David Moreira da Silva e Maria José Marques
da Silva Martins – Um Primeiro Olhar
sobre um Atelier do Porto do século XX
Maria do Carmo Marques PIRES
A comunicação estruturar-se-á em três breves momentos:
··Informação sobre a formação académica dos dois arquitectos, alguns exemplos
dos trabalhos académicos e sua ligação às realizações a nível do urbanismo, tentando ler a obra realizada como uma síntese da formação académica, das teorias
urbanísticas subjacentes, das aplicações práticas conhecidas através documentos
sobre a cidade –jardim e da conjuntura político-social portuguesa.
··A análise de outra das actividades de parceria dos dois arquitectos no atelier, a
de continuidade – obras terminadas por genro e filha do arquitecto José Marques
da Silva –através da análise do edifício sede da Sociedade Martins Sarmento,
inferindo da obediência ao projecto inicial na concretização da obra ou alguns
apontamentos de cunho e iniciativa pessoais.
··A problemática colocada por duas obras distintas que envolveram o mercado
e as opções dos artistas, dois exemplos de edificações na cidade do Porto – O
Palácio do Comércio e o complexo da Sociedade Cooperativa de Produção dos
Operários e Pedreiros Portuenses/Torre Miradouro.
Os arquitectos David Moreira da Silva e Maria José Marques da Silva Martins
estiveram na génese de um dos ateliers de grande longevidade e produtividade
(1941-1996) da cidade do Porto, do século XX.
David Moreira da Silva nasceu em 1909, foi arquitecto e segundo urbanista
português, formado na Escola de Belas Artes do Porto (1921-29), frequentou o atelier
Laloux-Lemaresquier de 1931 a 1934 (onde se preparou para admissão à Escola de
Belas Artes de Paris), foi bolseiro da Junta Educação Nacional e do Instituto para
a Alta Cultura (1934). Aluno da Escola de Belas Artes (1934-39) e do Instituto de
Urbanismo de Paris (1935-39) e docente da Escola de Belas Artes do Porto, entre 1946
e 1961. Natural da Maia é filho de um importante nome ligado ao cooperativismo
português, José Moreira da Silva (um dos fundadores da Sociedade Cooperativa de
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Maria do Carmo Marques PIRES
Mapa 1
Mapa 2
Produção dos Operários e Pedreiros Portuenses e um dos responsáveis pela introdução
da produção do granito polido em Portugal), com quem trabalhou em grande parte
das obras. Em Paris, foi aluno e conviveu com Marcel Poëte, Hautecoeur, Gaston Jéze,
Louis Bonnier, Jacques Gréber, Henri Prost, François Sentenac, William Oualid.
Maria José Marques da Silva Martins, nascida em 1914, natural da cidade do
Porto, filha do arquitecto José Marques da Silva, formou-se em Arquitectura sob
sua orientação na Escola de Belas Artes do Porto, em 1943, tendo conhecido, no
círculo de trabalho de seu pai, David Moreira da Silva com quem casou e partilhou
vida e obra. Constituiu com ele um atelier cuja produção profícua não se confinou
apenas aos diversos espaços físicos de trabalho (ateliers de Fernandes Tomás, Sá
da Bandeira – Palácio do Comércio, Cooperativa dos Pedreiros), mas foi feita num
outro espaço, o existencial, através dos diálogos profissionais/pessoais tidos nas casas
números 44 e 30 da Praça Marquês do Pombal (que serviram pontualmente como
locais de trabalho frequentados por arquitectos e desenhadores), na sua quinta de
Barcelos, nas suas viagens dentro do país em trabalho, nos estaleiros das obras.
Como se pode observar nos dois mapas elaborados1, a partir de um primeiro levantamento documental ainda provisório, para este amplo período, constata-se situar-se
a maior mancha da obra realizada, nos concelhos do Norte Litoral do território,
1
Vide página 176, os dois mapas realizados no gabinete de cartografia e comunicação gráfica Joana Teixeira e Hélder
Silva, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, a partir do levantamento documental realizado pela
investigadora nos Arquivos do IMS, AHCMP, ASMS, AMAP, AGCMG.
David Moreira da Silva e Maria José Marques da Silva Martins…
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espalhando-se para o litoral/ centro e pontualmente para sul (Lisboa e Elvas), não
se encontrando aqui representados os ante-planos de urbanização e os projectos e
obras realizados para Luanda e Gabela, em Angola, e para a ilha da Madeira, assim
como a imensa obra de consultadoria deste atelier do Porto.
No mapa 1, encontram-se representados os anteplanos de urbanização elaborados
(Vila de Águeda, Moledo do Minho, Gerês, Amares, Braga, Matosinhos, Valongo,
Guimarães, Caldas das Taipas, Vila de Vizela, Barcelos, Aveiro, S. Jacinto, CaciaSarrazola, Paredes, Monte Real, Elvas, Vilar de Perdizes, Chaves) e ainda os diversos
projectos e obras realizadas em Portugal continental, englobando os diferentes tipos
de equipamentos, edifícios mistos, as habitações rurais e urbanas, o mobiliário …
No mapa 2, distinguiu-se o peso das obras de continuidade (remodelação de outros
edifícios já existentes e/ou concretização de projectos da autoria do genro e pai, o
arquitecto José Marques da Silva – em Guimarães, Barcelos e Porto), ou de raiz, a
maior parte. Quisemos com estas representações dar uma primeira imagem da imensa
e diversificada obra e do longo período de produção do atelier em estudo.
Apresentamos a imagem da capa de um álbum2 no qual se encontram diversos
trabalhos realizados por David Moreira da Silva para a Escola Nacional de Belas Artes
de Paris, desenhos de fachadas, plantas e pormenores arquitectónicos de monumentos
de referência na História da Arte Europeia (catedral de S. Pedro, Igreja do Gésu, villa
Médicis em Roma, palácio de Fontainebleau, Les Trianons …) num aperfeiçoamento
da técnica através da cópia.
David Moreira da Silva foi aluno de Jacques Gréber como podemos comprovar
pela existência de um álbum de trabalhos3 realizados no 1º ano de frequência do
Instituto de Urbanismo de Paris, e neste caso particular, observámos um dos vários
trabalhos realizados – a implantação de vários tipos de edifícios e equipamentos na
cidade de Paris. Este documento constitui prova de um facto inédito e polémico, o de
David Moreira da Silva ter sido realmente, aluno do importante arquitecto urbanista
francês e autor dos desenhos dos jardins de Serralves.
No projecto da planta do Jardim Central de Serralves podemos observar em
Gréber o predomínio de uma composição classicizante, a imposição de um linearismo
geométrico, simetria e regularidade conferidas por eixos rectilíneos que se encontram
associados, na parte baixa do jardim, a percursos curvos, numa clara ruptura com a
estrutura anterior. A zona do lago romântico, localizada numa cota inferior, contraria
a anterior organização, num espaço lido agora por traçados orgânicos de acessos
adaptados à topografia do terreno. Soluções essas adoptadas pelo atelier de Moreira
da Silva nos seus planos de urbanização além das aprendizagens adquiridas na sua
formação teórica com os criadores do conceito da cidade-jardim, com professores
e colaboradores como De Gröer (grande influenciador no urbanismo português da
década de quarenta) e do profundo conhecimento do fenómeno das cidades-jardim
2
3
IMS/DMSMJMS.
Idem.
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Maria do Carmo Marques PIRES
francesas da região parisiense (Suresnes, Stains, Drancy, Charenton, Champiggny,
Malabry …), de 19334.
No Plano de Urbanização de Águeda, David Moreira da Silva, aplicou todos
ensinamentos adquiridos numa clara linha da cidade-jardim. No plano de urbanização
da Vila de Águeda, lemos as propostas de crescimento e de transformação da vila
de modo a possibilitar o seu funcionamento, conciliando as vantagens da cidade e
do campo: ruas, espaços verdes, o esquema clássico da organização do espaço em
traçados rectilíneos a par de outros orgânicos, numa clara adaptação à topografia, a
disposição de habitações unifamiliares, a imposição do verde privado, a criação de
espaços cívicos e as grandes vias de ligação com o exterior. Como Margarida Lobo
referiu este plano é ainda importante porque […] constitui um dos casos raros […]
em que a população participa no processo de elaboração do plano […]5.
No Ante-Plano de Urbanização de Guimarães, aditamento de 1953 ao Anteplano
de 1949, como filosofia de base, os arquitectos partiram de um conjunto de directivas
já expressas na tese apresentada por David Moreira da Silva, em Paris6 e das influências
de De Gröer7, em que as premissas indispensáveis à organização da cidade foram: a
valorização do desenho da cidade e dos diferentes elementos que compõem a paisagem
urbana; a organização e vontade humanas; o respeito pela cidade histórica; a casa
individual de baixa altimetria e seus espaços verdes privados, a habitação disposta
ao longo de traçados numa clara oposição às propostas da cidade de Le Corbusier,
nomeadamente ao imóvel colectivo gigante e ao desprezo pela cidade antiga. Como
se pode observar neste ante-plano de urbanização, os arquitectos propõem a expansão
da cidade para norte, oriente, ocidente e sul, estruturando o seu futuro crescimento
a partir do núcleo urbano existente, propondo uma organização através de vias de
influência clássica (norte), eixos rectilíneos e praças, ou, pelo contrário, na zona sul
os traçados orgânicos. Na parte oriental de Guimarães, a oriente da pata de ganso
(1925, Plano de Luís de Pina) – incluiu-se um equipamento escolar, o liceu, para 1000
alunos, utilizando materiais da região, a proposta de traçados urbanos rectilíneos e
curvos com pequenos impasses em praças em U (capela, igreja, escola) ao longo dos
quais se encontram dispostas casas unifamiliares de um ou dois pisos, evitando-se a
construção em altura e respeitando sempre o centro histórico e a sua proximidade
ao Castelo. Preocuparam-se também de um modo particular com a zona a ocidente
entre as antigas estradas de Braga e Famalicão, colocando perto da Avenida Conde
de Margaride dois importantes equipamentos que na opinião de Bernardo Ferrão são
novidades absolutas em Guimarães: uma central de camionagem e um estádio Municipal8,
4
5
6
7
8
PAQUOT, Thierry – “A Cidade-jardim de Ebenezer Howard”. Revista de Urbanismo nº 343, Julho -Agosto de
2005. In Pimenta negra.blogspot. com/2005/12/cidade-jardim-de-ebenezer-howard.html. IMS/AJMS – dossiê com
informação de congressos e revistas sobre as cidades francesas na região de Paris.
LÔBO, Margarida Sousa – Planos de Urbanização. A Época de Duarte Pacheco. Porto: DGOTDU- FAUP, 1995.
MOREIRA DA SILVA, David – Les Villes Qui Meurent Sans Se Dépeupler. Thése présentée à L’Institut D’Urbanisme
de L’Universitè de Paris, le 24 Février 1939.
ADGOTDU: De Gröer Plano de Urbanização de Coimbra. DMS colaborou neste Plano.
FERRÃO, Bernardo – A Ampliação e Renovação Moderno – Monumental da Cidade (1926-1974). In Guimarães
Património Cultural da Humanidade. 2 vols. Guimarães: Câmara Municipal de Guimarães, 2002, pp. 145 – 185.
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com um parque de Jogos e um espaço arborizado que mais tarde viram reduzido. Esta
expansão para ocidente manteve a mesma estrutura de organização do espaço urbano,
com a proposta de uma certa monumentalização de espaços destinados a equipamentos
vários em unidades de vizinhança (Instituto do Bom Pastor, igreja, escolas). Como
De Gröer, propõem a casa unifamiliar individual ou geminada, de um ou dois pisos,
o espaço verde privado a par das áreas urbanas verdes, a localização dos edifícios
públicos. Neste plano, deram uma atenção particular às pré-existências e à topografia
do terreno, executando grandes vias de circulação sinuosas, eixos importantes de
ligação às estradas nacionais do Porto, Braga, Fafe, Famalicão, estabelecendo uma
envolvente pelo poente e outra pelo norte da cidade, com a vantagem de separar o
trânsito de longo curso que atravessava a cidade, cuja execução foi realizada a par
dos aproveitamentos de troços pré-existentes.
Numa escala menor, a proposta de um projecto de uma aldeia com casas de renda
barata, perto de Matosinhos numa época de saturação habitacional e de más condições
de habitabilidade. Com a preocupação de resolverem o alojamento das classes mais
desfavorecidas do concelho, realizaram um projecto para Gondim, onde demonstram
as mesmas preocupações: os traçados orgânicos adaptados à topografia e a arruamentos
pré-existentes ou não e facilitadores das novas exigências de circulação automóvel
(circunstância que revolucionou o urbanismo e arquitectura), novos traçados, espaços
públicos de convívio e equipamentos próximos das zonas habitacionais, feitas com
economia de meios, segurança, salubridade, dignidade e diversidade tipológica – numa
dignificação da habitação de famílias desfavorecidas.
A obra de urbanismo deste atelier reflecte as aprendizagens académicas dos
dois arquitectos, a aplicação dos pressupostos da cidade-jardim, muito em voga na
Europa, as aprendizagens feitas pela constante actualização de informação a par das
imposições do mercado e da conjuntura política portuguesa – a realidade nacional do
Estado Novo na habitação social, a casa portuguesa tendência nacionalista – fascizante,
monumental ou ruralizante9, num impulso que o regime dera pela lei nº 23052 de 1933
à criação de casas económicas […] casa salubre, independente, como um ninho lar da
família operária […] mais tarde em 1945, surgiram os bairros de casas de famílias pobres10.
A obra reflecte ainda a política de criação dos primeiros planos de urbanização, da
iniciativa de Duarte Pacheco enquanto Ministro das Obras Públicas numa clara
intenção de renovação das políticas urbanísticas pela efectiva criação de uma imagem
urbana com que o regime se identificasse11.
Num segundo momento, a actividade de parceria dos dois arquitectos no atelier, a
de continuidade – obras terminadas por genro e filha do arquitecto José Marques da
Silva – particularmente o caso do edifico sede da Sociedade Martins Sarmento. Aqueles
arquitectos dirigiram e concluíram obras iniciadas ou intervencionadas por Marques
9
TOSTÕES, Ana – Século XX – Panorama cultural. In BECKER, Annette; TOSTÕES, Ana; WANG, Wilfried –
Arquitectura do Século XX. Portugal. Catálogo das Exposições Deutsches Architektur – Museum, Frankfurt am Main
(1998), Centro Cultural de Belém, Lisboa (1998), pp. 205/ 218.
10 FERRÃO, ob. cit, p.167.
11 LÔBO, Margarida, op. Cit.
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da Silva, como a conclusão do Monumento ao Heróis da Guerra Peninsular, no Porto;
o edifício do prédio da rua Barjona de Freitas, em Barcelos; o edifício da Sociedade
Martins Sarmento, do Mercado Municipal e Igreja da Penha em Guimarães e no,
segundo caso, a Igreja de S. Torcato, nesta última cidade, […] espaços continuamente
repensados, acrescentados, modificados em demoras a que se prendem questões de índole
profissional, pessoal, urbanística e financeira12.
Figura 3 – Sociedade Martins
Sarmento, fachadas lateral/
norte e principal/este.
Figura 4 – Sociedade Martins
Sarmento, fachada posterior/
oeste.
Figura 5 – Sociedade Martins
Sarmento, escadaria nobre.
Na rua Paio Galvão, um edifício importante da cidade, o da Sociedade Martins
Sarmento, espaço definido por um invólucro revivalista, impõe-se pela sua monumentalidade e as suas paredes supõem fechamento, silêncio e intimidam um pouco, mas, é um
edifício forte que esconjura o tempo e tranquiliza13. Numa época de intensa actividade
do atelier, os dois arquitectos assumiram graciosamente, a participação na direcção
de obras e conclusão do edifício do mestre, cuja concepção e directrizes respeitaram e
optimizaram, de 1947 a finais da década de 60. Da análise documental se constatou a
longa colaboração e um enorme empenhamento na consecução da obra de Marques
da Silva. Respeitando o seu projecto, genro e filha materializaram a maior parte do
edifício sede: a fachada lateral Norte (figura 3), na década de 50 e a fachada posterior
(figura 4) e a lateral/sul, na década de 60. No entanto, deram um cunho pessoal no
aproveitamento e criação de espaço útil, nos acessos como foi o caso da escadaria
nobre (figura 5) e ligações às estruturas existentes, nos acabamentos através de outras
soluções e materiais de revestimento e no mobiliário.
Abordamos, agora, o nosso último ponto, duas edificações na cidade do Porto,
três programas de tempos e grafias diferentes: o Palácio do Comércio e o complexo
da Sociedade Cooperativa de Produção dos Operários e Pedreiros Portuenses/Torre
Miradouro.
Quisemos colocar aqui lado a lado dois projectos pensados para o quarteirão definido
pelas ruas de Sá da Bandeira, Fernandes Tomás, Bolhão e Firmeza, encomendados
pela Firma Ferreira & Irmãos, inicialmente ao arquitecto Viana de Lima, em 1943, e
posteriormente ao atelier dos dois arquitectos. Da análise dos dois edifícios para um
12 PIRES, Maria do Carmo Marques – David Moreira da Silva e Maria José Marques da Silva Martins: a concretização de
projectos e de aprendizagens. In Catálogo da Exposição José Marques da Silva em Guimarães. Guimarães: Sociedade
Martins Sarmento, 2007.
13 CHOAY, Françoise – L’Allegorie du Patrimoine.
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181
quarteirão perfeitamente sedimentado no tecido urbano do Porto14, nas palavras de Pedro
Vieira de Almeida, o da autoria de Viana de Lima numa linguagem Corbusiana (fenestração, na leitura horizontal da fachada, no piso térreo recuado comparativamente ao
resto do volume), de dois blocos paralelos unidos, nos seus lados mais pequenos por
um sistema de acessos, escadas colocadas frente a frente, resultando um edifício de
surpreendente modernidade15 e aberto ao exterior. O projecto inicial do edifício actualmente existente, portanto preferido, data de 1946, e resulta num volume impositivo
e fechado ao exterior de um edifício misto de habitação e comércio, numa linguagem
artes déco, com fachada movimentada pelos avanços das suas colunatas que marcam
um registo vertical e do recuo das fachadas abertas, por vãos repetitivos e pontuados
com pequenos motivos decorativos geometrizantes. Uma fachada coroada por pérgolas,
lettering e uma escultura de Henrique Moreira16, ao sabor artes déco. De acordo com
o entendimento da cidade, os arquitectos referem na sua memória descritiva e justificativa ter sido o edifício […] concebido de modo a poder contribuir, em elevado grau,
para a plena valorização estética e funcional do núcleo central citadino […] pelos nobres e
ricos materiais com que deverá a vir ser construído, não deixará de ser, para os vindouros,
um bem marcante, expressivo e dignificador Padrão da Nossa época […]17. Destinado a
comércio e habitação, tenta optimizar o aproveitamento rentável do espaço interior e,
se comparado com a disposição espacial do edifício concebido por Viana de Lima lida
nas plantas do r/ch, verificamos que neste segundo projecto existe um maior número de
dispositivos espaciais adaptados a diversas funções: garagem subterrânea com entrada
pela rua do Bolhão, grande café e restaurante, inúmeros estabelecimentos comerciais
– escritório, armazéns, inúmeras moradias, de paredes exteriores de pedra, fachadas
revestidas a placagem de granito polido e a granito lavrado a pico fino, estrutura de
betão armado [de] granito duro e forte […] feito à imagem da cidade, cidade eterna os
seus muros, os seus palácios, os seus monumentos18. À escolha deste segundo projecto
não terão sido alheios a vontade do cliente Delfim Ferreira, conceituado homem de
negócios, a economia de meios, o respeito pelos materiais da cidade, num projecto
que traduz uma imagem desejada de referência.
Nas imagens anteriores, um importante complexo eminentemente social foi sendo
paulatinamente construído nas ruas Heróis de Chaves (futura D. João IV) e da Alegria. O requerente José Moreira da Silva um dos fundadores da SCPOPP, requeria a
construção de um conjunto composto por dormitórios, vestiários, enfermaria, gabinete
médico, sala de aula, biblioteca, refeitório armazéns, sala de sessões, escritório, oficinas,
WC. As suas preocupações foram enunciadas no pedido de aprovação que fez à
Câmara Municipal do Porto, e que se passam a citar […] São por demais conhecidos
14 Catálogo
15 Idem
– Viana de Lima arquitecto 1913-1991. Porto: Árvore – Centro de Actividades Artísticas, 1996.
16 IMS/DMSMJMS – referenciada a escultura A vitória da Indústria de Henrique Moreira, num caderno de apontamentos
pessoais de David Moreira da Silva.
Livro de Licenças de Obras.
18 SOUSA, Francisco de Almeida e – “Obras para a Eternidade. A Cooperativa de Produção dos Pedreiros Portuenses”.
In Tripeiro, Série Nova, Ano 9, nº 8 (1990), p. 234.
17 AHCMP-
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Maria do Carmo Marques PIRES
os péssimos e deploráveis alojamentos em que no Porto vivem os numerosos operários que,
vindos dos arrabaldes, trabalham nesta cidade e aqui permanecem durante a semana,
empregados principalmente na construção civil19. O projecto de 37 foi assumido pelo
engenheiro J. Bástian, embora surja, num dos desenhos uma assinatura de David
Moreira da Silva a par da deste engenheiro. A sua construção prolonga-se e surgem
aditamentos assinados pelos dois arquitectos do atelier, entre 1949 e 1950.
Figura 6 – Sociedade Cooperativa de Produção dos
Operários e Pedreiros Portuenses/Torre Miradouro,
fachada posterior.
Figura 7 – Torre Miradouro, fachada principal,
Ruas da Alegria e D.: João IV.
A Torre Miradouro projectada por David Moreira da Silva e por Maria José Marques
da Silva Martins, iniciada em 1963 e terminada em 1969, corresponde a numa nova
concepção de edificação a dos Edifícios-Torre ou torres urbanas20, integrado no anterior
conjunto, num claro contexto de renovação da cidade. Constitui um edifício que se impõe
pela verticalidade a que não é estranha sua localização num ponto topograficamente
elevado21, entre as Ruas de D. João IV e da Alegria, em fachadas coloridas pelos materiais
utilizados (granitos, azulejos) como se de um mostruário da Cooperativa se tratasse.
Programa misto de Habitação, uma Estalagem tão necessária à cidade e um restaurante
miradouro, […] edifício cuja coerência formal se atinge à custa do material de revestimento
– azulejo – […] bem como à repetição exaustiva da caracterização dos vãos […]22.
Esta comunicação pretendeu ser uma primeira abordagem/olhar sobre a vasta obra
deste atelier de David Moreira da Silva e de Maria José Marques da Silva Martins,
marcado pelas diversas formações e opções dos dois arquitectos que materializaram
cenários através do planeamento urbano e da construção de espaços públicos e
privados integrados/sujeitos às diversas conjunturas nacionais.
19 AHCMP,
Livro de Licenças de Obras de 1937.
António Portovedro – “Edifícios –Torre (1963-73)”. In Guia de arquitectura moderna. Porto 1901-2001.
Porto: Ordem dos Arquitectos/ Civilização, 2001.
21 Idem.
22 Idem ibidem.
20 LOUSA,
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David Moreira da Silva e Maria José Marques da Silva Martins – Um