DE MUITO BOM GOSTO
Morando em condomínio fechado nos arredores de
Nova Lima e trabalhando em dois horários em Belo
Horizonte, ela vivia correndo. Para comprar tecido
para a reforma dos sofás, por exemplo, só pôde ir à
loja à noite, mesmo assim por ser cliente antiga e o
vendedor ter prometido esperar. Como o tempo é
pouco, a pressa é muita.
Depois de dez anos com aquele estampado
desbotado no conjunto da sala, agora ela queria
uma cor viva, que realmente transformasse em
novas as velhas poltronas. Ia dar um jantar
alinhadíssimo para comemorar os 40 anos, queria a
casa linda.
- Esta cor é muito bonita, senhora. Fica alegre e
elegante – vendedor propõe.
- Adorei! – Maria Carmen resolve, apressada. Pode
cortar 30 metros, mandar pegar os sofás lá em casa
e trocar tudo.
As duas poltronas, os dois pufes e o sofá de três
lugares ficaram prontos numa quinta à noite. Pela
manhã, Maria Carmen vai admirar a sala nova.
- Não acredito no que estou vendo! – ela grita,
assustada, pedindo a presença da família toda.
Gente, corre aqui!
Simplesmente, a sala estava resplandecendo em
rosa-choque.
- Mãe, que cor horrível!
- Mas o pano era vermelho quando comprei.
Vermelho não, vinho.
- É essa mania de comprar correndo – o marido
repreende. Já falei que precisa largar esse serviço.
Não tem tempo para a família, as coisas da casa. É
isso que é mulher emancipada, mulher moderna?
Comprar sofá rosa shocking?
Imagina eu e meu chefe assentados naqueles pufes
pink conversando sobre armazenamento, grãos,
transportes...
- E o seu diretor que vem com a mulher dele na sua
festa, mãe? Você sonhando com uma promoção.
Eles vão achar o quê, de nossa família?
- A festa!!! – lembra-se Maria Carmen. Vou
suspender a festa. Telefonar para o bufê e saber se
a entrada em dinheiro que já dei serve como entrada
para uma festa daqui a dez anos.
- Deixa os sofás no sol, mãe. Quem sabe eles
desbotam... – o caçula sugere.
- Não é por nada não, mãe, mas você viu que os
espelhos das mesinhas estão refletindo o rosa em
todas as paredes?
- E o abajur vinho que a mãe trouxe da Casa do
Terror, da Disney? Vocês não acham que a sala
ficou um espanto?
- Nem tenho coragem de trazer minha sogra aqui – a
mais velha avisa.
- Nem sogra nem ninguém. Vocês estão proibidos
de trazer qualquer amigo durante o dia. Não vou
suportar ironia de galera nenhuma. A festa acaba de
ser cancelada.
- Que é isso, meu bem? – volta o marido, desta vez
calmo e paciente. Você sonhou tanto com a festa.
Vamos dar um jeito. Tiramos as mesas espelhadas e
compro outras de presentes de aniversário. Em
madeira, bem sóbrias. Separamos os pufes, as
poltronas, o sofá, colocando tudo bem longe um do
outro. Mudamos quadros, adornos...
- Não tem jeito – suspira Maria Carmen. É rosa
demais na sala. Como fui comprar pensando que era
vermelho? Com uma sala dessas, como alguém
pode sonhar com uma promoção em firma tão
sóbria?
Bem, a família passou a noite arrastando móveis,
mudando ali, tirando aqui, na briga contra o rosa. No
dia da festa, Maria Carmen, exausta, consegue estar
gloriosa à porta, recebendo os ilustres convidados.
- Deixei a sala com pouca luz porque fica um
ambiente mais aconchegante, viu gente? – ela diz,
entre sorrisos.
A mulher do chefe aproxima-se e decreta:
- Sua casa é tão gostosa, Maria Carmen! E de muito
bom gosto. Eu também adoro vermelho.
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