Austregésilo
de Athayde
C ulto da Im o r t a l ida de
Athayde: 110 anos
M u r i lo M e l o Fil h o
Ocupante da
Cadeira 20
na Academia
Brasileira de
Letras.
S
e tivesse conseguido viver até agora, Belarmino Maria Augusto
Austregésilo de Athayde estaria completando, justamente neste 2008, nada menos de 110 anos de idade, porque nascido no dia
25 de setembro de 1898, na cidade pernambucana de Caruaru.
Tinha assim apenas um ano a menos do que esta nossa Academia,
fundada em 1897, e que ele presidiu durante 33 anos, porque, eleito
seu presidente no dia 26 de dezembro de 1960, só deixaria de sê-lo
ao morrer, a 13 de setembro de 1993, faltando apenas 12 dias para
completar 95 anos de idade.
Quando a morte sobreveio, já esperava por ela, embora aparentasse o contrário. Costumava dizer-me:
– Murilo, infeliz é quem não morre, porque viver também cansa.
E acrescentava:
– Na minha idade, já não faço mais amigos novos. Os jovens gostam de mim, mas me tratam a distância, como se eu fosse um pajé. É
que fui amigo dos seus avós e até bisavós.
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– Considero-me um jovem, amigo dos moços, sem nunca ter tido uma idéia
própria de velho. As novas gerações vão passando e eu vou ficando. Ao chegar
a esta incomum idade de 95 anos, sei que a minha vida algum dia vai terminar.
E é mais do que natural que assim seja, pois já foi um grande privilégio meu
chegar até aqui.
– Quando o homem morre, extingue-se com ele o Universo em que viveu,
que o fez sofrer e amar. Não tenho nenhum medo da morte. Nenhum mesmo.
Certamente, Athayde estava confiando na longevidade dos seus pais, porque, entre outros atributos, tinha uma saúde de ferro.
Aos 95 anos de idade, sentia-se como um menino de 20.
Nunca havia tirado um dia de férias ou faltado a um só dia de serviço, trabalhando 12 horas diariamente, cumprindo todos os seus compromissos sociais
e atendendo numa só noite a dois ou três convites.
Uma família admirável e unida
E concluía:
– Minha família sempre foi admirável e unida: minha mulher, Maria José;
minha filha, Laura; meus filhos, Antônio Vicente e Roberto José; meu genro,
Cícero; meus netos e netas; e minha dedicada secretária, Dona Carmen, que
constituem o meu enorme e inestimável patrimônio.
Athayde passou a infância no seu Ceará, como coroinha das missas na igreja
da Cidade de Cascavel. Seu passo seguinte foi ingressar no Seminário da Prainha, em Fortaleza, aos 12 anos de idade, estudando Teologia até o terceiro
ano, mas deixou a batina antes de receber a tonsura e ser ordenado sacerdote, e
recebeu o seguinte conselho do reitor:
– Você não tem vocação para o sacerdócio. Aconselho-o a ser jornalista.
Athayde passara, assim, como seminarista, pela mesma experiência do Presidente Juscelino Kubitschek, do Ministro Roberto Campos, dos Governadores Paes de Andrade e Tarcísio Burity, dos nossos Acadêmicos Antonio Olinto e Carlos Heitor Cony, dos jornalistas Irineu Guimarães e Sebastião Nery.
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Athayde definia-se como um católico na infância e na juventude e um agnóstico na maturidade e na velhice. Afirmava acreditar em Deus, mas queria
ter d’Ele uma prova pela razão, como Ernest Renan, e não pela fé, como os padres lazaristas do Seminário de Fortaleza.
Sem saber ainda se aquela previsão do reitor era certa ou errada, Belarmino
tomou o navio Pará, e dele desembarcou na Praça Mauá, sem saber para onde
era a Zona Sul ou a Zona Norte da cidade.
Iniciação no Rio
Segue-se a sua iniciação no Rio, quando o tio, o médico e Acadêmico Antônio Austregésilo, talvez numa premonição do seu futuro, o introduz no meio
dos acadêmicos da época: Alberto de Oliveira, Medeiros e Albuquerque, Manuel Bandeira, Miguel Couto, Domício da Gama, Gilberto Amado, Graça
Aranha e Ribeiro Couto.
Trava aí uma polêmica com Antônio Torres e apóia a campanha presidencial de Rui Barbosa. Aproxima-se de Assis Chateaubriand, remando os dois na
Baía da Guanabara e, juntos, “paquerando” as moças na Praia de Copacabana.
Ensina latim e português, citando poetas franceses, ingleses e espanhóis,
além do Novo e do Velho Testamento, que se gabava de conhecer todinhos,
de cor e salteado.
Athayde trabalha então nos jornais A Tribuna, como secretário; em seguida,
no Correio da Manhã, como crítico literário; em O Jornal, como diretor; além do
Diário de São Paulo, O Cruzeiro e Jornal do Commercio. Fundou a cadeia dos Diários
Associados, ao lado de Assis Chateaubriand, sobre o qual dizia:
– Eu ficava assombrado e pasmo ao ver aquele homem baixinho no turbilhão de suas ações estabanadas, capaz de remover obstáculos, como se fosse
um trator, usando muitas vezes métodos que eu condenava.
Ganha dinheiro na loteria e compra uma ilhota em Itacuruçá, onde instala
um observatório astronômico, afirmando:
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– Sou o segundo acadêmico a ouvir os astros. O primeiro foi Olavo Brás
Martins dos Guimarães Bilac, com um bonito soneto, onde verseja: “Ora (direis) ouvir estrelas”. E abro as janelas, “pálido de espanto”.
O casamento
Athayde apaixona-se por Maria José (Jujuca), 17 anos mais moça do que
ele. Chatô foi à presença da futura sogra, mãe da noiva, e, sem muita autoridade moral, mas com aquele seu sotaque característico, faz-lhe uma recomendação:
– Dona Laura, eu posso até ser mulherengo. E sou. Mas lhe garanto que o
caboclo Athayde é um cabra da peste, sertanejo muito bom.
Athayde participa da Revolução Tenentista de 30. Envolvido na Revolução Constitucionalista de 32, é preso e exila-se em Lisboa, Madri, Paris e Londres, embarcando aí num navio direto para Buenos Aires, porque estava impedido de fazer escala no Rio de Janeiro.
Graças à interferência do chanceler Afrânio de Melo Franco, consegue
uma licença especial para vir ao Brasil e casa-se com Maria José, dia 12 de
julho de 1933, numa união destruída somente pela morte, 60 anos depois,
em 1993.
Redobra aí o seu combate a Getúlio, ao DIP, ao Estado Novo e agora, também, aos ditadores Stalin, Hitler, Franco e Mussolini.
Vai aos Estados Unidos, para fazer a propaganda do café brasileiro, então
em crise. Entrevista Herbert Hoover, Nelson Rockefeller, Henry Ford, Sinclair Lewis e Dorothy Parker.
Acompanha a Segunda Grande Guerra: invasão da Polônia, queda de Paris,
bombardeio de Londres, a FEB na Itália, capitulação do Eixo, derrubada de
Getúlio em 1945 e a 3.a Assembléia Geral das Nações Unidas, realizada na
França, no ano de 1948, em cuja Terceira Comissão colabora na elaboração da
Declaração dos Direitos do Homem, com Eleanor Roosevelt, o libanês Charles Malek, o soviético Ivan Pavlov e o francês René Cassan.
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Essa Declaração Universal dos Direitos do Homem foi solenemente assinada no Palais de Chaillot, com a presença do presidente francês, Vincent Auriol, dia 10 de dezembro de 1948, há 60 anos, portanto.
Mais ainda: Athayde é o orador oficial da solenidade e recebe elogios do
presidente Jimmy Carter e de René Samuel Cassan, o jurista e diplomata de
origem judaica, Prêmio Nobel da Paz de 1968.
Avista-se em Paris com Paul Reynaud, Robert Schuman, Georges Bidault,
Paul Spaak, Georges Duhamel e François Mauriac, sendo recebido no Vaticano pelo Papa Pio XII, com o qual conversou em francês e em latim.
Recebe o Prêmio Maria Moors Cabot na Universidade americana de Columbia.
O candidato à ABL
De volta ao Brasil, Athayde acompanha a sucessão presidencial de 1950,
com a vitória de Vargas, e candidata-se à Academia Brasileira de Letras, sendo
eleito logo no primeiro escrutínio, no dia 9 de agosto de 1951, para a Cadeira
8, e toma posse três meses depois, dia 14 de novembro. É sucedido por dois
Antônios: o Callado e o nosso Olinto.
Aí reaproxima-se de Getúlio, que muito combatera e cujo suicídio abre vaga
para Chateaubriand aqui se eleger.
Escreveu mais de 10 mil artigos para os Diários Associados, vangloriando-se
de ser, então, o mais antigo jornalista na ativa em todo o mundo. E acrescentava:
– Como jornalista vocacionado, fiz literatura. Sou e quero ser sempre jornalista, intérprete do Tempo e profeta do Futuro.
E mesmo ressalvando que não pensava em ser um escritor propriamente
dito, produziu um livro de contos: Histórias Amargas; um romance: Quando as
Hortênsias Florescem; três livros de crônicas: Alfa do Centauro, As Conversas da Barbearia Sol e Vana Verba, além dos ensaios: A Influência Espiritual Americana, Fora da
Imprensa, Mestres do Liberalismo, Dom Pedro II, A Cultura do Brasil e Epístola aos Contemporâneos.
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No dia 26 de dezembro de 1960, toma posse na presidência desta Academia, onde ficaria até morrer em 1993, ao longo de 33 anos ininterruptos, três
vezes mais do que os 11 anos da presidência de Machado e os 10 anos da presidência de Rui.
Franco e culto
Austregésilo era um homem franco, sincero, espontâneo, culto e enciclopédico, de uma conversa fluente e agradável, não raro cética, ao estilo do filósofo
grego Pirro, do filósofo francês Bayle e do filósofo escocês Hume.
A vida de Athayde, no seu mundo spengleriano e na sua patriarcal liderança,
está retratada, com correção e autoridade, nas 800 páginas do livro Athayde, o
Século de um Liberal, escrito a quatro mãos pela sua filha Laura e pelo seu genro,
Cícero Sandroni, que é também um dos seus sucessores na presidência desta
Casa, onde, aliás, se vem conduzindo com tanta eficiência e com tanta competência.
Como ocupante dessa mesma Cadeira onde Cícero agora está sentado,
Athayde atravessou os governos de Juscelino, Jânio, Jango, os 21 anos da
ditadura militar, as presidências de Sarney, Collor e Itamar. Assistiu à sucessão de 56 acadêmicos e presidiu a posse de todos os seus substitutos.
Certo dia, Athayde estava completando 90 anos. E recebia os cumprimentos
do Acadêmico Oscar Corrêa, que completava 70 anos e lhe disse o seguinte:
– Faço votos para que nos próximos dez anos possamos comemorar o seu
centenário.
E Athayde respondeu:
– Meu caro Oscar, não sei por que não. Afinal de contas, você ainda está tão
jovem e tão saudável.
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Mordido por um cão
Quem conta a seguinte história é a nossa secretária, D. Maria Carmen de
Oliveira:
Certa manhã, Athayde foi mordido pelo seu cachorro de estimação. E procurou vaciná-lo no posto da Rua do Rezende, onde foi atendido por uma enfermeira, que pediu o seu nome:
– Austregésilo de Athayde.
– Ostregéssi do quê? Isto é nome de gente? Escreva aqui o seu nome inteiro.
Meu senhor, arranje um nome melhor. Apesar de velho, o senhor ainda está em
tempo de trocar de nome. Não perca essa chance.
Presidindo uma reunião das quintas-feiras, Athayde convidou os acadêmicos a visitarem as obras de construção do Mausoléu no Cemitério de São João
Batista. E anunciou:
– Está muito bonito, vistoso, com mármore branco, espaçoso e agradável.
Acadêmicos mais idosos entreolham-se, assustados. Levi Carneiro tosse
nervosamente. Aníbal Freire pressiona o estômago. Álvaro Moreyra força um
espirro, aparentando estar gripado. Múcio Leão e Manuel Bandeira levam a
mão ao peito, como se uma dorzinha os incomodasse. Athayde volta à carga:
– Está aberto o voluntariado. Quem se habilita?
E Peregrino Júnior, afinal, reage, incisivo:
– Nesta, Presidente, não conte comigo. Estou fora.
Numa visita ao mausoléu
Na companhia de Athayde, o governador Moreira Franco estava certa tarde
em visita ao nosso Mausoléu. E querendo ser gentil, comentou:
– Está tudo muito simples, sóbrio e solene. Só está um pouco quente, sem
janelas e ventilação. Quem sabe, Athayde, se você não poderia abrir umas janelas, para refrescar um pouquinho?
E Athayde, apontando para os sepulcros:
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– Pois é, governador. Deles todos, até hoje, não recebi nenhuma queixa.
Quando morreu o Acadêmico Orígenes Lessa, Athayde telefonou:
– Meu caro Lêdo, chegou a sua hora. Cuide de candidatar-se.
– Mas, Presidente, eu já tentei várias vezes e não consegui.
– É que, nas vezes anteriores, você não era meu candidato. Mas agora é e já
tem mais de 30 votos certos. Outra coisa: vá para o seu sítio de Teresópolis e
só volte na véspera da eleição. Até lá, só abra a boca para beber água e escovar
os dentes.
Cumprindo o conselho, Lêdo, com 37 votos, foi consagrado unanimemente.
Um edifício com seu nome
A maior realização de Athayde, nesta ABL, foi conseguir a doação do terreno vizinho aqui do Petit Trianon, ocupado pelo Pavilhão Britânico durante as comemorações do Centenário de nossa Independência, em 1922, e que
foi depois a sede do Tribunal Federal de Recursos, antes da transferência da
Capital para Brasília, onde se transformou no atual Superior Tribunal de
Justiça.
Lutou durante quase 20 anos pela construção deste bonito prédio de 33 andares, que foi, em seguida, batizado com o seu nome, por proposta do Acadêmico Evaristo de Moraes Filho.
Pode-se imaginar a sua emoção ao inaugurá-lo no dia 20 de julho de 1979,
nos 82 anos de idade desta Academia, quando ele, entre outras coisas, disse o
seguinte:
– Sempre sonhamos com este Edifício. Agora, podemos olhar de frente o
nosso destino, na certeza de que a nossa Academia será doravante uma Instituição sólida e independente e uma referência importante na vida cultural do
Rio de Janeiro e do Brasil.
– E quando, sobre as gerações de hoje, baixarem as sombras, então será possível, aos que vierem depois de nós, dizer estas palavras consoladoras: a realidade é ainda maior do que o sonho.
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A realidade e o sonho de Belarmino Maria Augusto Austregésilo de Athayde reencontram-se aqui, nesta Revista, quando estamos homenageando os 110
anos do seu nascimento, nesta Efeméride, que agora concluo com uma frase do
Acadêmico Cícero Sandroni, segundo o qual:
– Assim como Machado – o bruxo do Cosme Velho – foi o grande Fundador da Academia Brasileira de Letras, Athayde – outro bruxo, também do
Cosme Velho – foi o seu inesquecível Construtor.
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