organização e movimentação das salas de leitura, cantinhos de leitura e bibliotecas escolares (BRASIL, 2010). 16 promove em parceria com o governo francês e ao mesmo tempo em que o MinC desenvolve o PROLER, outro Programa de Leitura com os mesmo objetivos e fins. O PROLER, diante do seu fracasso em associar-se às instituições da sociedade civil e sem angariar as verbas pretendidas61, faz dos professores das escolas públicas seu público predileto, aproximando-se ainda mais do Pró-Leitura que focava a formação leitora de docentes, provocando aí a convergência de interesses ao mesmo tempo em que demonstra a insuficiência do Estado em articular as políticas de incentivo à leitura. Interessa aqui observar o professor de ensino básico que se tornou executor das ações propostas pelo PROLER, responsável pelas atividades do Programa. E, ainda que o alvo seja o professor da rede pública dos municípios, já que o Programa estabeleceu parcerias com as prefeituras. Esse aspecto é naturalizado na profissão por Bernadetti Gatti quando afirma que “[...] tende a minimizar o espaço conferido à formação docente em serviço e a considerar o(a) professor(a) como mero(a) executor(a) de propostas e programas elaborados por outrem” (GATTI, 2011, p. 47). A incidência sobre o professor da rede pública tem seu significado e assim como o PROLER não é instituído para as classes abastadas, os professores selecionados também não é [...] uma coincidência, que acaba em redundância, que se refere à condição sociocultural dos professores e às condições de vida dos alunos das redes públicas de ensino, que, muitas vezes, apresentam alguma desvantagem social. Atualmente, no Brasil, os próprios professores são provenientes de camadas sociais menos favorecidas, com menor favorecimento educacional, especialmente os que lecionam na educação infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental. (GATTI, 2011, p. 28). Essa observação nos leva a deduzir para quem o programa foi criado, a que classe social o PROLER se destina, deixando à mostra a divisão sócio, econômica e cultural que reforça a divisão entre escola para pobre e escola para ricos. Os professores são convidados à capacitação do PROLER uma vez por ano. Depois de capacitados retornam às aulas e nenhuma avaliação, controle ou verificação de resultados é feito. Ano seguinte, outros professores são convidados sem que se dê importância à continuidade da formação daqueles do ano anterior. De acordo com Rodrigues (2010), o Programa ou as Universidades que ministram as capacitações não têm controle ou registro da presença ou do desempenho do professor. E, a escola teve que lidar com questões de outra natureza como, por exemplo, sanar a ausência do professor que também não possui esses registros. 61 O MEC participava desse programa de forma indireta, com repasse de recursos por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE (BRASIL, 2010). 17 É nesse sentido que podemos afirmar que não há como verificarmos se o programa é eficaz ou não. Os números relativos à quantidade de professores, à divulgação da importância do temagerador, à parceria com intelectuais não demonstram se o Programa é eficiente não. Essa demonstração só poderia feita pelo rastreamento das atividades desenvolvidas pelos professores capacitados e os efeitos sobre seus respectivos alunos. É um processo paradoxal, pois ao mesmo tempo em que o Estado é responsável pela escola e reconhece a má qualidade do ensino, promove outras intervenções para sanar o problema. O PROLER, tido como uma intervenção na escola, não registra resultados. Cabe lembrar que, apesar do PROLER aspirar verbas da iniciativa privada, desenvolve-se apenas com pouca verba pública, seja ela municipal para pagar o translado, hospedagem e estadia ou construir o comitê ou ainda via Universidade que capacita os docentes. Os docentes também são pagos como servidores públicos. A questão da descentralização pode ter agravado essas questões à medida em que traz consigo sua contraparte: a falta de controle, a dispersão, a fragmentação e a busca pela valorização das diversas formas de leitura fez com que o Programa se tornasse quase amorfo. Descentralização implica autonomia e não podemos afirmar que o PROLER possua essa autonomia, pois além dos vínculos políticos e com a FBN, depende da parceria com as prefeituras, com as Universidades e professores do ensino fundamental. E, se unirmos todas essas características podemos afirmar que a descentralização trouxe mais desvantagens que vantagens. Do ponto de vista documental e argumentativo, o Proler apresenta-se como definiu Lima (2007): o salvador da Pátria, mas sua práxis revela-se muito mais problemática do que aparenta. Contudo, aproxima-se das necessidades neoliberais e de acumulação de capital à medida que o seu “[...] discurso é justificador, atrelado à posição de poder ou contrapoder” (DEMO, 1999, p. 19), isto é, agrada àqueles que desejam uma intervenção e transformação real Há, desde o início, uma combinação de vários fatores que contribuíram para que o programa pudesse satisfazer às aspirações neoliberais e de mundialização de capital do Brasil do início dos anos 90. A conjuntura se fez pelo processo de redemocratização que o País passava, pela constatação do fracasso escolar durante o regime militar somado às sugestões dos organismos de controle e expansão de capital e, ainda pela pressão dos organismos mundiais no projeto Educação para todos. 18 Entendemos que o PROLER satisfaz todas essas necessidades e apresenta-se ainda como salvador além de contentar também, do ponto de vista ideológico, aqueles que acreditam que o acesso à leitura do mundo dos dominantes é fundamental para a transformação da nossa realidade. A eficácia do PROLER é duvidosa, mas para maior exatidão haveríamos de apurar o desempenho dos seus sujeitos. Referências ABBAGNANO, Nicola (Org.). Dicionário da filosofia. 21. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ALTMANN, Helena. Influencias do Banco Mundial no projeto educacional brasileiro. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 5-16, 2002. Semestral. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ep/v28n1/11656.pdf>. 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SAULOÉBER TARSIO DE SOUZA A proposta desse texto é pensar sobre os estudos que abordam as migrações no campo da História da Educação no país, enfocando a relação entre os processos migratórios e seus reflexos para a educação de quem migra e também para a rede de ensino da região que os recebe, aqui em específico o município de Ituiutaba-MG. Dessa maneira, o texto foi organizado em três seções: “Migrações Possíveis”; “Processos Migratórios e História da Educação” e “Nordestinos no Pontal Mineiro”. Em relação à metodologia da pesquisa, além das estatísticas do IBGE, da leitura e tabulação dos anais dos congressos de história da educação e revisão bibliográfica, utilizamos o recurso da história oral. De acordo com Thompson (1992), as fontes orais passaram a ser valorizadas quando da necessidade de se registrar o passado de grupos que não documentaram suas ações, sujeitos sociais invisíveis nos registros oficiais. A equipe realizou mais de uma visita aos colaboradores e, em geral, no segundo contato é que foram gravados os depoimentos, a saber: 08 professoras que atuaram com o grupo estudado e 14 migrantes que, em sua maioria, veio para o pontal de Minas Gerais na primeira infância. As entrevistas foram realizadas nas cidades mineiras de Ituiutaba e Uberlândia e em Natal, Currais Novos e São Vicente no estado do Rio Grande do Norte, no período entre janeiro de 2010 e fevereiro de 2012. Optamos por preservar a identidade dos colaboradores por meio da utilização de nomes fictícios. Migrações Possíveis Os grandes flagelos naturais e as duas grandes guerras no século XX, entre outros fatores, provocaram a expulsão de milhões de seres humanos de suas terras. Esses grandes deslocamentos, em geral, foram acompanhados ou precederam alterações estruturais profundas, tanto do ponto de vista econômico e político, e também em termos sociais e culturais (e por extensão educacionais), de forma que a mobilidade humana é um sintoma das grandes transições. Professor Associado da Universidade Federal de Uberlândia, atuando na graduação e pós-graduação na área de História da Educação. Graduado e Mestre em História (UNESP-Franca) e Doutor em Educação (UNICAMP). Apoio CNPq e FAPEMIG. [email protected] 2 Entendemos como migrações todo e qualquer deslocamento de grupos de indivíduos em diferentes direções. Os estudos que têm enfocado as migrações internas adotam fundamentalmente alguns conceitos centrais tais como o de movimentos ou fluxos migratórios, que se referem às correntes populacionais que se deslocam de uma área configurada como de expulsão (muitas vezes pouco urbanizada e com fraco crescimento demográfico) para uma área de atração (regiões metropolitanas ou entorno de médias e grandes cidades com altas taxas de incremento populacional) (BARCELLOS, 1995). Um dos dados mais importantes para nosso trabalho trata-se da migração de êxodo rural. O principal fluxo desde os anos de 1950 tem sido no sentido das regiões brasileiras NordesteSudeste, que tem relação com os processos de industrialização e urbanização de algumas micro-regiões, acelerados com o fim da Segunda Grande Guerra, de forma que é o referencial teórico mais utilizado, segundo Barcellos (1995). Portanto, os fluxos migratórios obedecem, em princípio, a lógica do mercado de trabalho, definindo-os de maneira simplista. Vejamos alguns dos principais movimentos migratórios da história recente do Brasil: FIGURA 01 Fluxo das Principais Migrações Entre Regiões Brasileiras (1950-1990) Fonte: http://173.203.31.59/UserFiles/P0001/Image/re_imagens/Principais%20fluxos%20migratórios%20brasileiros%2 0entre%201950%20e%201980.jpg Pela figura, observa-se que a região Nordeste tem sido há muito a origem de boa parte das massas dos migrantes que se dirigem para todos os cantos do Brasil, tendo como motivação a busca por condições melhores de vida que poderiam ser geradas a partir da perspectiva de empregabilidade. A figura, contudo, aponta para outros fluxos que se estabeleceram ao longo 3 das duas últimas décadas, em direção as regiões de fronteiras agrícolas, à medida que as terras nas regiões Sul e Sudeste foram se esgotando. Evidencia-se que é a partir da segunda metade do século XX que a migração interna ganhou grande expressão no Brasil, estima-se que 43 milhões de pessoas saíram do campo em direção às cidades, entre 1960 e 1991, incluindo nesse dado o efeito indireto da migração, os filhos dos migrantes nascidos nas cidades (BRITO, 2006). Vejamos: QUADRO 01 Percentual de população migrante e imigrante no Brasil (1950-2000) Década Migrantes (%) Imigrantes (%) Total da População 1950 - 2,33% 51.944.397 1960 7,60% 1,97% 70.992.343 1970 19,01% 1,32% 93.134.846 1980 16,74% 0,93% 119.011.052 1991 6,12% 0,52% 146.825.475 2000 15,34%62 0,40% 169.590.693 Fonte: População com menos de 10 anos de residência na Unidade da Federação da coleta de dados. Censos Demográficos do IBGE, 1950-2000. Outro dado da tabela que merece atenção é o percentual de imigrantes que chegaram ao Brasil nesse período. É um número demonstrativo de que as consequências decorrentes dos deslocamentos internos da população são mais expressivas do que aquelas geradas pelos fluxos de indivíduos que chegam do exterior. Portanto, tal informação valida em parte nosso esforço em buscar compreender os processos sócio-culturais e econômicos que envolvem e envolveram essa grande massa de migrantes que se movimentou pelo território nacional nos últimos 60 anos. Os dados estatísticos são importantes para demonstrar a expressão dos fluxos migratórios para o entendimento da reorganização social, contudo, o que importa nesse estudo é buscar compreender como os migrantes construíram formas de se inserir nos novos espaços de sociabilidade, tais como as instituições escolares nos locais de destino. Segundo Bauman (2009), por toda parte que os migrantes chegaram, estabeleceram-se conflitos culturais, multiplicando-se as manifestações de sentimento racista e preconceituoso contra os trabalhadores migratórios e seus familiares. 62 Esse aparente crescimento da migração pelo país tem relação com a metodologia de coleta de dados do censo, já que em 2000, considerou-se, além da migração interestadual, também a migração intraestadual, ou seja, os deslocamentos entre cidades do mesmo estado (CUNHA, 2005). Dessa forma, o percentual de migrantes no período anterior pode ser muito superior ao apontado pela tabela. 4 Os diferentes fluxos migratórios pelas regiões do Brasil refletem processos globais de mudanças sociais e econômicas, de maneira que só podem ser compreendidos a partir do conhecimento dessas mudanças. Assim, nos anos de 1950, o Brasil se inseriu na política internacional de consolidação do sistema capitalista, cujo centro orgânico era os EUA. Nesse momento, o país adotou a orientação desenvolvimentista, e ao longo da década de 1960, sob o comando da ditadura civil-militar criou o “milagre econômico”, políticas que mobilizaram grande número de pessoas pelo país, não apenas em direção a região Sudeste, mas também rumo às novas fronteiras econômica e de ocupação territorial no Centro-Oeste e no Norte. Os nordestinos têm sido utilizados nesse processo como mão-de-obra barata e farta, de forma que ao tempo em que esses migrantes chegaram aos seus novos destinos, teve início a construção do estereótipo desse grupo que se baseou em suas características étnico-culturais. Desde então, o preconceito contra esses migrantes vem sendo reproduzido, difundindo-se expressões como “coisa de baiano” visando-se depreciar algum trabalho específico, ou mesmo fazendo referência aos traços físicos como o “pessoal de cabeça chata” ou o “povo de pele escura”. Essa dinâmica estabelecida entre os naturais da região e os migrantes revela instrumentos de poder que produzem significados nesse encontro, hierarquizando-se a diversidade étnicocultural, a partir de um discurso biológico que reforça a categoria de raça como escala na socialização dos indivíduos. Esse critério é que organizaria a nova estrutura social (HASENBALG, 1979). Nesse sentido, compreender a forma com que os migrantes e seus filhos se inseriram e construíram formas de permanência nas escolas do Pontal Mineiro também revela parte dos interesses de grupos que buscam controlar as classes populares. Porém, é preciso reconhecer que essa dinâmica cultural, estabelecida entre os que “estão” e os que “chegam”, nunca é binária, opondo dois lados claramente distintos numa mesma arena, constituindo-se identidades prontas. A cultura e a identidade são sempre processos inacabados, fluxos que atravessam e são reconfigurados por grupos e sujeitos, que combinam em seus repertórios símbolos e significados de acordo com seus interesses e interações sociais e materiais em que estão envoltos (SILVA, 2007). Antes de abordarmos nosso objeto em específico, buscaremos visualizar alguns dos principais conceitos adotados no campo da História da Educação para o estudo da relação entre migrações e a educação. Processos Migratórios e História da Educação 5 Ao nos inserirmos na tarefa de investigação dos fluxos de migrantes originários da região Nordeste para o Pontal Mineiro (1950-2000), buscamos nos apropriar do referencial teórico que a área vem utilizando para abordar a relação migrações e educação. Fizemos a opção pelo levantamento dos trabalhos publicados em dois dos principais eventos: o Congresso LusoBrasileiro de História da Educação e o Congresso Brasileiro de História da Educação, já que consideramos que esses congressos fornecem amostragens representativas das discussões desenvolvidas neste campo da ciência, por serem “importantes momentos de exposição e inventariação” (MAGALHÃES, 2005, p.95) Nossa constatação, em princípio, foi a de que as possibilidades de interlocução seriam limitadas tanto pelo restrito número de trabalhos nessa temática, como pela prioridade que os poucos estudos existentes têm dado as migrações externas, ou seja, a abordagem no campo da História da Educação foca a relação migração e educação tendo como ponto de partida, sobretudo, a investigação das escolas étnicas, vejamos: QUADRO 02 Número de Trabalhos Publicados com a Temática Migrações Evento Imigrantes Migrantes VI – COLUBHE – Uberlândia (2006) VII – COLUBHE - Porto-Portugal (2008) VIII - COLUBHE- São Luís (2010) TOTAIS 04 19 10 00 03 01 33 04 Fonte: Anais do COLUBHE, 2006, 2008 e 2010. Fazendo rápida análise sobre a leitura desses trabalhos é possível observar alguns pontos que são bastante evidentes a partir das informações neles contidas: a) a tradição de pesquisa no campo da História da Educação quando se enfoca os fluxos migratórios e sua relação com a educação é nitidamente voltada para grupos de migrantes externos, com destaque aos portugueses (09), alemães (07) e italianos (06); b) em relação as migrações internas é evidenciado que existem poucos trabalhos que analisam as relações no interior das escolas observando-se os grupos de migrantes, mas todos os quatro (04) textos abordavam as experiências migratórias da população originária da região Nordeste; c) a escolha da temática do evento tem impacto direto no número de trabalhos relacionados ao eixo central, como vemos acima, o Luso em Porto (2008) por conter o conceito de migrações em sua proposta, acabou multiplicando os 6 trabalhos publicados (22) voltados ao estudo da relação educação escolar, migrantes e história; Vejamos os dados do Congresso Brasileiro de História da Educação, no período entre 2006 e 2011: QUADRO 03 Número de Trabalhos Publicados com a Temática Migrações Evento Imigrantes Migrantes IV - CBHE- Goiânia (2006) V - CBHE - Aracaju (2008) VI – CBHE – Vitória (2011) TOTAIS 08 10 09 37 00 02 02 04 Fonte: Anais do CBHE, 2006, 2008 e 2011. Os dados obtidos nos últimos três CBHEs apontam para algumas aproximações em relação aos dados anteriores, mas também especificidades, como podemos salientar: a) Há foco nos fluxos migratórios externos, destacando-se os estudos sobre imigrantes alemães (09) e italianos (09), entre final do século XIX e início do XX. A diferença em relação ao COLUBHE é a ausência de trabalhos cuja preocupação estaria em torno dos imigrantes portugueses. b) Os estudos que priorizam o imigrante, têm sido realizados em instituições das regiões Sul e Sudeste, com destaque a primeira onde se localizam 10 delas. c) Em relação aos estudos que elegem as migrações internas da população para investigar seus reflexos na educação ao longo da história continuam bastante restritos: dos 37 trabalhos presentes nestes eventos apenas 04 (11%) focaram os migrantes, número aproximado do encontrado no COLUBHE (10%). Ressaltamos o esforço dos pesquisadores que se debruçam na investigação dos movimentos migratórios externos e sua relação com a escolarização, mas é preciso reconhecer a necessidade de se investir na observação dos imensos deslocamentos populacionais entre as diferentes regiões do país ocorridos a partir dos anos de 1950, estudando seus reflexos para os sistemas educacionais e seus sujeitos. No conjunto dos textos produzidos e publicados nesses eventos destacam-se alguns pontos importantes e comuns a eles. O foco no fenômeno da migração surge em quase a totalidade dos eixos dos congressos, especialmente naqueles que tem em sua proposta temática a categoria etnia, mesmo que fique também evidenciado que apesar dos trabalhos estarem ligados à História da Educação, tem recortes plurais e avançando em várias perspectivas espaciais e temporais. A categoria etnia ou étnico é associada nesses trabalhos há diferentes abordagens que se desenvolvem em direção semelhante, o que nos permite ressaltar as políticas para imigrantes, 7 sua identidade, tradições, rituais e festas, religião, dentre outros elementos que perpassam o étnico e as experiências educativas desses grupos, que são estudadas tendo como ponto de partida a infância, os professores e suas práticas (métodos avaliativos e as disciplinas), o cotidiano escolar (o aprendizado bilíngüe, as festas e rituais), entre outros. Nesse breve inventário, destacamos o texto que trata do estado da arte em relação à pesquisa histórico-educativa que tem como preocupação a relação entre migração e educação: “As Categorias Etnia e Imigrante na História da Educação Brasileira” de Maysa Gomes Rodrigues (UFMG). O texto busca analisar as categorias etnia e imigrantes a partir do estudo de anais de congressos de História da Educação no período entre 1995 e 2005, fazendo o recorte dos eixos que contemplavam a etnia em sua temática central. Em relação a suas conclusões, corroboramos com a autora ao menos duas delas, a primeira referente a uma certa “geografia da produção de estudos sobre educação de imigrantes” conformada pelo imigração nos estados do sul e sudeste (RODRIGUES, 2006, p.1357). A segunda observação refere-se ao conceitual em torno de etnia quando ressalta os trabalhos de Kreutz presentes nesses eventos com regularidade e salientando sua preocupação em definir etnia, o que diferiu da maior parte dos trabalhos: “Em sua análise sobre etnia está presente sua relação com a cultura, como um processo relacional, tal e qual o étnico, que se caracteriza pelo ‘conjunto de elementos selecionados dentro de uma herança cultural que serve para simbolizar a distintividade de um grupo’.” (RODRIGUES, 2006, p.1366). Também em nossa avaliação, destacamos os textos de Kreutz ou aqueles ligados ao seu referencial teórico e mesmo que o número de pesquisadores dedicados ao estudo dessa temática tenha se diversificado no período subsequente (2006-2011), talvez em função também do aumento do número de instituições e programas de pós-graduação em educação, especialmente na região Sul, o conceito de etnia em Kreutz continuou aparecendo de forma regular nos trabalhos desses eventos. Vejamos sua concepção: Isso significa que a etnia, ou seja, o pertencimento étnico em processo, concorre na constituição de sujeitos e de grupos. É um elemento constituinte de práticas sociais e, ao mesmo tempo, as práticas sociais vão constituindo a reconfiguração étnica. [...] Isso significa que a educação é etnicizada, “atravessada” pela etnia. (KREUTZ, 1999, p.80) Por meio desta definição, compreende-se que o uso da categoria etnia vai muito além daquele aqui apresentado, referindo-se apenas a relação entre imigração e educação escolar. Tem sido utilizada também para se discutir a educação indígena e a dos negros no interior do campo da História da Educação, bem como norteando trabalhos cuja proposta é o estudo da inserção e permanência de nordestinos nas regiões de destino dessa população que há mais de cinco 8 décadas tem se deslocado pelo país de dimensões continentais e características díspares, o que sugere um tipo de migração bastante próxima a condição de diáspora. Por isso, corroboramos com Rodrigues (2006, p.1367) a idéia de que: “É possível tratar o étnico como relativo a nacionalidade, desde que haja a explicitação das circunstâncias dos grupos e das condições que permitem esse tratamento”. Nordestinos no Pontal Mineiro Como vimos na primeira parte deste trabalho, a associação entre industrialização/urbanização de um lado e migrantes de outro tem sido utilizada para entender a relação estabelecida entre a região de origem e a de destino dessa população. Também já destacamos que a partir da segunda metade do século XX, ocorreram grandes fluxos migratórios pelas diferentes regiões do país, assim, o Pontal de Minas Gerais, que passava por acelerado contexto de crescimento econômico, em função, sobretudo, da expansão da cultura do arroz, tornou-se destino de milhares de famílias que saíam da região Nordeste, sobretudo, para o município de ItuiutabaMG. Este município que até a década de 1930 tinha economia voltada as atividades pecuárias, passou a atrair migrantes em busca de diamantes no Rio Tijuco, de forma que o garimpo dividiu com a pecuária o título de atividade predominante na economia local até a primeira metade da década de 1940. É nesse período que a agricultura se projetaria como nova atividade que mobilizaria grandes recursos físicos e humanos, de maneira que Ituiutaba tornar-se-ia o centro da indústria de beneficiamento de grãos, atingindo seu auge nas décadas seguintes, estimulando o desenvolvimento econômico da região. O incremento produtivo na agricultura do pontal impulsionou também sua incipiente industrialização de forma que na década de 1960, Ituiutaba contava com mais de 100 máquinas de beneficiar arroz e seus subprodutos (NOVAIS, 1974). Tal crescimento impactou no equipamento urbano: Nos anos de 1950, o poder público do município preocupou-se com o Plano Urbanístico, com ampliação dos serviços de abastecimento de água e de iluminação pública, arborização e calçamento de ruas, construção de prédios públicos, buscando atender às demandas da população que se avolumava. Na década seguinte, a mudança urbanística acelerou-se ainda mais, com a chegada do asfalto, a construção de praças, implantação do Distrito Industrial e do primeiro Campus Universitário no município (SOUZA; SILVEIRA, 2010, p.247) 9 Além dessas mudanças, outros setores sociais também se alteraram de forma intensa, como o da educação (rede escolar), que a partir de 1950, vê o número de suas escolas estaduais passarem de apenas 02 para 07, e na década seguinte, outras 08 seriam criadas, de forma que no ano de 1970, a educação escolar do município era marcadamente pública (SOUZA, 2010). O aumento das oportunidades de escolarização era um dos reflexos do processo de crescimento populacional e de urbanização, o que ocorria em várias outras regiões do país, já que a expansão das lavouras dependia do aumento do plantio e para isso era necessário se liberar terras produtivas, o que contribuiu para a acelerada urbanização do município, em 1950 81% da população vivia na zona rural já no ano de 1970 esse número era apenas 27%, chegando a apenas 6% em 2000 (IBGE, Censos 1940-2000). O desenvolvimento dessa região só foi possível por meio da contribuição importante dos migrantes nordestinos, uma peculiaridade do Pontal Mineiro. E foi a partir desse contexto de grandes mudanças que se construiu a imagem em torno da figura do migrante, que seria moldada também no interior das escolas, já que nas cidades os filhos dos migrantes passariam a freqüentar essas instituições. Os fluxos migratórios para essa região de Minas Gerais configurou-se em pelo menos dois diferentes formatos: a) entre os anos de 1940 até fins dos anos de 1960, boa parte dos indivíduos migrou acompanhando o êxodo rural em massa, muitos não retornariam a sua terra de origem, já que as viagens nesse período, no “pau-de-arara”, demoravam semanas e em condições precárias. Além disso, com o tempo a segunda geração dos migrantes se enraizou experimentando algum grau de ascensão social. b) a partir dos anos de 1970 há um refluxo dos migrantes, relacionada a queda nas atividades agrícolas, mas a partir da década de 1980, com o plantio da cana-de-açúcar, tem início a migração temporária, ligada ao período da safra e que gerou o fenômeno do “aluno sazonal” em algumas escolas. Esse tipo de migração foi facilitado pelo avanço do setor de transportes, cujas viagens passaram a ser feitas em excursões de ônibus, além da pavimentação dos caminhos percorridos entre as regiões. Alguns depoimentos colhidos desses dois momentos distintos esclarecem parte desses processos e reforçam nossas hipóteses. Sobre o fluxo migratório iniciado ainda nos anos de 1950, assim afirmou nosso colaborador residente atualmente no Rio Grande do Norte e que trabalhavam transportando migrantes: “Eu sei lá quantas veis eu fui em Minas Gerais eu perdi a conta... [...] Vixi Maria!!! Sei que a primeira vez nos gastamos 19 dia... (risos) não tinha estrada. Passemo até em ponte veia de pau que o carro passou... a ponte caia (risos)” (FALEIROS, 2011) 10 Em outro depoimento, o colaborador que migrou para Minas revela porque os caminhões não seguiam pelas estradas: Aí entramos no caminhão, a viagem começou. Ali viaja o dia inteiro até as dez da noite. [...] Para pro almoço, para na estrada, faz comida debaixo do caminhão numa trempe de pedra, outros só come o arroz, uma carne com uma farinha. Uns faz o feijão. Toma banho nos rios, [...] É uma viagem pra dentro do mato. Naquele tempo era proibido, não tem rodovia, era tudo estrada de terra. [...] Eu lembro que não era nosso caminhão, mas veio outro caminhão junto. Morreu uma criancinha no pau-dearara. Certo? Foi mais um dia parado na beira da estrada pra fazer o sepultamento dessa criança. Pra mãe e o pai e os parente largar aquela criança no meio da estrada e continuar a viagem. (FARIAS, 2011) O maior fator de expulsão dos homens e mulheres da região Nordeste ao longo das primeiras décadas do século XX foram as grandes secas. Lançar-se ao desconhecido e nessas condições precárias de viagem era a única alternativa a milhares de sertanejos em busca de sobrevivência. De acordo com Pompeu Sobrinho (p.15): Na primeira metade do século XX, o Nordeste experimentou 4 secas calamitosas, nos anos de 1915, 1919, 1932 e 1942. À meia centúria, que se iniciara sob a influência da terrível seca de 1900, terminou nas vésperas de um quinto flagelo clímico, que se desenrolou, mais ou menos acentuado de 1951 a 1953. Além dos flagelos naturais, a migração também era motivada pelas notícias em rádios que veiculavam a idéia de que o Pontal Mineiro seria um “novo eldorado”. Os parentes que migraram em fins dos anos de 1940 enviavam recados a seus familiares informando sobre as oportunidades de trabalho na lavoura, o que daria início a atividade do “agenciador de mãode-obra” responsável pela intermediação entre fazendeiros e trabalhadores. Em geral, os migrantes saiam de sua terra endividados com as despesas da viagem, assim, os fazendeiros compravam essas dívidas em troca do trabalho dos nordestinos: “Agente só pagava depois que chegasse lá.” (COSTA, 2011) Em uma das viagens de um motorista que fazia essa rota nos anos de 1950-60, ele relatou o destino de alguns dos trabalhadores: “Cheguei lá fomo entregar as arara na fazenda. [...] Ia de fazenda em fazenda só entregando... vendendo as arara (risos) [...] Nem bem chego, quando foi no outro dia eles escaparam... [...] Fugia pra num paga... (risos) [...] Tinha vez que saia 10 pau-de-arara daqui...” (FALEIROS, 2011). Dessa maneira, os nordestinos “Espalharam-se por essa vasta região trazendo seu modo de vida, sua linguagem, estabelecendo diferenças que deram origem a interpretações variadas, gerando explicações, conceitos e preconceitos.” Passaram a ser chamados de “‘nortistas’, ‘pau-de-arara’, ‘barriga-verde’, ‘caicó’”, com seus hábitos e costumes e às vezes com a 11 “peixeira” na cintura, delineou-se um perfil de indivíduos rudes e violentos, e, portanto, deveriam ser mantidos a distância (SILVA, 1997, p.8-9). Rapaz, os mineiro de primeiro quando chegava lá, os mineiro achava que nois não era brasileiro não. [...] Aquilo era tudo cismado... cismado! [...] Os primeiro que foi, que nem o tio meu, embarcado num navio pro Rio de Janeiro, [...] ai é que... nesse tempo é que eles achava que os nortista não era brasileiro não meu fio... (FEIJÓ, 2011) A maior parte dos migrantes viajava com pouco ou nenhum grau de escolarização: “Estudava, mas agente não tinha tempo... é... começou a andar tinha que trabalhar mesmo... [...]” (FALEIROS, 2011) E outro depoente quando indagado se havia estudado no Rio Grande do Norte ou em Minas: “Em canto nenhum! Quando eu era pequeno, naquele tempo era tudo pago ai nois não podia, né... era pago!” (FEIJÓ, 2011). Até esse período, a maior parte estava nas fazendas que não contavam com número de escolas adequado para o atendimento a toda a população rural, de acordo com colaborador que migrou para Minas na primeira infância: E nem existia escola, entendeu. Existia assim, uma professorinha ir lá numa fazenda, um fazendeiro daqueles, arrumava lá um rancho, um ranchinho lá na beira da casa, uma varanda, um rancho lá, um paiol de milho, um trem assim e punha ela pra dar aula e aqueles menino ia pra lá, mas ia quando não tinha serviço, certo. Eu fui assim mesmo, muitas vez pra escola. Nós ia em cinco irmão pra escola, o caderno era um só pra nós cinco. O livro era um só pra nós cinco, certo [...] Ia com um lápis, eu escrevia, depois ele escrevia. (FARIA, 2011). Em movimento gradual, as famílias foram saindo das fazendas “[...] em busca da cidade e do estudo para os filhos e depois, com a crise na agricultura, provocada pelas estiagens no final dos anos 60 e início de 70 (SILVA, 1997, p.101).” Esse dado surgiu em um dos depoimentos: “Nós foi pra fazenda do Antônio Baduí, sabe. Nós foi direto pra fazenda. Fiquemo lá de 53 até 72, na mesma fazenda. Aí de lá que nós viemos pra cá.” (SILVEIRA, 2011) A partir deste período, o acesso a educação pública começava a se expandir, e como o município já vivia forte processo de urbanização, parte dos migrantes, sobretudo seus filhos, teria sua entrada na escola facilitada com a criação de muitas dessas instituições pelos bairros da cidade, superando os obstáculos e as dificuldades em função de não portarem de forma plena e “legítima” os códigos culturais da região. Nesse momento, tem início a alteração do público das escolas, muitos migrantes passariam a exercer ocupações urbanas, de maneira que os fluxos migratórios seriam modificados, especialmente a partir dos anos de 1980, crescendo a presença dos migrantes temporários ou sazonais, acompanhando as safras agrícolas, sobretudo, a de cana-de-açúcar. Depoimentos de professoras que atendiam esse novo público (entre as décadas de 1980 e 1990) que acessava 12 as instituições escolares elucidam algumas práticas relativas a diversidade cultural e ao cotidiano escolar que o fenômeno dos migrantes gerava no interior das instituições. A condição do aluno temporário favorecia a evasão: E que vinha... naquela época agente falava bóia fria né, então eles vinham e iam, sabe não tinham época de chegar e nem de ir, quando começava a safra eles iam embora e não avisavam, os pais não avisam pra gente, sabe não avisavam a escola, então agente ficava com aquilo sempre perguntando né, pela criança, e ninguém sabia informar né? Porque eles iam embora... (MENEZES, 2012) O estranhamento cultural promovido também pelas diferentes condições sociais do local de origem e de destino dos migrantes fazia com que certas práticas desse grupo fossem rejeitadas e até mesmo anuladas no interior das escolas, mesmo que em alguns depoimentos as professoras que atendiam esse público não assumissem de forma declarada esse tipo de atitude. A questão da higiene dos alunos foi apontada de maneira recorrente nas entrevistas: [...] não tinha capricho com os cadernos não...e banho assim, muitas vezes chegava sujo, não era aquela coisa assim muito agradável não. (MIRANDA, 2012) E também: [...] difíceis, porque às vezes eles ficam sozinhos em casa, às vezes brincava sozinho na rua, chegavam sujinhos, suados, então existia muita poeira na época né não era tudo asfaltado, então iam sujos mesmo especialmente os uniformes, era uma briga a questão desse uniforme... a cor deste uniforme. (risos). (MORAES, 2012) Outro elemento importante que surgiu nas entrevistas com as professoras foi a questão da marginalização do diferente, em função de acentuados elementos culturais como o sotaque e as vestimentas, além das características físicas (tez morena): Olha ás vezes eles eram diferenciados, os colegas, o sotaque, a maneira de conversar, então os alunos já tinham... tinham uma certa resistência, é naquela época a gente já percebia uma dificuldade de entrosamento entre eles. [...] Eles eram assim muito distante sabe? [...] era o grande problema... É esse eu acho talvez não era tanto a aprendizagem, era esse relacionamento eles se sentiam assim retraídos e os colegas as vezes não queriam fazer, sabe... atividades com eles (MATOS, 2012) Em Elias (2000, p.30) encontra-se referência ao comportamento de crianças estigmatizadas: “Verifica-se que as crianças marginalizadas são mais propensas à agressividade e, em certo sentido, materializam os estereótipos que lhes são atribuídos, [...]” Assim, pode-se inferir que a exclusão desses migrantes em sala de aula se refletia na aprendizagem, definida por uma professora não como indisciplina mas uma dificuldade de se organizar para a realização das atividades em sala de aula: É, a indisciplina mesmo em si não, as vezes uma desorganização do caderno, e as atividades, talvez eu acho eles não entendiam as vezes a maneira nossa por causa da diferença da região. [...] Me parece que eu ouvia sim dos próprios professores colegas também às vezes achavam que eles sabiam pouco, eles não aprendiam sabe 13 agente percebia isto, eu não sei se teve um entrosamento a diferença né de... de lugar é as vezes talvez aquilo que estavam aprendendo lá não é o mesmo que agente estava ensinando aqui, eu penso assim [...] (MATOS, 2012) O preconceito, portanto, acabava por ser um dos elementos determinantes da evasão escolar, ao lado das precárias condições sociais que se encontravam os migrantes. É possível compreender com nitidez nesse estudo, a partir da observação dos dados, que desde os anos de 1950 foi se estabelecendo uma sóciodinâmica da estigmatização do migrante construída historicamente, com a sua chegada a região. Ao mesmo tempo reconfigurou-se a identidade dessa população construída a partir do conceito de nortista/nordestino desencadeado pela relação com os mineiros. E também destacamos a importância do reconhecimento da diversidade étnico-cultural no interior das escolas no desenvolvimento de um processo ensinoaprendizagem de qualidade. O estereótipo do nordestino foi construído a partir do modelo cultural local, portanto, o migrante é colocado em condição inferior na hierarquia social, isso em função, principalmente, de sua situação miserável, fugindo das secas e do desemprego. Traços étnicoculturais serviram de reforço desse estigma como o sotaque, a “pele escura” e os hábitos diferenciados. Dada a natureza das atividades profissionais para as quais esses migrantes eram contratados - a lavoura nas terras vermelhas, causava-lhes a aparência de indivíduos sujos, associando-lhes a ideia de imundice de forma que se misturar com esse grupo seria algo degradante, um tipo de “infecção anômica” (ELIAS, 2000, p26). Um dos depoentes assim revelou sobre seu relacionamento amoroso com uma filha de mineiros: “Ela era criada por um mineiro mas ela era acreana(?)... chamava ela de Teresinha, ai não deu certo não, o pai dela não gostava muito de nordestino. Gostava não! [...]” (SANTOS, 2011) Na região do Pontal Mineiro, contudo, o migrante construiu formas de inserção social, mesmo que de maneira periférica, representando conquistas em sua condição material, como a possibilidade do trabalho e de acesso a serviços públicos de saúde e educação. Nesse processo reconfigurou-se a identidade dos mineiros que se apresentaram como elemento dominante e modelo a ser seguido, mas também a identidade do nordestino que desde o princípio, teve sua cultura negada, atribuindo-lhe características que o desvalorizava. Considerações Finais Acreditamos que esse estudo contribui para desvendar o processo histórico-educativo vivido pela região, abrindo novas perspectivas para a compreensão do desenvolvimento local, 14 apontando os migrantes como fator importante nesse movimento, certamente, uma das especificidades da região. Dessa maneira, promover o desvelamento de arranjos e estratégias elaboradas pelos homens e mulheres migrantes, que se sujeitaram a condições duras de trabalho e sobrevivência e que muitas vezes os impediram de ter acesso a serviços públicos básicos como saúde e educação. Buscamos apontar a importância dos estudos que focam os fluxos migratórios internos já que desde os anos de 1950, o Brasil vem assistindo grandes deslocamentos de indivíduos pelo seu território. Boa parte desses indivíduos é originária da região Nordeste e tem sido responsável pelo enriquecimento das demais regiões do país, especialmente, do Centro-Sul. Apesar de sua importância, essa população é historicamente marginalizada sob vários aspectos, incluindo-se quando observada como objeto no interior das pesquisas de diferentes ramos das ciências. Assim, nossa proposta de investigação da relação entre migrantes nordestinos e escolarização no Pontal Mineiro visa a valorização dessa diversidade étnico-cultural motivada também pela presença desses indivíduos nas escolas da região. Apesar de sua participação ativa na construção da riqueza local, existem restritas referências a eles na literatura sobre a história do pontal. Referências Bibliográficas BARCELLOS, T. (1995) M. de. Migrações Internas: os conceitos básicos frente a realidade da última década. In Revista Ensaios FEE, Porto Alegre, no. 16, v.01, p. 296-309. BAUMAN, Z. (2009). Confiança e Medo na Cidade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed. BRITO, F. (2006). O deslocamento da população brasileira para as metrópoles. In Revista Estudos Avançados, no.20, v.57, p.221-236. 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Programa de Pós Graduação em História (dissertação de Mestrado) Pontífica Universidade Católica de São Paulo. SILVA, T. T. da (2007). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Editora Vozes. SOUZA, S. T. (2010). O Universo Escolar nas Páginas da Imprensa Tijucana (Ituiutaba-MG Anos de 1950 e 1960). In Cadernos de História da Educação, vol. 9, n.2. SOUZA, S. T.; SILVEIRA, D. de L. S. (2010). Migrantes Nordestinas e Escolarização em Ituiutaba-MG (anos de 1950 e 1960). In Revista HISTEDBR-OnLine, n.40, p. 245-257, dez. THOMPSON, P. (1992). A voz do Passado – História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Fontes Orais: COSTA, Francisco. Nasceu em 1950 no RN, migrou aos 23 anos, vivendo em Minas por 4 anos, quando retornou passou a trabalhar em Feira Popular. Entrevista em 04 de fevereiro de 2011. Currais Novos-RN. FALEIROS, José. Nasceu em 1934 no RN, trabalhou no transporte de migrantes em caminhões, desde 1953. Entrevista em 06 de fevereiro de 2011. Currais Novos-RN. FEIJÓ, Severino. Nasceu em 1938 no RN, migrou para Minas em 1958, trabalhou como motorista no transporte de migrantes. Entrevista em 07 de fevereiro de 2011. São Vicente-RN. 16 FARIAS, Luciano. Nasceu em 1951, na Paraíba. Migrou com oito anos para Minas aonde se aposentou. Entrevista em 13 de janeiro de 2011. Ituiutaba-MG. MATOS, Zeila. Nasceu em Ituiutaba-MG. Começou a lecionar em 1984, trabalha na Escola Municipal Manoel Alves Vilela. Entrevista em fevereiro de 2012. Ituiutaba-MG. MENEZES, Rosa. Nasceu em 1950 na cidade de Campina Verde-MG. Graduada e pósgraduada em História, aposentou-se na Escola Cônego Ângelo que atendia muitos migrantes. Entrevista em março de 2012. Ituiutaba-MG. MIRANDA, Terezinha. Nasceu em 1955 em Ituiutaba-MG. Graduada em Matemática, lecionou até se aposentar na Escola Cônego Ângelo. Entrevista em fevereiro de 2012. Ituiutaba-MG. MORAES, Diná. Nasceu em 1952 na cidade de Ituiutaba-MG. Casada com migrante paraibano, cursou pedagogia e lecionou na Escola Cônego Ângelo. Entrevista em fevereiro de 2012. Ituiutaba-MG. SANTOS, Severino. Nasceu em 1940 no RN, migrou para o Pontal Mineiro em 1960, com 20 anos de idade, retornou no ano de 1970 para Currais Novos-RN onde se aposentou trabalhando em mina de Tungstênio. Entrevista em 05 de fevereiro de 2011. Currais NovosRN. SILVEIRA, Joana. Nasceu em 1952 no RN, migrou com dois anos para Minas, desde que se mudou para a cidade de Ituiutaba, trabalha como doméstica. Entrevista em 11 de janeiro de 2011. 1 MORADIA E TRABALHO: RELATO DE EXPERIÊNCIA NO ENSINO DE HISTÓRIA – EJA ROSANA KASUE KUNIYA* ????? Em agosto de 2013 comecei a lecionar em turmas do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) na Escola Estadual João Rezende no município de Uberlândia, Minas Gerais. Foram as primeiras experiências que tive com o EJA. Na tentativa de evidenciar as trajetórias de meus alunos, elaborei um plano de aula para os meses de agosto a dezembro, que contemplou a escrita manuscrita individual de suas experiências no decorrer das trajetórias desde a infância até o presente momento. Indiquei como pontos fundamentais para o relato, as trajetórias de onde morou e trabalhou seus familiares e o próprio aluno, entretanto mantive a escrita livre para outros temas que quisessem abordar. Com base nestes relatos elaboramos o jogo educacional. Todo o processo de elaboração do jogo educacional “Trajetórias” foi desenvolvido em parceria entre a escola e o Nupehcit/UFU no projeto “Cidade de Uberlândia: História regional e local, ensino aprendizagem e jogos narrativos” com a coordenação do professor Sérgio Paulo Morais. Este texto inicial segue de modo ainda descritivo e menos analítico por se tratar de uma reflexão da trajetória percorrida durante a elaboração do jogo educacional. Os alunos tiveram o prazo de dez semanas para escreverem suas experiências, nos meses de setembro, outubro e inicio de novembro, pois para escreverem sugeri que buscassem conversar com pais, mães, enfim todos os familiares possíveis e também rever fotografias da família a fim de recordar outros momentos alem das que já tivessem em suas memórias presente. Li todos os textos elaborados pelos alunos, é decidi que mesmo fazendo parte da avaliação bimestral não iria ditar critérios para nota, e sim, a entrega do texto com o devido comprometimento com as temáticas e a data. Para mim restou duas semanas de intensas leituras dos relatos, ou seja, as duas ultimas semanas de novembro, pois a entrega destes textos lido era o meu compromisso com os alunos. Em 27 de novembro de 2013 realizamos uma visita técnica com os alunos do EJA ao Centro de documentações em História na Universidade Federal de Uberlândia no período noturno, corresponde ao turno que estudam na escola, registramos a visita por meio de fotografias. Para a locomoção dos alunos da escola até a universidade pagamos o fretamento de um ônibus em conjunto com a coordenação pedagógica, direção da escola e também a livre doação dos alunos. Fomos orientados durante a visita por uma funcionaria que expôs e explicou sobre fotografias e jornais de época, além disso, estagiários apresentaram e explicaram o processo 2 de restauração de documentações histórica, como por exemplo uma página de jornal. A intenção da visita foi apresentar aos alunos o local onde encontramos parte das memórias da cidade no Centro de Documentações em História/CDHS-UFU, além das que eles pesquisaram no âmbito familiar e especialmente mostrar que eles também são sujeitos da história na cidade. Durante os meses de janeiro, fevereiro e março de 2014 retomei as leituras dos relatos dos alunos, que havia escaneados e com autorização dos alunos para a utilização na pesquisa. Por meio das leituras pude perceber assuntos que se assemelham, na condição de trabalhador, de moradia, família, estudante enfim na luta “por melhores condições de vida”. Diante disso, fiquei a pensar qual é o significado e o que são essas condições? Confesso que foi difícil trazer para este relato apenas cinco experiências, diante de tantos relatos peculiares. Ao recomeçar as leituras, muitas histórias remeteram a minha própria história de vida, muitos relatos narram a vivencia rural e a dificuldade de estudar na zona rural, em muitos casos os filhos e filhas tiveram que trabalhar com os pais e também a locomoção da propriedade rural para a escola foi um problema que o poder público “não resolvia”. Além disso, os migrantes muito freqüentes na cidade de Uberlândia por motivos de trabalho, financeiros e particulares são também percebidos nos relatos. A particularidade de sentidos das trajetórias está impregnada nas escritas dos relatos, por isso mantive em todas as citações o modo da escrita na intgra. A trajetória desde as lembranças da infância no Paraná evidenciado pela construção da usina de ITAIPU até a “vida equilibrada63” no distrito de Tapuirama em Uberlândia, Minas Gerais, indicam vivencias e motivos peculiares, mas que também assemelham quando notamos a infância recordada, o trabalho no campo, a dificuldade de estudar, o trabalho de domestica, o casamento, a moradia compartilhada com a sogra durante o matrimônio, logo o nascimento dos filhos. É o que evidencia o relato de uma aluna do segundo colegial em 2013, Eu nasci no dia de 07/05/1977 na cidade de Marechal Candido Rondon. Morava em Santa Helena com meus pais no sitio quando foi criada a Usina de ITAIPU nos fomos indenizados e tivemos que sair da terra, fomo morar em Pato Bragado. Em um sitio que compramos lá eu tive uma infância maravilhosa. após alguns anos mudamos para São Roque em outro sitio que era dos meus pais, na parte da manhã nós estudávamos e na parte da tarde tínhamos que trabalhar na roça com meus pais, nos fins de semana Brincávamos nos gramados, jogando futebol, esconde-esconde, lets a tardinho era hora de tirar o leite todos tinham que ajudar. Aos meus 12 anos parei de estudar para ir trabalhar em uma fazenda vizinha, nos meus 15 anos trabalhei na cidade ate os meus 17 anos de domestica e conheci meu marido, um tempo depois casamos e eu fui morar com minha sogra ali morei por 6 anos tive meus dois filhos nesse tempo. (...) Em 2002 voltei a morar com meus pais por dois anos sempre trabalhando na roça. Em 2004 eu meu marido e meus filhos decidimos 63 Afirmação encontrada no relato manuscrito de Claudia M. F. Boroski. 3 vir morar para Tapuirama aqui vim para a cidade e meu marido trabalhou e continua trabalhando na roça. E eu hoje ainda trabalho de domestica na parte da manhã à tarde arrumo minha casa e venho a noite para a escola. Minha intenção ao elaborar o jogo educacional foi para além de abordar as temáticas, trabalho e moradia, entender os desdobramentos que compõe as trajetórias. Talvez, o desafio do professor em sala de aula e tentar relacionar a vivencia do aluno com as amplitudes políticas, econômicas, os impactos ambientais e os de propriedade privada, como no caso da família de Claudia, foram praticamente “expulsos”, pela construção de ITAIPU, mesmo com a indenização, isso trouxe o rompimento obrigatório da família com a terra naquele local. Mais do que citar o rompimento com a terra, mas sim com toda uma vivencia um modo de vida experiências e costumes de um determinado grupo. Sua construção cultural suas formas de organização. Sua identidade. Com a compra de outra propriedade com o dinheiro da indenização a família parece ter mantido uma pratica semelhante de trabalho em sua propriedade, talvez uma agricultura família, onde o marido, esposa e filhos/filhas participam nas atividades da pequena propriedade. Além disso, para complementar a renda familiar e também ter o próprio dinheiro Claudia começa a trabalhar na fazendo vizinha aos 12 anos, conforme relata, a partir disso sempre trabalhou, na zona rural ou na cidade como ela denomina de domestica e logo casou e teve seus filhos. Recentemente em 2013 com residência no distrito de Tapuirama em Uberlândia retomou seus estudos no EJA no período noturno, enquanto que durante o dia continua a trabalhar de domestica. Percebo que a trajetória de Claudia muito assemelha as mulheres/mães que a partir do fim da década de 1970 buscaram trabalho na cidade quando no momento elas não tiveram possibilidades de estudo, outro fator é a ociosidade da mão de obra no campo em decorrência da mecanização, assim muitos trabalhadores migraram para a cidade em busca de trabalho e moradia. Talvez, o caso de Claudia possa estar dentro das estatísticas de migração em função da mecanização na zona rural mesmo num contexto da década de 1990 e 2000, entretanto com particularidades no âmbito de sua vivencia como também numa conjuntura política de neoliberalismo. Nesse sentido, a citação do relato de sua experiência é aqui evidenciada para uma reflexão a respeito das condições de viver, trabalhar e estudar principalmente nos últimos trinta anos, onde notamos o acesso aos direitos do cidadão, sobretudo a partir de 1988 com a Constituição Federal do Brasil. O que tem mudado e melhorado as condições de trabalhadores que vivem como Claudia? Minha intenção foi também de evidenciar como os alunos se percebem enquanto cidadões de direitos e deveres em seus trabalhos e na aquisição de moradias. 4 Outra trajetória de migração e o de Fabrício que mudou da Bahia para Uberlândia. A infância como de Claudia, Fabrício também trabalhou para ajudar na alimentação de sua família e da própria manutenção, pois comprava seus vestuários. Entretanto, as condições de trabalho era bem observado pelo cuidado da mãe que preocupava com a educação e o ambiente onde Fabrício trabalhou, por isso às vezes ganhar menos e ter a possibilidade de pagar as próprias necessidades e contribuir com o que puder na casa foi a prioridade. Diferente de Claudia, Fabrício evidencia somente o trabalho durante a sua infância, não se tem o relato de brincadeiras. Isso chamou a minha atenção para inserir no jogo educacional pergunta sobre as brincadeiras na infância, este foi esquecido no momento do relato ou não tiveram momentos de lazer? Penso também que Fabrício brincava, mas no caso dele o trabalho assumiu uma esfera maior na vivencia, pois o trabalho foi fundamental na sua infância, sobretudo para a sua alimentação. Nesse sentido acho pertinente as perguntas a respeito da infância, para clarear os modos de vida que crianças e pais relacionavam nos momentos de “lazer”. Nasci na Bahia morei com minha avo e meus irmãos por muito tempo e devo tudo que tenho para ela, por isso eu tento da o meu melhor para conceguir tudo que quero para dedicar a ela como agradecimento por tudo que ela mim encinou. Tenho casa própria desde quando nasci, e comecei a trabalha com 13 anos de idade para poder ajuda minha mãe que tem mais 4 filhos, com isso era muito difícil para ela cuidar de 5 filhos sozinha como tinha eu e outro irmão mais velho nois ajudávamos ela a cuidar dos outros mais novos. O meu primeiro emprego foi de garçon, trabalhava em um bar que tinha muito movimento e com isso muitas brigas também, por isso minha mãe não quis que trabalhace mais em bar por causa de brigas e para que não começace a beber bebida alcoólica. Meu segundo foi em uma fazendo ajudava a fazer ração para os animais, ganhava pouco mais já ajudava muito, dava pra mim compra roupas e outras coisas que eu necessitava e ajuda minha mãe com as dispesas de casa. Já com 18 anos eu mim mudei para Uberlândia, moro com meu irmão mais velho e os outros irmãos mais novos vivem com minha mãe na Bahia. Hoje não tenho muita preocupação com gastos vivo para mim sustentar e vivo muito bem. 64 Percebo em alguns relatos o compartilhamento da moradia entre pais, avos e netos são praticas recorrentes, principalmente nos primeiros anos da união do casal ou por uma gravidez inesperada. Como Fabrício, Driele e os filhos de Claudia também moraram com seus avos nos primeiros anos de vida. Assim a conquista por moradia é uma luta em conjunto com toda a família. Um exemplo que cito é o relato de Driele que vivenciou a luta por moradia por meio de invasão, isso chamou minha atenção, sem muitos detalhes desse momento, Driele ressalta o comportamento agressivo que seu pai os tratava, talvez em função do álcool e da miséria daquele momento. Percebe se neste relato e também nas de Cláudia e Fabrício que o trabalho na zona rural, ou seja, o retorno para o trabalho no campo eram experiências comuns, diferente de seus pais que retornaram ao campo, Driele atualmente trabalha em dois empregos 64 Fabrício Silva Pinto, aluno do segundo colegial EJA no segundo semestre de 2013. 5 e mora na cidade. O relato de Driele muito desperta minha curiosidade para as trajetórias de mudanças de moradias que as pessoas vivem na busca pela oportunidade de uma casa própria. Assim, elaborar perguntas para explorar com detalhes a trajetória de mudanças, ou seja, a luta por moradia é uma exercício fundamental para entendermos os migrantes da região. Nasci em 88 morando na casa do meu avô logo depois mudamos para a zona rural ficando lá por 2 anos, meus pais depois de muito sofrer com patrões e familiares acabaram mudando para uma invasão, onde sofremos muito com a miséria, alcolismo e agressões de meu pai na época era muito forte agressivo. (...) Depois de muita luta hoje com 25 anos trabalho em 2 empregos voltei a estudar aos trancos e barrancos depois de 10 anos parada, pretendo fazer jornalismo para quem sabe meus filhos terem uma infância melhor que a minha. 65 A luta por moradia parece um momento de conquista solitária. Durante as leituras dos relatos não identifiquei uma escrita que se referisse na participação a programas de habitação seja em Uberlândia ou em outras cidades por onde moraram e trabalharam. Na tentativa de evidenciar e trazer as discussões a respeito dos programas de habitação elaborei perguntas que remetem ao assunto moradia. Interessante perceber no relato abaixo que a experiência de morar na cidade durante a infância, sobretudo em bairros afastados do centro da cidade, apontam inicialmente para a convivência com a criminalidade e assim Samuel evidencia um contexto dicotômico entre a honestidade e a criminalidade. (...) meu pai sempre foi caminhoneiro e minha mãe dona de casa. Nasci em uma cidade pequeno chamado João Pinheiro onde todo mundo conheci um ao outro. Fiquei até meus cinco anos de idade morei lá, em seguida fui morar em Unai-MG fiquei pouco tempo e vim para Uberlândia onde comecei a criar amizades, bagunças, brincalhões e mais aligrias. (...) Ai fui estudar em uma escola no bairro aclimação, por incrível que pareça La é um bairro cheio de malandragem, drogas e tudo que um adolescente precisa para entrar no mundo das drogas e do crime. Mas graças a deus eu não escolhi este caminho preferi escolher o caminho do trabalho onesto mesmo porque quem nasci pobre se não trabalhar honestamente vai para o mundo do crime mesmo com muitos colegas meus foram e nunca mais voltaram mesmo assim ainda tem muita gente que prefere isso porque nasceu pobre se não estudar o único jeito é isso mesmo.66 Filho de caminhoneiro e mãe do lar, Samuel enfatiza em sua narrativa as escolhas entre trabalhar honestamente ou entrar no “mundo do crime”, possivelmente essas eram os assuntos que permeavam a sua vivencia durante a adolescência no bairro Aclimação em Uberlândia. O pai com a profissão de caminhoneiro provavelmente percebeu que morar possibilitava seu trabalho próximo de empresas e a localização da cidade também influenciou para a sua mudança. Semelhante ao relato de Samuel, Robson também evidencia o trabalho de seu pai a de caminhoneiro, que também exerceu antes de seu afastamento de saúde. O relato de Robson 65 66 Driele Cristiva Silva, aluna do primeiro colegial EJA eja no segundo semestre de 2013. Samuel de Freitas, aluno do segundo colegial EJA no segundo semestre de 2013. 6 também evidencia a mudança de suas residências na zona rural possivelmente em função do trabalho do pai. A boa lembrança da infância Robson enfatiza as brincadeiras e, sobretudo a diversidade de frutas, isso talvez aponte que a alimentação foi muito bem vivenciada. Entretanto o acesso a escola foi à dificuldade de locomoção da moradia a escola. Experiência esta que bem sabemos é uma realidade nacional vivenciada na zona rural. As festividades religiosas também são momentos compartilhados em muitas datas e localidades brasileiras, evidentemente que as particularidades dos festejos são regionais. Eu nasci no dia 03 de janeiro de 1974, na cidade de Uberlândia, no hospital Santa Clara. (...) Meu pai não teve formação acadêmica e profissional, e por isso, realizava serviços braçais que não eram bem remunerados. Minha mãe também de família pobre, tinha sua situação agravada por ter diversos problemas de saúde, entre eles o que levou a sua morte, um ataque cardíaco. Eu quando criança, morei em várias fazendas aqui em nossa região. Uma das primeiras em que eu me lembro, é também uma das melhores em que morei, apesar de algumas dificuldades, que também contarei agora. Em 1981 mudei para uma fazenda no município de Capinópolis, era uma fazenda muito boa, havia uma grande diversidade de frutas, um grande gramado em frente nossa casa onde eu e meu irmão brincávamos de bola, tínhamos bastante fartura. Também havia uma capela, onde pessoas de varias fazendas vizinhas, vinham para participar de novenas e missas e outras festividades. O que era mais difícil nessa fazenda era o fato da escola ser distante cerca de duas léguas de minha casa, porém nossa caminhada era bastante emocionante. (...) hoje temos dois filhos, Rafael, que completa dezoito anos em fevereiro 2014, e Vinicius de dez anos. Moro em Uberlândia, sou motorista afastado, e vivo feliz com minha família. 67 Percebo nos relatos que o perfil dos alunos enquanto trabalhadores estão empregados em ocupações como vendedoras, telemarketing, empregadas domesticas auxiliar administrativo, almoxarifado, serviços gerais, do lar. Outro fator que dificulta na educação em “tempo certo”, além do trabalho em tempo integral na adolescência, são as muitas mudanças de local do trabalho na zona rural e o acesso a escola nessas localidades, sobretudo nos relatos percebe se que a prioridade obviamente foi a alimentação. Em conversa informal nos corredores das salas de aula entre um intervalo e outro e durante algumas aulas, muitos afirmaram que a intenção ao terminar o ensino médio é estudar um curso técnico para estar o quanto antes no mercado de trabalho. Pois o objetivo é ocupar um trabalho com formação, ou seja, de algum modo especializado. Um exemplo evidente do abandono aos estudos na adolescência e pode se ver nos relatos de Claudia que começou a trabalhar na fazenda vizinha no inicio do ensino fundamental e posteriormente foi trabalhar de empregada domestica na cidade a partir dos 17 anos e continua a exercer em Uberlândia seu trabalho de domestica. A conclusão do ensino médio no EJA 67 Robson Gomes Diniz, aluno do segundo colegial EJA no segundo semestre de 2013. 7 significa para ela a possibilidade de estudar um curso técnico e ter uma profissão, ou seja, conseguir emprego com condições melhores. Muitos das trajetórias aqui evidenciam que os estudos no “tempo certo” não foram vivenciados em função de muitas mudanças de trabalho e moradia e, sobretudo para garantir a alimentação da família. Percebo a situação dos alunos do EJA em constantes lutas por busca de melhores condições de morar e trabalhar mesmo quando as dificuldades são atenuadas quando estes são dificultadas pelo próprio Estado e, sobretudo pela sociedade preconceituosa que os culpa pela situação destes trabalhadores/estudantes. Jogo Educacional: “Trajetórias” Descrição do Jogo: O jogo educacional de tabuleiro “Trajetórias” foi elaborado para aplicação em salas de aula com até 35 alunos. A proposta foi destinada para o ensino de jovens e adultos. O conteúdo foi elaborado a partir das narrativas escritas por alunos do EJA. Neste caso abordamos as temáticas de moradia e trabalho. As narrativas evidenciam trajetórias do campo para cidade, a composição familiar, a busca por moradias próprias para sair do aluguel, lembranças sobre a própria infância e de seus filhos, as experiências nos trabalhos e expectativas ao retorno para escola. Justificativa: Buscar a ferramenta do jogo educacional “Trajetórias” como uma proposta para elaborar uma aula que desperte a reflexão critica. Despertar no aluno questionamentos de suas próprias experiências e também de sua realidade que os rodeia. Essa atividade foi tornando indispensável a medida que eu conversava individualmente com os alunos, entre um intervalo e outro ou mesmo dentro da sala de aula. Percebi que muitos dos alunos tinham muito o que dizer sobretudo de seu trabalho e moradia. Para tanto, buscou se nas narrativas escritas pelos alunos, a trajetória de suas experiências, ou seja, o percurso dessas vivencia o localiza no espaço, por onde morou, trabalhou e festejou. Por meio das narrativas os alunos também podem se perceber no tempo, quando foi sua primeira moradia, quando foi sua primeira escola, quando foi seu primeiro trabalho. Dessa maneira, trazer para a sala de aula o processo vivido dos alunos. 8 As narrativas escritas por alunos e a elaboração do jogo educacional é para o professor de História momentos de pesquisa e ensino de História, ou seja, como afirma Fenelon, uma possibilidade do professor produzir o material didático e também participar do processo de elaboração de suas aulas. Elaborar o jogo educacional a partir das narrativas de alunos foi me fazer pensar como o conteúdo poderia ser aplicado na sala de aula. Dessa maneira, não faria apenas a reprodução de informações contidas no livro didático. tornar a aula mais participativa por parte dos alunos, e assim atingir ao máximo a participação dos alunos em sala de aula. Objetivo Geral: O objetivo geral do jogo educacional de tabuleiro “Trajetórias” foi realizar uma reflexão critica sobre as escolhas e atitudes nas trajetórias de morar e trabalhar dos alunos do EJA. Objetivos Específicos: Realizar uma reflexão critica por meio do jogo educacional; Incentivar os alunos a escrever textos que remetem as suas trajetórias; Metodologia: Inicialmente propomos aos alunos do EJA narrarem de modo escrito suas trajetórias de moradias e trabalhos. Estipulei o prazo de entrega destes trabalhos em 10 semanas. Ao explicar o que e como deveriam escrever compartilhei a minha trajetória com os alunos. Propôs também a minha disponibilidade a esclarecimentos durante a escrita individual de suas experiências. As narrativas escritas deram se o resultado de cerca de 249 paginas manuscritas que estão impressas e encadernadas. Os manuscritos originais foram lidos e entregas para os alunos. Em meios as narrativas foram intercaladas fotografias do arquivo pessoal dos alunos. As trajetórias manuscritas revelam as particularidades dos percursos de mudanças de moradias, o convívio família, as lembranças de infância, os percalços nos trabalhos/empregos, e as expectativas para o futuro. A partir das narrativas escritas dos alunos, foram pensadas e elaboradas as temáticas e as perguntas que compreendem as trajetórias e experiências. 9 Partindo para o processo de elaboração física do jogo de tabuleiro “Trajetórias”, utilizamos como base o papel Paraná de um metro por oitenta centímetros em seguida cortamos quatro cartolinas de cores diferentes em triangulo para representarem as temáticas abordadas. Para cada temática elaborou se três perguntas, os quais foram escritas de modo manuscritas. Colamos cada triangulo no papel Paraná com alternância de cor da cartolina. Para proteger o tabuleiro usamos o papel contacto. O desenvolvimento da aplicação é destinado para o espaço em sala de aula onde propomos aos alunos para que se sentem em círculo e no centro da sala de aula colocamos uma mesa no qual apoiamos o tabuleiro. O jogo de tabuleiro “Trajetórias” é composto de 12 temáticas que totalizam 36 perguntas, as perguntas foram elaboradas por mim. O jogo se inicia com o professor girando a seta e o aluno responde a pergunta apontada e gira posteriormente, outro aluno responde a questão apontada e gira a seta. Para apontar uma pergunta utilizamos uma roda base de seta. Este foi elaborado a partir de uma roda de carrinho onde colamos uma seta feita de cartolina. Cada aluno poderá se identificar por meio dos itens abaixo: 1) Nome; 2) Cidade onde nasceu; 3) Profissão; 4) Idade Após cada rodada de três perguntas a roleta será recolocada pelo professor a fim de alterar a posição dos temas do tabuleiro. 1) MOTIVAÇÃO a) Quais foram os motivos que levaram a sua família mudar de cidade? b) Qual era a situação econômica do local onde morava? c) Como foi feita a escolha da cidade destino? 2) COSTUME a) Como você “vê” o casamento dentro da sua família? b) Por quem são realizados os afazeres domésticos na sua casa? Por quê? c) Qual era a utilidade do relógio para seus pais? E hoje? 3) FAMÍLIA a) De onde são os seus pais? O que eles faziam e/ou trabalhava? b) Quantos membros são compostos a sua família? Como vivem? c) A moradia atual é alugada ou “própria”? Como adquiriu? 10 4) INFÂNCIA a) Como você brincava/divertia na sua infância? b) Como foi sua infância? c) O que foi importante na sua infância? Por que? 5) ALIMENTAÇÃO a) Fale sobre os pratos típicos de sua região. b) Como e a sua alimentação no dia-a-dia? c) Como era a comida da vovó? 6) AMBIENCIA a) Como você se comportou dentro da sala de aula na sua infância? b) Como era o período eleitoral na sua cidade? c) Como eram as “feiras livres” na cidade onde nasceu? 7) ESCOLA a) Descreva o caminho percorrido por você nas escolas. b) O que a escola significa para você? c) Seus familiares freqüentam (ram) a escola? 8) CULTURA a) Qual é o tipo de relação que você e sua família tem com a religião? b) Seus pais e/ou avos contavam estórias para “dormir”, quando criança? Qual? c) Alguma festa de sua cidade é importante para você? E que maneira? 9) TRABALHO/EMPREGO a) Quais eram os trabalhos ofertados na sua cidade de origem? b) Como foi seu primeiro emprego? c) Você “gosta” de trabalhar? Por que? 10) TRANSPORTE a) Como foi feita a mudança, ou seja, o transporte dos bens materiais da casa de sua família? b) Como foi feita a primeira aquisição de um veículo em sua família? 11 c) Já usou como meio de locomover a carroça? Para que? Por que? 11) SAUDE a) Como a saúde é na sua família? b) Os “remédios das vovos” são usados por você? Como? c) Como era a situação da saúde pública na sua cidade de origem? 12) O QUE VOCÊ PENSA AO LER: a) “ ... buscando sempre melhor condição de vida” (Autora: Aluna M) b) “Com as lutas aprendi valorizar tudo principalmente a vida. Cada dia procuro melhorar, e cultivar as minhas raises.” (Autora: Aluna E) c)“... muitas coisas passaram ter sentido, ...” (Autor: Aluno A) Custo: O custo do material foi: 1) Papel Paraná 1 metro por 0,80 centimentros: R$ 4.00 2) Papel Cartolina, 4 unidades: R$ 2.00 3) Papel Contacto, 3 metros e meio: R$ 13.50 4) Cola: R$ 1.25 5) Roda de carrinho: R$ 12.50 Considerações a respeito da aplicação do jogo Essa foi minha primeira experiência na elaboração e aplicação do jogo educacional na escola. Desde a elaboração da temática moradia e trabalho em foco nas escritas dos relatórios dos alunos até a aplicação do jogo em sala de aula percebi que ficava mais evidente a luta desses alunos/trabalhadores que continuam a sua luta por empregos “melhores”, ou seja, melhores condições de trabalho e moradia. A visita ao Centro de Documentações em Pesquisa História – CDHIS/UFU foi mais um momento de aprendizado tanto pra mim quanto para os alunos, pois eles tiveram explicações a respeito da cidade onde mora, Uberlândia MG, viram se como agentes transformadores do espaço. Referencias Bibliográficas: 12 FENELON, Déa Ribeiro; MACIEL, Laura Antunes; ALMEIDA, Paulo Roberto de; KHOURY, Yara Aun. (Orgs.). “Muitas memórias, outras histórias”. In: KHOURY, Yara Aun. Muitas memórias, outras histórias: cultura e o sujeito na história. São Paulo: Olho d’Água, 2004 pp. 116-138. HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5edição. São Paulo: Perspectiva, 2007. THOMPSON, Edward Palmer. A FORMAÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA INGLESA: A Árvore da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 4º Ed., 1987. 204p. __________________. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de ALTHUSSER. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. _________________. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 1 O ENSINO DE ASTRONOMIA NA SALA DE AULA: UM ESTUDO DE CASO SOB A LUZ DA TEORIA DA ATIVIDADE LEONARDO GABRIEL DINIZ68 SIDNEY MAIA ARAÚJO69 JÉSSICA RODRIGUES COSTA70 Resumo Este trabalho é motivado pela experiência vivenciada na oficina “Elaboração de material didático a partir das provas da Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA)”, ofertada para professores da educação básica em um encontro pedagógico realizado no ano de 2014. A oficina contou com a participação de uma professora de Física da rede pública de ensino. Embora a Astronomia ocupe um papel de destaque nos documentos oficiais da educação básica no Brasil, normalmente, ela não é trabalhada nas escolas. Durante a oficina, foram discutidos propostas de ensino de Astronomia levando-se em consideração as especificidades da escola da professora participante. A discussão foi analisada à luz da teoria da atividade, que apontou a existência de diversas tensões entre a aplicação do ensino de Astronomia e a realidade da escola da professora. Palavras chave: teoria da atividade, ensino de Astronomia. Introdução A Astronomia possui um papel importante nos parâmetros curriculares da Educação Básica. Ela aparece como um dos temas estruturadores do ensino da Física no tema “Universo, Terra e Vida” (Secretaria de Educação Básica, 2006). Além de ser altamente motivacional, a Astronomia apresenta um forte caráter interdisciplinar, integrando as disciplinas de Física, Matemática, Química, Biologia e Geografia. Os parâmetros também destacam a necessidade de atividades práticas, visita a observatórios, planetários, associações de astrônomos amadores e museus de astronomia e de astronáutica. Apesar da importância explicitada nos documentos oficiais, a Astronomia normalmente não é trabalhada pelos professores em sala de aula. Nem mesmo nos cursos de formação de professores, como nas licenciaturas, ela está presente de forma satisfatória. Muitas vezes, na 68 Coordenação de Ciências, Centro Federal de Educação de Tecnológica de Minas Gerais, Doutor em Ciências pela Universidade Federal de Minas Gerais. 69 Coordenação de Ciências, Centro Federal de Educação de Tecnológica de Minas Gerais, Mestre em Ensino de Ciências pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. 70 Escola Estadual Nossa Senhora da Conceição, Graduado em Física pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. 2 melhor das hipóteses, a Astronomia aparece apenas como uma disciplina optativa do curso de Física. Somando isto à prática tradicional dos professores de ministrar apenas os blocos tradicionais da Física (Mecânica, Termodinâmica, Eletromagnetismo e Física Moderna), normalmente, o conhecimento astronômico não é trabalhado nas escolas (Langhi, 2012). Partindo deste contexto, o objetivo deste trabalho consiste em avaliar as possibilidades e dificuldades de se trabalhar o tema Astronomia dentro da disciplina de Física em uma escola da rede pública. A identificação e a discussão das possíveis tensões deste processo foram feita à luz da teoria da atividade, utilizando o diagrama proposto por Engeström (1987) como ferramenta de análise. O diagrama do sistema de atividade como instrumento de análise de uma prática escolar Uma discussão detalhada sobre a teoria da atividade e suas possibilidades na análise de práticas educativas é feita por Moreira et al (2011). Nesta seção, são apresentados alguns aspectos básicos do diagrama do sistema de atividade como instrumento de análise de práticas escolares. De acordo com a teoria da atividade, o processo de aprendizagem é socialmente construído. O sistema de atividade é movido por um motivo/objeto. O objeto de uma atividade é o seu verdadeiro motivo, o que dá sentido à atividade. Tomando o exemplo de uma atividade escolar, pode-se considerar o motivo/objeto do sistema como sendo algum objeto de conhecimento, como certo conceito, modelo ou teoria do currículo. A atividade escolar é orientada visando a aprendizagem desses objetos por parte dos alunos. O estudante é pensado como o sujeito central do sistema. Em geral, em uma atividade escolar, nem sempre o motivo pessoal que o aluno atribui a atividade vai ao encontro do motivo coletivo da mesma. A promoção deste encontro é um dos grandes desafios da atividade educacional (DUARTE, 2004). O sujeito está imerso em um comunidade, que pode ser considerada como a classe do estudante, toda a comunidade escolar ou mesmo algo mais amplo, dependendo do caso analisado. 3 Figura 1- Diagrama do sistema de atividade. O sistema de atividade é pensado como algo coletivo e mediado. As ações executadas no sistema de atividade possuem metas específicas que, quando analisadas em conjunto, buscam alcançar o motivo/objeto da atividade. As interações entre os indivíduos do sistema são mediadas pelos instrumentos, que são os recursos materiais e simbólicos utilizados no processo de aprendizagem. Entre os instrumentos mais comuns encontram-se o livro didático, o quadro e o pincel, os roteiros de atividades, os recursos audiovisuais, os laboratórios, etc. Além dos instrumentos, existem outras formas de mediação, como as regras que organizam a atividade. Estas regras podem ser definidas pelo professor, pela escola ou por outras formas negociadas de defini-las. Outra mediação importante consiste na divisão do trabalho, que também pode ser definida pelo professor, pela escola ou pode ser negociada entre o professor e a turma. Em uma atividade escolar, tem-se o propósito de alcançar o motivo/objeto da atividade, que consiste na aprendizagem de dado objeto de conhecimento. A interação entre os sujeitos, que se encontram dentro de uma comunidade, é mediada pelos instrumentos, pelas regras e pela divisão de trabalho. Estes elementos constituintes do sistema de atividade fazem parte do diagrama proposto por Engeström (1987), que é mostrado na figura 1. Estes elementos e suas 4 respectivas interações estão diretamente relacionados com os avanços e obstáculos encontrados no desenvolvimento da atividade. Em uma prática educativa, a especificação destes elementos constitui uma ferramenta de planejamento e descrição da atividade. Ao considerar o diagrama como um sistema dinâmico de interações entre os seus diversos elementos, pode-se analisar as possíveis tensões emergentes destas interações. Estas tensões podem ser positivas ou negativas. Enquanto as positivas contribuem com o propósito da atividade, as negativas dificultam a dinâmica do sistema. Partindo destas tensões, o diagrama cumpre a função de instrumento de análise da prática educativa. Contexto e método da pesquisa A motivação deste trabalho surgiu após a realização da oficina “Elaboração de material didático a partir das provas da Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA)”, que fez parte da programação do evento “Diálogos: Ensinar Ciências na Educação Básica e Profissional”, promovido pela Coordenação de Ciências do Centro Federal de Educação de Minas Gerais no ano de 2014. Por meio de oficinas e relatos de práticas educativas, este evento proporcionou um espaço de aproximação e diálogo entre professores da área de Ciências. A realização desta oficina foi fruto de um projeto de iniciação científica Júnior realizado em 2012-2013. Neste projeto, foram analisadas questões da Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica a fim de encontrar um ponto de partida para elaboração de material didático de Astronomia. A oficina foi ministrada pelos primeiro e segundo autores deste trabalho, professores de Física da rede federal de ensino, e assistida pela terceira autora, professora da rede estadual de ensino. Durante a oficina, foram discutidas possibilidades de utilização de questões da OBA como material didático em sala de aula, com atenção especial às propostas de atividades práticas. Ao final da mesma, foi levantada uma discussão a respeito das possibilidades de execução de atividades de ensino de Astronomia na escola da professora. As discussões suscitadas pelo tema ligadas à experiência didática e a realidade específica da escola da professora constituem a principal motivação deste trabalho. Partindo da teoria da atividade, foram analisadas as possíveis tensões de uma implementação do ensino de Astronomia nesta escola. Inicialmente, os dois professores elaboraram um diagrama do sistema de atividade sobre a possibilidade da professora incorporar a Astronomia em suas aulas. A fim de analisar as possíveis tensões constitutivas desta atividade, além da experiência vivenciada na oficina, os 5 professores realizaram uma entrevista com a professora. Com o diagrama esboçado e com as tensões levantadas, os resultados foram discutidos com a professora. A partir desta nova discussão, o diagrama e sua análise foram adaptados de modo a contemplar uma visão compartilhada entre os três professores. Possíveis tensões do ensino de Astronomia na escola O objetivo deste trabalho consiste em avaliar as possibilidades e dificuldades de se trabalhar o tema Astronomia em uma escola. Especificamente, esta análise foi feita focando-se na experiência didática da terceira autora, professora de Física de uma escola da rede estadual de ensino. Na figura 2, apresentamos o diagrama do sistema de atividade para o caso estudado. Figura 2- Diagrama do sistema de atividade para o caso estudado. O diagrama é pensado como um sistema complexo e dinâmico de interações entre os seus diversos elementos. Uma tensão emergente de dois elementos quaisquer pode afetar direta ou 6 indiretamente outros elementos do sistema. Em uma analogia, pode-se imaginar o diagrama como se fosse uma superfície elástica, onde uma deformação em uma interação específica (uma seta dupla do diagrama) acaba afetando o todo. Na análise seguinte, mesmo no caso de tensões relativas a mais de dois elementos do diagrama, tentou-se classificar as tensões pela dupla principal de elementos que deram origem às mesmas. Tensão emergente da relação entre a regra e o objeto Entre as principais regras deste sistema de atividade, encontram-se o currículo obrigatório, a carga horária da disciplina e as regras internas da escola. Segundo a professora, existe uma forte contradição entre os documentos oficiais de ensino e a prática real vivenciada nas escolas. Enquanto os PCNs destacam a importância do ensino de Astronomia no eixo “Universo, Terra e Vida” (Secretaria de Educação Básica, 2006), os currículos tradicionalmente praticados nas escolas são baseados nos tradicionais blocos de Mecânica, Termodinâmica, Eletromagnetismo e Física Moderna. Porém, ao mesmo tempo em isto traz grandes dificuldades, o desafio de integrar a Astronomia ao currículo tradicional é uma fonte de motivação para a professora. Outra tensão é a discrepância existente entre o conteúdo curricular e a carga horária destinada à disciplina de Física, que é de apenas duas aulas semanais. Segundo a professora, com esta carga horária, já é difícil desenvolver o conteúdo mínimo obrigatório. Por outro lado, foi destacado o caráter motivacional da Astronomia, abrindo a possibilidade de pesquisas autônomas dos alunos e da implementação de projetos de ensino de participação opcional dos alunos, como um grupo de estudos para a OBA. Uma importante tensão positiva está ligada à interdisciplinaridade intrínseca da Astronomia. Além da Física, os conhecimentos astronômicos aparecem em disciplinas como matemática, história, filosofia, química, geografia e biologia. Esta possibilidade de integração do currículo é uma fonte de motivação para a professora. No entanto, é importante destacar que a implementação de um projeto interdisciplinar dependeria também da participação e do engajamento dos outros professores da escola. A professora possui um forte desejo de iniciar um projeto de Astronomia em sua escola. Com este objetivo, em 2014, ela participou de um curso de extensão voltado para observação astronômica com telescópios. No entanto, a efetivação deste desejo esbarra em uma delicada tensão relacionada ao sistema de avaliação. Para ela, o ensino de astronomia necessitaria de atividades de pesquisa autônoma por parte dos alunos, da realização de debates e de atividades 7 práticas de observação. Neste ponto, a professora relata uma dificuldade em saber como enquadrar as habilidades e conhecimentos trabalhados com os alunos dentro do modelo rígido de provas bimestrais da escola. Esta transposição dispararia uma tensão vinda dos alunos e da comunidade escolar, cuja cultura predominante consiste em exigir uma forte correlação entre as questões da prova bimestral e a matéria copiada pelos alunos no caderno. Na verdade, este é um ponto amplo de tensão que envolve o objeto, as regras, o sujeito, a comunidade e a divisão de trabalho. Esta situação é agravada pela pressão existente por parte do Estado pela aprovação em massa dos alunos. Para contornar esta dificuldade, a professora pretende desenvolver um projeto de Astronomia no último bimestre do ano, já que as tensões relativas à avaliação e à aprovação dos alunos estão mais suaves neste período. Sem a pressão de conseguir a pontuação para aprovação da série, os alunos estariam mais tranquilos para se engajarem em um projeto de busca de conhecimento. Tensão emergente entre o sujeito e o objeto Em qualquer atividade escolar, deseja-se que o motivo pessoal que os estudantes atribuem à atividade vá ao encontro do motivo coletivo da mesma. Como a Astronomia possui um caráter motivacional para maioria das pessoas (Langhi, 2012), temos um impulso positivo em direção a este encontro. Segundo a professora, pegar um objeto que naturalmente desperta o interesse dos alunos e levar para a sala de aula é um importante ponto positivo em favor da Astronomia. Tensão emergente da relação entre o sujeito e os instrumentos Entre os principais instrumentos deste sistema de atividade, encontram-se o uso de questões de provas antigas da OBA. De acordo com a professora, o nível destas questões não é fácil para a média dos alunos da rede estadual de ensino. Segundo ela, a escola estadual possui uma realidade diferente das escolas federais e particulares. A professora relata a existência de muitos alunos que não sabem, por exemplo, nem mesmo que o Sol é uma estrela. Embora seja difícil aprofundar em alguns conceitos, para ela, ensinar um conceito básico e sua relação com o céu é bastante relevante para a vida de seus alunos. Quando isto ocorre, seus alunos mostram grande motivação ao verem a relação do que estudaram com fenômenos relacionados ao céu. Apesar das dificuldades, a ideia de partir de uma prova de alto nível para transmitir conhecimento e motivação para seus alunos empolga a professora. 8 Outra dificuldade apontada pela professora reside no uso de metodologias alternativas. Ela destaca que o objeto de estudo traz a necessidade de levar a turma para o laboratório de informática para uma pesquisa, de usar o data-show, de mostrar vídeos e simulações computacionais. Se por um lado, o uso destes recursos facilita a aprendizagem e otimiza o tempo da aula, por outro lado, eles encontram uma resistência cultural por parte da turma, que está acostumada ao esquema tradicional de copiar a matéria do quadro. A mesma resistência poderia vir por parte da comunidade escolar. Tensão emergente da relação entre sujeito e divisão de trabalho Com relação ao eixo “Universo, Terra e Vida”, os PCNs destacam a importância das atividades práticas de observação astronômica (Secretaria de Educação Básica, 2006). A professora também concorda que as atividades práticas, por meio de oficinas e atividades de observações do céu, são de grande importância para o ensino da Astronomia. Para ela, além de tirar os alunos da passividade, colocando-os como agentes ativos do processo, a execução destas atividades constituem uma forma eficiente de construção do conhecimento. Normalmente, o engajamento demonstrado pelos alunos nestes tipos de atividades é maior do que o demonstrado nas aulas expositivas tradicionais. Tensão emergente da relação entre comunidade e objeto A professora também aponta uma interessante tensão entre o objeto e a comunidade. Ao relacionar a Astronomia com temas de educação ambiental, como a questão da poluição luminosa, a professora enxerga uma importante oportunidade de transpor os muros da escola, trabalhando a cidadania dos alunos. Com este objeto de pesquisa, os alunos poderiam sair do ambiente escolar e agir no bairro, na comunidade. Esta possibilidade de ampliar a visão dos alunos, fazendo-os ir além da mera preocupação de estudar para passar de ano, traz grande motivação à professora. Considerações finais Neste artigo, foram analisadas as possíveis tensões relacionadas ao ensino de Astronomia considerando o caso específico de uma professora de Física da rede estadual de ensino de Minas Gerais. Embora a análise tenha sido local, os autores acreditam que as tensões 9 discutidas neste trabalho possuem realidade semelhante à de grande parte das escolas da mesma rede. A contradição existente entre os documentos oficiais e a realidade praticada nas escolas mostra que o ensino efetivo da Astronomia nas mesmas é um desafio complexo que vai além da vontade e do engajamento do professor. Embora as dificuldades sejam muitas e o caminho não seja fácil, o caráter motivacional, interdisciplinar e observacional da Astronomia produz interessantes possibilidades de práticas educativas. Segundo a professora, seu maior desafio consiste em saber conciliar o que os alunos querem, o que eles precisam, as regras da escola e as políticas educacionais do estado. Para o último bimestre deste ano, a professora pretende desenvolver uma sequência didática de Astronomia em suas turmas. Após finalizar esta nova etapa, os autores deste trabalho pretendem retomar o diagrama do sistema de atividade para análise desta experiência. Agradecimentos e apoios FAPEMIG e PROPESQ/CEFET-MG. Referências Orientações curriculares para o ensino médio. Ciências da natureza, matemática e suas tecnologias / Secretaria de Educação Básica. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006. LANGHI, R e NARDI, R.. Educação em Astronomia: repensando a formação de professores. São Paulo: Escrituras Editora, 2012. ENGESTRÖM, Y. Learning by expanding: an activity-theoretical approach to development research. Helsinki, Finland: Orienta-konsultit, 1987. MOREIRA, A. F., PEDROSA, J. G. e PONTELO, I.. O conceito de atividade e suas possibilidades na interpretação de práticas educativas. Revista Ensaio, Belo Horizonte, v.13, n.03, p.13-29, set-dez 2011. DUARTE, N. Formação do indivíduo, consciência e alienação: o ser humano na psicologia de A. N. Leontiev. Caderno Cedes, Campinas, v. 24, n. 62, 2004. 1 O PERFIL ACADÊMICO DO LICENCIANDO EM FÍSICA: IMPACTOS NA CONSTITUIÇÃO DE SUA IDENTIDADE DANIEL FERNANDO BOVOLENTA OVIGLI* VÁLDINA GONÇALVES DA COSTA** DENISE CRISTINA FERREIRA*** Resumo: O estágio curricular supervisionado (ECS), nos cursos de licenciatura, caracteriza-se como momento de especial importância no percurso formativo dos futuros professores e assume grande relevância frente às diretrizes curriculares. Trata-se de uma oportunidade para que o ECS se consolide enquanto espaço de interação com outros estudantes do curso, além de propiciar contato com professores mais experientes, aproximando-o de uma reflexão fundamentada na experiência vivenciada na escola. O presente trabalho visa à apresentação dos resultados parciais de um projeto de pesquisa que busca compreender a transformação do licenciando em professor a partir do estágio supervisionado, focalizando a Física. Partimos do pressuposto de que o perfil acadêmico configura-se como contributo à identidade profissional do professor. Os resultados aqui apresentados centram-se na seguinte questão-diretriz: quem é o sujeito ingressante no curso de formação docente em Física? Desenvolvido em uma IES federal, empregou questionários como instrumento de coleta de dados, em uma perspectiva de pesquisa exploratório-descritiva. Dez estudantes, sendo seis do sexo masculino e quatro do sexo feminino responderam a questões discursivas e de múltipla escolha. Todos apresentam menos de 30 anos e, pelo menos em alguma etapa de sua formação ao longo da Educação Básica, estudaram em instituição pública. Chama a atenção o fato de que três sujeitos cursaram técnicos, em edificações, mecânica e radiologia áreas que, de acordo com o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos contam com conteúdos de física. Ademais, dos três estudantes que afirmam trabalhar, um atua na área administrativa e dois já estão inseridos na área educacional. Os pais de cinco estudantes e as mães de quatro deles apresentam formação em nível superior, todas licenciadas. Quanto à participação destes estudantes em programas de ensino, pesquisa e extensão ofertados pela IES, os seguintes números foram levantados: PIBID (7), monitoria (1) e participação em PET, extensão e bolsa permanência não foram apontados por nenhum respondente; iniciação científica é desenvolvida por 5 respondentes, o que também denota a aproximação dessa área com a pesquisa. A extensão acaba por não apresentar papel relevante na formação desses estudantes, elemento importante ao considerarmos o caráter fortemente extensionista que a área de educação apresenta, bem como seu papel na constituição da identidade do futuro professor de Física. Palavras-chave: licenciatura em Física, estágio curricular supervisionado, identidade profissional. 1. Contexto e Justificativa O sujeito, antes de licenciando, antes de professor, constitui-se ser. Ser humano. Uma construção contínua, perene enquanto há vida. Nesse fazer-se, busca profissionalizar-se, 2 inserir-se como ser atuante na sociedade em que vive. Ao optar por ser licenciando, portanto futuro professor, depara-se com questões próprias do ser e outras mais, inerentes à condição docente: o que precisa saber? Quais conhecimentos deve mobilizar? Quais ações executar? Como agir? Onde focar? Conhecimentos específicos ou conhecimentos pedagógicos? Teoria ou prática? A esse respeito, Miguel Arroyo (2010, p.33) afirma: O ofício de mestre faz parte de um imaginário onde se cruzam traços sociais afetivos, religiosos, culturais, ainda que secularizados. A identidade de trabalhadores e de profissionais não consegue apagar esses traços de uma imagem social, construída historicamente. Onde todos esses fios se entrecruzam. Tudo isso sou. Resultei de tudo. Compreender esse processo de transformação da posição de aluno para a de professor, em especial para a de professor de Física, supõe olhar para o trabalho realizado no âmbito de cursos de Licenciatura em Física, bem como para a trajetória pessoal de cada licenciando. Para tal, justifica-se a escolha de trabalhar com um grupo de disciplinas que possibilitam o contato direto com a Educação Básica, e com as várias faces e interfaces da profissão docente: o Estágio Curricular Supervisionado (ECS). Não se menospreza, todavia, a contribuição das demais disciplinas para a formação do licenciando, pois acreditamos que todos os conhecimentos serão mobilizados na prática docente. A pesquisa sobre formação inicial de professores tem se debruçado sobre as dificuldades em se operar alterações sobre determinadas crenças relativas ao ensino, a exemplo da primazia dos conhecimentos específicos sobre os didático-pedagógicos. Como articulador entre essas duas dimensões, coloca-se o ECS. A partir da problematização sobre esse componente curricular propomos contribuir para a reflexão acerca de seu lugar na formação inicial de professores de Física. Apresentamos, pois, os resultados parciais de um projeto de pesquisa que busca compreender a transformação do licenciando em professor a partir do ECS em Física. Partimos do pressuposto de que o perfil acadêmico configura-se como contributo à identidade profissional do professor. Mas como analisar esse processo de constituição sem conhecer quem é esse sujeito? Quais elementos trazem ao longo de sua trajetória pessoal que contribuem para a formação de sua identidade como professor? Quais os desafios vivenciados em sua formação? Quais os impactos de suas ações no ECS para a Educação Básica? Conhecer esse processo de constituição pressupõe considerar o sujeito diretamente nele envolvido, o contexto de sua formação e o impacto de suas ações. 2. Suporte Teórico 3 A aprendizagem da docência se coloca como uma constante ao longo de toda a carreira do professor, transcendendo a formação inicial. Os iniciantes, em especial, ao tomarem contato com a realidade do trabalho docente, apoiam-se em suas crenças para encaminhar situações conflituosas ou de preocupações acerca do contexto escolar, principalmente quando determinadas situações vão de encontro a essas crenças. No âmbito das instituições formadoras, se pressupõe o fomento às reflexões quanto às crenças dos futuros docentes. Bejarano e Carvalho (2003, p.2) afirmam que a mobilização de conhecimentos para resolução desses conflitos, em longo prazo, “(...) caracterizam um genuíno desenvolvimento profissional desses professores”. As pesquisas relativas à educação em ciências têm apontado importantes contribuições para a formação docente. Perspectivas voltadas à racionalidade técnica vêm sendo paulatinamente substituídas por outras, que focalizam mais diretamente a profissionalização do professor e uma reflexão a partir da prática. Nessa vertente, o professor não é pensado como profissional que aplica técnicas ou modelos pré-estabelecidos fora de sua esfera de atuação, porém como sujeito que pensa e cria sua ação pedagógica. Nóvoa, Garcia, Schön, Perrenoud e Zeichner, no contexto internacional, além de Pimenta, Lima, Piconez, Kulcsar e Kenski no Brasil são autores que reiteram a segunda perspectiva. Em relação ao ensino de Ciências da Natureza, a literatura apresenta uma série de saberes a serem considerados nos programas de formação dos futuros professores. O conhecimento do conteúdo a ser ensinado, o questionamento das crenças do professor, a crítica ao ensino tradicional, o saber avaliar e dirigir atividades, por exemplo, são pontuados por Carvalho e Gil-Pérez (1998). A competência quanto aos conhecimentos específicos da disciplina, no caso Física, além de História e da Filosofia da Ciência são citados por Delizoicov (2000). No entanto, as demandas geradas sobre os cursos de formação inicial, tendo em vista renová-los e aperfeiçoá-los, não impedem que problemas persistam (MARTINS, 2009). A desarticulação entre a realidade prática e os conteúdos acadêmicos é um dos principais problemas. Para Pimenta e Lima (2004, p. 62), “(...) o estágio necessita ser compreendido como um campo de conhecimento e de produção de saberes, e não como uma atividade prática instrumental”. Trata-se de um lugar voltado à reflexão sobre a construção e o fortalecimento da identidade docente, e deveria configurar-se como eixo central nos cursos de licenciatura, possibilitando superar a dicotomia entre teoria e prática, aproximando a realidade escolar dos construtos teóricos (MARTINS, 2009). Adicionalmente, o autor cita a unidade teoria e prática como um dos cinco eixos propostos pela Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação 4 em Educação (Anped) e pela Associação Nacional de Formação dos Profissionais de Educação (Anfope) no que diz respeito à formação docente. Os estágios assumem, portanto, o papel de componente integrador, articulando os didáticopedagógicos com os de conteúdo específico. Teria, portanto, missão essencial na formação de professores, uma vez que possibilita a ligação entre a teoria e a prática (ZIMMERMANN e BERTANI, 2003). Essa centralidade é, inclusive, reiterada com as diretrizes curriculares nacionais de formação de professores, que elevaram para 400 o número de horas destinadas ao estágio supervisionado (BRASIL, 2002). 2.1. Construção das identidades sociais Berger e Luckmann (2003) fazem uma análise sobre as etapas de socialização às quais os indivíduos estão expostos no decorrer de suas trajetórias. Para eles, o processo de socialização é uma (...) “introdução do indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade ou de um setor dela” (2003, p. 175). A ação de socializar “implica em uma dialética entre a identificação pelos outros e a auto-identificação, entre a identidade objetivamente atribuída e a identidade subjetivamente apropriada” (BERGER e LUCKMANN, 2003, p. 177). A identidade vai sendo construída em meio aos processos de socialização primária e secundária. Esta é entendida como qualquer processo social que coloca o indivíduo em interação com novos setores do mundo objetivo da sociedade, diferentemente da primária, na qual a interação ocorre fundamentalmente no núcleo familiar. Na socialização secundária os conjuntos institucionais, especializados, aquisições de saberes específicos ou profissionais, passam a ser percebidos e vividos (BERGER e LUCKMANN, 2003, p.228). O contato com a realidade objetiva faz o indivíduo repensar a maneira como se vê e como vê aquilo que o cerca. A identidade, uma vez cristalizada, pode ser mantida, modificada ou mesmo remodelada pelas interações com o outro e com as estruturas sociais. A interação da subjetividade com a realidade objetiva reage também sobre a estrutura social dada, mantendo, modificando ou mesmo remodelando-a num processo contínuo de interação. Segundo Dubar (2005, p. 31) a socialização também é um processo de interações e de pertencimento a grupos. Trata-se da “(...) identificação, da construção da identidade, ou seja, de pertença a grupos e de relação. Socializar-se é assumir o sentimento de pertença a grupos, ou seja, assumir pessoalmente as atitudes do grupo que, sem nos apercebermos, guiam as nossas condutas”. 5 Dubar também investiga a vivência dos indivíduos nos setores institucionais ou realidade objetiva, como Berger e Luckmann (2003) apontam, e as experiências na aquisição de saberes específicos. Os saberes especializados, as vivências em novos setores institucionais entram em relação com a dimensão da subjetividade, ou seja, com a representação que o sujeito tem de si próprio (processo biográfico) e com a identidade que se tem para o outro (processo relacional). Pio (2012, p. 81) afirma que a identidade (...) possui simultaneamente uma dimensão individual – as idéias, concepções e representações que construímos sobre nós mesmos – e uma dimensão coletiva – os papéis sociais que desempenhamos em cada grupo do qual pertencemos (familiar, profissional, escolar religioso, etc.). Concorrem, pois, para a construção da identidade, dois processos distintos: um processo autobiográfico (a identidade do eu) e um processo relacional (a identidade para o outro). Dubar (2005) ao tecer uma análise criteriosa sobre a constituição das identidades profissionais nos processos de socialização, afirma haver construção, desconstrução e reconstrução de identidades. Ressalta que não é possível desconsiderar as interações dos indivíduos com as diversas esferas de atividades encontradas durante a trajetória vida e das quais deve aprender a tornar-se ator. Pio (2012) traz reflexões sobre a identidade social e os campos formação/profissão na contemporaneidade. Aponta a dinâmica das instituições, como o sujeito pode ou não estar inserido neste turbilhão social, e aborda as categorias sociais disponibilizadas. A esse respeito e fundamentada em Dubar (2005), Pio (2012) afirma que a identidade também passa pelo ingresso nas relações de trabalho, participando de ações em meio ao coletivo, enquanto atores participantes do jogo dos relacionamentos sociais das organizações. A partir deste momento, passam a receber atribuição de identidade da instituição e dos agentes com os quais se relacionam. É um jogo de forças entre todos envolvidos e da “(...) legitimidade das categorias utilizadas” (DUBAR, 2005, p. 107). As categorias empregadas nestas interações se impõem coletivamente, de acordo com seu tempo de permanência ou mudança. A construção identitária também se dá por meio da interiorização da identidade atribuída pelos outros para si. Esta identidade atribuída deve fazer sentido para o sujeito, pois irá entrar em contato com sua trajetória, com suas histórias, com a maneira de como se percebe e como percebe a realidade objetiva (DUBAR, 2005). As categorias de identidade empregadas pelas instituições e pelos seus agentes são necessariamente modelos ou categorias de identidades socialmente reconhecidas pelos outros, inclusive pelo sujeito em questão: estas, no entanto, variam de acordo com os espaços sociais nos quais ocorrem as interações. 6 A construção da identidade, portanto, passa pela articulação entre o subjetivo e objetivo, entre identidade herdada e visada e também “(...) depende dos modos de reconhecimento das instituições legítimas e pelos seus agentes que estão diretamente em relação com os sujeitos em causa” (DUBAR, 2005, p. 108). O autor pondera que a negociação identitária se dá pelos processos de comunicação: “O desafio é certamente articular essas duas dimensões complexas, mas autônomas: não se faz a identidade das pessoas sem elas e, contudo, não se pode dispensar os outros para forjar a sua própria identidade” (p. 110). Os sujeitos podem aceitar, perverter ou recusar o modelo identitário disponibilizado pelas instituições. Esse é um processo contínuo de reorganização tanto da identidade subjetiva do indivíduo como das próprias categorias ou modelos disponibilizados. Quando da recusa da categoria, entram em cena as estratégias identitárias para amenizar os conflitos entre a identidade atribuída e autobiográfica. 2.2.Constituição das identidades profissionais na educação Dubar (2005) também aponta que a constituição da profissionalidade dos indivíduos está ligada a três processos: (i) formação inicial e contínua das competências pela articulação das suas diversas origens (saber formalizado, saber-fazer, experiência); (ii) processo de construção e de evolução dos empregos e da sua codificação nos sistemas de emprego e (iii) reconhecimento das competências, resultado do jogo das relações profissionais (p. 153). Cada professor, portanto, tem sua própria trajetória de saber formalizado, construído também a partir de seu contato com os mais diversos estabelecimentos especializados. No caso da presente investigação, os licenciandos em Física apresentam em comum um saber específico em seu currículo de formação. Segundo Dubar (2005, p.151) “(...) a unidade elementar de definição é a especialidade, isto é, a competência especializada adquirida pela formação de base” (grifo nosso). A licenciatura é a habilitação profissional comum a todos os professores, critério legal para pleitear o cargo. Pode-se marcar a atuação desse profissional também no saber-fazer, nas experiências fruto das aprendizagens cumulativas. O cargo é “(...) a competência especializada adquirida pela formação de base somada ao saber-fazer adquiridos”. A carreira [docente] sanciona o domínio progressivo da junção dos conhecimentos (saberes formalizados) e dos saberes-fazeres (DUBAR, 2005, p. 151). Pio (2012) retrata que a carreira docente não é transmitida de geração em geração. Fatores advindos dos diversos sujeitos/gerações com os suas formações de base, saberes-fazeres, 7 experiências, somados às particularidades de cada instituição profissional, assinalam diferentes grupos de profissionais. Segundo Dubar (2005, p. 118) (...) a identidade social não é "transmitida" por uma geração à seguinte, ela é construída por cada geração com base em categorias e posições herdadas da geração precedente, mas também através das estratégias identitárias desenroladas nas instituições que os indivíduos atravessam e para cuja transformação real eles contribuem. Com relação ao espaço de atuação do professor, Louro (2000) também faz uma consideração relevante sobre as instituições legítimas do ensino. Ela afirma que não pretende imputar ao espaço escolar a responsabilidade de explicar as identidades sociais ou impô-las de forma permanente. Ressalta, no entanto, a importância de reconhecer que as proibições e imposições têm um sentido e constituem parte expressiva de muitas histórias pessoais e profissionais. Hall (2006) aponta também que os sujeitos são confrontados cotidianamente em diferentes situações, que variam conforme a localidade, pois a sociedade não é um todo homogêneo, centrado e bem delimitado, pelo contrário ela vive constantes deslocamentos. Daí a importância dos estudos locais que investiguem a rotina, o cotidiano das instituições especializadas, o que justifica a relevância do presente trabalho. 3. Metodologia Com o objetivo de investigar o perfil acadêmico dos licenciandos em Física de uma universidade federal situada no estado de Minas Gerais, realizamos o estudo exploratóriodescritivo aqui relatado. Neste momento, a questão de pesquisa proposta foi: “quem é o sujeito ingressante no curso de formação docente em Física?”. Buscamos, pois, investigar o impacto desse perfil na constituição da identidade do professor de Física formado pela instituição. Cabe destacar que toda pesquisa assume uma componente subjetiva, assim como qualquer investigação deve ser lida sob diferentes óticas. Visando à caracterização dos elementos comumente presentes em pesquisas de natureza qualitativa, Bogdan e Biklen (1994) apontam o fato de que uma pesquisa pode ser mais ou menos qualitativa dependendo dos instrumentos que utiliza. Considerando tais pressupostos, optamos pelo questionário como instrumento de coleta de dados, elaborado a partir de questões construídas coletivamente pelo grupo de pesquisa ao qual o projeto se vincula. As seguintes dimensões compuseram o questionário: (i) características pessoais, (ii) formação durante a Educação Básica, (iii) atuação profissional, 8 (iv) condições socioeconômicas e (v) apoio recebido e condições necessárias para cursar a graduação. Cabe ressaltar que questões ou questionários refletem os interesses daqueles que o constroem e, dessa forma, incumbe aos investigadores tentar reconhecer e tomar em consideração os seus enviesamentos, como forma de lidar com eles. Para Bogdan e Biklen (1994), quanto mais controlada e intrusiva for a investigação, maior a probabilidade de se verificarem “efeitos do observador” no comportamento dos investigados. Quando os investigadores qualitativos estão interessados no modo como as pessoas normalmente se comportam e pensam nos seus ambientes naturais, tentam agir de modo a que as atividades que ocorrem na sua presença não difiram significativamente daquilo que se passa na sua ausência: tais pressupostos foram considerados quando da aplicação dos questionários. Em um segundo momento, a análise textual discursiva orientou o olhar sobre o material empírico. Tal abordagem fundamenta-se nos significados que o pesquisador atribui aos dados, pautado na literatura. Portanto o pesquisador, em seu trabalho, é autor das interpretações que constrói a partir dos textos que analisa. Moraes (2003, p. 192) afirma que “Se um texto pode ser considerado objetivo em seus significantes, não o é nunca em seus significados”. 4. Resultados e Discussão Dez estudantes responderam ao questionário, sendo seis do sexo masculino e quatro do sexo feminino. Todos apresentam menos de 30 anos e, pelo menos em alguma etapa de sua formação ao longo da Educação Básica, estudaram em instituição pública. A Tabela 1 indica a naturalidade dos licenciandos. Tabela 1: naturalidade Município Frequência Belo Horizonte/MG 1 Conceição das Alagoas/MG 1 Franca/SP 1 Osasco/SP 1 Ouro Preto/MG 1 São Gotardo/MG 1 Uberaba/MG 4 9 Total 10 Fonte: produzido pelos autores Reiterando que a identidade é permanentemente construída, o fato de cursar graduação em instituição externa, muitas vezes, a seus municípios de origem, configura-se como processo social que coloca o indivíduo em interação com novos setores do mundo objetivo da sociedade, deslocando-o do núcleo familiar. Neste processo de socialização secundária, na universidade, os conjuntos institucionais e construção de saberes profissionais, passam a ser percebidos e vividos (BERGER e LUCKMANN, 2003). Ademais, chama a atenção três sujeitos terem feito cursos técnicos em edificações, mecânica e radiologia áreas que, de acordo com o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos contam com conteúdos de física, denotando alguma familiaridade com a área. Dos três licenciandos que afirmam trabalhar, um atua na área administrativa e dois já estão inseridos na área educacional, em conjuntos institucionais que congregam a construção de saberes profissionais para estes sujeitos. Quanto aos hábitos de consumo cultural (relativos à frequência em cinema, leitura e televisão), os dados seguem sistematizados na Tabela 2: Tabela 2: hábitos de consumo cultural Cinema Leitura TV Não 6 Não 4 Não 5 1 vez por mês 1 2 livros por mês 1 Fim de semana 1 2 vezes por mês 3 Diário 2 Pouca 1 Pouca 3 Todos dias 3 Total 10 Total 10 Total 10 Fonte: produzido pelos autores Dubar (2005), ao investigar a vivência dos indivíduos, aponta a relação que ações como as que são acima descritas têm com a construção da identidade. Cinema, leitura e televisão, por exemplo, entram em relação com a dimensão da subjetividade, ou seja, com a representação que o sujeito tem de si próprio (processo biográfico) e com a identidade que se tem para o outro (processo relacional). Tais processos encontram ressonância na socialização primária gestada no núcleo familiar. 10 Tabela 3: ocupação do pai e da mãe PAI Ocupação MÃE Frequência Ocupação Frequência Bibliotecário UFOP 1 Aposentada 1 Chefe geral de manutenção 1 Doméstica 2 Construtor civil 1 Dona de casa 2 Empresário 1 Empresária 1 Engenheiro 2 Professora 3 Falecido 1 Servente 1 Gerente 1 Operário 1 Professor 1 Total 10 Total 10 Fonte: produzido pelos autores Ao lançar um olhar sobre a Tabela 3, verificamos que os pais de cinco estudantes e as mães de quatro deles apresentam formação em nível superior, todas licenciadas, sendo que três atuam em sala de aula. Destaque-se que cada docente apresenta sua trajetória própria de saber formalizado, construído nos mais diversos estabelecimentos pelos quais passou. Ao mencionar que a carreira docente não é transmitida para a geração seguinte, Pio (2012) assinala que fatores advindos dos diversos sujeitos e gerações, com suas formações de base, saberes-fazeres e experiências, somados às particularidades de cada instituição profissional, vão caracterizando diferentes grupos de profissionais. Quando Berger e Luckmann (2003) analisam as etapas de socialização às quais os sujeitos estão expostos no decorrer de suas trajetórias, eles a definem como “(...) introdução do indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade ou de um setor dela” (p. 175). Quanto a uma possível interferência das mães nessa opção, cabe destacar que a socialização considera a identificação pelo outro e a auto-identificação (a identidade objetivamente atribuída e a identidade subjetivamente apropriada). Destaque-se que a identidade pode ser mantida ou mesmo reconfigurada a partir das interações sociais. Nesse processo de socialização secundária, ocorrida no contexto 11 universitário, emerge a participação dos estudantes em programas de ensino, pesquisa e extensão ofertados pela IES. A esse respeito, os seguintes números foram levantados: PIBID (7), monitoria (1) e participação em PET (Programa de Educação Tutorial), extensão e bolsa permanência não foram apontados por nenhum respondente; iniciação científica é desenvolvida por cinco respondentes, o que também denota a aproximação dessa área com a pesquisa. Um deles afirmou ter atuado no ensino fundamental, em um movimento de aproximação com a identidade do professor. Louro (2000) afirma que não pretende imputar ao espaço escolar a responsabilidade de explicar as identidades sociais ou impô-las de forma permanente. A autora reconhece que tais experiências apresentam sentido e constituem parte expressiva de muitas histórias pessoais e profissionais. Tabela 4: renda familiar e do estudante Renda familiar Renda do estudante Até R$ 724,00 2 Até R$ 724,00 1 De R$ 1.449,00 a R$ 2.172,00 3 De R$ 1.449,00 a R$ 2.172,00 1 R$ 5.793,00 a R$ 6.516,00 1 De R$ 2.173,00 a R$ 2896,00 1 R$ 7.240,00 a R$ 14.479,00 2 Não responderam 7 Não responderam 2 Fonte: produzido pelos autores A realidade na qual o sujeito vive e convive é de fundamental importância na constituição de sua identidade, ou seja, a formação de base que teve ao longo de sua trajetória de vida. Destaca-se que a renda familiar e também individual dos estudantes da licenciatura ainda é baixa, conforme apontam muitas pesquisas. Apesar de 7 estudantes não terem indicado a renda mensal, 4 responderam que trabalham, sendo 2 como professores. Partindo do princípio de que a articulação entre o subjetivo e o objetivo são fundamentais na constituição da identidade dos sujeitos (DUBAR, 2005) o fato de o sujeito trabalhar ou ter que trabalhar para o seu sustento e de sua família são escolhas realizadas diante da situação, no momento, vivida por eles e que vão se configurando em diferentes categorias ou modelos identitários. Nesse contexto, a renda é fundamental no sentido de possibilitar aos sujeitos maiores investimentos em diversos setores que contribuem para sua constituição identitária. 5. Algumas Reflexões 12 O texto procurou refletir sobre a constituição da identidade do licenciando em física considerando seu perfil acadêmico, constituído a partir de um questionário. Devido à carência de referências que analisem a identidade deste profissional formado na rede federal de educação, julgou-se relevante pensar e discutir sobre sua constituição, uma vez que sua atuação está atrelada ao ensino, pesquisa e extensão, tripé este que é o alicerce das instituições de ensino superior. Destaque-se que, de acordo com as respostas fornecidas pelos sujeitos investigados, a extensão acaba por não apresentar papel relevante em sua formação, elemento importante ao considerarmos o caráter fortemente extensionista que a área de educação apresenta, bem como seu papel na constituição da identidade do futuro professor de Física. Em relação à socialização secundária dos estudantes da Licenciatura em Física chama a atenção o fato de grande parte ser oriundos de outras cidades; a busca por novos conhecimentos em outros espaços com a inserção em programas como o PIBID, ou seja, a sua introdução em um mundo desconhecido, no qual será identificado pelo outro e também se auto-identificará. Esse processo de socialização lhe permitirá configurar e reconfigurar seus modelos identitários. Também cabe destacar a importância dos hábitos culturais na formação dos estudantes, pouco presentes segundo os dados da pesquisa. Apesar de a maioria dos estudantes terem pelo menos um dos pais com formação superior, esse hábito cultural não é tão difundido em seu cotidiano. Assim, o conjunto de novos dados e análises permitirá avançar em relação à reflexão acerca da constituição identitária dos licenciandos em Física. 6. Referências ARROYO, Miguel G. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis: Vozes, 2000. BEJARANO, N. R. R.; CARVALHO, A. M. P. Tornando-se professor de ciências: crenças e conflitos. Ciência e Educação, v.9, n. 1, p. 1-15, 2003. BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. BOGDAN, R; BIKLEN, S. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto Editora: Lisboa, 1994. 13 BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para formação de professores de educação básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. CP Parecer 009/2001, de 8 de CP Parecer 009/2001 maio de 2001a. Documenta n. 476, p. 513-562. CARVALHO, A.M.P. e GIL-PÉREZ, D. Formação de Professores de Ciências: tendências e inovações. Cortez: São Paulo, 1998. DELIZOICOV, D. Educação em Foco: Revista de Educação. v. 5, n. 1, 2000. DUBAR, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005 HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A, 2006. LOURO, G. L. (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2000. MARTINS, A. F. P. Estágio supervisionado em Física: o pulso ainda pulsa... Revista Brasileira de Ensino de Física (Online), v. 31, p. 3402-3402-7, 2009. Disponível em <http://www.sbfisica.org.br/rbef/pdf/313402.pdf>. Acesso em 27 mar. 2015. MORAES, R. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual discursiva. Ciência & Educação, Bauru, v. 9, n. 2, p. 191 – 211, 2003. PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e Docência. São Paulo: Cortez, 2004. PIO, A. Técnicos em assuntos educacionais do Colégio Pedro II: história, identidade e limites de atuação. 2012. 166 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. ZIMMERMANN, E.; BERTANI, J.A. Um novo olhar sobre os cursos de formação de professores. Cad.Bras.Ens.Fís., v.20, n.1: 43-62, 2003. 1 O PORTAL DO PROFESSOR: CONTRIBUIÇÕES E IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NA EDUCAÇÃO BÁSICA NO TRIÂNGULO MINEIRO OTTONI, Maria Aparecida Resende71 FERNANDES, Maria José da Silva72 GOMES, Vilma Aparecida73 SILVA, Walleska Bernardino74 TERENCE, Tainá75 1. Considerações Iniciais Neste artigo, objetivamos apresentar o projeto de pesquisa “O Portal do Professor: contribuições e implicações para o ensino de Língua Portuguesa na Educação Básica no Triângulo Mineiro”76, financiado pela FAPEMIG e pela CAPES, por meio do Edital 13/2012 – Pesquisa em Educação Básica, e relatar os passos já trilhados no desenvolvimento do estudo. Objetivamos, ainda, apresentar uma descrição de alguns dados coletados, para que se tenha uma visão geral da investigação. Em produção posterior da equipe, esses dados serão devidamente interpretados. O projeto é coordenado pela Profa. Dra. Maria Aparecida Resende Ottoni e desenvolvido no Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de Uberlândia. Ele foi iniciado em maio de 2013, sua duração é de três anos e está vinculado à linha temática 1 do referido edital, a qual engloba projetos de investigação científica para elaboração de diagnóstico de problemas da educação básica e de identificação de práticas que possam contribuir para a elevação da qualidade das escolas públicas de Minas Gerais. Tendo em vista nosso foco neste recorte da pesquisa, organizamos este artigo em três seções, além das considerações introdutórias e das finais. Na primeira seção, fazemos uma exposição do projeto; na segunda, discorremos sobre o Portal do Professor e, na terceira, relatamos os caminhos já trilhados no desenvolvimento do estudo e mostramos alguns dados coletados e resultados iniciais obtidos. 2. Uma visão geral do projeto 71 Doutora em Linguística. Docente Adjunta do Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de Uberlândia. Apoio CAPES e FAPEMIG. 72 Mestra em Linguística. Docente da Escola Estadual São Francisco de Assis, em Canápolis, Minas Gerais. Bolsista CAPES. 73 Doutora em Linguística. Docente da Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia. 74 Doutora em Linguística. Docente da Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia. 75 Graduanda em Letras da Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista BIC/CAPES. 76 O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade Federal de Uberlândia, em 15 de março de 2013. 2 Há muitos anos o ensino de Língua Portuguesa na Educação Básica tem sido centro de nossas preocupações. Como professoras ou ex-professoras da Educação Básica, como professoras do ensino superior e como pesquisadoras, temos procurado configurar nossa prática de ensino de Língua Portuguesa, pensar e pesquisar sobre esse ensino. A proposta de pesquisa que estamos desenvolvendo é fruto dessas preocupações. Tendo em vista a linha temática a qual o projeto se filia, ele tem como objetivos gerais: a) investigar as propostas de aulas presentes no Portal do Professor para os professores de Língua Portuguesa da Educação Básica, do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental e do 1º ao 3º ano do Ensino Médio, analisando-as sob três eixos centrais: o uso das tecnologias; a noção de multimodalidade e o trabalho a partir dos gêneros discursivos – eixos que subsidiam discussões contemporâneas do ensino de Língua Portuguesa na Educação Básica; b) verificar junto aos professores de LP do Triângulo Mineiro se têm acesso a essas propostas, como se dá o acesso ao Portal, especificamente às aulas e aos materiais e recursos disponibilizados, bem como sua avaliação sobre a ferramenta; c) refletir com esses professores sobre as contribuições e implicações do Portal do Professor em sua prática e auxiliá-los na superação de obstáculos concernentes ao ensino da língua em conformidade com o proposto nos PCN, por meio de um diálogo próximo e da oferta de palestras e minicursos que lhes fornecerão subsídios teórico-práticos que poderão contribuir para a melhoria da qualidade de suas aulas. A escolha de nosso foco de investigação deve-se a vários fatores. Primeiro, porque entendemos que é preciso conhecer melhor as iniciativas governamentais voltadas para a melhoria da Educação Básica, discuti-las com o público a que se destinam e perquirir sobre as suas potencialidades e sobre os entraves existentes que impedem a consecução de seus propósitos. Segundo, porque consideramos o Portal do Professor uma iniciativa importante, que, se bem aproveitada pelos professores de LP, pode-lhes fornecer muitos subsídos para melhoria em sua prática de sala de aula, uma vez que boa parte das aulas apresentadas focaliza o ensino de gêneros de discurso e colocam as TICs em uso. Terceiro, porque atuamos no ensino de LP e essa área é a que tem maior número de aulas produzidas no Portal77. Além disso, essa escolha deve-se ao fato de acreditarmos que os professores são fundamentais para o êxito no processo de ensino-aprendizagem de LP e, por isso, é importante conhecer a opinião deles sobre o Portal do Professor e auxiliá-los na transposição de obstáculos à efetivação de práticas que levem em conta o que é preconizado nos PCN como por exemplo: a 77 De acordo com os dados estatísticos apresentados no Portal do Professor, há 3242 aulas (16,6%) de Língua Portuguesa. 3 tomada do gênero como objeto de ensino; o desenvolvimento de multiletramentos; a utilização das TICs integradas aos conteúdos de LP. O corpus da pesquisa é composto por 375 sugestões de aulas, por entrevistas realizadas com professores da Educação Básica, com professores bolsistas e com responsáveis pelo Portal junto ao Ministério da Educação. Participam do estudo professores de escolas públicas de Uberlândia, de Canápolis, de Tupaciguara e de Ituiutaba. Nossa metodologia de pesquisa está baseada nos pressupostos da pesquisa qualitativa (GEERTZ, 1978; BAUER; GASKELL, 2002; LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Para a análise doe corpus, baseamo-nos na perspectiva teórica de gênero do discurso de Bakhtin (1986, 2000), em estudos sobre o ensino de LP (BEZERRA, 2002; BUNZEN; MENDONÇA, 2006; MEURER; MOTTA-ROTH, 2002; NEVES, 2010; ROJO, 2000; ROLLIM-SILVA, 2001; SILVA, 2010 ), sobre a multimodalidade, os multiletramentos (KRESS, 1996, 2003; KRESS; VAN LEEUWEN, 1996, 2001; OTTONI, et al, 2010; ROJO, 2009; SILVA, 2011b; SILVA, 2012; STREET, 1984, 1993, 1995; SYNDER; BEAVIS, 2004), o uso das TICs no ensino (ALMEIDA, 2005; BURLAMAQUI, 2011; COSCARELLI, 2003; KENSKI, 2003, 2006; PAULA; OTTONI, 2011; SILVA, 2011a), o Portal do Professor (BARDY, 2009; BIELSCHOWSKY; PRATA, 2010). Apoiamo-nos também nas diretrizes dos PCN (BRASIL, 1997, 1998, 1999, 2000, 2002, 2006). 3 O Portal do Professor Segundo Bielschowsky e Prata (2010), o Portal do Professor foi criado em 2007 e em 2008 teve início sua operação. Ele foi construído para oferecer aos integrantes do magistério o aperfeiçoamento cotidiano da prática educativa com o uso de TIC, por meio de um processo de ensino e aprendizagem mais significativo e contextualizado, etc... Não há a pretensão de se criar um modelo único de uso da tecnologia nem tampouco uma metodologia específica, uma vez que as escolas vivenciam situações muito diferenciadas, seja quanto à formação dos professores, seja quanto às condições físicas e sociais das escolas. O que queremos é criar um leque de possibilidades para oferecer aos professores de qualquer região do País, a condição necessária para conhecer, avaliar e selecionar situações mais adequadas à realidade da sua escola e dos seus alunos, e poder, a partir das experiências conhecidas, enriquecer, transformar e inovar a sua prática. (BIELSCHOWSKY; PRATA, 2010, p. 2) 4 Os objetivos principais dessa oferta de um portal educacional para professores de todo o Brasil são: Apoiar os cursos de capacitação do ProInfo Integrado (atualmente com cerca de 320 professores). Oferecer a esses professores um ambiente para que, após a conclusão do curso, sintam-se incluídos em uma comunidade de pessoas que utilizam TIC na educação. Disseminar experiências educacionais das e nas diferentes regiões do Brasil; Oferecer recursos multimídia em diferentes formatos, assim como materiais de estudo, dicas pedagógicas, links para outros portais, ferramentas de autoria, dentre outros; Favorecer a interação com o objetivo para reflexão crítica e trocas de experiências entre professores de diferentes locais, formação e interesses; Oferecer um jornal eletrônico para atender a divulgação de eventos, ideias de nossos educadores, bem como uma revista eletrônica que permita a nossos professores exercer, de forma crítica, a divulgação de suas ideias e experiência. (BIELSCHOWSKY; PRATA, 2010, p. 4-5). A construção do Portal é fruto de uma parceria que envolve secretarias do MEC, coordenadores de programas de TICs nas escolas, representando secretarias estaduais e municipais de educação, multiplicadores dos Núcleos de Tecnologia Educacional – NTE, professores, institutos, faculdades e colégios de aplicação de universidades públicas e empresas e fundações privadas e públicas. De acordo com Bielschowsky e Prata (2010, p. 2), o Portal foi organizado em seis grandes áreas: 1.Jornal do Professor; 2.Recursos Educacionais; 3.Espaço da Aula; 4. Ferramentas de Interação e Comunicação; 5. Links; 6. Cursos e Materiais. Nessas áreas, além de ter acesso a material de apoio a sua prática docente, o professor também pode interagir com outros profissionais e socializar informações. Bielschowsky e Prata (2010) apresentam resultados positivos obtidos durante os 18 primeiros meses de implantação do Portal. Segundo os autores, nesse período, o Portal contou com mais de 1 milhão de diferentes usuários do Brasil e de outros países e recebeu quase 2 milhões de visitas. Além disso, eles estabeleceram uma correlação entre os professores que mais acessam e utilizam o Portal e os que acessam cursos de formação de TIC que são realizados através da plataforma e-Proinfo, o que indica “que a política de oferecer capacitação integrada à iniciativa do Portal do Professor tende a mantê-los em contato com as TIC durante e após sua formação” (BIELSCHOWSKY; PRATA, 2010, p. 11). Acreditamos, como Bardy (2009, p. 1), que o “Portal do Professor trata-se de um ambiente de formação e de uso prático aos professores do país (...) que precisa ser conhecido 5 e, sobretudo, utilizado pelos professores.” Por isso, apresentamos esta proposta de investigação. 4 Um relato dos passos já trilhados e dos resultados iniciais Nos dois anos de desenvolvimento da pesquisa, nossa equipe já selecionou as sugestões de aulas do Portal, fez entrevistas com os professores bolsistas, com os professores das escolas participantes e com o responsável pelo Portal junto ao MEC. No momento, está fazendo a análise das sugestões de aulas, tendo em vista três eixos centrais: o uso das tecnologias; a noção de multimodalidade e o trabalho a partir dos gêneros discursivos – eixos que subsidiam discussões contemporâneas do ensino de Língua Portuguesa na Educação Básica. Além disso, está iniciando a análise das entrevistas e o planejamento para oferta de oficinas nas escolas participantes. Essas oficinas também contemplarão os três eixos mencionados. Para a seleção de sugestões de aulas, acessamos, em 03 de julho de 2013, o sítio do Portal, especificamente o espaço aula e, dentro dele, as sugestões de aulas. Como critérios de busca, incluímos: Busca: aulas mais acessadas Tipo de pesquisa: ensino fundamental final Componente curricular: língua portuguesa UF: todos Ordem de classificação: mais acessadas Do mesmo modo, procedemos para a coleta das sugestões destinadas ao Ensino Médio. Só o tipo de pesquisa foi alterado. Essas buscas resultaram em 334 aulas de LP, Ensino Fundamental Final, e 213 aulas de LP, Ensino Médio, totalizando 547. Assim, constituímos dois bancos de dados, sendo um para cada nível de ensino. Contudo, em uma análise preliminar, identificamos que havia muitas aulas repetidas nos dois bancos de dados, pois atendiam a mais de um nível de ensino. Isso nos levou a excluir do banco de dados relativo ao Ensino Médio as sugestões que já integravam o do Ensino Fundamental Final. Em uma segunda análise, percebemos que algumas sugestões de aulas não trabalhavam um conteúdo de LP, ou seja, elas poderiam ser ministradas por um professor de outra área, porque não exigiam conhecimento específico de LP. Elas também foram excluídas. 6 Assim, nosso corpus final ficou com 307 aulas do Ensino Fundamental e 74 do Ensino Médio, num total de 381 aulas. Inicialmente, fizemos uma análise dessas aulas para investigar o foco de cada uma. Elas foram categorizadas, tendo em vista estes 04 enfoques: Prática de Análise Linguística; Prática de Escuta e Leitura de textos orais e escritos; Prática de Produção de textos orais e escritos; Prática de Produção, Escuta e Leitura de textos orais e escritos. Os resultados obtidos foram: Quadro 1: Prática focalizada nas sugestões de aulas do Portal do Professor selecionadas Prática de Análise Linguística Prática de Escuta e Leitura de textos orais e escritos Prática de Produção de textos orais e escritos Prática de Produção, Escuta e Leitura de textos orais e escritos TOTAL ENSINO FUNDAMENTAL FINAL 143 ENSINO MÉDIO 03 05 08 05 153 49 307 74 15 Conforme quadro 1, nos dois níveis de ensino, destacam-se sugestões de aulas que contemplam tanto a prática de produção quanto a de escuta e de leitura de textos orais e escritos, o que consideramos muito importante para a formação de leitores e produtores competentes discursivamente. Nas análises das aulas feitas até o momento, com atenção aos três eixos mencionados, obtivemos os seguintes resultados: a) Investigamos, no primeiro eixo, se aulas, minimamente, abordam a questão do estilo, da estrutura composicional e do conteúdo temática (BAKHTIN, 1986, 2000). Das 134 aulas até agora analisadas, observamos que nove priorizam uma abordagem tradicional do ensino da língua, não tomam o gênero como objeto de ensino, ou seja, não priorizam o ensino da língua e seus usos, não abordam o gênero em relação ao estilo, estrutura composicional e tema, atendendo ao que se tem preconizado para o ensino de Língua Portuguesa (LP), conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais PCN. Em contrapartida, encontramos cento e vinte e cinco aulas cujos professoresautores assumiram uma posição contrária às abordagens tradicionais que priorizam o ensino sobre a língua, com foco apenas no ensino da metalinguagem, e tomaram o 7 gênero como objeto de ensino. Essas aulas foram desenvolvidas com base no ensino da língua em seus usos e possibilitam uma prática de linguagem que elege como objeto de ensino o texto empírico, atualizado em diferentes gêneros discursivos. b) No tocante ao eixo “uso das tecnologias integradas ao conteúdo”, os resultados evidenciam o uso das TICs para: visualização/apresentação de conteúdo; substituição do suporte físico; pesquisa; compartilhamento de informações/atividades; interação/utilização/vivência de um gênero; a produção de gêneros digitais; e como meio de transposição de modalidades. c) Quanto ao eixo “multimodalidade”, até o momento, foram analisadas 110 aulas destinadas ao Ensino Fundamental. Na maioria delas, em 85 aulas, há a presença de gêneros multimodais, ou seja, gêneros compostos por mais de um modo de significação, como os anúncios publicitários, as charges, tirinhas, histórias em quadrinhos etc. Desse número de 85 aulas, constatamos que, em 48 sugestões de aulas, há exploração da multimodalidade presente na composição do gênero. Constatamos também que, dentre as aulas até agora analisadas, em 37 das que apresentam gêneros multimodais, não há nenhuma abordagem dos diferentes modos de significação que compõem os gêneros. Ou seja, os gêneros multimodais estão presentes nas sugestões de aulas, porém essa multimodalidade não é levada em conta em nenhum momento. Com relação às entrevistas com professores bolsistas, produtores das sugestões de aulas publicadas, nós enviamos por e-mail um convite a 06 bolsistas e recebemos retorno de apenas 05. Desses cinco, 02 são mestres em educação, 01 é mestre em Letras (teoria literária), 01 é doutoranda em Linguística e 01 é doutora em Linguística. Esses dados evidenciam o alto nível de formação dos bolsistas. Todos eles atuam na Educação Básica, sendo que 02 têm de 05 a 10 anos de experiência nesse nível de ensino; 02 têm de 20 a 30 anos e 01 tem mais de 30 anos. Dois dos entrevistados participaram de processo de formação específico para elaboração de aulas. Todos afirmaram que a maioria das aulas produzidas para o Portal foi previamente ministrada na escola onde atuam e eles consideram que as sugestões de aulas publicadas atendem, em geral, aos objetivos propostos para o ensino de Língua Portuguesa nos PCN, como se pode ver nos excertos a seguir: (a) Sim, pois as aulas são elaboradas levando-se em conta os PCN (bolsista 4) 8 (b) Com toda certeza. Sempre produzi aulas que estivessem de acordo com as idades propostas, mas principalmente em consonância com princípios relacionados aos PCN, aos temas transversais, bem como em diálogo com o princípio da interdisciplinaridade. (bolsista 5) Na entrevista, fizemos perguntas relacionadas aos três eixos propostos. À questão: “Ao preparar uma sugestão de aula, você se preocupa em tomar o gênero como objeto de ensino? Explique”, 01 respondeu que não a entendeu e 04 responderam sim. Segue uma justificativa dos que responderam sim: (a) Não imagino hoje ser possível a produção de uma aula em língua materna que não esteja relacionada a um ou mais gêneros textuais. O ensino baseado na perspectiva dos gêneros é, para mim, a única forma de a língua ser um objeto de inclusão e aprendizado na vida dos alunos. Ensinar com os gêneros é mostrar que a língua é parte de todos os momentos da vida e não somente uma disciplina escolar (bolsista 5). Dos entrevistados, 03 responderam que se preocupam em integrar as tecnologias da informação e da comunicação (TIC) ao conteúdo, ao preparar uma sugestão de aula, e 02 responderam “parcialmente” e “algumas vezes”. Seguem alguns comentários: (a) Algumas vezes sim. Os recursos tecnológicos devem ser instrumentos para facilitar e favorecer o trabalho do professor (bolsista 3) (b) Sim, pois escrevemos aulas para professores de todo Brasil, inclusive para as escolas que participam do UCA, além disso sabemos que todas as escolas hoje, contam com laboratórios de computadores e que os recursos tecnológicos são fundamentais para dinamizar as aulas (bolsista 4). Associada ao eixo “multimodalidade”, a pergunta feita foi: “Ao preparar uma sugestão de aula, você leva em conta modos de significação diversos, como: a imagem, o som, a imagem em movimento, dentre outros?”. Todos responderam “sim”. Vejam algumas respostas: (a) Sim, pois cada modo tem sua importância e sua leitura depende de como é trabalhado com o aluno, por exemplo, a leitura de imagem é tão importante quanto a leitura de um texto escrito, mas na maioria das aulas as imagens são meras ilustrações e perdem seu valor didático por não serem devidamente exploradas (bolsista 1) (b) Sim, procurei trabalhar em várias aulas o discurso visual e musical que funcionam como elementos de sentidos em vários gêneros textuais. Sabemos das diferentes formas de inteligência e, por isso, acreditamos que o professor deve pluralizar tais modos de significação (bolsista 5). Na opinião de dois bolsistas entrevistados, há entraves e/ou lacunas no Portal para a elaboração de aulas, tais como: o acesso aos recursos do Portal. Segundo eles, há dificuldades para acessá-los e inseri-los nas aulas. Contudo, os cinco não veem entraves ao acesso às aulas do Portal. Conforme o bolsista 1, “Tenho aulas com mais de 44.000 acessos e com comentários de professores residentes fora do Brasil, isto mostra que o acesso é bem amplo e facilitado.” . 9 Como dissemos, também entrevistamos professores de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental Final e do Ensino Médio das escolas coparticipantes. Por meio dessas, identificamos que 71% afirmaram conhecer o Portal. Porém, alguns demonstraram um conhecimento muito superficial do sítio, como se pode ver pelo excerto a seguir: (a) Já acessei por acidente, porque não uso muito o computador. Mas o que acessei foi somente a página inicial e não olhei tudo. Dos 17 entrevistados, 53% nunca ministraram uma aula publicada no Portal. Os que já conhecem o material disponibilizado no sítio avaliam-no muito positivamente, como se vê no excerto a seguir: (a) Olha, o Portal do Professor é uma proposta muito interessante, porque nós, como professores de Língua Portuguesa, por mais que a gente tenha uma visão sobre recursos didáticos e metodológicos de como trabalhar determinado conteúdo, o Portal do Professor é muito enriquecedor porque você tem a perspectiva de outros professores, que já trabalharam os mesmos conteúdos, mas que construíram caminhos diferentes. Recentemente, por exemplo, eu comecei a trabalhar minhas aulas sobre acentuação pras turmas de quinto ano, e já é o terceiro ano seguido que eu dou aulas para turmas de quinto ano, o segundo aqui na escola e já trabalhei com outra séria em outra instituição. Eu encontrei materiais vinculados ao trabalho de acentuação, que eu nunca tinha imaginado a possibilidade de utilizá-los, o legal é que você conta com a perspectiva de outros colegas da área sobre as temáticas, então é uma proposta muito boa. Entretanto, expõem problemas que encontram nas sugestões acessadas: (a) agora, o que eu tenho percebido é: nem todas as aulas são de boa qualidade, o Portal do Professor em alguns momentos funciona com o mecanismo de uma renda a mais, mas você percebe que algumas pessoas que estruturam aulas que, em termos de qualidade, não estão lá essas coisas, é lógico que não são todas. (b) Então, é um portal bastante... grande, com bastante material, bastante diversificado e... assim, nós vemos de um todo lá dentro, por exemplo, nas aulas que eu avaliei, de variação linguística, eu encontrei aulas muito boas, e aulas com graves equívocos teóricos, que na verdade reproduzem preconceitos, reproduzem um discurso que não está mais adequado aos últimos estudos linguísticos; então, assim, a gente tem que separar muito bem, e tem que ter clareza sobre questões que você quer abordar. Uma entrevistada alerta para a necessidade de formação do professor: (a) não adianta nada você pegar uma aula pronta no portal, mas você não tem...teoricamente, você não compreende “né” como a aula foi organizada, e aí você vai ter equívocos, tanto na hora de transmitir esse conhecimento para o aluno, quanto no momento de realizar aquela aula, pode ser que o professor tenha dito para fazer de um jeito e você entende de outro, devido mesmo a sua falta de compreensão teórica de abordar aquele assunto. Por considerarmos essa formação necessária e importante, estamos planejando a oferta de oficinas nas escolas coparticipantes, nas quais contemplaremos os três eixos a partir dos quais fizemos a análise das sugestões de aulas. Elas serão desenvolvidas no 2º semestre de 2015. 10 Nosso intuito é mostrar as funcionalidades do Portal do Professor aos participantes e discuti-las bem como contemplar propostas de trabalho em que o gênero seja tomado como objeto de ensino, a multimodalidade seja abordada e as TICs sejam integradas aos conteúdos. 5. Considerações finais Os resultados indiciam que as aulas presentes no Portal do Professor cumprem com a função de auxiliar metodologicamente o professor, todavia, apresentam algumas fragilidades, a saber: i) o uso das tecnologias ainda carece de propostas que visem aos multiletramentos; ii) a utilização da multimodalidade necessita ainda de um refinamento na busca por propostas que consigam a atuação conjunta dos vários modos de significação; e iii) as sequências didáticas propostas para o ensino de gênero precisam de um trabalho mais abrangente e, ao mesmo tempo, pontual quanto à tríplice composição bakhtiniana da noção de gênero: tema, estilo e estrutura composicional. No que se refere à avaliação dos professores, muitos ainda desconhecem o Portal e suas funcionalidades. Os que já utilizaram a ferramenta afirmam sentir dificuldade na reprodução das aulas do Portal em sua prática docente, mas reconhecem a contribuição dessa política pública para o seu trabalho em sala de aula. ´ Acreditamos que este estudo poderá trazer muitos benefícios para os participantes e para muitos outros professores de Língua Portuguesa, especialmente. Dentre os benefícios, podemos citar: o desvelamento de como professores de Língua Portuguesa da Educação Básica do Triângulo Mineiro representam uma política pública que visa a colaborar com a melhoria da Educação Básica no país; a apresentação de “diagnóstico de problemas” relacionados ao acesso do Portal do Professor e à implementação do que nele é proposto por parte desses professores; a criação de uma oportunidade de os participantes refletirem, em conjunto com os pesquisadores, sobre como superar esses problemas; a identificação de aspectos que possam contribuir para a elevação da qualidade do ensino de LP das escolas públicas de cidades do Triângulo Mineiro; o auxílio aos participantes, no sentido de promoverem um ensino da língua por meio dos gêneros de discurso, a utilização das TICs integradas aos conteúdos e letramentos múltiplos, considerando a multissemiose que constitui as práticas sociais, o que corresponde às demandas atuais do ensino e às demandas dos alunos que hoje estão na escola. 1. 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Cresskill (New Jersey): Hampton Press, 2004. 1 O PPP, A FORMAÇÃO E A PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA DA COMUNIDADE ESCOLAR ANTONIO BOSCO DE LIMA* ELIZABETH GOTTSCHALG RAIMANN** JEOVANDIR CAMPOS DO PRADO*** INTRODUÇÃO A partir do desenvolvimento de um projeto extensionista em uma Escola Estadual seria possível incentivar a participação democrática da Comunidade Escolar78 na elaboração de seu Projeto Político Pedagógico? Esta questão, norteadora deste capítulo, emergiu a partir do desenvolvimento de um projeto de pesquisa/extensão79 que teve como objetivo a compreensão da Gestão Escolar (GE) na sua complexidade. Visou desvelar conceitos e práticas no cotidiano escolar, por meio da discussão com a Comunidade Escolar (CE), do Projeto Político Pedagógico (PPP) e suas possibilidades e concretude como construção coletiva. O cenário escolhido foi uma Escola Estadual (EE) situada em Araguaria, na Região do Triângulo Mineiro/MG. O desenvolvimento do projeto de extensão ocorreu por meio de atividades teórico-práticas, subsidiada por uma metodologia dialógica e processual, caracterizada por estudos, debates e sínteses dos membros da CE. Ao longo dos encontros foram coletados dados em forma de memórias e sínteses realizadas tanto pelos cursistas, quanto pelos membros do Grupo de Pesquisa Estado, Democracia e Educação (GPEDE). A análise destes dados evidenciou a dificuldade de implementação de uma dinâmica participativa frente às práticas e culturas sedimentadas ________________________ * UFU, Doutor, FAPEMIG. ** UFG-Jatai, Doutora, FAPEMIG. *** SEED Mina Gerais, Mestre, FAPEMIG. 78 Fazem parte da Comunidade Escolar a direção, o supervisor educacional, os professores, os funcionários da administração e serviços gerais, como também os alunos e seus responsáveis. 79 Projeto de pesquisa que atendeu ao edital 13/2012 – Pesquisa na Educação Básica – Acordo Capes/FAPEMIG, 2013-2015; coordenado por Antonio Bosco de Lima com a colaboração do Grupo de Pesquisa Estado, Democracia e Educação (GPEDE), da Universidade Federal de Uberlândia. 2 nas relações de poder há muito presente na escola. A realidade concreta se mostrou conflitiva, quando confrontada com os preceitos da Gestão Democrática e o desenvolvimento de práticas colegiadas de gestão na formação cidadã da CE e na discussão, construção e implementação do PPP. Assim, para uma discussão ao longo do capítulo, apresentaremos inicialmente o projeto de pesquisa: “A participação da Comunidade na Gestão Democrática da Escola em prol da qualidade de ensino: O Projeto Político Pedagógico em questão” e seu desenvolvimento na EE, mediante extensão. Na sequência, a análise e a discussão dos dados terão como sujeito de diálogo80 a categoria participação democrática. 1 BASES CONTEXTUAIS E METODOLÓGICAS DO PROJETO Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB nº 9.394 de 1996, a organização do trabalho pedagógico na escola (OTE) passou por mudanças significativas, pois tanto a equipe administrativa quanto a pedagógica precisaram se articular em torno do PPP da escola, construindo-o ou restruturando-o conforme fosse o caso de cada instituição escolar. Os artigos 12 e 13 da LDB (BRASIL, 1996) preveem a participação da CE na elaboração e na execução da proposta pedagógica da escola. E o artigo 14, da mesma lei, orienta que estas atividades em torno do projeto pedagógico se situem mediante de uma Gestão Escolar Democrática (GED). Esta mudança é paradoxal e tenta mudar o postulado e potencialidade do PPP, visto não ter o mesmo significado quando tratamos a abrangência de um PPP enquanto proposta ou somente enquanto um projeto. Embora concordemos que todo o projeto tem cunho político, a ausência do termo no texto legal implica em uma ideia de considerar o trabalho pedagógico de forma neutra e meramente técnica, transformando-o em um instrumento meramente burocrático. O Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) aprovado e sancionado em 25 de junho de 2014, via Lei nº 13.005, retoma a problemática da gestão democrática da educação, conforme a meta 19 (dezenove)81, desenvolvida com as seguintes estratégias: ponto 19.4: instiga a 80 Estamos conceituando enquanto “sujeito de diálogo” a relação/articulação que a categoria “participação democrática” tem enquanto elemento relacional entre os pesquisadores e a escola, entre a escola e sua comunidade. Dito de outra forma, como se “participação democrática” fosse uma lente de análise. O desenvolvimento deste capítulo, toma como elemento categoria a participação democrática e, a partir dela, analisa as relações, os poderes, as disputas, as solidariedades, d. o. 81 Meta 19: assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar e de investimentos, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto (BRASIL, 2014). 3 constituição e o fortalecimento de grêmios estudantis e associações de pais assegurando-os espaços adequados e condição de funcionamento nas escolas, em todas as redes de educação básica, e articulação orgânica com os conselhos escolares por meio de seus representantes (garantia burocrática); ponto 19.6: visa “estimular a participação e a consulta de profissionais da educação, alunos(as) e seus familiares na formulação dos projetos político-pedagógicos, currículos escolares, planos de gestão escolar e regimentos escolares [...]”, e complementa que é para assegurar a participação dos pais na avaliação dos docentes e gestores escolares (responsabilização e fiscalização); e, por fim, ponto 19.7: busca incentivar processos geradores de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira nos estabelecimentos de ensino (BRASIL, 2014). As estratégias do PNE apontam para uma possibilidade da GED, ao mesmo tempo, as políticas educacionais incentivam propostas para incrementar e implementar o PPP nas escolas de maneira democrática. Mas isso não significa que, por estar presente no PNE, a GED por si só será efetivada, pois o espaço escolar é complexo e permeado de relações de poder e a sociedade capitalista é avessa a práticas democráticas. A GE local está atrelada às normativas da política estadual de educação e esta, por sua vez, apesar do discurso democrático, tem práticas conservadoras. Isso pode ser percebido no quarto encontro82 realizado na EE, durante a formação continuada, quando não houve muita abertura para a condução do processo dialógico e problematizador do PPP, pois naquele momento a diretora se posicionava mostrando que a sua gestão era democrática e que contava com a equipe gestora para elaborar o PPP da escola, uma vez que tinha apenas um mês para refazê-lo e encaminhá-lo, conforme exigências legais, à Secretaria Estadual de Educação. A atitude refratária da direção em relação ao processo de instrumentalização da CE na elaboração do PPP demonstrava sua visão conservadora sobre a gestão da escola, ficando o democrático apenas no discurso83. Na análise de Lima, com base na sociologia, indica que o PPP se constitui enquanto um relacionamento entre poderes, no qual “a própria prática de muitos educadores é eclética, um discurso avançado no sentido de garantia de direitos, mas uma prática de cobranças de deveres somente” (LIMA, 2000: 194). No decorrer dos encontros, a metodologia da atividade extencionista se desenvolveu não como um plano de interferência na escola, de aplicabilidade do conhecimento adquirido pelos 82 Conforme podemos perceber no quadro 1, página 6, foram realizados 6 encontros na EE. Trata-se de uma questão do âmbito da psicologia (ou da ética), analisar o porquê o Diretor da Escola tinha convicção de ser democrático enquanto sua prática se constituía em um ranço autocrático. 83 4 pesquisadores, mas de uma atividade consentida84, dialogada, construída coletivamente, de forma participativa, de maneira a constituir, nos grupos, a possibilidade de criação ou ampliação da autonomia, de crítica e de autoavaliação. As atividades desenvolveram-se mediante a reflexão, discussão e a avaliação das ações e decisões dos participantes no cotidiano escolar, objetivando a intenção de subsidiar as práticas democráticas e participativas de gestão no interior da escola para, posteriormente, com os resultados, devolvê-los à comunidade escolar participante da pesquisa em forma de seminários e debates, propondo atividades para desenvolver processualmente a reestruturação do PPP. Nessa direção, o processo se dividiu em duas fases. Na primeira, foi feito um levantamento prévio para saber: a) Se docentes, gestores e funcionários tinham interesse em participar de um projeto de formação continuada; b) Quais seriam as temáticas que os participantes gostariam de discutir, elencando os temas vinculados ao PPP; c) Quais as possibilidades de horário e de um planejamento a curto, médio e longo prazo. A segunda fase do projeto objetivou a criação de grupos de estudo com os gestores, os professores, os alunos e seus responsáveis, com a finalidade de traçar estratégias para melhorar a participação e a discussão dos problemas concernentes à escola e, por conseguinte, a elaboração do PPP. No momento da segunda fase, passamos às atividades do trabalho coletivo que se constituíram em encontros de estudos, debates e sínteses em torno da gestão democrática e da participação, além do desenvolvimento de práticas colegiadas de gestão, que favorecessem a formação cidadã da CE. Tais encontros propiciaram não apenas a reflexão, mas debates sobre a importância de processos democráticos presentes na elaboração do PPP, na participação de todos os profissionais da educação (professores, especialistas e funcionários), além de alunos e responsáveis; e a oportunidade de lidar com situações que favorecessem o trabalho coletivo, a gestão participativa e a transparência na gestão escolar. Nesse viés, o PPP como política educacional sofre disputas de orientações, encaminhamentos e de configuração, daí a necessidade de se construir voz e participação, afinal, “o lugar do sistema educacional é a sociedade civil. [...] a sua verdadeira concretização somente ocorre quando for absorvida pelas instituições sociais que compõem a sociedade civil.” (FREITAG, 1986: 41). 84 Constituiu-se na primeira fase da pesquisa, buscando o interesse da CE em participar do projeto extencionista. 5 Sem perder de vista essa premissa, a formação continuada requer o exercício de atividades teórico-práticas que possibilitem a reflexão e a avaliação das ações e decisões no cotidiano escolar, com a intenção de aprimorá-las e transformá-las. O projeto desenvolvido na EE contemplou este viés de formação continuada dos participantes. Seguindo esses princípios, as estratégias planejadas e vivenciadas no coletivo foram registradas e documentadas para análise e acompanhamento dos avanços e dos problemas que surgiram no decorrer das atividades programadas ao longo do projeto de extensão. Na seção que segue, apresentaremos a análise dos dados obtidos na EE 85. Os dados sistematizados no decorrer do projeto, mostraram o surgimento de variáveis relacionadas ao peso dos condicionantes institucionais (centralidade do poder, controle, presença forte do Estado nos objetivos educacionais, rotatividade dos profissionais da escola e vínculo empregatício), que foram determinantes e dificultadores para o avanço dos debates em torno do PPP, especificamente, explicitando as tensões existentes naquela escola. 2 O PPP E A PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA: QUAL DEMOCRACIA? No transcurso da pesquisa, na segunda fase especificamente, foram realizados seis encontros na escola estadual mencionada. Dois, nos meses de outubro e novembro de 2013, e quatro, nos meses de fevereiro a maio de 2014. Cada encontro se caracterizou por ações teóricas e práticas envolvendo estudos e debates, de forma que a CE pudesse se posicionar e problematizar as suas práticas educativas e fazer as sínteses necessárias para a elaboração do PPP. Se, por um lado, a metodologia dos encontros instigava a isso, por outro, dependendo de quem participava, ficava claro que nem sempre haveria abertura para o debate, o que evidenciava o controle e o exercício de poder por parte da equipe gestora. Vitor Paro, problematizando as relações entre a estrutura da escola e as práticas democráticas em seu interior, aponta para o fato de que muitas escolas ainda são autoritárias e resistentes às práticas democráticas. Para ele, “fazer-se sujeito na prática pedagógica escolar [dentre outras questões] envolve dotar a escola de uma estrutura que esteja de acordo com essa prática democrática” (2008: 23). Ou seja, a democracia não deve ser ensinada, apenas, mas vivenciada no cotidiano, desde as pequenas ações, para que isso se reflita nas práticas que abarcam as decisões de maior relevância no interior da escola. 85 A EE funciona ofertando Ensino Fundamental do 6º ano 9º ano e Ensino Médio do 1º ao 3º ano, incluindo a modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA). 6 A exemplo do que teoriza Paro, nestes encontros, assinalamos a presença de duas supervisoras, uma beirando a aposentadoria, outra recém formada e recém contratada. A veterana falava, a novata ouvia, numa relação de submissão e de subordinação exemplar. Com certeza, a recém licenciada não fora formada para exercer este papel, entretanto os ritos da escola, suas culturas, suas hierarquizações, travavam as possibilidade de tendências progressistas e emancipatórias, que a novata deveria ter. Dos encontros realizados, percebemos oscilações na participação, considerando a relação entre o número de participantes e a presença, ou não, da equipe gestora. Ou seja, no princípio, houve uma boa adesão da CE para os estudos e debates incluindo o projeto pedagógico e as suas temáticas. Porém, ao final, poucos permaneceram como mostra o quadro abaixo, com a participação dos cursistas por encontro: Quadro 1: presença dos extensionistas 1º encontro 2º encontro 3º encontro 4º encontro 5º encontro 6º encontro 10/2013 11/2013 02/2014 03/2014 04/2014 05/2014 A R D E R A R D E R AR D E R A R D E R A R D E R A R D E R A * G S A * G S A * G S A G S A * G S A * G S 1 1 5 3 0 1 1 5 5 1 0 0 1 1 1 0 0 0 3 1 0 0 1 1 1 0 0 2 0 1 10 13 3 4 3 3 Legenda: A=Alunos; RA=Responsáveis por alunos; D=Docente e EG=Equipe gestora; RS=Representante do Sindicato dos professores; *presença do docente com experiência sindical. Fonte: Lista de frequência das reuniões da EE. Para entendermos essa realidade, foi necessário analisarmos quem participava dos encontros e quando, e os seus posicionamentos diante das discussões. Assim, tomaremos, inicialmente, os dois primeiros encontros, os mais participativos, e o quarto, devido à forte presença da equipe gestora da escola. No primeiro encontro, estiveram presentes cinco (05) professores, dois (02) supervisores, a diretora, além de duas alunas, sendo uma do 3º ano do Ensino médio e a outra do 2º ano do Ensino Médio modalidade EJA (respectivamente, filha e mãe). Após ser explanada a proposta da pesquisa participante em torno da elaboração do PPP, o grupo se manifestou quanto às suas expectativas de estarem ali. A diretora deu início às falas e se expressou: [aquele era um momento] “de pensar sobre [PPP], é um desafio, precisa da presença da comunidade [precisa de] discussão, ir além do papel; não se sabe bem o que é ...”. Na sequência, as alunas (filha e mãe) se manifestaram, 7 elogiando a escola e a direção. Citaram questões pessoais de o porquê estarem ali na escola e da importância da participação nesse coletivo. Por sua vez, uma das supervisoras, dando sequência à ideia de participação dos pais, se posicionou afirmando que “a culpa é dos pais que não abraçam a escola”. Quanto à importância do PPP e do encontro coletivo, um dos professores disse que aquele era o momento de “compartilhar”; outro falou que “veio para aprender com curiosidade”, e um seguinte se expressou: “não sabe, quer conhecer”. No segundo encontro, a problematização teve a análise do texto sobre o PPP e a sua relação com o cotidiano escolar, estiveram presentes quatro (04) professores, três (03) supervisoras, a diretora, a vice-diretora, duas alunas (mãe e filha), a bibliotecária (professora afastada da sala de aula), um representante do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG). Ao todo, 13 pessoas, ampliando-se, portanto, a presença ocorrida no primeiro encontro. O grupo, embora pequeno, foi variado e representativo de diversos segmentos da escola, porém não houve participação dos funcionários da cantina e nem do setor administrativo. Os presentes, organizados em pequenos grupos, se manifestaram e se posicionaram. Pelas discussões, percebemos que todos tinham lido o texto base sobre o PPP e elaboraram a síntese (com exceção de uma das supervisoras). Cada grupo, intencionalmente ou não, focou um aspecto (pedagógico, político, administrativo). Da síntese86, quanto à elaboração do PPP, tivemos os seguintes posicionamentos anotados no memorial87 do encontro: “Existem relações de poder na construção do PPP. Cada um quer colocar sua parte de poder nessas relações. A indicação de diretores (lembramos que não era o caso da EE) nas escolas públicas influencia na construção do PPP e coloca em xeque a democracia e a autonomia da escola. Não há uma dinâmica coletiva de construção do PPP. Direção e supervisão se reúnem e seguem um modelo pronto, do ano anterior, onde se acrescenta ou retira algo, não há discussão. O PPP não é repassado para a comunidade. Ele é burocrático, cumpra-se, é um fazer automatizado”. E na fala de uma das supervisoras, considerando que o objetivo é criar um perfil da escola: “alunos que queremos, com sucesso profissional e como pessoa”. Quanto às contribuições da construção do PPP para a escola, o memorial do encontro registrou as seguintes considerações dos participantes sobre o tema que relacionava o PPP à qualidade social: “formar pessoas pensantes e fortalecer a democracia na escola; o fazer 86 Antes de cada discussão dos temas propostos, os participantes se comprometiam a ler os textos e a fazer uma síntese trazendo questões para fomentar o debate com o grupo. A problematização do texto deveria conter: a tese central do texto, questões sobre o texto, relação do texto e a realidade escolar e sugestões. 87 Trecho extraído do Memorial do 2o. encontro ocorrido na EE em novembro de 2013. 8 educativo do PPP não é mais uma imposição, não se realiza só porque os órgãos superiores o solicitam; com a participação, há questionamentos e conflitos, ao final, há o consenso e as necessidades individuais se tornam coletivas e o resultado tem qualidade.” Estas percepções iniciais do grupo apontam para a necessidade de uma melhor compreensão da dinâmica participativa que envolve a elaboração do PPP. Ou seja, não está nítido para o grupo alguns aspectos dessa dinâmica relacionadas à vontade, ao desejo, ao envolvimento, à necessidade e até à cultura. Além desses aspectos, há outros não percebidos, relativos ao teor político da participação (instrumental/funcional – consensual/conflitual). As falas que se seguem nos ajudam a compreender a participação, a partir das percepções da CE, no processo de construção do PPP. Segundo a diretora “existem problemas disciplinares e falta de pessoal, os pais devem assumir responsabilidades”. A supervisora, por sua vez, afirma: “Os pais, alienados, não têm noção do que acontece na escola”. Outra supervisora (releve-se que a novata faz coro): “Os pais que mais questionam são aqueles que menos participam”. Na visão de um professor: “O PPP na escola deve buscar mais a participação dos pais e da comunidade, pois eles deveriam conhecer mais a organização escolar onde estão inseridos”. Outro professor: “É importante o envolvimento de todos os setores da escola na construção do PPP (profissionais de todos os segmentos)”. Segundo a mãe “Os alunos têm receio de opinar”. “Existem dificuldades de trazer os pais e professores para colaborar na organização do PPP”. E por parte da aluna: “É mais fácil criticar do que participar”. E, ainda, a aluna complementa: “Quando se convida os pais para discutir o PPP, vem meia dúzia e às vezes nem opinam”. Apesar de uma baixa participação da CE nos problemas da escola e, por conseguinte no PPP, pudemos ver nos dois primeiros encontros a força de mobilização da diretora para que a escola participasse da discussão do PPP. No ano seguinte, com a aposentadoria da então diretora e a entrada de sua vice, esta mobilização ficou comprometida, o que foi percebido claramente diante da abaixa freqüência nos encontros. O quadro de participantes frequentes pode ser melhor visualizado na tabela que segue: 9 Fonte: Lista de frequência das reuniões da EE. Importante destacarmos que a vice diretora que assumiu a função de gestora, ao ser convidada inicialmente para participar dos encontros de instrumentalização/ formação continuada em torno do PPP, manifestou-se à época, por escrito, não estar interessada. Esse desinteresse ficou ainda mais evidente na sua gestão, uma vez que esteve presente somente no quarto encontro e, de certa forma a sua presença, inibiu a participação dos demais. Outros dois fatores que mereceram destaque foram: com a mudança de ano escolar, as duas alunas (mãe e filha) saíram da escola; uma supervisora, presente nos dois primeiros encontros, não teve seu contrato renovado na escola no ano seguinte, e a mesma situação repetiu-se com outros professores, pois estavam na condição de temporários. Estes fatos corroboram a tese que defende que um dos problemas para a implementação da GED está no fluxo/rodízio de professores. Esta realidade, caracterizada muitas vezes pelo vínculo de contrato, dificulta uma adesão destes profissionais da educação às necessidades e demandas da comunidade escolar local, e a própria participação na elaboração do PPP. A equipe gestora da escola apresentou um perfil conservador nos dois primeiros encontros88, mas, em contrapartida, os demais cursistas demonstravam o interesse em gestar um PPP mais coletivo e democrático. Essa “vontade” de participar foi alijada na gestão seguinte. Observamos uma convergência na percepção dos distintos segmentos da CE participantes daquele encontro, ao apontarem para a “falta de interesse dos pais”89 como um dos principais impedimentos para a concretização de uma cultura participativa na escola. Por outro lado, algumas falas continham um entendimento equivocado sobre o conceito de participação, pois 88 89 Demonstrado na fala ao responsabilizar os pais por não se interessarem pela escola e por seus problemas. Fala de um supervisor. 10 ela é percebida na perspectiva instrumental ou passiva, conforme Motta (1987) argumenta, de “ajudar à escola”90 em questões disciplinares ou para repasse sobre o rendimento escolar. A não participação no processo educativo da escola, na fala da supervisora no primeiro encontro e na síntese de alguns no segundo encontro, apontava para a culpabilização dos pais e nunca analisando a atuação da escola, pois “os pais não participam porque não conhecem nada, não sabem de nada”, conforme foi dito, no quarto encontro, pela atual gestora. Como podemos inferir a parti da fala da Diretora, o quarto encontro foi significativo, pois dentre os quatro (04) participantes estavam presentes a atual diretora (vice na gestão anterior), duas supervisoras e uma representante do sindicato dos professores. Destas, somente a representante do sindicato era assídua nos encontros. Entendemos que a presença da equipe gestora naquele encontro caracterizava-se mais como uma forma de controlar e de “marcar território”. Essa realidade institucional esclarece, em parte, a falta da presença efetiva da CE nos encontros para a formação continuada na elaboração do PPP da escola. Se no início do processo de instrumentalização, havia o empenho da direção na participação da CE na discussão das temáticas em torno do PPP. Nos encontros subsequentes isso não ocorreu, pois além da mudança na gestão, houve também alteração no quadro de professores e a saída das duas alunas (mãe e filha) da escola. Assim, nos encontros que se seguiram, ficaram mais regulares o representante do Sind-UTE/MG, uma supervisora e um docente com experiência sindical. As considerações de Miguel Arroyo colaboram para a análise desse quadro, quando o autor pondera que nas últimas décadas de lutas em torno da gestão democrática pelo movimento docente houve, ao mesmo tempo, avanços e retrocessos. Ainda segundo o autor, os debates se misturam entre “uma gestão politizada, progressista, radical [...] com formas e propostas de gestão participativa tímida, regulada e até conservadora e antidemocrática.” (ARROYO, 2008: 39). É importante a posição de Arroyo ao abordar a participação coletiva na gestão da escola, analisando a lógica presente nas regulamentações minuciosas em torno do processo de gestão democrática, ou seja, exigência de competência técnica, compromisso e liderança dentre outros quesitos dos participantes nos processos decisórios no interior da escola e da educação. Na sua visão, a falta de participação baseia-se na “concepção moralizante e pedagógica, despolitizada, distante da visão do poder, da sociedade, da cidadania que inspira o movimento docente na defesa da gestão democrática da escola”. (ARROYO, 2008: 45). 90 Fala de uma mãe de aluna. 11 Tragtenberg (1978) ao problematizar a escola e suas práticas domesticadoras e de inculcação ideológica – saber, verdade, cultura, gosto –, a considera como uma organização complexa e também contraditória. Segundo ele, ao mesmo tempo em que a escola impõe a sua CE uma hierarquia reprodutora, em outros momentos, ela, a CE, se vê como questionadora quando reivindica (TRAGTENBERG, 1985), e é nisso que consiste o PPP. É nessa interação e relação de poder que se processa o seu caminhar rumo a uma proposta efetivamente democrática. Nesse modelo, o grande desafio consiste em democratizar as relações intraescolares tanto daqueles que atuam na esfera do Estado (funcionários da escola) quanto da comunidade (pais e responsáveis) do seu entorno. Em outras palavras, a participação na tomada das decisões, como salienta Paro (1997). Disso decorre uma relação conflitual alargada por inúmeros determinantes que obstaculizam o fazer democrático nesse espaço que vai desde o sentido da participação, seu alcance, seu entendimento e finalidade. Não é tarefa simples pensar na democratização na escola numa sociedade como diz Paro (1997), assentada fragilmente numa democracia liberal. Em que o alcance de nossa participação, em muitas vezes, se restringe a um ou outro momento não se consubstanciando como poder de intervenção. Diante dessa constatação, como esperar, dentro de um arcabouço institucional burocrático na qual a escola se insere, que as decisões no seu âmbito ultrapassem os marcos estabelecidos? São desafios postos na construção do PPP, que incluem, conciliar os objetivos da escola (currículo, avaliação, organização e fins) com as demandas e necessidades identificadas pela comunidade escolar. Se pensarmos em uma sociedade plural e democrática, é essencial que seus interesses, vontades e seus valores sejam levados em conta, como nos chama atenção Motta (1987). Ainda segundo esse autor, “participar não implica, necessariamente, que todas as pessoas ou grupo opinem sobre todas as matérias, mas implica, necessariamente, algum mecanismo de influência sobre o poder” (1987: 91). O autor sugere que a participação tem que ser desejada, mesmo diante de contextos autoritários. Nesse sentido, situamos a gestão democrática, os conselhos e o espaço de construção do próprio PPP, que não podem ser desconsiderados como espaços reservados dentro desses contextos. “O problema que se coloca para a participação imposta é que ela abre uma oportunidade, mas não um leque de possibilidades, a ser explorado pela própria coletividade.” (MOTTA, 1987: 92). Nessa acepção, não podemos nos desinteressar pelos processos participativos mesmo que incorra em alguns equívocos. Também não podemos abrir mão da partilha do poder, ainda que este seja “distribuído” de forma desigual. 12 O PPP é uma oportunidade de melhorar a qualidade da participação, entendendo a qualidade o fortalecimento de uma cultura participativa com vistas à melhoria dos processos educativos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar da ênfase presente nos documentos oficiais por uma gestão democrática, a realidade escolar tem evidenciado dificuldades na sua implementação, pois o processo democrático não ocorre, e nem ocorrerá, de forma harmoniosa e consensual, sem lutas de poder, como muitos imaginaram ou idealizaram. O que ponderamos é que o Estado brasileiro, apesar de no discurso oficial defender a GED, ela de fato não ocorre, pois este mesmo Estado tem optado por uma participação representativa. Apesar de no discurso o Estado afirmar a autonomia dos entes federados, o que se vislumbra na realidade são experiências que não têm avançado na GED, ou seja, são ações resumidas a um participacionismo que implica em eleições de diretores resumidas a indicações, na formação de conselhos municipais de educação tutelados, em conselhos de classe meritocráticos, nos quais mais importa é a disciplina, o controle e uma visão moralizante da CE. Ao promovermos debates com a CE, o objetivo foi de fortalecimento e constituição da autonomia organizativa da escola e de sua comunidade, no sentido de obterem instrumentos teóricos e práticos para a elaboração de seus planejamentos de forma democráticoparticipativa, isto é, qualidades necessárias para uma melhor organização e condução da escola, materializadas na elaboração de seu PPP na sua especificidade. Durante a condução do processo de instrumentalização, pudemos perceber que os condicionantes institucionais tiveram um peso considerável dificultando a efetivação da proposta de formação continuada na discussão do PPP. As relações de poder burocratizadas e verticalizadas, própria da escola estatal, mostraram-se imperiosas ante os desafios de combate a crenças e práticas sedimentadas historicamente. Na pesquisa desenvolvida, alguns desses condicionantes assumiram feições com características específicas como: a rotatividade dos profissionais da escola; os diferentes tipos de vínculo empregatício desses profissionais; apontando para o descompasso entre a gestão estatal, mediante a Nova Gestão Pública caracterizada pela gestão por resultados, e as necessidades da comunidade escolar. A presença da não participação democrática na escola é uma característica de uma sociedade fragilmente democrática, ou seja, como pode a democracia existir em um regime capitalista? 13 Tragtenberg pondera: “sem escola democrática não há regime democrático; portanto, a democratização da escola é fundamental e urgente, pois ela forma o homem, o futuro cidadão”. (1985: 45). Por outro lado, a escola, apesar de se constituir num aparelho ideológico do Estado capitalista, carrega também a potencialidade de mudanças. Nesse aspecto, uma proposta de formação continuada, via instrumentalização teórica e prática, abre possibilidades para uma dinâmica social mais democrática. Isto requer: articulação entre a educação superior e a básica e consequente democratização desta relação. Sempre é um desafio! REFERÊNCIAS ARROYO, M. G.. Gestão democrática: recuperar a sua radicalidade política? In: CORREA, B. C.; GARCIA, T. O. (Org.) Políticas educacionais e organização do trabalho na escola. São Paulo: Xamã, 2008. p.39-56. BRASIL. Lei nº 9.394/1996. Estabelece as diretrizes e as bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm >. Acesso em: 10 fev. 2013. ______. Lei nº 13.005/2014. Aprova o Plano Nacional da Educação - PNE e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20112014/2014/Lei/L13005.htm>. Acesso em: 12 ago. 2014. FREITAG, B. Escola, Estado e Sociedade. São Paulo: Moraes, 1986. LIMA, A. B. de. Projeto Político Pedagógico: relacionamento de poderes. Revista Línguas e Letras, Cascavél/PR. v. 1, p. 189-200, jan./jun. 2000. MOTTA, C. P. M. Administração e Participação: reflexões para a educação. In: FISCHMANN, R. (Coord.). Escola brasileira: temas e estudos. São Paulo: Atlas, 1987. PARO, V. H. Participação da comunidade na gestão democrática da escola pública. In: ______. Gestão democrática da escola pública. São Paulo: Ática, 1997. p. 15-27. TRAGTENBERG, M. A escola como organização complexa. In: GARCIA, W. E. (Org.). Educação brasileira contemporânea: organização e funcionamento. São Paulo: McGrawHill, 1978. p.15-30. 14 ____. Relações de poder na escola. Educação e Sociedade, Campinas, ano VII, nº. 20, p.4045, abril 1985. 1 O PROCESSO EDUCATIVO E AS TRANSFORMAÇÕES DA EDUCAÇÃO NA HISTÓRIA DO OCIDENTE ANDRÉ LUÍS OLIVEIRA ([email protected]) CLARICE ALVES DE ARAÚJO ([email protected]) LUCIANA BEATRIZ DE OLIVEIRA BAR DE CARVALHO ([email protected]) ALINE TURATTI ALVES ([email protected]) UNIUBE/CAPES/FAPEMIG RESUMO Este trabalho apresenta um relato reflexivo de como o ato de educar se organizou ao longo da História ocidental. Apoiados em autores como Carlos Rodrigues Brandão abordamos a educação e seus fundamentos, enquanto Franco Cambi nos traz à luz as alterações no ato educar, ao longo da História. Essa educação foi abordada de diferentes formas, apoiada no espírito do tempo em que se efetivou. Assim, percorremos essa história, que aconteceu desde as aldeias tribais, sendo aprimorada no sentido formal com o advento da dita civilização – Antiguidade Clássica Greco-Romana-, passando, posteriormente, por mudanças sociais mais ou menos profundas, de acordo com a roupa de seu tempo – da Idade Média (século V-XV), passando pela Idade Moderna (século XV-XVIII), alcançando o limiar da Pós-modernidade, após revoluções fundamentais para as transformações sociais, a saber as revoluções francesa (1789) e russa (1917). Palavras-chave: ato de educar, história ocidental, aldeias tribais, civilização. Entender o que é educação e a amplitude de reflexão que o tema possibilita não é tarefa fácil. Tentar fazer isso e ainda traçar um panorama de como o ato de ensinar se transformou ao logo da história no Ocidente é ainda uma missão muito mais dura. Mesmo assim e certos da vastidão e dificuldades que o assunto proporciona tentaremos fazer uma reflexão sobre o ato de educar e traçaremos, de forma geral, um histórico de como esse ato se organizou ao longo da história ocidental. Abordando a atitude de ensinar desde as comunidades primitivas, passando pela Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea, período de consolidação do capitalismo que se dá com a Revolução Industrial. Falaremos também dos avanços promovidos pelas revoluções Francesa e Russa. Para entender o que é educação nos apoiamos no pensamento de Carlos Rodrigues Brandão, e, para construir o breve histórico de como o ato educar sofreu alteração ao longo da história, tornando-se formal através da escola, nos fundamentamos, sobretudo, na obra “História da 2 pedagogia” de Franco Cambi. Ressaltamos que por educação, entendemos a dinâmica ampla de formação da pessoa e da comunidade. Destacamos ainda que, “Por de trás do nosso presente, como infraestrutura condicionante unitária e dotada de sentido orgânico e permanente no tempo, opera a Modernidade. Por trás da Modernidade, coloca-se a Idade Média, e por de trás desta a Idade Antiga”. (CAMBI, 1999, p. 37.) No caso do Brasil, podemos dizer que Além das estruturas temporais citadas acima, devemos acrescentar o período colonial, o período imperial e o período republicano. Com isso destacamos que toda cultura, estado, nação e povo tem uma história, uma trajetória. Trajetória essa que vem de um acumular de fatos, eventos e saberes. Todos eles transmitidos às novas gerações por seus progenitores e/ou outros atores de seu contexto social. Podemos denominar isso com um processo de educar. Pois a palavra educação deriva do latim educo, educare, e significa instruir, criar. Tal palavra é composta por ex (“fora”) e ducere (“guiar, conduzir, liderar”). Ou seja, educar carrega a ideia de instruir e formar. E por consequência de preparar para a vida em sociedade e para o mundo. O ser humano em seu processo de tornar-se pessoa e de se tornar membro de um coletivo não escapa da educação, pois ela, segundo Carlos Rodrigues Brandão, é um dos mecanismos “de que os homens lançam mão para criar guerreiros ou burocratas. Ela ajuda a criá-los, através de passar de uns para os outros o saber que os constitui e legitima” (BRANDÃO, 1981, p. 11). A ideia acima elucida o caráter altamente formativo e comunitário do processo educacional; que se dá em casa, na rua, na escola, em instituições religiosas, no lazer, no mundo do trabalho, enfim, na sociedade e no convívio como um todo. Processo que não se dá de forma isolada, solitária, pois o ato de apreender se dá através do contato com o outro, é o “passar de uns para os outros o saber”, mesmo que essa tarefa exija do indivíduo esforço pessoal em interiorizar o que está sendo apreendido por meios de conexões sinápticas91 ainda pouco entendidas. Mesmo assim, existe a necessidade e importância do outro ou dos outros no processo formativo, e, por extensão, de uma série de relações amplas que se estendem do micro ao macro social. Sabemos, sem necessitar de muita reflexão, que as pessoas não crescem a esmo. 91 “O sistema nervoso detecta estímulos externos e internos, tanto físicos quanto químicos, e desencadeia as respostas musculares e glandulares. Assim, é responsável pela integração do organismo com o seu meio ambiente. Ele é formado, basicamente, por células nervosas, que se interconectam de forma específica e precisa, formando os chamados circuitos neurais. Através desses circuitos, o organismo é capaz de produzir respostas estereotipadas que constituem os comportamentos fixos e invariantes (por exemplo, os reflexos), ou então, produzir comportamentos variáveis em maior ou menor grau. Todo ser vivo dotado de um sistema nervoso é capaz de modificar o seu comportamento em função de experiências passadas. Essa modificação comportamental é chamada de aprendizado, e ocorre no sistema nervoso através da propriedade chamada plasticidade cerebral.” (http://www.cerebromente.org.br/n05/tecnologia/nervoso.htm, acesso em 26/03/2014) 3 De acordo com Gabriel Tarde apud Ortiz (1985), “A educação se dá através do processo de imitação, o que possibilita a transição da herança cultural através das gerações.” Dentro dessa dinâmica, podemos dizer que “a educação participa do processo de produção de crenças e ideias, de qualificações e especialidades que envolvem as trocas de símbolos, bens e poderes que, em conjunto, constroem tipos de sociedades.” (BRANDÃO, 1981, p. 11). Esse fazer constrói um tipo de ser humano e de cultura. Trata-se de um processo contínuo, onde o indivíduo é moldado, molda e se molda. nunca as pessoas crescem a esmo e aprendem ao acaso. [...] A socialização [...] realiza, em cada um de seus membros, grande parte daquilo que eles precisam para serem reconhecidos como seus [...] o processo de aquisição pessoal de saber-crençae-hábito de uma cultura [...] pode ser chamado [...] de endoculturação” (BRANDÃO, 1981, p. 23). Como nos ensina Leontiev (1978), o homem é um ser de natureza social e tudo o que tem de humano nele é resultado da sua vida em sociedade, no seio da cultura criada pela humanidade. Para Leontiev um dos resultados do progresso da humanidade é o acúmulo da prática sóciohistórica, que tem na educação um papel de suma importância. “[...] esta relação entre o progresso histórico e o progresso da educação é tão estreita que se pode, sem risco de errar, julgar o nível geral do desenvolvimento histórico da sociedade pelo nível de desenvolvimento do seu sistema inversamente” (LEONTIEV, 1978, p. 273). Fato é que, todos estamos sujeitos ao que vou chamar de mecânica educativa, não como algo engessado, mas como uma dinâmica em que, As pessoas convivem umas com as outras e o saber flui, pelos atos de quem sabe-efaz, para quem não-sabe-e-aprende. [...] Nas aldeias dos grupos tribais mais simples, todas as relações entre a criança e a natureza, guiadas de mais longe ou mais perto pela presença de adultos conhecedores, são situações de aprendizagem. A criança vê, entende, imita e aprende com a sabedoria que existe no próprio gesto de fazer a coisa (BRANDÃO, 1981, p. 18). Assim sendo aprender e ensinar sempre foi e continua sendo um ato trivial e cotidiano, que possui graduações, indo do simples ao complexo e vindo do complexo para os simples; saindo do âmbito doméstico para o público e vindo do público para o doméstico. Primeiro a educação existe com um inventário amplo de relações interpessoais diretas no âmbito familiar: pais-filhos, avós-netos, tios-sobrinhos, irmão mais velhoirmão caçula, e assim por diante. [...] Depois, a educação pode existir entre educadores e educandos não parentes. Mas o ato de aprender se dá no trabalho, em casa, no templo, enfim, nos muitos tipos de atividade onde viver o fazer faz o saber. (BRANDÃO, 1981, p. 32). Se nas aldeias dos grupos tribais mais simples, todas as relações entre a criança e a natureza são situações de aprendizado. Podemos dizer que o mesmo se dá nas grandes e pequenas 4 cidades espalhadas mundo afora. Talvez não em todas as relações, mas em boa parte delas; pois se dão nos inúmeros agrupamentos sociais que compõem a(s) teia(s) em que as pessoas se relacionam e delas participam. “Todas as situações entre pessoas, e entre pessoas e a natureza – situações sempre mediadas pelas regras, símbolos e valores da cultura do grupo – têm, em menor ou maior escala a sua dimensão pedagógica.” (BRANDÃO, 1981, p. 20). Sendo que, “tudo o que é importante para a comunidade, e existe como algum tipo de saber, existe também com algum modo de ensinar.” (BRANDÃO, 1981, p. 22). Nesse sentido a Lei de Diretrizes de Bases da Educação é muito feliz ao registrar em seu artigo 1º que, A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (Lei nº 9.394, de 1996). Nesse sentido a atitude educadora perpassa boa parte das ações humanas, O processo educativo existe nas diferentes culturas e sociedade, desde as relações triviais com falar e cumprimentar os outros, até processos mais complexos que exigem técnica apurada. Quando uma mãe corrige o filho para que ele fale direito a língua do grupo, está se fazendo educação. “A educação aparece sempre que surgem formas sociais de condução e controle da aventura de ensinar-e-aprender. O ensino formal é o momento em que a educação se sujeita a pedagogia (a teoria da educação), cria situações próprias para o seu exercício, produz os seus métodos, estabelece suas regras e tempos, e constitui executores especializados. É quando aparecem a escola, o aluno e o professor (BRANDÃO, 1981, p. 26). Educar é, portanto, formar pessoas. Dentro de um contexto amplo, é moldar a teia social. Brandão (1981, p. 25), diz que “Quando o educador pensa a educação, ele acredita que, entre homens, ela é o que dá a forma e o polimento.” Assim podemos dizer que um modelo de sociedade pode surgir através da educação. Como vimos o ser humano estabelece uma relação com o saber através de um aprendizado mútuo. Saber e aprendizado que vão sendo modificados ao longo do tempo, ganhando novos contornos, e, na medida em que as sociedades vão se tornado mais complexas a forma de ensinar também o fica. Surgem os especialistas da arte de educar, ou seja, os pedagogos e mestres. É nesse momento que a educação se sujeita e pedagogia. Ensinar vai se tornando um ato cada vez mais complexo, deixando de ser uma ação igualitária e vindo a ser, cada vez mais, uma ação fragmentada. O ato de apreender se divide, tornando-se dualista. Passamos a ter uma educação para a nobreza e outra para o trabalhador, uma educação para os organizadores e outra para os executores. O advento da civilização, ao lado de um conjunto de inovações e progressos técnicos, trouxe também a desigualdade social e a perpetuação dessa desigualdade através do ato de educar. A 5 seguir traçaremos um breve histórico de como esse processo, se deu na sociedade ocidental. Faremos um apanhado genérico e assim sendo suscetível a falhas várias, sobretudo as de caráter epistemológico. Fica registrado nosso pedido de desculpas. Nas sociedades ditas “primitivas”, as instituições de ensinos formais eram inexistentes. Porém, vimos que o papel formativo da educação vai muito além da existência ou não dessas instituições. Vimos que as situações entre pessoas, e entre pessoas e a natureza possuem a sua dimensão pedagógica. Assim sendo, o aprendizado se dava de modo espontâneo e tinha como objetivo a transmissão de um saber eminentemente prático, igualitário e associado ao interesse do grupo (PONCE, 1989). Com o aparecimento da propriedade privada e da divisão social, o interesse comum cede lugar a interesses particulares e distintos. É nesse contexto que surge uma educação diferenciada, pois se antes o transmitir conhecimento se dava dentro de uma lógica igualitária, onde um mesmo saber era ensinado a todos os membros do grupo, agora nascia um saber para os organizadores e outros para os executores. Para aqueles cujo destino premiou por nascimento e hereditariedade, o mando e a administração da vida de outrem, uma instituição iria se destacar, a escola92. Ressaltamos que essa passagem se deu [...] com o desaparecimento dos interesses comuns a todos os membros iguais de um grupo e sua substituição por interesses distintos, pouco a pouco antagônicos, o processo educativo, que até então era único, sofreu uma partição: a desigualdade econômica entre os “organizadores” – cada vez mais exploradores – e os “executores” – cada vez mais explorados – trouxe, necessariamente, a desigualdade das educações respectivas (PONCE, 1986, p. 25). A educação na Antiguidade, ou seja, no mundo pré-grego e greco-romano se dava dentro dessa ordem dualista, ou seja, uma formação que tem como objetivo para uns, o trabalho manual e para outros o trabalho intelectual e administrativo. “Trata-se de uma educação por classes: diferenciada por papéis e funções sociais, por grupos sociais e pela tradição de que se nutre” (CAMBI, 1999. p. 51). Dentro desse contexto, que marca a Idade Antiga, a instituição-escola afirma-se cada vez mias. “São escolas ora estatais ora particulares que vão acolhendo os filhos das classes dirigentes e médias e dando-lhes uma instrução básica”, (CAMBI, 1999, p. 49). Na Grécia merece destaque o aparecimento da figura do pedagogo, um acompanhante da criança, um instrutor que transmitia um saber específico, muitas vezes ligado à oratória, retórica e a lógica. Mesmo assim, havia um saber que também era passado de pais para filhos 92 Entendemos escola aqui, não como as conhecidas atualmente. Por escola, na antiguidade, deve-se entender um local de formação frequentado pela aristocracia, ou seja, pessoas de posse. Nas edubas da Mesopotâmia ou no Egito aprendia-se a ler, escrever e calcular sobre um intenso rigor. Na Grécia Antiga ensinava-se caminhado. A educação era bastante ampla e não era dividida em "disciplinas". Sendo seu objetivo formar o caráter e o conhecimento e não dar títulos. 6 e tinha como base uma formação que buscava perpetuar os ideais aristocráticos de sangue e culto aos ancestrais. Trata-se de uma formação heroica esboçada na Ilíada93 e que se destinava aos adolescentes aristocráticos, que eram treinados para serem valentes guerreiros, indivíduos preparados [...] para o combate através de competições e jogos com disco, dardo, arco, carros, que devem favorecer o exercício da força mas também da astúcia e da inteligência. O espírito de luta é aqui o critério educativo fundamental, que abrange tanto o aspecto físico-esportivo quanto o cortês-oratório-musical, solicitando exercícios com lira, dança e canto e remetendo o jovem também a práticas [...]” (CAMBI, 1999. p. 77). Em Roma, com atesta Cícero, a educação esteve vincula a Lei das Doze Tábuas. “Como modelo educativo as tábuas fixavam a dignidade, a coragem, a firmeza como valores máximos” (CAMBI, 1999. p. 105). O fim do mundo antigo com as denominadas “invasões bárbaras”94 ou germânicas, assinala um novo momento na dinâmica de formar pessoas para a vida social. A História define esse período como Idade Média e ele tem como baliza inicial a queda de Roma em 476, com as já citadas invasões germânicas, que segundo o historiador Paulo Micelli (1988, p. 12) “nem sempre foram violentas, pois muitos ‘bárbaros’ instalaram-se nas terras na qualidade de trabalhadores agrícolas, além de muitos deles já fazerem parte do dos próprios exércitos romanos”. Como bárbaro é uma expressão pejorativa, preferimos a terminologia invasões ou ocupações germânicas. Num primeiro momento a chegada dos germânicos causou um retrocesso no ensino formal, iniciado durante a cultura dita clássica. A Europa experimentava o surgimento de um novo cenário. Essa nova fase da história do Ocidente tinha como gênese a confluência de dois mundos. O mundo antigo, que chegara ao fim e era representado por gregos e romanos, esses últimos herdeiros da cultura grega e o mundo medievo-feudal, representado pela chegada dos germânicos, pela participação de missionários cristãos na conversão desses e pela confluência da cultura clássica com a germânica, que era cimentada pela difusão do cristianismo. Num segundo momento o ensino formal ganha novo vigor, sobretudo a partir da constituição do Império Carolíngio e do fortalecimento do poder da Igreja, isso se dá ao longo do século VII. Desse momento em diante, as classes nobiliárquicas passam a pagar mestres para educar 93 Ilíada e Odisseia, obras creditadas ao poeta Homero, fundamentais para se compreender o período da história grega após a chegada dos invasores dórios e o estabelecimento das póleis (Pólis ou cidades-estado). 94 Bárbaros era a denominação que os romanos davam a todos aqueles que não faziam parte de seus domínios. Os gregos também intitulavam o não grego de bárbaro. Ao assim fazer, gregos e romanos se referiam aos demais povos como primitivos e inferiores, ou seja, incivilizados. 7 seus filhos, surgem às chamadas Escolas Palatinas. A primeira experiência de desse modelo surgiu na corte de Carlos Magno, em um movimento denominado de Renascimento Carolíngio. Segundo Mello 1990, p. 45, o Renascimento Carolíngio foi um movimento iniciado pelas bases, com a reforma dos estudo escolares. Primeiramente, a abertura de escolas onde se aprendesse a ler e escrever [...]. Embora não estejamos muito bem-informados sobre elas, sabemos, contudo, que foram abertas nos conventos, nas catedrais e no próprio palácio real. O objetivo era preparar o futuro clero; mas havia também instrução para os garotos destinados à vida laica. Só não sabemos se era ministrada num mesmo estabelecimento ou se recebiam ensino à parte. A do palácio era freqüentada por filhos de aristocratas e servidores próximos ao imperador [...]. Esse modelo de escola, surgido na corte de Carlos Magno, dentro do período denominado de Alta Idade Média, serviu de modelo para outras experiências dessa modalidade, pois “O renascimento iniciado com Carlos veio a ter seu período áureo de expansão e florescimento depois da morte dele” (Mello 1990, p. 47). Isso ocorre dentro de um novo contexto onde a corte deixa de ser o centro de irradiação, esse passa a ser os conventos e catedrais provinciais. De maneira que, na Idade Média a educação institucionalizada estava ligada à Igreja e objetivava formar o clero e os membros da classe nobiliárquica, tomando como temas centrais as questões teológicas. Sem dúvida alguma os mosteiros, catedrais e castelos foram as grandes estruturas arquitetônicas do período medievo. Quanto aos residentes da primeira estrutura citada, os monges, devemos dizer que nem todos dedicaram sua vida a perambular pelos campos e aldeias no serviço da evangelização e na conversão dos pagãos. “Muitos deles voltaram-se para o recolhimento dos conventos, ora dedicando-se à meditação pura e simplesmente, ora atravessando seus dias copiando e traduzindo os pensadores clássicos” (MICELLI, 1988, p. 19). Com isto, a igreja foi se tornando a única depositária da cultura dita erudita, além de acumular um enorme patrimônio material através de doações de fiéis e outras medidas de santidade menor. A Igreja era principal instituição “pedagógica” do período e a Bíblia o principal manual de estudo. Segundo Paulo Micelli (1988, p. 20), “Não se pode pensar em feudalismo ou Idade Média se considera essa realidade: a Igreja foi a principal personagem, impondo os valores do cristianismo a todas as esferas da vida.” Sem dúvida alguma a educação não ficou fora dessa dinâmica. Tanto é que o dinamismo social, econômico e político, que trouxe em seu bojo a laicização do ensino ocorrido a partir da Baixa Idade Média, encontrou grande resistência por parte da Igreja e de seus membros. Num confronto que envolveu grandes embates e contradições. 8 O fim da Idade Média vê, ao lado de uma laicização do ensino, grandes mudanças em quatro esferas da sociedade europeia, a política, a econômica, a social, a religiosa e a cultural. Na esfera política a formação do Estado nação, representou a centralização do poder político nas mãos do rei e o desenvolvimento de uma administração racional e eficiente. Ganham força o governo, o Estado, as cidades, as universidades, as leis, os impérios, os exércitos, etc. A burocracia estatal precisava de indivíduos fiéis ao Estado, não necessariamente padres, como na época do Império Carolíngio, mas sim leigos que tivessem uma formação capaz dar eficiência administrativa, além da já citada lealdade ao Estado e ao governo. Logo era preciso formar um bom corpo de funcionários públicos para isso. Um desdobramento para esse quadro era laicização do saber, relegado a um espaço até então clerical e teológico. Na esfera econômica, a Europa experimentou uma verdadeira revolução comercial, cujo evento mais proeminente foi à expansão comercial e marítima dos séculos XV e XVI. Umas das principais demandas desse acontecimento foi à existência de matemáticos, contadores, financista, escriturários, inventores, juristas e diplomatas; enfim, gente com qualificação nas letras e nos números. Na esfera social ocorre à afirmação de uma nova classe, a burguesia; trata-se de um grupo formado por comerciantes, banqueiros e artesãos. Quanto aos comerciantes e banqueiros, trata-se de duas categorias altamente perspicazes. Comerciantes e banqueiros são indivíduos racionais e práticos. Seu afazer exige isso para se atingir o lucro. De outra forma, o prejuízo é certo! É necessário contabilizar o valor das mercadorias, os ganhos e as perdas; bem como, as distâncias percorridas, o peso da carga e a capacidade de transporte. Enfim, os burgueses eram indivíduos obrigados a se dotarem de lógica, de um ensino teórico qualificado. Nesse contexto as universidades surgidas a partir do século XI, ganham um novo e grande impulso e os contatos sociais se tornaram mais intensos. A vida social passa a se organizar em novas e artificiais estruturas, econômicas e políticas. Na esfera do Estado e do comércio, políticos e mercadores têm proeminência. Quanto aos políticos, esses necessitam de realizar um convencimento racional para suas causas. Além do mais, mercadores e políticos são seres tocados de certa desconfiança (o mundo dos negócios e da política é cheio de desconfiança) e geralmente classificam os seres humanos em dois grupos: os espertalhões e os ingênuos. Na esfera religiosa o movimento da reforma protestante quebra a hegemonia religiosa da Igreja, além de contribuir significativamente com a difusão do letramento através da tradução da Bíblia e difusão de sua leitura; e, na esfera da cultural, a Renascença representou, além do resgate da antiguidade Greco-romano, a retomada de uma visão de mundo antropocêntrica, individualista, racional, científica e humanista. 9 As transformações elencadas acima, todas elas inseridas no processo de transição do feudalismo para o capitalismo foram fatores decisivos para a laicização do saber e do ensino. Tanto na Idade Média, quanto na Idade Moderna podemos enxergar dois processos educativos; um que se dava entre a elite, que na Alta Idade Média era nobiliárquica e a partir da Baixa Idade Média e Idade Moderna passou a ser nobiliárquica e burguesa95; e, outro processo que de desenvolvia entre o povo. Segundo Franco Cambi (1999. p. 166), “a educação do povo se cumpria, essencialmente, pelo trabalho. Era o aprendizado, na oficina ou nos campos, que desde a idade infantil, dava uma formação técnico-profissional e ético-civil ao filho do povo.”. Portando um ensino prático. A ideia de formar o “povo”, de prepará-lo intelectualmente sob uma ótica erudita, ganha forma com a Revolução Francesa. Evento que encerra a Idade Moderna e assinala o início da Idade Contemporânea. Foi durante a Revolução de 1789 que surgiram as primeiras escolas públicas, esse fato se deu dentro de um momento da Revolução denominado de Convenção Nacional96, quando uma ala de deputados com ideias extremamente progressistas, denominados de jacobinos, ascendeu ao poder. Por sua radicalidade revolucionária, o período da Convenção foi intitulado de “Terror”. Isso por conta da quantidade de executados na guilhotina, números mais exagerados falam de 40 mil pessoas. Mas foi durante nesse momento dramático que acontece o surgimento das primeiras instituições públicas de ensino, bem como da instauração de outras medidas de caráter popular e progressista, como a realização de uma reforma agrária, do estabelecimento do sufrágio universal masculino e da abolição da escravidão nas colônias. Portanto escola pública e liberdade nasceram em um contexto convulsivo e sangrento. Era a primeira República Francesa e o terceiro ato de um evento, que marca o ocaso do Antigo Regime na França e juntamente com ele a extinção de uma série de privilégios hereditários concentrados nas mãos da nobreza e do clero, dentre eles a educação, que vinha adquirindo um caráter laico desde o final da Idade Média. A partir desse momento a educação ganha uma função eminentemente social, a de preparar o cidadão, um indivíduo com consciência de pertença ao Estado e capaz de participar dele. Franco Cambi, 1999, p. 365, diz que, Ao lado dessa elaboração de programas de reforma escolar e de intervenções legislativas, a Revolução Francesa também pôs em ação um intenso trabalho educativo que devia desenvolver nos indivíduos a consciência de pertencer ao Estado, de sentir-se cidadão de uma nação, ativamente partícipes dos seus ritos coletivos e capazes de reviver seus ideais e valores. Se, por um lado, uma ação educativo intensa foi desenvolvida pelos Catecismos laicos, que pretendiam difundir 95 Aqui não nos referimos a um novo tipo de nobreza, mas a uma nova classe social, a burguesia, que tinha entre suas preocupações a de dar uma boa formação a seus filhos. Muitos filhos de burgueses frequentavam as universidades surgidas na Baixa Idade Média. 96 A Revolução Francesa é comumente dividida em quatro fases: a Assembleia Nacional, a Monarquia Nacional, a Convenção Nacional e o Diretório. 10 uma visão não-religiosa do mundo, uma ética civil e princípios de tolerâncias e de compromisso social, contrapondo-se abertamente aos catecismo católicos, nutrindose da tradição racionalista à maneira de Descartes e iluminista à maneira de Bayle, mas desenvolvendo-se forma cada mais radical, segundo objetivos de uma ética exclusivamente humana e social. Para José Murilo de Carvalho (1990, p. 11) a “educação pública significava acima de tudo isto: formar as almas”. Para tanto, foi de grande importância a “atuação de Davi, como pintor, revolucionário e teórico da arte”. Esse foi para José Murilo, “o melhor exemplo do esforço da educação cívica mediante o uso de símbolos e rituais”. A arte, não tinha como papel apenas o puro e simples encantamento. Nesse contexto ela assumiu a finalidade contribuir para a educação pública, penetrando nas almas e mentes dos homens, elevados agora a condição de cidadãos. Davi o “pintor da Revolução foi talvez o primeiro a perceber a importância do uso dos símbolos na construção de um novo conjunto de valores sociais e políticos” (CARVALHO, 1990, p. 11), gerando processos educativos que agem em profundidade: renovam a mentalidade e criam novos valores (laicos e civis), fixando um novo tipo de ator social, o cidadão. A Revolução de 1789 foi um marco fundamental da sociedade capitalista, derrubando os obstáculos que ainda se opunham a sua constituição (MICELI, 1987, p. 45). A burguesia, grupo que ascendeu ao poder, estabelece um modelo de educação que fosse voltado para a formação do cidadão, indivíduo dotado de direitos, como a liberdade e a propriedade. Assim nasce um modelo de educação voltado para todos os homens, deixando de ser apenas um privilégio e passando a ser um direito. Dessa forma, a educação moderna, torna-se um direito. Direito que para ser efetivado deu-se sob a égide de muita luta, suor e sangue, pois a nova ordem constituída era a do liberalismo, que previa em seu ideário a igualdade jurídica e não a igualdade social. O direito a educação como bem social vai se dar com um desdobramento de uma outra revolução burguesa, a Revolução Industrial. Iniciada na Inglaterra do século XVIII a industrialização vem transformar profundamente a sociedade moderna – no sistema produtivo e no estilo de trabalho, na mentalidade e nas instituições (família, paróquia, vila), na consciência individual – produzindo também uma nova classe social (o proletariado) e um novo sujeito socioeconômico (o operário). Este complexo processo de transformação econômico-social manifestou-se como a submissão de massas bastante numerosas de homens, mulheres e crianças às férreas leis do capital (CAMBI, 1999. p. 370). Juntas, as revoluções francesa e industrial corroboram com a consolidação da ordem burguesa. Sendo que com o advento da Revolução Industrial, antecedida na Inglaterra pela Revolução Puritana (1648) e pela Revolução Gloriosa (1688) e na França pela Revolução 11 Francesa (1789); ocorre a acentuação da luta de classes e o aparecimento do movimento operário, que representa um grande front para que o direito a educação se torne um direito social. Conhecido como a Era das Revoluções, o século XVIII foi marcado por grandes transformações econômicas, políticas e culturais, que vinham se processando desde a Baixa Idade Média, ganhando grande vigor a partir do século XVI. A ampliação do horizonte geográfico desencadeada pelas grandes navegações; o conhecimento de outras sociedades e culturas; a revolução comercial, que foi uma das responsáveis pela intensificação do processo de acumulação de capital, o renascimento cultural e científico, as reformas religiosas e a consolidação do Estado moderno, um corpo burocrático e eficiente, que passa a ocupar, na vida das pessoas, um lugar que até então só era ocupado pela igreja. As revoluções burguesas97 promovem a instalação definitiva da sociedade capitalista (MARTINS, 1998, p. 11), além de ocasionarem a desintegração, o solapamento de costumes e instituições até então existentes e a introdução de novas formas de organizar a vida social. A utilização da máquina [...] destruiu o artesão [...] que possuía um pequeno pedaço de terra [...] submetido a uma severa disciplina, a novas formas de conduta e de relações de trabalho [...] a Inglaterra [...] país com pequenas cidades, com uma enorme população rural dispersa, passou a comportar enormes cidades [...]” (MARTINS, 1998, p. 12). Surgem novas realidades, ocorrendo a reordenação da sociedade rural, a destruição da servidão, o desmantelamento da família patriarcal [...] uma maciça emigração do campo para a cidade, [...] mulheres e criança em jornadas de trabalho de pelo menos doze horas, sem férias e feriados, ganhado um salário de subsistência [...] inferiores aos dos homens [...], a imposição de prolongadas horas de trabalho (MARTINS, 1998, p. 12-13). A humanidade passou por um vertiginoso crescimento demográfico, atingindo seu primeiro bilhão por volta de 1730, dobrando um século depois e chegando ao número de sete bilhões em 2011. Para termos uma ideia do vertiginoso crescimento populacional, tomemos como exemplo a cidade de Manchester, que no início do século XIX, era habitada por setenta mil pessoas e cinquenta anos mais tarde passa a sê-lo por trezentas mil. (MARTINS, 1998, p. 13). Essas transformações geram um “aumento assustador da prostituição, do suicídio, do alcoolismo, do infanticídio, da criminalidade [...] da violência, de surtos de epidemia de tifo e cólera que dizimaram parte da população” (MARTINS, 1998, p. 13-14). 97 As revoluções burguesas foram um conjunto de eventos que inauguram a Idade Contemporânea e assinalaram a consolidação do capitalismo, do liberalismo político e do liberalismo econômico. Iniciadas na Inglaterra do século XVII, com a Revolução Puritana e com a Revolução Gloriosa. Os eventos subversivos tem continuidade com o Iluminismo, com a Revolução Americana, com a Revolução Francesa e com a Revolução Industrial. 12 As lutas sociais se acirram e o aparecimento de um novo sujeito socioeconômico que compunha a classe proletária e o papel histórico que ele desempenha na sociedade capitalista é uma das facetas desse contexto. “As manifestações de revolta dos trabalhadores atravessaram diversas fases, como a destruição das máquinas, atos de sabotagem e explosão de algumas oficinas, roubos e crimes”, gradativamente os trabalhadores vão se organizando em sindicatos. Um dos frutos desta organização, segundo Martins (1998, p. 14), foi que os ‘pobres’ deixaram de se confrontar com os ‘ricos’; mas uma classe específica, a classe operária, com consciência de seus interesses, começava a organizar-se [...] produzindo seus jornais, sua própria literatura, procedendo a uma crítica da sociedade capitalista e se inclinado para o socialismo. Sobre o assunto Revolução Industrial, vejamos o que nos diz Franco Cambi (1999. p. 371): Neste dramático processo, a Inglaterra ocupa o papel de ancestral e de guia: serão as indústrias inglesas que manifestarão também as condições mais duras de trabalho operário e até infantil. Será esta a fase, por assim dizer, heroica da Revolução Industrial inglesa que corresponderá à fase desprovida de regras e dominada pela exploração mais bestial. É certo que, pela concentração operária e da difusão de ideias políticas mais avançadas e revolucionárias, os próprios operários tomarão consciência da “questão social” e iniciarão uma primeira resposta a estas duríssimas condições de vida, com a sindicalização e a adoção de técnicas como a greve de resistência e boicote em relação às ofertas de trabalho. Sob pressão justamente das massas operárias organizadas, através das trade unions ou das sociedades mazziniasnas, depois dos partidos dos trabalhadores promovidos pela difusão do socialismo, se efetuará uma reivindicação política destinada a criar condições mais suportáveis de trabalho, fixando horários e salários e, depois, também, condições higiênicas e prevenções para doenças ou acidentes. Mas estas reivindicações organizadas, estas organizações operárias que as orientam virão desenvolver um papel eminentemente educativo por meio da imprensa – jornais ou opúsculo –, dos congressos, das manifestações públicas; e será um processo educativo que agirá no mais profundo da sociedade, construindo uma consciência de classe e ligando a um universo de valores, de fins e de objetivos amplas massas populares, vindo a caracterizar intimamente sua existência, marcada por um compromisso de solidariedade e por ideias de emancipação. O embate dialético educa através de suas lutas políticas, entre tendências e facções e entre grupos sindicais entre si e, entre esses e patrões. Educação que se desenvolve como foi dito, por meio da imprensa operária com seus jornais e demais periódicos. Temos no movimento operário e suas conquistas, um dos principais desdobramentos sociais da revolução industrial, esse movimento contribui consideravelmente com o desenvolvimento de uma nova pedagogia, a marxista. A pedagogia marxista estabelece um vínculo muito estreito entre educação e política, trazendo uma visão histórica crítica da realidade. A interpretação marxista coloca em destaque as contradições econômicas e sociais dentro das quais o ser humano é formado, conclamando uma educação que leve em conta à práxis. “Para os pesquisadores marxistas, a história, aparece como luta de classe e de ideologias, que se 13 articulam em torno de sistemas de produção e que visa à hegemonia história, influenciando cada âmbito da vida social, da família ao Estado e à cultura” (Cambi, 1999, p. 25). Podemos considerar a Revolução Russa de 1917 como um dos principais ápices do marxismo, isso por que além de efetivar em um país continente as principais ideias de Karl Marx, gerou desdobramentos significativos em todo o mundo. Tomemos alguns como exemplos o voto feminino e a legislação trabalhista. Quanto ao voto feminino, cabe destacar que em 1917, ano da revolução bolchevique, somente a Austrália, Dinamarca, Finlândia e Noruega adotavam o sufrágio feminino. A Revolução Russa de 1917, defendeu a igualdade de gênero, gerando no em inúmeros países do Ocidente o temor de que as feministas encontrassem no socialismo um sistema mais atrativo, e por consequência se aliariam aos socialistas para importar a ideologia em seus respectivos países. A melhor forma de conter o avanço socialista nesse campo era conceder as mulheres o direito ao voto. A Alemanha e a Grã Bretanha legalizaram em 1918, os EUA em 1920 e o Brasil em 1934. A França, berço de ideias progressistas só reconheceria esse em 1944. Quanto a legislação social, os legados da Revolução Russa são ainda mais evidentes. Hoje contamos com licença maternidade, com uma semana trabalhista de 5 dias, férias pagas de 2 a 4 semanas, assistência de saúde, direito a educação pública, além de equipamentos de segurança para os trabalhadores. Outro evento que colocou o espectro do comunismo sobre a Europa e todo o Ocidente foi a Guerra Fria. Juntos esses eventos contribuíram para que muitas nações promovessem reformas sociais básicas que se desembocaram no chamado welfare state, ou estado de bem estar social. Dentre as garantias estabelecidas por essas reformas a educação se coloca como um bem elementar, um direito social e um dever do Estado. Assim chegamos ao século XX, tendo a arte de educar como um direito elementar do indivíduo e um dever do Estado. Vale destacar que em todo processo histórico elencado até aqui, desde as origens da pedagogia, ao aparecimento da escola enquanto instituição formal de ensino e prática da pedagogia, o educar cumpriu e ainda cumpre um papel de disseminar valores e estabelecer padrões. Em muitas vezes esse ato foi um instrumento de grupos dominantes para manterem sua hegemonia e para difundir suas ideias, valores e cultura. Tomemos por exemplo à existência da escola, organização formativa por excelência. Instituição que forma em sentido duplo. O de dar forma, no sentido de estabelecer padrões comportamentais e ideológicos, ou seja, formata, mas também forma no sentido de que ela estabelece valores, lapidando o ser humano, dando-lhe subsídios para escolher entre uma atitude ética ou não, educando para o respeito à vida, não apenas em sua individualidade, mas a vida coletiva, já que dependendo uns dos outros e vivemos coletivamente. Assim a escola educa para o respeito a diferença, 14 para a tolerância. É mister saber que a construção de valores e acepções culturais faz parte da história de um povo e de uma nação. Tais pontos são elementos primordiais na formação de uma nação, gerando símbolos e memórias que se disseminam entre os homens cimentando seu presente e lançando bases para uma memória coletiva e integradora. Memória que é formada a partir de uma dimensão passado-presente, e que tem em seu bojo imagens, símbolos e crenças que foram criados ao longo da história nacional. Considerações finais Vimos que o ser humano em seu processo de tornar-se pessoa e de se tornar membro de um coletivo não escapa da educação. Esse fazer constrói um tipo de ser humano e de cultura. Trata-se de um processo contínuo, onde o indivíduo é moldado, molda e se molda. Processo que ocorre em todas as sociedades humanas, das aldeias dos grupos tribais mais simples, às grandes e pequenas cidades espalhadas mundo afora. Processo que adquiriu complexidade com o advento da civilização. Antes do aparecimento da civilização educar tinha como objetivo a transmissão de um saber eminentemente prático, igualitário e associado ao interesse do grupo. O desenvolvimento da civilização faz surgir uma forma de ensino formal, que evolui para a escola, que por sua vez sofre alterações ao longo da história. De um modelo aristocrático, na antiguidade, Idade Média e Idade Moderna, para um modelo onde o acesso torna-se um direito de todos na contemporaneidade. 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Petrópolis: Vozes, 2002. 1 O PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM DO CONCEITO DE FUNÇÃO POR MEIO DE UM EXPERIMENTO DIDÁTICO JOSÉ DIVINO NEVES98 MARILENE RIBEIRO RESENDE 99 VINÍCIUS ANTÔNIO BARROS SILVEIRA100 RESUMO O presente artigo tem como objetivo apresentar parte da investigação realizada na pesquisa de mestrado, cujo objetivo foi analisar o processo ensino-aprendizagem do conceito de função nos anos finais do Ensino Fundamental, a partir de uma sequência didática de atividades de ensino elaboradas, desenvolvidas e analisadas, na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural. A metodologia, de abordagem qualitativa, constitui-se de um experimento didático, realizado numa turma do 9º ano do ensino fundamental de uma escola pública de Uberaba – MG. Os procedimentos metodológicos foram organizados em quatro etapas, incluindo pesquisa bibliográfica e documental, elaboração das atividades de ensino, desenvolvimento das atividades e análise dos resultados a partir dos pressupostos da teoria adotada. Os resultados permitem considerar que há indícios de que os alunos se apropriaram dos elementos constitutivos do conceito de função; que o trabalho coletivo, as manifestações e expressões dos alunos e suas ações de discutir, relacionar, identificar, generalizar e avaliar foram relevantes para o alcance dos objetivos; que houve desenvolvimento de capacidades psíquicas superiores, aliado à aprendizagem do referido conceito; que o texto pode ser muito importante na introdução de assuntos matemáticos; que as ações do professor como organizador das atividades de ensino e mediador são imprescindíveis nesse processo. Foi possível constatar que é, de fato, nas relações sociais, no movimento das relações interpsíquicas para as intrapsíquicas que os conceitos científicos se formam. Palavras-chave: Experimento didático. Formação de conceitos. Ensino de funções. INTRODUÇÃO Este artigo apresenta resultados da pesquisa de mestrado, cuja investigação insere-se no projeto do Edital FAPEMIG 13/2012 Pesquisa em Educação Básica acordo CAPESFAPEMIG e no Programa Observatório de Educação – OBEDUC/CAPES, intitulado O ensino-aprendizagem de álgebra nos anos finais do ensino fundamental, desenvolvido na Universidade de Uberaba. Como subprojeto, o objeto de estudo é a formação do conceito de 98 Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade de Uberaba – UNIUBE, com apoio financeiro do Programa Observatório da Educação – OBEDUC/CAPES e FAPEMIG/EDITAL 13/2012. 99 Doutora em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil (2007) Professora titular e Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Uberaba – UNIUBE. 100 Aluno da Graduação da Universidade de Uberaba – UNIUBE - Iniciação Científica com apoio financeiro do Programa Observatório da Educação – OBEDUC/CAPES e FAPEMIG/EDITAL 13/2012. 2 função, tendo como referencial teórico a abordagem Histórico-Cultural, cujo criador é Vigotski101, que, juntamente com Davidov102, Leontiev e outros pesquisadores soviéticos, contribuíram de forma significativa para os avanços dos estudos em psicologia, mas com aplicações bem-sucedidas no campo da educação. O objetivo geral da pesquisa foi analisar como ocorre a formação do conceito de função nos anos finais do ensino fundamental, a partir de atividades de ensino devidamente organizadas. A questão norteadora dessa investigação pode ser expressa nos seguintes termos: Como organizar um sistema de atividades de ensino para a formação do conceito de função e, particularmente dos conceitos de função afim e função quadrática, junto aos alunos do 9º ano do ensino fundamental? Além dessa questão geral, outras foram levantadas: Como são apresentadas as concepções de álgebra na literatura científica e nos documentos oficiais? Como modelar teoricamente o conceito de função? Como planejar o processo de ensino para a formação do conceito de função em alunos dos anos finais do ensino fundamental? Como executar o sistema didático planejado para formar o conceito de função? Foram definidos, ainda, como objetivos específicos: 1) fundamentar teoricamente a formação de conceitos e atividades de estudo, na perspectiva histórico-cultural; 2) levantar os conteúdos de álgebra propostos nos currículos, livros didáticos e planejamentos dos professores dos anos finais do ensino fundamental (9º ano), especialmente os ligados ao conceito de função; 3) elaborar e aplicar as atividades para a formação do conceito de função nos anos finais do ensino fundamental; 4) analisar os episódios visando à formação do conceito de função. A relevância e justificativa deste estudo se expressa pela importância do conceito de função. Para Caraça (1984), este é um dos conceitos fundamentais da matemática. A abordagem Histórico-Cultural e a Teoria da Atividade nos fornecem elementos teóricos importantes para a compreensão da relação entre aprendizagem e desenvolvimento (RODRIGUES, 2006). A partir daí, o processo didático adquire um contorno que, segundo Libâneo (2012), envolve aprender e ensinar/ensinar e aprender. Consideramos também como justificativa, os resultados de ensino-aprendizagem de matemática da educação básica do Brasil, traduzidos em baixos índices de aproveitamento nas avaliações externas como PISA, SAEB, ENEM. Ainda que não se tenham garantias da suficiência dessas avaliações para indicar possíveis falhas no processo de ensino101 A grafia do nome do autor é encontrada de várias formas: Vygotsky, Vygotski, Vigotsky, Vigotski. Neste artigo, optamos por usar apenas Vigotski. No entanto, manteremos a grafia original nas referências e citações. 102 A grafia do nome do autor é encontrada de várias formas: Davydov; Davýdov; Davidov. Neste artigo, optamos por usar apenas Davidov. No entanto, manteremos a grafia original nas referências e citações. 3 aprendizagem, que existam críticas quanto ao caráter quantitativo do processo avaliativo, devemos concordar que os resultados revelam falhas do processo e apontam para a necessidade de se investir em estudos e pesquisas que possam auxiliar na análise do desempenho escolar e elucidar perspectivas para a mudança desse cenário preocupante. Neste artigo, apresentamos os resultados de uma das atividades que foi desenvolvida na pesquisa. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS A fundamentação teórica para a realização da pesquisa foi obtida a partir das contribuições da Teoria Histórico-Cultural para a aprendizagem e a formação dos conceitos científicos, o desenvolvimento das capacidades psíquicas superiores, a relação entre aprendizagem e desenvolvimento, a formação do pensamento, a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), a Teoria da Atividade e o processo de ensino-aprendizagem. Foi realizado, ainda, um estudo bibliográfico sobre as concepções de álgebra e a evolução histórica do conceito de função. Investigamos, também, a álgebra e suas concepções nos documentos oficiais, no livro didático adotado para a série pesquisada e no planejamento de curso da unidade de ensino. A base da Teoria Histórico-Cultural é a compreensão do caráter histórico do desenvolvimento das funções psíquicas superiores103. Vigotski desenvolveu o método Histórico-Cultural a partir da articulação entre os aspectos externos e internos do indivíduo, de maneira dialética, considerando sempre as relações entre o sujeito e a sociedade à qual pertence. Para o autor, todo conhecimento é construído a partir da inter-relação entre as pessoas. Ao estudar o ser humano é necessário considerar, numa perspectiva dialética, o seu desenvolvimento natural e cultural. Vigotski (2009) considera a formação dos conceitos como fator determinante na evolução do pensamento verbal nas crianças. A evolução conceitual da criança, segundo ele, é marcada por duas linhas de desenvolvimento: uma que tem a ver com o desenvolvimento espontâneo da criança no cotidiano e a outra que ela desenvolve na escola. O autor afirma que o desenvolvimento dos conceitos espontâneos e não espontâneos estão relacionados e um influencia o outro constantemente. Para ele, a diferença entre conceitos científicos e 103 Ações conscientes controladas, a atenção voluntária, a memória ativa, o pensamento abstrato, a percepção, o comportamento intencional. São consideradas superiores porque se diferenciam de mecanismos elementares e ações automatizadas. 4 espontâneos está na relação que estabelecem com a experiência da criança e suas atitudes perante os objetos. A formação de conceitos, tanto dos cotidianos como dos científicos, está diretamente ligada ao desenvolvimento da linguagem. “O desenvolvimento dos conceitos, dos significados das palavras (signos linguísticos), pressupõe o desenvolvimento de muitas funções intelectuais: atenção deliberada, memória lógica, abstração, capacidade para comparar e diferenciar” (VIGOTSKI, 2011, p. 83). “Os conceitos científicos são ensinados pela formalização de regras lógicas, por meio das quais um conceito se coordena e se subordina a outros” (NÚÑEZ, 2009, p. 43). Nos conceitos científicos, há uma predominância do geral sobre o particular. Segundo Vigotski (2010), o aprendizado possibilita e movimenta o processo de desenvolvimento, tornando real o que antes era apenas potencial. A mediação acontece por meio dos conhecimentos, da relação do indivíduo com o mundo e dos outros sinais que constituem a base para o desenvolvimento mental ou das funções psíquicas superiores. O autor destaca como importante, no processo de aprendizagem, a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Para ele, Zona de Desenvolvimento Proximal é o que ocorre com a aprendizagem num intervalo entre o conhecimento real (Zona de Desenvolvimento Real), determinado pela capacidade própria da criança (ou do aluno) para resolver algum problema ou atividade (aquilo que a criança/aluno realmente consegue fazer sem a ajuda de terceiros) e o desenvolvimento potencial (Zona de Desenvolvimento Potencial) que ele pode alcançar sob a orientação de um adulto (familiares, professores, outros) ou a colaboração de um companheiro mais experiente. Este processo pode ocorrer por meio de diálogos, troca de experiências, imitação, interação e inter-relação. Vigotski entende que essa interação tem papel importante no desenvolvimento da aprendizagem da criança/aluno. Na perspectiva do autor, a criança (aluno) adquire potencial para internalizar e realizar, sozinha, aquelas ações em que recebeu auxílio de outras pessoas. Por isso, é importante que o professor esteja atento para explorar o potencial dos alunos, proporcionando-lhes apoio e recursos para que sejam capazes de atingir níveis de conhecimentos mais elevados, além daqueles que conseguem aprender sozinhos, sem ajuda. Nesse sentido, o professor exerce importante papel de mediação, na dinâmica das interações interpessoais e na interação dos alunos com os objetos de conhecimento. Assim, a escola desempenhará bem o seu papel, à medida que, partindo daquilo que a criança (aluno) já sabe, 5 ela for capaz de ampliar e desafiar a construção de novos conhecimentos, ou seja, incidir na Zona de Desenvolvimento Potencial dos alunos. A partir da abordagem Histórico-Cultural e da Teoria da Atividade, foi possível entender melhor a relação entre aprendizagem e desenvolvimento. Podemos concluir que, para haver aprendizagem e desenvolvimento, é necessário organizar e propor aos alunos atividades devidamente elaboradas, envolvendo motivos, objetivos, tarefas, ações e operações. Considerações sobre o conceito de função O conceito de função está ligado ao próprio desenvolvimento da álgebra, evolui à medida que o homem dele se apropria e o utiliza. Esse é o processo histórico de construção do conceito, que deve orientar a organização das atividades de ensino. Caraça (1984) afirma que a “correspondência” é “uma das operações mentais mais importantes e que na vida de todos os dias utilizamos constantemente. A ideia de correspondência é, sem dúvida, uma das ideias basilares da Matemática” (p. 7). Segundo o autor, o homem, com o intuito de entender e dominar a natureza vem empreendendo observações e estudos dos fenômenos naturais. Os resultados desses estudos vão, ao longo dos séculos, constituindo a ciência. Para ele, “o objetivo final da ciência é, portanto, a formação de um quadro ordenado e explicativo dos fenômenos naturais”, tanto do mundo físico como humano (p. 107). O autor evidencia que as coisas do mundo apresentam duas características essenciais: interdependência e fluência. A primeira diz que todas as coisas estão relacionadas umas com as outras. O mundo e tudo o que nele existe é um organismo vivo com intensa comunicação e participação constante da vida uns dos outros. A segunda quer dizer que o mundo está em permanente evolução; todas as coisas, a todo o momento, se transformam; tudo flui, tudo devém. Assim, tudo se relaciona e tudo muda o tempo todo. Mas, “se tudo depende de tudo, como fixar a nossa atenção num objeto particular de estudo?” (p. 111) Aparece, então, a noção de “isolado” formulada por Caraça (1984). Para ele “[...] um isolado é, portanto, uma secção da realidade, nela recortada arbitrariamente.”. Mas é importante “[...] recortar o seu isolado de estudo, de modo a compreender nele todos os fatores dominantes, isto é, todos aqueles cuja ação de interdependência influi sensivelmente no fenômeno a estudar” (p. 112). Cada isolado contém a totalidade e cada totalidade contém o isolado (SOUSA, M. C, 2004, p. 152). 6 Caraça (1984) afirma que “se queremos estudar leis quantitativas, temos que criar um instrumento matemático cuja questão principal seja a correspondência de dois conjuntos” (p. 127). Assim, o conceito de função aparece-nos, no campo matemático, como o instrumento próprio para o estudo das leis (CARAÇA, 1984, p. 129). Segundo o autor, esse conceito não pode ser confundido com a sua expressão analítica. Esta é apenas uma maneira de estabelecer a correspondência entre as duas variáveis, e que, por vez, pode não ter a mesma representação universal. Esta correspondência pode ser feita, ainda, de forma geométrica. O conceito de função vai além. Por meio dele pode-se estabelecer a correspondência entre as expressões analítica e geométrica da função, mas não está restrito a representações. Segundo o autor, “estas duas ideias andam constantemente confundidas na linguagem e na escrita dos matemáticos” (p. 131). O conceito de função, segundo Caraça (1984), nasceu do conceito de lei natural. Nesse percurso, no entanto, “[...] encontramo-nos com o acaso, noção precisamente oposta à de lei”, mas o “[...] reconhecimento desta verdade fundamental, enunciada por Gonseth: “lei e acaso são noções conjugadas que só adquirem todo o seu sentido quando tomadas uma em relação à outra” (p. 210). O autor afirma que, sozinha, nenhuma tem existência autônoma e que tudo deve ser estudado em relação com o seu contexto. O EXPERIMENTO DIDÁTICO A partir da fundamentação teórica, decidimos que a pesquisa seria realizada por meio de um experimento didático. Elaboramos, em conformidade com a escola lócus da pesquisa, um planejamento envolvendo objetivo geral, conteúdos/itens desenvolvidos, objetivos específicos, desenvolvimento metodológico, avaliação e recursos. Porém, o grande desafio do experimento didático é pensar atividades de ensino, elaborá-las, desenvolvê-las com os alunos e analisar os resultados obtidos do ponto de vista da teoria histórico-cultural. Tudo isso em um período de um ano, haja vista que no primeiro ano do curso, o foco é a fundamentação teórica. No currículo da nossa formação acadêmica inicial, não constava história da matemática. Dessa forma, não vimos e não procuramos entender a lógica construída historicamente sobre diversos assuntos da matemática. Sempre vimos a matemática como ciência exata, com regras claras e bem definidas e que, para todos os problemas matemáticos, existe uma resolução lógico-formal. Por isso, pensar em atividades numa perspectiva histórico-cultural se tornou um grande desafio. 7 Após muita discussão, as atividades sobre “A formação do conceito de função” foram organizadas de forma a conduzir o pensamento dos alunos de “situações abstratas” para “situações concretas”; de “conceitos gerais” para “conceitos particulares”, conforme sugere Núñez (2009): “Na lógica da formação do pensamento a formação dos conceitos vai do universal, do geral, para suas manifestações particulares” a partir da construção de atividades de ensino que considere os nexos conceituais do conceito de função. Assim, foi proposto o encadeamento das atividades elaboradas para a apropriação do conceito de função, considerando os nexos conceituais internos e externos, como fluência, interdependência, relação, variável, campo de variação, domínio, imagem e contradomínio, função afim e função quadrática, representação gráfica. A pesquisa se desenvolveu mediante a elaboração, aplicação e análise de um experimento didático, envolvendo um conjunto de atividades de ensino. Essas atividades foram concebidas colaborativamente com três professoras de matemática da rede pública e aplicadas aos alunos das turmas do 9º ano ‘C’ de uma escola pública do município de Uberaba - MG. Tais atividades foram elaboradas e discutidas com fundamentos na Teoria de Atividade de Leontiev (1983) e da Atividade de Estudo de Davidov (1999). O experimento didáticoformativo, na visão de Freitas (2010), é uma investigação pedagógica de base históricocultural, que tem como foco da pesquisa o modo de ensinar do professor, em relação dialética com a atividade de aprendizagem dos alunos no contexto da sala de aula. É “experimento” enquanto prática de intervenção e investigação pedagógica por meio de ações metodológicas; é “didático-formativo” porque se trata de ações e intervenções elaboradas de modo a interferir na atividade do aluno favorecendo a formação de ações mentais (Freitas, 2010). O experimento didático-formativo visa analisar mudanças qualitativas no pensamento do sujeito em função de seu aprender e a partir de certo modo de ensinar. As mudanças são investigadas como processos inseparáveis do aprendizado e decorrentes da realização de uma tarefa. A tarefa e seus passos estruturam-se em torno de determinado conceito científico a ser aprendido. (FREITAS, 2010, p. 60). Devido aos limites de tempo para a conclusão do trabalho de pesquisa, o experimento didático foi realizado em um período de aproximadamente quatro meses, com 12 (doze) encontros semanais com duração de duas aulas de 50 minutos cada um. Os procedimentos metodológicos foram organizados em quatro etapas, não lineares: 1) pesquisa bibliográfica e documental visando à fundamentação teórica, ao diagnóstico da realidade, ao estudo de documentos tais como Parâmetros Curriculares Nacionais, ao planejamento elaborado pelos professores de matemática do 9º ano da escola onde a pesquisa foi desenvolvida, à análise desse tema nos livros didáticos adotados pela escola para o 9º ano; 8 2) observação de aulas de matemática para melhor conhecer os alunos em suas características e a maneira como se envolvem com as atividades de ensino de matemática, e elaboração das atividades de ensino de forma colaborativa com os professores de matemática envolvidos no projeto de pesquisa; 3) desenvolvimento das atividades com os alunos do 9º, com registros de todas as atividades em gravações de áudio, fotos e filmagens, utilizando nomes fictícios para preservar a identidade dos alunos com a descaracterização das imagens; 4) análise dos dados coletados. As atividades de estudo foram aplicadas aos alunos do 9º ano ‘C’, no período normal de aulas, no turno matutino, às quintas-feiras, duas aulas por dia, durante dez semanas. O pesquisador foi o responsável pela condução e aplicação das atividades, mas teve a companhia de outros membros do grupo de estudos, que o ajudaram no trabalho de registros como filmagem, gravações em áudio e fotografias. A coleta de dados incluiu ainda anotações do pesquisador e dos colaboradores e também materiais produzidos pelos alunos. A turma, com 32 (trinta e dois) alunos foi dividida em seis grupos de quatro a seis alunos cada um e todas as atividades foram desenvolvidas em grupos. A sequência didática foi composta por três conjuntos de atividades: 1 – Relações e funções: o conceito de função ( com seis atividades); 2 - Funções e expressões algébricas: função afim e função quadrática ( com três atividades) e 3 – Funções e expressões gráficas: função afim e função quadrática ( com três atividades). Para a análise dos resultados, foram definidas cinco categorias: a) As condições objetivas da atividade de estudo; b) A formação do conceito; c) Desenvolvimento da motivação e a participação dos alunos; d) Autorregulação e e) Autoavaliação. ANÁLISE DOS RESULTADOS DA ATIVIDADE: O ESTUDO DO TEXTO Neste artigo, vamos apresentar apenas a análise dos resultados da primeira atividade proposta aos alunos, que foi a leitura e interpretação do texto “O que são relações?”, adaptado do livro “Conceitos Fundamentais da Matemática”, de Bento de Jesus Caraça. A partir do texto procuramos explorar o conceito ‘cotidiano’ que os alunos têm sobre relações; evidenciar a atitude intencional do ser humano na construção histórica da sociedade, destacando a importância do conhecimento na evolução da humanidade; explorar os significados de interdependência e fluência, e motivar os alunos para a aprendizagem do conceito de função, objeto da nossa pesquisa. 9 Decidimos iniciar a nossa atividade de pesquisa na turma do 9º ano ‘C’ com a leitura e interpretação do texto, atentando para o que nos diz Davidov (1988), ao afirmar que devemos organizar o ensino do abstrato ao concreto para que possibilite a formação do pensamento. A nossa intenção era de que os alunos pudessem abstrair do texto alguns aspectos ligados à necessidade de se apropriar do conhecimento acumulado historicamente e a sua importância para a evolução da humanidade. Além disso, tentamos mostrar que as relações estão presentes no nosso dia a dia; que há relações em tudo o que existe; que a interdependência e a fluência fazem parte do nosso dia-a-dia. As condições objetivas para a realização da atividade foram organizadas; os alunos foram divididos em grupos, receberam as devidas orientações e o pesquisador esteve atento às dúvidas e dificuldades dos alunos para interagir com os mesmos e mediar o processo de compreensão. Os nexos da formação do conceito de função, como por exemplo, a noção de relação, a reflexão sobre significado e sentido das palavras, a atenção voluntária e a linguagem científica foram evidenciadas durante a leitura e a interpretação do texto. Dessa forma, tentamos desenvolver a motivação e a participação dos alunos, não somente para a leitura e análise do texto, mas também para as próximas atividades. Além da motivação, procuramos desenvolver nos componentes de cada grupo procedimentos de controle das ações em função do seu desenvolvimento pessoal e do grupo (autorregulação), bem como a necessidade de se posicionar diante das decisões do grupo (autoavaliação). Por isso, entendemos que o ambiente de pesquisa ficou estabelecido de maneira satisfatória e os alunos tiveram as condições necessárias e suficientes para realizar as atividades. Assim, a atividade, segundo Leontiev, esteve provida de objeto, motivo, necessidades, condições, meios de alcance, ações e operações. Nessa atividade, tivemos como: Objeto – o texto; Necessidade – ler e interpretar o texto; Motivo – entender as relações entre o homem e a natureza, e como ocorre a evolução da espécie humana a partir dessas relações; Ações – dizer o que são relações; dar exemplos de relações; apontar o papel do conhecimento na evolução da humanidade; dizer o que são relações de dependência; avaliar o texto; Condições – material elaborado para esse fim e fornecido aos alunos com todas as orientações necessárias; Meios de alcance - leitura do texto, análise e discussão em grupos e com o acompanhamento do professor. 10 Segue o texto proposto aos alunos. O QUE SÃO RELAÇÕES? Quando se fala em relações, você se lembra de quê? O que você entende por relações? Responda à primeira pergunta da folha de atividades antes de prosseguir na leitura do texto. Na natureza, tudo se relaciona: terra, água, ar, fogo, minerais, animais e vegetais. As pessoas se relacionam entre elas, com os seres vivos e com tudo o que existe no mundo. Para satisfazer às suas necessidades, o homem transforma a natureza, cria, muda, altera, constrói, destrói e procura cada vez mais compreender e ‘dominar’ tudo o que nela existe. Todas essas transformações, no entanto, requerem o conhecimento e os instrumentos necessários, que são obtidos por meio das relações entre os seres humanos. Para dominar o mundo e tudo o que nele existe, o homem se apropria do conhecimento acumulado pela humanidade ao longo da história, ao mesmo tempo em que agrega novos conhecimentos para as gerações futuras. Isso se chama “evolução da espécie humana”. “Quando o homem age intencionalmente sobre a natureza, visando transformá-la de modo a satisfazer suas necessidades de produção, o homem deixa na natureza as marcas da sua atividade e, também sofre transformações constituindo-se humano.” (RIGON, ASBAHR & MORETTI, 2010, p. 17). Algumas dessas relações, no entanto, são de dependência; como por exemplo: planta e água; planta e luz; animais e ar; animais e água; animais e comida; pais e filho; aluno e escola, dentre tantas outras. Isso significa, por exemplo, que, quando o homem quer dominar as plantas, deve se preocupar com a água; quando quer melhorar o conhecimento, deve se preocupar com a escola. O homem, criatura dotada de razão, de vontades, da capacidade de agir conscientemente, desenvolve atividades a partir dos conhecimentos cada vez mais complexos, para compreender e dominar os fenômenos e as principais relações existentes no mundo que o rodeia. Essa atitude do homem, de investigar, questionar, saber o porquê de cada fenômeno, é que o torna humano e o distingue dos outros animais. Quanto mais o homem consegue compreender e prever os fenômenos naturais e sociais, maior e melhor será o domínio sobre eles, sobre a natureza e tudo o que nela existe. Assim, poderá aumentar a sua segurança, o seu conforto e a sua liberdade. Segundo Caraça (1984), as coisas do mundo apresentam duas características essenciais: interdependência e fluência. A primeira diz que todas as coisas estão relacionadas umas com as outras. O mundo e tudo o que nele existe é um organismo vivo com intensa comunicação e participação constante da vida uns dos outros. A segunda quer dizer que o mundo está em permanente evolução; todas as coisas, a todo o momento, se transformam; tudo flui, tudo devém. Assim, tudo se relaciona; tudo muda o tempo todo. Morte e vida estão unidas, formando um processo único de transformação e evolução. “A morte do ar causa a vida do fogo e o ar vive a morte do fogo; a água vive a morte da terra e a morte da água favorece a vida da terra”. Desse modo, a morte não é o fim, a destruição total do ser, mas a fonte de uma nova vida, de um novo ciclo. Quando a morte atua, outra vida surge. Texto adaptado do livro “Conceitos Fundamentais da Matemática” de Bento de Jesus Caraça. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1984. A seguir apresentamos recortes de parte do diálogo ocorrido em um dos grupos de trabalho e algumas respostas dos alunos às indagações sobre o texto. O diálogo foi extraído das transcrições do grupo 5 (G5) e as abreviações ISA, LU, JV, MA, CA, TH são termos fictícios utilizados para identificar os componentes do grupo 5. ISA G5: Qual o seu conceito de relações? Cite quatro exemplos de relações. 11 LU G5: Sexual, amorosa... J V G5: São quatro. ISA G5: Eu acho que é de matemática. LU G5: Não é de matemática, não. ISA G5: Eu pensei nas relações da cadeia alimentar porque é um ciclo. LU G5: Um vai depender do outro. ISA G5: Mas aqui está perguntando qual é o conceito de relação. LU G5: Vamos colocar comparação. MA G5: Relação numérica entra? LU G5: Sim; eu falei relação numérica. Falta mais uma relação. MA G5: A evolução humana. O que são relações de dependência? ISA G5: Eu dependo dos meus pais para viver; sem eles eu não estaria aqui. Resposta do Grupo 1 à questão 1 sobre o texto. Fonte: Folha de atividades, respondida pelos alunos do Grupo 1. Resposta do Grupo 5 à questão 1 sobre o texto. Fonte: Folha de atividades, respondida pelos alunos do Grupo 5. Resposta do Grupo 1 à questão 2 sobre o texto. Fonte: Folha de atividades, respondida pelos alunos do Grupo 1 Resposta do Grupo 4 à questão 2 sobre o texto. Fonte: Folha de atividades, respondida pelos alunos do Grupo 4. 12 Resposta do Grupo 5 à questão 2 sobre o texto. Fonte: Folha de atividades, respondida pelos alunos do Grupo 5. Nessa primeira atividade (texto), foi possível notar que, enquanto o pesquisador focava a sua preocupação (o seu objetivo) na questão das relações que favorecem a propagação do conhecimento e a evolução da humanidade, os alunos estavam atentos a detalhes do texto, como ‘vida e morte’, ‘ciclo da vida’ e aspectos de outras dimensões cognitivas, como a existencial, nesse caso. Para os alunos, o texto apresentou significados além dos esperados pelo pesquisador. Foi possível inferir que o texto teve um sentido para os alunos, que os permitiu associar um conceito matemático à vida. Observamos que realmente a maioria dos alunos tem um conceito cotidiano formado sobre relações e também sobre conjuntos. A primeira noção de relação não precisa ser necessariamente matemática, mas que entendam como ‘ligação’ entre dois elementos. Quase todos os grupos citaram como exemplos de relações, “amorosas”, “sexuais” e “profissionais. Destaque para a relação com a ‘cadeia alimentar’, que foi citada como uma relação de dependência. Nesse primeiro momento da nossa pesquisa, sobre o desenvolvimento dos alunos em relação à questão ligada à formação do conceito de função, eles iniciaram a apropriação de uma ideia mais geral de função, ligada à necessidade humana de expressar a interdependência e a fluência que estão presentes no mundo em que vivemos. Embora ficasse restrita basicamente à leitura e à interpretação do texto, foi possível perceber que a atividade proporcionou aos alunos a apropriação de novas ideias ligadas à necessidade humana de expressar a interdependência e a fluência que estão presentes nas questões do mundo em que vivem. Como nos ressalta Moura (2010), a educação escolar é responsável pelo desenvolvimento do pensamento teórico e pela formação de conceitos científicos. Nesse sentido, a leitura, análise, interpretação e discussão do texto em grupos puderam impactar os alunos rumo ao desenvolvimento de funções psíquicas e à apropriação dos conceitos científicos. É como se estivéssemos, por meio do texto, estimulando os sentidos dos alunos para a aprendizagem dos conceitos. CONSIDERAÇÕES 13 A utilização de textos para a introdução de assuntos matemáticos pode ser uma ‘ferramenta’ bastante útil, pois a partir deles podem-se obter interpretações inéditas dos alunos, além de proporcionar maior interesse e motivação na assimilação dos conceitos envolvidos. Os resultados da pesquisa permitem considerar que há indícios de que, a partir do texto, os alunos se apropriaram dos elementos constitutivos da essência do conceito de função – relação, variável, interdependência e fluência. A partir das manifestações dos alunos, em situações individuais ou em grupos, foi possível perceber que, a partir dessa atividade, eles assimilaram a essência e os principais nexos conceituais desse conceito. O experimento didático, além de metodologia de pesquisa, é um método de ensino que tem como característica fundamental a atividade de ensino do professor, em relação dialética com a atividade de aprendizagem do aluno. Nesse processo, para que ocorra o desenvolvimento dos alunos, a elaboração e a organização das atividades de ensino devem ocorrer de tal forma que os objetivos das ações sejam coincidentes com o motivo da atividade de ensinoaprendizagem. REFERÊNCIAS BRASIL. MEC. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1998a. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/introducao.pdf>. Acesso em 18 jul. 2013. CARAÇA, Bento de Jesus. 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LIBÂNEO, José Carlos. “Ensinar e aprender, aprender e ensinar: o lugar da teoria e da prática em didática”. Temas da pedagogia: diálogos entre didática e currículo. São Paulo: Cortez (2012). MOURA, M. O. A Atividade Orientadora de Ensino como Unidade entre Ensinoaprendizagem. In: MOURA, M. O. A atividade pedagógica na teoria histórico-cultural. Brasília: Liber livro, 2010. NÚÑES, Isauro B. Vigotski, Leontiev, Galperin: formação de conceitos e princípios didáticos. Brasília: Liber Livro, 2009. RIGON, A. J.; ASBAHR, F. da S. F.; MORETTI, V. D.: Sobre o processo de humanização. In: MOURA, M. O. A atividade pedagógica na teoria histórico-cultural. Brasília: Liber livro, 2010. RODRIGUES, Vera Lúcia Gouvêa de Camargo. Aprendizagem do conceito de volume e o desenvolvimento intelectual: uma experiência no ensino fundamental. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Maringá: Maringá, 2006. SOUSA, M. C. 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Este estudo objetiva em fazer uma reflexão sobre a Organização do Trabalho Escolar (OTE) em viés da prática de elaboração do PPP – Projeto Político Pedagógico em uma escola municipal da cidade de Uberlândia/MG. As ações dos sujeitos atuantes na práxis escolar considerando o diálogo e a vivência nas práticas desenvolvidas e o discurso de uma perspectiva de Projeto Político Pedagógico para um modelo de gestão reflexiva na perspectiva de um processo de democratização, junto às normativas posta da estrutura e determinadas que interpelam uma gestão que se pretende ser democratizadora. Vitor Paro (2008), problematizando as relações entre a estrutura da escola e as práticas democráticas em seu interior, aponta para o fato de que muitas escolas ainda são autoritárias e resistentes a práticas democráticas. Para ele, considerando que o educando deva “fazer-se sujeito na pratica pedagógica escolar [dentre outras questões] envolve dotar a escola de uma estrutura que esteja de acordo com essa prática democrática” (p.23). Ou seja, não se ensina a democracia, mas vive-se ela no cotidiano, desde haja ações para que isso se reflita nas práticas que envolvem as decisões do interior da escola. No entanto, o desafio do educador consiste em identificar elementos que promovam tais práticas, continuidades, conservação e/ou transformação. Não há, nesse projeto, um quesito de busca de verdade absoluta, mas de problematização da prática educacional, tão premente, presente e urgente de se fazer com relação ao PPP. 1. Relato de experiência. No início do ano de 2013 surge a proposta de governo na cidade de Uberlândia de uma Cidade Educadora, numa perspectiva democrática, com preâmbulo escolar para a rede municipal de ensino. 104 Diretora Escolar da rede Municipal de Ensino da cidade de Uberlândia – MG. Formada em PedagogiaUniversidade Federal de Uberlândia. Integrante do Grupo de Pesquisa Estado, Democracia e Educação (GPEDE). É bolsista CAPES - FAPEMIG (edital 13/12 processo nº APQ-03536-12 período 2013-2015) 2 Foi intitulada a lei sobre a Rede pelo Direito de Ensinar e de Aprender – lei 11.444, na qual promulga uma atuação, um regime de colaboração/cooperação das instituições, inclusive das escolas municipais e comunidade na perspectiva de garantir o acesso, permanência e a conclusão com qualidade nos estudos da criança, adolescentes, jovens e adultos através de uma educação qualificada e referenciada socialmente. Com a postura de gestores que possibilitem a participação e a implementação da “rede” (lei pelo direito de ensinar e aprender). Como parte para viabilização da gestão democrática um curso de Gestão Democrática, com duração de 80 horas foi promovido em parceria com a Universidade Federal de Uberlândia (UFU), o curso visava estabelecer uma gestão moderna, democrática, plural, focada nos direitos humanos e nos princípios da administração municipal. “É preciso uma rede que pense a educação de forma global. Neste contexto, um dos valores é a liberdade de ouvir, discutir e procurar a melhor forma de exercer a educação”, disse a palestrante e assessora da SME, Silma do Carmo Nunes. Durante sua fala, a assessora se amparou em princípios jurídicos como a Lei Orgânica do Município, que em seu artigo 154 aborda a harmonia. Neste caso, servida para tornar os ambientes escolares em lugares melhores para todos. O curso Gestão Escolar recebeu a inscrição de 1.624 servidores que receberão informações sobre os eixos listados abaixo. A área de técnicas operacionais está a cargo da PMU, já os fundamentos teóricos serão trabalhados pelos profissionais da UFU. O curso é gratuito e ao final os alunos receberão certificados emitidos pela UFU. Segundo Integrante do Núcleo de Gestão Democrática do Centro Municipal de Estudos e Projetos Pedagógicos Julieta Diniz (CEMEPE), Luiz Antônio Barbosa Pereira, o curso está dividido em cinco encontros que abordam os principais assuntos de interesse para quem trabalha com educação. “Estamos refletindo e nos empenhando em implantar escolas cada vez mais participativas e qualificadas socialmente”, afirmou. Possível graças à parceria com a UFU, o curso é considerado de extrema importância para o diretor da Faculdade de Educação (FACED) da UFU, Marcelo Soares. “É resultado de um empenho em conjunto pela UFU e Prefeitura que resultará em escolas com mais justiça social”, falou. A educadora infantil da Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) Monteiro Lobato, Suely Rosa, foi uma das participantes mais animadas. Ela contou que sempre participa de formação continuada e parabenizou a iniciativa. “É muito bom para o nosso enriquecimento profissional. Isso se reflete em melhorias no processo ensino-aprendizagem”, garantiu. Eixos abordados no curso Gestão Escolar: - Gestão Democrática; - Caixa Escolar; - Orçamento; - Política Educacional; - Projeto Político Pedagógico (PPP) e Avaliação Institucional na Gestão Democrática; - Abuso, Disciplina, Conselhos Tutelares; - Merenda Escolar; - Rede pelo Direito de Aprender; - Educacenso; - Manutenção e Apoio; Conselhos; - Apresentação do CEMEPE; - Bolsa Família; - Recursos Humanos; - Transporte; - Educação, Cidadania e Diversidade”. O calendário escolar unificado (único para todas as escolas municipais da cidade em questão) passou a vir a ter dias escolares destinados a construção do PPP e dias escolares para discussão da elaboração Plano Municipal de Educação, no total de oito dias para ambos. 3 A Elaboração do Plano Municipal de Educação – PME visa como princípios legais a Constituição Federal em seu Art. 214 e as seguintes leis: LDB Lei nº. 9.394/96, Art. 11, inciso I, PNE Lei nº 10.172/01, Art. 2º, 5º e 6º, e PDEE Lei nº 19.481 de 2011, que institui o Plano Decenal de Educação do Estado de Minas Gerais e a Lei Orgânica do Município de Uberlândia em seu Art. 161. A construção de um Plano Municipal de Educação – PME sugere uma Política de Estado e não somente uma Política de Governo. A sua aprovação pelo poder legislativo, transformando-o em lei municipal sancionada pelo chefe do executivo, confere o poder de ultrapassar diferentes gestões. Nesse prisma, propõem a superação de uma prática tão comum na educação brasileira: a descontinuidade que acontece em cada governo; recomeçar a história da educação, desconsiderando as boas políticas educacionais anteriores por não serem de sua iniciativa. Com um Plano Municipal de Educação com força de lei, respeitado por todos os dirigentes municipais, tenta resgatar-se o sentido da continuidade das políticas públicas. A elaboração de um PME pretende constituir-se em um momento de um planejamento conjunto do governo com a sociedade civil que, com base científica e com a utilização de recursos previsíveis, deve ter como intuito responder às necessidades sociais. Com a participação, acompanhamento e avaliação da sociedade civil (Conselho Municipal de Educação, Câmara Municipal, comunidade escolar, entre outros) no intuito de garantir a efetivação das diretrizes e metas estabelecidas pelo PME, cujo desafio considerado para o Município de Uberlândia é de elaborar um plano que esteja em consonância com os Planos Estadual e Nacional de Educação e, ao mesmo tempo, garanta sua identidade e autonomia. O que é o PME? “O Plano Municipal de Educação é um documento que estabelecem diretrizes, metas e prioridades para a educação municipal. Tem como objetivo melhorar a qualidade do ensino oferecido pelo município. Quando aprovado pela Câmara Municipal, o PME torna-se uma lei que dará condições de continuidade das políticas educacionais independente do governo que assuma o Município. Como instrumento de operação do Sistema de Ensino, o PME estabelece as políticas e diretrizes, define os objetivos e metas educacionais do município para um período decenal. A elaboração do plano deve constituir-se em processo de formação, de aprendizagem sobre a realidade educacional do município, da concepção de educação inspiradora da ação, dos objetivos da ação e da própria razão de ser e de agir de cada participante. SOBRE O DOCUMENTO REFERÊNCIA: As escolas receberão o Documento Referência do PME contendo seis eixos e suas diretrizes, metas e estratégias, para que a comunidade escolar inclua nele suas propostas e sugestões. Os eixos a serem trabalhados serão: I. Sistema Municipal de Ensino; II. Educação Inclusiva: Cidadania e Emancipação; III. Qualidade da Educação: Democratização e Aprendizagem; IV. Gestão Democrática; V. Valorização dos/as trabalhadores/as da educação: Formação e Condições de Trabalho; 4 VI. Financiamento da Educação: Transparência e Controle Social. A partir da entrega do Documento Referência, o gestor será incumbido da articulação junto à comunidade escolar para organização dos grupos de estudos, garantindo ampla participação nas análises, discussões e elaboração das propostas. A escola elaborará suas propostas de acordo com o mesmo formato do Documento Referência a ela encaminhado. No referido documento poderão ocorrer quatro tipos de emendas: aditivas, supressivas (parciais ou totais) substitutivas ou novas emendas (novo parágrafo ao documento). As emendas aditivas serão aquelas acrescentadas ao texto em cor azul, as supressivas serão grafadas em cor vermelha, as substitutivas em cor verde e as novas emendas em cor laranja. DA ORGANIZAÇÃO DOS TRABALHOS NAS ESCOLAS: De posse do Documento Referência, o gestor deverá providenciar ampla divulgação do mesmo junto à comunidade escolar. Para tanto, utilizará meio eletrônico e impresso, devendo disponibilizar uma cópia do documento de maneira acessível à comunidade escolar. Cada GT elegerá entre seus membros um coordenador, um redator e um relator. O coordenador terá a função de organizar as ações do grupo no que tange a participação, discussão, tempo de fala e foco nos objetivos do eixo para a plena realização dos trabalhos. O redator se incumbirá dos registros do que foi discutido e aprovado pelo grupo. Por sua vez, o relator ficará responsável pela apresentação do documento produzido pelo seu respectivo GT à Assembléia Escolar organizada para esse fim. DA ESCOLHA DOS DELEGADOS: A delegação da UFU será composta por 24 delegados e seus respectivos suplentes. A escolha dos delegados que ocorrerá na universidade e os escolhidos deverão apresentar interesse pelo tema, bem como perfil para argumentação crítica sobre o assunto em questão. A delegação da UFU será responsável em defender as propostas da unidade escolar durante a realização do Congresso, sendo que cada componente será responsável na defesa de um eixo temático do Documento Referência, conforme pré definido durante os trabalhos realizados na universidade. DO ENCAMINHAMENTO DAS PROPOSTAS E INSCRIÇÃO DOS DELEGADOS: Após a conclusão dos trabalhos na Universidade, a delegação encaminhará o Documento Referência à Comissão Geral de Organização do Congresso. O Documento Referência com as devidas propostas deverá ser encaminhado juntamente com ofício digitalizado à Comissão Geral, contendo os nomes dos delegados, com seus respectivos segmentos e eixos temáticos, até o dia 05 de agosto para o e-mail do Conselho Municipal de Educação [email protected] no formato Word, fonte Times New Roman, tamanho 12. DO CONGRESSO: O Congresso Municipal de Educação será realizado nos dias 11 e 12 de setembro de 2014, nas dependências do Campus de Educação Física da Universidade Federal de Uberlândia – UFU, situado à Rua: Benjamim Constant, 1.286 no Bairro Aparecida. Terá como tema central Plano Municipal de Educação por uma Cidade Educadora. A PARTICIPAÇÃO DOS DELEGADOS NOS EIXOS DO CONGRESSO: Após o ato de aprovação do Regimento do Congresso no dia 11 de setembro, cada delegado será encaminhado para o eixo em que foi inscrito e comporá um grupo de trabalho (GT) com os demais representantes das unidades de ensino e convidados. De posse do Documento Referência, cada GT elegerá entre seus membros um coordenador, um redator e um relator. O coordenador terá a função de organizar as ações do grupo no que tange a participação, discussão, tempo de fala, foco nos objetivos do eixo para a plena realização dos trabalhos. O redator se incumbirá dos registros através da digitação e formatação do que foi discutido e aprovado pelo grupo. Por sua vez, o relator ficará responsável pela apresentação do documento produzido pelo seu respectivo GT à plenária geral na parte final do Congresso programada para o dia 12 de setembro, no turno da tarde. DO DOCUMENTO FINAL DO PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO – PME: Após o término do Congresso, o 5 Documento Final do Plano Municipal de Educação será encaminhado à Secretaria Municipal de Educação que, juntamente com a Procuradoria Geral do Município, o tornará projeto de minuta de lei que será encaminhamento à Câmara Municipal para aprovação e publicação. Quando publicado, o documento tornarse-á o norteador das políticas públicas da área de educação do Município pelos próximos dez anos”. A construção do PPP, segundo a proposta da Secretaria Municipal de Educação – SME é orientada e baseada em Parâmetros Nacionais, na identidade da escola, no plano de governo em questão. Com a operacionalização baseada na discussão coletiva juntamente com a criação de comissão para escrita da redação, seguindo o instrumento de elaboração do PPP oferecido pela Secretaria de Estado da Educação Superintendência Regional de Ensino de Uberlândia – MG Diretoria Educacional – DIRE e Divisão de Atendimento Escolar – DIVAE. A proposta oferecida pelo projeto de intervenção: (edital 13/12 processo nº APQ-03536-12 período 2013-2015) concretizou por meio de encontros mensais presenciais em um EMEI – Escola Municipal de Educação Infantil de Uberlândia e em outra escola Estadual de Ensino Básico e Médio da cidade de Araguari. O PPP na prática, ou seja, “no chão da escola”, ao redirecioná-lo para o âmbito escolar, para os debates acerca dos rumos da escola é notável o requisito da participação na EMEI da seguinte forma: de pais de alunos desde que não saibam o conteúdo antecipadamente, pois ao tomarem conhecimento do PPP o consideram um tema desconhecido e difícil, como se fosse também à concepção de alguns um modelo de perfeição na qual não se pode alcançar, se sentem distantes. Estes responsáveis por alunos (crianças matriculadas na escola) costumam comparecer em grande quantia há encontros escolares festivos como a festa Junina, para primeiramente presenciarem a dança de seus filhos ou para usufruírem do comércio de comes e bebes, participam também em grande maioria, de apresentações teatrais, musicais e de entrega de trabalhos escolares de seus filhos ( para guardarem as imagens ou os trabalhinhos de suas crianças de lembrança, que os consideram muito bonitinhos) . Boa parte da comunidade quando se faz presente do entorno escolar, alguns em sua grande maioria são com intuitos partidários por meio de representantes partidários. A maioria dos servidores fazem juz ao PPP uma vez que é proposto um certificado para acrescentarem um nível e aumentarem os seus salários de acordo com seus respectivos planos de cargo e carreiras ou para um possível banco de horas de futura utilização pessoal, porém alguns servidores são realmente preocupados e interessados com as questões sociais e com o processo de democratização da escola. A participação é relativa e não se aprende a participar teorizando sobre os processos participativos, aprende-se sim a participar participando. Ensina-se a participar abrindo espaços 6 para que as pessoas participem. Uma prática social participativa ensina a cidadania e amplia os limites da qualidade de vida. Com ampla participação, é que se pode lutar pelos princípios da democracia, neutralizando as formas de autoritarismo freqüentes na sociedade, sendo geradas as condições para o exercício pleno da liberdade, da cidadania, com possibilidades de consolidação para o processo de democratização. Segundo Souza (2005) “ a resignação e o medo da participação são resultados da cultura autoritária, que perpassa nossa história e instalou-se na cultura brasileira.” Tem-se, então, o cidadão limitado, fechado, sem iniciativa, dependente. A instrumentalização do PPP é pré-definida pela Superintendência de Ensino na qual Prefeitura Municipal de Uberlândia e consequentemente as escolas municipais devam seguir o seu formato. A relação é problemática: A relação escolar e a construção do PPP como também sua aplicabilidade. As relações de poder versus PPP e o controle inviabilizam à sua construção, mesmo com concretização e aplicabilidade dos Conselhos Escolares. Considerando o Conselho Escolar uma das ferramentas para efetivação da participação, e um dos princípios da democracia para efetivação dos processos de democratização, a escola (EMEI) acionou o Conselho Escolar e a comunidade escolar por várias vezes para definirem questões não somente financeiras, como de costume da maioria das escolas: chamam-se os conselheiros apenas para assinarem acerca do que a escola comprou com os recursos financeiros destinados à mesma. Todos os Conselhos Escolares da EMEI foram constituídos por meio de Assembléias no contra turno para garantir o acesso de pais de alunos, da comunidade e servidores, como também sua permanência e efetivação. O Conselho do Caixa Escolar não só assinou como aprovou antes a listagem de necessidades da escola, ou seja, não só a compra de que itens e como também a verificação, a escolha e a ordem de prioridades: Em primeiro lugar foi definido o conserto e colocação do toldo do hall de entrada para as crianças não molharem em períodos chuvosos ao entrarem na escola. Em segundo lugar a compra de grampos para os grampeadores da escola, como também a aquisição de fitas largas, ambos materiais para secretaria. Em terceiro lugar a pintura do muro de entrada da escola. O Conselho Escolar foi acionado por diversas vezes no contra turno e dentre suas aprovações destacam - se a OTE – Organização do Trabalho Escolar. A escola com sua atuação desde 1988 utilizavam-se o critério de classificação para escolha de turmas realizadas por servidores da seguinte maneira: aqueles que tinham uma boa classificação escolhiam a sala de crianças maiores para trabalharem e aqueles com a classificação inferior não escolhiam, sobravam- lhe a turma do berçário para eles trabalharem, então os servidores desprovidos de uma boa 7 classificação eram explorados com a sobrecarga de trabalho físico na qual demandava e demanda uma sala com vinte e oito bebes, tais servidores adoeciam e mesmo com advertências à escola do Núcleo de Segurança do Trabalho e de assistentes sociais tal prática vigorava por vinte e sete anos. Após aprovação em Conselho Escolar foi aprovado o critério rodízio e em segundo plano a classificação para escolha de turmas. A questão de vagas da escola para filhos de servidores ficavam a mercê da direção, a gestora que decidia se matriculava ou não a criança, foi aprovado pelo Conselho Escolar que todos os servidores da escola têm o direito de matricularem seus filhos caso pertençam a faixa etária oferecida pela escola. A pintura do muro da entrada da escola foram aprovados em tons coloridos, por meio do Conselho Escolar diferentemente do padrão de pintura estabelecido pelo governo. Tais aprovações dos Conselhos desencadearam grandes conflitos e confrontos no ambiente escolar e fora dele. A escola não foi punida formalmente por se tratar dos Conselhos um órgão deliberativo, mas foi punida moralmente, foram oferecidas diversas denúncias anônimas e infundadas a Secretaria Municipal de Educação – SME na qual demandavam tempo da atual administração e do setor de inspeção da SME para fazerem os relatórios de justificativas e de defesas. Se tratando de escolhas a escolha de diretores por meio da Consulta Popular foi realizada porém de maneira não legal por considerar o Ministério Público da cidade de Uberlândia um ato de inconstitucionalidade, ou seja, que vem a ferir a Constituição Brasileira. Autonomia, descentralização, onde? 2. Diretrizes, Projeto Político Pedagógico e Currículo. Considerando tal tema, é pertinente àqueles que estão envolvidos e comprometidos no processo educacional, segundo “Art. 54. É pressuposto da organização do trabalho pedagógico e da gestão da escola conceber a organização e a gestão das pessoas, do espaço, dos processos e procedimentos que viabilizam o trabalho expresso no projeto político-pedagógico e em planos da escola, em que se conformam as condições de trabalho definidas pelas instâncias colegiadas”. Nesse contexto, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil elaboradas anteriormente por este Conselho (Resolução CNE/CEB nº 1/99 e Parecer CNE/CEB nº 22/98) para explicitar princípios e orientações para os sistemas de ensino na organização, articulação, desenvolvimento e avaliação de propostas pedagógicas. 8 A Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), regulamenta e ordena, em relação à Educação Básica, dentre as quais, a integração das creches nos sistemas de ensino compondo, junto com as pré-escolas, a primeira etapa da Educação Básica. Essa lei “evidencia” o estímulo à autonomia das unidades educacionais na organização flexível de seu currículo e a pluralidade de métodos pedagógicos, desde que assegurem aprendizagem. Porém No município em questão o que se vê são práticas engessadas de aquisição de conhecimento aos servidores, na qual nas últimas duas décadas aproximadamente evidencia muito a delimitação de temas, além de referencial teórico e pensadores à serem estudados. As palestras, os cursos de formação continuada, os processos seletivos de contratação e de efetivação se permeiam e se baseiam em grande maioria entre os seguintes pensadores: Henri Wallon, Lev Vygotsky e Célestin Freinet, e um pouco de Paulo Freire. É frequente a desintegração neste caso de teorias e de escolhas das mesmas, ocasionando assim uma falsa autonomia curricular e dos propósitos sugeridos por meio das diretrizes básicas para a Educação básica. O que pode envolver o desaparecimento, total ou parcial das configurações das particularidades de cada escola, como também inibir à fusão de certos e de novos elementos numa nova configuração escolar. Sendo assim, não é possível verificar a importância do currículo como agente transformador e valorizador das diferenças sociais, modos e jeitos. Porém, para assumir tal papel, seria necessário abordar temas que fazem parte de teorias que vão além do cumprimento de conteúdos. E além disso, ao se pensar em uma formação para a emancipação é preciso visualizar todas as vivências presentes aquém do chão da escola como integrantes do currículo com diferentes possibilidades e perspectivas que se desenvolvem nas relações sociais e produtivas de cada época; transformar o conhecimento social e historicamente produzido em saber escolar. Deste modo, é essencial que o educador participe ativamente da elaboração do currículo do dia-a-dia na escola, levando em consideração as reais necessidades dos alunos para uma valorização da historicidade de pessoas comuns. 3. As relações de poder e o PPP. Ora, as políticas sociais, no presente caso o PPP, enquanto política educacional, ora no campo das relações conflituais, estão sob direção daqueles que na democracia moderna representativa que dirigem o Estado, um poder dominante, portanto, que busca legitimar-se a si próprio “[...] por promoção de crenças e valores que lhe são congênitos, por naturalização e universalização dessas crenças e valores, de modo a torná-los auto-evidentes e aparentemente inevitáveis, por denegrição das ideias que o 9 questionam, por exclusão de formas de pensamento rivais e por obscuração do real social.” (GOUVEIA, 2010, s/p.). Voltamos à ideia originalde Marx e Engels, ofusca-se, falseia-se o real, para que os sujeitos adotem o discurso oficial, o discurso “verdadeiro”, ou seja, ocorre a construção de uma “nova verdade”. Para Marx e Engels (1996) ideologia é o falseamento do real, ou seja, um grupo, classe se apropria de uma “verdade” e a ressignifica, dando novas cores, sabores, significações. A este respeito, amparamo-nos em Gouveia, para quem a “[…] ideologia não é, portanto, uma ofuscação da verdade que leva a uma falsa consciência, mas uma verdade particular com implicações na ordem e no real social e na consciência que deles têm os sujeitos.” ( 2010, s/p.). A análise da prática social está relacionada aos aspectos ideológicos e hegemônicos na instância discursiva analisada. Na categoria ideologia, observam-se os aspectos do texto que podem ser investidos ideologicamente, como os sentidos das palavras, as pressuposições, as metáforas, o estilo. Na categoria hegemonia, observam-se as orientações da prática social, que podem ser orientações econômicas, políticas, ideológicas e culturais. (RESENDE e RAMALHO, 2004, p. 188) (Grifos do autor). Problematizar a organização escolar enquanto campo de reprodução e dominação, mas é também um campo de produção a fim de propor escolas participantes que criem a possibilidade de autonomia, de critica e de autoavaliação. Como cunhou Oliveira e Oliveira (1990, p. 25), do “pesquisador, como educador (atuar) dentro de uma realidade social que não tem nada de fria, estática e imutável”. Concluímos afirmando que o PPP – Projeto Político Pedagógico é uma política educacional, e como tal sofre disputas de orientações, de encaminhamentos, e de configurações. Para se construir vozes de participação, é necessário considerar que : “O lugar do sistema educacional é a sociedade civil. [...] a sua verdadeira concretização somente se dá quando for absorvida pelas instituições sociais que compõem a sociedade civil.” (FREITAG, 1986, p. 41). 4. O controle e as vantagens da burocracia com finalidade à instituição. Burocracia é o oposto de autonomia, tanto individual como coletiva. O próprio pensamento da atualidade encontra-se refém da burocratização. Seguindo as concepções de Tragtenberg- compreende que a complexidade crescente das organizações no sistema capitalista faz com que elas adotem, na mesma proporção, uma estrutura racional legal caracterizada pela impessoalidade para garantir a reprodução da própria organização. Além disso, a burocracia é entendida como um sistema racional 10 construído da divisão do trabalho, que tem, como princípio, os fins (TRAGTENBERG, 1974, p. 139). Os interesses particulares são dispersos pela generalidade imaginária do coletivo e o Estado, visto como ente que representa os interesses da maioria, quando, na realidade, consolida os interesses particulares. Assim, “as finalidades do Estado são as da burocracia e as finalidades desta se transformam em finalidades do Estado. A ideologia da burocracia aparece quando se dá a divisão dos funcionários como portadores de símbolos, uniformes e signos do que do saber real, técnico e utilitário: hierarquia autoritária.” (TRAGTENBERG, 1974, p. 24). A legião de trabalhadores que formam a máquina burocrática do Estado exerce, no limite, os interesses de uma parte da elite dominante, realizando a tarefa de mediação do capital com os interesses do coletivo, por meio de participações específicas no processo de racionalização. Em relação à educação, por exemplo, “o Estado possui o monopólio da educação e regula burocraticamente as construções públicas e privadas, os rituais das festas, o nascimento e a morte.” (TRAGTENBERG, 1974, p. 33). Sendo assim, apesar de atender de certa forma uma pequena demanda social, os pressupostos oferecidos por meio da SME – Secretaria Municipal de Educação da cidade de Uberlândia através da realização do curso de oitenta horas para gestores, da lei pelo direito de ensinar e de aprender, da implementação do Plano Municipal de Educação, da escolha de gestores por meio da Consulta Popular é notável a burocracia que se estabelece plenamente, ela se situa entre as estruturas e as estruturas “sociais” vigentes do município de Uberlândia. Bibliografia. SOUZA, S. M. Z. L. Avaliação do rendimento escolar como instrumento de gestão educacional. In: de OLIVEIRA, D. de A. (org.) Gestão democrática da educação. p. 264284, Petrópolis, Vozes, 1997. SOUZA, S. M .Z. L.; de OLIVEIRA, R. P. Políticas de avaliação e quase mercado no Brasil. In: Educação e Sociedade. Vol.24, nº84, p. 873-894, Campinas, 2003. PARO, V. H. Gestão da Escola Pública: a Participação da Comunidade. In: Revista brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília. v 73, n.l 74, p.255-290, maio/ago. Brasília, DF: 1992. TRAGTEMBERG, M. A escola como organização complexa. In: GARCIA, W. E. (Org.). Educação brasileira contemporânea: organização e funcionamento. São Paulo: McGrawHill, 1978. 11 PARO, V. H. O Conselho de Escola na democratização da gestão escolar. In: ____. Escritos sobre educação. São Paulo: Xamã, 2001. PARO, V. H. Eleição de diretores de escolas públicas: avanços e limites da prática. In: ____. Escritos sobre educação. São Paulo: Xamã, 2001. GOUVEIA,C. A. M. Análise crítica do discurso: enquadramento histórico. Disponível em: http://www.iltec.pt/handler.php?action=investigadores&act=view&id=carlosg. Acesso em 6 de março de 2015. MARX, K. e ENGELS, F. A ideologia Alemã. São Paulo: Hucitec, 1996. http://www.uberlandia.mg.gov.br/uploads/cms_b_arquivos/9242.pdf (Acesso em 6 de março de 2015) . http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12907 (Acesso em 6 de março de 2015) . http://www.comunica.ufu.br/sites/comunica.ufu.br/files/conteudo/noticia/anexo_doc_referenci a_pme_30_05_14.pdf (Acesso em 6 de março de 2015) . http://www.uberlandia.mg.gov.br/uploads/cms_b_arquivos/8552.pdf (Acesso em 6 de março de 2015) . http://g1.globo.com/minas-gerais/triangulo-mineiro/noticia/2014/11/prefeitura-de-uberlandiacumpre-ordem-sobre-nomeacao-de-diretores.html (Acesso em 6 de março de 2015) . http://www.uberlandia.mg.gov.br/2014/noticia/6594/diretores_e_vice_diretores_municipais_d as_115_escolas_municipais_sao_empossados.html (Acesso em 6 de março de 2015) . 1 OBSERVATÓRIO EDUCACIONAL DA REGIÃO DOS INCONFINDENTES:PÓLÍTICAS PÚBLICAS, FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS, CONDIÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE MARGARETH DINIZ JOSE RUBENS LIMA JARDILINO SOLANGE MARIA MOL LUANNA BURGOS DE SIQUEIRA Resumo O Observatório Educacional da Região dos Inconfidentes tem como objetivo principal promover o desenvolvimento de pesquisas em três eixos que o estruturam: políticas educacionais, formação docente inicial e continuada, condição e profissionalização de professores/as e história da educação regional.Tem a finalidade de coletar e sistematizar dados de pesquisa sobre a Região dos Inconfidentes, visando à melhoria da educação básica na região.A microrregião compreende cinco municípios: Mariana, Ouro Preto, Acaiaca, Diogo de Vasconcelos e Itabirito. O Projeto é composto por seis subprojetos 105 de pesquisa, que a posteriori terão seus dados organizados em um Banco de Dados que possa ser de multiuso para as pesquisas educacionais. Os subprojetos estão em andamento, em fase de coleta e análise de dados. No primeiro semestre de 2015 aplicou-se aos professores/as da Região dos Inconfidentes um questionário comum às pesquisas, o qual visa fazer o levantamento do perfil dos/as docentes. Palavras-chave: Observatório. Região dos Inconfidentes. Educaçãobásica. Abstract The Educational Centre of the Region of Inconfidentes aims to promote the development of research on three axes that structure: educational policies, initial and continuing teacher training, condition and professionalization of teachers / and the history of regional education. It is intended to collect and systematize research data on the region of Conspirators, aimed at improving basic education in the region. The micro-regioncomprisesfivemunicipalities: Mariana, Ouro Preto, Acaiaca, Diogo de Vasconcelos andItabirite. The Project consists of six Coordenadora e pesquisadora do Observatório Educacional da Região dos Inconfidentes, professora adjunta do Departamento de Educação, diretora do Instituto de Ciências Humanas e Sociais/UFOP. Agencias financiadoras: CAPES; FAPEMIG. Coordenador e pesquisador do Observatório Educacional da Região dos Inconfidentes, professor adjunto do Departamento de Educação/ICHS/UFOP. Agencias financiadoras: CAPES; FAPEMIG Professora de educação básica, bolsista de supervisão docente CAPES/FAPEMIG Bolsista de Iniciação Científica – BIC CAPES/FAPEMIG 105 Pesquisadoras que compõem a pesquisa: Célia Maria Fernandes Nunes – professora associada do Departamento de educação e vice reitora da Universidade Federal de Ouro Preto; Rosa Maria da Exaltação Coutrim – professora adjunta do Departamento de Educação/UFOP; Regina Magda Bonifácio – professora adjunta do Departamento de Educação/UFOP; Angelita Aparecida Azevedo Freitas – mestre em educação; Solange Cardoso – mestre em educação; Cláudia Itaborahy Ferraz – Mestre em Educação 2 research subprojects, the post will have their data organized in a database that can be multipurpose for educational research. The subprojects are in progress, in the process of data collection and analysis. In the first half of 2015 was applied to the teachers / the Region of Inconfidentes a common questionnaire to the research, which aims to make the info about the / the teachers. Palavraschave:Observatory. Region of the Conspirators.Basic education. Introdução O Observatório Educacional da Região dos Inconfidentes consiste em um laboratório de pesquisas, que a partir da coleta e sistematização de dados por meio dos subprojetos, visa à melhoria da educação básica da região. O desenvolvimento do projeto se estrutura sobre três eixos: políticas educacionais, formação docente inicial e continuada, condição e profissionalização de professores/as e história da educação regional. A Região dos Inconfidentes compreende os municípios de Acaiaca, Barão de Cocais, Catas Altas, Conselheiro Lafaiete, Diogode Vasconcelos, Itabirito, Mariana, Ponte Nova, Ouro Branco, Ouro Preto, Santa Bárbara e São Gonçalo do Rio Abaixo. O Observatório abrange a microrregião que envolve os municípios pertencentes à 25ª Superintendência Regional de Ensino de Ouro Preto – Minas Gerais (25ª SRE-MG), compreendendo cinco municípios: Mariana, Ouro Preto, Acaiaca, Diogo de Vasconcelos e Itabirito. O Observatório se propõe a ser um lócus de contínua colaboração da Universidade Federal de Ouro Preto com a educação básica nos Municípios do seu entorno. Podemos entender essa parceria como uma via de mão dupla onde academia e comunidade são beneficiadas. De um lado a comunidade se consolida em um campo para o trabalho científico desenvolvido na universidade e essa, por sua vez,retorna para a primeira os conhecimentos que nela se produz na forma de projetos e ações que proporcionam melhorias educacionais. Assim, sistematizar informações junto aos atores educacionais da região dos Inconfidentes, pode possibilitar subsídios ao debate e à capacidade de intervenção destes atores na discussão e implantação de políticas públicas educacionais locais. Projetos como esse estão presentes em várias regiões e diferentes áreas do Brasil, estimulando a pesquisa, com fins ao incremento de novos subsídios para implantação ou revisão de políticas públicas educacionais. O Observatório de Pesquisa Educacional da Região dos Inconfidentes visa promover a socialização da informação acerca dos processos educacionais nos municípios envolvidos. Além disso, geram um debate acadêmico relevante sobre variados 3 temas, permitindo o surgimento de novos sujeitos de pesquisa para os programas de pósgraduação nos quais estão inseridos. O Observatório contribui na inserção do Mestrado em Educação (PPGE/UFOP) no leque das parcerias entre Universidade e Escola da Região dos Inconfidentes. Isso colabora especialmente com o desenvolvimento de pesquisas que possibilitem compreender o fenômeno educacional da região, e, na medida do possível, com aimplementação de políticas públicas que visem o desenvolvimento e a qualidade da educação neste local. As informações coletadas pelo Observatório poderão vir a serem utilizadas pelos/as pesquisadores/as fortalecendo a relação cooperativa dos programas parceiros (Rede de Investigadores da UFOP) e, de outro, pesquisadores/as do campo que detêm ou podem produzir informações estratégicas para a referida região. Considerando a base de dados comum coletada esta poderá vir a ser utilizada na promoção de debates e pesquisas sobre temáticas emergentes relativas à educação nos municípios da Região dos Inconfidentes assim como subsidiar as politicas publicas locais. Para os alunos graduandos das licenciaturas e mestrandos da UFOP que integram o Observatório, a pesquisa e a sistematização dos dados possibilitará a oportunidade de dialogar com os educadores da microrregião e assim conhecer e discutir sobre as práticas, a realidade escolar e os processos educativos. O trabalho conjunto - Universidade e Escola - oferece subsídios para o incremento de pesquisas (de docentes e alunos), do aperfeiçoamento das ações extensionistas e a elaboração de novas ideias a serem expressas em artigos, projetos de iniciação científica, monografias dissertações, além de facilitar a identificação das necessidades em torno da formação continuada dos professores das escolas envolvidas. Além disso, faz-se necessário o desdobramento de nossas práticas de pesquisa, ensino e extensão nas instituições educacionais de Educação Básica Públicas nas cidades que integram a Região dos Inconfidentes. O projeto busca responder a questões como: Quais principais problemas atingem a Educação na região dos Inconfidentes? Quais práticas docentes são desenvolvidas para sanar tais problemas? Quem são os sujeitos a que se destinam estas práticas? Como são avaliados docentes e discentes? Qual o perfil dos docentes e do alunado? Para tal buscamos alcançar dados quantitativos e qualitativos acerca do contexto educacional da região por meio dos subprojetos que integram o Observatório, a saber: Perfil dos/as professores/as da Região dos Inconfidentes; Ser pedagogo na contemporaneidade: nas narrativas dos pedagogos os desafios da prática escolar; Professores iniciantes na educação de jovens e adultos: por que ingressam? O que os faz permanecer?; Professoras da educação infantil: encantos e 4 desencantos no início da docência; A Juvenilização da Educação de Jovens e Adultos: compreendendo o fenômeno e buscando alternativas para a educação nesta modalidade de ensino; O mal estar docente e os problemas das crianças e dos adolescentes. O contexto da Educação na Região Os municípios da Região dos Inconfidentes que compõem o corpus dessa pesquisa são:Mariana, Ouro Preto, Acaiaca, Diogo de Vasconcelos e Itabirito. Mariana é um município do estado de Minas Gerais composto por 58.233. Tornou-se a primeira capital de Minas Gerais por participar de uma disputa onde a Vila que arrecadasse maior quantidade de ouro seria elevada a Cidade sendo a capital da então Capitania de Minas Gerais, hoje Mariana é conhecida como uma das cidades mais importante do Circuito do Ouro. A cidade é rica nas tradições católicas, tradicionais também são os blocos carnavalescos com décadas de existência, um deles é o famoso Bloco Zé Pereira da Chácara. A economia do município é constituída por indústria(mineração),turismo e agropecuária. Ouro Preto é também uma importante cidade histórica de Minas Gerais. É famoso por sua arquitetura colonial e uma paisagem natural exuberante de muito verde, com grande número de eucaliptos e as montanhas mineiras. Atualmente é composta por 70.281habitantes. Foi a primeira cidade brasileira a ser declarada, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, no ano de 1980. Asprincipais atividades econômicas são o turismo, a produção em pedra sabão, cultivo e mercado de eucalipto e as reservas minerais do seu subsolo, tais como ferro, bauxita e manganês. Outra importante fonte de recursos para o município são os estudantes da Universidade Federal de Ouro Preto, procedentes principalmente da Região Sudeste do Brasil. O município de Acaiaca está localizado na microrregião 188, na Mata de Ponte Nova, é uma pequena cidade composta por 3.924 habitantes. Acaiaca é encontrada na Zona da Mata Mineira é conhecida como a princesinha da Zona da Mata por ser a mais admirável e limpa cidade dessa região. A maior parte do território de Acaiaca ser ocupada por pastagens de onde vem sua economia que é a pecuária de leite. Diogo Vasconcelos é uma pequena cidade com 4.080 habitantes,mas tem seu cartaz por ser uma cidade de interior muito tranquila e acolher muito bem aos turistas com uma excelente hospitalidade mineira e através dessa hospitalidade que é gerado a sua economia, seus principais pontos turísticos são a cachoeira da laranja, as casas com arquitetura da década de 40 e 50 e a Igreja São Domingos do Gusmão. 5 Itabirito era conhecido com Itabira do Campo, conta com uma população de aproximadamente 45.000 habitantes. Sua economia gira em torno da mineração, siderurgia e comércio, tem como seu forte a culinária típica como, por exemplo, o pastel de angu que é considerado patrimônio cultural, a cidade inclusive realiza a Festa do Pastel de angu desde 2000. Esses municípios vêm se destacando no cenário mineiro como uma região fortemente turística (Ouro Preto e Mariana); por ser pólo industrial de produção de minério (Itabirito); forte em culinária típica, comércio e siderurgia (Acaiaca); tem seu marco na pecuária de leite e com a boa hospitalidade por ser tranquila e acolhedora(Diogo de Vasconcelos). Essa microrregião abarca uma população estimada em 180.000 pessoas, com um público escolar de, aproximadamente, 5.000 profissionais da educação e 52.000 alunos. São estes dados iniciais que nos convocam a propor um diagnóstico dos problemas da Educação básica, bem como a investigação de práticas que possam auxiliar nos problemas diagnosticados. A Universidade Federal de Ouro Preto foi fundada em 21 de agosto de 1969 a partir da incorporação de duas centenárias instituições de ensino superior: a Escola de Farmácia fundada em 1839 e a Escola de Minas fundada em 1876, são localizadas em Ouro Preto, Minas Gerais, vem se firmando como importante centro formador de profissionais para a região e fora dela. O Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS), foi criado em 9 de novembro de 1979 pelo arcebispo Dom Oscar de Oliveira, com o objetivo de contribuir com a formação crítica e humanística dos cidadãos. O ICHS oferece os cursos de História, Letras e Pedagogia, além dos programas de pós-graduação vinculados aos departamentos dos respectivos cursos. O Departamento de Educação/ICHS/UFOP e seus professores/as criaram o curso o Mestrado em Educação em 2010 com o objetivo de formar profissionais qualificados para atuarem na Educação em todos os níveis de ensino, cumprindo assim seu papel central, possibilitando a melhoria das práticas educacionais na microrregião de Ouro Preto. Compreendemos que esses cursos, articuladamente, são espaços acadêmicos importantes que a Universidade brasileira dispõe para estudos sistemáticos e avançados na área da Educação. Para buscar a integração entre a reflexão teórica e metodológica sobre a prática educacional e o cotidiano das relações escolares, tendo a pesquisa educacional como suporte, foi criado o Observatório Educacional da Região dos Inconfidentes. Partiu-se da necessidade de conhecer melhor e sistematizar dados dispersos acerca da realidade da nossa região e as instituições escolares que a compõem. Entende-se que na universidade a pesquisa e a extensão devem ser desenvolvidas em consonância com a 6 educação básica. Os grupos de pesquisa que se reúnem no Observatório vêm realizando diagnósticos pontuais que por ora serão organizados e sistematizados em um único local e estarão disponíveis a outros/as pesquisadores/as que por eles se interessarem. Assim as investigações propostas pelos/as pesquisadores/as giram em torno dos eixos: políticas educacionais, formação docente inicial e continuada, condição e profissionalização de professores/as e história da educação regional. Desses eixos derivam as pesquisas desenvolvidas nos 6 subprojetos que versam sobre as seguintes temáticas que podemos observar no QUADRO 1: Quadro 1 Subprojetos Pesquisadores/as Perfil dos/as professores/as da Região dos Margareth Diniz Inconfidentes. José Rubens Lima Jardilino Ser pedagogo na contemporaneidade: nas Célia Maria Fernandes Nunes narrativas dos pedagogos os desafios da prática Regina Magna Bonifácio de Araújo escolar. Professores iniciantes na educação de jovens e Angelita Aparecida Azevedo Freitas adultos: por que ingressam? O que os faz Célia Maria Fernandes Nunes permanecer? Regina Magna Bonifácio de Araújo Professoras da educação infantil: encantos e Solange Cardoso desencantos no início da docência. Célia Maria Fernandes Nunes A Juvenilização da Educação de Jovens e Rosa Maria da Exaltação Coutrim Adultos: compreendendo o fenômeno e Regina Magna Bonifácio de Araújo buscando alternativas para a educação nesta modalidade de ensino. O mal estar docente e os problemas das Margareth Diniz crianças e dos adolescentes. Cláudia Itaborahy Ferraz Os dados coletados nas pesquisas acima estão sendo sistematizados em cada subprojeto e ora são quantitativos, ora são qualitativos. Aqui, destacaremos alguns desses dados a fim de encontrar divergências e convergências neles, sendo que o subprojeto Perfil dos/as professores/as da Região dos Inconfidentesfará a amarração de todos os dados. O mesmo foi 7 construído coletivamente durante a pesquisa, incorporando questões pertinentes que percebemos estar lacunares nos subprojetos, está em fase de tabulação e análise. Alguns dados preliminares O questionário sobre Perfil dos/as professores/as da região dos Inconfidentes foi construído coletivamente pelos/as pesquisadores/as a partir das categorias: Perfil geral, nível socioeconômico, formação (inicial e continuada), atuação e aspectos socioculturais. Consideramos que a configuração do profissional da Educação relaciona-se a três aspectos: o da formação teórica, o subjetivo e o da experiência. Na medida em que fica evidenciada a importância dos saberes produzidos na prática docente e, ainda, do papel que o próprio sujeito tem na formação da sua identidade profissional, faz-se necessário conhecer o perfil dos docentes da Região dos Inconfidentes, visando contribuir com o planejamento de políticas públicas de formação, melhoria das condições de trabalho docente e no desenvolvimento da profissionalização dos/das docentes da educação básica inicial e continuada. Assim sendo, o questionáriotem por objetivo coletar, sistematizar e analisar o perfil dos/as docentes da Região dos Inconfidentes para conhecer a realidade local em seus aspectos quantitativos e qualitativos, bem como fornecer subsídios à política pública para a reorganização de critérios de distribuição, lotação, alocação de professores e professoras, suas condições de trabalho buscando equidade da relação professor/aluno e outros elementos da educação municipal. Foram aplicados 600 questionários no primeiro semestre de 2015 aos professores/as da região dos Inconfidentes, por intermédio do Programa UFOP com a Escola106. Os dados estão sendo tabulados e serão analisados usando o software SPSS para a parte quantitativa da pesquisa. Após uma análise deste perfil optamos por realizar a parte qualitativa utilizando a técnica de grupos focais, além das narrativas, a fim de escutar e identificar nos discursos as práticas docentes mais significativas para a melhoria da educação básica. A seguir destacaremos alguns elementos de cada subprojeto. Ser pedagogo na Contemporaneidade: nas narrativas dos pedagogos os desafios da prática escolar 106 Desenvolve ações extensionistas em parceria e diálogo com cinco municípios da Região dos Inconfidentes – MG: Mariana, Ouro Preto, Itabirito, Diogo de Vasconcelos e Acaiaca. O programa organiza e implementa cursos de extensão e aperfeiçoamento em diversas áreas do conhecimento, atendendo à demanda de cada município por cursos de formação continuada de seus professores da rede pública. 8 A formação e atuação do pedagogo nos últimos anos vêm passando por um processo de muitas adequações visando o atendimento das orientações legais assim como os desafios postos pela prática pedagógica na escola contemporânea. Diante das mudanças ocorridas na legislação que implicaram também no cotidiano escolar temos acompanhado a implementação de novos currículos assim como uma discussão sobre qual deve ser a função deste profissional na atualidade. Esse projeto de pesquisa teve como objetivo geral analisar a percepção sobre a formação e o ser pedagogo a partir das narrativas de pedagogos em exercício em diferentes espaços educativos, que atuam nos municípios que integram a Região dos Inconfidentes, bem como compreender como a sua prática contribui para uma Educação Básica de maior qualidade. A abordagem utilizada nessa pesquisa foi de caráter qualitativo visando analisar as informações levantadas na coleta de dados. Os participantes produziram memoriais narrativos após os encontros organizados pelas pesquisadoras. Por meio da narrativa dos pedagogos em atuação pretende-se conhecer as percepções desses profissionais em exercíciosobre a profissão do Ser Pedagogo na contemporaneidade. As pesquisadoras utilizaram como referencial teórico textos retirados do GT08 da ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação). Dentre eles destacam-se Reis (2011); Cury (2004); Fontana (2007); Gatti (2010); Ferreira (2006); Libâneo (2010); Silva (2007); Nunes (2005). Os dados iniciais indicam algumas questões importantes. A partir das narrativas dos pedagogos da Região, foi possível perceber uma dificuldade em relacionar teoria e prática no trabalho pedagógico. Há necessidade, por parte dos sujeitos, de cursos formação continuada que contribua com a sua atuação profissional em prol da qualidade da educação nas escolas em que trabalham. Os mesmo entendem que ser pedagogo na contemporaneidade significa estar à frente de uma escola aberta, democrática, que busca parceiros, convoca a família e vive a realidade na qual está inserida. Os pedagogos revelaram visões da profissão como sendo “apagador de incêndios” ou “detentor de respostas”, o que é chamado quando há algum problema na escola. Professores iniciantes na educação de jovens e adultos: por que ingressam? O que os faz permanecer? 9 A inserção na carreira docente é uma fase dotada de características bem peculiares, marcada por inúmeras dificuldades mas, também por experiências significativas que permitem "descobrir" e " sobreviver" à profissão. Esta pesquisa teve como principal objetivo investigar o processo de inserção e permanência do professor iniciante na Educação de Jovens e Adultos - EJA- na Região dos Inconfidentes, Minas Gerais, Brasil. Foi direcionada pelas questões: Quais os motivos levam o professor a atuar na EJA? Diante do ingresso do professor, o que este encontra em tal modalidade educacional? Quais desafios? Quais descobertas? Oque o faz permanecer? Adotou-se como fundamentação teórico-metodológica a concepção de formação de professores como um continuum, baseada em Garcia (1989, 1995, 2009), Huberman (1995) e Nóvoa (1995) e da abordagem biográfica temática proposta por Josso (2002), o que direcionou a coleta de dados através de narrativas de experiência e questionário de perfil biográfico. Os participantes da pesquisa foram cinco professores iniciantes na EJA, um de cada cidade: Mariana, Ouro Preto, Itabirito, Acaiaca e Diogo de Vasconcelos. O estudo revelou que nenhum dos participantes escolheu lecionar na EJA mas, todos encontraram nesta modalidade razões para a sua permanência. Os principais motivos da permanência se relacionam aos alunos: aproximação afetiva, diálogo, troca de experiências,vontade de aprender demonstrada pelos alunos, a satisfação profissional diante da aprendizagem e desenvolvimento destes e ainda, o reconhecimento e valorização de seu trabalho pelos discentes. Todos os professores viveram o "choque de realidade", mesmo aqueles que não eram iniciantes na profissão, mas somente na docência na EJA. Dentre os desafios encontrados pelos professores destacam-se: diversidade etária/geracional dos alunos e o processo crescente de juvenilização; diferenças das expectativas de aprendizagem pelos alunos e diferenças nos níveis de desenvolvimento intelectual destes; estigma de inferioridade percebido geralmente nos alunos de idade mais avançada; carência de materiais adequados e investimentos para esta modalidade. Os resultados apontam para a necessidade de melhor formação dos professores - inicial e continuada - que os favoreça o desenvolvimento do trabalho com as especificidades da EJA; a necessidade de criação de programas de apoio ao professor iniciante e ainda, de se endossar a luta em defesa da EJA como uma política pública de Estado. 10 Professores Iniciantes da Educação Infantil: encantos e desencantos da docência Nos estudos sobre a formação e profissão docente um dos aspectos que têm sido identificados como relevantes refere-se à importância de se pensar a complexidade do início da carreira. Escolheu-se a Educação Infantil por esta ser considerada uma etapa da carreira importante, porém complexa. Diante da importância de se conhecer melhor essa etapa do desenvolvimento profissional docente, e diante de uma variedade de aspectos que envolvem essa temática, a pesquisa busca responder à seguinte questão: Quais são os dilemas e tensões vivenciados pelos professores principiantes que atuam na Educação Infantil da rede Pública Municipal da abrangência da 25ª Superintendência Regional de Ensino de Ouro Preto/MG? A opção foi pela abordagem qualitativa por apresentar maior adequabilidade ao que se propõe. Para a coleta de dados foram usados questionário, observação e entrevista.O questionário com objetivo de traçar o perfil biográfico para localização dos sujeitos, a observação e entrevista realizada com quatorze professoras, para responder ao problema de pesquisa. O referencial teórico utilizado pelas autoras baseou-se, principalmente, nos seguintes autores: Garcia (1998; 1999; 2009), Huberman (2000), Tardif e Raymond (2000) e Lima (2006; 2011). A investigação revelou que as docentes iniciantes na Educação Infantil passam por momentos de dilemas e tensões no início da carreira. A partir das falas foi possível perceber que esses dilemas levam ao encanto e/oudesencanto. No que tange o encanto, aparece quando as professoras dizem se sentir realizadas por atingir um sonho, por estarem atuando nafaixa etária que se identificam e por sentirem “amor” pelos alunos, pela responsabilidade de estar a frente de uma sala de aula, por perceberem que as experiências anteriores com asala de aula e os estágios contribuíram para que elas não ficassem perdidas. Por outro lado, as docentes revelam o desencanto, por identificarem que a educação infantil foi pouco abordada na formação inicial; pela percepção de um distanciamento entre teoria e prática equando precisam improvisar diante de situações inesperadas em sala de aula. A Juvenilização da Educação de Jovens e Adultos: compreendendo o fenômeno e buscando alternativas para a educação nesta modalidade de ensino 11 Esta pesquisatem como propósito investigar quem são os alunos jovens da Educação de Jovens e Adultos (EJA) que freqüentam as salas de aula da rede pública dos municípios da região dos Inconfidentes – MG e qual o papel que a escola representa para esses sujeitos. Ao trazer as vozes desses jovens para análise propomos uma abordagem inovadora que nos possibilitará entender melhor o processo e os efeitos da juvenilização da educação de jovens e adultos, bem como e refletir sobre a formação de docentes para esta modalidade de ensino. Este projeto de pesquisa tem como objetivo geral investigar qual o perfil do estudante jovem da EJA nas escolas dos municípios da Região dos Inconfidentes. Para isso, pretende-se identificar os jovens que frequentam as classes de EJA nas escolas dos municípios selecionados; averiguar como se dá o processo de socialização e relacionamento desses jovens com a escola, os colegas de sala e os professores; e selecionar, a partir da fala dos estudantes, as práticas pedagógicas exitosas. Faz-se uso aqui das abordagens quantitativa e qualitativa para coleta e análise dos dados. Assim, além da pesquisa bibliográfica e documental realizada, fizemos uma investigação de campo. Para a seleção dos informantes optou-se pelo recorte etário de 15 a 24 anos (IBGE, s/d)107.Até o momento foram aplicados e tabulados 794 questionários em todos os municípios. Os resultados foram analisados e servirão de elementos-chave para a elaboração de categorias a serem investigadas em profundidade em um segundo momento da pesquisa. No que se refere à Educação de Jovens e Adultos, foi possível perceber que o número de jovens presentes nessa modalidade de ensino é muito expressivo. Os estudantes matriculados nessa modalidade de ensino estão ingressando com menos idade, constituindo assim uma população jovem no ensino noturno. Foi identificado um número expressivo de mulheres na EJA. A maior parte dos jovens que freqüentam a EJA ganham até 2 salários mínimos. Do ponto de vista cultural, informam que assistir TV e ouvir música ainda são as atividades mais frequentes nos momentos de lazer, mas o uso da internet também é significativo. O mal-estar docente e os problemas das crianças e dos adolescentes O reconhecimento da escola como ambiente praticamente feminino, passa a aderir um papel de responsabilidade não só na formação educacional do aluno, mas também responsável pela formação do próprio indivíduo. Contribuindo assim, para o aparecimento de alguns sintomas 107 Reconhecemos que existe uma vigorosa discussão a respeito dos limites etários e marcos conceituais no que se refere à aos grupos etários, principalmente no que diz respeito à juventude. Para esta pesquisa utilizaremos o mesmo parâmetro do IBGE (s/d), que define como jovem o sujeito entre 15 e 24 anos. 12 como Síndrome de Burnout, estresse, insatisfação, cansaço, depressão, mau relacionamento, absenteísmo e abandono da profissão. O subprojeto Questiona a formação docente que desconsidera as subjetividades dentro da escola e interroga de que maneira a diferença de ser uma mulher pode não ser um problema e sim um dispositivo que favorece o encontro entre a professora, sua diferença e a diferença do outro. Este estudo tem natureza qualitativa. É uma pesquisa intervenção que tem como estrado, o método clínico, método de inspiração psicanalítica, utilizado por pesquisadores que trabalham o campo da psicanálise e educação de forma crescente na França e no Brasil. Foram realizados oito encontro de conversações com 21 mulheres professoras de sete escolas municipais de um distrito de Ouro Preto. O referencial teórico utilizado pelas autoras baseou-se, principalmente, nos seguintes autores: André Lévy (2001), Diniz (2005), Birman (1994), Freud (1996), Lacan (1978), Miranda (2005), Kehl (2008), Lopes (1998), Franco (2010). As conversações ocorreram no intuito de dar voz àquelas professoras, muitas vezes silenciadas no seu cotidiano. Ao longo dos encontros as vozes foram aparecendo e evidenciando o mal estar vivenciado. A subjetividade negada pela escola e pelo sistema educacional encontrou um espaço onde pôde se expressar e colocar os dilemas. A pesquisa ainda se encontra em análise dos dados. Considerações finais O Observatório Educacional da Região dos Inconfidentes a partir da coleta e sistematização de dados por meio dos subprojetos de pesquisa que o integram, objetiva a melhoria da educação básica da região. Dessa forma, os estudos visam identificar problemas e elementos que subsidiem a elaboração de políticas públicas e instiguem o desenvolvimento de cursos de formação continuada e projetos de intervenções. Os resultados que foram apresentados são preliminares, pois como colocado algumas pesquisas ainda não foram concluídas. Uma questão importante identificada diz respeito ao fato de que em todos os estudos realizados com docentes ou pedagogos, foi revelado o desejo por mais formação nas áreas em que atuam, com objetivo de resolver problemas presentes no cotidiano escolar. 13 Os subprojetos desenvolveram pesquisas que contemplaram os cinco municípios que integram a microrregião: Mariana, Ouro Preto, Diogo de Vasconselos, Itabirito e Acaiaca. É importante considerar que algumas pesquisas não atuaram em todos ao mesmo tempo. As etapas da educação básica atingidas pelos estudos foram a Educação de Jovens e Adultos e a educação infantil, o que nos aponta a necessidade de novas pesquisas que contemple os anos iniciais e finais do ensino fundamental, bem como o ensino médio. No que diz respeito ao público alvo, foram abarcados professores e pedagogos, carecendo assim estudos que investiguem outros sujeitos importantes no contexto educacional, como exemplo destacamos os alunos dosoutros seguimentos e gestores. Algumas pesquisas não consideraram o recorte de gênero, mesmo tendo seu público composto apenas por mulheres, foram identificadas no masculino (ex. professores). Outras questões importantes ainda precisam de estudos, como as políticas educacionais desenvolvidas por cada município e seus impactos na educação local, a formação continuada na região, as práticas pedagógicas, a avaliação educacional, dentre várias outras. O Observatório não se restringirá aos subprojetos que foram apresentados aqui, está sempre aberto à novas propostas de estudos que contemplem as questões apontadas. Esses fatores justificam sobremaneira a aplicação do questionário comum de perfil docente, contemplando os referidos eixos da pesquisa a fim de melhora nossa análise sobre a região. REFERÊNCIAS BIRMAN, Joel. Psicanálise, ciência e cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. CURY, C. R. J. Formação continuada e certificação de professores. Olhar de professor. Ano/vol. 7, número 001, Ponta Grossa, p. 187-193. 2004. DINIZ, Margareth. O método clínico na investigação da relação com o saber para quem ensina: a tensão entre saber e conhecer. Tese de doutorado. Belo Horizonte, Faculdade de Educação/UFMG, 2005. FERREIRA, N. S. C. Diretrizes curriculares para o curso de pedagogia no Brasil: a gestão da educação como Gérmen da formação. 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Esse novo homem, ao compreender sua realidade social, seria capaz de fazer uma análise crítica das injustiças que o sistema capitalista promove na sociedade e, dessa forma, buscaria instrumentos para agir e modificar sua realidade. Porém, a instituição de uma cidadania efetiva só seria possível a partir da construção de uma escola pública, cuja estrutura rompesse com as práticas burocráticas e autoritárias. A ideia de democratização da educação, segundo Aranda (2008), nasce entre os anos de 1920 e 1930 quando as discussões no setor educacional deram origem à proposta de abertura da escola para as massas e de articulação da escola com a comunidade. Expressa pela conhecida frase “escola para todos” essa proposta ficou dividida entre o que era reivindicação dos educadores e o que não passava de meras promessas do governo. Os educadores reivindicavam uma democratização da escola, do conhecimento e da educação e acreditavam que, mediante a concessão de uma autonomia administrativa, financeira e pedagógica para a escola pública, haveria maior controle sobre a atuação do Estado na educação o que, consequentemente, concretizaria os ideais democráticos de que falamos *1 (UFU) Universidade Federal de Uberlândia; Edital 013/2012 - Projeto: “A Participação da Comunidade na Gestão Democrática da Escola em prol da qualidade de ensino: o Projeto Político Pedagógico em questão”; Bolsista CAPES/FAPEMIG 2 anteriormente. No entanto, por parte do governo, sempre houve uma tentativa de “controle social” impedindo a concretização dessa proposta democrática. Entre os anos de 1970 e 1980 surgem movimentos sociais, debates e novas propostas de setores progressistas da sociedade que desencadearam uma nova concepção de gestão democrática da educação. Nessa concepção estão presentes as ideias de transformação das relações de poder, de controle dos serviços públicos, com destaque para a “importância da construção coletiva de uma escola pública capaz de promover a cidadania emancipada”. (ARANDA, 2008, p. 178). Foi a partir dessa ideia de transformação da educação, com vistas a promover as mudanças sociais almejadas, que a gestão democrática foi inscrita na Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, como princípio do ensino público. Dessa maneira, “abriu-se, então, a possibilidade de, entre diversas medidas, instituir-se a elaboração de um projeto educacional no qual cada coletivo escolar definisse: que homem, que escola, que sociedade tem em vista” (ARANDA, 2008, p. 178). A escola teria, a partir de então, autonomia para decidir sobre a organização escolar, o trabalho docente, quais os saberes deveriam ser transmitidos e ainda poderia elaborar ações para redimensionar a relação entre escola e sociedade. Aranda (2008) chama a atenção para o fato de que, nos anos 1980, o projeto político pedagógico não alcançou os ideais almejados “pois não conseguiu, entre outros pontos, valorizar simultaneamente saber popular e apropriação crítica do conhecimento acumulado socialmente”. (p. 178). Ainda segundo Aranda (2008), nos anos 1990 novas diretrizes e políticas públicas foram criadas para promover mudanças na área educacional, tendo em vista as críticas à gestão vigente. Entre 1993 e 1994 o Brasil elaborou o Plano Decenal de Educação para Todos (PDEpT) para o período de 1993 a 2003. Esse plano tinha como prioridade promover a modernização da educação, ou seja, estabelecer “novos padrões de gestão”. Esses novos padrões deveriam “redefinir as responsabilidades e competências, eliminando a burocracia desnecessária, descentralizando as decisões e os recursos, aumentando a autonomia da escola, promovendo a participação da coletividade escolar [...]” (ARANDA, 2008, p. 180). Dessa forma, a intenção de reformar a educação com bases democráticas ensejou a formulação de novas políticas educacionais. A busca de novas alternativas influiu numa provisão do sistema educacional público por meio do envolvimento e articulação do Estado e instâncias não-estatais (setor privado, entidades comunitárias e não-governamentais). Como exemplo disso, segundo Aranda (2008), podemos citar o 3 [...]co-financiamento assegurado pelo FUNDESCOLA através da implantação e implementação de produtos como: Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), Projeto de Melhoria da Escola (PME), Programa de Adequação dos Prédios da Escola (PAPE) entre outros. (p. 181) A gestão democrática, mencionada na Constituição Federal de 1988, deveria então ser regulamentada para garantir a execução da proposta de modernização da gestão educacional. Para tanto, encontrava-se em tramitação no Legislativo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que seria responsável por fazê-lo. Porém, a questão da gestão democrática que delinearia o projeto educacional já era pauta de discussão desde os anos 70 e 80 entre os educadores e, dessa forma, o assunto Projeto Político Pedagógico foi reintroduzido nos debates, uma vez que ele se constitui em um importante instrumento de gestão. Os debates sobre o assunto foram intensos, mas, logo foi percebido que o caráter político do referido projeto foi sendo desvalorizado ao longo das discussões. Falava-se apenas em Projeto Pedagógico da escola. Aranda (2008) atenta para o fato de que havia dois projetos distintos: um era de interesse da classe dominante e se propunha a formar um novo trabalhador, bem qualificado, habilitado pela escola para exercer funções que exigissem dedicação e conhecimento específico (concepção tecnicista); o outro projeto que se pretendia regulamentar era de interesse dos educadores comprometidos com uma visão progressista de educação, segundo a qual a escola deveria formar um homem com fundamentos científicos, mas que, desenvolvido em todas as suas potencialidades, poderia exercer uma cidadania efetiva, de forma consciente e crítica. Note-se que o Projeto Político Pedagógico assume dimensão política devendo se referir a um projeto mais amplo da sociedade. Ele apresenta características de direcionar, de estabelecer um rumo para a educação e é justamente essa direção política que atribui ao projeto pedagógico uma natureza democrática. Das discussões e propostas, o referido instrumento de gestão escolar foi regulamentado definitiva e juridicamente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394) no dia 20 de dezembro de 1996, porém, com a denominação apenas de “Projeto Pedagógico”, ou seja, sem o termo “político”, o que, para Aranda (2008) não é uma mera mudança de terminologia e sim uma estratégia de modernizar a gestão pública através de uma reforma educacional, mas, segundo uma lógica neoliberal. Quando da promulgação da LDB 9.394/96, na qual o PPP foi regulamentado, mas, inscrito com a denominação de “Projeto Pedagógico”, entende-se que essa decisão política representou a vitória dos que defendiam uma concepção de educação com vistas à preparação 4 técnica para o “exercício profissional eficiente”. Nota-se, a partir desse fato, que o “PP” adquire valorização pedagógica em detrimento ao caráter político que deveria assumir rumo à concretização dos ideais democráticos a que se propunha. Enfim, a regulamentação do “Projeto Pedagógico” é recente na história da educação mesmo tendo sido alvo de debates frequentes desde os anos 70. Essa conquista dos educadores, porém, não exime a necessidade de uma luta contínua em busca de recuperar a essência da proposta anterior: a de um Projeto Político Pedagógico, que foi formulada no seio da luta social pela gestão democrática da educação e tem como princípio a construção de uma escola para todos e com todos. 2 Projeto Político Pedagógico e Projeto Pedagógico Como já dito, o tema “Projeto Político Pedagógico” passou a ser alvo de discussões e, desde que foi incorporado ao cotidiano das escolas, continua sendo objeto de estudos. Sua importância e seu caráter democrático pressupõem um necessário conhecimento de suas especificidades para que seja implantado com vistas a promover a qualidade de ensino. Segundo Aranda(2003), uma escola que se preocupa em cumprir a sua função social e, por isso, tem como meta a qualidade de ensino, e mais, “uma escola voltada para a promoção da cidadania emancipada cujo horizonte é a transformação das relações sociais e qualificação da vida em sociedade” (p. 61) deve ter como princípio a discussão e a análise do PPP para dirigir seu trabalho. Nessa dimensão, o Projeto Político Pedagógico assume papel de orientação, de direção, pois o termo “projeto” significa plano, desígnio. Todo projeto, ainda nas palavras de Aranda, “supõe uma ruptura com o presente e promessas para o futuro” (2003, p. 62), por isso, deve ser alvo de reflexão constante por parte dos membros da escola, para que o produto dessa reflexão seja exatamente o retrato perfeito da realidade da escola e da sua intencionalidade. Dada a importância de refletir sobre o PPP e sua característica diretiva, é importante ressaltar o significado do termo político. Nesse contexto, uma vez já explicitado que o PPP tem função de apontar caminhos, de clarificar e instrumentalizar a gestão escolar, fica fácil definir o que significa “político”. Ora, quando a escola tem um plano é porque tem um objetivo, tem uma finalidade a alcançar e para isso é preciso uma “ação intencionada com um sentido definido explícito” (ARANDA, 2003, p. 62). Por isso, é imprescindível admitir que a execução de um projeto acarreta inevitavelmente uma direção política. A ação pedagógica tem obrigatoriamente uma dimensão política, pois requer que os sujeitos 5 envolvidos tomem consciência do seu estado atual e, tendo intenção de mudá-lo, mobilizemse, posicionem-se e comprometam-se com suas responsabilidades e objetivos, o que, consequentemente, acarretará numa ruptura com as questões presentes rumo ao futuro que a escola pretende alcançar. Todo projeto contém a promessa de melhoria, o PPP de uma escola é capaz de promover a qualidade da educação e, por isso, uma vez que a escola que não esteja satisfeita com sua prática pedagógica, o ponto de partida para a mudança será refletir e reconhecer o PPP como instrumento de direção, isso significa tomar uma decisão, escolher um caminho. Eis o caráter político do PPP. Para Lima, o “PPP é político, portanto, pois encontra-se no âmbito das discussões e decisões, ou seja, das influências e da disputa de espaços”. (2000, p. 192). 2. 1 A alteração da denominação na LDB 9.394/96 Apesar da força que o termo “político” adquire no contexto de democratização e gestão participativa, de que trata o PPP da escola, ele foi retirado da denominação de “Projeto Político Pedagógico”. Como já vimos, na LDB 9.394/96 esse instrumento de gestão escolar (o PPP) passou a ser denominado apenas “Projeto Pedagógico”, ou seja, “foi retirado o termo que destaca a dimensão política da ação pedagógica” (ARANDA, 2003, p. 63). Inclusive, o texto da referida lei, em alguns momentos, menciona a denominação “Proposta Pedagógica” e não “Projeto Pedagógico”. Para Aranda, no entanto, essa alteração na denominação não é uma mera mudança de terminologia e sim o reflexo de que esse instrumento de gestão escolar está subordinado aos objetivos de uma “modernização” da gestão pública. (2000, p. 62, 63). Para a autora, essa modernização tem como estratégia efetuar uma reforma educacional que, na verdade, exprime tanto a “relativa autonomia” da escola em decidir seus caminhos, quanto a intenção do governo em modificar a escola para efetivar a gestão democrática proposta pela LDB, porém, segundo a lógica neoliberal. O neoliberalismo defende a ausência de um Estado interventor, a competitividade e a privatização. Todavia, a competitividade e a “livre concorrência”, pressupõem que haja a exclusão e o individualismo em detrimento do social e dos ideais de igualdade, o que evidencia as diferenças sociais e o consumismo exacerbado em beneficio, é claro, das classes dominantes. 6 Na educação, o modelo neoliberalista não associa a escola ao campo social e político e sim, a considera como uma instituição integrada ao mercado. As escolas devem competir como se fossem empresas e os alunos passam a ser considerados meros consumidores do ensino. Sendo assim, essa alteração da denominação do projeto pedagógico da escola, ou seja, a retirada do termo “politico”, para alguns pesquisadores e estudiosos, não passa de uma estratégia para garantir a viabilização do projeto educativo que a classe hegemônica pretende instaurar na sociedade, dessa forma, o PPP “perde de vista os propósitos para os quais se defendia um Projeto Político-Pedagógico”. (Aranda, 2003, p. 63). No entanto, independente da denominação que consta na LDB, segundo Lima, o projeto pedagógico de uma escola não perde seu caráter politico “seja projeto pedagógico, seja proposta pedagógica, não deixam de ser políticos, visto que no bojo de tais projetos ou propostas se encontram a opção que nos leva às políticas de transformação ou de conservação”. (LIMA, 2000, p.191). 2. 2 Regulamentação e significado do PPP É fato que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Brasileira, LDB nº 9.394 de 1996, trouxe significativas mudanças para o trabalho pedagógico das escolas uma vez que concedeu às instituições de ensino progressivos graus de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira. Essa autonomia pedagógica significa que a escola tem responsabilidade e liberdade para elaborar seu plano de trabalho e planejar suas atividades de acordo com seus objetivos educacionais, de modo que atenda às expectativas da comunidade na qual está inserida. No artigo 12, a referida lei direciona às escolas a responsabilidade de elaborar e executar sua proposta pedagógica e, no inciso VII do mesmo artigo, esclarece que a escola tem a incumbência de informar aos pais e responsáveis sobre a frequência e rendimento dos alunos, bem como detalhes sobre a execução de sua proposta pedagógica. No artigo 13, a lei estabelece que os professores devem participar da elaboração da proposta pedagógica da escola e, ainda, elaborar e cumprir o seu plano de trabalho segundo a proposta do estabelecimento de ensino. Já no artigo 14, a lei define os princípios da gestão democrática, cujo primeiro deles é a participação dos profissionais da educação na elaboração da proposta pedagógica da escola. 7 Analisando os artigos da LDB que tratam da organização da educação, é possível definir que eles se baseiam nos princípios da autonomia e da gestão democrática, através dos quais deveria ser construída, então, a identidade da escola. Assim, a partir dessa nova proposta de organização do ensino, é preciso que os professores e toda a comunidade escolar se oriente para articular e elaborar coletivamente o Projeto Político Pedagógico da escola, pois, para além de sua dimensão legal, esse projeto reflete a intencionalidade e a identidade da escola e “o envolvimento de todos na construção do projeto, ao desencadear uma reflexão coletiva, promove a adoção de uma prática educativa, na medida em que reflete individual e coletivamente sobre ela” (VEIGA, 2001, p. 58). No entanto, a escola, antes de elaborar seu planejamento, precisa ter seus objetivos definidos e principalmente ter em mente a responsabilidade de atender às expectativas da sociedade e, nesse contexto, o PPP é um instrumento norteador, que direciona a escola para o cumprimento de suas funções sociais. Nas palavras de Aranda “o projeto político pedagógico pressupõe o exercício da construção com vistas no futuro” (2003, p. 65). O significado do PPP, porém, só tem sentido quando entendemos suas implicações no processo educacional. Quando falamos em projeto nos referimos a uma estratégia elaborada para cumprimento de uma meta, para alcançar um objetivo dentro de um determinado tempo. O termo político expressa a função da escola em formar cidadãos críticos que irão atuar e modificar individual ou coletivamente a sociedade. Segundo Lima, o projeto pedagógico da escola é político justamente porque pressupõe uma discussão e exige um posicionamento (2000, p. 191). O termo pedagógico, enfim, refere-se ao fato de que esse projeto organiza e define as atividades e a proposta educativa da escola. Para Veiga “Construir o PPP (...) significa trilhar novos caminhos com coragem, consciência crítica e muita esperança de uma escola melhor para todos” (2001, p. 63). A autora ainda adverte que a construção do projeto da escola “é ação consciente e organizada porque é planejada tendo em vista o futuro”. (2001, p. 57). Nesse sentido, o PPP é o instrumento de gestão democrática que visa à qualidade da educação em cumprimento à função social da escola rumo a um futuro melhor para todos. Dessa forma, a gestão participativa preconizada pela LDB e que, com certeza é o caminho para uma educação de qualidade, será exercida por meio da elaboração coletiva do PPP, a partir do entendimento de seu significado e de suas implicações e do compromisso da escola e toda a comunidade escolar em envolver-se com a sua elaboração e execução. Nas palavras de Veiga temos o PPP do ponto de vista emancipador 8 superar a visão conservadora e extrapolar o centralismo burocrático pressupõe o envolvimento de diferentes instâncias que atuam no campo da educação, além do coletivo da escola, na construção de seu projeto político-pedagógico, exprimindo sua intencionalidade pedagógica, cultural, profissional e construindo um modelo de gestão que podemos entender como democrático.(2001, pág. 55). 2. 3 O caminho para construir o PPP: Participação O PPP define a intenção e as características da escola, além de proporcionar condições de organizar, traçar os rumos e planejar os recursos de que a escola precisa para executar sua proposta. A construção de um Projeto Político Pedagógico, para que seja eficaz, deve ser realizada a partir de debates democráticos que possibilitem uma tomada de consciência dos problemas da escola, onde cada membro da comunidade escolar assumirá compromissos individuais e coletivos para solucionar e resolver os problemas encontrados. Veiga considera que o diálogo é o caminho para que as organizações consigam implantar uma prática participativa, porém, o que dificulta essa participação é a existência de uma cultura autoritária. A autora explica que isso será resolvido tendo como prática manter o diálogo com todos os envolvidos, independente de pensarem ou de agirem como nós. Afirma ainda que “é necessário praticar constantemente o exercício da participação em todas as dimensões: administrativa, financeira e pedagógica”. (2001, p. 60). A dimensão administrativa refere-se à organização da escola como um todo. Envolve as atividades de gerenciamento de pessoal, da parte física e dos recursos que garantem os meios para execução do trabalho da escola. As especificidades da gestão administrativa de uma escola devem ser enunciadas em seu Projeto Político Pedagógico e no Regimento escolar. É a gestão administrativa que dá suporte para que a gestão pedagógica aconteça na escola. Paro (1999) afirma que a dimensão administrativa é a utilização racional de recursos para a realização de fins determinados. A dimensão financeira é um conjunto de atividades integradas ligadas à obtenção, utilização e controle de recursos financeiros, os quais serão usados para garantir a continuidade e estabilidade da organização. A dimensão pedagógica, por sua vez, relaciona-se ao planejamento e à organização das ações educativas da escola. A ação pedagógica determina os objetivos do ensino, define as linhas de atuação dos envolvidos com vistas a alcançar a qualidade da educação e atender às necessidades e especificidades da comunidade escolar. As ações e os objetivos pedagógicos devem ser enunciados no Projeto Político Pedagógico da escola e precisam atender às demandas da comunidade na qual a instituição encontra-se inserida. 9 Contudo, é imprescindível que os membros da comunidade escolar109 reconheçam o significado de “participação” e mais importante ainda, é que todas as instâncias estejam envolvidas na elaboração do Projeto Político Pedagógico. É comum, por exemplo, que a família seja excluída do processo de tomada de decisão das escolas. Ora, a escola tem hoje, diante das transformações da estrutura familiar contemporânea, novas incumbências e responsabilidades e precisa responder a essas mudanças que interferem substancialmente nas relações e no desenvolvimento dos alunos. É importante que a família participe da construção do PPP para que os pais juntamente com a escola possam trilhar caminhos que atendam às necessidades dessa sociedade marcada pelas transformações. A família é sujeito ativo do cotidiano escolar. Por meio de ações comunitárias é possível que a escola aponte as necessidades da comunidade local e articule seu projeto no sentido de tentar superar os problemas enfrentados por ela. “Portanto, o projeto pedagógico da escola, ao se identificar com a comunidade local, busca alternativas que imprimam dimensão política e social à ação pedagógica”. (Veiga, 2001, p. 62). A escola e a comunidade devem se articular, estabelecer um elo, manter uma relação que estará em constante evolução, de maneira que a escola se fortaleça para o cumprimento de seus objetivos. A articulação escola-família-comunidade representa um avanço para a educação. Essas três instâncias constituem as principais “forças sociais comprometidas com a democratização da escola pública” (Veiga, 2001, p. 62). O diálogo contínuo entre escola, família e comunidade caracteriza a concepção emancipatória da educação e o produto dessa relação é a construção de uma escola melhor para todos. Dessa forma, é importante ressaltar que a participação de todos os membros da comunidade escolar na construção do PPP reflete o compromisso em buscar as transformações que se pretende fazer na escola e na sociedade. É preciso, portanto, buscar a resolução dos conflitos que permeiam as relações entre os sujeitos da escola para que se efetive o exercício da gestão democrática. De acordo com Veiga, concluímos que A palavra participação tem uma conotação forte, dinâmica, prática e comprometida, implicando a compreensão do que é ser sujeito. Nessa linha de reflexão cabe superar 109 Entende-se por comunidade escolar o conjunto de pessoas que participam, de alguma maneira, do processo educativo da escola. É o "corpo social" da escola, formado por: Alunos, Pais/Responsáveis, Servidores, Orientação educacional, Professores e Direção. Numa visão mais ampliada do conceito, incorporam-se nele os representantes de associações de bairro, sindicatos ou entidades comunitárias, desde que sejam atuantes no bairro/região em que a escola está situada. De uma forma geral, a comunidade escolar é um conjunto de segmentos que se relacionam sob o mesmo objetivo: participar ativamente do processo educativo de uma instituição de ensino. 10 as relações competitivas e autoritárias que impedem a vivência democrática e a resolução das tensões de forma criativa. (2001, p. 60). 2. 4 Os conflitos que permeiam a construção do PPP Apesar da orientação democrática e participativa, sugerida na LDB, na prática a realidade é bem diferente. Políticas educacionais centralizadoras e autoritárias provocam situações de conflito ideológico dentro das escolas. Situações essas, repletas de ações antidemocráticas que inviabilizam a construção de uma escola independente, projetada para gerir democraticamente suas atividades. Nesse contexto, encontramos processos altamente burocráticos, caracterizados por normas e regulamentos excessivos que dificultam a agilidade e a continuidade das propostas e, ainda, as relações de poder que permeiam as estruturas das instituições e impedem a construção de um projeto em parceria com toda a comunidade escolar. Para Lima “a direção coletiva que se quer dar é muito complexa, esbarra em conceitos e práticas, que deixam de ser consensuais e tornam-se conflituais” (2000, p. 194). O autor adverte ainda que “há sempre, nas organizações escolares ou não, um relacionamento de poder. Uma relação, portanto, repleta de conflitos embora haja uma busca constante pelo consenso[...]”. (2000, p. 194). Vivemos numa sociedade, numa organização em que obedecemos a um padrão de hierarquia. Estamos longe, é claro, de uma organização perfeita. Uma vez que a escola reproduz as características sociais, é preciso problematizar a elaboração do projeto da escola de forma democrática, pois, havendo a hierarquia o projeto não é apresentado para discussão, ele é apresentado para uma formalização, pois se a organização decide com hierarquia, nessa hierarquia alguns tem o poder e o saber de conceber, e outros têm o poder de executar. Portanto, alguns concebem, alguns elaboram o Projeto Político-Pedagógico e outros o executam. (LIMA, 2000, p. 197) Segundo o autor, só podemos resolver esses conflitos “se superarmos a fragmentação que a hierarquia causa nas funções, nos cargos, nas pessoas” (2000, p. 197). Ele explica ainda que a hierarquia, à qual nos submetemos, é impregnada de poder. “Porém, o poder não é uma força qualquer, num determinado local, o poder é criado pelos homens. O poder pode ser questionado e partilhado a partir do momento em que o administrado, o planejado questione seu papel e diga não”. (2000, p. 198). 11 O autor pondera que da mesma forma que o homem existe antes da organização, a organização existe antes do poder, ou seja, para que haja um administrador é preciso haver um administrado. O poder existe por que existe a organização e não o contrário. Nessa perspectiva, entendemos que o poder não deve ser centralizado, ele deve ser compartilhado e, somente a partir dessa “divisão de poderes”, é que a hierarquia perde suas forças e sua rigidez. “Neste sentido, não existe um poder onipotente, existe um poder delegado ao administrador, mas existe também o poder daquele que executa.” (LIMA, 2000, p.198). As questões que envolvem as lutas de poder só podem ser amenizadas quando entendemos o poder das forças individuais e coletivas dos envolvidos no processo educativo e, principalmente, por meio do posicionamento e comprometimento de cada um. Reportemo-nos às palavras de Lima quando ele complementa à medida que expomos as nossas possibilidades, as forças vão se compondo, entrando em conflito, se clareando, fazendo oscilar o poder. Quando oscila o poder, oscilam com certeza, o índice burocrático e o status da hierarquia. A organização então passa a ser questionada. (LIMA, 2000, p. 198). Pode-se entender, então, que a participação é a forma de fazer oscilar o poder. É necessário, todavia, que os membros da comunidade escolar se reconheçam como agentes ativos do processo e, ainda, que os gestores assumam a responsabilidade de se fazer cumprir a função social da escola para a qual devem trabalhar independentemente de suas individualidades, apoiando-se na coletividade como pilar de sua gestão. Enfim, há uma frase de Lima que resume todo o exposto: “a história pode mudar se acreditarmos que o poder está em nós”. (2000, p. 199). A mudança depende de nós acreditarmos que podemos mudar! A possibilidade de mudança está em nossas mãos, mas é preciso acreditar nas nossas forças individuais e reconhecer que no coletivo, somos ainda mais fortes. 2. 5 PPP: mais que um documento, um instrumento. A elaboração do PPP não deve ser, no entanto, vista apenas como mera formalidade e obediência à LDB. Não se trata de apenas cumprir uma lei. A comunidade escolar deve entender o PPP como um instrumento que permite a atuação de todos os envolvidos como sujeitos participativos e construtores da história da instituição. É um documento que permite o desenvolvimento e o exercício da cidadania e pela importância de seu significado e de suas 12 implicações para o funcionamento da escola, merece que sua elaboração e execução recebam o devido valor. O projeto pedagógico vai além do cumprimento normativo e não se resume apenas ao plano de desenvolvimento da escola, uma vez que “esse último cumpre apenas o lado formal e técnico do projeto” (Veiga, 2001 p. 54). Sobre a importância do PPP, Lima enfatiza que “um Projeto Político Pedagógico não acontece porque assim o desejam os administradores, mas porque nos preocupamos com o destino das nossas crianças, da escola e da sociedade, e ansiamos por mudanças”. (2000, p. 190). Nas palavras de Veiga “para que a escola possa exercer suas incumbências, definidas pela legislação, ela deverá ser estatal quanto ao funcionamento, democrática quanto à gestão e pública quanto à destinação”. (2001, p. 55). Para a autora, o maior desafio da escola é garantir um padrão de qualidade que, além de respeitar a diversidade local, social e cultural deve, principalmente, entender que “o aluno é o sujeito concreto, real, histórico, social e ético do processo educativo”. (2001, p. 56). A escola não se destina a um sujeito específico e sim a todos, no entanto, essa perspectiva engloba aspectos que envolvem também a subjetividade e a individualidade dos sujeitos que se pretendem formar. Dessa forma, o objetivo de alcançar um alto padrão de qualidade - que só será possível por meio da democracia - e garantir a formação de sujeitos transformadores vai além do caráter formal. Por isso, construir o PPP da escola não é apenas produzir um documento. Ele é um instrumento que direciona para mudanças, não é apenas um papel. Porém, para construí-lo é preciso ter claro o seu significado e o objetivo que se pretende alcançar por meio dele, e mais, entende-se que a elaboração desse projeto implica ter consciência do valor que representa a “participação” nesse processo de transformação. Veiga, enfim, reitera que o projeto pedagógico se constitui “na consolidação de um processo de ação-reflexão-ação que exige o esforço conjunto e a vontade política do coletivo escolar”. (2001, p. 56). 3 A concretização e os resultados da Pesquisa Atendendo ao edital 013/2012 (Pesquisa em Educação Básica – Acordo Capes-FAPEMIG) o grupo de Pesquisa GPEDE/UFU desenvolveu um projeto denominado “A Participação da Comunidade na Gestão Democrática da Escola em prol da qualidade de ensino: o Projeto Político Pedagógico em questão”. Esse projeto teve como objetivo principal conhecer e compreender a realidade da gestão escolar e buscar ressignificar conceitos e práticas no cotidiano educacional, de um modo mais específico, a construção coletiva do 13 Projeto Pedagógico e sua relação direta com a qualidade da educação, bem como contribuir para a efetivação do direito à educação básica com qualidade social sob o panorama da educação para a cultura e a diversidade. Em uma das fases do projeto, acompanhamos o desenvolvimento da pesquisa realizada em duas escolas públicas sendo elas: EMEI Marta Helena situada em Uberlândia e E. E. Isolina França situada na cidade de Araguari. A pesquisa de cunho qualitativo procurou perceber, por meio de debates, qual a concepção de participação que a comunidade escolar tinha e como era desenvolvido o processo de elaboração do Projeto Político Pedagógico naquelas escolas. Foi possível identificar modos diferentes de organização nas duas escolas, tanto no que diz respeito aos aspectos ideológicos quanto em relação às ações administrativas. Na escola Estadual Isolina França, tivemos a participação de poucos cursistas desde o início do projeto. Esse número foi reduzido a quatro no fim da pesquisa. Esse fato, por si só, mostra que dentro da escola poucas pessoas se interessam pelo assunto ou talvez não acreditem que essa ação seja eficaz para solucionar os problemas da escola. Durante as reuniões que fazíamos mensalmente na escola (Isolina França), discutimos sobre o conceito e aplicabilidade da gestão democrática e a questão da participação da comunidade escolar nos processos decisórios. Esteve claro, desde o primeiro encontro, que a direção da escola não está livre das influências do modelo de escola tradicional, burocrática e conservadora. Não houve um envolvimento efetivo da direção da escola na pesquisa. Durante os questionamentos sobre participação, a fala da diretora expressou um comportamento de quem não acredita que os ideais democráticos possam ser concretizados no interior da instituição de ensino. Para tanto, foram apresentados diversos motivos como: falta de interesse da comunidade em participar dos assuntos da escola; falta de recursos para atender aos interesses dos estudantes e corpo docente; falta de uma legislação específica que obrigue a efetivação da participação, entre outros. Quanto à elaboração do Projeto Político Pedagógico, a direção da escola relatou que não há participação da comunidade escolar por falta de interesse dos mesmos e que esse documento seria produzido por mera burocracia, em atendimento ao disposto na lei. Ficou evidente, para nós pesquisadores, que na escola Isolina França, a gestão democrática não está sendo consolidada em função da ideologia dos membros da escola, que não admitem a importância da participação para a construção da democracia, e, portanto, limitam-se a cumprir protocolos e apenas “deixar o barco correr” em detrimento a uma postura mais crítica que venha colaborar com a mudança de atitudes e consequentemente com os rumos dessa instituição. 14 Durante os debates os professores mostraram certo interesse de colaborar, de participar da elaboração do PPP, porém, uma vez que não há a vivência democrática nessa escola, essa participação não se efetiva. Os professores e colaboradores se contentam apenas em dar opinião e serem ouvidos, porém, a tomada de decisão concentra-se absolutamente nas mãos da direção que determina os rumos da escola de acordo com os seus ideais e apenas com a finalidade de cumprir à lei. Na escola Municipal Marta Helena, porém, foram notados aspectos diferentes quanto à participação da comunidade escolar. Foi possível perceber claramente que os funcionários e corpo docente têm interesse em participar dos processos da escola e conhecem seus direitos, bem como se consideram capazes de colaborar para o êxito das ações educativas da escola. Uma evidencia disso é que o número de participantes na pesquisa foi surpreendente. Ao mesmo tempo, a postura da direção da escola é bem diferente do que observamos na escola Estadual Isolina França. Durante os debates (na EMEI) a palavra participação foi citada inúmeras vezes pelos cursistas e foram apontadas as dificuldades no que diz respeito à implantação de uma política mais democrática e participativa na escola. Dentre os apontamentos o que mais chamou a atenção foi o fato de que a comunidade dessa escola acredita na participação como caminho para a construção de uma escola que atenda aos interesses da comunidade. Segundo os participantes da pesquisa, é por meio de uma gestão democrática que a escola alcançará elevados níveis de qualidade no ensino. Porém, na fala dos participantes foi possível notar que apesar de perceberem a importância da participação, e apesar da direção da escola não se contrapor a ela, ainda assim há mudanças que devem ser feitas dentro da escola para garantir a participação de todos e em todos os assuntos. Foi apontado como maior empecilho a questão da burocracia e das relações de poder que envolvem a administração da escola. Segundo os cursistas eles querem participar, mas, existem entraves que os impedem e que ultrapassam o âmbito da direção da escola. Para alguns dos participantes, a democracia só existe no papel, pois na prática, ela não acontece de fato. Todavia, na escola municipal é que encontramos o maior número de pessoas que acreditam ser possível construir uma escola democrática e com qualidade de ensino. Quanto ao PPP, a direção da escola propõe mudar a forma como vem sendo conduzida sua elaboração. Desde que assumiu a administração da escola, o projeto pedagógico não fora revisado e nem reelaborado e, até aquele momento, não havia intervenção dos docentes nesse processo, ficando eles apenas incumbidos de efetivar o que foi proposto. 15 Acreditamos que as discussões e a teorização que nosso grupo de pesquisa proporcionou, durante esse projeto, poderão colaborar no processo de construção participativa do Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Marta Helena - diferentemente da escola Isolina França que não manifestou interesse por mudanças - pois nossa intervenção representou no mínimo um pontapé inicial para novas posturas e conceitos e, uma vez que os ideais democráticos já estavam formados dentro daquela instituição, bastaria apenas um impulso para que fossem concretizados. Sabemos, pois, que a democracia deve ser vivenciada dia a dia, e que não se trata apenas de querer ser democrático, participativo, é preciso ser. Não é de um dia para o outro que a escola consegue mudar, pois existem forças que se inter-relacionam e que podem comprometer a efetivação de um ideal democrático. Diante do que discutimos nas escolas foi possível observar que apesar de ouvirmos incessantemente que é preciso participar, que temos o direito de participar, na prática isso não se concretiza. Se por um lado sabemos o valor da participação, por outro lado temos arraigados a cultura da renúncia e da obediência aos mais poderosos. Ainda que saibamos que nós temos o poder de mudar os rumos de uma escola, há uma força que nos obriga a permanecer inertes e que nos coloca na posição de meros observadores do processo. Tanto na escola estadual quanto na escola municipal em que realizamos a pesquisa notamos que todos sabem o que é democracia, poucos são os que não acreditam em sua eficácia. A maioria acha positivo que se efetive a gestão democrática, no entanto, duvida que seja possível implantar essa ideologia na escola. Portanto, a participação é algo que podemos classificar como “ideal”. A ideia é que ela exista e que seja eficaz, mas, na prática essa palavra perde o significado. Apesar das dificuldades de se implantar uma gestão democrática dentro das escolas públicas, prevalece em nós a esperança de que todos os envolvidos no processo educativo tenham, pelo menos dentro de si, o desejo de mudar, pois, de mecanismos para efetivar as mudanças na educação nós já dispomos, mas, o desejo esse é pessoal e sob o qual não temos nenhum acesso. Considerações Finais Enfim, o processo de democratização, pelo caráter de sua essência, não se faz instantaneamente, nem de forma linear ou em harmonia com as ideologias envolvidas. De qualquer forma, toda e qualquer mudança gera conflitos e, a implantação de uma escola democrática, independente e autônoma, como proposto na LDB, não seria diferente. Quando 16 se trata de coletividade é possível supor que haja a presença de tensões e lutas de poder, porém, as divergências devem ser administradas em prol de um objetivo maior. Muitos são os desafios para atender às orientações dos documentos oficiais de ensino no que diz respeito à questão da participação, e talvez poucas sejam as tentativas de contrapô-los. A escola prefere muitas vezes manter-se inerte, porque mudar exige muito esforço. A própria cultura do nosso país capitalista sugere a luta de poder e a hierarquia das classes, bem como a exclusão dos alunos do processo educativo. Por isso, o caminho a percorrer em prol de uma educação de qualidade é árduo e encerra uma série de mudanças, posicionamentos e principalmente muita dedicação e compromisso. Assim, uma escola que consiga superar os conflitos gerados pela burocracia e pelas relações de poder e desenvolva um projeto educacional democrático e participativo, conseguirá alcançar a qualidade no ensino e, somente dessa forma é possível transformar a sociedade e promover as mudanças que buscamos para nosso país. Em função dessa “finalidade transformadora” da escola é que se deve construir um Projeto Político Pedagógico de forma participativa. É importante reafirmar que a elaboração e execução do PPP não devem ser feitas por mera exigência de origem administrativa. Para Veiga(1998), o projeto pedagógico de uma escola é mais que um plano ou um documento que fala das diretrizes educativas da escola, ele, de certa forma, é “um produto específico que reflete a realidade da escola, situada em um contexto mais amplo que a influencia e que pode ser por ela influenciado". Por esse motivo, o Projeto Político Pedagógico deve ser flexível, ajustável e contínuo, de forma que se adapte às necessidades da comunidade e dos alunos. Contudo, a função da educação é contribuir para a melhoria da sociedade. A democracia começa no interior da escola e deve estar presente nas atividades cotidianas mais simples desde a elaboração de seu plano de trabalho, pois, não é possível ensinar democracia, é preciso vivenciá-la dia a dia. A escola deve, portanto, garantir a participação de toda a comunidade escolar nos processos decisórios e é obrigação de todos os envolvidos mobilizarem-se para seja construída uma “nova escola”, que atenda aos interesses de toda a comunidade, que transforme a sociedade e que cumpra os parâmetros legais de unidade, igualdade e gratuidade. REFERÊNCIAS: ARANDA, Maria Alice de Miranda. Projeto Político Pedagógico da Escola: Uma abordagem teórica. In: Freitas, Dirce Nei Teixeira de.; Fedatto, Nilce Aparecida da Silva Freitas (orgs). 17 Educação Básica: Discursos e práticas politico-normativas e interpretativas. Dourados, MS: Editora UFGD, 2008. p. 177 – 193. ______. O Projeto Político Pedagógico e o Projeto Pedagógico: Algumas Considerações teórias e práticas. Revista Arandu, Dourados/MS, Ano 6, Nº 23, p. 61 – 67, fev./abr. 2003. ______. Projeto Pedagógico e Plano de Desenvolvimento da Escola: Buscando a distinção. 2001. 57 f. Monografia (Especialização em Educação). Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Dourados, Mato Grosso do Sul. LIMA, Antonio Bosco de Lima. Projeto Político-Pedagógico: relacionamento de poderes. In: Línguas e Letras. V.1, jan./jun. 2000. p. 189-200. PARO, V. H. Participação da comunidade na gestão democrática da escola pública. In: Gestão democrática da escola pública. São Paulo: Àtica, 1997. P. 15-27. VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Projeto Político Pedagógico: Novas trilhas para a escola. In: Fonseca, Marília (org). As dimensões do Projeto Político Pedagógico. Campinas, SP: Papirus Editora, 2001. p. 45 – 66. 1 PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA E O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO COMO EXERCÍCIO REAL LIMA, ANTONIO BOSCO DE RAIMANN, ELIZABETH GOTTSCHALG PRADO, JEOVANDIR CAMPOS DO 1. Introdução Considerando que a escola é uma organização complexa e que no seu interior prevalecem relações de poder, conforme analisa Tragtenberg (1978 e 1985); considerando que a elaboração de um Projeto Político Pedagógico (PPP) de uma instituição escolar, para além de sua função burocrática expressa relações conflituais e não consensuais (LIMA, 2000); considerando que ao se decidir por uma participação coletiva e democrática na elaboração do PPP, esta se torna complexa diante dos diferentes conceitos e práticas que precisam ser negociados; este artigo busca problematizar as categorias participação e Gestão Escolar Democrática no processo de elaboração do PPP de uma determinada escola municipal de educação. A problematização aludida localiza-se no contexto de um projeto110 extencionista desenvolvido junto a uma Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) da rede municipal de Uberlândia/MG, na qual buscamos instrumentalizar de forma teórica e prática a Comunidade Escolar111 (CE) na elaboração coletiva de seu Projeto Político Pedagógico. As temáticas abordadas durante o processo foram escolhidas tanto pela CE quanto pelo Grupo de Pesquisa Estado, Democracia e Educação (GPEDE). Dentre os temas112 selecionados, a participação e a Gestão Escolar Democrática (GED) estiveram presentes articulados ao cotidiano escolar. Universidade Federal de Uberlândia (PPGED/UFU). Doutor em Educação. CNPq e FAPEMIG. Universidade Federal de Goiás (UFG/Jataí). Doutora em Educação. CNPq e FAPEMIG. Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Doutorando em Educação. Bolsista CAPES. 110 Projeto que atendeu ao edital n° 13/2012 – Pesquisa em Educação Básica- Acordo CAPES/FAPEMIG, 20132015, sob a coordenação de Antonio Bosco de Lima, Universidade Federal de Uberlândia, e desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Estado, Democracia e Educação (GPEDE). 111 A CE se caracterizou pela direção, professoras, educadoras infantis, agentes de serviços gerais e responsáveis. Os profissionais e funcionários da educação são do gênero feminino. 112 Os textos estavam relacionados a construção do PPP, envolvendo a participação, a democracia, gestão escolar democrática, a qualidade da educação, aspectos pedagógicos da organização do trabalho educativo. 2 Diante disso, considerando o roteiro de avaliação113 entregue aos participantes no final do projeto, intitulado: “A participação da Comunidade na Gestão Democrática da Escola em prol da qualidade de ensino: o Projeto Político Pedagógico em questão”, o qual teve como eixo orientador a importância da participação de todos da CE na elaboração do PPP e na gestão e organização do trabalho da escola, três são as questões orientadoras deste artigo, sendo elas: a) É possível promover a participação democrática na sua escola? b) A sua participação tem relevância na elaboração do PPP da escola? c) Qual a importância de sua participação na gestão e organização da sua escola? Respondendo a estas questões a seguir, situaremos no primeiro momento a discussão em torno da Gestão Democrática e da Gestão Escolar Democrática apresentando como ela é percebida na realidade concreta da EMEI e como pode ser idealizada, tomando como exemplo concreto um fragmento do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) do cu