UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
MARIA JOSÉ DE CASTRO SOUZA TAVARES
(TINA TAVARES)
“PRODUÇÃO EM TELEJORNALISMO RURAL: UM ESTUDO
DE CASO DO PROGRAMA GLOBO RURAL ”
Marília - SP
2008
MARIA JOSÉ DE CASTRO SOUZA TAVARES
(TINA TAVARES)
“PRODUÇÃO EM TELEJORNALISMO RURAL: UM ESTUDO
DE CASO SOBRE O PROGRAMA GLOBO RURAL”
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
em Comunicação da Universidade de Marília
(UNIMAR), para obtenção de título de Mestre em
Comunicação, área de concentração “Mídia e
Cultura”.
Orientador:
Prof. Dr. Antonio Manoel dos Santos Silva
Marília - SP
2008
MARIA JOSÉ DE CASTRO SOUZA TAVARES
(TINA TAVARES)
“PRODUÇÃO EM TELEJORNALISMO RURAL: UM ESTUDO DE
CASO SOBRE O PROGRAMA GLOBO RURAL”
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Antonio Manoel dos Santos Silva (orientador)
Julgamento
____________________________________
Assinatura
____________________________________
Profª. Drª. Rosangela Marçolla
Julgamento
____________________________________
Assinatura
____________________________________
Prof. Dr. Ricardo Alexino Ferreira
Julgamento
____________________________________
Assinatura
____________________________________
Marília – SP
2008
DEDICATÓRIA
Ao meu pai, José de Castro Souza (in memoriam), que fez da Engenharia sua profissão, cursou
seis faculdades, mas nunca deixou este conhecimento suplantar a sua sede de conhecer a Palavra
de Deus.
À minha mãe, Maria Luiza, que fez toda essa trajetória possível (e que permitiu o mesmo aos
seus oito filhos).
Ao meu marido, Luiz Eduardo e aos meus filhos: José Eduardo e Maria Luiza, para que se sintam
motivados a realizar seus sonhos e refazê-los, se necessário.
“É muito menor o custo do investimento em ciência e educação do
que o custo da ignorância”
Antônio Manuel dos Santos Silva.
UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E TURISMO
REITOR
Márcio Mesquita Serva
PRÓ-REITORA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
Profª Drª Suely Fadul Vilibbor Flory
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
Coordenadora Profª Drª Rosangela Marçolla
APOIO:
AGRADECIMENTOS
A Deus que me permitiu chegar até aqui e que tem me mostrado que a sua graça é
infinitamente maior que as nossas dificuldades;
Agradeço ao meu orientador Dr. Antonio Manoel dos Santos Silva que foi o meu farol
nesta pós-graduação, mantendo o seu voto de confiança na minha capacidade de realizar esta
tese, e a quem sempre lembrarei com carinho e admiração.
Ao meu marido Luiz Eduardo pelo seu amor a mim e a nossa família que inesperadamente
ganhou dois novos membros no início deste mestrado;
Ao Ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, jornalista
Franklin Martins, que gentilmente nos concedeu uma entrevista valorizando nossa pesquisa;
Ao ex-diretor da TV Tupi, Tito Bianchini pela sua atenção e disponibilidade em
reconstruir a história do primeiro programa de telejornalismo rural do Brasil;
À toda equipe e amigos do programa Globo Rural, indistintamente (vocês são preciosos);
à Drª Silvia Fiúza do Globo Universidade e aos colegas da EPTV, TV TEM e TV Diário com
quem muito aprendi da vida e da profissão nestes dez anos de televisão;
Aos amigos e profissionais que colaboraram com esta dissertação seja com informações
ou simplesmente com sua mão estendida em meio a tantas fraldas e choros duplos: Dona Isaltina
e Seu Eduardo (in memoriam), Karina, minhas irmãs e irmão; à Pró-Reitora de pesquisa e pósgraduação Drª Suely F.V. Flory, à Rosângela e à Andréa da reitoria de pós-graduação; à Profª Drª
Rosângela Marçolla, Profª Drª Anamaria Fadul, Profª Drª Linda Bulik, à amiga Eliane Deak, e
aos companheiros do Curso de Mestrado em Comunicação da UNIMAR, Patrícia Thomaz, Guga,
Guto e Kiko; à Diretora de ensino Sueli e toda equipe do Berçário municipal “Irmão Maurício” e
aos amigos da Comunidade Ágape de Marília.
“Nos gloriamos nas tribulações porque sabemos que a tribulação produz
perseverança, a perseverança, um caráter aprovado; e o caráter aprovado,
esperança. E a esperança não nos decepciona, porque Deus derramou seu amor
em nossos corações, por meio do Espírito Santo que ele nos concedeu” (Romanos
5, 3-5).
“Pensar é aprender a ser livre, responsável e honrado. Pensar é
esforço e inconformismo para com o mundo e também para consigo
mesmo. Pensar é duvidar e criticar, não de forma altaneira ou
presunçosa, senão por desejo do bem comum. Pensar é ter o tempo de
poder fazê-lo.Pensar não é repetir ou reproduzir. Pensar é ativar o que
de nobre há no ser humano, porque pensar é também sentir e intuir. A
frase de Descartes não é de todo certa: não se trata de penso, logo
existo, mas penso, logo vivo. Viver é encontrar seu próprio caminho e
evitar permanentemente a tentação do fácil. O fácil é não pensar”.
(Extraído de El café de los filosofos muertos, Nora K. e
Vittorio Hösle. Anaya, Madrid, 1998, p.9 )
TAVARES, Maria José de Castro Souza (Tina Tavares). “Produção em Telejornalismo Rural: um
estudo de caso do programa Globo Rural”. 2008. Dissertação. (Mestrado em Comunicação) –
Universidade de Marília. Marília, 2008.
RESUMO
Um programa de televisão quando surge na grade de programação traz em si uma identidade
televisiva definida pelo seu gênero. O programa Globo Rural quando foi lançado pela Rede Globo
partiu da prática do telejornalismo diário em rede nacional para estabelecer um modo de produção da
notícia do mundo rural que pudesse representar a diversidade regional brasileira, do homem do campo
e de suas conquistas. Durante quase três décadas, o programa acabou por estabelecer formas de dizer
e de mostrar o Brasil Rural que ajudaram a definir os contornos da produção jornalística dentro do
gênero. Atualmente os programas rurais se multiplicam por todas as emissoras do país,
principalmente nas redes regionais de televisão, e o telejornalismo rural desenvolvido pelo Globo
Rural é o modelo informativo mais presente. Esta sedimentação do gênero telejornalismo rural
estabelecida pelo programa da Rede Globo foi observada não somente pelo viés da sua hegemonia na
cobertura nacional e pelo padrão de programação reproduzido pelas emissoras afiliadas em todo o
Brasil, mas também por meio do contexto de produção, da formação da equipe de jornalismo, das
temáticas, dos gêneros e formatos de reportagens que tornaram o Globo Rural bem sucedido tanto
junto ao público rural quanto à grande audiência da TV aberta. Para analisar todo este processo de
produção, por se tratar de uma pesquisa descritiva, o método escolhido foi o qualitativo dentro da
estratégia de estudo de caso (YIN, 2005). Esta escolha se deu pelo fato de o telejornalismo rural (o
quê) ser uma prática jornalística contemporânea e complexa utilizada na produção de um programa
televisivo com exibição em rede nacional (como) e ainda, por sabermos que dentro do grupo ou
organização no qual ele se desenvolve (uma rede de emissoras) coexistem diferentes visões de
atuação (quem, porque).O estudo de caso ainda permite a comparação, a classificação da produção
(aqui identificada a partir da Teoria dos gêneros e formatos da televisão), a observação dos
acontecimentos e aplicação de entrevistas com os atores sociais envolvidos. Os resultados apontam
para a conceituação do gênero telejornalismo rural presente na TV brasileira desde os seus
primórdios e que hoje se caracteriza como uma hibridação de gêneros das categorias Informação;
Educação e Entretenimento. O entendimento de como este gênero se manifesta, não como reflexo da
realidade rural, mas como uma construção dessa realidade, permite o desenvolvimento do senso
crítico e maior participação social no que se refere ao contexto midiático.
Palavras-chave: Telejornalismo rural, Globo Rural, programa rural, jornalismo temático.
TAVARES, Maria Jose de Souza Castro (Tina Tavares). "Production in Rural television: a
case study of the program Globo Rural." 2008. Dissertation. (Master in Communication) University of Marilia. Marilia, 2008.
ABSTRACT
A television program when the program appears in the grid itself has an identity defined
by its television genre. The program Globo Rural when it was launched by Rede Globo left
the practice of television daily in the national network to establish a mode of production of
the news of the countryside that could represent the Brazilian regional diversity, the man of
the field and its achievements. For nearly three decades, the program eventually establish
ways to say and show the Brazilian Rural who helped define the contours of production
within the journalistic genre. Currently, rural programs are multiplied by all broadcasters in
the country, mainly in regional television networks, television and rural developed by Globo
Rural is the most informative this model. The sedimentation of the genus rural television
program established by the Rede Globo was observed not only by the bias of its hegemony in
the national coverage and the standard of broadcast programming played by affiliates
throughout Brazil, but also through the context of production, training of team of journalism,
the themes of genres and formats of reports that made the Globo Rural successful both with
the public about the rural premium TV's open. To examine this whole production process,
because it is a descriptive study, the method chosen was the quality within the strategy of
case study (YIN, 2005). This choice was made because the rural television (what) is a
complex and contemporary journalistic practice used to produce a television program to
display on national network (like) and yet, because we know that within the group or
organization in which he grows (a network of stations) coexist different visions of action
(who, why). The case study also allows for comparison, the classification of production (here
identified from the theory of genres and formats of television), the observation of
implementation of events and interviews with the actors involved. The results indicate the
concept of gender television in this rural Brazilian TV since its inception and that today is
characterized as a hybridization of genres categories of Information, Education and
Entertainment. The understanding of how this genre is manifested, not as reflection of reality
countryside, but as a reality that allows the development of critical sense and greater social
participation
with
regard
to
the
Key words: rural television, Globo Rural, rural program, journalism theme.
:
media.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
1. Conceitos de análise e opções metodológicas
1.1. A chave do gênero para uma análise da relação entre Comunicação,
Programa de TV e Jornalismo
1.2. Opções metodológicas e conceitos para o estudo do programa de
telejornalismo rural: entre gêneros e formatos televisivos
1.2.1. Nomenclatura técnica do telejornal
1.3. Instrumentos para caracterização dos gêneros de programas de TV
e a estratégia de estudo de caso
1.4. Entretenimento: gênero de primeira necessidade no telejornalismo?
1.5. Sobre o Rural: conceitos operatórios acerca dos estudos da Comunicação
rural, o agronegócio e o telejornalismo
1.6. Amostragem e corpus da pesquisa
CAPÍTULO II
2. A história do Jornalismo Rural na Televisão: o surgimento de um novo
gênero televisivo
CAPÍTULO III
3. O telejornalismo como matriz produtiva de programas na Rede Globo
3.1. O papel do telejornalismo na sedimentação do padrão Globo de produção
3.2. Uma contribuição do telejornalismo na criação de programas nacionais
da Rede Globo
3.3. Do contrato ao formato: a manutenção do padrão de produção da Rede
Globo nas emissoras afiliadas regionais
CAPÍTULO IV
4. O programa Globo Rural: a consolidação de gêneros e formatos
4.1. Geração de jornalistas
4.1.1. Reunindo jornalistas para um novo campo
4.2. Censura
4.3. O desafio da capacitação
4.3.1. Jornalistas e cientistas: um diálogo possível
4.3.2. O exemplo da Embrapa
4.4. Ciência & Tecnologia e Tradição
4.4.1. Ciência e Tecnologia (C&T) no Globo Rural
4.5. Audiência e Tradição
12
19
19
24
32
34
37
40
46
49
57
60
62
63
67
70
72
77
79
81
86
88
91
98
CAPÍTULO V
5. O perfil do programa Globo Rural e o gênero rural na grade de programação
da Rede Globo
5.1. Anos 1980
5.1.1. Horizontalidade e verticalidade
5.2. Anos 1990
5.3. Anos 2000
5.3.1. A disputa pela “faixa nobre rural”
CAPÌTULO VI
6. O programa Globo Rural: gênero e formato
6.1. O primeiro bloco e os seus formatos
6.2. O segundo bloco e os seus formatos
6.3. O terceiro bloco e os seus formatos
6.4. O quarto bloco e os seus formatos
6.5. A vinheta, a apresentação e a reportagem na análise dos formatos
do Globo Rural
6.5.1. Vinheta de abertura
6.5.2. Apresentação e cenário
6.5.3. Reportagem
6.5.3.1 Um roteiro de reportagens: um modo de produção
6.5.3.2.Uma análise das características do jornalismo rural nas grandes
reportagens do Globo Rural
6.5.3.3. Elementos de composição da narrativa televisual
105
107
110
113
115
116
119
121
123
127
129
132
132
136
138
140
143
153
CONSIDERAÇÕES FINAIS
163
REFERÊNCIAS
167
APÊNDICE
180
INTRODUÇÃO
Entre as histórias e reportagens que nos motivaram a interromper a trajetória de dez anos na
reportagem da Rede Globo para desenvolver este estudo sobre o telejornalismo rural, certamente
se encontram aquelas matérias que nunca foram ao ar.
Estamos falando de boas pautas que sofreram ataques inesperados das pragas do tempo e
das mudanças da tradição; ou que, ao serem combinadas a outros “organismos complexos” para o
jornalista, como o jargão ou o repertório científico, destruíram qualquer expectativa de boa safra
para o jornal das sete.
Com o passar dos anos, porém, aprendemos que estas experiências frustradas, esta súbita
quebra na linha de produção da notícia, na expectativa de construção de uma reportagem, mesmo
nas melhores equipes de produção, sempre vão existir, pois têm uma natureza própria. Na maioria
das vezes, elas sinalizam as mudanças, tanto no nosso meio, na nossa maneira de entender o
mundo, como no de outrem.
E entre os assuntos da cobertura do telejornalismo diário, nunca se viu tantas mudanças de
temas e novidades quanto na pauta rural. Talvez por isso, hoje, esta renovada face da notícia
provoque tantos calafrios em muitos produtores e repórteres, zelosos do seu próprio universo
urbano.
A lembrança daquela festa de Santo Antonio, no bairro rural da Igrejinha, guarda esta lição.
As festas nos sítios e nas fazendas sempre foram os melhores cenários de trabalho para o
editor regional. Não havia quermesse, festa de padroeiro, casamento na roça ou dupla de viola
que ele não conhecesse. Por isso, todos na redação, quando chegava o mês de junho, ficavam
esperando a pauta da festa junina para o programa rural. Primeiramente, ia quem era mais novo
de casa, o que deixava os repórteres experientes aliviados, mas naquele ano a missão sobrou para
a nossa equipe:
“- Vai lá, faz o povo chegando de trator, os homens de chapéu, as mulheres com os pratos
de doces na mão, as crianças comendo pipoca e os churrasqueiros suando no carvão. Não esquece
do mastro, das bandeirinhas e da benção do padre”.
Naquele ano, a tradicional festa prometia ser um evento comunitário grandioso.
A equipe de reportagem chegou na fazenda à noite e qual não foi a surpresa ao perceber que
o terreiro da festa havia se transformado num estacionamento com centenas de carros esportivos,
12
ônibus e caminhonetes de luxo. O galpão do churrasco, antes repleto de bambus e flores
coloridas, agora se via enfeitado com bandeirinhas de plástico branco. As mesas e cadeiras, com
propaganda de cerveja, estavam rodeadas por dezenas de máquinas automáticas de refrigerante,
cachorro quente, pipoca - no melhor estilo fast-food rural. Quando a quadrilha entrou no salão, a
pauta, que ainda balançava, caiu de vez. As crianças vestiam camisetas com a marca da fábrica de
paçoca e o festeiro, muito animado, gritava ao som da sanfona:“- Tá tudo dominado! Tá tudo
dominado!” Ficou complicado para a equipe explicar aquela tradição.
Igualmente embaraçosa foi a situação da reportagem sobre as recentes tecnologias para o
uso do solo. O ilustre cientista francês bem que tentou explicar que a pauta sobre o “seqüestro de
carbono em solos tropicais” falava justamente do contrário, da importância da fixação do
carbono, mas a equipe só entendeu mesmo na hora da despedida (afinal, por que o tal pesquisador
tinha marcado a reportagem num campo cheio de palha? 1).
É bem verdade que a agricultura e a pecuária estão na pauta de assuntos do dia-a-dia da
imprensa televisiva há décadas, principalmente aquela chamada regional.
Todavia, como nos indicam as teorias da comunicação, o gênero surge e se desenvolve a
partir da produção e, decididamente, as reportagens do mundo rural já não se resumem às
expectativas de plantio, colheita, manejo, meteorologia, pacotes de financiamento e exposições
de animais. Elas aumentaram em quantidade e complexidade. E a principal alavanca dessa
mudança é a mesma responsável por mais de um terço das exportações brasileiras e pela nova
onda produtiva no campo e na TV: o agronegócio.
Neste cenário, observamos que a ciência brasileira tem sido fértil em criar “soluções” tanto
para aumentar a produtividade e combater doenças quanto para estabelecer uma nova ordem
econômica e organizacional no campo. Os agricultores que podem, aproveitam a onda e mantêm
seu protagonismo nas chamadas cadeias produtivas.
No jornal e na TV, a prática jornalística sempre em busca do que é novo, pressiona
diariamente os profissionais a obterem informações sobre o setor e a se especializarem, sob pena
de serem julgados por superficialismo ou por omissão.
1
Ao longo dos quinhentos anos de história do Brasil, a devastação de enormes áreas de floresta para fins de
produção agrícola e o sistema convencional de plantio resultaram em grandes perdas de C do solo. Entretanto, a
introdução há pouco mais de vinte anos do sistema de plantio direto na palha, hoje largamente utilizado na produção
de grãos, criou possibilidades de repor parte do carbono emitido de volta ao solo. E é exatamente nestas áreas,
utilizadas há muitos anos com o preparo do solo convencional que é grande o potencial de repor as reservas de
carbono ao solo, ou em outras palavras "seqüestrar o carbono" no solo (BODDEY, 2004, p. 2).
13
Hoje não é exagero afirmar que tanto cientistas, produtores rurais quanto os jornalistas são
sujeitos do desenvolvimento dos modos de produção na agropecuária brasileira e de um salto da
informação do setor.
Mas então, como é que a televisão, um veículo de informação rápida, de natureza objetiva e
factual, com público heterogêneo, está dando conta desta cobertura rural? E finalmente: o quê,
como, por que e para quem estamos (re) produzindo?
Para tentar responder a esta grande questão, que se constitui como uma pergunta-chave para
todo o profissional de TV, buscamos nesta dissertação aumentar a compreensão sobre o conceito
e a produção de um gênero televisivo que se desenvolveu enormemente nestas três últimas
décadas, o telejornalismo rural. Esta dissertação buscou identificá-lo por meio de estudos
acadêmicos, reflexões, pesquisas, pautas perdidas, mas também de inúmeras reportagens bem
sucedidas registradas pelo programa mais representativo deste gênero - o Globo Rural, da Rede
Globo - há 29 anos no ar.
Também elegemos o programa Globo Rural porque nele atuamos e tivemos ainda a
oportunidade de conhecer o seu modo de produção e seus editores, produtores e repórteres, na sua
sede em São Paulo e em diversos Estados.
Acreditamos que esta experiência deu novos rumos a esta análise, visto que, por meio da
pesquisa bibliográfica, constatamos que o Globo Rural origina (seja por conta da sua linguagem
informal ou pela dificuldade de fazer a pesquisa dentro da redação do programa) um interesse
maior sob o ponto de vista da análise do discurso e da recepção.
No entanto, o Globo Rural nestas três décadas, desenvolveu um modelo de produção
jornalística, de abordagem do mundo rural e, de aplicação de tecnologias de áudio e vídeo dentro
do gênero. Tornou-se o precursor no desenvolvimento de formatos televisivos específicos para
este público e de uma série de programas de telejornalismo voltados para o campo em centenas
de emissoras.
Este estudo também nos trouxe uma nova motivação profissional, ou seja, a necessidade de
se pensar a produção deste tipo de telejornalismo nas redes regionais, com vistas para o cenário
local, e aprimorar o ensino do telejornalismo rural nos cursos de comunicação. É importante
lembrarmos que embora muitos alunos almejem ser repórteres de rede nacional, ninguém chega
lá sem passar pela reportagem rural que aborda entre tantos assuntos a produção e a
industrialização de produtos agrícolas, os preços dos legumes e verduras na feira, da carne e do
14
leite; as condições de trabalho no campo, o turismo rural, o mercado de capitais e mais
recentemente a bioenergia e a crise mundial de alimentos.
Um outro fato inconteste sobre esta realidade é que a agricultura compõe a base econômica
de milhares de cidades brasileiras onde vivem e trabalham telespectadores, cujo interesse
direciona a atuação dos jornalistas e dos meios.
Apesar do pragmatismo da prática profissional ter sido o nosso ponto de partida para este
mestrado em telejornalismo rural, podemos afirmar que hoje o recorte deste objeto de pesquisa é
produto de experiência pessoal com o nosso novo universo acadêmico, o da pesquisa científica.
Inicialmente, por conta de uma extensa trajetória no jornalismo de televisão na rede
regional, pensamos em realizar uma dissertação sobre o jornalismo rural e C&T agrícolas
enfocando as novas relações de produção entre as fontes, principalmente entre jornalistas
cientistas. Esta pesquisa seria justificada pela grande quantidade de assuntos sobre o tema e as
demandas desse tipo de reportagem para os públicos do interior dos Estados brasileiros
abrangidos pelas redes regionais.
Aos poucos fomos nos deparando com algumas limitações técnicas que este estudo
impunha por contemplar toda a produção do gênero rural e informativo das emissoras da rede
aberta de televisão, sendo que nós já havíamos detectado um programa que tinha conquistado o
mérito de se manter por três décadas no ar, e na emissora de maior cobertura nacional.
Passamos então a reunir dados sobre o programa Globo Rural que pudesse comprovar não
somente como o gênero telejornalismo rural foi desenvolvido, mas disseminado pelo país pelas
emissoras afiliadas da Rede Globo.
Embora esta pesquisa tenha sido bem recebida na Rede Globo, pela equipe do Globo Rural
e pelo Departamento Globo Universidade, algumas limitações institucionais acabaram por
dificultar a investigação qualitativa que faríamos junto ao acervo e aos produtores do programa
(jornalistas, editores, repórteres de rede e regionais).
Num segundo momento, alguns depoimentos da equipe fundadora do Globo Rural se
estabeleceram como eixo de análise. Enquanto o objeto era recortado, costurado e de novo
recortado, fomos reunindo um sem-número de informações e sugestões, principalmente em
congressos e seminários de comunicação, que nos permitiram reestruturar a proposta. O resultado
deste nosso esforço está presente nas páginas desta dissertação.
15
Em seus capítulos teremos como objetivo o estabelecimento de um marco conceitual do
telejornalismo rural como gênero e como modo de produção jornalística televisiva. A análise
contempla um estudo de caso sobre o programa Globo Rural e seus formatos televisivos
desenvolvidos ao longo das décadas de existência do programa. Também são examinados alguns
indicadores da origem do Globo Rural bem como a importância do rural como gênero na grade
de programação da Rede Globo.
No Capítulo primeiro desta dissertação, temos o estudo sobre a hipótese da pesquisa que
conceitua o telejornalismo rural como um gênero do jornalismo estabelecendo como objeto de
investigação o programa Globo Rural, da Rede Globo. Procurou-se nesta instância teórica buscar
esta relação a partir da obra de Martín-Barbero (1997), Marques de Melo (1994- 2007) e Aronchi
de Souza (2004) sobre os gêneros televisivos e suas classificações. A estes estudos somam-se as
análises de Watts (1990), Rezende (2000), Machado (2005) e Duarte (2007) sobre a natureza
híbrida dos gêneros que determina formatos de programas ao mesmo tempo em que os
recompõem (seja para suprir estratégias da emissora ou expectativas do público). Coloca-se nesta
instância da pesquisa a necessidade de se operar uma série de passos a fim de adequar o campo
teórico, da formulação dos fatos científicos, com o da prática da produção telejornalística
(LOPES, 2003, p. 128). Para tanto adota-se nesta Dissertação o estudo de caso preconizado por
Yin (2005) com a pesquisa descritiva para caracterização do objeto.
No Capítulo segundo temos o surgimento do jornalismo rural na televisão, suas relações
com o agronegócio e outros fatores que contribuem para defini-lo no mercado midiático como
um segmento específico de programa sobre a notícia do mundo rural, principalmente a partir dos
anos 2000, quando se disseminou por emissoras de TV de todo o país.
No Capítulo terceiro, com base na adoção do telejornalismo como modelo de produção de
programas temáticos na Rede Globo de Televisão, analisamos o que vem a ser o padrão Globo de
produção e de que maneira as regras contratuais, impostas pela emissora para as suas afiliadas,
estimulam a reprodução dos gêneros e formatos de programas de rede nacional, como o Globo
Rural. Este capítulo pretende investigar o que está por trás dos produtos televisivos, indo além do
formato do que está sendo comunicado. Também se baseia no fato de que o jornalista rural
precisa lidar com a mensagem, as fontes, a audiência, mas também com outro fator fundamental
para a produção: o institucional, ou seja, o próprio programa Globo Rural, a Rede Globo e a rede
televisiva afiliada (DASSIE, 1999).
16
No Capítulo quarto, faremos a análise da origem do programa Globo Rural dentro da Rede
Globo e a formação do grupo fundador que hoje constitui o núcleo de produção e chefia do
Globo Rural . A este grupo são creditadas a escolha dos principais temas do gênero, a criação dos
formatos de reportagens e de um conceito de programa rural na TV. Também discorremos sobre
os modos de produção jornalística no Globo Rural, a visão humanista na prática do
telejornalismo rural, as dificuldades da produção, as parcerias com as instituições de pesquisa e
inferimos sobre qual seria o público do programa a quem é destinada à produção. Tais pontos se
manifestam em diferentes níveis de interpretação2 e ajudam a delimitar o processo de formação
do programa e sedimentação do gênero, bem como evidenciar aspectos não enunciados. Baseados
na análise do processo de produção do telejornalismo rural de Dassie (1999) adotamos a
categorização do autor que define os dois grandes grupos temáticos do jornalismo rural: Tradição
e C&T.
No capítulo quinto, apresenta-se o perfil do gênero rural na grade de programação da Rede
Globo dos anos 1980 aos anos 2000, baseado na metodologia de Aronchi de Souza (2004) para o
estudo de programas de televisão. Buscamos demonstrar, que em uma esfera simbólica, há a
formação de um suporte para este gênero na grade de programação da Rede Globo e a criação de
diferentes níveis de representação do mundo rural. Estas referências cuidadosamente tecidas aos
produtos da emissora durante anos de programação promovem o gênero rural em todas as faixas
de público. O formato do Globo Rural, bem como as características das reportagens, vinheta de
abertura e da apresentação são especificamente abordadas neste capítulo.
Uma das características mais marcantes de um gênero e que, conseqüentemente o define
como tal, é a propriedade de ser facilmente identificado em qualquer produto que dele se origina
(ARONCHI DE SOUZA, 2004, p. 44). Mas por enquanto, não há como prever se chegaremos a
algum novo formato do telejornalismo rural ou a novos temas e conteúdos. Certamente esta
investigação será empreendida em um próximo trabalho. Espera-se nesta Dissertação estar
contribuindo para a identificação do gênero telejornalismo rural na produção da indústria da
comunicação, dando a conhecer aos futuros jornalistas e aos profissionais interessados nesta
2
Minayo (1992) situa a fala dos atores sociais em seu contexto para melhor ser compreendida. Como primeiro nível
de interpretação, o das determinações fundamentais, temos a conjuntura sócio-econômica, política e organizacional
do grupo social a ser estudado. Já o segundo nível de interpretação baseia-se no encontro que realizamos com os
fatos surgidos na investigação. Esse nível é, ao mesmo tempo, ponto de partida e ponto de chegada de análise. As
comunicações individuais, as observações de condutas e costumes, a análise das instituições e a observação de rituais
podem ser alguns dos aspectos a serem considerados neste nível de interpretação (DESLANDES, 1994, p. 77-78).
17
produção seus principais elementos de composição. A reflexão sobre o quê e o quanto se pode
produzir ou reproduzir dentro deste gênero certamente permanece durante toda esta caminhada.
18
Capítulo I
CONCEITOS DE ANÁLISE E OPÇÕES METODOLÓGICAS
1.1. A chave do gênero para uma análise da relação entre Comunicação, Programa de
TV e Telejornalismo
A comunicação humana é um processo que envolve a troca de informações e a transmissão
de significados entre pessoas para sua integração na organização social. Os homens têm
necessidades de estar em constante relação com o mundo, e para isso, usam a comunicação como
mediadora na interação social. Ela também é um veículo de transmissão de cultura ou formador
da bagagem cultural de cada indivíduo e neste processo estão envolvidas diferentes maneiras de
se comunicar.
Kovack e Rosenstiel (2004) relatam que em certa época, quando antropólogos e sociólogos
compararam suas anotações sobre as culturas primitivas do mundo ainda existentes, descobriram
um aspecto inesperado no processo comunicativo: a necessidade intrínseca de saber o que
acontece além da nossa experiência direta, de compartilhar informações.
As pessoas tinham uma definição básica de notícia. Elas se divertiam com o mesmo tipo de
fofoca; procuravam as mesmas qualidades naqueles escolhidos para recolher informação e depois
espalhá-la. Os historiadores chegaram à conclusão de que os mesmos valores básicos da notícia
atravessaram, firmes e constantes, tempos e épocas.
As notícias satisfazem a um impulso humano básico. Assim, estar a par de fatos
que não podemos ver, por nossa própria conta, cria uma sensação de segurança
de controle, de confiança. Quando o fluxo da informação sofre uma obstrução
‘tudo escurece’, cresce a nossa ansiedade.[...] Precisamos de notícias para viver
nossas vidas, para nos proteger, para nos ligarmos aos outros, identificar amigos
e inimigos (KOVACK e ROSENSTIEL, 2004, p. 17 -18).
As notícias produzem um sentido de coesão e metas comuns. Os pesquisadores também
revelam uma outra tendência importante, quanto mais democrática uma sociedade, maior é a
tendência para dispor de mais notícias e informações.
O jornalismo é o sistema criado pelas sociedades para fornecer estas notícias.
Por isso nos preocupamos com a natureza das notícias e o jornalismo de que
dispomos: influenciam a qualidade de nossa vidas, nossos pensamentos, nossa
cultura (Idem, p. 18) .
19
Esse é um estudo importante, haja vista o surgimento da cultura de massa no século XX que
transformou as formas de convivência do homem moderno.
Segundo Morin, a cultura de massa encontra seu terreno ideal onde o
desenvolvimento industrial e técnico cria novas condições de vida que
desagregam culturas anteriores e fazem emergir novas necessidades individuais
(WOLF, 1995, p. 93).
A televisão assume papel de destaque neste contexto, pois, como veículo, vai além da
função de comunicar e transmitir notícias estabelecendo uma intervenção direta na realidade
social. A televisão incorpora a dinâmica da indústria de massa que se manifesta, de acordo com
Wolf, a partir de realidades policulturais, com grande adaptação a públicos e contextos culturais
diversos (Idem, p. 90).
Para Gomes (2007) considerar o estudo do jornalismo na televisão na perspectiva atual dos
estudos culturais, implica então em articular suas várias dimensões técnica, social e cultural, o
que garante unidade ao objeto de estudo e um olhar mais atento ao analista.
O telejornalismo é uma construção social no sentido de que se desenvolve numa
formação econômica, social, cultural particular e cumpre funções fundamentais
nesta formação. A concepção de que o telejornalismo tem como função
institucional tornar a informação publicamente disponível, por exemplo, e de
que o que faz através das várias organizações jornalísticas é uma construção: é
da ordem da cultura e não da natureza do jornalismo ter se desenvolvido deste
modo em sociedades específicas. [...] Antes de 1830 a objetividade não era uma
premissa. Ao contrário, esperava-se que o jornalismo assumisse um ponto de
vista e não que se apresentasse como um relato neutro ou imparcial. (GOMES,
2007, p. 4-5).3
A autora acompanha o pensamento de Raymond Willians, para quem a televisão é, ao
mesmo tempo, uma tecnologia e uma forma cultural, e o jornalismo uma instituição social.
O telejornalismo, como instituição social, não se configura somente a partir das
possibilidades tecnológicas oferecidas pelos séculos anteriores, mas na conjunção
das possibilidades tecnológicas com determinadas condições históricas, sociais,
econômicas e culturais. Isso de modo algum significa conceber o jornalismo como
cristalização, mas bem ao contrário, afirmar seu caráter de processo histórico e
cultural (idem, p5)
Objeto de pesquisa das Teorias da Comunicação o programa de TV é um importante
produto cultural da indústria da informação no Brasil.
3
GOMES,
Itania
Maria
Mota.
Disponível
em:
<http://boston.braslink.com/compos.org.br/ecompos/adm/documentos/ecompos08_abril2007_itaniagomes.pdf>. Acesso em 29 ago. 2007.
20
Gomes4 ressalta que apesar disso, a pesquisa em Comunicação ainda não produziu, como
resultado, o desenvolvimento de métodos de análise adequados para os produtos televisivos. No
caso do telejornalismo, segundo a autora, a situação parece se agravar, pois tais estudos têm o
mérito de reconhecer a televisão como objeto de interesse científico e de produzir conhecimento
relevante sobre a televisão no Brasil (em especial quanto ao seu caráter histórico, social e
econômico), mas há pouca ênfase nos produtos televisivos, tomados eles mesmos como objeto
empírico; a saber: análise, descrição, interpretação de modos de funcionamento, as
especificidades e as características do programa.
Machado (2005) acredita que para se perceber valores na televisão não há outro caminho
senão alçar até o exame dos seus programas (2005, p.17). Ele chama atenção para a necessidade
de se construir um repertório próprio sobre programas televisivos, a fim de que se estabeleçam
análises não somente a partir do seu modelo de financiamento, gerenciamento e controle público,
mas da sua produção. Segundo o autor, a televisão possui um acervo de trabalhos audiovisuais
com inúmeros exemplos de qualidade, suficientemente comprovados em décadas de
experimentação, demonstrando claramente a adoção de critérios que possam diferenciar a sua
produção.
Opinião compartilhada por Aronchi de Souza (2004) que estabelece como ponto de partida
para o estudo dos programas a compreensão do desenvolvimento da televisão sob vários
aspectos, inclusive o tecnológico.
Na análise do telejornal parte-se então do pressuposto da Teoria das Mediações 5, no qual o
jornalista ou produtor de programas ao integrar uma comunidade, um grupo, um universo
particular, toma decisões de acordo com o contexto em que está imerso negociando
simbolicamente com os meios.
No processo de produção da notícia entende-se que o jornalista tem um fato inicial que será
objeto de apuração e que desenvolverá ações com vistas a solucioná-lo até chegar um
entendimento final a ser expresso em um gênero jornalístico. Para Martín-Barbero, o gênero é
uma chave para a análise dos programas na televisão6.
4
Núcleo de pesquisas de análise do telejornalismo na Universidade Federal da Bahia –UFBA.
5
Para Martín-Barbero a comunicação assume “os bloqueios e as contradições” em que os sujeitos estão situados, em
uma emergência de sujeitos sociais e identidades culturais novas. “Assim, o eixo do debate deve se deslocar dos
meios às mediações, isto é, para as articulações entre práticas de comunicação e movimentos sociais, para as
diferentes temporalidades e para a pluralidade de matrizes culturais” (2001, p. 270).
6
Para Gomes, afirmar o telejornalismo como uma construção - e não uma representação “fiel” da realidade- não nos
impede de reconhecer que no exemplo brasileiro, e no latino-americano, ele também se configura como uma
21
Pode-se afirmar que o gênero é justamente a unidade mínima do conteúdo da
comunicação de massa e que a demanda de mercados por parte do público aos
produtos se faz no nível do gênero. [...] A dinâmica cultural da televisão atua
pelos seus gêneros; que ativam a competência cultural 7 e a seu modo dão conta
das diferenças sociais que a atravessam. Os gêneros, que articulam
narrativamente as serialidades, constituem uma mediação fundamental entre as
lógicas do sistema produtivo e as do sistema de consumo; entre a do formato e a
dos modos de ler, dos usos (1997, p. 298-299).
Os gêneros jornalísticos são indicadores de uma época e podem ser compreendidos como
expressões das mudanças ocorridas na sociedade, no mercado midiático e no modo de produção
da notícia. Ainda têm a qualidade de revelar as formas comuns ou os estilos mais utilizados por
uma determinada geração de jornalistas.
Em Martín-Barbero (1997, p. 298-9) vimos que os gêneros são resultado da mediação dos
atores sociais (jornalistas) com o público e ainda da demanda por parte deste público, e do
próprio meio, por programas (produtos). O gênero permite ao emissor adotar certos códigos
lingüístico-visuais previamente conhecidos pelos receptores proporcionando uma mediação entre
as lógicas do sistema produtivo e as do sistema de consumo, entre a do formato e a dos modos de
ler. Portanto, o gênero transmite uma promessa de conteúdo, ou de uma possibilidade de
conteúdo; uma espécie de “contrato” feita de modo consciente ou inconsciente entre emissor e
receptor.
Aronchi de Souza (2004, p. 44) faz uma análise epistemológica sobre gêneros televisivos e
corrobora esta visão. Para o autor, os gêneros podem ser entendidos como estratégias de
comunicabilidade, fatos culturais e modelos dinâmicos, articulados com as dimensões históricas
de seu espaço de produção e apropriação. Eles congregam, em uma mesma matriz cultural,
referenciais comuns, tanto a emissores e produtores como ao público receptor; com isso somos
capazes de reconhecer este ou aquele gênero, falar de suas especificidades, mesmo ignorando as
regras de sua produção, escritura e funcionamento. A familiaridade se torna possível porque os
gêneros acionam mecanismos de recomposição da memória e do imaginário coletivos de
diferentes grupos sociais.
mediação, como “uma instituição social de certo tipo”
(GOMES,
Itania
Maria
Mota.
Disponível
em:
<http://boston.braslink.com/compos.org.br/ecompos/adm/documentos/ecompos08_abril2007_itaniagomes.pdf>. Acesso em 29 ago. 2007).
7
A competência cultural é uma mediação que depende da educação formal do indivíduo, em suas distintas
modalidades, mas também que se relaciona às culturas regionais, as etnias, a memória-narrativa, gestual, auditiva- e
também aos imaginários que alimentam o sujeito social.
22
Machado ressalta que nas últimas décadas a idéia de gênero tem sofrido um questionamento
por parte da crítica estruturalista e do pensamento pós-moderno que abordam as classificações da
produção como algo anacrônico. No entanto ele reflete que independentemente do conteúdo
expresso na obra os autores operam dentro de categorias (literatura, cinema, música etc) e que as
tendências que preferencialmente se manifestam num gênero não se conservam infinitamente,
mas estão em contínua transformação. Valendo-se de Bakhtin, ressalta:
O gênero é uma força aglutinadora e estabilizadora dentro de uma determinada
linguagem, certo modo de organizar idéias, meios e recursos expressivos,
suficientemente estratificado numa cultura, de modo a garantir a
comunicabilidade dos produtos e a continuidade dessa forma junto às
comunidades futuras. Num certo sentido, é o gênero que orienta todo o uso da
linguagem no âmbito de um determinado meio, pois é nele que se manifestam as
tendências expressivas mais estáveis e mais organizadas da evolução de um
meio, acumuladas ao longo das várias gerações de enunciadores. Mas não se
deve extrair daí a conclusão de que o gênero é necessariamente conservador. Por
estarem inseridas na dinâmica de uma cultura, as tendências que
preferencialmente se manifestam num gênero não se conservam ad infinitum,
mas estão em contínua transformação no mesmo instante em que buscam
garantir certa estabilização. [...] O gênero sempre é e não é o mesmo, sempre é
novo e velho ao mesmo tempo. Nisto consiste sua vida (MACHADO, 2005,
p.68-69).
O estudo dos gêneros na TV, segundo Machado, teria atualmente um papel importante ao
permitir a identificação do que se distinguiu, permaneceu e permanecerá como referência dentro
da “massa indiferenciada de matéria audiovisual” produzida nestes últimos 50 anos.
Para Duarte (2007), uma classificação de gêneros/formatos televisivos deve ser capaz de
distinguir muitos tipos de produtos (programas) 8, pois embora tenham elementos comuns que
permitam reuni-los sob o mesmo rótulo, as diferenças entre eles serão sempre maiores devido à
sua natureza combinatória: “Em primeiro lugar, é necessário ter presente que a condição natural
de toda produção televisiva é a complexidade e a hibridação” (2007, p2).
Consideramos que, nesta Dissertação sobre o programa Globo Rural, a análise do gênero
será útil, pois em vista das suas múltiplas combinações, inerentes à natureza da televisão, se faz
necessária a definição do telejornalismo rural de modo que o torne inconfundível com outro da
mesma categoria.
8
Entre os estudos de gêneros na TV por vezes encontra-se a denominação “produto” como sinônimo de “programa”,
o que pressupõe a televisão como uma “indústria de produção de programas” que procura entreter e informar um
mercado de teleconsumidores no mundo todo.
23
A definição do gênero neste caso vai além do instrumento metodológico da própria
classificação do programa Globo Rural feita pela emissora (como “rural”) e do modelo de
telejornalismo da Rede Globo para se submeter aos fundamentos das Teorias das categorias,
gêneros e formatos, terreno em que se destacam Marques de Melo(1994) e Erbolato (1991)e os
autores já mencionados.
Mas é importante lembrar que este campo teórico contém muitos estudos que tratam os
gêneros como objetos de análise textual, do jornalismo impresso. Os gêneros jornalísticos na TV
se encontram em um momento de mudanças na sua produção e por isso mesmo gerador de muitas
categorizações e controvérsias. Apesar de o texto para o telejornalismo não dispensar a forma
literária, fica evidente que um fator relevante deve ser observado na aplicação das classificações
do jornalismo impresso no estudo deste gênero: a própria natureza da televisão, isto é, o uso da
imagem e do som na transmissão de informações (sendo que cada um destes elementos abriga
não só uma tecnologia como respostas político-sociais e estéticas).
Jensen (1986) explica esta convenção e nos relata como se dá a construção dos gêneros
informativos na TV:
Em princípio o gênero notícia televisiva expõe duas narrativas paralelas: a
narrativa visual que se coloca como um documento do que realmente
aconteceu, assim demonstrando a pretensão da objetividade, e a narrativa
falada que contribui com a informação complementar, ainda que permaneça
relativamente distinta, sem comprometer o status da narrativa visual como pura
informação. Para a audiência, essa convenção de gênero contribui para a
potencial heterogeneidade da experiência com o jornalismo. Qualquer que seja
sua justificação econômica ou organizacional, a convenção resulta numa
estrutura de mensagem que é relativamente aberta a um leque de interpretações
(apud GOMES, 2007, p. 50).
Portanto, para a identificação do gênero de um programa televisivo além da teoria
classificatória é necessário buscar instrumentos metodológicos próprios à linguagem audiovisual
que efetivamente esclareçam a questão e caracterizem o objeto.
1.2. Opções metodológicas e conceitos para o estudo do programa de telejornalismo rural:
entre gêneros e formatos televisivos
Destaca-se entre as categorizações de gêneros de programas de TV já estudadas duas
classificações.
24
A primeira, baseada na obra de Marques de Melo e publicada em estudos sobre a
programação da TV brasileira feitos por Reimão (1997), tem o ineditismo de dar visibilidade nos
estudos de gênero televisivos ao programa de temática rural. Aqui fazemos constar apenas como
um registro, pertencente à Categoria “Especial”, o gênero “agrícola”.9
A segunda classificação, adotada nesta análise, tem origem nos estudos de Aronchi de
Souza(2004) sobre gêneros na televisão. Ela retrata uma fase de mudanças significativas na nossa
televisão, mas bastante atual, o período entre 1994 e 2003.
O pesquisador identificou os programas de acordo com as suas características de produção e
chegou a um quadro de classificação da televisão brasileira onde aponta o surgimento de novas
categorias. O maior destaque está na categoria Entretenimento que é, segundo o autor, a que de
longe produz o maior número de gêneros na TV (como, por exemplo, o reality-show).
Um dos conceitos mais explorados pela pesquisa foi o de formato de programa.
Primeiramente, Aronchi de Souza delimitou 37 gêneros distribuídos em 5 categorias:
Fonte: Aronchi de Souza, 2004, p. 92.
9
De acordo com a nossa análise esta classificação indica um reducionismo ao relacionar o rural somente ao agrícola,
isto é, com ênfase à questão do cultivo da terra, do melhoramento técnica, e não necessariamente à interação e
participação do homem em todos os processos pertinentes à esta produção. Reimão registra as seguintes categorias:
1) Categoria: Informativo; Gêneros: telejornal, reportagem, entrevista, documentário, outros. 2)Categoria:
Entretenimento; Gêneros: novela, cinema, teatro, teleplay (teleteatro), seriados, desenho animado, música popular,
música erudita, humorismo, esporte, programa de auditório, variedades, outros. 3)Categoria: Educativo; Gêneros:
cursos, ciências, artes, esportes, civismo, outros. 4) Categoria: Especial; Gêneros: infantis, minorias étnicas,
religião, agrícolas, outros (1997, p. 13).
25
Apesar de obter um quadro atual e com um maior número de gêneros televisivos, a
classificação de Aronchi de Souza não faz menção ao gênero rural, presente na grande maioria
das emissoras de TV abertas no Brasil.
Ao reconhecer a pertinência desta afirmação, em colaboração com essa pesquisa, o
professor Dr. José Carlos Aronchi de Souza fez então a inclusão do programa rural (informativo)
à sua classificação dentro do gênero telejornalismo temático ou especializado (ARONCHI DE
SOUZA, 2007, entrevista n31).
Esta deferência se deu pelo fato de observarmos que em sua obra o pesquisador não citava
especificamente estes programas rurais, mas fazia somente uma referência genérica ao
telejornalismo temático.
Em tempo, o autor inclui os programas de telejornalismo rural, ou seja, os programas rurais
que utilizam o gênero telejornal, na Categoria Informativo, a mesma do telejornal.
Aronchi de Souza10 afirma que durante a sua pesquisa já havia reconhecido a
representatividade do gênero rural na TV e sua complexidade. O autor dá como exemplo desta
produção o programa Globo Rural como já havíamos definido anteriormente11.
Contudo, ao se chegar a esta classificação do gênero telejornalismo temático para
programas rurais informativos de TV se percebe que ela ainda não é suficiente para definir a
produção do programa Globo Rural e de muitos outros programas rurais regionais.
Quando um programa de televisão, a exemplo do Globo Rural, surge na grade de
programação é logo definido pelo jargão do mercado como temático ou de mídia segmentada: um
tipo de produto televisivo que transmite a informação de um setor, fala para um público
específico e pressupõe investimentos maiores e mais produção.
O fato é que a emissora ao lançar suas estratégias de audiência não faz uma aposta somente
no gênero, mas também em um formato de programa, numa forma de comunicação, num padrão
de produção inovador, que possa corresponder ou se adequar às necessidades do público-alvo e
principalmente, diferenciá-lo de outros programas.
10
Em colóquio com a autora desta Dissertação no Intercom-2007.
“Portanto, segundo a minha classificação, teremos: Categoria=Informação; Gênero=Telejornalismo temático ou
especializado; Formatos=gravado, apresentador em estúdio, reportagem, entrevista. Veja que no meu livro eu
classifico os programas de acordo com as características da produção O Globo Rural também tem características de
outros gêneros. Por isso, há várias interpretações (para programas rurais) que podem mudar de acordo com a
emissora” (ARONCHI DE SOUZA, 2007, entrevista n 31).
11
26
Estas práticas do mercado estão assimiladas de uma maneira geral pelos pesquisadores, por
profissionais da mídia e até certo ponto pelos telespectadores, mas foi a partir do estudo do
telejornalismo rural, e mais especificamente, do programa Globo Rural, que se pôde certificar
como a criação e o desenvolvimento de um produto televisivo se mantém imbricado ao
pressupostos da teoria das categorias e gêneros na Comunicação exigindo uma análise de
contexto.
O gênero é uma chave para a análise dos programas de TV, mas é o formato que mantém
ativo os mecanismos de combinação e interação deste gênero, que por sua vez promovem as
diferenciações entre os produtos televisivos.
Vejamos o exemplo do Globo Rural: o programa que era “temático” (rural) originou-se de
um gênero informativo, o telejornal. A partir daí, se criou um formato que combinava os
elementos jornalísticos provenientes do telejornal (apresentação, reportagem, nota) dispostos de
acordo com os recursos tecnológicos da emissora, com a arte cinematográfica e com as políticas
editoriais para a abordagem das informações do mundo rural.
Ao telejornal se somaram outros gêneros e formatos, como o documentário, os gêneros
educativos, o musical e até o culinário e, desta maneira, foram também estabelecidas as
condições estilísticas e produtivas para a prática do jornalismo rural na TV.
Com esta conjunção fica claro perceber que o formato de um programa de telejornalismo
rural não se iguala a um programa de leilões de gado, nem a outro sobre ecologia, nem pode ser
confundido com um programa de agrobusiness (mercado), de técnicas agrícolas ou música
sertaneja apesar de conter/combinar estas temáticas 12.
Rezende (2000) ainda observou que no transcorrer de um telejornal a própria transmissão
da notícia pode assumir diversos formatos promovendo uma diferenciação a um nível mais
profundo13. Intrigava-lhe a idéia de que no Brasil, onde o telejornal é bastante popular, muitas
pessoas tivessem a impressão de ver e ouvir as mesmas notícias em todos os canais. Mesmo
assim, os telejornais mantinham diferenças que eram facilmente apontadas por qualquer
telespectador de uma emissora para a outra.
12
Esta combinação como veremos adiante também pressupõe uma definição do rural
Esta diferenciação na forma dos telejornais, que é uma prática do mercado, segundo Rezende (2000, p145) assume
importância relevante na pesquisa brasileira principalmente a partir de 1980. Nesta época Marques de Melo lança
uma revisão abrangente dos gêneros jornalísticos passando a classificar as subdivisões existentes entre os gêneros,
denominando-as formatos.
13
27
Rezende comparou programas de um mesmo gênero e com formatos semelhantes, os
telejornais do horário nobre, e descobriu que os programas apesar de trazerem praticamente as
mesmas notícias ganhavam composições diferentes durante a elaboração do espelho. As
reportagens podiam ser reunidas de acordo com o gênero ou o tipo de comentário a ser feito; e
ainda, os formatos jornalísticos eram utilizados em proporções diferentes o que resultava em um
telejornal com formatos mais opinativos ou mais informativos.14
Isto naturalmente também pode ocorrer entre programas de telejornalismo rural de
emissoras concorrentes; basta que sejam identificados seus formatos jornalísticos principais e
neste caso, como fez Rezende , se empreenda uma análise qualitativa.
Em se tratando dos gêneros informativos, alguns formatos jornalísticos são mais
conhecidos, e se confundem com a própria noção de telejornal, como: a reportagem, a entrevista,
a narração em off, o depoimento, a dublagem e o voice-over (voz do narrador em português sobre
a voz original em idioma estrangeiro) a legenda e a vinheta.
Já os formatos televisivos simultâneos (“ao vivo”) quando relacionados a uma moderna
estrutura de equipamentos e à evolução tecnológica, se tornam um grande diferencial dos
14
Para formatos opinativos e informativos do telejornal se estabele as seguintes definições, baseadas na obra de
Marques de Melo e apresentadas por Rezende. Informativos:1) Nota - é o relato mais sintético e objetivo de um fato,
que, no te1ejornalismo, pode assumir duas formas, a nota simples, formada apenas pelo texto falado lido pelo
apresentador, sem imagens e a nota coberta, com imagens do acontecimento e narração em off do apresentador. 2)
Notícia - é o relato de um fato mais completo do que a nota, por combinar a apresentação ao vivo e a narração em off
coberta por imagens. 3) Reportagem - é a matéria jornalística que fornece um relato ampliado de um acontecimento,
mostrando suas causas, correlações e repercussões. Em sua estrutura completa, constitui-se de cinco partes: cabeça,
off, boletim, sonoras (entrevistas) e pé, mas pode configurar-se também sem uma ou mais dessas partes. De modo
algum, porém, deve prescindir é da intervenção - direta ou em off - do repórter. 4) Entrevista - é o diálogo que o
jornalista mantém com o entrevistado, pelo sistema de perguntas e respostas, com o objetivo de extrair informações,
idéias e opiniões a respeito de fatos, questões de interesse público e/ou de aspectos da vida pessoal do entrevistado.
De todos os gêneros jornalísticos, a entrevista é a que mais se utiliza do estilo coloquial, mais próximo da linguagem
popular. O caráter espontâneo e improvisado de sua produção, fortalecido pela circunstância dialogal com que se
manifesta,é típico do estado de oralidade da língua. 5) Indicador - são matérias que se baseiam em dados objetivos
que indicam tendências ou resultados de natureza diversa, de utilidade para o telespectador em eventuais tomadas de
decisões, o que lhes dá o sentido de um jornalismo de serviço. Esses indicadores podem ter um caráter permanente,
caso das previsões meteorológicas, números do mercado financeiro e informações de condições de trânsito ou
temporário, a exemplo dos resultados de pesquisas eleitorais. Dos oito formatos identificados por Marques de MeIo
(1997), apenas três integram o gênero jornalismo opinativo na TV. Opinativos: 1) Editorial - texto lido geralmente
pelo apresentador, que expressa a opinião da emissora sobre uma determinada questão. Em casos excepcionais, pode
representar também a opinião dos editores do telejornal. Nessas situações, a opinião deixa de ser anônima e se
confunde com a avaliação pessoal do editor. 2) Comentário - matéria jornalística em que um jornalista especializado
em um determinado assunto (economia, esporte, política nacional etc.) faz uma análise, uma interpretação de fatos
do cotidiano. Em sua apreciação, o comentarista, muitas vezes, além de explicar os acontecimentos e problemas,
orienta o público, que pode conferir ao seu trabalho uma conotação de jornalismo de serviço. 3) Crônica - no limite
entre a informação jornalística e produção literária, a crônica é um gênero opinativo que, mesmo que remeta a um
acontecimento da realidade, vai além da simples avaliação jornalística do real. Na linguagem da TV, a crônica conta
com outros recursos expressivos além da palavra, as imagens e a música (REZENDE, 2000, p. 157-159).
28
telejornais. Neste grupo estão os formatos: câmera oculta (utilizado na cobertura investigativa), o
teletexto (aparece no “rodapé” da tela dos telejornais de rede fechada ou canais de notícia) e o
interativo (onde a audiência é estimulada a participar por carta, fax, telefone ou internet).
Outros formatos como o noticiário (com a leitura de notas e notícias pelo apresentador, sem
uso de reportagens), muito utilizado antes do videoteipe hoje estão praticamente em desuso.
Paternostro (1994, p. 42) afirma que, mesmo nos telejornais, é preciso uma boa dose de
intuição e empirismo para compor formatos que possam “seduzir” a massa de telespectadores
(nem sempre atenta) do outro lado da telinha. Estas “formas” de contar a notícia seriam
apreendidas durante a prática profissional e com leitura especializada.
Para Aronchi de Souza quem trabalha com TV precisa saber aplicar as técnicas, mas a
inventividade na criação de formatos é uma moeda de troca mais valiosa. É preciso conhecer o
que já existe no mercado hoje para poder “falar a sua língua” e criar maneiras de expressão mais
adequadas, sintonizadas com as tendências da atualidade e por formatos diferenciados.
Na tentativa de dar uma contribuição à formação dos futuros profissionais de TV e à
pesquisa da produção televisiva, o autor empreendeu um estudo que durou quase uma década, e
do qual resultou uma classificação de trinta e um formatos aplicados aos 37 gêneros de
programas da televisão brasileira15.
Esta tabela de formatos é adotada como instrumento de análise nesta investigação sobre o
programa Globo Rural:
15
A pesquisa foi baseada no seguinte tripé: bibliografia especializada sobre as teorias dos gêneros na televisão;
indicações do(s) gênero(s) classificado(s) pela(s) emissora(s) e análise do tempo dedicado ao gênero na programação
da rede de televisão. Segundo o autor, ao classificarmos os gêneros e particularmente, os formatos, fica claro
perceber quais elementos foram utilizados e quais etapas de produção foram necessárias para compor o programa.
29
Na classificação de Aronchi de Souza o programa Globo Rural teria o seguinte formato:
gravado + apresentador em estúdio + reportagem + entrevista (ARONCHI DE SOUZA, 2007,
entrevista n 31).
Entretanto, a função da tabela é unicamente nos dar subsídios para identificar outros
elementos e etapas de produção que compõem os formatos a fim de estabelecer critérios mais
específicos de diferenciação. Há o intuito de não engessar a produção do Globo Rural (e nem de
outro programa), mas fazer o caminho contrário, produzir conhecimento sobre como os formatos
são criados pelos seus produtores e jornalistas.
Segundo Aronchi de Souza o “formato é uma linguagem desenvolvida pela televisão para
dar forma a um gênero de programa e transmiti-lo” (2004, p. 183). E o formato do Globo Rural
nos indica que já existe “um jeito de dizer” sobre o campo (e para o homem do campo); que há
uma “fala do rural” sedimentada pela TV e que hoje, ultrapassa em muitas variáveis a
combinação acima sugerida pelo autor.
30
De uma forma ou de outra, estes formatos buscam, exigem atenção e resposta e como nos
lembra o crítico americano Todd Gitlin: “Os que produzem para as mídias querem que sua
platéia, mais do que tudo fique ligada. Têm um fluxo a administrar” (GITLIN, 2003, p. 164).
Watts (1990, p. 9), no manual da rede britânica BBC, também recorre a este universo dos
produtores ao relacionar o formato a um mix de técnicas empregadas numa referência às
“soluções encontradas pelos produtores/diretores (repórteres, cinegrafistas)” durante o esforço
de criar um programa e de manter a audiência ligada.
No manual, o diretor de TV se refere aos formatos como “fórmulas”. Watts não se diz
contra os formatos e explica que, em sua maioria, eles surgem de boas idéias e oferecem
vantagens dentro da indústria televisiva, pois evitam que os produtores se exponham ao fracasso
total (“sabem que seus programas vão funcionar”).A crítica vai justamente para a reprodução
indefinida de programas baseados em “fórmulas de sucesso” já desgastadas16.
Então qual seria um outro ponto de partida para compor um formato de programa de TV?
Segundo Watts, para criar um programa, documentário ou reportagem, o produtor (mesmo
sem abrir mão do uso de algumas fórmulas ou de uma idéia) teria um “problema inicial”: as
condições técnicas de produção.
Na maioria das emissoras a estrutura disponível (equipamentos, cenários etc.) para a
produção de programas costuma ser fixa e só muda ocasionalmente, quando há um alto
investimento financeiro. Portanto, o ponto de partida para a criação de um formato seria o
suporte físico (filme em cores, película, vídeo, gráficos, vinhetas) e a situação de produção (uso
de estúdio, de apresentador, de dramatização) disponibilizados pela emissora de TV e não
somente o assunto a tratar.
Depois, por meio de um “inventário de alternativas” o diretor escolheria entre opções
mutuamente excludentes para decidir pelo formato mais indicado. No esquema, temos um
exemplo a composição do formato de um programa que vai utilizar um repórter/apresentador.
Nota-se que a partir desta opção vários elementos de composição são desencadeados:
16
O motivo desta padronização de categorias e gêneros de programas na televisão não é desconhecido e pode ser
interpretado, mais uma vez, pela ótica de uma indústria que tem seus produtos à venda. O comprador destes produtos
é o mercado publicitário que precisa identificar um público-alvo e não se dispõe a correr grandes riscos. Poucos
anunciantes desejam arriscar patrocinar programas não-convencionais. As emissoras comerciais precisam atender às
necessidades dos anunciantes, ao contrário das educativas, que buscam as necessidades do público (ARONCHI DE
SOUZA, 2004, p52)
31
Fig 1: Inventário de alternativas
Fonte: Watts, 1990, p.40
Esta análise de Watts interessa ao estudo do Globo Rural à medida que mostra uma
extensão do processo de produção do gênero/formato e o caminho para sua identificação. Não
obstante o padrão de produção de programas da BBC ser reconhecido mundialmente, em estudos
preliminares, se observou ainda que a Rede Globo de Televisão desenvolveu o seu padrão de
produção priorizando a técnica e a aquisição de equipamentos não dispensando o uso de fórmulas
de programas de sucesso.
1.2.1. Nomenclatura técnica do telejornal
O telejornalismo tem tantos formatos quanto jargões. Com objetivo de estabelecer um
mesmo significado para os elementos de composição do telejornal buscamos fazer um breve
relato destas referências técnicas. E o caminho escolhido foi a análise do espelho - um dos
instrumentos mais importantes para que um determinado formato de telejornal seja realizado e vá
ao ar.
O espelho é um quadro feito pelo editor-chefe do telejornal que contém a ordem de entrada
das matérias, sua divisão por blocos, a previsão dos comerciais, chamadas e encerramento. Ele
32
possui características especiais e espaços para marcações técnicas de tempo, som e imagem que
devem ser obedecidas durante a operação do telejornal (PATERNOSTRO, 1994, p.98)
Cada elemento que compõe o formato do telejornal é transcrito no espelho e como o próprio
nome diz, é ele quem “reflete” a estrutura do jornal na sua fase de produção. Esta “imagem”
muda constantemente à medida que surgem novas notícias e só vai ganhar uma forma definitiva
após o seu fechamento, quando se transforma no script do programa.
A primeira parte do espelho é a escalada, que se compõe da leitura pelo apresentador (es)
das principais notícias do dia. Além das manchetes, a escalada pode ganhar mais ritmo e atrair a
atenção do telespectador com a inclusão do teaser, uma pequena chamada feita pelo repórter
sobre uma notícia de destaque no jornal.
As matérias jornalísticas, em seus mais diversos gêneros e formatos, são distribuídas em
blocos que variam em número e duração de um telejornal para outro. Os blocos são separados por
intervalos(breaks) destinados aos comerciais e chamadas/boletins da emissora. Esses intervalos
normalmente começam e terminam com vinhetas, chamadas musicais de curta duração que
identificam o programa.
A técnica de organização dos blocos dentro do telejornal e das notícias e
reportagens dentro dos blocos segue esquema parecido com a ‘tática
mercadológica’ aplicada pelos diretores em outros tipos de programa de
televisão. O primeiro bloco tem função de atrair, interessar e cativar o
telespectador para o noticiário. Os seguintes, os do meio, normalmente o
segundo e o terceiro blocos, têm a intenção de manter, conservar o telespectador
na programação jornalística. O último apresenta as principais notícias do dia
[...]. É comum se observar o hábito de encerrar o telejornal com uma notícia
‘leve’, ‘positiva’ desprovida de carga dramática e violenta que possa chocar os
telespectadores (SQUIRRA, 1993, p. 101).
No espelho se pode ver a indicação de outros elementos da produção do jornal como: a
cabeça de matéria que é o texto lido pelo apresentador antes da reportagem (ou de uma nota
informativa com imagens); o boletim (ou stand up) feito pelo repórter geralmente no lugar onde
ocorreu a notícia exibidos em uma cena sem cortes. A nomenclatura link sinaliza que a entrevista
ou o boletim será feito ao vivo. Também é apontada no espelho a passagem ou a abertura do
repórter na matéria para que o operador de caracteres insira, no momento da exibição do VT, as
informações do local da reportagem e os nomes do repórter e entrevistados.
A inscrição off indica que a narração do apresentador ou do repórter está gravada/editada
junto com as imagens da notícia.
33
A finalização da reportagem é feita com um pé: uma nota curta, lida pelo apresentador que
dá uma informação complementar e evita, no caso de um assunto polêmico, que a última palavra
fique com um dos entrevistados.
1.3. Instrumentos para caracterização dos gêneros de programas de TV e a estratégia
de estudo de caso
Entre os instrumentos mais utilizados pelos pesquisadores da Comunicação para a análise
dos gêneros/formatos dos programas de TV estão os quadros de classificações (cujos exemplos
podem ser encontrados no tópico anterior) e a contextualização. Esta última se apresenta como
um conjunto de métodos e ações que busca encontrar as relações entre entre o produto/programa
(ou sua mensagem)
e o lugar em que ele foi produzido, o tempo histórico, a cultura, os
emissores, o público-alvo, os meios tecnológicos utilizados enfim, em que circunstâncias o
programa foi ou está sendo elaborado.
Segundo a teoria de Martín-Barbero (1997) o jornalista/produtor de programas toma
decisões e atua de acordo com o contexto em que está imerso negociando simbolicamente com os
meios. Ao tratar dos gêneros jornalísticos, Rezende (2000, p.145) demonstra num relato histórico
que fatores tecnológicos, culturais , econômicos e políticos da sociedade estão de fato
empiricamente relacionados a produção do jornalismo brasileiro e, portanto à sua classificação.
Para Gomes, o estudo do gênero de programa de TV implica principalmente numa
contextualização de caráter histórico, que pode ser realizada a partir da contextualização do
programa na grade da emissora; do programa em relação à emissora (entendida enquanto marca e
enquanto organização jornalística), contextualização em relação à televisão, ao jornalismo, à
sociedade. No entanto, a contextualização não deve se transformar em objeto desta investigação,
mas ajudar a compreender melhor o objeto, ou seja, como o programa rural convoca o seu
contexto (GOMES, 2007, p. 5)17.
Esta estratégia também foi adotada por Aronchi de Souza (2004, p. 58) que fez análises
qualitativas e quantitativas da programação das emissoras estabelecendo assim um instrumento
metodológico: o perfil do programa.
17
GOMES,
Itania
Maria
Mota.
Disponível
em:
<http://boston.braslink.com/compos.org.br/ecompos/adm/documentos/ecompos08_abril2007_itaniagomes.pdf>. Acesso em 29 ago. 2007.
34
Aronchi de Souza (2004) trabalhou com o pressuposto de que a grade horária das emissoras
é estruturada a partir de pesquisas de audiência e da estratégia de cada TV. Programas de sucesso
geralmente estão em horários onde a sua audiência é maior (e com isso faturam mais em
propaganda). Cada tipo de programa também pressupõe uma audiência qualificada, designada
pela faixa etária, sexo e nível social.
A construção do perfil consiste em detectar o percentual de participação dos diversos
gêneros de programas na grade de acordo com as quatro categorias de gêneros: entretenimento,
informativo, educativo e outros.
No perfil também entram os dados atuais do programa: de que maneira ele é levado ao ar,
qual a sua estrutura técnica e funcional, nível de produção audiovisual e sua posição junto à
audiência e em relação à concorrência. À luz da metodologia, o perfil se torna ainda mais útil e
completo se for constituído por dados históricos do objeto, da bibliografia dos gêneros de
programas televisivos e das listas de programação da emissora publicadas nos jornais.
Nesta Dissertação optou-se por uma contextualização do programa rural em relação à
programação da Rede Globo nas três décadas de exibição do Globo Rural. Tomou-se como
referência a incidência do gênero/temática rural nos principais produtos da emissora: a
teledramaturgia e o telejornalismo.
Este instrumento metodológico foi produto de uma investigação preliminar onde se
constatou que os registros das grades com toda a programação da Rede Globo e a bibliografia
geral dos programas são bastante reduzidos (não abordando todas as fases de produção e dias da
semana).
Mesmo os registros da década de 1990, considerados mais recentes, não estão disponíveis
na maioria dos arquivos públicos e bibliotecas das médias e grandes cidades do estado de São
Paulo e Paraná (com exceção da capital São Paulo) e que, por sua vez, não primam pelo depósito
dos principais jornais de veiculação nacional que publicam as grades das emissoras.
No caso do Globo Rural, um programa em rede nacional, iniciado na década de 1980, a
dificuldade de se estabelecer o perfil pela análise da grade de programação se deu principalmente,
pela inexistência de arquivos em papel deste passado recente da TV18.
Para se compor o perfil do programa de maneira mais aprofundada, além da bibliografia da
programação publicada pela Rede Globo, recorreu-se aos depoimentos dos profissionais de
18
Na Internet encontramos alguns fragmentos da grade da Rede Globo em décadas anteriores, mas sem o crédito das
fontes.
35
televisão e do Globo Rural por meio de entrevistas estruturadas e semi-estruturadas.
Paralelamente a este trabalho uma investigação, acerca destes mesmos atores sociais e do
programa Globo Rural, se estabeleceu em outros meios como suplementos de jornais regionais
com programação da TV, revistas especializadas, revistas femininas, artigos e entrevistas com
profissionais em sites, trabalhos acadêmicos, livros didáticos destinados aos alunos de
comunicação, manuais de redação e até, como sugeriu Duarte (2003, p. 2), aos panfletos, folders
e outros materiais de propaganda veiculados no lançamento dos programas.
Após esta incursão na teoria das categorias, no campo da produção televisiva e do trabalho
de coleta de informações e da transformação destas em dados fez-se necessário o estabelecimento
de um método que contemplasse esta investigação e que abarcasse dentro da pesquisa descritiva
as diretrizes teórico-metodológicas para que se pudesse efetivamente chegar a uma conceituação
da produção do programa Globo Rural e do telejornalismo rural (LOPES, 2003, p.128).
A partir da leitura da obra de Yin (2005), o estudo de caso se mostrou então como uma
estratégia de pesquisa abrangente de modo a permitir o aprofundamento da análise das variáveis
do problema de pesquisa, como nos relata o autor:
O estudo de caso é a estratégia escolhida ao se examinarem acontecimentos
contemporâneos, mas quando não se podem manipular comportamentos
relevantes. O estudo de caso conta com muitas das técnicas utilizadas pelas
pesquisas históricas, mas acrescenta duas fontes de evidências que usualmente
não são incluídas no repertório do historiador: a observação direta dos
acontecimentos que estão sendo estudados e entrevistas das pessoas neles
envolvidas. Novamente, embora os estudos de caso e as pesquisas históricas
possam se sobrepor, o poder diferenciador do estudo de caso é a sua capacidade
de lidar com uma ampla variedade de evidências- documentos, artefatos,
entrevistas e observações (YIN, 2005, p. 26-27).
Em outras palavras, o estudo de caso se constitui em um método amplo e adequado a esta
Dissertação, pois
-beneficia-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para conduzir a coleta e
análise de dados,
-baseia-se em várias fontes de evidências (com os dados precisando convergir em um
formato de triângulo),
-tenta esclarecer uma decisão ou um conjunto de decisões, o motivo pelo qual foram
tomadas, como foram implementadas. E como forma de investigação empírica
36
-deve nos levar à caracterização do objeto e, em última análise, às suas variações e
conclusões.
1.4. Entretenimento: gênero de primeira necessidade no telejornalismo?
O estudo de caso como estratégia de pesquisa, segundo Yin (2005) também é uma forma de
inquirição, aplicado principalmente quando os limites entre fenômeno e o contexto não estão
claramente definidos (2005, p.30 e 32). Esta é a prerrogativa do tema deste tópico - a existência
de uma variável que insistentemente acompanha o estudo de gêneros de programas de TV e que
será abordada a fim de estabelecermos a sua relação dentro do contexto televisivo, e do programa
de telejornalismo rural, sem que haja a necessidade de se retornar à discussão mais adiante.
O telejornal é um gênero informativo por excelência, mas não está imune ao fenômeno que
envolve a categoria que mais cresce na programação televisiva: o Entretenimento. Neste estudo
sobre gêneros e formatos, se observou que autores nacionais e internacionais reservam parágrafos
e até capítulos inteiros para comentar o “infotenimento” 19: tipo de jornalismo que não é feito só
de notícias e, muitas vezes, diverte e emociona mais com uma imagem “banal” do que com a
reportagem do dia.
O telejornalismo rural também está inserido nesta questão e não é por acaso. Os programas
rurais em sua maioria, em horários matutinos, exercem a função de alavancar a programação da
grade e investem cada vez mais em formatos atrativos e conteúdos curiosos para ganhar a atenção
do espectador.
O entretenimento seguindo uma diretriz mercadológica virou um “gênero de primeira
necessidade” na televisão.
O entretenimento é necessário para toda e qualquer idéia de produção, sem
exceções. Todo o programa deve entreter, senão não haverá audiência. Entreter
não significa somente vamos sorrir e cantar. Pode ser interessar, surpreender,
divertir, chocar, estimular ou desafiar a audiência, mas despertando sua vontade
de assistir. Isso é entretenimento. Programas com propósito de informar são
necessários em qualquer produção, exceto naquela dirigida inteiramente para o
entretenimento (balés, humorísticos, videoclipes etc.). Informar significa
possibilitar que a pessoa, no final da exibição, saiba um pouco mais do que sabia
no começo do programa a respeito de determinado assunto (WATTS, 1990, p.
20).
19
Sobre o “Infotenimento” no Brasil leia a obra de Fábia Angélica Dejavite.
37
Esta diretriz imprime contornos bem visíveis à programação. Na maioria das televisões do
mundo a programação tem caráter diversional. De acordo com Kovach -Rosenstiel a diversão
forma hábitos e o jornalismo busca esta ressonância no fluxo de informações (2004, p.113).
No Brasil, segundo Marques de Melo (2002, p. 60), se observa no jornalismo uma mistura
de fatos ficcionais e noticiosos.
Esta realidade pode gerar um impasse tanto para o jornalismo como para a sociedade em
geral colocando a ética jornalística em cheque.
Para John Pearce, redator da revista The New Yorker, o jornalista ou o escritor de não-ficção
“deve se comunicar com o público por meio de gente de verdade em lugares de verdade”:
Então, se essa gente fala, nós reproduzimos o que eles disseram. Não decidimos
o que eles disseram... Não inventamos diálogos. Não construímos uma
personalidade acabada. E tampouco entramos em sua maneira de ser, pensando
por eles (KOVACH-ROSENSTIEL, 2004, p. 124).
Este terreno movediço do jornalismo, para Gitlin (2003, p. 52), é resultado da “torrente de
mídias”. Um fenômeno que de tão presente em nossas vidas, se torna invisível. Para o autor,
mídia não é só aquilo que se vê na TV, é a estrutura em que vivemos nossas vidas, não apenas o
conteúdo, mas também o meio. Segundo Gitlin vivemos numa ‘sociedade da informação’, mas
esta também é, embora de forma menos famosa, uma ‘sociedade de sentimento e sensação’, onde
as informações são utilizadas para a sua promoção.
Medeiros,20 ao analisar os critérios de noticiabilidade adotados nos telejornais brasileiros,
identificou um padrão contido nas reportagens que chamou de “dinâmica da telenovela”. Para
essa autora, esse padrão que busca a humanização do fato, consegue manter o receptor preso à
programação jornalística. São reportagens nas quais seus produtores adotam uma postura criativa,
de aprofundamento dos fatos e de relação de troca com o sujeito do acontecimento. Como na
telenovela, a câmera mantém uma proximidade que diz mais que as palavras “são cenas de
pessoas e lugares que falam por si só, observadas com o olho clínico do repórter e registradas
com competência pelo cinegrafista, cuja participação é tão importante quanto a do repórter”21.
Kovach-Rosenstiel (2004, p. 225-241) ainda ressaltam que contar histórias e informação
não são atividades contraditórias. Para eles, o grande desafio não é fornecer informações, mas
como fornecê-las de uma maneira que as pessoas se sentirão inclinadas a ouvi-las. E grande parte
20
MEDEIROS, Ana Lúcia. Disponível em:<http://www.cult.ufba.br/enecul2005/AnaLuciaMedeiros.pdf>. Acesso
em 10 out. 2007.
21
Idem.
38
dos jornalistas estaria falhando neste campo, da personalidade e do detalhe, que faz alguém
parecer mais humano e real.
Em outras palavras, parte da responsabilidade de um jornalista é fornecer informação e
utilizar elementos que mantenham a atenção dos leitores para a notícia, mas uma lista enorme de
problemas impede que as reportagens sejam produzidas e “amarradas” com esta competência,
dentre elas a pressa, a falta de repertório e de talento, os preconceitos, a instabilidade profissional
e ainda o tempo determinado para a notícia na TV.
A crença das empresas de televisão de que “as pessoas preferem matérias curtas” e de que
“o estado de atenção diminui cada vez mais” é um ponto de reflexão.
Nos EUA os telejornais de maneira geral estão perdendo espaço para os programas de
entretenimento, o que motivou pesquisas a fim de melhorar a audiência.
Para uma “massa desatenta” ou “mais ligada na diversão”, informar entretendo às vezes
torna-se a única opção do jornalista. No telejornalismo, esta opção traduz ainda uma condição
imposta aos profissionais visto que a maioria dos jornalistas não tem acesso a pesquisas de
audiência e pouco retorno desta pelos canais da redação.
Paternostro se exime de uma discussão crítica, mas acredita que vale a pena informar para o
chamado grande público- uma massa heterogênea de pessoas com milhares de características
diferentes “seduzida” pela TV: “A mensagem que vai atingir as pessoas depende da razão e da
emoção de quem a escreve. Portanto, o que importa verdadeiramente é a qualidade do trabalho
que se faz, com honestidade, dignidade, caráter , princípios”(1994, p.42-43)
A humanização e a personificação das reportagens, práticas comuns no telejornalismo
brasileiro, conduz ao entretenimento, mas o resultado pode ir da virtude ao desastre em segundos.
O editor do Jornal Nacional em 1998, Mário Marona, diz que acabou sofrendo muitas
críticas ao levar ao ar três reportagens sobre o “romance” de uma macaca do zoológico de
Brasília produzidas pela repórter Zileide Silva. É também exemplar (e na época foi bastante
polêmico) o acesso de riso da âncora do Jornal da Globo, Lílian Witte Fibe, por causa de uma
nota bem-humorada de “boa noite” sobre uma velhinha de 86 anos que foi presa na alfândega de
Miami, com pílulas de ecstasy pensando ser de Viagra. (JORNAL NACIONAL, 2004, p. 291).
Programas de telejornalismo rural há muito lançam mão das receitas culinárias regionais,
das paisagens cinematográficas, da música e mais recentemente da dramaturgia para entreter e
39
informar. A ponto de jornalistas ultrapassam a linha tênue da passagem participativa e a
dramatização para se transformarem em atores/cantores.
Alguns comunicólogos comentam que por conta da proximidade do meio (e até do
melhoramento da tecnologia da imagem e do som) o profissional de TV acaba pressionado entre
o próprio formato e a audiência. A postura de interação e a aparência de quem está no vídeo são
julgadas pelo telespectador antes mesmo do conteúdo da notícia: o corte de cabelo chama
atenção, o modelo do blaiser da apresentadora, o caimento do terno do apresentador, o cenário, a
cor da camisa do repórter, a estampa da gravata, maquiagem, microfone, o tom de voz, o gestual,
caras e bocas. E tudo entretém.
Esses desafios, assim como um público meio distraído, não tornam o jornalismo
impossível, só difícil (KOVACH-ROSENTIEL, 2004, p. 235).
1.5. Sobre o Rural: conceitos operatórios acerca dos estudos da Comunicação rural, o
agronegócio e o telejornalismo
Alguém que trabalha três semanas para produzir dez sacos de cenoura é menos eficiente que
outra pessoa que só precisa de um dia para obter dez sacos?
Sim e não. Não, porque, de fato, a pessoa que obtém dez sacos de cenoura em um dia não
está no mesmo segmento da cadeia produtiva, é o comerciante. Sim, porque produzir muito nem
sempre é sinônimo de bom resultado para o agricultor.
A conta é antiga, quem investe na agricultura - agricultores, empresários e comerciantes –
sempre busca a maior diferença possível entre insumos (entrada) e produção (saída). É um mercado
onde vale a lei da oferta e da procura e ignorá-la é condenar qualquer empreendimento à falência.
Na atual história da agropecuária brasileira, o agronegócio consolidou as cadeias produtivas
da agroindústria. A eficiência não se relaciona somente à produtividade da lavoura, à boa atuação
comercial do empresário rural, mas também a outras variáveis como a influência do mercado
internacional e o desempenho de uma parcela muito pequena da população que trabalha no campo
da ciência, os agrocientistas.
No Brasil, durante as últimas décadas, a agricultura e a pecuária se desenvolveram
rapidamente impulsionadas por fortes investimentos em tecnologia e mecanização com expectativa
de aumentar os lucros, diminuir os riscos e melhorar a qualidade da produção. Com grande
extensão de área cultivável, necessária para se obter ganhos em escala de exportação, a política de
40
apoio ao agronegócio no país trouxe efetivamente o aumento da oferta de produtos e serviços para
o consumidor, atraiu compradores dos mercados estrangeiros, mas também expulsou boa parte dos
pequenos produtores do campo com a substituição das culturas agrícolas locais pelas grandes
plantações de soja, milho, cana-de-açúcar e criação de gado de corte.
O que se vê hoje é um Brasil rural tal como uma imensa colcha de retalhos onde se
encontram a bovinocultura, as monoculturas para exportação, a agricultura orgânica, a
agroindústria, o turismo rural, o extrativismo e a agricultura tradicional e familiar. Mesmo com
pouca mecanização, a agricultura familiar produz 60% dos alimentos consumidos pelo brasileiro
(feijão, mandioca, leite, milho, aves, ovos) e ainda cultiva as mais diversas formas e expressões da
cultura regional ricamente bordadas no tecido social.
Se é verdade que a participação da agricultura na economia tem diminuído ao longo da
história recente do país (se situando nos últimos anos ao redor de 10% do PIB), o agronegócio na
sua concepção mais ampla mantém uma elevada participação, estimada entre 35 e 40% e que ainda
gera 37% dos postos de trabalho22.
Por conta destes e de outros contrastes, a realidade rural brasileira exige esforço para ser
compreendida em seus aspectos socioeconômicos e culturais. Longe de se mostrarem consensuais,
as discussões sobre as transformações no rural, se encontram em fase de acirrado debate nas
Ciências Sociais, na Comunicação e em suas especialidades.
O espaço rural brasileiro está passando por mudanças significativas que vão desde a
inversão de fluxos migratórios até o surgimento de novas atividades econômicas não
necessariamente agrícolas. Esta nova fase se fundamenta no uso de um sem-número de inovações
tecnológicas no campo e em diferentes dinâmicas de interação com o mundo urbano.
Atualmente dois importantes autores se destacam nesta abordagem dos estudos do rural
brasileiro: José Graziano da Silva e Paulo Roberto Alentejano.
A proposta de entendimento do rural, e mais especificamente do campo brasileiro, em José
Graziano da Silva, provém dos resultados do “Projeto Rurbano” desenvolvido desde 1997
(UNICAMP/ FAPESP/ PRONEX/ CNPq-FINEP). O projeto tem como objetivo geral a
compreensão do que o autor denomina como “novo rural brasileiro” que se compõe basicamente
de três subconjuntos, de acordo com Tânia Silva:
22
CONTINI, Elisio. Disponível em: <http://www.agronline.com.br/artigos/artigo.php?id=22&pg=2&n=5>. Acesso
em 10 abr. 2008.
41
1 - Uma agropecuária moderna, baseada em commodities e intrinsicamente
vinculada às agroindústrias, ou seja, o chamado agribusiness brasileiro;
2 - Um conjunto de atividades não-agrícolas, ligadas à moradia, ao lazer e a
várias atividades industriais e de prestação de serviços; e,
3 - Um conjunto de “novas atividades agrícolas e não agrícolas no campo
brasileiros, localizadas em nichos específicos de mercados” (SILVA, 2004, p.
51).
Desse modo, José Graziano da Silva tem enfatizado que:
A diferença entre o rural e o urbano é cada vez menos importante. Pode-se dizer
que o rural hoje só pode ser entendido como um continuum do urbano do ponto
de vista espacial; e do ponto de vista da organização da atividade econômica, as
cidades não podem mais ser identificadas apenas com a atividade industrial, nem
os campos com a agricultura e a pecuária. Em poucas palavras, pode-se dizer
que o meio rural brasileiro se urbanizou nas duas últimas décadas, como
resultado do processo de industrialização da agricultura, de um lado, e, de outro,
do transbordamento do mundo urbano naquele espaço que tradicionalmente era
definido como rural. [...] A agricultura se integrou no restante da economia a
ponto de não mais poder ser separada dos setores que lhe fornecem insumos e/ou
compram seus produtos. Já tivemos oportunidade de mostrar que essa integração
terminou por se consolidar nos chamados “complexos agro-industriais” que
passaram a responder pela própria dinâmica das atividades agropecuárias aí
vinculadas 23.
A leitura do rural por Alentejano tem como foco a dicotomia rural-urbana e a pluriatividade
(as ocupações não-agrícolas) em assentamentos rurais.
Alentejano afirma que embora tenha sofrido alterações em seu significado atual, ainda há
lugar para o rural como elemento de explicação da realidade. De acordo com o autor, apesar das
transformações sociais, econômicas, culturais e espaciais resultantes do desenvolvimento urbano,
o rural não deixou e nem deixará de existir.
É preciso superar o estereotipo que se faz do rural como sinônimo de agrícola,
de atraso, de natural; enfim, de vê-lo como oposto de uma visão estereotipada do
urbano que o coloca como o locus por excelência do progresso, da
modernização, da indústria e da técnica. Tais visões estereotipadas, típicas de
interpretações dualistas e dicotômicas, precisam efetivamente ser superadas, mas
não às custas da negação de um dos pólos, o que só faria reforçar o caráter dual
da abordagem (ALENTEJANO, 2003)24.
23
SILVA, José Graziano da. Disponível em:
<http://www.fidamerica.org/admin/docdescargas/centrodoc/centrodoc_443.pdf>. Acesso em 10 out. 2007.
24
ALENTEJANO, Paulo Roberto R. Disponível em:
<http://www4.fct.unesp.br/nera/usorestrito/ALENTEJANO.pdf>. Acesso em 20 out. 2007.
42
Alentejano obtém a diferenciação conceitual de José Graziano da Silva sobre o rural com o
aporte crítico de vários autores incluindo as pesquisas de Martins (1986) na sociologia rural, de
Veiga (2001) sobre a criação das cidades brasileiras e Rua (2002) sobre o rural e a urbanização.
Como contribuição à prática do telejornalismo rural, Alentejano expõe três considerações
fundamentais para desmistificar as associações tradicionalmente feitas entre rural e agrícola (que
relacionam o natural com ambiente atrasado e primitivo e o urbano com ambiente moderno,
industrial e artificial) demonstrando que:
a) A modernização do campo, entendida como a difusão de tecnologias e
relações de trabalho e produção baseadas na racionalidade técnica e na divisão
do trabalho, em alguns locais foi inclusive mais acentuada que nas cidades, onde
muitas vezes persistem setores onde predominam técnicas e relações de trabalho
arcaicas;
b) O domínio da técnica e da artificialidade não é exclusivo do meio urbano, seja
porque o espaço rural é cada vez mais transformado e produzido pelos homens,
como de fato de que cada vez mais se busca a construção de cidades menos
artificializadas, onde haja espaço para a preservação da natureza.
c) A indústria não é e nunca foi um fenômeno tipicamente urbano, como o
provam as primeiras manufaturas que se instalavam em áreas rurais, onde então
se concentrava a mão-de-obra, e as atuais fábricas que buscam fugir das grandes
concentrações urbanas, em função dos problemas de custo gerados pela
aglomeração excessiva-salários, tarifas, impostos e outros gastos elevados, tendo
se concentrado nas cidades em função de condições econômicas, sociais e
tecnológicas específicas de um dado momento do desenvolvimento
(ALENTEJANO, 2003)25.
Para que esta compreensão aconteça no campo da Comunicação e da Cultura, Fonseca Jr
(2003) propõe um novo olhar e a superação de obstáculos epistemológicos: a tradição empirista
dos estudos de Comunicação Rural e a controvérsia em torno do rural como categoria de análise.
Embora ainda não seja possível justificar a existência da Comunicação Rural
enquanto disciplina, as colocações expostas até agora sinalizam à adoção de um
enfoque sobre o ‘rural’ à partir da perspectiva gramsciana. Ou seja, na medida
em que se faz presente na mesma ordem econômica do ‘urbano’, que é a forma
de vida hegemônica, o rural só pode ser estudado como posição relacional, e não
como algo isolado em si mesmo. Outro aspecto importante dessa concepção é
que o rural não se define por sua origem, mas por seu uso (grifo nosso), o que
permite a abordagem de temas estritamente relacionados com a problemática
rural, mas até então ignorados por não se enquadrarem nas categorias de análises
25
Idem. No terreno da desmistificação, cabe ainda dizer que características como isolamento, visão de mundo
provinciana e relações interpessoais restritas, porém densas, atribuídas ao rural, são hoje também altamente
questionáveis. A difusão dos meios de comunicação integra as áreas rurais à mesma dinâmica informacional e
cultural das cidades (grifos nossos) ao mesmo tempo em que no espaço urbano multiplicam-se exemplos de grupos
sociais que vivem um profundo isolamento do resto do mundo, como ocorre com jovens moradores de condomínios
da Barra da Tijuca na cidade do Rio de Janeiro, que demonstram não conhecer sequer o seu próprio bairro, tamanha
é a concentração de sua vida nos limites do próprio condomínio (Idem).
43
tradicionais, geralmente a agricultura e o espaço rural. Seguindo esta linha,
assuntos tão diversos como a emergência do turismo rural no Pantanal, a nudez
de Débora Rodrigues26 na revista Playboy, os dias de campo realizados pela
Embrapa e a presença dos camponeses zapatistas na Internet poderiam ser
considerados temas de estudo da Comunicação Rural (FONSECA JR, 2003,
p.109-110).
Entretanto, quando se trata de fenômenos da comunicação, a maior parte dos referenciais
teóricos e das pesquisas realizadas revelam, pelo menos no Brasil, que a abordagem sob a ótica
urbana ainda prevalece (EBOLI, 2007), (FONSECA JR, 2003) 27. Face ao fenômeno do
agronegócio honrosas exceções, como Os parceiros do Rio Bonito (CÂNDIDO, 1987), se tornaram
uma página romântica da história.
Atualmente, na grande imprensa, quem se propõe a cobrir a pauta do mundo rural certamente
já tem um desafio: o de reportar a um público bastante heterogêneo as notícias do maior negócio do
Brasil, no qual a visibilidade nos meios de comunicação tem sido proporcionalmente inversa.
A jornalista e antropóloga Gislene Silva, desde o início dos estudos para tese de doutorado
sobre o mundo rural (2000), destacava que prática do jornalismo rural não poderia estar dissociada
da adoção do homem do campo como eixo principal da notícia.
Ainda hoje é preciso confirmar como objeto do nosso jornalismo o mundo rural
e, em tempos de globalização, tentar recuperar a cumplicidade entre o território e
sua gente. [...] Porque a prática comum é o mercado tratar a natureza como
insumo, o passado e a cultura local/regional como desprezíveis e os indivíduos
como descartáveis. É claro que o mercado, ele mesmo, já descobriu que a
questão social ‘agrega valor’. Ao produto; (lembremos o exemplo da mão-deobra infantil). Mas as pessoas que trabalham no meio rural, lá moram, namoram,
casam, trabalham, criam seus filhos, rezam e aos domingos jogam e assistem
peladas de futebol nos milhares de campinhos do interior.Estas pessoas não
estão lá para ‘agregar valor ao produto’, querem sim ser elas mesmas
valorizadas. Por isso, no olhar do jornalismo rural daqui pra frente, o homem
deve vir integrado às paisagens, mas à frente dos campos de arroz, de algodão 28.
26
Ex-militante do MST, Débora Rodrigues virou celebridade ao posar nua. Depois a “musa do MST” foi
apresentadora de TV e, por conta da sua habilidade em dirigir máquinas agrícolas e caminhões, atualmente é piloto
de Fórmula Truck.
27
Sobre a prevalência da ótica urbana nos estudos de comunicação Fonseca Jr (2003) ressalta que o conceito provém
da periodização da pesquisa em comunicação social no Brasil realizada por Lopes, bem como da sua afirmação de
que o estudo sistemático da Comunicação de Massa no país é mais resultado da presença do vigoroso fenômeno da
comunicação massiva junto aos diversos públicos do que das descobertas científicas que justificariam o
aprofundamento de um campo de conhecimento (FONSECA JR, 2003, p. 109). Em Eboli (2007), tem-se um estudo
sobre o rural urbanizado entre outros aspectos do gênero.
28
SILVA, Gislene. Disponível em: <http://comunicacaoempresarial.com.br/artigojornagribusinessgislene.htm>.
Acesso em 08 jan. 2006.
44
Dassie (1999) afirma que o desenvolvimento tecnológico trazido a partir do modelo do
agronegócio alterou não só a realidade da vida no campo como a prática do jornalismo neste
segmento criando uma dicotomia na cobertura.
A partir da análise do discurso das notícias e reportagens da Revista Globo Rural, Dassie
concluiu que os principais temas do jornalismo rural podem ser agrupados em dois grandes grupos:
Ciência & Tecnologia e Tradição.
Para Dassie, o agronegócio é um processo irreversível, mas que ainda se relaciona com as
atividades diárias do homem rural. Sendo assim, alguns aspectos culturais destas comunidades de
trabalhadores acabam despertando a atenção dos jornalistas que tendem a valorizar as relações
simbólicas existentes: “O jornalismo rural tornou-se uma iniciativa de valorar os acontecimentos
do campo: do quase não notado pôr-do-sol ao mais avançado equipamento empregado na
atividade agrícola”(DASSIE, 1999, p165).
No telejornalismo rural estas duas facetas também predominam: uma voltada para a Ciência
& Tecnologia29 e a outra para Tradição (manifestações folclóricas, saber local, costumes, história,
etc). Uma análise revelou ainda que estas abordagens podem surgir intercaladas dialeticamente no
exercício da prática jornalística e da reportagem. Mas a face mais presente tem sido aquela onde se
concentram os maiores investimentos do agronegócio: a C&T.
Contudo, o reconhecimento de que a C&T aplicadas ao agronegócio é um tema hegemônico
na pauta do telejornalismo rural não implica juízo de valor.
Para Lins da Silva (1991, p. 33-34), autor de várias obras sobre a televisão, o termo
hegemonia deve ser entendido na acepção gramsciana, ou seja, ele indica uma generalizada
aceitação destes valores e conceitos entre os jornalistas e outros agentes de produção. Porém, não
ocorre uma dominação de idéias, impostas numa relação entre um elemento ativo e outro passivo.
Há uma interação em que todos os atores contribuem para formar um corpo, no qual uma
concepção de mundo prevalece sobre os demais, mas não as anula. Ao contrário, absorve partes
delas exatamente para poder manter sua prevalência sobre elas. 30
29
A C&T agrícolas compreende toda a ciência relacionada ao mundo rural, seja ela econômica, agronômica,
veterinária, econômica, ambiental entre outras; e a tecnologia que se refira às práticas de manejo que resultem em
ganho de produção e de capital, e o desenvolvimento social (sob a perspectiva da tecnologia social) incluindo os
processos de transformação da matéria-prima em produto, as ferramentas e máquinas que facilitam o trabalho no
campo.
30
De acordo com o delineamento teórico e metodológico da perspectiva gramsciana, o popular também deve ser
estudado como posição relacional e não como algo isolado em si mesmo. Dentro da dinâmica sociocultural de uma
sociedade desnivelada, o popular é abordado em contraposição à cultura oficial (...).Outro aspecto, é que o popular se
define não por sua origem.É popular o que é adotado, usado e consumido (e não necessariamente criado) pelas
45
Finalmente, cumpre esclarecer que em alguns capítulos foi feito referência ao regional-rural
como se o rural contivesse o regional. Mas a recíproca não é verdadeira, pois se acredita que o
regional não abrange somente o rural, justamente pela existência geopolítica da região, formada
por vários municípios, que contém tanto a zona rural quanto a zona urbana (com suas
particularidades geográficas, étnicas, históricas, econômicas, ecológicas, entre outras). À
exemplo do Brasil, onde os limites das regiões sempre coincidem com limites de estados (não
havendo estados que se espalhem por duas regiões), no telejornalismo rural vê-se municípios
delimitando o regional e contendo o rural.
É importante dizer que não cabe nesta Dissertação valorar os elementos da ciência, da
tecnologia e da tradição ou ainda, discutir sobre região ou regionalismos. Cabe verificar de que
forma estas temáticas são veiculadas no telejornalismo rural acreditando que cada reportagem ou
formato jornalístico guarda um percurso produtivo. O interesse maior é o telejornalismo rural como
gênero e produto de um contexto social-político-histórico e não, as condições de vida e o nível de
informação da população rural (ou do público do programa rural). Não é um trabalho sobre
recepção e sim da produção jornalística.
1.6. Amostragem e corpus da pesquisa
A fase exploratória desta pesquisa foi complexa sob o ponto de vista do estabelecimento da
metodologia e do recorte da proposta. Por outro lado, devido à preparação já realizada para esta
caminhada, com o recolhimento durante seis anos de um vasto material nas redações das afiliadas
da Rede Globo, a preocupação com o trabalho de campo e com o corpus da pesquisa era pequena.
Na maioria das emissoras, o descarte de material de produção do telejornalismo (tão precioso
para os pesquisadores) é diário. A falta de espaço, a má conservação e até incêndios, relatados pela
própria história da TV Globo, são as principais razões da inutilização de fitas, reportagens e
relatórios.
De maneira paradoxal, o descarte de material de produção também aconteceu nesta pesquisa
acadêmica. Não com este propósito de destruição e quase ausência de risco. O fato é que a história
se repete e, desta vez, estávamos do outro lado do campo jornalístico, este da pesquisa.
classes subalternas dentro do seu modo de conceber o mundo em contraposição às concepções de mundo oficiais
(LOPES, 2003, p. 65-66).
46
A três dias do início das aulas do mestrado todo o corpus desta dissertação foi literalmente
consumido num incêndio de grandes proporções, exigindo que este trabalho de campo e coleta de
documentos voltasse ao começo.
Certamente este relato é incomum à maioria dos textos de dissertações. Metodologicamente
pode não passar de uma “experiência quente” (ECO, 2004), no entanto, naquele documental está
circunscrito à esfera das idéias não publicadas, que determinaram escolhas e influenciaram o ponto
de vista sobre o que deveria ser abordado.
Durante este tempo dedicado a construção de uma nova amostragem tendo como objeto o
programa Globo Rural e o telejornalismo rural definiu-se então o corpus atual que contém:
A série “O melhor do Globo Rural”: uma publicação lançada pela Editora Globo e Globo
Vídeo, em 2005, em comemoração ao aniversário de 25 anos do programa Globo Rural. A coleção
é composta por doze DVDs (Globo Vídeo) que trazem as reportagens de maior repercussão
exibidas pelo programa da Rede Globo desde a sua criação, na década de 1980.
“O melhor do Globo Rural” se tornou um dos nossos principais objetos de estudo pela sua
grande representatividade: é o maior e o único documento audiovisual de jornalismo rural da
televisão brasileira que engloba três décadas de produção31, com um total de 122 reportagens, cerca
de 27 horas de conteúdo (1.580 minutos) divididas entre “reportagens inesquecíveis” (grandes
reportagens), “perguntas e respostas” (cartas) e “extras” (DVDs listados em APÊNDICE) Para
compor um trabalho analítico compus uma amostragem destas reportagens juntamente com outras
exibidas de 2005 a 2008.
Também estão incluídas no corpus da pesquisa três DVDs contendo programas e
reportagens no formato atual do Globo Rural captados da programação regional e um DVD com
reportagens, apresentação e vinhetas de abertura das décadas de 1980 e 1990 capturados no site
You tube (Reportagens listadas em APÊNDICE).
Sete vinhetas de abertura do programa Globo Rural disponibilizadas pelo site Globo
Memória também fazem parte do corpus (Listados em APÊNDICE).
Foram feitas duas visitas à redação do programa Globo Rural em São Paulo objetivando
esta dissertação. A primeira foi em março de 2004, quando durante dois dias participamos da
produção das reportagens, do “Vídeo Show do Globo Rural” , coletamos informações e tivemos
uma conversa informal com o editor-chefe Humberto Pereira e com o chefe de redação Gabriel
31
A terceira década vai até o ano de 2005.
47
Romeiro acerca desta pesquisa e da colaboração do programa. Nesta oportunidade foi obtida uma
edição da publicação da área comercial da Rede Globo em parceria com o Globo Rural, o “Mapa
da Mina”.
Em junho de 2005 estivemos em Brasília onde fomos recebidos pelo chefe de Comunicação
da Embrapa o jornalista Edilson Pepino Fragale e fomos presenteados com livros publicados pela
Embrapa, um deles, uma importante coletânea de artigos sobre comunicação organizada pelo Dr.
Jorge Menna Duarte(2003) que se estabeleceu como um dos suportes teóricos desta dissertação.
Em dezembro de 2007, foi realizada uma segunda visita à redação do Globo Rural em São Paulo
que durou quatro dias (02/12 a 06/12). Nesta ocasião, foi assinado um Termo de Apoio à
Pesquisa formulado pela Rede Globo. Na redação do Globo Rural foram realizadas entrevistas
com vários profissionais do programa. Algumas questões foram respondidas por escrito (Ana
Dalla Pria, Ivaci Matias), gravadas em DVD (José Hamilton Ribeiro, Lucas Battaglin, Gabriel
Romeiro),redigidas de acordo com a técnica jornalística, gravadas pelo telefone em fita K7 , em
áudio digital e enviadas por e-mail (Jorge dos Santos, Nelson Araújo, Adir Santos, César Dassie,
Enrico Ortolani, Benê Cavechini, Eliane Deak, Dorival Roque, Camila Marconato, Sandro
Queiroz, Maffezoli Junior, Epitácio Araújo - áudio; Edivaldo Gama - Sadam, Wilson Berzuini,
Alesi, Carlos Sales). Nesta visita, também foi recebido do editor de mercado, Benê Cavechini, o
anuário “Mapa da Mina” e obtidas fotos inéditas da produção de uma grande reportagem do
Globo Rural. Todos estes depoimentos e documentos estão listados em uma planilha de
entrevistas e DVD em APÊNDICE.
Por fim, há ainda duas entrevistas gravadas em áudio digital sobre a história do
telejornalismo rural concedidas à essa pesquisa. A primeira traz os depoimentos do ex-repórter do
programa Indicador Rural e atual ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da
Presidência da República, Franklin Martins. A segunda entrevista traz o relato do criador do
primeiro programa de telejornalismo rural da TV Brasileira, o ex-diretor de programas da TV
Tupi, Tito Bianchini (lista de entrevistas em APÊNDICE)32.
32
A partir deste instante serão utilizadas as seguintes siglas: para os DVDs da série “O melhor do Globo Rural” =
DMGRU; para os DVDs do programa Globo Rural = DPGRU. Esta referência virá entre parênteses no seguinte
formato: DMGRU, ano, seguido do respectivo número. Cada entrevista também seguirá esta referência composta
pelo sobrenome do entrevistado, ano e número de seqüência. Estas referências estão reunidas em planilhas nos
Apêndices desta dissertação.
48
Capítulo II
2. A história do Jornalismo Rural na Televisão: o surgimento de um novo gênero
televisivo
Nas últimas décadas, o telejornalismo brasileiro, em particular o telejornalismo rural,
incorporou novos desafios à sua cobertura. O surgimento de invenções e tecnologias - fruto da
relação mais estreita entre os centros de pesquisa brasileiros, os produtores, a agroindústria e o
consumidor - causaram um aumento das notícias sobre assuntos do campo.
As redes regionais de TV aberta, muito mais próximas desta realidade, sentiram a
necessidade de responder a esta situação. Hoje vários grupos regionais têm programas sobre
agropecuária e agronegócio. Na Rede Globo a abertura da grade de programação para as afiliadas,
principalmente no interior dos estados, foi a oportunidade para a expansão de programas do
gênero. Só nas redes de afiliadas da região sudeste existem nove programas rurais semanais.
Em dez anos surgiram no mercado de TV por assinatura três emissoras com programação
totalmente voltada para o agronegócio: o Canal Rural (1996, Rede Brasil Sul - RBS), o Canal do
Boi (1995, Sistema Brasileiro do Agronegócio - SBA) e a TV Terra Viva (2005, Grupo
Bandeirantes). Dos programas rurais aos canais especializados, o conteúdo sobre C&T agrícolas
soma a maior parte desta produção: inovações, técnicas de manejo, serviços de meteorologia,
cotações de produtos e as informação sobre rodeios, feiras, shows, além de faixas privilegiadas da
programação destinadas somente aos leilões são os destaques deste segmento.
Mas o destaque dado às novas tecnologias para o campo e suas tradições não é uma
característica própria do telejornalismo rural feito no Brasil. Nesta pesquisa observamos que o
mundo rural é abordado por jornalistas de outros países a partir destes mesmos temas. Estas
reportagens foram identificadas nos primeiros programas rurais da televisão no fim dos anos
195033.
33
O jornalismo rural foi um dos primeiros gêneros do jornalismo brasileiro. Se fôssemos buscar o início desta
produção no meio impresso teríamos como referência o próprio fundador do jornalismo no Brasil Hipólito da Costa
(1808-1822). Hipólito à serviço do governo lusitano teve como primeira missão “observar e reportar inovações
agrícolas e industriais nos Estados Unidos verificando que aplicabilidade poderia ter na colônia situada ao sul das
Américas” (MELO, 2003,p. 296).
49
Pelo que se pode apurar, na televisão aberta, a primeira referência em língua portuguesa é o
programa TV Rural criado em 1959 pela RTP em Portugal. O apresentador-autor-produtor do
programa era José Carlos Souto de Souza Veloso, um engenheiro agrônomo que se tornou
jornalista.
Assim todos os domingos TV Rural se introduzia nas casas portuguesas, fossem
elas no campo, na praia ou na cidade. Trazia os avanços tecnológicos que o
sector agrário conhecia dentro e fora do país. Dava conta dos movimentos
associativos dos agricultores, das últimas medidas governamentais, marcava
presença nos certames, descortinava um ou outro segredo no cultivo desta ou
daquela cultura, e não descurava o interesse de divulgar deliciosas facetas da
gastronomia regional e do folclore. Tanto fazia reportagem num olival como
numa casa de granito perdida na Serra da Estrela, onde uma mulher é rigorosa
produtora do amanteigado delicioso queijo da serra 34.
O TV Rural teve vida longa e ficou trinta e um anos no ar. Como se não lhe bastasse o feito,
destaca-se que naqueles primórdios da televisão, na década de 1960, o programa formou de
maneira inédita junto com outras emissoras da Europa, Canadá e Estados Unidos, a primeira rede
de telejornalismo rural internacional – o “Magazine Agrícola Internacional”, como relata Veloso:
Um desses episódios diz respeito ao facto de eu ter começado, em 1959, a
assumir a responsabilidade de elaborar e apresentar o programa TV Rural, na
RTP, sem existir, ainda, a Eurovisão. Em tais circunstâncias, a maior parte das
emissoras de TV da Europa e duas ou três do Canadá e dos Estados Unidos,
associaram suas vontades no desejo de se criar um Magazine Agrícola
Internacional, constituído pelo contributo de cada emissora, num envio mensal
de cópias resumidas de programas agrícolas apresentados em cada país (Idem) 35.
O Brasil apesar de ter sido o quarto país no mundo a ter uma televisão com transmissões
comerciais e programas- a TV Tupi36- só veio a produzir um programa jornalístico voltado à
agricultura no fim da década de 1960, mais precisamente, em 1969.
O Agro 70 foi ao ar na TV Tupi, em 1970. Apesar de ter permanecido na grade de
programação da emissora apenas quatro meses e não ter produzido uma única reportagem externa,
34
VELOSO, José Carlos Souto de Souza. Quando o campo se revia no ecrã... Disponível em:
<http://www.ordemengenheiros.pt/Default.aspx?tabid=1139>. Acesso em 03 jul. 2007.
35
Ainda sobre o formato do TV Rural, Veloso se refere ao uso do documentário em grandes produções que
(semelhante à grande reportagem rural feita hoje no Brasil) percorria toda a cadeia produtiva; ia desde a plantação até a
agroindústria: “Recordo que uma das nossas contribuições para o Magazine foi um pequeno, mas elucidativo,
documentário sobre as razões do progresso no cultivo do tomate, e no esmero tecnológico posto em prática pelas
unidades fabris destinadas à obtenção do concentrado desses frutos” (Idem).
36
A primeira transmissão comercial televisiva do Brasil feita pela TV Tupi de São Paulo foi em 18 de setembro de
1950. Com isso, o país foi o quarto a possuir uma emissora de televisão, atrás apenas de Estados Unidos, Inglaterra e
França.
50
o programa fez história na TV brasileira quando trouxe para o estúdio “D” da Tupi uma vaca
nelore de quase uma tonelada.
O apresentador do Agro 70 era o jornalista Goulart de Andrade, que trabalhava na televisão
desde 1955, e o diretor era Tito Bianchini, que naquela época tinha uma empresa de combate a
insetos37 e teve a idéia de fazer o programa rural. Em entrevista, Tito Bianchini diz que para
colocar a “vaca no ar” eles contaram com a ajuda dos profissionais do Departamento de Produção
Animal da Secretaria da Agricultura de São Paulo que demonstraram, ao vivo, uma inseminação
artificial, técnica inovadora para a época.
A vaca foi levada do Parque da Água Branca para o estúdio, no Sumaré, e
depois acabou sujando tudo por lá... O nosso atrevimento era muito grande pra
fazer as coisas, a gente era assim, meio atirado pra fazer acontecer, para dar
notícia. Se nós tivéssemos tido naquela ocasião a felicidade de ter um satélite
como se tem hoje, câmeras pequenas... (BIANCHINI, 2007, n.4).
Bianchini se recorda que “deu trabalho” para deixar tudo em ordem no estúdio depois que a
vaca foi embora. O estúdio “D” era o mesmo onde, à noite, era exibido, ao vivo, o telejornal mais
importante do país, o Repórter Esso e o cheiro do animal era realmente forte. Além da ajuda dos
técnicos da Secretaria da Agricultura, o Agro 70 também contava com a assessoria do Instituto
Biológico e das Casas da Lavoura das cidades da região metropolitana. Por isso, as pautas traziam
muitos assuntos e pesquisadores relacionados às ciências agronômica, veterinária e ao controle de
pragas e doenças. Sobre o formato do programa o diretor se lembra que:
O programa era exibido ao vivo, toda quarta-feira, às dez horas da manhã.
Goulart de Andrade fazia apresentação em pé entre vários animais
taxidermizados (empalhados). Durante uma hora, ele lia notícias do setor e fazia
muitas entrevistas. Era uma linguagem inovadora, diferente, visto que havia a
dificuldade de enquadrar e aquelas câmeras pesadas não tinham ‘zoom’. A gente
ia lá, chegava perto das pessoas e ‘dava o zoom’!... Mas dava certo porque tinha
uns câmeras bons, eu sabia que dava pra fazer. [...] Só que o grande problema da
época é que a televisão atingia até Campinas, entende? Não ia além de 150, 200
km, a extensão dela, através de microondas, não tinha sistema de repetição. Sem
penetração, não tivemos patrocínio, tivemos que sair do ar (BIANCHINI, 2007,
n4).
37
Tito Bianchini diz que nesta atividade conheceu vários agricultores e entrou em contato com uma realidade das
propriedades na época: a praga da formiga saúva; O governo federal até tinha uma campanha que dizia “Acabe com
a saúva ou ela acabará com o Brasil” (BIANCHINI, 2007, n.4).
51
Nesta fase, a produção da televisão brasileira se concentrava nas cidades do Rio de Janeiro e
em São Paulo. A TV Tupi era a líder de audiência, mas a programação apresentava fortes
tonalidades locais e não contava ainda com um público nacional.
Ao longo dos anos 1970 ocorre a consolidação do telejornalismo brasileiro com a
implantação da rede de transmissão por satélite. A TV Globo (Organizações Roberto Marinho) foi
a primeira a transmitir um telejornal, o Jornal Nacional, para todo o país e à sua rede de emissoras
se somavam outras televisões regionais. A Globo tornava-se cada vez mais rentável e investia em
melhorias técnicas.
Nesta mesma época no estado de Goiás, a TV Anhanguera, das Organizações Jaime
Câmara, se afiliou à Rede Globo (1969) dando início à transmissão da programação global 38.
Desde sua inauguração, a TV Anhanguera ja contava com equipamento de videoteipe e tinha
programação própria.
Em 1979 a emissora cria o Jornal do Campo o primeiro programa
jornalístico rural do Brasil em rede regional39.
O programa teve como primeiro apresentador o jornalista Paulo Beringhs e seguia
basicamente o formato telejornal. Em depoimento para esta pesquisa, Beringhs confirmou estes
fatos e contou um pouco da história do Jornal do Campo:
A pessoa que criou o programa foi o Salvador Farina, já falecido. Antes de vir
para Goiânia, o Farina trabalhou em agência de publicidade de São Paulo, teve
aqui, uma estreita ligação com o campo, pois era produtor rural, e depois se
tornaria um dos fundadores da UDR. Fui o primeiro apresentador e fiquei um
bom tempo à frente do programa, ao mesmo tempo em que apresentava também
o Jornal Anhanguera, segunda edição (o Praça TV da noite). A TV Anhanguera
não dispunha, ainda, de muitos recursos técnicos e a linguagem jornalística era
bastante incipiente - matérias longas, falas enormes, as matérias eram gravadas
em Auricom (filmes que depois de revelados eram editados à moda antiga, com
cortes na moviola etc). A exemplo da zebrinha do Fantástico que anunciava os
resultados dos jogos da Loteria Esportiva, também tínhamos a nossa vaquinha
'Filó', dublada pela atriz e locutora Magda Santos, que semanalmente informava
os preços de cereais, animais etc. O primeiro editor de texto foi Marco Di
Mesquita, que hoje trabalha na TV Serra Dourada, afiliada do SBT em Goiânia
(BERINGHS, 2007, n10).
38
A afiliação com a rede carioca é efetivada quando passa a transmitir o Jornal Nacional e passa também a receber
os programas da Globo em tempo real, via micro-ondas da Embratel. Nessa época, a TV Anhanguera tinha
programas locais e os mantinha na grade de programação. [...] Com a consolidação da programação da Rede Globo
ficaram alguns poucos programas de cunho regional e os telejornalísticos, como o Fatos em Manchete, Jornalismo
Eletrônico, Retrospectiva, o Jornal do Campo e os blocos locais do Jornal Hoje e Jornal Nacional, muitos deles
apresentados
por
Paulo
Beringhs.
TV
Anhanguera
(Goiânia).
Disponível
em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/TV_Anhanguera_(Goi%C3%A2nia)>. Acesso em 10 jan. 2008.
39
Depois de ter ficado um período fora do ar, o “Jornal do Campo” foi relançado em 1993.
52
A fase de especialização dos programas rurais na televisão, com a definição de linhas
editoriais e a experimentação de formatos de reportagens, ocorre nos anos 1980. Dois importantes
programas de rede nacional vão ao ar logo no início desta década: o Globo Rural da Rede Globo,
que é exibido há 29 anos, e o Indicador Rural da TV Bandeirantes.
O programa Indicador Rural da TV Bandeirantes foi referência no telejornalismo rural, pois
se debruçou na interpretação das principais informações econômicas relativas à atividade da
agricultura e do agronegócio.
Numa época em que os dados oficiais da agricultura eram restritos, o Indicador Rural prestou
uma grande contribuição à medida que mostrava o desempenho do setor ao mercado consumidor,
os ditames da política agrícola, os vários segmentos de produtores e as exportações brasileiras no
mercado mundial. Seu criador o jornalista Ismar Cardona 40 conhecia profundamente a política e a
economia agrícola do país. Nos anos da ditadura militar fez história no jornalismo econômico
brasileiro no comando da editoria do Jornal O Globo.
Um dos repórteres do Indicador Rural, o atual ministro-chefe da Secretaria de Comunicação
Social da Presidência da República, Franklin Martins, em depoimento para esta pesquisa, comenta
que o programa lhe proporcionou a oportunidade de voltar para a profissão depois do exílio
político. Martins diz que por meio da pauta agrícola conheceu verdadeiramente o interior do Brasil
e “uma agricultura em franco processo de modernização, mas ainda topando com limites muito
fortes culturais, empresariais; num tempo em que o agronegócio estava começando a surgir”
(MARTINS, 2007, n. 5).
Segundo o ministro e ex-repórter rural, o programa semanal Indicador Rural ficou um ano e
meio no ar (1984-85), tinha como editor-chefe o jornalista André Mota Lima, apresentação de
Beliza Ribeiro e reportagens especiais de campo por Raul Silvestre:
Era um pouco de tudo (reportagens, entrevistas, indicadores, tendências), o que
ele tinha de novidade em relação a outros programas de agricultura na televisão
(basicamente o mais importante deles o ‘Globo Rural’). É que ele tinha um
enfoque na economia rural, um enfoque no negócio. Uma coisa que depois se
tomou mais comum: um olhar mercado, preço, quantidade exportada,
financiamento, ou seja, ele tinha uma visão, digamos assim, de um jornalismo
econômico e de negócios (MARTINS, 2007, n.5).
40
Ismar Cardona teve um jornal com o mesmo nome que durou dez anos sendo seu sócio no empreendimento, o
jornalista Mateus Cacovith. O jornalista Franklin Martins também trabalhou no jornal como repórter. Chegou-se a
agendar com a secretária de Ismar Cardona uma entrevista com ele no Ministério da Agricultura, mas Cardona não
pôde comparecer. Teve que tirar licença por conta de um grave problema de saúde. Ismar Cardona trabalhava como
chefe da assessoria de imprensa do Ministério da Agricultura, na gestão do ministro Roberto Rodrigues, e acabou
falecendo vítima de um câncer em julho de 2007.
53
Na década de 1980, o combate à crise econômica, instalada no país na segunda metade dos
anos 70, marcava o governo do presidente militar João Batista de Oliveira Figueiredo. O general
adotava um estilo populista de governar, assessorado por agências de publicidade. E entre as
promessas de restauração da democracia, seu programa de governo pregava a prioridade à
agricultura (REIMÃO, 1997, p. 53)41. O fundador do Indicador Rural, o jornalista Ismar Cardona,
fala sobre este momento político em uma entrevista a Heloiza Dias (CARDONA, 2004, n. 3). O
jornalista diz que apesar do discurso a favor da agricultura, o foco do governo continuava na
industrialização, e toda imprensa reproduzia isto. O Indicador Rural via no conceito do
agronegócio os fundamentos para o crescimento do setor, mas por muitos anos os agricultores se
mantiveram como uma classe heterogênea e desarticulada dos meios de comunicação.
O Indicador Rural foi o primeiro jornal a trazer o conceito de agronegócio e foi
criado em um momento em que a grande imprensa não dava importância ao
setor. Estamos falando dos anos 70 e 80, época em que o agronegócio ainda
encontrava-se desprestigiado politicamente. [...] Todo o modelo econômico
brasileiro era focado no processo de industrialização acelerada. [...] A
agricultura tinha uma certa importância dentro da visão estratégica dos militares.
Tanto que o grande ministro da agricultura até agora foi o Alyson Paulinelli 42.
Com ele teve início o extraordinário avanço sobre os cerrados, surgiram órgãos
importantes como a EMBRAPA e a CFP (Companhia de Financiamento da
Produção, hoje Conab). Na visão estratégica dos militares tinha-se que dar
chance para agricultura, mas a ênfase maior continuava na indústria
(CARDONA, 2004, n. 3).
Para Cardona, a imprensa se movia ao redor dos grandes empresários de São Paulo (e dos
metalúrgicos do ABC) que freqüentemente procuravam a mídia. No setor agrícola somente
algumas fontes do Ministério davam informação e no setor privado apenas a triticultura mantinha
assessoria:
Depois, como a agricultura foi se modernizando, ganhando novas áreas,
conquistando o Centro-Oeste, começaram a surgir, não assessorias de imprensa,
mas alguns assessores, nem todos, jornalistas. Nesse período também os jornais
(O Globo e o Estadão) começaram a dar uma certa presença a agropecuária. Mas
41
Nesse mesmo período, o país já contava com 113 emissoras de TV e 20 milhões de televisores: o sexto no ranking
mundial em número de televisores, com uma audiência nacional de 100 milhões de compradores potenciais de
produtos (REIMÃO, 1997, p.55).
42
O engenheiro agrônomo Alysson Paulinelli, ministro da Agricultura no governo Ernesto Geisel (em meados dos
anos 70) ganhou o prêmio World Food Prize 2006, um desdobramento do prêmio Nobel da Agricultura. Seu grande
feito foi, à frente do Ministério, comandar a chamada “revolução verde”, que possibilitaria à agricultura nacional
iniciar uma nova era. Com o suporte da EMBRAPA, ele transformou os cerrados, considerados até então inférteis,
em produtores da maior parte da soja brasileira, contribuindo decisivamente para o país se tornar campeão da
produção e exportação de grãos.
54
aí veio o Plano Cruzado e o setor levou a maior ‘traulitada’ da sua história, pois
teve que pagar a conta do novo plano econômico e milhares de produtores
quebraram. As conseqüências disso também foram sentidas pela área da
comunicação. [...] Não só pela redução de contratações pelas empresas de
profissionais de jornalismo (que começavam a acontecer naquela época), mas
pelo cortes de verbas em publicidade. Eu acompanhei isso de perto. Se no
interior de Mato Grosso, por exemplo, o produtor espirrava, eu pegava uma
pneumonia dupla lá no Rio, porque o jornal (Indicador Rural) dependia desse
pessoal. Mas aí, nesse processo todo, o setor foi crescendo e através de um
darwinismo perverso os aventureiros do setor rural, os amadores foram sendo
alijados, o que, infelizmente, não impediu que muita gente boa também ficasse
de fora (CARDONA, 2004, n. 3).
Para Dines (2004) este momento de desprestígio da agricultura brasileira na imprensa, e que
ainda perdura seja desta ou de outras formas, faz um triste contraponto histórico com profusão de
temas de interesse nacional que a agricultura manteve desde a fundação da própria imprensa:
Até os anos 1950 todos os grandes jornais brasileiros tinham seus cadernos
rurais, mesmo que os respectivos estados não fossem propriamente agrícolas.
Cobrir o campo era uma obrigação, assim como cobrir as cidades e o mundo. E
hoje que o agronegócio está revolucionando o interior do país a cobertura é
apenas estatística, burocrática 43.
O desaparecimento dos chamados setoristas que davam plantão em órgãos públicos, como
no Ministério da agricultura, e a suspensão das viagens são fatores apontados por especialistas do
setor que denunciam uma crise na cobertura agrícola. Até os jornais especializados em economia
fazem reportagens por telefone e há um certo despreparo da imprensa em lidar com o assunto.
O nosso problema é que a gente faz jornalismo rural. Então a gente vai para o
campo e aí quando se chega no campo, se vê que o campo não tem só produtor,
tem bóia-fria, tem o sem-terra. Não tem só a produção, tem o problema da
destruição do rio, porque está se jogando veneno no rio, tem o problema dos
índios que estão sendo dizimados para abrir uma frente agrícola, uma nova
fronteira. Então, como a gente faz jornalismo mesmo, a gente não está preso a
um setor, a uma visão só, quando você vai para o campo, você tem o Brasil do
campo, você tem o Brasil rural. E aí te obriga a fazer reportagem e isso aí leva,
assim, a essa visão multifacetada que a gente tem do jornalismo rural (CERRI,
1998, p.49).
Para o jornalista José Hamilton Ribeiro a grande imprensa não conhece o Brasil rural, pois
é voltada para as suas sedes:
A mídia do Rio de Janeiro olha em primeiro lugar a zona sul da capital carioca.
Já a imprensa de São Paulo vê em primeiro plano os Jardins e a avenida Paulista.
[...] No caso da televisão, o problema foi atenuado por conta das redes de
43
Programa Observatório da Imprensa – Mídia Rural- (TVE) 08/06/2004. Disponível em
http://www.tvebrasil.com.br/observatorio/arquivo/principal_040608.asp
55
emissoras afiliadas espalhadas pelo território nacional. Apesar de suas
deficiências, o Jornal Nacional, da Globo, e a Voz do Brasil, da Radiobrás, são
os únicos noticiários com visão ampla do país. [...] Se a grande imprensa, não
conhece o Brasil, do interior rural então não sabe nada. [...] Os veículos da
grande mídia situados nos grandes centros urbanos não compreendem
características peculiares deste tipo de reportagem. A boa reportagem sobre
assuntos do campo, exige viagens, tempo e paciência, elementos marginalizados
pela grande imprensa urbana, especialmente no momento atual de grave crise
financeira do setor 44.
Ribeiro é considerado um dos baluartes do jornalismo brasileiro e há 26 anos é repórter do
Globo Rural, objeto desta pesquisa.
A partir da sua fala, encontra-se um ponto de reflexão para, então, dar início a uma
investigação mais aprofundada do programa que é considerado um marco de longevidade do
telejornalismo rural brasileiro, pois hoje o que se vê nas emissoras regionais e pelo interior do
Brasil é a criação e proliferação de programas rurais regionais, nos moldes do Globo Rural.
Este fenômeno que se acentuou a partir dos anos 2000 estabeleceu um fortalecimento da
mídia regional e diversificou as oportunidades comerciais em nível local. De norte a Sul, e em
todos os estados brasileiros em que há afiliadas da Rede Globo, há programas de telejornalismo
rural. Só na região sudeste são nove.
O público da rede regional vê ligações econômicas muito mais profundas em reportagens
rurais e a prática deste tipo de jornalismo deve ganhar mais visibilidade à medida que em que se
buscar a especialização.
Nesta Dissertação, procura-se saber como foram abordados os temas rurais nas reportagens
ao longo destes anos e de que maneira foram se definindo os formatos das reportagens acerca do
mundo rural na televisão no intuito de colaborar também com este processo.
Dizem os cantadores que cada moda tem seu sotaque, assim também o oleiro deixa marcas
da mão em cada barro que toca. O jornalismo não é literatura, como um poema; nem nunca
chegará a ser uma obra de arte, mas sempre há de guardar a marca das mãos de quem o produz.
Seja um José Hamilton Ribeiro ou tantos outros “Josés” deste Brasil Rural, com microfone e
câmera na mão.
44
“Campo Ignorado” (Agropauta), 12/11/2003. Disponível em
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/asp181120039.htm
56
Capítulo III
O TELEJORNALISMO COMO MATRIZ PRODUTIVA DE PROGRAMAS
NA REDE GLOBO
No início dos anos 1980, quando o Globo Rural foi ao ar, a Rede Globo já havia se tornado
uma referência televisiva importante e sua trajetória se confundia com a da televisão brasileira.
Muitas transmissões históricas de eventos esportivos ou políticos e a maioria das novelas de
maior sucesso no país tinham sido exibidas pela emissora. E o telejornalismo foi um dos
protagonistas desta trajetória.
O Jornal Nacional além de obter a maior audiência do gênero estimulou a ampliação da
rede de TVs afiliadas em todo o país. Um sucesso que não veio por acaso. O apoio do governo
federal na implantação de uma rede nacional de teletransmissão de notícias foi fundamental para
o crescimento da audiência do Jornal Nacional e da TV Globo45.
Mas além da expansão da rede física, do apoio e apartes políticos, a Rede Globo formou sua
equipe numa época favorável, em que o mercado brasileiro reunia técnicos, jornalistas e
administradores (muitos oriundos do cinema, do rádio e da publicidade) que contavam com
competência e talento para a criação de programas. Na emissora, estes profissionais conseguiram
estabelecer a rotinas televisivas que efetivamente, puderam ser aplicadas e multiplicadas na
forma de um “padrão de produção”.
Este padrão de produção (que no caso da TV Globo, hoje é comumente confundido com
padrão de qualidade) desde sempre refletiu a estrutura de organização empresarial em rede
adotada pelo seu fundador Roberto Marinho46. As emissoras afiliadas, além de receberem e
transmitirem a programação nacional, deveriam estar aptas a produzir programas com uma
mesma identidade.
45
Há vasta literatura sobre esta parte da história da Rede Globo e a integração de técnicos americanos (Time-Life) no
sistema de produção. Em Muito além do Jardim Botânico de Carlos Eduardo Lins da Silva essa questão é bem
retratada (LINS DA SILVA, 1991, p. 30).
46
Numa viagem aos Estados Unidos, na década de 1950, o jornalista Roberto Marinho tinha assistido televisão em
rede e desde então este se tornara o seu objetivo. Para o jornalista a “alma da rede” seria um telejornal, a exemplo da
TV americana onde o gênero ocupa espaço e visibilidade fundamentais para o conceito de rede de televisão
(JORNAL NACIONAL, 2004, p. 28).
57
Em “Padrão Globo de produção”, Artur da Távola trata deste conceito de produção
televisiva como típico do sistema industrial dissociando-o do conceito de qualidade de
programação.
O padrão de produção nada tem a ver com qualidade de programa, nos vários
sentidos em que o qualificativo é usado (qualidade cultural, educativa, de
entretenimento, de emoção, de estética, etc). Padrão de produção é a criação de
rotinas internas e de equipes técnicas capazes de realizar, a nível industrial, isto
é, com regularidade e freqüência, programas que atendam: às necessidades
manifestantes do mercado; à dinâmica de comunicação que desperte a atenção,
mantenha-a e consiga níveis altos de emoção, adesão e sentimento; à
necessidade de clareza do mercado e simplicidade no contato com idéias novas;
à necessidade de entretenimento com base no princípio do prazer, marco
fundamental da atitude do telespectador; à necessidade de informação e
conhecimento dos problemas da comunidade; à necessidade de exercícios
interiores de emoção projetados em figuras de ficção; à necessidade de fantasias
e devaneio, principalmente entre as crianças; a um mínimo de qualidade técnica;
a um mínimo de qualidade estética; à consonância com os valores éticos médios
aceitos pelo público; à necessidade da existência, para faixas etárias presentes na
audiência, de matérias compatíveis com as suas várias preferências e aspirações.
Isso é padrão de produção: a obtenção de todos esses elementos na média da
programação. É um patamar comum a toda programação, que mistura vetores
diferentes no atendimento a necessidades subjetivas do mercado. É um produto
novo, típico da era eletrônica. A Rede Globo conseguiu este padrão. Ou
conseguiu um padrão próprio. Ele é o responsável por esta relação constante e
intensa do público com a televisão. O telespectador já sabe que tipo de serviço
receberá (TÁVOLA apud SQUIRRA, 1993, p. 45-46).
No telejornalismo a conquista de um padrão de produção significou desenvolver e implantar
em toda a rede de afiliadas uma linguagem e um conceito próprios de noticiário nacional. Mas as
dificuldades técnicas enfrentadas no dia-a-dia pelos profissionais da TV Globo ainda eram muitas
e afetavam diretamente toda a produção do jornalismo. A começar pela complexidade da
operação de gerar um jornal em rede, para vários Estados brasileiros, onde os riscos de
interrupção da transmissão via Embratel eram reais e nem sempre previsíveis. Mesmo assim, os
jornalistas, técnicos e editores enfrentavam a rotina de transmitir um telejornal, comparado aos
recursos atuais, completamente artesanal.
Na produção das reportagens, o jornalismo da TV Globo usava o suporte técnico do cinema
(o filme em 16mm) e um equipamento que não permitia muita agilidade na rua. A duração do
filme era curta, em média 10 minutos, e o processo de montagem penoso para quem trabalhava
sempre contra o tempo. No entanto, as câmeras Auricom representaram uma revolução no
58
telejornalismo, pois o equipamento ao contrário da antiga tecnologia, era sonoro, gravava o som
direto na película.
Nesta altura é possível imaginar o quanto a tecnologia dos equipamentos interferiu no
telejornal modificando o próprio gênero televisivo.
Um dos formatos mais atraentes foi o uso dos depoimentos dos entrevistados com voz
direta, isto é, a imagem com o registro da voz e da fala da pessoa (sonora), dando ao jornal um
caráter testemunhal. A figura do repórter com o microfone na mão também começou a aparecer
nas matérias diretamente do local dos fatos. As imagens das notícias de última hora entravam no
ar no mesmo dia, durante o jornal. Mesmo cobertas com o áudio do locutor do estúdio, esta
agilidade deixava a edição mais “quente”.
O jornalista Armando Nogueira, editor-chefe do Jornal Nacional, conta que a direção da
Rede Globo nem sempre entendia essa diferença que a mudança tecnológica provocava nos
formatos do telejornal, o que gerava alguns problemas para o Departamento de Jornalismo.
Segundo ele, considerava-se notícia uma nota sem imagens. Mas quando entrava um depoimento
do entrevistado no ar (voz e imagem), este formato era considerado como uma entrevista, não
uma notícia. Naquela época, a forma inovadora da sonora ainda consumia muito tempo no ar e
não permitia a exibição do mesmo número de notícias do telejornal concorrente ( JORNAL
NACIONAL, 2004, p. 34).
Com a derrocada da TV Tupi, o Jornal Nacional naturalmente conquistou o espaço do
Repórter Esso junto ao público televisivo. A transmissão em rede nacional foi sua vantagem mais
significativa, mas a proposta de uma linguagem direta e intimista, apresentada como uma
inovação, também cativou o espectador.
Em 1975, o departamento de jornalismo da Rede Globo sistematizou as normas de redação
para todos os profissionais da rede, adequando o texto e o estilo aos recursos do som e da
imagem.
Mas a grande mudança na linguagem do telejornalismo aconteceu nas ruas, em 1976,
quando a TV Globo implantou o jornalismo eletrônico com unidades portáteis de produção
chamadas “ENGs” (Electronic News Gathering). O kit usado pelo jornalismo era formado por
uma câmera com gravador e reprodutor de VT, baterias, microfone e fonte de luz simples. Havia
também transmissores de microondas que mostravam imagens ao vivo, videoteipe e máquinas de
59
edição e pós-produção que permitiam colocar caracteres, gerar múltiplos efeitos especiais, visuais
e sonoros, e dar um melhor acabamento ao material.
Uma nova linguagem jornalística e cinematográfica adotada em função da tecnologia
permitia aos repórteres mostrar o acontecimento e acompanhar seus desdobramentos em detalhes.
As fitas possuíam em média uma hora de gravação e os repórteres cinematográficos faziam
muitas experimentações estéticas. Independência de locação, grandes deslocamentos e mesmo as
viagens começaram a fazer parte da rotina diária das equipes de reportagem favorecidas pela
praticidade do equipamento. Ao mesmo tempo, o telejornal já contava com as transmissões via
satélite, levando imagens internacionais para dentro das casas.
Gradativamente, os equipamentos eletrônicos substituíram as câmeras do cinema em todos
os programas. Assim sendo o Jornal Nacional contribuiu na formação de um novo estilo de
jornalismo na TV brasileira (LINS DA SILVA, 1985, p38).
3.1. O papel do telejornalismo na sedimentação do padrão Globo de produção
Comercialmente, o “padrão Globo de qualidade” é uma marca impressa aos programas da
Rede Globo. O telejornalismo forma, junto com a dramaturgia, o “carro-chefe” de vendas da
programação da rede, ocupando funções estratégicas, entre elas a de atrair e manter grandes
investimentos em propaganda ancorados na regularidade e qualidade da programação. Um papel
que lhe fora designado logo no início da emissora, a fim de assegurar o futuro da rede e os
recursos para a criação de novos programas (JORNAL NACIONAL, 2004, p. 28).
Para a maioria dos empresários da televisão, o telejornal é um gênero de programa que
rende mais prestígio do que dinheiro. Muitos até acreditam que não haja qualquer relação entre a
qualidade do telejornal com os índices de audiência por ele obtido.
Para Lins da Silva (1985, p. 34), o sucesso do telejornal depende substancialmente de
fatores que lhe são externos, como a abrangência geográfica da emissora e o chamado “fluxo de
audiência” que ele herda dos programas que o antecedem ou ainda pela expectativa gerada pelos
programas que o sucedem.
Dentro desta lógica fria do mercado, a estratégia dos diretores da Rede Globo, quando
decidiram lançar o Jornal Nacional (1969), se baseou no hábito do telespectador:
60
Aquele seria o programa de prestígio da casa. Para que tivesse audiência
garantida, ficaria espremido entre duas telenovelas, já então o gênero mais
popular e com uma fórmula que se mostraria imbatível ao longo dos anos: às 19
horas, um enredo mais leve e bem-humorado e às 20 horas outro mais adulto e
dramático (LINS DA SILVA, 1985, p. 35)47.
Segundo o criador da divisão de análise e pesquisas da Rede Globo, o panamenho Homero
Icaza Sanches, para que a emissora pudesse produzir cada vez mais programas que alcançassem
bons índices de audiência, era necessário investir em pesquisas detalhadas, que ajudassem a
conhecer a composição do público, seus hábitos e sua maneira de reagir perante a televisão. Neste
caso, os números do Ibope não eram suficientes, pois somente indicavam o desempenho do
programa depois que ele ia ao ar.
Outro conceito importante para a fixação do telejornal ou de outra produção dentro da grade
da emissora foi o de “lastro do programa” que Icaza define como “algo fundo e consistente”
presente nas diversas camadas da audiência.
É por meio deste lastro que podemos determinar o fôlego de cada programa sua
capacidade de entrar em todas as classes, bem como sua relação com o número
de aparelhos ligados, dia da semana e a audiência concorrente. Isso explica
porque alguns programas não possuem audiência brilhante, mas se mantêm
impávidos diante de quaisquer ataques da concorrência. Outro exemplo seria o
dos programas popularescos, cujo sucesso costuma ser um fogo de palha e
assustar programadores inexperientes. As programações com lastro, feitas numa
grade coerente e cientificamente desenhada, sempre vencerão (SOBRINHO,
2000, p. 113-115).
A existência deste lastro justifica a condição que o telejornalismo e a dramaturgia ganharam
nesta fase, se tornando duas células especializadas de produção de conteúdo televisivo, presentes
no embrião da maioria dos programas da Rede Globo48.
A partir deste conceito também é possível considerar o telejornal e a dramaturgia não só
como unidades de produção de programas enquanto produtos estratégicos da emissora (no
sentido do que é relativo à estratégia, ou seja, a maneira com que a empresa traça seus planos
futuros relacionando-os aos seus produtos para manter sua lucratividade e seu grau de inovação),
mas também eleger estes dois gêneros da programação como os principais espaços discursivos da
47
A criação do Jornal Nacional pela Rede Globo, veio ao encontro do projeto dos militares de integração, já que este
telejornal se propunha efetivamente integrar o país (num único horário), inicialmente sendo transmitido nas três
únicas emissoras do grupo (Rio de janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, nas duas primeiras em primeiro lugar), mas
com planos de exibição nacional, paralelamente à expansão da rede. Portanto, a data de estréia do Jornal Nacional, 1º
de setembro de 1969, coincide com o início da constituição da Rede Globo de Televisão, conforme César Bolaño. Na
década seguinte, os programas globais foram repensados, trabalhando um modelo para reter a audiência, o ‘padrão
Globo de qualidade’ (BRITTOS, 1999, p. 14-15).
48
Para saber mais: http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/130803/futuro_imperio.html
61
Rede Globo com a sociedade e consigo mesma, seja inserindo intencionalidades e revelando
ações, seja reorganizando a própria atuação.
3.2. Uma contribuição do telejornalismo na criação de programas nacionais da Rede
Globo
No início dos anos 1980, com a abertura política, a programação da Rede Globo tornou-se
mais vinculada à realidade nacional. O clima de maior liberdade que o país começou a viver
mexeu com o comportamento da audiência em relação ao jornalismo de rede nacional, o que
originou novas linhas editoriais para o telejornalismo. As edições de notícias locais ganharam
mais espaço; a crítica e os assuntos mais polêmicos foram fragmentados ao longo do país e
ganharam versões regionais.
Este processo se baseou em um critério de abordagem do telespectador, chamado de
segmentação, a se levar em conta sua heterogeneidade e adequação do conteúdo dos programas (e
a publicidade) de acordo com os públicos específicos da emissora.
Considerando-se características como classe social, faixa etária, sexo, escolaridade,
preferências de grupos, o departamento de marketing e comercialização da Rede Globo não
tardou em lançar mão da equipe de jornalismo e do próprio formato bem-sucedido dos telejornais
da rede para criar e desenvolver programas que tivessem uma linguagem universal e, ao mesmo
tempo, tratassem de maneira mais específica alguns segmentos de grande interesse nacional.
Nesta época surgiram o Globo Esporte (14/08/78) com a apresentação de Léo Batista, o TV
Mulher (07/04/1980), com Marília Gabriela e Ney Gonçalves Dias e também o Globo Rural
(06/01/1980), o objeto desta pesquisa, com apresentação do repórter Carlos Nascimento.
Estes programas basicamente exibiam reportagens elaboradas e entrevistas, e tinham
jornalistas como apresentadores (e não locutores ou radialistas como era muito comum na época).
As opiniões de comentaristas e profissionais especialistas tinham espaço privilegiado mantendo
sempre uma conotação de prestação de serviço à comunidade. Os programas utilizavam os
formatos aprovados do telejornal para criar uma estrutura de sustentação e credibilidade, mas
também misturavam gêneros mais atraentes originando novos formatos.49
49
Somados aos recursos da moderna tecnologia, estes novos programas tinham uma abertura maior na abordagem
dos assuntos, seja por meio dos formatos de apresentação (pela atuação diferenciada dos apresentadores que
transitavam em vários cenários decorados, do TV Mulher), da produção externa, na zona rural (trazendo a
informalidade da cultura rural e regional, no Globo Rural), seja pelo tema e pelo formato da transmissão (jogos e
62
3.3. Do contrato ao formato: a manutenção do padrão de produção da Rede Globo nas
emissoras afiliadas regionais
Na grande estrutura administrativa da Rede Globo de televisão, que compreende uma rede
técnica de transmissão do seu sinal de TV para todos os Estados brasileiros, há muitas outras
redes implantadas.
A gestão a partir destas redes é que permitiu a adesão de um maior número de afiliadas, a
transmissão de uma única programação e o atual funcionamento da linha de produção de notícias
e de programas num mesmo padrão.
Pachler (2007), em um estudo sobre a Rede Globo e as afiliadas regionais, descreve este
modelo de gestão e as normas de atuação das emissoras para garantir a reprodução do padrão
Globo. A pesquisa busca examinar este processo de comunicação bem como as relações
existentes entre a rede e as afiliadas, o que também envolve seus funcionários.
De acordo com a investigação realizada nesta Dissertação sobre gêneros de programas de
TV este estudo é relevante, pois define, entre outros itens, como se dá a adoção dos formatos de
programas da rede nacional pelas rede regionais de afiliadas, e como se determinam os fluxos e
contra-fluxos das informações noticiosas e de toda a produção televisiva dentro da Rede Globo.
Entre as principais regras contratuais listadas por Pachler 50 tem-se:
1) Todas as afiliadas recebem o sinal da Rede Globo e retransmitem a sua programação
base. O contrato prevê que a emissora regional receba a programação nacional da Rede Globo
sem precisar pagar nada por isso; mas deve seguir todas as regras descritas no Termo Aditivo de
programação e dividir o lucro da venda dos anúncios regionais e estaduais (PACHLER, 2007, p.
47).
2) O contrato confere à Globo plenos poderes em cima da grade de programação, podendo
inclusive fazer encaixe de programas, eventos e de publicidade, quando isto for necessário para
atender à estratégia de audiência. De acordo com as regras determinadas em contrato pela direção
da emissora, as afiliadas regionais só entram com o sinal local para inserir os programas
competições ao vivo, esporte combinando humor e as polêmicas envolvendo os times e os atletas, no Globo
Esporte).
50
Estas convenções constam de um Termo Aditivo de Programação de caráter confidencial firmado entre a televisão
afiliada e a Rede Globo do qual Pachler teve acesso segundo informou em sua dissertação.
63
produzidos pela praça, em horários pré-estabelecidos. Esta produção de programas locais é uma
exigência da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e o seu não cumprimento pede
sanções pesadas (Idem, p. 47 e 51).
3) A Rede Globo fornece uma grade de horários obrigatórios e optativos, onde a afiliada
pode escolher entre ocupar aquele horário exibindo um programa local ou simplesmente
retransmitir o que a Rede Globo oferece (Ibidem, p.51).
4) A empresa também fiscaliza a afiliada através da CGAL (Central Globo de Afiliadas e
Licenciamento), seja por denúncia ou visitas periódicas. No caso do descumprimento dos itens
contratuais pode haver a desfiliação da emissora (Idem, p. 48).A Central Globo de Afiliadas e
Licenciamento funciona como uma espécie de departamento controlador e também como um
orientador. O Departamento de Jornalismo se submete à coordenação da CGAL que é a voz da
linha editorial da Rede Globo para as afiliadas.
5) A emissora que deseja inserir um programa na grade de programação local,
primeiramente passa por uma avaliação, enviando um piloto (programa gravado para efeitos de
teste e experimentação) para a Central Globo de Afiliadas e Licenciamento (CGAL) 51. O material
é avaliado por uma equipe multidisciplinar, que leva em conta os critérios de qualidade do
programa, o horário que vai ocupar na grade de programação, comparação com o programa que
vai substituir, interesse do público e interesse que pode despertar nos anunciantes da região
(Idem, p.53).
Para Pachler (2007, p. 47), o horário optativo é o espaço da criação, da inovação, onde a
afiliada tem a oportunidade de produzir um programa que satisfaça a necessidade do
telespectador da sua região, que conte histórias do povo e valorize as tradições locais.
De acordo com Neiva (1993, p. 233-234), o horário optativo é a “categoria do possível”
dentro do espaço de produção local delimitado pela Rede Globo para as afiliadas. A rigidez das
convenções acaba por reduzir as escolhas regionais possíveis e cria uma nova categoria para o
que é permissível, ou seja, “aquilo que se apresenta para nós como um outro modo de
disponibilidade, sansionado pela cultura” (Idem, p. 233-234).
Diante deste espaço de produção, a maioria das afiliadas certamente dispõe de uma
estrutura técnica e profissional modesta, muito distante dos recursos financeiros da Rede Globo
Rio ou São Paulo, para produzir programas.
51
A CGAL substituiu a Central Globo de Afiliadas e Expansão (CGAE).
64
As afiliadas se submetem principalmente às regras de produção e qualidade técnica 52 da
Rede Globo para terem seus programas aprovados pela CGAL, e para isso, adotam formatos
consagrados em rede nacional, que facilitam o caminho. Neste aspecto, as afiliadas não se
expõem ao risco do fracasso; acreditam que seus programas vão funcionar (WATTS, 1990, p.
19). E, de preferência, com pouco investimento.
O Globo Rural é um exemplo de programa da Rede Globo que tem sido muito
reproduzido a partir do formato da rede nacional na programação das redes regionais,
principalmente depois dos anos 2000. Alguns destes programas já contam com núcleos
exclusivos de produção, mas a grande maioria utiliza a mesma estrutura de produção do
telejornalismo diário (DEAK, 2008, n. 20)
O objetivo deste capítulo foi mostrar que um gênero de programa da Rede Globo não se
reproduz nas afiliadas somente porque ele tem sucesso, mas também porque existe uma estrutura
de produção factível. Outro dado revelado está na maneira como a emissora induz as suas
afiliadas a esta reprodução dos gêneros e formatos de programas de rede nacional, como o Globo
Rural.
No entanto, é importante se esclarecer que no caso do gênero quase asséptico do telejornal
não é só a reprodução de um formato de sucesso que garante a receptividade do jornalismo
praticado ou a fidelização do público. O telejornal rural da rede regional também depende de uma
boa estrutura de produção de conteúdo, ligada às demandas da sociedade, e de pessoas que
imprimam a ele um estilo. E este, em última instância, se restringe a universos culturais
delimitados, por mais que as instituições jornalísticas tenham inserção econômica global.
Conquistar um padrão de produção de programas com nível técnico acima da maioria das
televisões do mercado foi sem dúvida um processo que contou com a qualidade dos profissionais
da Rede Globo.
De qualquer forma, a qualidade na TV não é uma característica que pode ser transferida
simplesmente de uma emissora para a outra durante a reprodução de um formato de um programa
de sucesso.
Mas neste momento em que as tecnologias de comunicação passam por uma grande difusão
(i-pod, celular com câmera, pent-drive; notebook, a tecnologia wireless) também acreditamos que
52
Ver em Machado as sete acepções de Geoff Mulgan da palavra “qualidade” em TV (2005, p24-25).
65
muitas competências tecnológicas devem se estabelecer no caminho das redes regionais ajudando
a otimizar e reduzir os custos dos processos de produção de programs. Entretanto, a mais
imprescindível delas continuará sendo o talento humano.
66
CAPITULO IV
GÊNEROS E FORMATOS NO “GLOBO RURAL”
O programa Globo Rural foi ao ar num momento em que a Rede Globo buscava ser um
veículo não só de abrangência nacional, mas que pudesse falar a uma parcela representativa do
Brasil Rural, cuja economia se diversificava com o aumento da produtividade nas lavouras, a
adoção de modernas tecnologias e a expansão das fronteiras agrícolas.
No início dos anos 1980, essas mudanças se tornavam mais visíveis, no campo e nas
centenas de cidades interioranas, também em razão da implantação de projetos de eletrificação
rural, de saneamento e da expansão das telecomunicações. Igualmente importante neste período
foi o maior acesso do produtor às pesquisas e sementes desenvolvidas pela ciência brasileira para
as mais diversas regiões agricultáveis do país. Muitos processos de tecnificação e industrialização
da produção puderam ser efetivados, o que levou ao aumento do valor agregado dos produtos
agrícolas brasileiros e ao fortalecimento do agronegócio no país.
O campo rompia com antigas formas de organização da produção, enquanto desafios ainda
maiores de desenvolvimento regional se configuravam. De um lado, a melhoria da infra-estrutura
dos municípios interioranos para o comércio competitivo de produtos agrícolas; do outro, a
melhoria das condições de vida dessas populações de trabalhadores que de muitas formas se
fixaram nas cidades permanecendo ligadas às suas raízes rurais.
Para a Rede Globo, este momento da agricultura brasileira significou a adesão de uma nova
audiência nacional, a do homem do campo e, claro, o surgimento de oportunidades de negócios
com os grandes anunciantes do setor, entre eles, empresas multinacionais e grupos brasileiros
associados. O cenário era favorável à criação de um programa rural e acabou se revelando
promissor para o telejornalismo.
Apesar da demanda justificada do departamento comercial, por um programa que
produzisse informação atualizada e específica para o homem do campo, e das mudanças
ocorridas no país com o fortalecimento do agronegócio, essa realidade ainda parecia muito
distante dos acontecimentos do eixo Rio-São Paulo, onde estava centralizada a produção do
telejornalismo de rede nacional da TV Globo.
67
No início da década de 1980 a explosão do movimento sindical dos metalúrgicos do ABC e
das sucessivas greves de operários, a crise econômica e a política nacional, a violência das
grandes cidades e outros problemas “urbanos” exigiam cada vez mais a participação do
departamento de jornalismo da sede paulista, onde seria fixado o núcleo de produção do Globo
Rural, limitando a sua atuação em outras produções da casa.
Para trabalhar no projeto do Globo Rural o departamento de jornalismo disponibilizou uma
dupla de profissionais experientes, os jornalistas Humberto Pereira e Gabriel Romeiro, que já
havia trabalhado no telejornalismo da Rede Globo e em um grande projeto educativo da rede
(ROMEIRO, 2007, n.17)53.
Segundo Romeiro, o Globo Rural foi viabilizado a partir da definição de um núcleo de
produção formado por profissionais do telejornalismo, do departamento comercial e da
engenharia, mais o pessoal de apoio, como assistentes de iluminação e motoristas. A equipe
inicial do programa era “enxuta”, mas a sua configuração sempre mudava e até crescia de acordo
com as necessidades.
O programa Globo Rural foi levado ao ar no dia seis de janeiro de 1980, às nove da manhã.
Nesta fase de implantação houve um esforço conjunto: profissionais deram a sua contribuição
fazendo parte da equipe até que se estabelecessem rotinas de produção para cada setor. Carlos
Nascimento, o primeiro apresentador do Globo Rural, era um exemplo: aos domingos, ele
aparecia falando sobre o movimento das colheitadeiras e das cotações dos produtos agrícolas em
todo Brasil e, durante a semana, ele era o repórter do movimento sindical, das greves em São
Bernardo do Campo e Diadema, dos conflitos entre a polícia e trabalhadores nas portas das
fábricas e das grandes assembléias lideradas por Luiz Inácio da Silva.
Havia certo ceticismo por parte de outros profissionais em relação ao futuro do
programa. Comentava-se nos bastidores que ele não duraria dois meses no ar.
Como não havia horário disponível nos estúdios durante o dia, a solução era
gravar de madrugada. Os jornalistas fechavam a edição na sexta-feira, por volta
das 21h, e ficavam aguardando, em um restaurante ao lado da emissora, até
cerca de uma hora da manhã, quando eram chamados pelos técnicos. Quando
53
“O Globo Rural não foi nosso primeiro projeto juntos. A gente havia trabalhado, eu, o Humberto e uma pedagoga no
projeto do Telecurso 2º grau. Eu e o Humberto já nos conhecíamos de longa data, do seminário e da grande
imprensa: o Humberto havia feito cinema, eu vinha de outras experiências na TV (com o Titulares da notícia –
telejornal - da Bandeirantes) e nós adequamos o conteúdo das aulas para a televisão. Quando veio o Globo Rural já
havia um conhecimento. [...] Na época, eu estava aqui na pauta da Globo, eu era da Central Globo em São Paulo. Eu
entrei mesmo na televisão na TV Cultura. [...] Quando saí da Cultura, no fim dos anos 70, fiz um trabalho de freelance aqui no Globo Repórter da Globo” (ROMEIRO, 2007, n. 17).
68
algo saía errado e precisava ser revisado, as gravações se estendiam até as três
da madrugada. Carlos Nascimento lembra que o mandioca news, como o
programa era ironicamente chamado pela equipe, começou numa sala pequena,
com duas ou três escrivaninhas e um “exército de Brancaleone” formado por
pessoas que gostavam de agricultura, mas não tinham nenhuma especialização
técnica. O programa, que no começo era visto como uma excentricidade,
começou a se desenvolver54.
Para a equipe de produção do Globo Rural, sediada na capital paulista, o desafio de fazer
um programa rural nacional consistia, primeiramente, em conciliar viagem e reportagem o que
exigiu uma boa dose de improvisação.
Nestas viagens os jornalistas conheceram verdadeiramente as diferentes realidades do Brasil
rural, da pequena propriedade e da fazenda, que aos poucos deixavam de ser os lugares onde
estavam reunidos o trabalho, a casa, a família, a igreja, a escola e a diversão do agricultor. O
contraste era tão grande que algumas propriedades tinham que ser percorridas de avião
(SANTOS, 2007, n. 22); (BATTAGLIN, 2007, n. 15); (DALLA PRIA, 2007, n. 11).
Os jornalistas do Globo Rural registraram estas mudanças em muitas reportagens, mas não
deixavam de conviver com outras situações inusitadas: um almoço com um prato típico da
cozinha regional, uma roda de viola no fim do dia de trabalho, o convite para um casamento ou
festa religiosa.
As expressões da tradição e da cultura do povo brasileiro surgiam tão freqüentemente na
trajetória da equipe que foram incorporadas à temática do programa. O mesmo aconteceu com as
festas populares e ritos brasileiros que, em sua singularidade, representavam toda a riqueza
cultural do brasileiro e a sua história, outrora construída no meio rural.
Abordar o rural como gênero de programa televisivo significou então, adotar formas
diferentes de olhar o homem e a sociedade. Battaglin diz que as reportagens sobre a implantação
de novas tecnologias no Globo Rural deveriam responder por exemplo, que tipo de vantagem a
prática ou invenção trazia para a vida do homem do campo e “que tipo de sociedade estava se
formando com a aplicação daquela prática, as pessoas estavam melhorando de vida?”
(BATTAGLIN, 2007, n. 15).
54
Para a apresentação, Mercadante convidou o jornalista Carlos Nascimento, escolhido graças à sua identificação
com o homem do campo. Natural de Dois Córregos, no interior de São Paulo, Nascimento trabalhou na rádio ZYR
54 e no jornal O Democrata, antes de ir estudar jornalismo na capital (Memória Globo)
http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-238203,00.html
69
O programa Globo Rural mexeu com a rotina do departamento de telejornalismo da Rede
Globo e com conceitos de informação de serviço. Em seis meses de exibição, o programa teve
tanta audiência que ganhou mais meia hora. Em pouco tempo a redação já recebia cerca de 250 a
300 correspondências por semana de todo o Brasil com consultas e perguntas55.
Como o espaço na sede da Rede Globo se tornara pequeno, a redação do Globo Rural foi
deslocada da Praça Marechal Deodoro e passou a ocupar um imóvel na rua Dr. Gabriel dos
Santos onde também estavam a redação do Globo Repórter e o Departamento de Comunicações
da Rede Globo. Era uma “casa no campo”, em plena metrópole, com vista para um novo conceito
de programação.
4.1.Geração de jornalistas
A história do Globo Rural, contada pelos seus protagonistas, é geralmente relatada a partir
de 1980, o ano da sua exibição. Mas durante esta pesquisa se pode constatar que o programa
talvez nem tivesse sido criado se não fosse por uma série de acontecimentos muito anteriores a
este período, que acabaram aproximando pessoas de origens e saberes diferentes num mesmo
lugar.
Entende-se que aprofundar um pouco mais a história da formação da equipe do programa é
reconhecer que os contextos profissionais específicos (estilo, modo de expressão, temáticas)
também dialogam com o gênero e o formato do Globo Rural, ainda que a emissora permaneça
inserida em uma realidade econômica e global de mercado.
Certamente que entre os nomes representativos do grupo da implantação existem muitos
profissionais que poderiam enriquecer esta análise com seus depoimentos. O Globo Rural reuniu
uma geração de jornalistas e profissionais de TV, mas hoje não dispõe de elementos que
permitam trabalhar em curto prazo com este universo.
Como dado quantitativo, apura-se que metade da redação e o corpo editorial ainda são
formados por profissionais contratados durante a década de oitenta. Por isso, se privilegiaram os
depoimentos destes profissionais e os relatos que remontam este período para tentar reconstruir
um contexto inicial de produção e identificar os principais conceitos do programa e de seus
autores.
55
http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-238203,00.html
70
O núcleo do programa Globo Rural em São Paulo atualmente está entre as equipes mais
longevas do telejornalismo brasileiro e é basicamente composto por jornalistas que foram
repórteres. Esta afinidade entre os profissionais ao longo dos anos resultou em dividendos que,
sem dúvida, elevaram o padrão de produção do programa.
Alguns nomes de profissionais que trabalham, e trabalharam, no programa podem ser
encontrados nos sites “Globo Rural TV” e no “Globo Memória”. Ao notar a ausência de alguns
nomes buscou-se sua atualização de modo que um maior número de profissionais ficasse
representado junto à pesquisa acadêmica.
O editor-chefe Humberto Pereira, o chefe de redação Gabriel Romeiro e o chefe de
reportagem Lucas Battaglin estão no comando do Globo Rural desde o início.
O programa teve como apresentadores: Carlos Nascimento, Wellington de Oliveira, Sílvia
Popovic, Sérgio Roberto Ribeiro, Olga Vasone, Humberto Pereira, William Bonner, Oliveira
Andrade, Nélson Araújo, Rodolfo Gamberini, Augusto Xavier, Fábbio Perez, Maria Cândida,
Vico Iasi, Helen Martins, Fabiana Scaranzi, Rosana Jatobá, Priscila Brandão, Evaristo Costa,
Kelly Varrasquim.
Além dos jornalistas já citados, passaram pelo Globo Rural: Paulo Patarra, Odair Redondo,
Ladislau Cardoso, Paulo Zaca (editores de imagem), Renato Moreira, Ninho Moraes, Afonso
Mônaco, Flávia Adalgisa, Cláudio Savaget, Sidney Maschio, Celso Ming, Joelmir Betting, Lillian
Witte Fibe (comentaristas econômicos); Edgard Cavaliero, Ana Paula Couto, Alberto Gaspar,
Carlos Magno, Oliveira Andrade, Patrícia Poeta; Carlos Azevedo e Solange Riuzim (repórteres);
Adão Macieira, Bartolomeu Clemente, José Carlos Fontalva, Nilson Araújo (repórteres
cinematográficos); Dorival Roque (editor de imagens), Levy Soares de Lima (editor executivo)
entre outros.
O Globo Rural atualmente é apresentado por Nélson Araújo, Helen Martins (edição de
domingo) e Priscila Brandão (edições diárias), além da apresentadora da meteorologia Michelle
Loreto. A equipe conta ainda com o editor-executivo Sérgio Coelho (edições diárias); os
repórteres Ana Dalla Pria, César Dassie, Ivaci Matias, José Hamilton Ribeiro, Nélson Araújo,
Rita Yoshimine (Brasília) e Vico Iasi; os editores Benedito Cavechini, Helen Martins, Kica
Tomaz; Eliane Deak, Pedro Serra (edições diárias); o editor de arte Djalma Albuquerque; os
editores de imagem Dorival Roque, Olympio Giuzio, Orlando Daniel, Roberto Caiado e
Rodolpho Sky; os repórteres cinematográficos Francisco Maffezoli Jr, Jorge dos Santos; os
71
produtores de reportagem Ana Castro e Camila Marconato (que também faz reportagens); o
coordenador de produção Adir Santos; o auxiliar de produção Diego Riolo Fernandes; Epitácio
Araújo (áudio); Edivaldo Gama (Sadam), Wilson Berzuini, Alesi, Carlos Sales (motoristas e
técnicos de produção) e a secretária Lourdes Aparecida de Almeida. Atuam como consultores do
programa o médico veterinário Enrico Ortolani e o engenheiro agrônomo Chukichi Kurosawa. O
repórter cinematográfico Ivo Coelho (no programa desde o início) se aposentou em 2008 e foi
substituído pelo curitibano Sandro Queiroz56.
4.1.1. Reunindo jornalistas para um novo campo
Há quem acredite que as pessoas não se encontram por acidente, mas no caso do Globo
Rural pode-se dizer que tudo começou com um acidente, em 1976: um incêndio, de causas até
hoje não esclarecidas, destruiu praticamente todas as instalações da TV Globo no Rio de Janeiro.
Apesar dos estragos nos equipamentos, o “apagão” na programação durou poucos minutos. Para
garantir a exibição do Jornal Nacional naquela noite, os editores e os rolos de filme foram
levados às pressas do Rio de Janeiro para São Paulo. Durante três meses, o departamento de
jornalismo da Rede Globo se mudou para a capital paulista, onde passaram a ser feitas a edição e
a geração de todos os telejornais. Nunca mais o telejornalismo da emissora seria o mesmo.
Esta breve mudança teve como resultado imediato a valorização dos profissionais da
sucursal de São Paulo, em vários níveis, e o crescimento da participação dos seus repórteres nos
telejornais nacionais, principalmente no Jornal Nacional, um reduto carioca. O contexto político
da época, marcado pelo início do movimento sindical do ABC e a ação do empresariado, também
favoreceu a equipe de São Paulo. Numa manhã, o diretor de jornalismo Luiz Fernando
Mercadante então anunciou o aumento do grupo de jornalistas e técnicos, pois, para dar
continuidade aos projetos da emissora, se tornava urgente e necessária a contratação de novos
profissionais.
Mercadante procurava profissionais que pudessem somar, ao jornalismo da Rede Globo,
texto apurado e experiência, visto que a equipe era formada em sua maioria por jovens
jornalistas. Naqueles tempos de ditadura militar, de exílio da cidadania e censura aos meios de
comunicação, os melhores profissionais estavam nas redações dos jornais.
56
Parte dessas fontes foi obtida em GLOBO rural. Memória Globo. Disponível em:
<http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-238203,00.html>. Acesso em 10 set. 2006.
72
Era uma geração combativa que invariavelmente reportava grandes crimes, eventos
esportivos de caráter épico, guerras, mas também mantinha uma paixão pelo registro de
personagens do cotidiano, pelo perfil, pela convivência demorada com o tema, com as pessoas, as
coisas, assim como pregava Tom Wolfe. Contudo, a perseguição política e a instabilidade do
mercado editorial, com o surgimento e o rápido fechamento de veículos impressos,
invariavelmente relegavam estes profissionais à clandestinidade ou ao desemprego.
Nomes conhecidos e premiados da imprensa escrita foram então convidados por Luiz
Fernando Mercadante para trabalhar na Rede Globo: grandes estrelas do Jornal da Tarde e da
extinta revista Realidade, da Editora Abril, como Paulo Patarra, Woile Guimarães, Eurico
Andrade, Narciso Calili, Raul Bastos, Chico Santa Rita e Dante Matiussi. ( JORNAL Nacional: a
notícia faz história, 2004, p. 79).
Mas o que este time de experientes profissionais teria a ver com a criação do Globo Rural?
Além de serem herdeiros de uma geração politizada, nacionalista, com uma visão crítica do
comunicador na sociedade brasileira na Rede Globo, muitos destes profissionais foram
convidados a integrar chefias e projetos de criação de novos programas e de telejornais nacionais
e regionais.
Woile Guimaraens, por exemplo, tornou-se diretor regional de jornalismo e foi responsável
pela contratação de vários profissionais para o Globo Rural. Neste grupo também havia dois
jornalistas que tinham passado pela revista Realidade e que voltaram a se reencontrar no
telejornalismo da emissora: respectivamente, o primeiro editor-chefe e o chefe de redação do
Globo Rural: Humberto Pereira e José Hamilton Ribeiro.
A contratação de Humberto Pereira foi feita por intermédio de um amigo de longa data que
estava na chefia de comunicações da Rede Globo, o publicitário Carlito Maia.
O jornalista José Hamilton Ribeiro começou a trabalhar no Globo Repórter da Rede Globo,
a convite do cineasta baiano e diretor do programa, Paulo Gil. Mas, entre a revista Realidade e o
contrato com a TV Globo, houve uma fase em que o jornalista José Hamilton Ribeiro, já
agraciado com quatro prêmios Esso de jornalismo e com vários livros publicados, voltou a viver
no interior de São Paulo.
Ao retornar para São Paulo, já na Rede Globo, Ribeiro acompanhou a implantação do novo
programa rural da emissora bem de perto. Trabalhavam no mesmo prédio, na Rua Dr Gabriel dos
73
Santos, muitos jornalistas do seu extinto grupo da Editora Abril, da revista Realidade, do jornal
EX e do Jornal da Tarde.
Entre 1982 e 1983, o Globo Repórter passou por uma crise editorial e ficou fora do ar por
cerca de três meses. Foi aí então, que José Hamilton Ribeiro foi convidado para participar do
Globo Rural: “No início seria uma experiência curta, por alguns meses, enquanto o Globo
Repórter não voltasse ao ar. Aí, acabei me apaixonando pelo campo e estou no Globo Rural
desde então” (RIBEIRO, 2007, n. 6).
Além dos veteranos, José Hamilton reencontrou no Globo Rural um jovem ex-colega, que
tinha deixado o interior para trabalhar na televisão, o repórter Ivaci Matias.
Lucas Battaglin, atual chefe de reportagem do programa, também estava neste grupo dos
anos 80 que ajudou a implantar o Globo Rural. Ele era um jovem editor, mas já havia participado
da implantação de vários telejornais em três emissoras.
Ao comentar sobre o estilo de jornalismo praticado pelo Globo Rural e a complexidade dos
temas, Bataglin conta que durante sua formação na Universidade de São Paulo havia uma
corrente jornalística muito forte que apostava no jornalismo interpretativo. Esta maneira de fazer
a cobertura jornalística correspondeu a um formato de telejornal que privilegiava a reportagem
em profundidade, efetivamente levado ao ar pela equipe da TV Cultura.
O chefe de redação do Globo Rural, Gabriel Romeiro (que também havia trabalhado na TV
Cultura e na TV Bandeirantes) confirma que o estilo mais explicado e coloquial das reportagens
do Globo Rural sofreu influência deste grupo da TV Cultura, desta geração que, por sua
representatividade, também deixou suas marcas no telejornalismo diário da Rede Globo:
É uma coisa que ninguém comenta muito, mas havia dois estilos de
telejornalismo concorrentes, um americano, mais rápido, da Globo e outro
europeu, mais “BBCeniano”, que era o da Cultura. Venceu o americano
(Romeiro, 2007, n. 17).
Nesta altura o Globo Repórter já era considerado uma unanimidade entre a audiência;
produzia documentários a partir da prática de um jornalismo de profundidade e possuía
profissionais de alto gabarito, oriundos da TV Cultura e da BBC de Londres, como Fernando
Pacheco Jordão e outros jornalistas que haviam feito cinema57.
57
MUNIZ, Paula. Globo Repórter: os cineastas na televisão. Aruanda, ago. 2001. Disponível em:
<http://www.mnemocine.com.br/aruanda/paulogil.htm>. Acesso em 06 nov. 2007.
74
O repórter cinematográfico Jorge dos Santos do Globo Repórter foi integrado à
equipe do Globo Rural nesta época da “crise dos formatos”.Ele destaca a semelhança entre as
estruturas técnicas de produção dos dois programas:
Bem no começo, o Globo Rural também foi em filme 16 mm. Era um Kodak
7242 colorido. Quando eu cheguei do Globo Repórter a equipe era somente o
Ivo/Ivaci/Humberto/Paulo Patarra e mais algumas pessoas que não me lembro.
O programa era de 30 minutos. Eu vim para o programa já com formação no
Globo Repórter. Lá eu aprendi a fazer matérias especiais, que na época
chamávamos de documentários, e no Globo Repórter sempre saíamos com
equipe completa, ou seja, tinha um diretor de cinema, exemplo, João Batista de
Andrade, Denoy de Oliveira (todos cineastas famosos e lutadores na época da
ditadura); tínhamos um produtor, operador de áudio, fazíamos o som separado,
gravado em um gravador famoso de nome Nagra, até hoje no cinema se usa este
gravador. Tínhamos um assistente de cinegrafista e motorista. Eu estava no Rio
de Janeiro quando o diretor do Globo Repórter na época me chamou e disse que
eu seria dispensado porque a unidade de São Paulo iria ser desativada, mas ao
sair da Globo no Jardim Botânico encontrei o diretor de jornalismo em São
Paulo na época que era o Woile Guimarães e contei da minha dispensa. Ele
imediatamente me contratou para a equipe do Globo Rural. Lá fui eu feliz da
vida com a nova etapa (SANTOS, 2008, n.).
A equipe do Globo Rural praticava um jornalismo semelhante ao do Globo Repórter. Mas
as grandes reportagens (e eventualmente os documentários), apesar de possuírem a mesma
intencionalidade e grau de produção, no Globo Rural não se revelavam como tal. A questão é
que, quando eram exibidas, as grandes reportagens tinham um formato pouco convencional para
época.
Reflexo ou não desta “crise dos formatos” um recurso de edição dava ao programa um
outro timing, mais dinâmico, isto é, se fragmentavam as grandes reportagens em capítulos, como
se fosse uma série. Quebrava-se assim uma certa homogeneidade pré-estabelecida por este tipo
de reportagem e pelo documentário de “começo-meio-fim”. Em 1983, a reportagem Boiada,
sobre a travessia de milhares de cabeças de gado no pantanal, foi exibida em nove semanas.
Oportunamente, a edição também tirava partido das interrupções comercias entre os blocos
fazendo com que cada segmento pudesse ser usado “dramaticamente”, criando-se climas ou
ganchos de tensão até o próximo programa.
Ao mesmo tempo em que se fragmentava a matéria escrita e audiovisual, se recompunha o
universo temático. O fio condutor do programa, o homem do campo, sofria intensas mudanças no
seu meio. O Globo Rural de certa maneira encontrou na própria trajetória do seu espectador e dos
seus profissionais o caminho para a construção do “seu lugar de fala”. Isto é, apostou na
75
heterogeneidade dos tipos humanos, nos diversos personagens e atividades do mundo rural para
configurar um estilo de representação dentro deste gênero televisivo.
Colocar as pessoas do campo “falando na TV”, investir nestes personagens populares,
brasileiros, foi um caminho natural e que se tornou prioridade para aquele grupo de jornalistas do
Globo Rural. A maioria era de origem interiorana, alguns tinham morado na zona rural, outros
apenas compartilhavam os sentimentos de solidariedade, de comunidade e liberdade tão afetos ao
homem do campo.
Ao dividir a grande reportagem em capítulos a equipe do Globo Rural estabeleceu frações
singulares de participação sem que isso resultasse em um produto desconexo e disperso. A partir
daí, a experimentação de modelos de narrativa televisual, não apenas mais complexos para a
época, mas também menos previsíveis e mais abertos, tornou-se uma prática necessária. A rigor,
a equipe do programa estabeleceu uma linguagem televisiva própria, identificada pelo
depoimento, pela coloquialidade e, sobretudo, pelo “saber local”58.
José Hamilton Ribeiro, ex-chefe de redação, revela que o jornalismo feito no Globo Rural
acabou refletindo o modo de fazer jornalismo de profissionais que já haviam passado por
experiências semelhantes, e muito bem sucedidas, na grande imprensa. A televisão reforçou o
contexto fazendo aparecer as cores, os tons e os traços antes descritos pelas palavras (RIBEIRO,
2007, n.6)
Mas não seria somente a busca pelo personagem, a estética cinematográfica, as técnicas
utilizadas na reportagem e na edição ou mesmo o estilo informal da apresentação que trariam
vida longa ao Globo Rural. Em entrevista, Ribeiro destaca duas características desse grupo inicial
que acredita ser a sua principal herança: a vivência da realidade e a coerência editorial.
A vida do homem rural é muito dura, é muito difícil tirar dinheiro da terra, é
uma luta feroz. Então, você vai lá fazer uma reportagem que ‘tudo deu certo, oh!
Que maravilha. Oh! Que fórmula milagrosa!’. Não tem. Tem até um ditado aqui
no Globo Rural: ‘Não existe capim melhor que o outro’. Porque é muito comum,
né? Quando surge um lançamento de um capim novo: ‘Olha, é o melhor do
mundo’, ‘vai mudar tudo’ e não muda nada. É mais um capim e que vai estar ao
lado dos outros... [...] O Globo Rural jamais fará alguma coisa que seja pra
falsificar, pra manipular, uma situação. Quando às vezes um repórter faz alguma
coisa, dá a entender que aquela situação ‘não é bem aquilo’, no esquema do
58
“E o que é o saber local? A sabedoria do local não é maior, não é menor. Não tem juízo de valor nisso. Para você
captar uma realidade local é preciso que os atores daquela realidade passem a sua sabedoria, passem o seu saber. E
só a partir daí que você pode construir a reportagem (às vezes até com a ciência questionando aquele saber, isso é
possível também, o que não quer dizer que a ciência esteja certa). O fundamental é você fazer, a partir do saber local
do homem, da cultura da região” (BATAGLIN, 2007, n. 15).
76
Vídeo Show aquilo vem à fio, vem à superfície e é contornado, não vai para o ar
(RIBEIRO, 2007, n. 6).
4.2. Censura
O Globo Rural foi ao ar num período em que a censura prévia aos noticiários e à
programação, mantida até 1982, ainda pairava sobre as emissoras de TV. Além disso, a
agricultura e a pecuária eram temas de “interesse nacional”, um interesse gerado não por um
programa transmitido para todo o território brasileiro, mas por uma ordem econômica
estabelecida pelos ditames da política do presidente João Baptista Figueiredo calcada no controle
de preços, do abastecimento de alimentos e no congelamento dos salários.
A abertura política levada a termo durante o mandato de Figueiredo desagradava os
militares da linha-dura que se mantinham no governo em cargos estratégicos.
Num jornal do interior paulista (região onde predominavam a pecuária e a cafeicultura)
encontrou-se uma matéria que dá mostras do controle então exercido pelos militares em toda a
cadeia produtiva. A notícia, publicada no dia 08/01/1980, na mesma semana que o Globo Rural
foi ao ar, hoje chama a atenção pelo teor do discurso oficial (grifos nossos):
O superintendente da Sunab, General Glauco Carneiro, acusou o presidente do
Sindicato da Indústria do Frio do Estado de São Paulo, Gilberto Pourcel, de ter
divulgado para a imprensa a falsa informação de que os preços da carne estariam
35% mais caros na primeira quinzena do mês de janeiro de 1980. Até listas com
os pretensos preços novos chegaram a ser distribuídas em supermercados, mas a
Secretaria de Planejamento anunciou que ‘punirá com rigor os culpados pela
tentativa de especulação59’.
Nesta época o jornalismo da Rede Globo foi alvo de muitas críticas. Havia um juízo popular
que sua cobertura se limitava a divulgar as notícias sobre o processo de abertura sem grandes
contribuições para a instauração da democracia. Nas brechas da programação apenas um gênero
sobrevivia com resistência: o humor.
O chefe de redação do Globo Rural, Gabriel Romeiro, afirma que o controle do governo
sobre o jornalismo, observado nas redações da grande imprensa e também na TV Globo, não se
personificava na redação do programa Globo Rural seja por meio de jornalistas setoristas ou
quaisquer informantes.
59
Preço da carne continua como está. Diário de Marília. Marília, ano VII, n. 1993, jan. 1980.
77
Durante este período, no final da ditadura militar, o programa teve alguns pontos de apoio
que supostamente o mantinham distante da linha de fogo da censura: a própria experiência
política da equipe editorial com os censores, que estimulava a crítica interna; o dia e o horário de
exibição na grade, o forte apelo cultural e estético das grandes reportagens e principalmente o
jornalismo de serviço ao agricultor (que despertava a simpatia do governo ciente do baixo nível
técnico do setor e da necessidade de parceiros televisivos para campanhas)60.
Contudo, durante as reportagens, outras experiências estavam em curso.
Entre o texto e o contexto, os jornalistas do Globo Rural se deparavam no novo campo de
trabalho com velhos problemas. Nas propriedades agrícolas eram flagrantes as situações de total
ausência de direitos fundamentais que favoreciam ainda mais a concentração de renda e a
desigualdade social.
Para Ana Dalla Pria falar de agricultura significou então falar de Brasil, de seus problemas e
soluções(DALLA PRIA, 2007, n. 11).Lucas Battaglin afirma que naquele tempo, a transferência de
tecnologia era um “fator de democratização”. O tema tornou-se bastante discutido pela equipe e
se refletiu em diversos formatos no programa. As reportagens do tipo “como fazer”, onde a
técnica era explicada passo a passo, ganhou representatividade e fez diferença na formação do
público do Globo Rural.
O gênero telejornal e os formatos das reportagens adotados pelo programa Globo Rural
nasceram da função que as notícias exerciam na vida destes profissionais. Estes elementos deram
aos jornalistas e repórteres do programa as condições de produção para mostrar diferentes
contextos sociais, culturais, políticos e econômicos das regiões brasileiras, revelando de certa
forma os princípios pelos quais seu trabalho é executado.
No estudo sobre as reportagens do Globo Rural, Gonçalves61 acredita que as formas de
produção estabelecidas pelos jornalistas do programa (vivência, exemplo, contextualização,
prática editorial)lhe conferem um sentido ético.
As condições sociais, culturais e cognitivas na organização das mensagens
revelam, além do conteúdo informativo, a intencionalidade do produtor e o papel
social dos interlocutores do processo comunicativo desta forma, o entendimento
60
Em fevereiro de 1980, Humberto Pereira entrevistou no estúdio do Globo Rural o então Ministro da Agricultura
Amaury Stabile, que também respondeu às cartas de telespectadores que cobravam mais apoio do governo à
agricultura. Esta relação do governo federal com a notícia no Globo Rural foi investigada com mais profundidade
por ÉBOLI (2007).
61
GONÇALVES, Elizabeth Moraes. O folclore como caracterização do homem do campo: uma análise do
Globo Rural. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/R1246-1.pdf>. Acesso
em 19 ago 2006.
78
das mensagens, não como reflexo da realidade, mas como uma representação
possível desta realidade, permite o desenvolvimento do senso crítico e uma
maior participação social, no que se refere ao contexto 62.
Como resultado destas escolhas nota-se um conteúdo identificado com a transmissão da
notícia, do conhecimento e da cultura regional gerando uma estratégia comum entre os
profissionais de interação e interpelação de seus espectadores.
4.3. O desafio da capacitação
As transformações que ocorreram no campo com a modernização da agricultura brasileira
mudaram o mercado de trabalho no setor e passaram a exigir novas qualificações não só dos
trabalhadores rurais como também dos jornalistas. A partir deste cenário, muitas portas se
abriram para outros profissionais com formação bem mais eclética, com maior compreensão dos
mercados internacionais e das constantes evoluções tecnológicas.
Para a equipe do Globo Rural o contato com técnicos agrícolas, pesquisadores, produtores e
suas respectivas especialidades trouxe questionamentos que pouco a pouco foram sendo tratados
pelos próprios jornalistas como matéria especial.
Os repórteres vinham de uma prática generalista de jornalismo e precisaram investir no
próprio aprendizado de maneira intensiva: familiarizar-se com conceitos e os jargões das ciências
agronômicas e biológicas, com os ciclos das lavouras e das safras e com a dinâmica dos
mercados. Além disso, algumas práticas agrícolas provocavam problemas estruturais e de difícil
solução, ou que demandariam riscos e a adoção de técnicas e políticas que não podiam ser
avaliadas de maneira superficial ou em curto prazo.
O exemplo do chefe de reportagem do Globo Rural, que já era um profissional de televisão
experiente na época, é representativo. Apesar de não ser um repórter especializado em
agricultura, Battaglin sentia-se capaz para a função, pois dominava a técnica jornalística. Mas a
necessidade de melhorar o próprio nível de qualificação e repertório fez com que ele revisse sua
postura diante da dúvida. Era preciso desenvolver habilidades razoáveis para manipular os
diversos dados com os quais teria que interagir.
62
GONÇALVES, Elizabeth Moraes. O folclore como caracterização do homem do campo: uma análise do
Globo Rural. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/R1246-1.pdf>. Acesso
em 19 ago 2006.
79
No caso dos jornalistas do Globo Rural, as habilidades mínimas para transformar a
informação em notícia já não eram suficientes para dar conta desta interação. A modernização da
agricultura exigia mais capacitação do jornalista e isto trouxe para o Globo Rural diferentes
posturas e formas de tratar os vários assuntos. Mais do que isso, foi necessário “aprender a
aprender” como disse o repórter cinematográfico Jorge dos Santos e “não levar na mochila de
viagem os pré-conceitos”.
O esforço de integração da reportagem da TV ao contexto rural, com vistas a desempenhar
um jornalismo de atualidade, tornou-se bastante valorizado; o talento pessoal dos repórteres de
lidar com conceitos abstratos e cognitivos, como desenvolver abordagens mais informais para
com o entrevistado, saber trabalhar a síntese da produção com o grupo, fazer reavaliações de
conteúdo e contexto em tempo hábil, queimava etapas de pré-produção (extremamente
importantes e na época quase inexistentes por conta das difíceis condições de comunicação e
deslocamento) e assim se aumentavam as chances da equipe voltar com um material mais variado
e fidedigno.
Uma das referências mais visíveis deste período de aprendizado da equipe do Globo Rural
no campo da C&T agrícolas foi o contato com os profissionais dos órgãos de extensão,
secretarias de agricultura, associações de produtores, instituições de pesquisa e universidades.
Uma relação em que se buscou o conhecimento e a independência, a fim de que o jornalismo
praticado estivesse o mais próximo da verdade, que surgisse como resultado da participação de
gente com perspectivas e vivências diferentes, mais que qualquer outro produzido sob um ponto
de vista individual63.
No entanto, é importante observar que a relação de independência entre jornalistas e
pesquisadores não se constrói em torno de uma pretensa neutralidade, como se esta interação
fosse apenas um instrumento para se chegar a um serviço ou conteúdo noticioso de qualidade ou
inédito. Notamos que no caso do Globo Rural esta parceria interferiu na configuração do gênero,
na forma de elaboração das notícias produzindo novos formatos. O que não chega a ser um caso
isolado na imprensa.
63
Para superar as próprias limitações, a equipe inicialmente contou com a assessoria do engenheiro agrônomo João
da Costa e do médico veterinário Luiz Pustiglione, além de instituições de ensino e entidades do governo. Essa
também era uma forma de colocar o telespectador a par da existência de órgãos que pudessem orientá-lo em questões
técnicas e, principalmente, evitar a confusão entre a figura do repórter e a de um especialista em agropecuária.
80
4.3.1 Jornalistas e cientistas: um diálogo possível
Familiaridade e independência. Para Caldas (2003, p. 217), estas são as palavras-chave de
uma relação produtiva entre jornalistas e cientistas. Mas, assim como na prática científica, o
conhecimento especializado e a visão crítica também devem ser usados na construção da
informação jornalística; assim, a divulgação da C&T pela imprensa poderá contribuir de fato,
para um desenvolvimento sustentável, gerador de bem-estar social.
Ivanissevich (2005, p. 24) atribui uma grande importância à divulgação da ciência pelo
jornalismo e alerta para o “vício” de tratar a classe científica como detentora absoluta da verdade
em decisões onde a descoberta das tecnologias ou de suas aplicações tenham efeitos diretos na
vida da comunidade.
Entretanto, por se mostrar extremamente complexo ao jornalista, o mundo rural, com temas
que vão desde a economia até a clonagem de animais e plantas, passando pelo meio ambiente e as
manifestações sócio-culturais, não desperta paixão à primeira vista. Os problemas de
contextualização em casos recentes, como o embargo da carne brasileira no exterior, o surto da
febre aftosa, a contaminação do leite e a liberação do plantio de sementes transgênicas, estão aí
para comprovar que as reportagens sobre C&T agrícolas sofrem de uma mediação mais
qualificada e exigem muito mais repertório e estrutura do que a maioria dos jornalistas e dos
meios possam dispor.
Vários são os autores que abordam a relação conflituosa entre jornalistas e cientistas
tomando como base os problemas oriundos das dificuldades de transformar a linguagem técnica
em algo acessível ao público. O interesse, a qualificação, a especialização são os caminhos
sugeridos para amenizar estes fatos.
Bueno(2003,p.143) acredita que a mídia, potencializada pelas novas tecnologias, tem
relegado a qualidade e a precisão da informação jornalística nas matérias de C&T a um segundo
plano e que o envolvimento do profissional é sempre restrito: “na maratona diária da
comunicação on line, o tempo, mais do que em qualquer outra época, é o grande tirano” (2003, p.
143).
França Monteiro (2003, p. 172) comenta que na busca da novidade, no afã de tornar pública
uma informação, o jornalista, apoiado nos valores predominantes no campo dos media, muitas
81
vezes esbarra no que o cientista considera como valores essenciais à divulgação do seu trabalho,
a veracidade e a objetividade.
Mello Gomes
(2003, p. 189-190) chama atenção para um aspecto determinante no
diagnóstico dos erros do jornalismo sobre C&T: as diferentes visões de mundo de repórteres e
cientistas, e cita como exemplo a frase do escritor Peter Nelson: “Os cientistas procuram a
verdade, enquanto que os jornalistas procuram a verdade e, também a notícia”. Nesta perspectiva,
grande parte das reclamações ou erros sobre conteúdo se deve, segundo a autora, a uma
percepção equivocada do discurso jornalístico por parte dos investigadores, sujeitos das notícias.
Em sua pesquisa sobre a opinião dos cientistas sobre a imprensa, França Monteiro (2003, p.
174) também discorre sobre o conceito dos pesquisadores de que “ela é, de fato, uma boa
'vendedora' e deveria ser uma 'educadora'”. E avança no fato de que a imprensa ao procurar estar
sintonizada com o seu público, suas necessidades e interesses, não se exime da sua “principal
função” - a de transformar a notícia num produto.
Alvim (2003, p. 47) observa que o foco ainda é da ciência como interesse de notícia, de
novidade, quando o ideal seria que a ciência fosse uma atividade para o jornalista (jornalismo
científico), pois a difusão e a comunicação da ciência é uma atividade fundamental no processo
de geração e disponibilização do conhecimento.
Oliveira (2002, p. 51) comenta que o mercado de trabalho na área da C&T e o espaço dado
na mídia ao tema são limitados. Na análise da cobertura sobre C&T nos principais veículos do
país (incluindo os telejornais), a autora percebeu que em muitos deles, as matérias se restringem
às descobertas científicas internacionais (enviadas pelas agências de notícias dos países),
enquanto os avanços da ciência brasileira ainda não ocupam espaço relevante na mídia. A
cobertura de eventos técnico-científicos como congressos e simpósios que representam um
celeiro de informações e de fontes para os jornalistas é outro desafio: assistir a palestra e ler os
anais com resumos em linguagem científica exigem tempo e repertório específico o que, na
maioria das vezes, impede o jornalista de explorar a pauta de maneira mais interessante e
engajada.
Wolf (1987, p.201) fala sobre as vantagens da especialização e ressalta que os jornalistas
especializados (por temas ou assuntos tratados, por territórios ou por instituições) “entram em
contato com as fontes com uma bagagem diferente de conhecimentos estruturados sobre o
acontecimento a noticiar”, o que faz com que este contato seja mais produtivo. Por outro lado, se
82
cria uma relação “quase simbiótica de obrigações recíprocas entre fonte e jornalista
especializado”, que simplifica o trabalho e, ao mesmo tempo, o dificulta porque o custo de perder
tal tipo de fonte acaba por levar o jornalista a uma dependência mais ou menos consciente,
justificada pela produtividade da própria fonte.
Kovacch e Rosenstiel (2003, p. 163-164) afirmam que a perspectiva pessoal do repórter
influi no jornalismo feito por ele e por vezes isso pode causar uma ‘miopia’ ao se definir o que é
notícia. Essa crítica dá margem a uma constatação: a origem de um jornalista, seja urbana ou
rural, pode influir tanto de maneira negativa quanto positiva, na produção ou no conteúdo da
notícia sobre C&T agrícolas. Para os autores, os jornalistas não devem manter uma pretensa
neutralidade, mas cuidar da sua independência de espírito e mente, sem negar sua experiência
pessoal, mas sem também se tornar refém dela.
O programa Globo Rural, apesar de utilizar abordagens do jornalismo científico não tem a
pretensão de ser um programa de C&T agrícolas, segundo seu editor-chefe Humberto Pereira. O
programa já viajou para os cinco continentes e, ao contrário do destaque da pauta internacional na
cobertura sobre C&T no país, no Globo Rural prevalece a divulgação da ciência e tecnologias
nacionais aplicadas ao setor agrícola. Congressos, seminários e dias de campo são assuntos
diários na agenda do programa.
O fato de levantar pautas atuais e “trabalhar” o tema sobre C&T agrícolas com
profundidade e contextualização, desde a captação das imagens e informações até a edição, é
conseqüência, de acordo com o chefe de reportagem Lucas Battaglin, de uma ‘cultura
jornalística’ e da necessidade do assunto. Battaglin, em entrevista, ressalta que o jornalismo rural
praticado pelo Globo Rural ao entrar no terreno da C&T, vai tratar o tema do ponto de vista do
jornalismo e não do ponto de vista da ciência. O editor diz que o jornalista que cuida de
agricultura tem que saber coisas óbvias, como “distinguir o milho da soja”, mas, para
compreender sua própria especialidade, o ponto de partida do jornalista deverá ser o conjunto dos
fundamentos da sua profissão (BATAGLIN, 2007, n. 15).
Observa-se, porém, que esta “cultura jornalística” no Globo Rural se baseia nas várias fases
da produção do programa, na pesquisa preliminar, seja através de um levantamento bibliográfico
prévio dos fatos, seja através do diálogo entre jornalistas, técnicos e cientistas. Entre os repórteres
da redação de São Paulo, esta atividade já está incorporada à rotina diária e não é tarefa exclusiva
dos produtores.
83
A questão do repertório do jornalista é um ponto bastante óbvio, segundo WATTS (1990, p.
28), mas freqüentemente ignorado no esquema de produção industrial do programa televisivo (em
que cada um tem uma função e acaba se restringindo a ela). Para esse autor, o conhecimento de
um tema pelo jornalista não precisa ser tão profundo como o do especialista, mas deve ser
suficiente para que ele possa decidir o que colocar e o que não colocar no programa, o que é
novidade e o que não é, por exemplo. Desde que a escolha do material seja justificada
inteligentemente, quando chega a hora de buscar e selecionar informações para o vídeo, o
repórter é o especialista.
Para Caldas (2003, p. 224-226), o segredo da matéria correta, inteligente e competente
começa na preparação prévia de jornalistas e cientistas para o momento da entrevista. Passa pela
captação correta das informações e se consolida na redação do texto.
Objetivando a qualidade do material, apurou-se que, no processo de produção da
reportagem no Globo Rural, a entrevista é encarada com extrema relevância, pois o fato de os
assuntos abordados em C&T serem muito diversos e, na maioria das vezes, muito complexos,
torna este fundamento da profissão essencial para a compreensão do repórter. A entrevista, seja
ela por telefone, pessoalmente ou por e-mail é a chave do entendimento. Também é um
instrumento usado para que as informações contidas na pauta (por mais elaborada que esta possa
ser) sejam confirmadas ou refutadas. Para a chefia de reportagem do programa, o repórter tem
que saber perguntar, e se o faz com habilidade, sintonizado muito mais com o seu público do que
com a fonte especializada, estará no caminho certo64.
Para o repórter Ivaci Matias (ex-vice presidente da Associação Brasileira de Jornalismo
Científico), a especialização em jornalismo rural e nos assuntos relativos a C&T agrícolas vem
mesmo com a prática e, principalmente, com o interesse pelo assunto. Na ausência de cursos
nesta área, “raízes fincadas no campo e talento” fazem a diferença na hora de produzir a
reportagem. A ajuda de fontes confiáveis também simplifica o trabalho. Hoje Matias diz que a
equipe “erra muito menos” e atribui a credibilidade conquistada junto ao público a esta busca da
precisão, à melhora dos critérios de avaliação das reportagens antes da exibição.
64
Sendo possível ao pesquisador, neste momento, “sentar e dar uma aula sobre o assunto” o jornalista também deve
ter em mente que valores científicos e campos de interesse estão em jogo; logo, pode identificar princípios de
legitimidade do seu interlocutor. Como lembra FRANÇA MONTEIRO (2003, p.166), o diálogo entre jornalista e o
cientista é sempre uma “luta simbólica”, porque a relação entre eles é “tensional e contraditória, manifestando-se
pela mútua desconfiança e sedução”.
84
Colocar a informação numa linguagem fácil, acessível, seguindo normas de bom-senso
sobre o conhecimento mínimo do receptor médio, não é tarefa simples. É necessário muito
exercício de leitura e escrita para se chegar à linguagem adequada. No jornalismo rural a
complexidade da linguagem leva facilmente o jornalista a cometer erros graves , como usar
“produção” como sinônimo de “produtividade”, “prenhez” como “gestação”.
É no entendimento desse processo que o conhecimento e os principais conflitos se
estabelecem, afirma o médico veterinário e consultor do Globo Rural, Enrico Lippi Ortolani65,
que diz ser considerado “a pedra no sapato dos repórteres”. É dele e do engenheiro agrônomo
Chukichi Kurosawa66 a missão de avaliar o conteúdo técnico das reportagens de C&T do Globo
Rural antes de ir ao ar “e com isso, muitas matérias caem ou precisam ser refeitas”.
Ortolani (2007, n. 25) define o Globo Rural como um programa universal e contemporâneo
sem ser “tecnochato”. Ele acredita que o sucesso está justamente na forma como ele é produzido,
com um nível de exigência de informação diferenciado.
O consultor diz que no caso dos repórteres, nem sempre erros e acertos técnicos são
conseqüência do mau ou bom entendimento da fisiologia, da botânica ou da biotecnologia 67
(assuntos atraentes para o grande público e difíceis de “traduzir”). Segundo Ortolani, o jornalista
geralmente faz a reportagem para o Globo Rural utilizando como fonte um pesquisador, um
cientista que tem interesse em explicar a pesquisa e os fenômenos, se fazer entender. Mas até este
profissional pode levar o repórter ao erro68.
65
Enrico Ortolani conta que está no Globo Rural desde 18-07-1997. Foi contratado como prestador de serviço e hoje
é consultor do programa. Ortolani é professor e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em
clínica de ruminantes com pós-doutorado na Escócia. É revisor de cinco periódicos e membro do corpo editorial da
revista Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science. Foi um dos primeiros pesquisadores
brasileiros a escrever sobre a doença da vaca louca. Antes do Globo Rural era colaborador do Suplemento Agrícola
do jornal O Estado de São Paulo e da revista Balde Branco.
66
Chukiti Kurosawa é engenheiro agrônomo, especialista em fitopatologia e professor titular aposentado da
Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp – Botucatu.
67
Alta tecnologia de natureza biológica inclui clonagem e engenharia genética.
68
Em oitenta, um pesquisador que não era veterinário disse no programa que era bom dar leite de soja para o
bezerro. Logo depois se descobriu uma mortandade de animais entre aqueles que consumiam o leite. Teve também
um caso de ‘carência’ (onde o animal deixa de receber um mineral e provoca um quadro crônico que leva a morte)
em que a pessoa consultada errou completamente no diagnóstico (ORTOLANI, 2007, n. 25).
85
4.3.2. O exemplo da Embrapa.
Hoje entre as parcerias firmadas com os órgãos de extensão, secretarias de agricultura,
associações de produtores, instituições de pesquisa e universidades pode-se classificar como a
mais representativa aquela estabelecida com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária).
A idéia do mundo científico povoado de “parafernálias eletrônicas, vidros coloridos,
bichinhos que comem ar e cientistas loucos” foi logo desmistificada quando os “doutores” da
Embrapa passaram a ser vistos pela TV nas lavouras, no trato com a criação e na interação com
as comunidades locais. Algumas posturas de colaboração na comunicação com o jornalista, como
a linguagem simplificada com metáforas que facilitam a compreensão, permitiram que o
espectador fosse mais impactado pelas informações.
A Embrapa chegou a editar um manual, com o apoio da USP, contendo orientações sobre
como os seus pesquisadores deveriam se portar numa entrevista (JORGE DUARTE, 1994). Entre
as orientações, a necessidade de se ter empatia com o público (“às vezes, os que menos entendem
são os que mais necessitam da informação”), a importância do entrevistado ser entendido pelo
jornalista (“seja objetivo, evite divagações desnecessárias”) e de mostrar que a pesquisa está a
serviço da sociedade (“mostre o impacto da novidade e como vai modificar a realidade; como o
produtor ou a sociedade vão ganhar com ela”) (JORGE DUARTE, 1994, p. 12-13).
Mas o que teria provocado a mudança no comportamento destes profissionais da elite
científica brasileira a ponto de colaborar com um programa de TV? Afinal a Embrapa não foi
criada como um órgão de extensão rural, mas de pesquisa.
Em uma retrospectiva sobre divulgação científica no país, vemos que foi na década de
oitenta, a mesma década em que o Globo Rural foi ao ar, que se deu o início da cobertura
sistemática do setor científico brasileiro pelos meios de comunicação de massa. Diante da
ausência de uma política nacional de difusão de C&T esforços isolados realizados por órgãos
públicos como a Embrapa, Finep, Fiocruz, Inpe e universidades federais e estaduais foram
empreendidos com o intuito de divulgar na mídia não especializada sua produção científica e
tecnológica nacionais (OLIVEIRA, 2002, p. 28-31), (JORGE DUARTE, 2003, p. 335-334).
No cenário idealizado pelos pesquisadores, a grande imprensa, por causa da sua ampla
penetração em diversas camadas sociais, deveria oferecer mais espaço para a ciência e a
86
tecnologia, ser menos fragmentária e menos sensacionalista, ser um instrumento de reflexão para
a sociedade e, enfim, deveria se transformar numa ampla sala de aula midiática. Mas esta não era
uma visão compatível com a realidade da maioria dos veículos de comunicação. Assim, para a
produção de reportagens sobre C&T, o relacionamento entre jornalistas e cientistas passou
necessariamente pelo reconhecimento dos processos de produção da ciência e da mídia.
No caso do Globo Rural o contato com a Embrapa trouxe vantagens específicas para o
programa. Uma delas foi a credibilidade, alcançada pela qualidade do conteúdo das pesquisas e
pela participação direta dos cientistas nos resultados das lavouras. Muitos já eram nomes
reconhecidos internacionalmente e, com a televisão, passaram a ser personalidades reconhecidas
pelo grande público.
Para a Embrapa a veiculação de projetos no programa rural da Rede Globo trouxe a
aprovação pública e principalmente uma visibilidade para o segmento da pesquisa em C&T
agrícolas antes ausente na programação da TV Brasileira. Jorge Duarte (2003) fala que a
instituição evoluiu na formação de “comunicadores–negociadores” e descreve como isso foi
estimulado no contato com os jornalistas do Globo Rural:
O entrosamento entre a equipe de comunicação e a do programa era tal que a
Embrapa, por meio da Sede, não apenas discutia pautas como chegou a ajudar a
produzir reportagens, inclusive preparando plantações apenas para serem
filmadas. Na primeira edição do programa já havia uma matéria sobre o Centro
Nacional de Pesquisa de Cerrados. O editor Humberto Pereira, em suas férias,
ainda no primeiro ano do programa, visitou vários centros de pesquisa por conta
própria. O resultado desse relacionamento foi que a Embrapa, praticamente todo
o domingo, estava presente em um programa da Rede Globo de televisão e, por
meio do ‘Globo Rural’, pela primeira vez, foi apresentada com regularidade na
mídia unindo divulgação institucional e de tecnologias. A partir de uma única
matéria veiculada no programa, 20 mil cartas foram recebidas e respondidas
(JORGE DUARTE, 2003, p. 239).
Este exemplo da Embrapa, além de trazer uma medida impressionante do impacto da mídia
televisiva no campo (vinte mil cartas recebidas depois da veiculação de uma reportagem),
também mostra a visão da instituição sobre alguns aspectos que foram adotados neste processo de
parceria com o programa Globo Rural.
Há outras experiências significativas nesta relação entre Embrapa e Globo Rural. O
depoimento acima se tornou extremamente útil para o estudo dos gêneros no programa, pois se
constata em que nível a participação de agrônomos, técnicos e cientistas, interferiu na
87
representação do conteúdo e na criação de novos métodos de produção no Globo Rural que, por
sua vez, levaram à implantação ou a criação de formatos televisivos próprios.
Com relação ao processo de produção cinematográfica temos como exemplo deste
entrosamento a “preparação de plantações para serem filmadas”, citada acima por Jorge Duarte
como uma resposta, uma maneira de ajudar a otimizar a produção televisiva no campo,
diminuindo o tempo de produção da reportagem e da permanência da equipe em viagem.
Conclui-se, com isso, que os técnicos da Embrapa tinham um contato mais longo com os
jornalistas e com a equipe técnica do programa (até por conta mesmo das eventuais viagens para
os campos de pesquisa).
Os próprios pesquisadores identificaram que os constantes deslocamentos e os grandes
intervalos de tempo, entre uma gravação e outra, comprometiam a qualidade do material e da
informação, que se objetivava chegar de maneira mais clara e rápida ao produtor. Numa tentativa
de colaboração tentaram mostrar ou “produzir imagens” de diferentes estágios de
desenvolvimento de uma plantação no intuito de reforçar a necessidade, para o produtor, de
adotar os vários manejos (adubação, enxertia, poda, colheita etc), unindo em uma única locação
os cenários que normalmente no campo estariam distantes.
Para a equipe de telejornalismo, que no arranjo da locação recorre sempre mais à
improvisação e aos próprios recursos e agilidade, esta ajuda na produção do cenário ou da
“imagem da informação”, sem dúvida, concorre para uma melhor qualidade estética da
reportagem. Se executada com apuro técnico, a pré-produção das imagens permite ao espectador
captar a informação de maneira mais rápida e objetiva e tirar suas próprias conclusões acerca do
assunto tratado. O resultado invariavelmente é um formato audiovisual mais elaborado.
Por outro lado, a questão da pré-produção do local, do ponto de vista jornalístico é delicada,
pois deve se ater não somente à verossimilhança dos fatos na reportagem, mas também à
realidade do processo sem, no entanto, criar uma muleta da realidade.
4.4. Ciência &Tecnologia e Tradição
Ao estender o olhar para o Brasil que existe além da fronteira urbana, o jornalismo produziu
uma forma de abordar nossa realidade que se consolidou com a prática do jornalismo rural. De
88
acordo com Dassie (1999, p.166) esta produção se define pela posição do jornalista frente a dois
grandes temas: Tradição e Ciência&Tecnologia .
Longe de ser considerada uma herança fadada à destruição, a tradição tem uma natureza
permanente na vida social em todos os seus contextos. No sentido mais geral, a tradição é, como
diz Thompson, “um traditum- isto é, qualquer coisa (conhecimento ou prática) que é transmitida
ou trazida do passado” (THOMPSON, 1998, p. 163)
No mundo rural o conceito de tradição está muito relacionado aos aspectos normativos, ou
seja “as práticas do passado que servem como guia para futuras gerações” (Idem, p.163). São
aspectos culturais, tecnológicos, familiares, religiosos e afetivos que compõem um dinâmico
conjunto de valores que se ligam à própria sobrevivência do homem do campo e a sua relação
com a terra.
Da mesma forma, desde o mundo agrário e mercantil no Brasil do passado, até o seu
desdobramento para o capitalismo comtemporâneo globalizado, a ciência e a tecnologia estão
presentes na agricultura. E dizer que ciência e tecnologia são imprescindíveis ao desenvolvimento
dos países que tem na agricultura uma importância econômica hoje parece senso comum.
No telejornalismo rural, temas tecnológicos, científicos, folclóricos e culturais se
apresentam como um referencial da vida rural brasileira. Segundo DASSIE (1999, p.160) em
cada um deles, o jornalista ocupa lugares diferentes na construção do seu dizer. Para Gonçalves69
ao elaborar um texto a partir de uma temática, o autor seleciona palavras e argumentos e
inevitavelmente marca sua posição diante do tema, sendo que, esta análise, deve considerar não
apenas elementos lingüísticos concretos, mas a sua intencionalidade e condições de produção.
Em Silva70 observa-se que a temática estabelecida pelo jornalismo rural, além de servir à
ordenação, à classificação da informação complexa do mundo rural, promove ligações entre o
público urbano e as suas identidades (como o modo de vida do campo, da cidade do interior).
Silva identificou que a busca por estes temas na grande mídia teria origem num “espírito do
tempo”, numa valorização da tradição rural e tudo o que possa representá-la inclusive a
tecnologia. Segundo a autora, a tradição rural permaneceria vivificada por causa de um processo
recente no Brasil e que aconteceu de maneira rápida: a passagem de um país rural para um país
urbano; assim sendo, os indivíduos estariam tentando conciliar “o melhor de dois mundos”.
69
http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/R1246-1.pdf
SILVA, Gislene. Disponível em:< http://www.agricoma.com.br/rev1artigogislenesilva.htm.Acesso em 06
out.2006.
70
89
Pereira ao definir a temática do programa Globo Rural, descreve a Tradição, face à C&T;
como se esta estivesse inserida, na visão eletrônica do gênero, num nível mais profundo da
informação a que se pretende enfocar. (DMGRU, 2005, n. 4).
Bordenave (1988, p. 10-11) lembra que a população rural concentra sua vida e seu
comportamento numa atividade toda especial, muito complexa e marcante, que é a agricultura.
Os homens e as comunidades resultantes da ocupação agrícola e do habitat rural pensam, sentem
e agem de maneira diferente da dos habitantes das cidades, comunicando-se também através de
códigos e meios próprios.
Para Porto (2005, p. 55), a temática da tradição e o conceito do saber local 71 na prática
jornalística estão atrelados a um modo de produção da notícia, ao fato da matéria ser tecida com
base nos elementos próprios da cultura local (nomes típicos, personagens, sotaques, costumes,
lugares, canções, ditados, comidas, vestuário etc) sendo que estes devem ser analisados e
discutidos dentro desta mesma esfera local.
O programa Globo Rural ao valorizar estes aspectos dos moradores das comunidades rurais
e das cidades do interior, traz para sua produção muitas expressões culturais brasileiras em
condição privilegiada. O saber local, fundado na oralidade, também se aplica às reportagens de
C&T72. Ele é um modo de representação da experiência do homem rural frente às inovações da
ciência e das atuais transformações do meio agrário.
Castro Oliveira (1988, p.50) tendo em vista a amplitude temática dentro do gênero rural
ressalta:
Torna-se necessário também abandonar as noções simplórias ou bucólicas de
meio rural onde a força do adjetivo é maior que a realidade substantiva. O meio
rural deve ser visto pelo prisma da dinâmica social, onde os atores sociais agem e
interagem em conformidade com as contingências históricas e sociais mediados
pelos processos comunicacionais, os quais podem fazer avançar ou retardar as
mudanças sociais (CASTRO OLIVEIRA, 1988, p50).
Observa-se que dentro de uma aparente homogeneização da cultura- oriunda do processo de
globalização- o saber local tende a reforçar o senso de localidade, a identidade regional, tentando
irromper com a manifestação contrária a universalização.
71
Porto (2005) parte dos estudos de Geertz (O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. São Paulo:
Vozes,1997) sobre a arte e o saber local. Em seus ensaios o antropólogo entende que por trás de toda produção
artística há sempre a identificação com o senso de lugar, da idéia do saber local ( PORTO, 2005, p. 7-8).
Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/porto-ana-carolina-jornalismo-saber-local.pdf . Acesso em 16 out. 2006.
72
O fato de o programa Globo Rural ter sua produção focada em dois grandes temas, a Tradição e a C&T, também
não significa que esses não possam estar relacionados numa única reportagem. A classificação decorre da
dominância destes temas na produção, e não de sua exclusividade.
90
4.4.1. Ciência e tecnologia (C&T) no Globo Rural
A variedade de assuntos ligados a C&T agrícolas sempre ofereceu enfoques atraentes para o
Globo Rural. Todo esse movimento, dentro e fora das porteiras, causado pelas inovações para o
setor, resultou em inúmeras reportagens; muitas deram origens a séries. Por fim, a demanda por
informações sobre C&T agrícolas, no meio dos anos 1980, estimulou a equipe do programa
Globo Rural a publicar uma revista que trazia as reportagens do domingo e ainda servia como
material de consulta ao produtor73.
Mas o programa Globo Rural, ao ser veiculado na TV aberta e para uma audiência
diversificada, poderia simplesmente fracassar se optasse por submergir nesta linguagem do
mundo científico. Distanciar-se-ia do gênero rural para se tornar especificamente instrutivo,
“técnico e instrumentalizado” como comentam seus fundadores74.
As diferentes discussões em torno desta questão geraram uma tomada de posição de todo o
corpo editorial para que os assuntos em C&T agrícolas fossem apresentados num contexto mais
amplo e ao mesmo tempo esclarecedor, ou seja, garantindo a informação atual e especializada ao
produtor (exibida a partir de diversos contextos agroeconômicos e sociais) e também ao grande
público das cidades que se interessava pelo programa75.
Este processo decisório chamado pelos teóricos da comunicação de tematização da pauta
tem uma função simplificadora frente à complexidade social de alguns temas introduzidos para o
grande público. Wolf (1987), em um estudo sobre os fatores da tematização da pauta na imprensa
ressalta:
No processo de tematização há uma outra dimensão que [...] não está apenas
ligada à quantidade de informações e ao tipo de conhecimento que provocam a
tematização de um acontecimento: é o caráter público do tema, a sua relevância
social. Nem todos os temas ou acontecimentos são susceptíveis de tematização;
são-no apenas os que revelam uma importância político-social. (p. 147).
73
Hoje a Revista Globo Rural tem uma redação independente do Programa Globo Rural, mas mantém os mesmos
valores editoriais da equipe fundadora do programa.
74
Bataglin: Disponível em:
<http://www.jornalismocientifico.com.br/jornalismocientifico/artigos/jornalismo_agrobusiness/artigo2.php>. Acesso
em 20 jul. 2008.
MennaDuarte*www.jornalismocientifico.com.br/artigojornaagribusinessjorge.htm) e
Ribeiro:http://memoriaglobo.globo.com/TVGlobo/Comunicacao/Institucional/memoriaglobo/CDA/Pop/tvg_cmp_me
moriaglobo_pop_video/0,33213,172196,00.html.
75
“Assuntos que interessam para o Globo Rural”. Disponível em:
<http://www.jornalismocientifico.com.br/jornalismocientifico/artigos/jornalismo_agrobusiness/artigo2.php>. Acesso
em 20 jul. 2008.
91
Considerando que os gêneros jornalísticos são entendidos como expressões das mudanças
ocorridas na sociedade, no mercado midiático, no modo de produção da notícia e que adotam
temas com relevância político-social, observa-se que o próprio gênero rural na Rede Globo
alcançou aprovação junto ao público, porque conseguiu acompanhar durante três décadas temas
importantes para toda a sociedade relacionando-os ao setor agropecuário brasileiro.
Em torno do tema C&T agrícolas o telejornalismo do Globo Rural desenvolveu vários
formatos para as reportagens e notícias com o propósito de facilitar a transmissão da informação
e a compreensão (e o consumo) destas informações pelo público. O programa está repleto de
situações onde a “criatividade” e a “capacitação” do produtor brasileiro aliadas ao
desenvolvimento da ciência e da agroindústria, abriram mercados importantes, dentro e fora do
país, revelando uma nova ordem econômica e política.
Estas conquistas e o protagonismo dos agricultores, a que tanto se referem os editores do
Globo Rural, se apresentam constantemente na forma do ‘exemplo’ (FRANCO JUNIOR, 2003,
p. 13) (MARÇOLLA, 2006). De fato, este recurso na construção da reportagem 76 tem origem, e
se traduz nesta forma narrativa milenar, porque a pauta jornalística parte de uma situação real,
histórica, de enfrentamento e triunfo. Ou seja, o programa tende a se desprender do formato
estratificado da notícia no telejornal para um mais homogêneo, onde o cenário é o mundo rural e
a personagem principal o homem do campo ou que nele trabalha77.
Mas esta personificação do agricultor pode ser compartilhada, e por vezes é dividida com o
próprio agronegócio. Em “Quem somos” os editores do Globo Rural declaram que:
De uma maneira geral é o próprio homem que está envolvido no mundo rural (o
empreendedor, o fazendeiro, o pesquisador, o técnico, o trabalhador rural, a
mulher do campo) quem mais fala no programa. Também nas grandes cidades o
‘Globo Rural’ tem boa audiência. Julgamos este fato importante para as
atividades agropecuárias, na medida em que elas passam a ter oportunidade de
comparecer na programação da televisão em condição de protagonistas
(DMGRU, 2005, n. 4).
Quando o agronegócio e as tecnologias surgem neste cenário rural também entram em cena
outros atores: os agrocientistas. Localizados em todo o território nacional, os agrocientistas são
apresentados como coadjuvantes das histórias de sucesso dos agricultores.
76
Ver também sobre o exemplo e a personificação na reportagem, Bonner, 2004, p. 234.
77
http://memoriaglobo.globo.com/TVGlobo/Comunicacao/Institucional/memoriaglobo/CDA/Pop/tvg_cmp_memoria
globo_pop_video/0,33213,171391,00.html
92
A ciência aplicada ao agronegócio também dá um “toque de Midas” às pautas rurais e
trazem a promessa de lucro, riqueza e a possibilidade de transformar produtores rurais falidos em
empresários bem-sucedidos. Os agrocientistas são os responsáveis por gerarem as inovações que
mudaram a cara da agricultura brasileira: culturas tradicionalmente voltadas para o clima
temperado como a soja e o girassol alcançam produtividade no solo do cerrado; a agricultura
irrigada e as técnicas de plantio tornaram possível conviver com a seca do semi-árido nordestino
e exportar frutas tropicais de qualidade para o mundo; produtos que até então eram sazonais nas
prateleiras dos mercados, hoje são produzidos o ano inteiro possibilitando uma dieta variada na
mesa do brasileiro. Sem falar nos avanços da biotecnologia com o domínio da técnica de
clonagem de animais e o seqüenciamento genético de plantas e doenças.
Entre o milagre da soja nos anos 1980 e o multiplicar dos grãos e do rebanho de corte para
exportação nestes nossos dias, o programa Globo Rural tornou-se um aliado de peso na mudança
da opinião pública sobre o mundo rural (antes considerado um espelho do subdesenvolvimento
do país). O programa é visto como uma grande vitrine da C&T nacionais, do agronegócio e da
gente do interior.
Num discurso para produtores promovido pela ABAG (Associação Brasileira do
Agronegócio) e Rede Globo, em 2002, o editor-chefe Humberto Pereira volta à idéia de
protagonismo do cenário rural estabelecendo o Globo Rural e a Rede Globo como coadjuvantes
no sucesso do agronegócio brasileiro, relacionando o programa à metáfora da luta do setor:
No jornalismo há mais de 22 anos, estamos fazendo o Globo Rural,
privilegiando a fazenda, sem esquecer das cadeias de prosperidade que ela
enseja. [...] Podemos afirmar que na concepção ampla e na estrita da palavra
agronegócio; como veículo apenas, ou como produtora de conteúdos, a Rede
Globo faz parte das cadeias produtivas há muito tempo. De tal forma, que os
atuais esforços das lideranças do setor para dar alguns saltos qualificativos e
quantitativos no agronegócio brasileiro, para conseguir amadurecer o mercado
interno e, sobretudo, a perspectiva de luta para vencer as barreiras que tentam
impedir a expansão dos agroprodutos no mercado externo, são do solidário e
imediato interesse da Globo. Como de resto são do interesse do país. Todos
vamos ganhar mais com essa luta78.
78
Segundo Pereira, “o agronegócio sempre foi um excelente negócio para a Globo. Desde a sua criação ela é
tributária de anúncios de bebidas, alimentos, calçados, cigarros, pneus, tecidos, cosméticos, varejo de supermercados,
sem falar dos anúncios fundamentais de tratores, adubos, medicamentos veterinários. Tudo isso junto corresponde,
no mínimo, a 35% de seu faturamento. A televisão, como veículo, tem uma afinidade enorme com esses produtos das
cadeias do agronegócio, justamente por ser uma mídia temporal e imagética e, portanto, emociona” (TRECHOS do
discurso de Humberto Pereira. Disponível em http://www.abagrp.org.br/jornal/index.asp?
pagina=1&id_edicao=24&id_secao=83. Acesso em 02 já. 2008).
93
Durante estes anos de exibição do Globo Rural, a cobertura sobre C&T e os formatos das
reportagens no programa chamaram atenção dos pesquisadores da Comunicação.
Apesar de trazer melhor desempenho para a economia, o agronegócio, como gerador de
riquezas e desenvolvimento, também rendeu muitas críticas ao programa.
O manejo exploratório das monoculturas para exportação, a ameaça ao meio ambiente e as
muitas carências na área da educação e do conhecimento no Brasil Rural abriram um leque de
denúncias.
Para Primavesi (2004, p.177-179), o agronegócio não é possível para aquele produtor com
poucos recursos para comprar sementes, adubos, defensivos e máquinas. O autor relata que ainda
há muita gente necessitando de informações, serviços, tecnologia de baixo custo, e tudo o que
pode levar estas pessoas a melhorarem suas atividades, aquelas próprias da lavoura e da
administração financeira; há agricultores expulsos da terra e gente morrendo de fome no campo
assim como o uso generalizado de substâncias que, pelo excesso, se tornam tóxicas.
Uma das críticas mais severas ao programa foi realizada pela pesquisadora Marta Rocha do
Nascimento numa pesquisa de recepção do Globo Rural em uma comunidade de moradores do
Sítio Sapucaia. Ela concluiu que naquela altura, o programa não estava voltado para uma
perspectiva de trabalho que julgava ser ideal, mais próxima às populações dos contextos
populares rurais levando em consideração seus problemas mais emergentes. Não buscava
contribuir com o desenvolvimento local e com soluções para o problema da exclusão social e
tecnológica.
Isso se deve ao fato do ‘Globo Rural’ estar, na nossa concepção, comprometido
com um modelo de desenvolvimento que privilegia ações centralizadoras e
macro-estruturais. É nesse sentido que acreditamos que o ‘Globo Rural’ possui
uma proposta jornalística combinada a uma proposta de Comunicação Rural
voltada para a questão da modernização a partir da perspectiva difusionistamodernizadora” (NASCIMENTO, 1999, p.9).
Nascimento afirma que alguns formatos de reportagens sobre C&T no Globo Rural estariam
ligados à “demonstração” - uma estratégia persuasiva utilizada pelos órgãos governamentais de
Extensão Rural para a transformação tecnológica da atividade agrícola. A pesquisadora destaca o
“tom didático” adotado pelo programa no formato “passo a passo” com o objetivo de fazer o
produtor adotar técnicas ou construir instalações que visam melhorar o desempenho da produção.
O tom didático da “seção de cartas”, com respostas das dúvidas enviadas pelos espectadores,
também corresponderia a este mesmo objetivo “extensionista-modernizador”.
94
Nesta análise fica claro que a autora não atribui aos formatos da reportagem em C&T no
Globo Rural somente um caráter educativo. Em notícias sobre C&T agrícolas no Globo Rural o
formato seria um instrumento manipulador, reprodutor do “como fazer” (e não do “por que” das
coisas) a exemplo da visão positivista “também adotada pela Extensão”. As cartas seriam mero
instrumento de medição e calibragem da audiência.
Porém, a necessidade de esclarecer e passar a informação técnica de maneira simplificada,
num veículo rápido como a TV, também ficam à margem de uma análise mais atualizada da
crítica da autora aos formatos das reportagens (e neste caso, a existência de uma audiência
heterogênea também parece desconsiderada).
Se relacionarmos estas considerações com a obra de Aronchi de Souza, encontraremos,
dentro da teoria das categorias e gêneros do jornalismo, várias classificações para reportagens e
produções televisivas de tom didático e pedagógico. Formatos adotados desde o nascimento da
TV, sendo cada vez maior o seu uso com objetivos educacionais e de integração do cidadão à
sociedade(ARONCHI DE SOUZA, 2004, p.153).
Na categoria “Educação” Aronchi de Souza destaca dois, entre os sete gêneros existentes: o
Instrutivo (como o Telecurso 2° grau) e o Educativo, sendo que este último é o mais utilizado em
programas de TV aberta, com seus formatos “como fazer” ou “passo a passo”, seja na entrevista
em estúdio ou em externa.
Apesar de se ater aos formatos das reportagens em C&T para provar a manipulação ou
sedução do telespectador pelo programa, a questão emergencial levantada por Aronchi de Souza,
no olhar dessa autora, não estaria naquela altura, centrada em discutir se o produtor recebe ou não
a informação com todos os porquês, mas se ele é direcionado a entender aquela informação de tal
modo que precise dela para “ter sucesso”.
Há alternativas? Existe uma visão diferente daquela do uso de tal máquina, tal adubação e
sementes comerciais? Há riscos neste tipo de produção? São respostas que precisam ser buscadas
e que os jornalistas rurais reconhecem apesar da predominância deste ou daquele tipo de atuação
ou organização.
Já a adoção de casos exemplares pode ser mesmo um cacoete do jornalismo (por vezes o
produtor conseguiu uma grande produtividade e esta não seja nem a média do país), mas não se
configuraria como um aparato ideológico previamente criado com as empresas governamentais
95
de extensão. Está na prática cotidiana da profissão, no olhar do que é socialmente instituído como
valor, como norma.
Em TV o formato é, sobretudo, uma aposta numa forma de linguagem, que pode ou não ser
bem recebida.
Silva79 fez um estudo sobre a revista Globo Rural no início da sua publicação, na metade
dos anos 1980, no qual se encontram alguns subsídios para analisar o Globo Rural na TV (visto
que a revista foi criada e dirigida pela mesma equipe para que o público pudesse ter em mãos as
mesmas reportagens exibidas no vídeo).
A pesquisadora comenta que, na apresentação de matérias que tratavam estritamente de
práticas agrícolas, pouco se questionava o modelo tradicional de cultivo, baseado no uso pesado
da mecanização, fertilizantes sintéticos e defensivos químicos, justamente o tripé que sustenta o
clássico padrão tecnológico instaurado pela revolução verde, movida pela indústria do petróleo.
Considerar que não existe neutralidade na abordagem ou na construção do gênero televisivo
significa identificar não só o momento histórico-político e social como as relações de poder e
também as ausências exercidas no processo jornalístico, desde a escolha da pauta a ser
desenvolvida até os meios para a realização da matéria.
Seria um erro, entretanto, examinar a produção de um programa de telejornalismo como o
Globo Rural, com quase três décadas de existência, unicamente a partir de um ou dois formatos
bem sucedidos de reportagem, pois estes ao se combinarem com o todo ganham múltiplas
interpretações, e contrapontos, que podem revelar ainda mais sobre o contexto no qual o mundo
rural está sendo expresso e reconhecido. Em se tratando dos formatos televisuais é preciso
estabelecer a ancoragem temporal da análise, como indica Duarte (2003):
A par da complexidade, esse tipo de produção opera com a superposição e níveis
de hibridação, estabelecendo-se pela apropriação, numa espécie de processo
intertextual que se alimenta de referências, alusões, repetições. Mas ao transpor,
colar e fundir diferentes sistemas, esse tipo de processo opera verdadeiras
perfusões que apaga as origens, constituindo-se nos elementos fundantes: 1) de
uma nova gramática de formas de expressão: a gramática televisiva; 2) de novos
gêneros e formatos: aqueles compatíveis com o processo comunicativo que
manifestam80.
79
Silva, Gislene. Disponível em: <http://www.agricoma.com.br/rev1artigogislenesilva.htm>. Acesso em 06 out.
2006.
80
Duarte, Elizabeth Bastos. “Entre gêneros, formatos e produtos”; Disponível em:
<http://reposcom.portcom.intercom.org.br/bitstream/1904/5068/1/NP15DUARTE.pdf>. Acesso em 20 nov. 2007.
96
À luz da teoria dos gêneros, das análises de Nascimento, Silva, Aronchi de Souza e Duarte,
se olharmos para a atual produção do Globo Rural, onde se observa em vários momentos a
contextualização das tecnologias e o tipo de sociedade que se forma a partir da interferência
delas, fica claro perceber que o formato das reportagens sobre C&T (cartas e “como fazer”),
extremamente simplificados e direcionados a uma parte do público, foram mantidos durante
todos estes anos, porque ainda têm um significado importante dentro do gênero. Vão ao encontro
de uma necessidade constante do homem do campo que é o aperfeiçoamento das técnicas de
produção. Com o tempo, se tornaram parte da “gramática” do formato reportagem.
O programa Globo Rural, ainda na sua implantação, identificou a importância do formato, e
talvez por conta de demandas calcadas em problemas estruturais mais acentuados na época (como
o analfabetismo rural e o atraso tecnológico do campo) acabou surgindo como um mediador com
alto potencial de serviço ao usá-lo na cobertura da C&T agrícolas.
Ainda hoje o Globo Rural tem a C&T como um dos temas fortes da sua cobertura
jornalística. Reconhece-se que esta é uma relação histórica, pois só foi possível ao país alcançar
índices de produtividade mundiais e em escala que possibilitasse a exportação e a utilização
destes insumos na indústria, depois do aprimoramento da ciência e da tecnologia agrícolas
nacionais, desenvolvidas especialmente para solos tropicais. E este processo ainda não acabou.
Atualmente, a cobertura dos “dias de campo” e “lançamentos de produtos” estão cada vez
mais restritos à programação local das afiliadas. Nota-se que alguns assuntos foram sendo
descartados na seleção das matérias. Nas cartas ou em reportagens do tipo “como fazer” houve a
redução da adoção de soluções “comerciais” como a pulverização com defensivos químicos ou o
uso e preparação de concentrados e agrotóxicos para combater pragas. A recomendação é que
estes produtos devem ser receitados por um engenheiro agrônomo (e no caso de doenças animais,
o médico veterinário).
O programa Globo Rural também abriu espaço para tipos alternativos de produção agrícola
com grande potencial de transformação econômico e social, como a agricultura orgânica. Mostrar
que a agricultura está ligada com as ciências ambientais e econômicas, independentemente do
tamanho da propriedade a ser explorada, é uma das abordagens do programa.
A Economia e a Política também formam um dueto mais constante. No ano 2000, quase 20
anos depois do início do programa, foi criada uma editoria do Globo Rural em Brasília com a
contratação de uma repórter, a jornalista Rita Yoshimine e uma editora, Ana Paula Couto.
97
Apesar de o Globo Rural ter noticiado as primeiras manifestações de um dos movimentos
políticos mais expressivos do Brasil contemporâneo (o movimento dos sem-terra), o surgimento
da liderança política de Chico Mendes entre os seringueiros, e considerar a política agrícola como
um dos instrumentos para o desenvolvimento nacional, é importante registrar que a lacuna que
ainda se deixa sobre esta temática na pesquisa acadêmica é grande. As reportagens sobre política
não constam da série O melhor do Globo Rural, um dos corpus desta pesquisa. Uma futura
possibilidade de acesso ao acervo do Globo Rural com vistas ao tema poderá certamente
estabelecer um recorte mais adequado para a análise.
4. 5. Audiência e Tradição
O Globo Rural é um programa endereçado ao produtor, mas fala a todos os públicos como
reza a cartilha da televisão aberta. Para mantê-lo no ar é preciso uma boa audiência, no campo e
também na cidade. Gente que se põe todas as manhãs em frente à TV para assisti-lo, que gera o
interesse de empresas, que investem nos intervalos do programa.
Para Curado (2002, p. 129), o índice de audiência mede principalmente a relação do
jornalismo com o público e revela a aceitação do programa. O Grupo Ibope, o Instituto Brasileiro
de Opinião Pública e Estatística, é o que faz a pesquisa de audiência nas televisões no Brasil. É
uma pesquisa quantitativa que mede por amostragem o número de homens e de mulheres das
classes ABC e suas faixas etárias no momento em que assistem um determinado programa ou
emissora.
Esta adesão revelada pela audiência pode ser muito útil na produção do jornalismo e na
captação de anunciantes. Na televisão aberta a conta é paga pelos patrocinadores e naturalmente
eles querem ver mais e mais espectadores vendo os seus comerciais.
A Rede Globo sempre preconiza que os gêneros de programas seguem a preferência do
público, que faz pesquisas para se tornar mais próxima do que o espectador quer, e conta com
informações estratégicas sobre o seu comportamento para enfim disponibilizar produtos ao
anunciante que vão de fato impactar os consumidores de todas as faixas e classes sociais.
Mas até que ponto a boa audiência das grandes cidades, ou do homem urbano, mantém o
programa Globo Rural? Será que esta relação se tornou tão ou mais decisiva para o sucesso do
programa quanto a do homem do campo? Quais seriam, por exemplo, os resultados das pesquisas
98
de audiência do Globo Rural no interior? Estes dados estariam influenciando a produção do
jornalismo?
Estas questões ganharam corpo a partir dos estudos sobre a tradição e o saber local no
Globo Rural, à medida que pesquisadores iam relatando mais e mais casos sobre a adesão do
público das cidades ao programa.
Para obter estas respostas é preciso antes observar o contexto atual e que a dicotomia
apresentada pela localização geográfica já não exprime a realidade do público “rural”. Com o
advento do agronegócio muitos produtores e trabalhadores do campo foram morar na cidade ou
no seu entorno. As colônias, as vilas rurais, se transformaram em periferias “rurais” nas cidades
do interior.
Como o hábito de assistir televisão no Brasil ainda está ligado à faixa de horário e à rotina
das pessoas, se supõe que o público do Globo Rural hoje está onde a maioria delas está num dia
de domingo às oito horas da manhã: dentro de casa. O que parece bastante óbvio já que um
aparelho de TV não dispõe de muita mobilidade.
Mas a reflexão mais importante a respeito do perfil do público-alvo do Globo Rural é que
há trinta anos, o homem ou a mulher do campo, para estar em frente à TV no domingo às oito
horas da manhã, tinha que antecipar ou protelar os seus afazeres na propriedade ou então ter
empregados que o fizessem.
Hoje o público urbano do Globo Rural, nas grandes e pequenas cidades, certamente é
maior, diferenciado, e engloba uma grande parcela do suposto público “rural” do programa,
aquele que vive e trabalha na terra e é interessado nas temáticas da agricultura.
Para saber qual é o perfil do público do Globo Rural buscou-se então os números das
pesquisas do Ibope sobre o programa..
É claro que a interpretação do fato do programa ter boa ou má audiência depende de um
intrincado contexto, que está sujeito ao campo das escolhas, do conhecimento adquirido, da
vontade da emissora e até do que se pensa sobre o fato.
No intuito de manter uma linha de análise jornalística sobre a produção do programa
baseada em indicadores comuns aos nossos pares, esta investigação chegou aos números da
99
audiência do Globo Rural81 descritos no PNT do Ibope - o Painel Nacional de Televisão - que
informa a média nacional conquistada por cada programa de cada emissora brasileira:
Audiência e participação (%)
Audiência
participação
PNT
11
50
BH
10
60
CUR
09
37
DF
11
52
FLO
15
63
FOR
15
11
POA
11
54
REC
13
54
RJ
12
52
SAL
16
62
SP1
11
45
Fonte: Ibope Telereport-Jun/07
Segundo os dados do departamento de planejamento de rede, o Globo Rural atrai mais de 7
milhões de telespectadores aos domingos em mercado nacional. Isso representa mais do que o
dobro dos telespectadores dos dois principais concorrentes do gênero juntos 82. Desses, 44% são
homens acima de 18 anos e 41% são mulheres da mesma faixa etária.
“Pela relação acima os números realmente comprovam que nas grandes cidades o Globo
Rural tem boa audiência”, como afirma o seu editor–chefe. A medição do Ibope, porém, é feita
somente nas principais capitais brasileiras, e esta medição não poderia corresponder à audiência
do público do interior ou do público-alvo. Tampouco do perfil real do espectador do programa.
Se o número de espectadores das grandes cidades não é um bom parâmetro para avaliar o
desempenho de um programa nacional rural, isso não quer dizer que não existam mecanismos
81
Estas informações apesar de terem sido solicitadas à emissora por meio de relatório e questionário ao setor de
audiência, não foram reveladas diretamente por essa fonte. Os números da audiência nacional do programa Globo
Rural seriam os mesmos do Ibope, segundo a assessoria da emissora. Em um site da afiliada da Rede Globo em
Minas Gerais encontrou-se os números do Ibope nacional do Globo Rural disponibilizados aos anunciantes pelo
setor Comercial.
82
Globo Rural = 7.343 telesp./ Prog. B = 1.559/ Prog. C = 2.125 (Ibope Telereport - maio07).
100
adequados para tal. O mesmo quadro da audiência nacional fornecido ao anunciante poderia
mostrar dados regionais das afiliadas - mas ele não mostra.
Então, segundo as pesquisas disponíveis, a simpatia do morador da metrópole, da cidade
grande, seria o dado mais concreto da emissora sobre a audiência do programa que trata do
mundo rural? Certamente.
O homem do campo, aquele para onde o sinal da televisão está chegando desde os anos 70,
e os moradores das cidades do interior, os principais atores do Globo Rural (e conseqüentemente,
sua audiência mais qualificada) não se distinguem nas pesquisas nacionais do Ibope utilizadas
pela Rede Globo.
Para Hoineff
83
as pesquisas de audiência não indicam o que o espectador gostaria de ver;
apenas registram para onde ele se inclinou em função do cardápio oferecido no instante da
medição: “aferem reações, o que nada tem a ver com expectativas do público”.
Ainda assim, para a maioria dos analistas o método de aferição quantitativa do Ibope
prevalece como principal indicador quando se quer saber qual é o perfil do público de um
programa e alguns de seus hábitos.
Como o jornalismo do Globo Rural teria uma visão mais precisa sobre o seu espectador?
Ao refletir sobre esta ausência, foi realizada uma análise sobre sua produção e foi
identificado num quadro do programa um possível indicador. O Globo Rural poderia estar se
certificando da existência ou das “expectativas” do seu público “rural” pelo setor de
correspondência, ou seja, pelas cartas e e-mails recebidos pelo programa através dos quais
estariam explícitos a cidade e o perfil do telespectador.
A própria tradição de cobertura nacional da Rede Globo, com qualidade de sinal nas regiões
interioranas , seria outro indicativo da audiência do programa junto a estes públicos. Afinal, o
Globo Rural está na grade de programação das 122 afiliadas da rede, espalhadas em todas as
regiões e Estados do Brasil.
Mas estes indicadores seriam suficientes para adequar a mensagem ao público?o
gênero/formato ao contexto?
Não que se ignorem certos generalismos verdadeiros quanto à personalidade nacional, mas
também não se espera que uma distorção ingênua gerada pelas correspondências represente uma
amostragem do brasileiro.
83
Hoineff, Nelson. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/qtv180420011.htm>.
Acesso em 20 ago. 2005.
101
A tese da vantagem da liderança ainda favorece a Rede Globo e o que quer que seja
produzido na “cabeça de rede” será absorvido pelo resto do país. Acredita-se que esse é um
aspecto que não pode ser deixado de lado à medida que as empresas jornalísticas são também
produtoras do discurso, constroem a audiência.
Para Curado (2002, p. 129-130), o público de uma maneira geral é percebido coletivamente
pelos jornalistas. Pelos atuais padrões, os programas jornalísticos tendem àqueles temas que
despertam interesse popular mais abrangente, ampliando a sua penetração nas camadas sociais
pelo nível de satisfação que oferece, geralmente associado ao prazer de o telespectador ficar
diante da tela da TV.
Para Vizeu84 na relação entre o espectador e o jornalista prevalece a hipótese da audiência
presumida. É exemplar o caso Bonner, Romer e Lineu85 só para citar a polêmica mais recente.
Então se fôssemos contar com os dados do Ibope do Globo Rural poderíamos concluir que
o gênero é importante dentro da programação porque, combinando o mundo rural às paisagens
cinematográficas e ao aparato técnico da emisora para grandes produções, mantém a “única”
audiência fiel e mensurável: aquela que acorda numa grande cidade do país, num domingo de
manhã, e se senta em frente da TV em busca de entretenimento. Um produto que para Gonçalves
funciona
Como uma forma de transportar o homem de volta para casa, inspirado em um
saudosismo nem sempre justificável, ou seja, mesmo o homem urbano sente-se
contagiado pela tradição e pelas histórias da terra, como se a felicidade residisse
naquele espaço, ocupado geralmente pela ingenuidade 86.
Este pensamento vai ao encontro da descrição do programa feita pelo Departamento de
Comercialização da emissora, que vê o público do Globo Rural como um consumidor de
programas de TV - um mero receptor. Longe da idéia de auxiliar o produtor nas suas atividades,
como diz o seu editor-chefe, e classificando o Globo Rural como programa de entretenimento
temático, quase um programa de turismo rural eletrônico:
84
Para Vizeu os jornalistas constroem antecipadamente a audiência a partir da cultura profissional da organização do
trabalho, dos processos produtivos, dos códigos particulares (as regras de redação), da língua e das regras do campo
das linguagens para, no trabalho da enunciação produzirem discursos. VIZEU, Alfredo Eurico Disponível em:
<http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/R1591-1.pdf>. Acesso em 14 out. 2007.
85
Referências aos personagens Romer Simpson e Lineu (do humorístico A Grande Família) feita pelo editor-chefe do
Jornal Nacional Willian Bonner sobre o perfil do espectador médio do programa (em dez 2005)
86
Gonçalves, Elizabeth Moraes. Disponível em:
<http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/R1246-1.pdf>. Acesso em 19 ago 2006.
102
“O Globo Rural é uma atração completa para quem procura conhecer melhor o interior do
Brasil e até de outros países” 87.
Em um artigo, Golgo88 se refere a esta abordagem como um desvio crônico produzido pelas
pesquisas de audiência, com base no perfil do espectador paulistano que busca entretenimento
fácil. Diferentemente dos pequenos, médios e grandes agricultores de todo o Brasil que
reconhecem no Globo Rural reportagens sobre técnicas e inovações para o desenvolvimento da
sua atividade.
Em um colóquio com pesquisadores da Intercom na cidade de Santos, a diretora do Setor de
Pesquisas de Audiência da Rede Globo, Eneida Nogueira, descreveu o trabalho do departamento
e apresentou detalhadamente vários exemplos de programas que tiveram respostas significativas
da audiência em várias décadas. Nesta oportunidade, Nogueira confirmou a inexistência de
pesquisas de audiência sobre o Globo Rural fora das capitais aferidas pelo Ibope. Desta maneira,
segundo a diretora, a audiência do programa estaria “subdimensionada” (NOGUEIRA, 2007, n.
32)89.
Eneida Nogueira disse ainda que “em televisão há certos programas que não precisam de
pesquisa de audiência” e que na Rede Globo as pesquisas surgem de acordo com a solicitação da
direção dos programas. Nenhum pedido sobre este aspecto teria vindo do “Globo Rural” nestes
dez anos em que ela atuou no setor.
Lucas Battaglin diz que o programa Globo Rural já teve uma vida longa, visto que ele
surgiu de uma idéia do departamento comercial num boom do mercado agrícola brasileiro
(passagem de uma agricultura rudimentar para uma mais tecnificada). “Muita gente acreditava
que quando acabasse o período de ‘vacas gordas’ o programa também acabaria. Mas o grupo
mais acertou do que errou ao longo de 28 anos - “se não houver um reciclar constante, morre”
(BATAGLIN, 2007, n.15)
A Rede Globo é uma empresa que sempre se valeu das pesquisas para vender a sua
imagem de líder no mercado e estar em sintonia com o seu público. Mas no caso do Globo Rural,
a fórmula de sucesso se desgasta sem que a emissora faça investimentos em novas descobertas.
87
PERFIL dos telespectadores. Disponível em:
<http://comercial.redeglobo.com.br/programacao_rural/gr1_perfil.php>. Acesso em 06 jun. 2008.
88
Golgo, Fabiano. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/jd051297b.htm>. Acesso em
30 out. 2007.
89
Em algumas afiliadas, segundo Eneida Nogueira haveria pesquisas regionais sobre o programa, mas ela não soube
especificar em quais (Palestra "Pesquisa de Recepção da TV" - 30º Congresso da Intercom-ago 2007).
103
Para usar uma expressão do fundador do departamento de pequisas da própria Rede Globo,
Homero Icaza Sanches, com relação ao Globo Rural, a emissora estaria “contando narizes”, ou
seja, analisando o índice que o programa obtém quando não há mais nada que se possa fazer para
se modificá-lo.
O equivalente não acontece no setor comercial da Rede Globo. Ele dispõe de levantamentos
extremamente detalhados sobre a previsão de lucros do segmento rural ou do próximo ano
agrícola publicados no “Mapa da mina”. O panorama das principais culturas; as regiões onde
elas devem capitalizar o produtor e, conseqüentemente, o mercado consumidor estão
esquadrinhados de acordo com as cidades de cada região midiática, ou seja, estes números podem
ser obtidos, inclusive de acordo com a região de cobertura de cada afiliada da Rede Globo no
país. Comercialmente para a Rede Globo há um Brasil rural definido.
Esboçar uma pesquisa nacional mais ampla, que reflita a audiência interiorana da TV
brasileira, seus velhos e novos hábitos, seria um grande diferencial não só para o Globo Rural,
mas também para o avanço da produção de outros programas de gêneros televisivos - matériaprima estratégica nesta era de convergência da TV com a internet .
A despeito de permanecer ou não, há trinta anos no ar, por vontade da direção da Rede
Globo e contar com o faro do seu experiente e criativo corpo editorial esta crítica se resume no
fato de o Globo Rural ainda representar, dentro do jornalismo nacional, um dos raros exemplos
de produção de qualidade no exercício da grande reportagem e do gênero, o telejornal rural.
O programa também é pródigo em mostrar a diversidade regional do telejornalismo das
emissoras afiliadas da Rede Globo que cobrem todo o Brasil. O Globo Rural é considerado pelos
profissionais da rede um dos telejornais mais acessíveis para levar em nível nacional grandes
produções locais e revelar novos talentos.
Neste momento em que a TV brasileira passa por tantas transformações tecnológicas; adota
o padrão digital tendo à sua frente muitos desafios na produção de conteúdo; deixar um programa
que é uma referência do gênero (e como apregoam os publicitários “líder nacional de audiência”)
à deriva na grade, desprovido de pesquisas qualitativas e números estratégicos sobre o próprio
público, é o mesmo que trocar o “Q” de qualidade pelo “Q” de quimera90 .
90
De acordo com a propaganda levada ao ar e em jornais e revistas no primeiro semestre de 2008 a Rede Globo teria
“um quê” na sua relação com a audiência que definiria a escolha do canal pelo telespectador. Este é o “Q” de
“qualidade” segundo a peça do comercial institucional. Nela a letra “quê” é formada pelos profissionais da emissora
- simbolizados pelos profissionais que aparecem no vídeo, nos telejornais e novelas. Os apresentadores do Globo
Rural Nélson Araújo e Priscila Beltrão estão na propaganda.
104
Capítulo V
O PERFIL DO PROGRAMA GLOBO RURAL E O GÊNERO RURAL NA
GRADE DE PROGRAMAÇÃO DA REDE GLOBO
Na Rede Globo, como na maioria das emissoras de TV aberta, a criação de programas não
depende propriamente da audiência ou de profissionais com elevado nível técnico e sensibilidade
artística. O surgimento de um gênero na grade de programação geralmente tem como precedente
uma pesquisa de mercado, uma indicação do setor comercial da emissora ou dos seus diretores.
Apesar de o Globo Rural ter se tornado um programa de sucesso por causa da sua
linguagem e da atuação de seus profissionais ele também surgiu desta indicação do mercado.
Mas os fatores que hoje definem a existência do programa na grade da Rede Globo podem
não se resumir aos mesmos que motivaram sua criação. Um programa não permanece no ar por
trinta anos na TV somente por causa da publicidade.
Picos de audiência da concorrência e outros fatores sazonais hoje são suficientes para
justificar alterações na grade horária das emissoras e às vezes, esta adaptação momentânea, se
torna o fator de exclusão de um programa.
Há quase trinta anos o Globo Rural tem sido mantido pela Rede Globo e com poucas
movimentações na grade de programação91. Contrariando a lei televisiva que diz que fórmulas de
sucesso em longo prazo se tornam cansativas, previsíveis e chatas, o programa mostra vitalidade
ao se reinventar, e manter popular e atraente uma fórmula antiga que se tornou modelo do gênero
rural na TV brasileira.
Com o objetivo de ir além do senso comum que define o Globo Rural como um
“programa de agricultura”, “temático”, e de se estabelecer o lugar do telejornalismo na
perenidade desta produção, foram eleitos nesta Dissertação diferentes instrumentos de análise
metodológica para identificar as características do programa (a teoria dos gêneros/formatos de
91
O Globo Rural também é reapresentado no domingo pelo canal Globo News (17h05) e pelo canal educativo Futura
(23h30).
105
programas, a análise do contexto histórico do jornalismo rural na TV, da equipe do Globo Rural,
a aplicação das temáticas do jornalismo rural levantadas por Dassie).
Mas durante esta investigação observou-se que analisar gêneros, desmembrar formatos e
dissecar reportagens ainda não seriam suficientes para revelar as dinâmicas e as estratégias
estabelecidas pela emissora, e pelos seus editores, na manutenção da produção do programa por
tanto tempo e com poucas modificações.
Em Aronchi de Souza se detectou um caminho possível para análise de tal contexto
midiático. O autor preconiza a identificação das transformações de conteúdo e das estratégias de
produção do programa de TV por meio da construção de um perfil do programa. Este perfil se
origina da grade de programação da emissora (ARONCHI DE SOUZA, 2004, p.63).
Diante das dificuldades em se obter as grades de programação da Rede Globo dos anos
1980 a 2000 (visto que a informatização dos arquivos dos jornais e de revistas sobre televisão só
ganharam vulto a partir dos anos 1990) foram então identificados no “Dicionário da TV
Globo”(2003) os programas que se remeteram à temática rural (campo, interior, natureza, tipos)
no período. Estes foram situados num contexto histórico dividido pelas três décadas de existência
do Globo Rural. Os dados disponíveis no dicionário correspondem aos títulos dos programas,
horário, o ano de exibição, tema, argumento, autores e diretores e alguns dados sobre recepção.
Por meio deste recorte da programação da Rede Globo se demonstra os “pontos de apoio”
mais importantes dentro da grade de programação, mantidos pela própria emissora em várias
faixas de horário, que ajudaram a valorizar e disseminar o gênero rural na programação.
Subsidiados pela bibliografia, artigos e listas sobre programação de TV, também se revelaram
conjunturas midiáticas favoráveis ao surgimento e permanência do Globo Rural de domingo na
grade fixa92 da emissora, e também, da sua recente horizontalidade na programação com a entrada
do Globo Rural diário. 93
92
Grupo de programas que são exibidos e comercializados em rede nacional e que por contrato, não podem ser
excluídos da grade regional das afiliadas da Rede Globo. A sua exibição no mesmo horário em toda a rede é
obrigatória.
93
Por conta da longa existência do Globo Rural na grade, da sua fixação praticamente numa mesma faixa horária por
três décadas e do material bibliográfico disponível, se observa que esta contextualização do gênero do programa rural
na grade da emissora oferece mais variáveis qualitativas se comparada a de Aronchi de Souza que foi realizada num
período menor, de uma década, e que inclui dados quantitativos.
106
5.1. Anos 1980
Eco (1998) afirma que uma das particularidades da televisão dos anos 80 é sua tendência a
voltar-se para si própria, mais do que para o real de que ela pretende dar conta. No caso da Rede
Globo esta auto-referência ganhou muitas facetas e modalidades, algumas mais sutis outras
explícitas (ECO, 1998, p.198 apud DUARTE94).
Nesta pesquisa busca-se provar a hipótese de que a Rede Globo ao pulverizar o tema rural
no quadro da sua programação, principalmente entre os programas de entretenimento, cria um
ambiente favorável ao gênero, tanto junto à audiência nacional quanto dentro da própria estrutura
de comercialização da rede nos Estados.
Como vimos no capítulo terceiro, a segmentação da programação da Rede Globo se
difundiu nos anos oitenta e o programa Globo Rural foi um dos projetos desta fase. Neste tempo,
os telejornais nacionais e as produções da dramaturgia (novelas, minisséries etc) formaram os
alicerces da grade, reafirmando à idéia de rede nacional, de ligar umas pessoas às outras, de
sentido de comunidade, ao mesmo tempo em que os programas davam visibilidade às inúmeras
identidades regionais brasileiras.
Atrelado aos hábitos da audiência dos anos 1980, o Globo Rural foi originalmente criado
para ser exibido no domingo, numa faixa de horário em que a família brasileira despertava. O seu
chamado incluía todos os segmentos de público por privilegiar em grandes reportagens os
brasileiros, principalmente os personagens do Brasil Rural: o fazendeiro, o trabalhador
assalariado, a mulher do campo, as lideranças comunitárias rurais.
Nessa época o Brasil passava por um processo intenso de urbanização que envolvia
milhões de pessoas. Elas haviam migrado do interior dos Estados para as grandes cidades, muitas
tinham origem rural e, não por acaso, também apareciam na programação da Rede Globo em
tipos da ficção95, nas séries e minisséries (“O bem-amado”, “Lampião e Maria Bonita”, “Padre
94
Em Duarte, Elizabeth - “Quando a televisão fala de si própria” - Disponível em :
http://www.bocc.ubi.pt/pag/duarte-elizabeth-bastos-quando-como-tv-fala-de-si.pdf .
95
Foi na década de 1980 com a série “O bem-amado , de Dias Gomes, que a faixa do horário das dez da noite
ganhou destaque e deu lugar a um novo produto da Rede Globo. Em 1982, na mesma faixa de horário, a obra
pioneira “Lampião e Maria Bonita” (Aguinaldo Silva e Doc Comparato) inaugura o boom das minisséries brasileiras
em substituição aos filmes e seriados norte-americanos. (Dicionário da TV Globo, 2003, p 312).
107
Cícero”. “O Tempo e o Vento”, “Grande Sertão Veredas”, “O Pagador de Promessas”,
“Abolição”, “República”)96 (Dicionário da TV Globo, 2003, 312-395).
Ao longo dos anos oitenta as novelas no horário “das seis” também ganharam destaque
com tipos rurais-regionais e produções de época (numa relação direta do rural como pertencente
ao tempo passado). Estas tramas mais leves e românticas davam início à programação noturna e
conduziam a audiência para o horário nobre.
Os anos 1980, na programação da Rede Globo, foram pródigos em novelas rurais das
quais destacamos: “Terras do Sem fim” (1981); “Paraíso” (1982); “Voltei pra você” (1983);
“Livre para voar” (1984); “Sinhá Moça” (1986); “Fera Radical” (1988) e “Pacto de sangue”
(1989). Já no horário nobre, uma das tramas de maior sucesso da década, embalada pelo universo
rural, foi “Roque Santeiro” (1985). Nela os brasileiros oriundos de várias regiões do país se
encontravam no “cenário ideal” composto pela cidade do interior e sua extensão econômica de
poder, o campo. Outra novela de destaque nesta faixa de programação foi “Tieta” (1989),
inspirada na obra de Jorge Amado.
Um programa dedicado às crianças também alcançou sucesso por décadas utilizando a
temática do mundo rural: “O Sítio do picapau amarelo”, baseado na obra de Monteiro Lobato. A
Rede Globo apostava no universo rural como um lugar lúdico, mágico e intocado, onde a
preservação da família, da ecologia e da cultura brasileiras fosse respeitada apesar das ameaças
do próprio homem e da “modernidade”.
O ‘Sítio’ buscava preservar os fundamentos do universo do escritor (Monteiro
Lobato) conservando o conteúdo rural da obra sem esquecer a grande parcela da
população infantil das cidades grandes, para quem a informação sobre o meio
urbano também era importante. Para isso, o personagem Pedrinho tornou-se a
ligação do sítio com a cidade. Como exemplo de um processo de atualização,
que se diferencia de uma modernização, o diretor Geraldo Casé aponta a
presença de um aparelho de televisão na sala de Dona Benta, embora nem
sempre ele fosse usado ou mesmo mostrado. Segundo o diretor, o programa era
atemporal, e houve uma preocupação de não urbanizar demais a parte rural,
96
Na tentativa de descrever grandes enfoques com tom rural e regionalista na programação da Rede Globo, e
metodologicamente reaver um cenário que estabeleça o surgimento e o suporte para o “Globo Rural”, não
seguiremos uma seqüência histórica muito detalhada dos programas. O objetivo agora é abrir janelas dentro da grade
para tentar buscar em vários períodos, dentro do universo telejornal–novela, os elementos que possam estabelecer as
conjunturas midiáticas para a valorização da produção do gênero em estudo.
108
para não se perder o contraste vivido por uma criança que sai do centro urbano
e vai para um sítio” (Dicionário da TV Globo, p.713). 97
Na esteira desta programação semanal com forte tom rural-regional, surge em 1981, um
programa musical: o “Som Brasil”. Criado e apresentado por Rolando Boldrin, responsável
também pela sua direção musical, o “Som Brasil” divulgava ritmos e temas regionais brasileiros.
Com talento de ator e cantador, Boldrin contava estórias, declamava poesias, dançava e exibia
peças teatrais e pequenos documentários. 98
Este momento em que o gênero rural ganhava evidência e importância dentro da
programação da Rede Globo foi captado pelos programas de humor exibidos pela própria
emissora. Um dos mais contundentes foi o “TV Pirata” (1988)
O programa tinha vários tipos de humor, dos esquetes mais tradicionais ao non
sense absoluto. Parodiava-se toda a programação da televisão: novelas,
telejornais, programas de entrevistas, seriados, programas esportivos, clipes,
shows comerciais e mensagens de utilidade pública.(...) A idéia era brincar com
a realidade brasileira, fazendo sátiras com elementos e universos conhecidos
pelo público (Dicionário da TV Globo, 2003, p. 676-677).
O “TV Pirata” também fazia uma paródia do programa Globo Rural - o “Campo Rural”.
Os apresentadores reproduziam o tipo caipira, a fala do interior entre outras características. Era
uma caricatura do telejornalismo rural realizada pelos atores Guilherme Karan, Regina Casé,
Diogo Vilela e Cláudia Raia que faziam entrevistas e esquetes representando situações no campo
e da produção do Globo Rural.
97
O programa “Sítio do picapau amarelo” ficou nove anos ininterruptos no ar, de março de 1977 a janeiro de1986.
Rolando Boldrin em entrevista informou que o “Som Brasil” estreou no dia dos pais, no dia 9 de agosto de 1981:
“O formato desse programa é baseado nessa minha visão do Brasil e consegui convencer uma emissora do porte da
Globo a mostrar isso. Eles queriam na época, por uma questão de marketing, um outro nome, ‘Som Rural’,e eu
insisti com ‘Som Brasil’(BOLDRIN, 2007, n23). O programa “Som Brasil” ajudou a sedimentar o gênero rural na
programação de domingo e seguindo o mesmo caminho de sucesso do Globo Rural, após um ano de existência, o
musical passou a ocupar duas horas na programação matinal. A identificação do público era grande, e o programa e
seu apresentador conquistaram vários prêmios nacionais e internacionais. (Dicionário da TV GLobo, 2003, 814-816)
98
109
5.1.1. Horizontalidade e verticalidade
Entre os fatores que determinaram a consolidação da audiência e do padrão de produção da
Rede Globo, Priolli (1988) destaca como o mais importante a construção de uma programação
homogênea em tempos de instabilidade técnica nas transmissões e de grandes lacunas temáticas
na televisão brasileira.
O projeto da grade de programação da Rede Globo se baseava na aplicação de dois
conceitos-chave que a emissora conseguiu implantar com sucesso: a horizontalidade e a
verticalidade.
A horizontalidade consiste na fixação de um programa ao longo da semana ou do mês, em
um mesmo horário; e a verticalidade se traduz por uma seqüência ao longo do dia que vai sendo
repetida semana a semana, mês a mês.
A horizontalidade e a verticalidade da programação ocasionaram uma
verdadeira revolução entre espectador e televisão. É a partir dessa época que irá
se consolidar no Brasil o hábito de assistir televisão (PRIOLLI, 1988, p.81).
A introdução do programa Globo Rural sempre aos domingos de manhã determinou a
horizontalidade do gênero rural na grade de programação da Rede Globo. Mas sem dúvida, foi
através da verticalidade que ele se impôs de maneira mais marcante na grade da emissora, com a
formação de um bloco temático rural nas manhãs de domingo composto pelo Globo Rural,
exibido às nove horas da manhã, e o “Som Brasil” logo em seguida.
Dentro do projeto de engenharia da grade, a verticalidade do gênero também proporcionou
um espaço maior para a participação de anunciantes ligados ao segmento rural, pulverizando as
inserções ao longo dos breaks dos dois programas. Esta estratégia (iniciada com a duplicação do
horário do Globo Rural) denota como era importante para a emissora atender à demanda por este
segmento, abrindo espaços comerciais. O conceito era aplicável comercialmente, pois os
programas não tinham somente o mesmo endereçamento, mas também o mesmo padrão de
qualidade: as duas produções integravam o uso de novas linguagens televisivas (técnica e
estética) à musicalidade, ritmo, melodia e harmonia das composições populares regionais;
priorizavam o depoimento, a interação e a informalidade, o que estimulava a receptividade do
público e a sua fidelização.
110
Entre as várias relações existentes que reforçam a verticalidade da grade destacamos uma
mais recorrente à memória do telespectador: as trilhas das vinhetas de abertura dos programas.
Um das mais famosas, a música “Luzeiro”, foi composta e interpretada por Almir Sater;
artista sul-matogrossense que combinava ritmos regionais do pantanal com algumas sonoridades
urbanas. A trilha instrumental começava com acordes suaves e se desfiava na viola caipira num
ritmo galopante combinando-se às imagens de um mundo rural em constante movimento.
“Luzeiro” como o próprio nome diz, trazia o clarão, o sol, a luz da programação rural para
a tela, despertando o espectador. Também , como no sentido poético da palavra, significava os
olhos que contemplavam um universo que se modificava e se reorganizava diante de todos.
Após o término do Globo Rural a viola de Almir Sater encontrava resposta na programação,
na voz de Rolando Boldrin: “É que a viola fala alto no meu peito humano”. O tema musical do
programa “Som Brasil” prosseguia com um convite: “Chega lá em casa ‘pruma’ visitinha que no
verso e no reverso da vida inteirinha há de encontrar-me no cateretê”. Um ambiente que o
formato do programa e seus elementos cenográficos retratavam (o cenário da casa na roça, os
objetos utilizados na tradição da culinária caipira, os móveis rústicos, a informalidade e o
“cardápio” musical).E foi assim por quase uma década.
Toda manhã de domingo a abertura do “Som Brasil” - o cateretê “Vide Vida Marvada” colava-se à vinheta de encerramento do programa Globo Rural.
A música “Amanheceu, peguei a viola” também foi uma das trilhas de sucesso das manhãs
de domingo na Rede Globo. Composta por Renato Teixeira, em parceria com Almir Sater para o
programa “Som Brasil”, ela também foi interpretada por Rolando Boldrin. A mensagem tinha
tanto a ver com a proposta do programa Globo Rural que o público ainda confunde as duas
trilhas99.
A exibição dos dois programas, um jornalístico e outro musical combinando brasilidade
com música e informação de qualidade, resultou em um sucesso de audiência sem precedentes
nesta faixa de programação. A manhã de domingo ganhou expressão na grade da Rede Globo e
99
Pergunta sobre a música “Amanheceu peguei a viola” no Chat Yahoo!Brasil Respostas
(http://branswers.yahoo.com/question/index?qid=20070825061741AAgKFrX)
111
passou a ser considerada “horário nobre rural”, faixa disputada até por outros canais que tinham
programas no mesmo segmento100.
O talento e a qualidade dos profissionais envolvidos nestas produções rurais da Rede Globo
foram e são reconhecidos até hoje pelo público. Apesar do sucesso, Boldrin contestou o “horário
nobre rural” na manhã de domingo por acreditar que a cultura brasileira mereceria mais
visibilidade na programação101.
Além do investimento da Rede Globo na produção das trilhas e cenários dos programas da
década de 1980 é possível observar ainda como o aparato tecnológico modificou a própria
qualidade da transmissão e reforçou a imagem da emissora como líder no segmento.
A computação gráfica e os novos recursos para edição de som e imagens em 3D foram
usados maciçamente nas aberturas dos programas e das novelas da Rede Globo. Nas vinhetas da
programação os grafismos que haviam substituído os slides ganhavam mais mobilidade, cores e
efeitos sonoros (objetos saíam uns dos outros, se fragmentavam, esferas voavam para além do
vídeo), enfim, o que havia de melhor neste tipo de tecnologia saltava aos olhos de milhões de
brasileiros pela tela da Rede Globo.
Mas a maneira de ver o próprio país também estava mudando.
A tecnologia das parabólicas havia aumentado o alcance do sinal da televisão,
principalmente nos distantes rincões brasileiros. O controle remoto se popularizava e a própria
imagem da Rede Globo sofria mudanças, direta e rapidamente, como num zap social.
100
Como o “Viola, minha viola” da TV Cultura. Desde março de 1980 o programa é apresentado pela cantora e
folclorista Inezita Barroso.
101
Com a saída de Boldrin, Lima Duarte assumiu a apresentação. Em março de 1989 o programa “Som Brasil” saiu
do ar. Hoje o “Som Brasil” permanece na grade de programação da Rede Globo totalmente reformulado, no formato
de um especial sobre MPB isto é, sem horizontalidade na grade e sem a temática rural. Atualmente Rolando Boldrin
mantém o formato original do programa “Som Brasil” na TV Cultura com o nome de “Sr. Brasil”.
112
5.2. Anos 1990
A nova década surgiu na programação da Rede Globo abordando o nacionalismo a partir de
um tom mais forte. Os ecos da música “Brasil”, de Cazuza, na voz de Gal Costa ressoavam na
grade.
A música na verdade, era tema de uma novela muito urbana com título sugestivo: “Vale
Tudo”. A novela das oito falava de um Brasil onde a desigualdade e a corrupção se acentuavam.
Enquanto a teledramaturgia revelava um panorama nacional que pedia mudanças nas
estruturas sociais, o noticiário de maior audiência do país, o Jornal Nacional, tornava-se alvo de
denúncias.102 Nesse período da década de 1990 o engajamento político e a conscientização
ecológica surgiram como bandeiras da luta pela cidadania.
A preservação do meio ambiente e a interação responsável entre a população e a natureza,
promovidas principalmente pela atuação das ONGs, levaram o setor de programação da Rede
Globo a criar o programa “Globo Ecologia” (1990).
Silva103 ressalta que no início dos anos 1990 algumas mudanças, no campo e na cidade,
começaram a aparecer e chamar a atenção do telejornalismo rural, uma vez que o Brasil é muito
grande e experiências isoladas há tempos vinham se consolidando no interior do país.
Porém, o grande momento de afirmação da conscientização ecológica no Brasil aconteceu
com a ECO-92, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que reuniu
representantes de 180 países e 105 chefes de Estado. Desde então se tornou corrente nos
telejornais o uso do conceito de desenvolvimento sustentável, definido pelo tripé eficiência
econômica, prudência ecológica (com respeito ao estoque de recursos naturais) e equidade social.
A agricultura absorvia estes conceitos e a pesquisa brasileira contribuía para a sua aplicação.
102
A relação da Rede Globo com o seu público sofreu rompimentos profundos na década de 80. A emissora foi
acusada de não ter apoiado o movimento das “Diretas-já” e ter ajudado a eleger o candidato Fernando Collor de
Mello nas eleições de 1989, através da manipulação de trechos do último debate de Collor contra Lula.Há quem veja
indícios de "manipulação" em algumas tramas de telenovelas na mesma época, outros acreditam que estas novelas
retratavam a sociedade brasileira. Além de “Vale Tudo” outras obras surgiram inspiradas na conjuntura política que
se desenrolou marcada pela primeira eleição direta para presidente da República depois de quase 30 anos , e também
pelo impeachment do então presidente Collor de Mello: “Salvador da Pátria” (1989), “Que rei sou eu?” (1989), “O
Dono do Mundo” (1991) “Deus nos acuda”(1993), “Pátria minha”(1995), “Torre de babel”(1998).
103
<http://comunicacaoempresarial.com.br/artigojornagribusinessgislene.htm>. Acesso em 08 jan. 2006.
113
A partir do meio da década, a temática do mundo rural, que até então havia permanecido
na teledramaturgia por conta de obras literárias adaptadas e algumas vinhetas de abertura,
reapareceu com mais vigor, ganhando novas abordagens. O enfoque do meio-ambiente migrou
para dentro das novelas e dos telejornais.
A saga dos habitantes do planeta terra, os alertas ambientais e a metáfora da vida do
homem relacionada à da natureza foram explorados em muitos programas de telejornalismo
(“Globo Repórter”, “Fantástico” etc) e em produções da teledramaturgia.
A novela “Renascer” escrita por Benedito Ruy Barbosa estreou no horário nobre da Rede
Globo em 1993, depois do sucesso que o autor fizera com “Pantanal” (TV Manchete, 1990)
abalando a audiência da emissora dos Marinho 104. Somente no fim da década é que surge uma
nova saga rural, mais uma vez pelas mãos de Benedito Ruy Barbosa, a novela “O Rei do gado”
(20h30).
Nos anos 1990 o agronegócio é o pano de fundo para as novelas que abordaram o mundo
rural: “A Indomada” (1997/ 20h); “Corpo Dourado” (1998/ 19h); e mesmo “Força de um desejo”
(1999/18h)- uma novela de época que tratava das idas e vindas de um grande exportador de café
em viagens de negócios, suas relações comercias e amorosas. Entre as minisséries tivemos
“Riacho doce” (1990); “O Sorriso do lagarto” (1991) “Tereza Batista”(1992); “Memorial de
Maria Moura”(1994) e “O Auto da Compadecida”(1999)
Outras produções se destacaram na programação da Rede Globo dentro desta temática
rural durante a década de 1990 como os musicais sertanejos (1991-1998). Estes programas
utilizavam recursos da teledramaturgia e retratavam a vida e o sucesso de duplas famosas como
Chitãozinho e Chororó, Leandro e Leonardo, Zezé Di Camargo e Luciano.
Vários cantores de sucesso surgiram durante esta explosão da música sertaneja nos anos
1990 e originaram a série “Amigos”, com quatro especiais em formato de show. As festas de
rodeio do interior de São Paulo, muito em moda na época, foram reproduzidas nos musicais que
contavam com uma superprodução. A partir dessa série de musicais, surgiu outro programa “Amigos&Amigos” (1999)- que foi apresentado no domingo, às três da tarde. (Dicionário da TV
Globo, 2003, p864-881)
104
Em Renascer, o homem do campo, privilegiado por ter uma vida junto à natureza (rural-natural), é o protagonista
de uma trajetória mítica. No primeiro capítulo a narrativa cinematográfica mostra o “herói” da trama (o fazendeiro
José Inocêncio) ainda jovem, chegando às roças de cacau na Bahia: ele finca seu facão num pé de Jequitibá e assim a
frondosa árvore passa a representar a sua sorte, força e existência.
114
5.3. Anos 2000
Em 2000 uma maior diversidade de pensamento, de culturas, e de situações geradas pelas
novas tecnologias de comunicação surgem na programação da Rede Globo. Estas tendências
influem na mudança dos formatos de produção desde os setores tradicionais, como a
teledramaturgia, até na implantação de formatos inéditos de programas como os realiys shows.
Nesta época a Rede Globo começa a transmitir seu canal via satélite para os diferentes
distribuidores internacionais105. As novelas “Terra Nostra” (2000); “Esperança”(2002) e
“América” (2005) trataram das temáticas do campo. Na faixa das seis horas, quatro produções se
remeteram ao gênero ou tinham núcleos rurais: “Chocolate com Pimenta”(2003/04); o remake de
“Cabocla”(2004); “Alma Gêmea”(2005/06) e o remake de “Sinhá Moça”(2006).
A referência mais significativa da década, no entanto, foi o surgimento do telejornal
Globo Rural Diário , em 2000. Com o fim da verticalidade do gênero rural no domingo o Globo
Rural acentuou a sua horizontalidade na grade de programação matutina , visto que o programa
passou a ser exibido diariamente, de segunda a sexta, às seis e cinco da manhã.
O Globo Rural Diário também estabeleceu a cobertura do telejornalismo rural no Brasil a
partir da exibição de reportagens (guardando-se a devida proporção do tempo de exibição, menos
da metade da edição dominical, aos formatos das matérias) .
De acordo com a editora Eliane Deak o Globo Rural Diário é um “jornalão” (referindo-se
ao formato do telejornal), bem condensado, com as principais notícias do campo em diversas
regiões brasileiras: “Estas reportagens são, 99% delas, produzidas pelas afiliadas da Rede Globo
presentes em todos os Estados” . Este trabalho é coordenado pela redação do Globo Rural em
São Paulo que eventualmente produz um material nesta capital ou em Brasília com a função de
complementar alguma informação106 (DEAK, 2008, n. 20).
O telejornal nacional Globo Rural Diário se tornou factível para a Rede Globo porque a
partir do fim dos anos 90 e começo dos anos 2000 o programa de telejornalismo rural se tornou
um produto importante para a mídia regional, ou seja, para as emissoras afiliadas no interior
105
A TV Globo Internacional é um canal transmitido 24 horas, via satélite e cabo com qualidade digital, totalmente
em português. Atualmente está disponível em 114 países de cinco continentes: África, Américas, Ásia, Europa e
Oceania. Seu público-alvo é de aproximadamente 5,5 milhões de pessoas, incluindo brasileiros, portugueses e
lusófonos (http://tvglobointernacional.globo.com/SobreTVGI.aspx?id_submenu=1).
106
Atualmente o Globo Rural Diário promove a participação de praças distantes das sedes das afiliadas, como da
região de Petrolina(PE), de Ilhéus (BA) etc , por meio da utilização do Sistema IPE que permite a transmissão de
reportagens via internet.
115
(fortemente inseridas na economia agrícola) disponibilizando assim farta produção 107. Hoje este
gênero de programa está presente na maioria das grades das afiliadas da Rede Globo, inclusive
com núcleos próprios de produção.
5.3.1. A disputa pela “faixa nobre rural”
Na década de 1990, com o “Som Brasil” fora do ar, o Globo Rural começou a ganhar
espectadores menos musicais e mais barulhentos: os fãs das corridas de Fórmula 1. O direito de
transmissão do campeonato é comprado todos os anos pela Rede Globo, desde a década de 1980,
e algumas provas, principalmente as do circuito europeu, entravam no ar na mesma faixa de
horário.
Gradativamente, milhões de espectadores acordavam mais cedo no domingo e ligavam a
TV no momento em que o Globo Rural era exibido. Eles ficavam à espera de conferir o
desempenho de um brasileiro que havia se tornado tri-campeão mundial: o piloto Airton Senna.
O Globo Rural se beneficiava da audiência represada para ganhar a simpatia deste público
e dar o seu recado. Afinal, a agricultura também tinha muita tecnologia, campeões e gente que
corria riscos por resultados. O público masculino e urbano se tornou predominante nesta faixa de
horário.
Quanto ao vai e vem do programa no grid da programação contamos apenas com a
memória dos jornalistas mais antigos da redação para informar a respeito dos horários em que o
Globo Rural já foi exibido.
Segundo o editor-chefe Humberto Pereira, seis meses depois da estréia, o programa
ganhou mais meia hora passando das nove e meia da manhã para nove horas. “Ficou então um
bom tempo nesse horário das nove, até recuar para oito horas, onde está hoje” (CAVECHINI,
2008, n.12).
Esta baixa mobilidade dentro da grade é uma característica dos programas de rede
nacional da Rede Globo, principalmente dos telejornais e da dramaturgia. Eles possuem um lastro
significativo para a emissora, pois são produções que promovem uma imagem de estabilidade,
credibilidade e responsabilidade social junto à audiência, desejada comercialmente.
107
Nesta época também se registra a proliferação de programas rurais em várias televisões assim como a cobertura de
canais a cabo exclusivos do gênero rural .
116
Portanto, o “recuo” do programa Globo Rural para as oito da manhã, relatado por Pereira,
não deve ser considerado como uma adaptação momentânea a fatores sazonais. Os tempos na
grade da Rede Globo são outros e, apesar de ter conquistado a audiência para uma faixa de
horário que praticamente não existia em termos comerciais, o Globo Rural já não conta com um
parceiro forte do gênero e nem se cogita um sucessor para ele.
Afastado o fator baixa audiência, uma das hipóteses para o recuo do horário seria o
crescimento de um programa “vizinho” ou de um gênero televisivo da categoria entretenimento
(já que o domingo é um dia de descanso para a maioria dos trabalhadores brasileiros). Este
programa ou gênero poderia estar ligado ao público masculino, o mais representativo nesta faixa
de horário.
Num estudo inicial (que pode ser mais aprofundado em outro trabalho) observamos que o
domingo é um dia problemático para a Rede Globo no quesito audiência. E isto traz
suscetibilidade aos programas dominicais.
No período da tarde e da noite as disputas de audiência com o SBT, do apresentador
Silvio Santos, e mais recentemente com a Rede Record são as principais causas do estica e puxa
dos programas na grade da Rede Globo e até da sua extinção.
O domingo também é um dia especialmente estratégico para o esporte e para o futebol.
Aquele torcedor que não vai ao campo ver o seu time, procura assisti-lo pela TV. Nem que seja
um compacto com os melhores momentos da partida.
Para a Rede Globo o futebol é um grande negócio.
A emissora realiza com exclusividade as
transmissões ao vivo dos campeonatos
brasileiros mantendo em seu canal a atenção de milhões de espectadores. O principal programa
esportivo da grade no domingo é o “Esporte Espetacular”.
No ar desde 1973, o telejornal esportivo é um peso pesado da programação.Já percorreu
a grade de programação da Globo ocupando diversos dias da semana e horários e se fixou nas
manhãs de domingo, perto do meio-dia.
Mas a partir dos anos 1990, além do futebol e da Fórmula 1 o programa passou a cobrir
competições de esportes que tinham pouca divulgação, como vôlei, o basquete , a ginástica
olímpica, o hipismo , esportes radicais e a produzir grandes reportagens sobre aventuras. Novos
heróis surgiram e a promessa de “emoção a cada frame” estava no ar.
117
Com o tempo estes esportes também passaram a promover, no domingo de manhã,
grandes competições com o apoio da Rede Globo e a ganhar simpatia e torcida nacionais. A
emissora começou a exibir ao vivo durante o “Esporte Espetacular” os campeonatos brasileiros
e mundiais de vôlei, futebol de praia, futsal, maratonas e os torneios de natação, “empurrando”
constantemente os outros programas da grade para cima e para baixo.
Assim o veterano com
fome de iniciante conquistou um espaço privilegiado na
programação do domingo que atualmente varia de 150 a 180 minutos. Hoje o horário atual de
exibição do “Esporte Espetacular” é o das nove e meia da manhã até o meio-dia e compreende
justamente a antiga “faixa nobre rural” do domingo, sedimentada pelos programas Globo Rural
e “Som Brasil”.
Recentemente com a entrada do “Auto Esporte” na faixa observamos que no domingo
“sempre cabe mais um” quando há anunciantes 108. Esta formação da programação matutina do
domingo em rede nacional109 parece seguir uma glosa muito bem-vinda ao mercado, onde cada
programa termina com a sensação da vitória:
Começa bem de manhã, com os grandes negócios dos pequenos empresários do “PEGN”
(sigla do programa “Pequenas empresas, grandes negócios”);
depois o Globo Rural mostra o
protagonismo da agricultura brasileira e os campeões de produtividade;
aí vem o “Auto
esporte”: o prazer da vitória (ou de estar no topo social) se conquista com muitos hps 110 e
finalmente, no “Esporte Espetacular”, a apoteose: “Vamos quebrar recordes, vencer limites,
derramar lágrimas pela derrota e chorar de felicidade pela vitória!” (Site Globo marcas) 111.
108
O “Autoesporte” é classificado pela Rede Globo como programa de esportes e é exibido às nove da manhã. De
acordo com o site de programação da emissora o programa veio para consolidar a programação automobilística da
faixa horária, consagrada pelas transmissões de provas de Fórmula 1 há cerca de 20 anos .Tem em média 13 pontos
na faixa de audiência, dois a mais que o GRU.
109
A “Santa missa” e o “Globo Comunidade” são cobertos em algumas afiliadas pela programação regional.
110
A abreviatura “hp” vem da expressão “horsepower”, unidade antiga de potência, mas ainda utilizada amplamente
nos dias de hoje.
111
http://licenciamento.globo.com/marcas/esporteespetacular.php
118
Capítulo VI
O PROGRAMA GLOBO RURAL: A CONSOLIDAÇÃO DE GÊNEROS E
FORMATOS
No dia seis de janeiro de 1980, às nove e meia da manhã, o Globo Rural entrou no ar para
todo o Brasil. Mas para a surpresa do telespectador não havia nada no formato do programa que o
lembrasse do campo. Nada de cenário de fazenda ou paisagens bucólicas. Era um programa
jornalístico, gravado em estúdio, com um apresentador na bancada e blocos de reportagens,
longas reportagens.
O Globo Rural trazia matérias sobre o mundo rural em vários Estados brasileiros e
também no exterior. Este formato bastava para destacá-lo de outros jornalísticos, visto que as
pautas urbanas em nada se pareciam com as rurais, a começar pelos cenários e tipos humanos
brasileiros, pela produção das reportagens que duravam dias, até semanas, e pela linguagem
direta e informal, francamente usada nos diálogos e vivências dos jornalistas e seus respectivos
entrevistados.
As inúmeras viagens narradas na forma de reportagem eram um convite ao
entretenimento e à descoberta de outros Brasis. Os repórteres mostravam inovações e tradições
que na agricultura resultavam em maneiras diferentes de trabalhar e viver. Esta interação e
intimidade com o ambiente e os entrevistados eram incomuns para o telejornalismo nacional da
Rede Globo e aos poucos acabaram sendo incorporadas à reportagem do telejornalismo diário112.
Com meia hora de duração e somente uma edição semanal, o Globo Rural adotou o
formato do telejornal ao vivo, mas era previamente editado em vídeoteipe. Um formato que
remete à transmissão direta; que segundo Machado (2005, p.126) nasceu com a televisão, e ainda,
é o modelo de produção mais adotado por toda a programação. 113
112
Como a passagem “participativa” muito usada no Globo Rural em que o repórter busca situações de interação
para poder exprimir a própria emoção ou uma impressão sobre o fato.
113
Em geral, os programas são pré-gravados não para possibilitar uma edição posterior ou maior controle dos
resultados, mas por comodidade técnica ou mesmo por razões econômicas institucionais. No entanto, mesmo estes
programas pré-gravados são produzidos e editados nas mesmas circunstâncias que os programas ao vivo, portanto
em tempo presente, ou em condições muito próximas deles (MACHADO,2005,p126).
119
Entre os principais formatos telejornalísticos adotados pelo Globo Rural temos a vinheta
(introduzindo a escalada), a nota, a notícia, a reportagem, a entrevista, os indicadores econômicos
e o formato opinativo editorial. Outros gêneros/formatos provenientes das categorias Informação,
Educação e Entretenimento, como o culinário, o musical, o documentário, o docudrama114, o
interativo, a série, também foram incorporados ao programa Globo Rural.
Esta hibridação, no entanto, não reduziu o telejornal a mais um formato dentro do
programa, mas reforçou a sua condição privilegiada, pois a participação de cada gênero se
condiciona:
- aos temas e situações tratadas nas reportagens rurais,
- à sua adequação ao formato telejornalístico preexistente, e também
- à capacidade de sua utilização pelos produtores jornalísticos (repórteres, editores e
repórteres cinematográficos).
A contextualização de temas complexos, a necessidade de estabelecer um lugar de diálogo
com os vários públicos, o tempo mais longo para produção e é claro, a possibilidade de criar e
deixar o programa que “fala de agricultura” mais atraente são algumas das razões levantadas para
o uso destes gêneros diversos e seus formatos no Globo Rural. 115
Estes dados vêm de encontro com uma investigação prévia feita na instância técnica desta
Dissertação onde se observou que os programas de telejornalismo rural teriam o hibridismo de
gênero como característica principal, estabelecido pelas temáticas da C&T e pela periodicidade
semanal da produção, o que pode ser confirmado neste estudo do Globo Rural.
Independentemente da possibilidade da inclusão de outros gêneros/formatos (que
dependem de estrutura técnica e orçamento das emissoras) o programa de telejornalismo rural
partiria de uma combinação-base definida por cinco gêneros, em ordem de importância: o
telejornal, o instrutivo, o culinário , o interativo e o musical.
Outro fator que remete à consolidação do gênero telejornal no programa rural, a partir do
exemplo do Globo Rural, é a sua estrutura comum.
114
Quando o documentário, da categoria informação, se associa ao gênero teledramaturgia, da categoria
entretenimento, para justificar um argumento ou ilustrar uma história real, o programa apresenta um novo gênero,
denominado docudrama (ARONCHI DE SOUZA, 2004, p. 105).
115
É importante dizer que no telejornalismo diário estes formatos também são utilizados, mas por causa do ritmo de
produção, a aplicação de gêneros diferentes dos informativos se torna mais restrita. Já em telejornais semanais o
tempo de produção é mais longo e permite um trabalho de edição e pesquisa detalhado.
120
O programa Globo Rural foi estruturado de acordo com o modelo de telejornal nacional
da Rede Globo, com tempo de produção dividido em quatro blocos. Estes são organizados de
forma extremamente concisa por um espelho que repete padrões de edição. A dinâmica que esta
estrutura imprime aos formatos jornalísticos, e a própria notícia dentro dos blocos, normalmente
leva ao fracionamento da informação tanto que o telejornal é comumente comparado a um
mosaico. No entanto, o Globo Rural mantém até hoje esta identidade telejornalística sem prejuízo
ao seu timing rural característico116.
6.1.O primeiro bloco e os seus formatos
No início do primeiro bloco temos a vinheta de abertura do programa que tem a função de
identificar o Globo Rural dentro da grade de programação. Na Rede Globo as vinhetas são
produzidas pelo Departamento de Videographics, coordenado pelo designer Hans Donner. Elas
são criadas dentro de uma estética e de uma estratégia comercial definidas pela emissora para os
telejornais (como por exemplo, o uso em destaque do logotipo da Rede Globo dentro do nome do
programa).
No Globo Rural, e no telejornalismo da Rede Globo, a vinheta de abertura geralmente
introduz a escalada. Isto acontece porque no formato telejornal o tema musical da vinheta se
estende até o estúdio, onde se mantém em BG (Background), enquanto são lidas as manchetes. O
resultado é um clima de suspense, de prontidão117.
O início do primeiro bloco traz, além da escalada, um breve editorial, um comentário
opinativo sobre acontecimentos da semana.
A reportagem do primeiro bloco do programa traz a informação de serviço e seu nível de
abrangência de público tende a ser maior. O assunto geralmente chama a atenção pelo ineditismo;
trata de inovações, descobertas científicas, tecnologias aplicadas à agricultura e as suas relações
116
Em Squirra (1993, p.101) vemos ainda que esta técnica de organização dos blocos dentro do telejornal segue
esquema parecido com uma tática de valorização do noticiário, mas também de estratégia de marketing que visa
segurar o telespectador para o próximo programa da emissora. Em seu formato de edição o Globo Rural adota esta
mesma organização.
117
Além da vinheta de abertura há entre os blocos do telejornal vinhetas de passagem, mais curtas e específicas,
como as do tipo “a seguir”, geralmente produzidas pelo jornalismo por conter imagens das reportagens.
121
com a comunidade. Também aborda tecnologias aliadas aos conceitos de preservação ecológica,
sustentabilidade e qualidade de vida.
Como destaque do primeiro bloco temos as reportagens originadas pelas cartas dos
telespectadores enviadas ao programa. O formato faz parte da estrutura básica do Globo Rural
desde o seu primeiro ano, de acordo com Humberto Pereira.118
Para Aronchi de Souza (2004, p.173) as cartas fazem parte de um formato televisivo
interativo, ou seja, estimulam a audiência a participar do programa.
Em Beltrão(2006, p.124) vemos que a secção de “cartas” provém de um formato muito
popular do jornal impresso, pertencente ao gênero “variedades”, chamado “consultórios”, ou seja,
colunas de respostas a consultas do leitor sobre assuntos os mais diversos (o jornalista encaminha
as consultas aos especialistas e, depois de respondidas as organiza para publicação).
Em resposta a necessidade do espectador do Globo Rural por informação especializada, a
editoria do programa criou então o formato televisivo “coluna-reportagem”, isto é, uma coluna
eletrônica em forma de reportagem em que os jornalistas do programa levam as dúvidas do
remetente da carta a um especialista e mediam a resposta ao problema.
A “seção de cartas”, com respostas para diversos assuntos, no Globo Rural, se compõe
por três ou quatro cartas. O formato pressupõe uma viagem em busca da informação, pois os
cenários das “respostas” ou onde estão os “destinatários” são os mais diversos. A narrativa
televisual se inicia a partir do apresentador no estúdio. O remetente, muitas vezes chamado pelo
primeiro nome e tratado respeitosamente por “seu” ou “dona”, é apresentado ao público. O
apresentador começa a discorrer sobre o “problema” (geralmente uma doença, uma técnica, um
fruto desconhecido) interpelando o espectador no sentido dele saber como tudo foi resolvido.
O caso é introduzido visualmente por meio da imagem da carta (geralmente escrita de
próprio punho), do e-mail ou ainda por fotos, sementes e folhas enviadas pelo remetenteespectador. Simultaneamente o nome do telespectador, sua cidade e estado, entram no rodapé do
vídeo com uma figura de carta.
O formato inicial da resposta também traz breves explicações, segundo Pereira 119. A partir
daí, o apresentador passa a missão para o repórter de campo. Acompanhado de um especialista o
jornalista faz uma reportagem sobre as causas do problema e como ele se desenvolve (também
118
http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-238203,00.html. Observamos que a secção
de cartas pode vir no primeiro ou no segundo bloco se alternando com as reportagens de inovações. Mas isto ao
nosso ver não provoca uma mudança na organização do programa, no padrão de edição.
119
http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-238203,00.html.
122
chamando o espectador pelo nome). O especialista, ao dar as explicações técnicas e sugerir
soluções também o faz num tom coloquial, buscando uma linguagem objetiva (apesar de sempre
escaparem alguns jargões técnicos e regionais) ou usando o formato do passo-a-passo (a mostrar
detalhadamente as várias etapas do processo).
Nesta resposta à carta, o ambiente e a proximidade entre as pessoas na reportagem são
priorizados. Ela atualmente é composta de planos-sequência, planos médios, planos americanos
numa quase ausência de closes dos entrevistados. O close é mais usado no detalhamento da
imagem da informação (da larva, do mosquito, da fruta, do como fazer).
Como numa reportagem, a coluna termina com um pé do apresentador com alguma outra
dica ou recomendação (DPGRU, 2008, n1). A secção de cartas também pode ser composta por
respostas mais curtas que não necessitam de reportagens. São transmitidas diretamente pelo
apresentador na forma de comentário, com inserção de imagens no estúdio. O encerramento da
seção se dá com uma nota seguida de uma arte: “Se você tiver alguma pergunta ou sugestão a
fazer anote o nosso endereço: ‘Globo Rural’- cep 04583-905”.
6.2. O segundo bloco e seus formatos
O bloco do mercado, como é chamado o segundo bloco do Globo Rural, tem início com as
cotações dos principais produtos agrícolas, um formato muito usado no telejornalismo e
conhecido por “indicadores econômicos”.
Tradicionalmente os indicadores nos telejornais diários da Rede Globo apresentam os
números do mercado financeiro: dólar, ouro, taxas de aplicações. No Globo Rural, temos o
equivalente quadro de serviço com as cotações de comodities120 agrícolas brasileiras: café, boi,
milho, soja, algodão As cotações vão ao ar no formato infográfico 121 e têm em média vinte
segundos. Cada produto tem um quadro correspondente com sua figura e os preços praticados na
semana. Estes preços são narrados em off pelo apresentador.
120
Produto que se apresenta de forma primária (café, soja, milho) negociado na bolsa de mercadorias CME (Chicago
Mercantile Exchange). É um termo de língua inglesa que, como o seu plural commodities, significa mercadoria.
121
Infográficos são quadros informativos que misturam texto e ilustração (arte gráfica) para transmitir uma
informação visualmente. Em vez de contar, o infográfico mostra a notícia como ela é, com detalhes mais relevantes e
forte apelo visual.
123
Por conta do grande número de indicadores as cotações dos produtos agrícolas no Globo
Rural não estão aglutinadas numa seção, como no telejornal diário, elas surgem ao longo do
segundo bloco. Estas cotações refletem os números da Bolsa de Chicago (EUA), a média de
cotação do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São
Paulo) e os números de duas ou três principais praças nacionais de negócios, colhidos pela
produção do Globo Rural, no fechamento da semana (Ex; Boi gordo: Cuiabá-MT, Ituiutaba-MG
e Promissão-SP)122. Este critério foi adotado no início do programa quando o quadro de cotações
ganhou importância estratégica, principalmente entre produtores que estavam distantes dos
centros de comercialização.
De acordo com o editor de mercado Benedito Cavechini a comunicação entre os mercados
agrícolas nacionais e internacionais era precária, mas a TV chegava a pontas distantes da cadeia
produtiva: “Houve casos de pecuaristas que fechavam seus contratos para a entrega do gado com
base nas cotações fornecidas pelo Globo Rural” 123
As interferências das condições climáticas nas principais regiões produtoras de alimentos da
cesta básica e de produtos para exportação também estão no bloco do mercado. Dependendo do
período do ano, estes fatores influem diferentemente nas safras dos Estados, no abastecimento, na
comercialização, mexendo com a oferta nacional de um produto.
A chuva, o frio, ventos, seca, o calor e a umidade sempre foram temas de grande interesse
para o agricultor e no Globo Rural ultrapassam, em nível de informação, o tradicional quadro de
previsão meteorológica dos telejornais.
Os efeitos da mudança do clima geralmente são abordados numa reportagem. Já a previsão
da meteorologia, na edição dominical do Globo Rural, é transmitida pelo apresentador do
programa e enfoca períodos de três a quatro meses (principais fontes: CPTEC/ INPE/ INMET) no
formato infográfico (mapa) ou notícia.(DPGRU, 2008, n2)
122
O contraste do mundo rural com o mundo da metrópole fica nítido neste quadro, pois enquanto essa concentra
suas principais operações em grandes cidades, o mundo rural tem como referências as pequenas cidades do interior
,donde são comercializados milhões em produtos agrícolas e em bolsas de valores, muitas desconhecidas do grande
público.
123
http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-238203,00.html
124
No segundo bloco também destacamos o “VT compartilhado”
124
(CURADO, 2002, p141).
Um formato de dupla reportagem utilizado pelo programa para transmitir ao espectador a
alteração no desempenho de alguns produtos no mercado, seja por efeito das intempéries ou de
outro fator.
No Globo Rural o VT compartilhado é uma produção feita por dois repórteres, em regiões
ou Estados diferentes, sobre um mesmo assunto ou cultura. São duas reportagens na forma de
uma, produzidas separadamente (com off, passagem e sonora) e unidas antes de serem exibidas.
(DPGRU, 2008, n3)
A nota é outro formato jornalístico muito adotado pelo Globo Rural e pode ser encontrada
em todos os blocos. Ela se destaca no programa por meio de um elemento do telejornal chamado
de “lapada”.
A lapada é um agrupamento de pequenas notas com imagens de acontecimentos narrados
em off pelo apresentador - alguns exibidos em reportagens em outros telejornais e que não
justificam uma edição mais longa (CURADO, 2002,p.146). É um formato que geralmente traz
um efeito de edição chamado “varredura”. Ele é obtido quando uma imagem vai sendo
rapidamente retirada da tela ao mesmo tempo em que outra vai aparecendo, num movimento que
lembra a abertura de uma cortina - pode ser horizontal ou vertical (PATERNOSTRO, 1994,
p.101).
As notas são narradas em seqüência num único vt, gerando assim um material informativo
mais denso e rápido (talvez por isso o uso da palavra “lapada” que quer dizer: pedrada, bofetada).
No Globo Rural, a lapada contém “as notícias de destaque da semana”, da política nacional ao
nascimento de bezerros trigêmeos(curiosidades). Ela abre o bloco ou entra depois uma cotação;
são em média cinco notas; a última pode vir acompanhada de uma sonora.
No segundo bloco, a informação está ancorada ao desempenho do mercado agropecuário
durante a semana, a um ou mais fatores que influíram na produção, comercialização interna ou
externa dos produtos agrícolas.
124
O vt compartilhado também é definido por Curado como “vt problema”- um assunto polêmico que determina
maior aprofundamento. “Quando se diz vt compartilhado isso significa dois, um , três vts curtos produzidos em
diferentes segmentos- mesmo utilizando arquivo de imagens e que permite uma visão mais ampla da questão”
(CURADO, 2002, p141). “Vt” é a sigla de videotape, jargão usado como sinônimo de reportagem.
125
Estes fatores podem estar relacionados a crises políticas, embargos a produtos de
exportação, estoques e consumo, transporte, doença na lavoura ou na criação, chuvas escassas ou
abundantes. Por vezes a informação no segundo bloco adota um formato mais descritivo; em
outras edições é mais narrativo.
Os temas são abordados por três ou quatro reportagens curtas (com um minuto e meio em
média) produzidas em zonas de maior impacto por afiliadas da Rede Globo principalmente dos
Estados São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás (os
principais centros brasileiros de produção de grãos e boi para corte). No caso de assuntos sobre
justiça ou política interna e externa, a reportagem é feita pela equipe do programa em São Paulo
ou Brasília, ou ainda por um jornalista no exterior.
No bloco do mercado há vários formatos jornalísticos sendo que a reportagem é o gênero
que permite um espaço mais amplo de liberdades, de oportunidades, pois envolve situações mais
complexas (como a economia, as práticas de comercialização, a política interna e externa e o
mercado internacional) permitindo relacionar fatos dispersos numa única linha temática. O
editor-chefe Humberto Pereira (2002) fala sobre o que é evitado nas reportagens que trazem
dados econômicos:
Excesso de números e estatística esconde uma falta de ponto de vista, de foco
sobre o que se quer mostrar. Outra: evitar o excesso de criatividade. Os bons
recursos de edição ajudam muito. Mas se ajudarem demais, acabam mesmo é
atrapalhando. Isto em televisão, em que os recursos e efeitos eletrônicos são
ilimitados, pode levar à total incompreensão do material editado. 125
No caso de uma notícia sobre o começo da safra, por exemplo, “o centro-oeste colhe a
maior safra da história”, observa-se que o Globo Rural não busca fazer um memorial econômico
para o mega investidor. O foco é o desempenho da commodity, mas articulado à investigação
sobre o que essa supersafra significa, onde está sendo colhida, quem está colhendo, o que está
sendo feito do cerrado brasileiro com a penetração da soja. Um ponto de vista a partir da ética do
cidadão, seja ele sojicultor ou consumidor do óleo de soja. (DPGRU, 2008, n.4)
125
http://www.submarino.com.br/business/i_firstchapter.asp?pid=178776&prodtypeid=1. No prefácio do livro
Elementos do Jornalismo econômico de Sidney Basile(2002).
126
Pereira (2002), ao tratar do vasto segmento da cobertura econômica fala sobre a postura que
deve nortear o trabalho dos jornalistas face às tentações ao lidar com algo de tal forma importante
para tantas pessoas:
O jornalismo é comparado ao cano por onde passa a água (notícia). O
jornalismo é tão-somente o cano. Contudo, por mais nobre que seja concebido
idealmente, o jornalismo não pode ser entendido como remédio messiânico para
os males da sociedade.126
No caso específico do pequeno produtor, que geralmente não tem acesso permanente à
consultoria econômica ou mesmo a um agrônomo, a reportagem técnico-econômica se esmera em
explicar o “como fazer” sem perder de vista o custo-benefício para combater uma praga, para
aumentar a produção de leite no sítio, construir uma debulhadora de milho enfim, o foco são os
manejos e os projetos bem-sucedidos (CAVECHINI, 2007, n 32). A tentativa é detalhar como o
modelo funciona, seus custos, seu resultado contábil e mostrar até que ponto este modelo é
reproduzível na realidade do pequeno produtor. Este resultado depende de depoimentos
significativos, seja do técnico, do agricultor ou pecuarista (do seu saber local) e de imagens
detalhadas do processo, para que os outros produtores possam identificar pontos fortes e fracos
do modelo transportando-o para sua realidade Este é um formato que se relaciona ao
comportamento e ao pensamento do homem do campo e as inúmeras contingências do negócio da
agricultura; aspectos já estudados por Bordenave (1988, p.20-21) e que determinam as situações
de comunicação.
6.3.O terceiro bloco e seus formatos
O terceiro bloco pode conter a primeira parte de uma grande reportagem ou eventualmente
preparar o espectador para ela. Por isso este bloco também pode trazer reportagens
comportamentais que abordam assuntos da cultura regional, como festas e culinária.
O início do bloco ganha mais cores quando se abre com a agenda de eventos da semana.
Isto porque a agenda no Globo Rural tem um formato que foge ao padrão dos quadros com
caracteres: mostra os cartazes dos eventos que notícia. Ao exibir estes cartazes podemos observar
126
http://afiliados.submarino.com.br/business/i_firstchapter.asp?pid=178776&prodtypeid=.
127
que o programa expõe com originalidade os signos regionais-culturais das comunidades e por
extensão seus principais produtos agrícolas.
Segundo o editor da secção de cartas César Dassie (DASSIE, 2008, n.34) este formato
advém dos pedidos de espectadores que geralmente enviam material de propaganda (o cartaz ou
folheto) para a divulgação de festas, exposições, leilões, seminários, dias de campo, feiras e
rodeios dos seus municípios. O material chega pelo correio e é cuidadosamente desdobrado pela
produção (quando não havia os recursos de edição por computador, se podiam ver as dobras do
papel), filmados e editados com o efeito de “virar a página”. 127
A narração da “agenda-cartaz” é feita pelos apresentadores de maneira alternada, sendo
informados os nomes dos eventos, a cidade e o Estado. A agenda também pode ser desmembrada
em duas partes, principalmente em meses de festas juninas: num momento do programa entram
só os seminários e congressos, e em outro, as festas e exposições.
O formato da agenda difere da lapada, pois demanda a produção de um infográfico: os
cartazes dos eventos aparecem num fundo verde no padrão de folhas. Em alguns casos a agenda
pode introduzir uma reportagem do programa.
A partir da agenda é criada a oportunidade para a retomada de um antigo tema e o
estabelecimento de uma nova posição em relação a ele. Por meio da reportagem, previamente
produzida, se busca a sua atualização e o registro da reportagem anterior. É como se “um formato
puxasse o outro” acentuando a dinâmica da linguagem coloquial que o programa se propõe a
apresentar.
Estes “ganchos” entre formatos e reportagens são muito usuais no Globo Rural que mantém
um arquivo variado. O que não deixa de ser uma prática de composição muito bem-vinda. Por
meio da atualização (que no telejornalismo é chamada de suíte) se investe na memória do
espectador a fim de produzir uma resposta sensorial que acrescente interação e credibilidade ao
programa.
Do primeiro ao terceiro blocos do Globo Rural temos então reportagens e quadros de
serviços que variam muito em formato e tamanho. Eles mantêm a estrutura fragmentada do
127
Segundo Dassie, por mês, em média, o programa recebe três mil e quinhentos e-mails de espectadores e trezentas
e cinqüenta cartas enviadas pelo correio sendo que este número baixa nos meses de janeiro a março quando há
reprises das melhores reportagens do ano anterior.(DASSIE, 2008, n34)
128
telejornal se alternando pelos blocos em intervalos de tempo que vão de um a dez minutos. No
último bloco do programa esta estrutura ganha um novo formato: a grande reportagem.
6.4. O quarto bloco e seus formatos
O quarto bloco do programa geralmente é reservado à grande reportagem (e atualmente o
terceiro bloco também) e sua entrada neste ponto do programa determina a mudança no cenário e
na apresentação.
Mas a importância deste formato não está, como poderia se pensar, só no tamanho da
produção visto que ela às vezes tem dez, doze minutos - o mesmo tempo de algumas reportagens
do primeiro bloco. A grande reportagem é um formato no qual está depositada a cultura
jornalística da equipe do Globo Rural. Por meio dela podemos reconhecer os modos de produção
disponibilizados pela emissora e uma certa liberdade de estilos que dá a cada jornalista a
possibilidade de compor um texto mais autoral.
Os temas das grandes reportagens do Globo Rural têm uma extensão social abrangente e
possuem forte apelo histórico e técnico exigindo contextualizações que invariavelmente lançam
mão de gêneros e formatos diversos despertando a fruição pelo assunto, ao nosso ver, a marca do
estilo do telejornalismo rural criado pelo Globo Rural.
A grande reportagem se relaciona a um modo de produção de jornalismo que exige a
aplicação de muitos recursos técnicos e humanos e por isso mesmo é pouco utilizada no
telejornalismo diário. Muitos dizem que ela está mesmo em extinção dentro do gênero telejornal.
Como formato, dentro do Globo Rural, a grande reportagem é também chamada de
“reportagem de encerramento” ou “mini-documentário”. Ao conversarmos com os jornalistas da
redação percebemos que nem sempre este formato é previamente determinado. Ele é resultado da
própria logística das viagens estabelecida em anos de prática de jornalismo rural que permite aos
repórteres adequar o tempo da produção, um expediente que lhes é dado pela chefia do programa.
No Globo Rural de domingo, as grandes reportagens (ou a reportagem em profundidade)
são realizadas pelos repórteres fixos do programa. Têm em média vinte minutos e hoje ocupam
dois blocos do programa. Mas podem chegar a 50 minutos no formato “documentário” ou seja,
129
quando o Globo Rural dá prioridade para a exibição da grande reportagem, em todos os seus
blocos, subvertendo ou subtraindo todos os outros formatos em função desta produção.
Este formato foi muito utilizado no início do Globo Rural. Em função das viagens e da
existência de uma única equipe, as chances de produzir várias reportagens por edição eram
mínimas favorecendo o investimento em grandes produções. De outro modo, quando o material
ficava tão extenso que ultrapassava o tempo do programa, se criava uma série. Um recurso que
até hoje é válido.
A produção do documentário é realizada pelo Globo Rural em ocasiões especiais. O
primeiro documentário foi feito por José Hamilton Ribeiro baseado em um livro da sua autoria:
Senhor Jequitibá(1979). Ele foi exibido em 24 de setembro de 1989, no programa de número 500
128
. Como exemplo recente temos o documentário sobre a região do Jalapão, no estado do
Tocantins(2008), feito por Ivaci Matias e Francisco Mafezzoli Jr .
Já a Tropeada do Globo Rural (2006) é exemplo de série e foi veiculada em várias edições
do programa. A equipe em companhia de tropeiros percorreu 1.760 quilômetros de Córdoba, na
Argentina, seguiu pelos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná até São Paulo. A
série foi uma produção conjunta e teve a participação de todos os repórteres do programa da
redação paulista.
Para Rezende (2000, p.115 e 118) a existência na Rede Globo de programas de
documentário (como o Globo Repórter) ou de jornalismo especializado (e o autor dá como
exemplo o Globo Rural) se justifica pela necessidade de tratar alguns assuntos com mais
profundidade, o que não é possível nos telejornais, especialmente no Jornal Nacional.
Para compor uma grande reportagem os jornalistas do Globo Rural certamente dispõem de
um tempo maior de produção e exibição, fato raro no telejornalismo diário. Eles utilizam muitos
recursos de edição, grafismos e imagens de arquivo, mas, como se pode observar o objetivo
basicamente é reportar, no sentido mais literal da palavra, “referir-se”, “relacionar-se”
(AURÉLIO, 1986, p.1489), viajar da sede da redação na capital paulista para cidades do interior
dos diversos Estados brasileiros ou para o exterior em busca dos personagens, das imagens, da
informação.
128
http://globoruraltv.globo.com/GRural/0,27062,4378,00.
130
De acordo com Ana Dalla Pria e Jorge dos Santos, os repórteres permanecem muitos dias em
viagem e são responsáveis pela logística da equipe que pode chegar a quatro integrantes. A meta
também é garantir a qualidade de áudio e vídeo do produto final.(DALLA PRIA, 2007, n.11);
(SANTOS, 2008, n.26)
A produção em externa de uma grande reportagem dura de uma semana até quinze dias de
viagens. Ela antecede uma pesquisa apurada (da qual o repórter também participa juntamente
com os produtores do programa), mas em alguns casos esta produção pode levar meses, ou anos,
como a realizada nos ninhais da região do Pantanal do Mato Grosso do Sul129. Depois das
filmagens há outro período de quinze dias para decupagem, redação, edição 130 e pós-produção.
Neste tempo há produções paralelas que são feitas em função de completar a informação dada na
grande reportagem ou mesmo com o objetivo de se investir num produto final mais elaborado.
Por meio de verbas específicas para tal ou contando com a colaboração de artistas, o Globo
Rural investe em músicas compostas especialmente para as reportagens, na participação de atores
e populares em esquetes, na dublagem e em outros elementos que compõem um formato de
grande reportagem do programa (ARAÚJO, 2008, n19).
Todas estas características da produção da grande reportagem no Globo Rural nos remete
ao conceito de documentário.131 Mas também contamos com uma provocação: o uso do jargão
“mini-documentário”, na redação do Globo Rural como sinônimo de grande reportagem.
Pelo que pudemos apurar, o formato documentário se tornou um dos sinônimos da grande
reportagem no Globo Rural por causa do formato, com tempo maior de exibição e porque
geralmente é realizado por um repórter e um cinegrafista, o que o torna mais autoral. Isto não
129
A produção desta grande reportagem durou cinco anos. Durante este tempo a equipe do Globo Rural viajou sete
vezes ao Pantanal, para registrar a reunião dos pássaros, o namoro, a cópula e a luta dos adultos para conseguir
alimentos para os filhotes. Os repórteres andaram a pé, a cavalo, de carro, de barco e de balão. A reportagem foi
exibida em comemoração aos 20 anos do programa.
130
A edição é feita pelos próprios repórteres de acordo com um arranjo trabalhista feito com a editoria do “Globo
Rural” e a diretoria da Central Globo de Jornalismo, segundo nos informou Gabriel Romeiro.
131
De acordo com Marques de Melo, Gomes e Morais o documentário como gênero jornalístico tem como
características: o caráter autoral, o uso de documentos como registro (imagens, fotos, filmes, vídeos, depoimentos
etc), a ampla utilização de montagens ficcionais; a não obrigatoriedade da presença de um narrador (o que não
acontece na reportagem) e uma veiculação praticamente limitada aos canais de TV educativos ou por assinatura.
Enquanto a reportagem busca ser objetiva, o documentário carrega em si o ponto de vista do diretor. Disponível em
http://reposcom.portcom.intercom.org.br/dspace/bitstream/1904/4655/1/NP7MELO.pdf
131
quer dizer que este formato televisivo se submeta a todos os elementos clássicos da teoria
cinematográfica que conceitua o documentário, visto que este sugere uma adaptação daquele.
No veículo televisão, esta hibridação entre os gêneros é flagrante (o telejornal e o
documentário são gêneros da categoria informação) o que também nos indica que a definição dos
gêneros jornalísticos é um desafio que está longe de acabar. Mesmo a partir desta definição
acreditamos que o jargão não será utilizado de maneira inconteste.
Neste tópico, o nosso objetivo foi descrever o formato já consolidado de edição do Globo
Rural e seus principais gêneros/formatos telejornalísticos. No próximo módulo aprofundaremos
esta análise a partir da reportagem e de mais dois formatos do telejornal no Globo Rural, a
vinheta e a apresentação, relacionando as mensagens às situações de produção e aos seus autores.
Por fim, devemos registrar como elemento do último bloco do programa o encerramento.
Ao fim da grande reportagem, e do programa, um dos apresentadores lê a informação do pé da
matéria e outro introduz o assunto da próxima grande reportagem (evidenciando mais uma vez a
importância deste formato). Ao se despedir destacando o assunto do “do domingo que vem” o
apresentador lembra ainda que o Globo Rural também tem uma edição diária: “volta amanhã, às
seis e cinco da manhã”. Não há vinheta de encerramento: a câmera se afasta enquanto sobem os
créditos sobre as imagens do estúdio.
6.5. A vinheta de abertura, a apresentação e a reportagem na análise dos formatos
do Globo Rural
6.5.1. Vinheta de abertura
O significado das vinhetas de televisão tem sido analisado de muitas maneiras diferentes.
Historicamente a vinheta surgiu com uma função: identificar por meio de
um logotipo o
programa dentro da grade de programação.
Os primeiros gráficos utilizados em televisão eram basicamente cartelas fixas com as
imagens e os textos referentes ao programa e seus patrocinadores, desenhadas por um artista
gráfico, filmadas por uma câmera. De acordo com Machado (2005, p201) foi a CBS norteamericana que introduziu este conceito de identidade visual da rede, apostando na idéia de que a
132
consistência do design gráfico era a melhor maneira de construir uma reputação de qualidade
para a empresa televisual.
O videografismo foi adotado desde o início da formação da Rede Globo e quando houve o
desenvolvimento da tecnologia de computação gráfica as vinhetas dos programas da emissora já
apresentavam um nível de concepção elevado.132
Em TV, o perfil de um programa e da sua audiência interfere na escolha das suas formas
de expressão. A primeira vinheta de abertura do Globo Rural (DPGRU, vinheta , n1a) foi feita a
partir da edição de imagens de fotos onde se viam propriedades rurais e trabalhadores em
diversas atividades.
A vinheta tinha dezesseis segundos e a sua trilha tinha duas frases musicais que iam de
um compasso moderado ao crescente, executadas no violão eletrônico. O ritmo da música
ganhava mais cadência quando aparecia a imagem de uma colheitadeira de soja indicando a nova
dinâmica que a tecnologia imprimia ao campo. A edição das imagens ficava mais rápida no fim
quando surgiam, junto com o logotipo da emissora, vários closes de grãos. O locutor da
programação anunciava - “Rede Globo apresenta: Globo Rural” (DPGRU, vinheta, n 1b). Os
efeitos de edição são simples, mas modernos para a época, com fusões e a utilização de
“cortinas” horizontais e verticais. 133
Esta vinheta colava-se às imagens da escalada do programa. O apresentador em off
chamava para as principais reportagens e assuntos da semana. As imagens, extraídas das próprias
reportagens seguia o padrão do telejornal e tinham muito movimento. Ao contrário da vinheta de
abertura, a escalada abusava dos efeitos de edição. (DPGRU, vinheta n 1b).
A segunda vinheta de abertura do Globo Rural de autoria de Ivo Alves (que hoje faz parte
do Departamento de Videographics), tinha uma concepção bastante diferente da primeira
(DPGRU, vinheta, n2). Explorava intensamente a musicalidade e os cenários das grandes
132
No Brasil, a empresa que investiu mais pesado no grafismo televisual foi a Rede Globo, uma das pioneiras,
mesmo no plano mundial, da utilização, modelação e animação por computador na elaboração de seus spots e
vinhetas.(...) Dos logotipos animados da Globo às aberturas de novelas e telejornais, o trabalho comandado por
Donner é , em geral, sofisticado e bastante informado(MACHADO, p202).
133
A vinheta tinha a seguinte seqüência: Foto aérea de uma fazenda, curva de nível + zoom on (fusão)/ Trator
pulverizando (fusão) / Trabalhadores da cana-plano médio (cortina esq. p/ direita)/ Colheitadeira de soja (fusão) /
Mulher colhendo café -plano americano (fusão)/ boiada - plano geral + zoom on (cortina cima para baixo)
/
trabalhadores na enxada + LOGO “Globo” + zoom out (fusão)/ Espigas de milho debulhadas - close + LOGO (fusão
fast)/ Galho de fruta + LOGO completa “Rural” (fusão fast)/ Grãos de café - close (fusão fast )/ Mantém LOGO
(DPGRU, vinheta, n1a)
133
reportagens, as cores da natureza e a iluminação. A vinheta de quarenta e seis segundos é a mais
famosa do programa. Tinha como tema a música “Luzeiro” de Almir Sater, compositor até então
desconhecido do grande público.
Ela começa com um trecho da música onde os acordes na viola são ricos e rapidamente
ponteados. A primeira imagem é a do sol surgindo no horizonte. Em fusão, esta é sobreposta por
outra semelhante, no meio do vídeo: é o logotipo da Rede Globo, chapado, na cor amarela, num
fundo sombreado de vegetação. Como se a esfera da emissora tomasse o lugar do sol.134
Diversas imagens de animais correndo são utilizadas na edição. Mas não somente para dar
idéia de movimento, dinamismo e força. Estes quadros surgem em alguns momentos da
seqüência com eixo invertido: um recurso muito utilizado em clips nos anos 80 para dar idéia de
que os personagens mudaram de direção.
Entre as imagens da vinheta, extraídas das grandes reportagens do programa, destacamos
aquelas que foram criadas ou mais exploradas pela equipe do Globo Rural e se tornaram uma
“fala do rural” no programa: o sol, o movimento de grãos caindo em close (sugerindo fartura e
produtividade), as imagens de boiadas correndo (captadas de uma altura poucos metros acima dos
animais), das paisagens das estradas (captadas de dentro do carro), dos trabalhadores e suas
feições, das festas populares e seus personagens. .
A vinheta “Luzeiro” tem muitas imagens em primeiro plano e closes o que pressupõe
proximidade, intimidade, uma estética em sintonia com a proposta editorial do programa que se
propõe a estar onde o produtor está. Nesta vinheta vemos pela primeira vez o merchandising e os
créditos da produção135.
Nos anos noventa, surge uma estética modernizadora, um padrão tecnificado nas cores
prata e azul que marcam a programação da Rede Globo. Em Petrini (2004) 136 vemos que o
134
O sol propriamente aparece em toda a edição, captado em ângulos diversos, se levantando em vários pontos do
Brasil. É um sol “observador” que do alto emite luz e claridade revelando o intenso movimento dos trabalhadores,
das máquinas, dos animais e da natureza. São cenas feitas com enquadramentos cinematográficos, algumas aéreas,
onde também se observam flagrantes.
135
O merchandising, ou seja, a prática de marketing na qual a marca ou a imagem de um produto ou serviço (no
caso, a vinheta do programa Globo Rural) é utilizada para vender outro, fica por conta da Indústria de motores e
máquinas agrícolas “Agrale”. São quatro imagens de máquinas sendo o nome da marca aparece duas vezes gravado
nos tratores vermelhos que circulam pelas plantações.
136
“Um estudo crítico sobre os significados das vinhetas da Rede Globo” de Paulo Petrini está disponível em
:http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/viewArticle/1568.
134
tratamento digital da imagem na TV cresce à medida que a pesquisa para o aprimoramento da
transmissão via satélite avança. O autor dialoga com Machado ao dizer que a passagem da
linguagem analógica para a digital pode ser entendida nos estudos do gênero como a
transformação
de
uma
televisão
predominantemente
figurativa
para
uma
televisão
predominantemente gráfica. No caso da Rede Globo, Petrini ressalta que “as aberturas de
programas e as vinhetas de cunho promocionais são elaboradas com uma técnica mista: em
videoteipe e imagens sintéticas” (PETRINI, 2004, p.125).
A partir dos anos 1990, Hans Donner, Nilton Nunes e Capi Ramasini voltam ao tema
“Luzeiro”, de Almir Sater, em outras versões de vinhetas do Globo Rural (DPGRU, vinhetas, n3
e n 4). As novas edições passaram a privilegiar o homem, aves e animais em seus ecossistemas,
registrados em inúmeros flagrantes, possibilitados pela melhoria da qualidade técnica dos
equipamentos da transmissão e da captação das cenas (câmeras Betacam , Beta-digital,
microfones etc),.
No ano 2000 a vinheta mais representativa é aquela que marca os vinte e cinco anos do
programa (DPGRU, vinheta, n6), apresenta a logomarca do Globo Rural em fundo branco, com o
número 25 em verde à esquerda do vídeo.
Já no formato atual, pudemos comprovar que os elementos da vinheta de abertura do
programa Globo Rural (DPGRU, vinheta n7a) sofreram poucas modificações conceituais por
trazerem uma identificação muito intensa com o hábito e a expectativa do telespectador do
horário. A mudança mais significativa é uma intervenção da escalada no formato da vinheta que
parece separá-la em duas partes.(DPGRU, vinheta n7b). Mas numa análise este fato não causa
uma ruptura na linguagem, pois a escalada, que também é um elemento de abertura do
jornalismo, é introduzida no mesmo tom e propósito. O resultado é uma hibridação. 137 O destaque
é um feixe verde de luzes que risca os caminhos e o ar como ondas de transmissão. Passa por
dentro de parreirais e de campos deixando um rastro como se tivesse um destino certo. E é claro
que ele tem. O estúdio do programa Globo Rural, mais propriamente sua bancada de
apresentação que reproduz os mesmos elementos.
Pelo movimento dos personagens (homem no trator, animais etc) o feixe luminoso passa e
não desperta surpresa: ele interfere no ambiente (seu reflexo é reproduzido no rio, por exemplo),
137
A escalada tem o BG da vinheta e é composta por chamadas dos apresentadores em off e a participação dos
próprios repórteres (teasers) nos locais das matérias A trilha parece ter sido alterada, mas segundo Gabriel Romeiro,
a base é a mesma de "Luzeiro", de Almir Sater, com um novo arranjo de Leonardo (Leo) Matsumoto.
135
mas parece que já faz parte dele. Observando os conceitos que perpassam pelas funções
mercadológicas das vinhetas de abertura e pela imagem que a emissora vende dela mesma,
destacados por Petrini (2004, p132), temos na vinheta do Globo Rural um “retrato” institucional
da Rede Globo e do programa, ou seja: 1) o Globo Rural é parte do mundo rural; 2) sua produção
televisiva nasce do contato com as coisas da terra; com a região 3) O programa é um
representante do padrão de produção e transmissão conquistado pela Rede Globo.
6.5.2. Apresentação e cenário
Apesar do Globo Rural ter uma temática que privilegia a diversidade cultural e regional, o
seu primeiro formato de apresentação adotava o padrão do telejornalismo nacional da Rede
Globo. A tendência era reduzir ao máximo as diferenças regionais criando um estilo único de
linguagem e evitando a presença de sotaques, principalmente na apresentação.
O apresentador do Globo Rural, que na época era o repórter Carlos Nascimento, se
movimentava num fundo “branco” entre bancadas de acrílico transparente. Não dispunha de
recursos cenográficos para compor ou dar um “tom rural” ao programa; somente a voz e a
aparência pessoal (carisma, porte físico, cabelo, roupas ).
Em uma entrevista ao repórter Alberto Gaspar (DMGRU, Memória, n.4) Nascimento se
lembra da expectativa para a estréia do Globo Rural e da primeira reportagem exibida, sobre o
cerrado brasileiro. Ele vestia um terno verde sem gravata. Tentava dar à apresentação um estilo
mais informal, apesar da presença da bancada, símbolo do púlpito pelo qual o telejornalismo
falava às pessoas de todo o Brasil.
Em 1982, o formato do Globo rural sofreu mudanças e ganhou dois apresentadores (os
jornalistas Wellington de Oliveira e Sérgio Roberto Ribeiro que substituíram Carlos Nascimento
na apresentação) e a editora Olga Vasone passou a apresentar a seção de cartas. Já no fim da
década, em 1988, um casal de jornalistas estava apresentação. O programa tinha uma cenografia
que fugia ao padrão anterior, com uma bancada única feita de madeira, vasos com plantas e uma
tapadeira em juta, com o logotipo do programa posicionado à direita do vídeo. A iluminação,
mais intensa e amarela na parte de baixo do vídeo, sugeria um alvorecer. 138
138
Pelas imagens não há como saber se o teleprompter era ou não utilizado permanentemente; o fato é que os
apresentadores aparecem lendo o roteiro das cabeças das reportagens. Neste formato observamos que não há
escalada depois da vinheta, somente o “bom dia” da bancada seguido de um breve editorial.
136
A cenotécnica do Globo Rural se restringiu durante muitos anos à combinação de planos
americanos e closes, determinados pelo clássico posicionamento no estúdio de três câmeras.
Quando os anos noventa avançaram, novos recursos de computação gráfica, de efeitos de luz e
mecanismos de efeitos especiais foram sendo incorporados à rotina de produção dos estúdios da
Rede Globo. Os projetos cenográficos ampliavam o espaço do estúdio, as bancadas e os
enquadramentos. O uso de materiais alternativos como o acrílico, o metal, e painéis fotográficos,
foi difundido. No Globo Rural, assim como nos telejornais da rede, os back ligths e outros efeitos
de iluminação criavam uma atmosfera muito branda, como se a luz da manhã invadisse o estúdio.
Atualmente um casal de apresentadores (Helen Martins e Nelson Araújo) faz a gravação
das cabeças do Globo Rural no estúdio da sede da Rede Globo em São Paulo. No local foi
montado um grande cenário com dois ambientes que aqui chamamos de cenário “um” e cenário
“dois”
139
. A cenotécnica dos telejornais da Rede Globo hoje simula a iluminação equivalente à
hora do dia em que o programa vai ao ar. Para o Globo Rural este padrão se tornou uma
vantagem, pois o programa é gravado na sexta feira às sete horas da noite. O apresentador Nelson
Araújo acredita que a ambientação ajuda a manter o tom “prá cima” daquele que seria o “bom
dia” ideal para uma manhã de domingo (DMGRU, Memória, n.4). Para Machado (2005, p 126)
este padrão faz parte da “poética da transmissão ao vivo” (desenvolvido quando a televisão ainda
operava somente neste formato) permanecendo no telejornalismo como um traço distintivo dentro
do universo do audiovisual.
139
O cenário atual tem um conceito bastante orgânico, dispensa os painéis com fotografias usados até então, e utiliza
linhas puras e ondulações provocando um olhar de continuidade e movimento entre os elementos cenográficos. A
representação é de um horizonte com vários matizes de verde, como se o espectador avistasse lavouras adiante. No
centro do cenário estão duas bancadas ovais e ligadas entre si por um feixe prata, copiando o feixe de luz verde da
vinheta. À esquerda e à direita do vídeo há dois totens transparentes sustentados por estruturas metálicas
(semelhantes as dos equipamentos de irrigação) onde há texturas e cores dispostas umas sobre as outras simulando
um solo estratificado, sementes, pedras; camadas de terra que sofreram a ação do tempo e do homem; que vem de
encontro com a idéia de maturidade do programa. A partir do quarto e último bloco os apresentadores se
“movimentam” e aparecem no cenário “dois” (até 2005 a despedida era feita da bancada) que é composto por uma
plataforma de madeira clara e tem um degrau que o circunda. Neste espaço concêntrico os apresentadores são
posicionados em duas poltronas com uma TV ao meio. É um ambiente mais informal, já que o último bloco traz a
grande reportagem: uma história mais longa e cheia de fatos surpreendentes que pede ao espectador que se acomode
mais demoradamente no sofá. A passagem do cenário “um” para o cenário “dois” é feita por um movimento da
câmera, enquanto, das poltronas, os apresentadores chamam a grande reportagem do quarto bloco.
137
6.5.3. Reportagem
A apresentação, a vinheta e o tema musical de abertura do telejornal hoje são tão
importantes quanto a notícia na hora de conquistar o espectador. Mas nos anos oitenta, o Globo
Rural, com um cenário pobre em elementos e padrão de apresentação rígido, talvez não apostasse
tanto nestes formatos para cativar o público matutino.
Acreditamos que o seu maior esforço de persuasão se concentrava nas reportagens, em
produções que falassem diretamente ao brasileiro do interior, que valorizasse suas raízes e seu
modo de pensar.
Ancorado no caráter testemunhal da reportagem, o Globo Rural elegeu o gênero do
telejornal para apresentar o homem do campo e a realidade multifacetada da agricultura
brasileira.
Com o tempo, estas formas de contar histórias e informações criaram um estilo dentro do
gênero. O dia-a-dia da produção do telejornalismo rural originou formatos especiais para cada
tipo de assunto, se transformando em modelos de interação com o público.
Este resultado certamente foi fruto do trabalho de jornalistas e de profissionais que, entre
outras características, se diferenciaram pelo caráter humanista de atuação.
Segundo Pereira as mudanças no formato do Globo Rural tinham a ver com o estilo do
homem do campo; “seja ele o maior fazendeiro do país ou o mais humilde trabalhador rural,
desconfia de tudo que é muito rápido”.
As reportagens passaram então a dar mais ênfase ao lado humano dos
trabalhadores rurais e esteticamente o programa investiu numa linguagem com
referências cinematográficas, que se aproximava da usada em documentários, com
longos planos-sequência e com mais imagens captadas em primeiro plano.
As entrevistas passaram a ser feitas com microfones sem fio, na época um recurso
técnico muito avançado que contribuía para criar um clima de informalidade entre
repórter e entrevistado. Houve também uma mudança de ritmo. A equipe começou
a buscar um timing característico para o texto e as imagens das matérias,
estabelecendo uma narrativa mais desacelerada e mais expositiva do que os
demais jornalísticos da Rede Globo.140
Um dos maiores exemplos do formato desenvolvido pelo Globo Rural é a reportagem
“Boiada”, feita no início do programa, em 1984, mas que até hoje é considerada um marco da
140
http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-238203,00.html
138
televisão brasileira na representação do gênero rural. “Boiada” (DMGRU, Boiada,n8) celebrizou
a grande reportagem no programa sendo exibida em nove semanas. A equipe do Globo Rural
formada pelo repórter Carlos Azevedo, três repórteres cinematográficos, que se alternavam, e um
reduzido grupo de assistentes, acompanharam uma comitiva de sete peões para levar mil e
trezentos bois pelo pantanal mato-grossense. A reportagem durou 67 dias (com três meses de préprodução) até que fosse feita a última cena: os peões voltando para casa na boléia de um
caminhão boiadeiro.
Num especial sobre a reportagem (DMGRU, 2005, n8) José Hamilton Ribeiro ressalta o
impacto de “Boiada” nos telespectadores e apresenta Azevedo como o autor da façanha. Mesmo
depois de vinte e um anos da sua exibição, Ribeiro diz que muitos espectadores ainda se lembram
da reportagem, mas inadvertidamente dão o crédito a ele que também fez reportagens sobre o
Pantanal. Carlos Azevedo ressalta a representatividade de “Boiada” como importante documento
audiovisual do gênero, pois embora a boiada fosse um assunto corriqueiro na cultura brasileira, o
público ainda não conhecia a imagem de uma boiada viajando:
A matéria colocou, de certa maneira, esta imagem no imaginário popular do
Brasil através da televisão e ela passou a ser uma referência da televisão, tanto é
que, a partir daí , nas novelas e tudo, as imagens do ‘rural’ passaram a ser
ligadas àquela coisa que envolve a boiada, etc. Então, eu acredito que esta
reportagem trouxe um ganho para a estética da televisão” ( DMGRU,
2005,n.8).
Entre os elementos clássicos de “Boiada” estão as imagens dos animais em close e bigclose (olhos, patas, lombo, músculos e chifres) e do rebanho em movimento (nadando, correndo);
as entrevistas feitas “caminhando” sem microfone direcional; o uso de imagens aéreas, a mistura
de trilhas musicais regionais e peças eruditas; e as passagens do repórter montado à cavalo.141
141
Como no pantanal o cavalo era o único meio de transporte possível, os repórteres tiveram que aprender a montar.
A situação acabou dando origem a uma técnica de ambientação e captação de imagem hoje muito utilizada pelos
cinegrafistas do Globo Rural, ou seja, montar em um outro animal, virado de costas, de forma a registrar o repórter
de frente; o que sem dúvida exige uma sincronia de movimentos , para se manter no lombo do animal e na operação
do equipamento, além da ajuda de um outro cavaleiro conduzindo a produção.
139
6.5.3.1. Um roteiro de reportagens: um modo de produção.
As reportagens são a espinha dorsal do programa Globo Rural e, é por meio delas que os
quatro blocos do programa são montados. Elas também possuem funções e identidade específicas
dentro do programa. Por isso, o roteiro de produção das equipes para viagens está diretamente
condicionado a estes formatos pré-definidos.
Uma equipe geralmente executa uma “reportagem de abertura”, duas ou três “cartas” e
uma grande reportagem (SANTOS, 2007, n26). De acordo com Dalla Pria este roteiro de
produção vai de encontro ao formato do programa, mas isso não impede uma mudança de planos.
Se a matéria técnica (geralmente uma reportagem de abertura) tem uma riqueza de personagens
ou desdobramentos sociais, ela pode virar uma “matéria de encerramento”, uma grande
reportagem. (DALLA PRIA, 2007, n11).
Combinadas a outros gêneros ou ainda ganhando todo o tempo de produção, as reportagens
ajudaram a estruturar e a revitalizar o próprio formato do Globo Rural nestes trinta anos. A
profusão de assuntos e países visitados é de dar inveja a qualquer correspondente internacional.
Já no primeiro ano de exibição a equipe do Globo Rural visitou 25 Estados e Territórios
brasileiros e desde então o programa já percorreu os quatro continentes, exibindo reportagens
gravadas em países tão diferentes entre si como França, China, África do Sul, Austrália e Vietnã.
142
Nem tudo o que é vivido, é falado ou mostrado no resultado final das matérias. Mas
acreditamos que a reportagem pode guardar, mesmo de forma escondida, interiorizada, todo o
processo que foi percorrido até chegar ao momento de sua veiculação. Uma reportagem é o
resultado de um caminho que envolve etapas e escolhas, o que significa que há muito trabalho até
o momento em que ela é considerada pronta para ser entregue ao público.
As etapas que compõem esse fazer notícia podem ser distintas de acordo com a
especificidade do meio em que a informação vai ser transmitida. Mas nenhum fato vira notícia
sem passar pelas fases principais que são: a pauta, a apuração (coleta de informações, entrevistas,
captação de imagens), a redação e a edição.
142
Em 26 de abril de 1981, o Globo Rural exibiu sua primeira reportagem gravada no exterior. Era sobre a produção
de maçãs na Argentina feita pelos repórteres Gabriel Romeiro e Jorge dos Santos.
140
Diante da diversidade de assuntos do Globo Rural o que parece à primeira vista é que a
equipe tem uma infinidade de boas pautas à disposição. E tem. Só que nem todas são viáveis.
Como um fruto saboroso a pauta no telejornalismo rural precisa de maturação para virar
reportagem.
A gente tem um sistema bem organizado de arquivo de pauta, de manter as
pautas. O material que recebemos, vai para o computador. No Rio Grande do
Sul eu tenho hoje 118 pautas possíveis. Destas, talvez umas 40 não existem, se
eu for a fundo. Mas as demais são viáveis. Claro que não posso fazer todas em
uma época do ano. Mas estão catalogadas por assunto, região (...)Mesmo pautas
antigas não são excluídas porque podem ter sido aprimoradas. As pessoas não
param de pesquisar.(...) Por isso é importante chegarem coisas aqui. 143
Ribeiro comenta que as boas reportagens começaram a surgir no Globo Rural depois que a
equipe venceu o princípio da inércia da pauta e descobriu a “lei de Newton no jornalismo”:
Quando o ‘Globo Rural’ entrou no ar no domingo com uma equipe muito
reduzida (tinha um diretor, um repórter, um câmera e um editor); Então, o
pessoal se numa semana fizesse duas reportagens boas, punha só uma e
guardava a outra para semana que vem . Porque podia faltar assunto para a
semana que vem. Foi se vendo depois que, ao contrário, quanto mais
reportagens você faz, mais assunto você tem. Tanto que a gente criou no Globo
Rural a ‘lei de Newton no jornalismo’ que é a seguinte: ‘Matéria atrai matéria
na razão direta das pautas e no inverso do quadrado da preguiça!’ 144.
Hoje, mesmo com tantos recursos de comunicação para pesquisa de temas, e mesmo para
uma tomada de decisão (internet, celular, publicações e canais de notícias especializados), a
importância da produção da pauta no jornalismo rural é grande. O trabalho do produtor, desde o
levantamento do assunto, o agendamento das entrevistas e as locações para filmagem e
hospedagem, pode definir o desempenho do repórter em campo e de toda equipe.
Ivaci Matias (MATIAS, 2007, n. 13) diz que no Globo Rural o próprio repórter tem a
liberdade de propor e liderar a pré-produção de uma reportagem. Este tipo de rotina de produção
é adquirida com o tempo e sem dúvida exige muito mais da capacidade de planejamento, de
avaliação e da própria persuasão e motivação do repórter.
Há ainda os critérios de relevância, da qualidade do material e o “elemento surpresa” que
influem sobremaneira no formato das reportagens. Como vimos no roteiro de viagem do Globo
143
www.jornalismocientifico.com.br/artigojornagribusinessjorge.htm
144
Ribeiro atribui esta frase ao repórter cinematográfico Newton Quilichini, de São Paulo. Disponível em:
<http://memoriaglobo.globo.com/TVGlobo/Comunicacao/Institucional/memoriaglobo/CDA/Pop/tvg_cmp_memoria
globo_pop_video/0,33213,172196,00.html>. Acesso em 10 mar. 2006.
141
Rural, de acordo com a importância do tema e as condições de produção, as reportagens ganham
diversos tamanhos. Mas quando se trabalha com televisão, mesmo se estabelecendo previamente
em pauta o tempo médio de duração para as reportagens e os critérios de noticiabilidade, os
ajustes no formato são inevitáveis, pois a tecnologia do equipamento, a qualidade da fita de
gravação, o som, a imagem, as atuações do repórter variam, se alteram, e podem comprometer o
material. Mesmo depois de editadas, é possível que as reportagens tenham uma reedição: são
reduzidas, ampliadas, ganham infográficos ou sonorização. E o que a pauta previu, cai diante das
novas escolhas impostas pelo review.
Há também outra questão específica: quem faz telejornalismo rural viaja para o campo e
está mais sujeito aos imprevistos. Num lugar distante da redação ou da cidade, se há uma quebra
de equipamento ou uma falha na gravação não há como salvar o material, voltar e fazer de novo.
As condições de luz, áudio e temperatura e umidade são diferentes do ambiente urbano. A
reportagem pode ficar menor e com a perda de alguns dos elementos que caracterizam o formato
ideal como sonoras, passagem, imagens com BG.
Do mesmo modo existem circunstâncias em que precisam ser avaliadas as condições físicas
da equipe em ambientes adversos, observando desde o uso de botas, chapéus e roupas que
permitam um conforto térmico até o estoque de água, alimentos, remédios e bloqueador solar. Ao
reportar a criação de lhamas e a vida de criadores peruanos nos Andes a equipe do Globo Rural
relata que enfrentou muitas dificuldades físicas a 4.800 metros de altitude (Fascículo n. 9 - O
melhor do Globo rural, p. 10 e 11).
Nem sempre é preciso ir até os Andes para se deparar com condições adversas. Um pouco
de chuva e barro podem transformar estradas rurais em verdadeiras armadilhas de atoleiros
prendendo toda a equipe dentro do carro até que chegue um socorro. Características e
dificuldades da produção no telejornalismo rural precisam ser assumidas antecipadamente pela
chefia de redação e por toda a equipe.
Para Bataglin é mais pesado fazer jornalismo rural, principalmente em televisão. Segundo
ele a logística rural demanda planejamento específico que é elaborado a partir de duas grandes
variáveis: o tempo e o deslocamento (BATAGLIN, 2007, n. 15). Na maioria das vezes este
planejamento gera uma rotina mais flexível de produção jornalística que permite o maior
envolvimento do repórter com a história.
142
E quem vê as grandes reportagens de Nelson Araújo, de José Hamilton Ribeiro, Ivaci
Matias, Ana Dalla Pria, Helen Martins, Vico Iasi (e mais recentemente César Dassie, Carlos
Dornelles), reconhece que seus diferentes estilos e escolhas transparecem dando aos formatos das
reportagens um caráter autoral.
Estas marcas pessoais também podem ser identificadas na linguagem cinematográfica ou
mesmo na edição. Apesar de parecer que alguns elementos se repetem nas matérias destes
jornalistas, é importante salientar que este padrão pode estar relacionado a uma co-autoria, ou
seja, ao estilo, à forma de expressão do repórter cinematográfico (ou deste grupo) ou ao editor.
No campo, árvores e capins não andam como um belo de um nelore, nem voam
como as araras azuis. O que fazer? Dar vida e criar movimentos de câmera
buscando os seres vivos que não se movimentam: um bom close-up, uma
imagem de baixo para cima, câmera encostada na árvore dando a dimensão de
seu tamanho e altura; observar o vento na folha, flores, frutos, sementes,
visitantes, plantas hospedeiras, orquídeas com flores. Temos que olhar o ser
“imóvel” como ser vivo, que tem detalhes a serem observados. E quem visita
uma árvore, visita um capim, visita uma planta de tomate, de quiabo (SANTOS,
2008, n. 27)
Por meio dos depoimentos se observa que em campo a equipe jornalística funciona como
um organismo dinâmico. Diante das escolhas que precisa fazer para realizar um roteiro ela se
impõe um constante exercício de criatividade.
6.5.3.2. Uma análise das características do jornalismo rural nas grandes reportagens do
Globo Rural
A grande reportagem é um formato nobre do jornalismo que é adotado a partir de
determinadas condições de produção. Elas podem variar de emissora para emissora, mas a sua
estrutura segue de acordo com os estudos de Jespers
145
a regra das três unidades: a unidade de
lugar, unidade de tempo e unidade de ação.
Isto significa que uma grande reportagem será de preferência filmada: a) num único lugar,
claramente identificável através de elementos de cenário; b) num tempo definido; c) à volta da
ação de um número restrito de personagens, as mesmas durante toda a reportagem.
145
Jespers apud Gonsalves, Elisabete. Disponível em: <http://www.ipv.pt/forumedia/4/17.htm>. Acesso em 10 mai.
2007.
143
A narração da grande reportagem segundo o autor tende a realçar a ação das personagens
(geralmente pouco numerosas e claramente identificadas) com as quais o espectador se
familiariza rapidamente e cujas aventuras ele quererá conhecer. O fio condutor da grande
reportagem deve permitir abordar o maior número possível de aspectos da situação ou do
fenômeno do qual se quer dar conta146.
Por meio da análise do discurso e do estilo jornalístico Dassie (1999, p. 166-175)
identificou as características da reportagem do jornalismo rural impresso e que, observadas
empiricamente, também são encontradas no telejornalismo rural.
Ribeiro aponta a existência desta conjunção, entre jornalismo rural impresso e televisivo, a
partir da pragmática jornalística salientando que cada veículo do ponto de vista da forma tem seus
macetes, mas sob o ponto de vista do conteúdo são iguais147.
A partir da análise de Dassie destacamos sete pontos de convergência, identificados pela
nossa pesquisa no programa Globo Rural. Passamos então à sua aplicação como um instrumento
metodológico de caracterização do gênero jornalismo rural na produção do programa rural de
TV.
São características circunscritas às temáticas da C&T e da Tradição e que se relacionam
entre si, visto que cada um dos aspectos são encontrados nas reportagens rurais de maneira mais
ou menos intensa. Segundo Dassie:
1) O jornalista não escreve somente para leitores (ou espectadores) que possuam
alguma relação econômica direta com o campo. Mas também fala para aqueles que tenham
qualquer ligação com o rural, inclusive afetiva (saudades, nostalgia). Esta retrospecção
aparece por meio do melancolismo, marcado por uma linguagem muito mais próxima da
narrativa (DASSIE, 1999, p.166).
Como no caso da reportagem Aboio de Ana Dalla Pria:
Joaquim, João, Raimundo: durante décadas e décadas o canto destes vaqueiros
ecoou pelo sertão do nordeste e norte de Minas. Cantar era um costume dos
homens que conduziam o gado pelas estradas ou dentro das fazendas. Um vocal
improvisado, indolente, com poucas palavras e muito pessoal. Um canto
chamado aboio. Mas afinal pra quê serve o aboio? Prá acalmar o gado? Ou prá
trazer um pouco de beleza à monotonia das grandes caminhadas? ( DMGRU,
2005, n.5)
146
Idem.
RIBEIRO, José Hamilton. Disponível em: <http://www.jornalistasecia.com.br/protagonista08.htm>. Acesso em
16 mar. 2008.
147
144
Temos ainda o exemplo da reportagem internacional sobre o mundo da oliveira, Azeite e
azeitonas, de José Hamilton Ribeiro, que evoca as tradições dos colonizadores e dos imigrantes
portugueses, referências ainda presentes na cultura de milhões de descendentes brasileiros
(DMGRU, 2005, n.7).
Nossa viagem pelo mundo da oliveira, começa na capital portuguesa. Beleza
pra cartão postal, tem de sobra! Tem também a praga de toda a cidade grande, o
trânsito. Só que aqui, o engarrafamento ainda não invadiu de vez a cidade alta,
bairro em que o ‘amarelo’ 148 tem espaço, pra seu trajeto preguiçoso, ladeira
acima. Longe do barulho de carros e buzinas, pode-se ouvir o bom e velho
português, um cântico típico da terra (cantora): ‘Tudo isso existe, tudo isso é
triste , tudo isso é fado’ (DMGRU, 2005, n8)149
2) Observa-se não só a intenção do falante em informar o ouvinte, mas também
revelar facetas das relações sociais, históricas e ideológicas das interlocuções que se
estabelecem entre eles.
Na reportagem onde enfoca uma atividade extrativista, a retirada do coco de babaçu, Helen
Martins mostra, por meio de um parto de uma das quebradeiras, essas facetas:
(HM) O nome: Maria das Dores. Hoje, dores de parto. Maria é quebradeira de
coco de babaçu. É neta de quebradeira. Filha de quebradeira. E espera nove
meses pra ser também, quem sabe, mãe de quebradeira.
(médica)- Olha aqui Maria das Dores! Uma nenezinha. Olha pra cá! Ó, tá
vendo?
(M.Dores) - O que eu mais queria era um filho...
(HM) E é uma menina: Laysa Aparecida, nascida no Maranhão o seu futuro já
pode estar traçado:
(pai)- A única alternativa é esta lá mesmo, dentro do coco, brigando com o
fazendeiro (DMGRU, 2005, n4)
Na matéria sobre a culinária regional, Os segredos da moqueca capixaba, também
reconhecemos esta interlocução, só que sem o uso da metáfora, em outro estilo, mais ligado ao
registro dos tipos locais (DMGRU, 2005, n. 8).
148
O “amarelo” na fala local é o bonde.
Considera-se que estes não são exemplos únicos, mas pertencentes a uma amostragem que permitiu dentro do
vasto material audiovisual identificar tais padrões de construção/características do texto televisivo e revelá-los em
recortes representativos. Esta amostragem pode ser visualizada por meio das planilhas de reportagens nos Apêndices
desta Dissertação.
149
145
Já na reportagem de Hamilton Ribeiro sobre a produção de soro contra o veneno de cobra
no Instituto Butantã, o mundo rural (lugar de conhecimento do mundo natural) se revela pelo
contraste com o ambiente urbano (desprotegido):
São Paulo é a cidade brasileira com mais gente, mais arranha-céu, mais
helicóptero e mais mordida de cobra. A cada semana um dos moradores de São
Paulo baixa ao hospital por ter sido ofendido. Este aqui por jararaca. (...) O
Butantan está completando 103 anos. Neste período chegaram aqui, vindas de
todo o país cerca de um milhão e quinhentas mil cobras. A maioria foi pega e
encaminhada pra cá a título de colaboração pelo povo dos sítios e das fazendas
(DMGRU, 2005, n.3 ).
3)O jornalista se coloca não apenas como narrador, mas como participante
constitutivo do diálogo na reportagem. Outro aspecto deste diálogo (principalmente em
matérias da Tradição) é a fala caipira. Um dizer não lapidado pelo jornalista com a
manutenção de verbetes peculiares ao homem do campo (assim sendo temos o uso de
apelidos e alcunhas, interjeições, reducionismos)(DASSIE, 1999, p.168).
Isso se observa em vários trechos das reportagens do Globo Rural. Um dos exemplos é a
reportagem Rio Capibaribe, feita no município de Poção-PE, por Vico Iasi (DMGRU, 2005, n.
12).
Há um ponto do diálogo-entrevista em que a fala adotada pelo jornalista do Globo Rural
vai, na verdade, sendo absorvida no ritmo da fala do seu interlocutor. Isto também acontece na
reportagem da Pêra japonesa (DMGRU, 2005, n. 6), em que o jornalista na entrevista com um
agricultor japonês adota frases curtas e sem artigos, numa fluência muito rápida , característica à
fala oriental.
Em outro trecho da reportagem O mutirão do porco (DMGRU, 2005, n. 3), temos mais
exemplos da fala caipira na entrevista e no texto da reportagem do Globo Rural, assim como o
uso (e a explicação) de muitos apelidos e outras expressões locais.
O resto da família mora ‘tudo em volta’ de Dona Tide, ocupando fazendolas
pela encosta da serra. Esta é de Otacílio, criador e negociante de gado, catireiro,
como se diz aqui, e que hoje veio ajudar o irmão solteiro na amansação de uma
mula.(...) Quase que o favor custa um tombo, presta atenção: A mula vai
‘escurregá’, a barrigueira se ‘arrebentá’, mas ‘cum’ elegância Otacílio consegue
evitar a queda (DMGRU, 2005, n.3).
Neste tópico observamos que por vezes o repórter não se manifesta como um participante
constitutivo pela sua fala, mas por um sentimento de intimidade, de pertencimento, como
146
declarou a “paranaense-nordestina” Ana Dalla Pria numa entrevista ao repórter Alberto Gaspar
(DMGRU, 2005, n. 4).
4) O bucólico, a nostalgia e a valorização do folclore e da cultura dão um caráter
duradouro à reportagem. Em sua opacidade se encontra a passagem de uma esfera
jornalística para a literária. Busca-se a transposição do efêmero para o duradouro. Da
isenção do jornalista para um possível envolvimento junto às fontes e ao leitor, num jogo de
cumplicidade (DASSIE, 1999, p 169).
Numa reportagem que abordou a fabricação da farinha de milho, usada na polenta, prato
típico italiano, temos o exemplo de uma conversa junto ao fogão, comum em tantas famílias
brasileiras (DMGRU, 2005, n. 5).
No fogão à lenha de Dona Carmem a comida continua apurando. Ela é cozinheira
acostumada com mesa cheia:
(DC)-Aqui em casa, é uma casa que vem bastante gente: ‘prefessora’, vem padre,
quando tem alguém que foi na escola, vem aqui em casa; aí na cooperativa, se tem
algum que precisa comer, vem aqui em casa, e por quê?
(HM)-Deve ser porque a senhora é boa cozinheira!
(DC)-Sei... eu acho que sim, né?
(HM)-Se não vinha uma vez e não voltava mais!
(DC)-É...
(HM)-E cozinhar para um bando de gente, não é difícil, não é problema para a
senhora?
(DC)-Não, não é não! Pra mim problema é quando tem uma doença dentro de casa
ou quando acontece uma morte. Aí eu levo as coisas prá frente, com fé em Deus,
né? (DMGRU, 2005, n 5).
Numa versão mais descritiva de tais aspectos duradouros destacamos o exemplo da
reportagem de Nelson Araújo:
Nas águas do grande Rio Grande, espelho de gotas de luz, o verde vira prata. A
tarde doura a maritaca. Na balsa que serve de ponte o entusiasmo se dilata. O
vôo da garça conduz o olhar para a linha da mata, aba do sereno horizonte que a
montanha arremata. Depois de uma viagem de quase quinhentos quilômetros a
partir de São Paulo a gente chega em Delfinópolis, divisa com Minas Gerais.
Onde quer que se esteja aqui a vista principal é silhueta da Canastra. Em que
147
pese a lamentável, precária, situação das estradas, cruzar os flancos da serra é
como entrar pela moldura de um quadro. Uma paisagem que descansa. Na pedra
a vegetação se acomoda. A água brota inocente e se arroja nas corredeiras. Além
das cachoeiras das águas cristalinas, do relevo de ondulação suave, esta região
da Canastra apresenta ainda dois cenários, que enchem os olhos da gente: os
paredões que chegam a cem metros de altura e os vales harmoniosos
serpenteados por grotões e restingas bem preservados (DMGRU, 2005, n. 3).
Em outro exercício da forma Nelson Araújo e Priscila Brandão produzem toda a reportagem
em versos. A reportagem fala de um grupo de homens e de mulheres que vão ajudar um vizinho
de terras, numa espécie de mutirão-surpresa, chamado Traição (DMGRU, 2005, n. 8). Esta forma
específica de reportagem no Globo Rural está diretamente relacionada ao autor Nelson Araújo,
que é formado em Letras e tem formação teatral.
5) Na temática técnico-científica se observa a produção de matérias que podem
auxiliar o produtor rural a aumentar ou melhorar o desenvolvimento da lavoura. Daí o fato
de suas fontes principais serem os produtores que conseguiram bons resultados, além de
pesquisadores, agrônomos, veterinários, técnicos de renomadas instituições. Neste processo
um dos elementos mais fortes é a redução de marcas pessoais do jornalista ou a apropriação
dos dados da ciência. Neste caso a fala do jornalista aparece apoiada pelas vozes das fontes
(a voz do jornalista pela fala do técnico e a voz do técnico pela fala do produtor/agricultor).
Isso acontece talvez porque estas reportagens levam em consideração que para utilizar os
avanços tecnológicos apresentados pela reportagem, o leitor precisa sentir confiança na
trilogia jornalista/ técnico/ produtor (DASSIE, 1999, p. 170-171).
Na reportagem sobre Adubo Verde, feito a partir de minhocas, o repórter remete
simultaneamente a duas fontes na entrevista: o produtor e o agrônomo (DMGRU, 2005, n. 6). Em
outra matéria, que destaca a qualidade de uma farinha de mandioca na Vila de Mazagão Velho,
no Amapá, o processo de fabricação que mistura variedades é revelado a partir do saber local
(DMGRU, 2005, n. 3). Na reportagem A própolis verde, Ivaci Matias se apóia na voz da ciência, do
conhecimento (DMGRU, 2005, n. 4).
A imagem que a gente está vendo aí foi ampliada pelo microscópio e mostra os
canais internos da planta. O objetivo das abelhas é atingir estas bolsinhas
vermelhas onde existem poderosas essências em forma de resina. Elas são
produzidas por uma planta muito comum em Minas, é o alecrim do campo. A
resina serve para defender os brotos do alecrim das doenças e repelir insetos como
148
as formigas. A gente vê que ela fica ali trabalhando, roendo, buscando a parte
líquida da brotação. E dá pra ver claramente nesta imagem aproximada que ela vai
depositando a resina nas suas patinhas. É esta mesma resina que a gente vai ver
depois na própolis pronta. Veja aí os pedacinhos dos brotos que elas cortaram
sendo coladas nas frestas da caixa. Num enxame como este vivem mais de cem
mil abelhas, isso favorece o aparecimento de doenças causadas por vírus e
bactérias(DMGRU, 2005, n 4).
6) O jornalismo rural é um lugar de personificação e essa personificação é
compreendida como uma tentativa de deixar viva a identidade rural presente nas falas das
diferentes pessoas que tem voz nas reportagens (independentemente das temáticas da
tradição ou da C&T). O jornalista entendido como parte do universo urbano nas
reportagens se apresenta participante junto às personagens. O que sustenta o jornalismo
rural segundo o autor, é a busca pelo que é diferente, pelo que não é encontrado na cidade;
descrição de um homem do campo não caricaturizado com estereótipos do jeca-tatu, mas
com peculiaridades estranhas aos costumes urbanos (DASSIE, 1999, p. 174).
O exemplo está na reportagem As quebradeiras de coco babaçu, de Helen Martins
(DMGRU, 2005, n. 4). Já em outra reportagem sobre o meio ambiente, no município rural de
Correntina (oeste da Bahia), Ivaci Matias apresenta o rio Arrojado (Goiás) como se fosse uma
pessoa (DMGRU, 2005, n. 11).
Quem vai pela BR-020 que liga a cidade de Brasília a oeste da Bahia pode ver a
nascente do rio Arrojado daqui, da janela do carro, olha ela lá: a água brota
nesta vereda de buritis. Esse é um lugar que deveria ser protegido com respeito,
como um santuário. No entanto, é aqui que o Arrojado começa a sofrer
agressões muito graves. A estrada corta a várzea ao meio e o rio escorre por um
bueiro. Ao lado do aterro, construído para proteger a pista, a chuva cavou uma
imensa vossoroca. A enxurrada carrega a areia que vai sendo depositada dentro
da nascente. É como se o Arrojado, recém-nascido, fosse apunhalado no berço
(DMGRU, 2005, n.11).
O repórter segue contando que os ribeirinhos dos vales secos da região de Correntina se
reuniram num ritual para chamar a atenção das autoridades para a preservação dos rios. A
encenação teve a participação das “carpideiras”, acostumadas a cantar nos velórios da cidade.
149
7) Na presença de um texto narrativo-literário, a personificação encontrou seu lado
duradouro no jornalismo rural. E isso é o que faz com que estas matérias sejam vistas como
sobreviventes ao tempo, fator que permite sua reprodução em versão original, sem retoques
(como aconteceu na edição histórica). Assim, o que era para ser efêmero virou duradouro; e
o que era para ser somente realidade personificou-se, aproximou-se da ficção (DASSIE,
1999, n. 175).
Por meio da vida e da obra do compositor Mario Zan, autor das músicas Chalana e Siriema,
o repórter José Hamilton Ribeiro conta um pouco da história da música regional brasileira e dos
compositores e cantores da década de 50. Na reportagem Ribeiro explora a fama do personagem
(que tem 60 anos de carreira) no contato com o povo mato-grossense que identifica em suas
músicas um pouco da história de cada um. Na cidade de Ponta Porã ele descreve Mário Zan
andando anônimo nas ruas até que a equipe chega à cidade de Maracajú (DMGRU, 2007, n. 6):
Avisamos o pessoal de Maracajú que a cidade ia receber o autor da ‘Siriema’. Eles
então preparam um troféu para o Mário Zan: uns dizeres bonitos na base(...). Não
ficou só no troféu. À tarde, na praça, a Banda Marcial ‘Dona Fé’, de jovens e
meninos, tocou ‘Siriema’.Mário gostou e retribuiu tocando seis músicas inteiras,
com a ajuda de quem estivesse por ali, sem ensaio, nem nada, só com animação e
alegria (DMGRU, 2005, n.6).
Na reportagem da Festa do divino em Pirenópolis, Estado de Goiás (DMGRU, 2005, n. 7),
as figuras da festeira, dos foliões, palhaços, catireiros e dos devotos revelam não apenas os
personagens dos rituais em homenagem ao Divino, mas também a rígida hierarquia social dentro
de uma festa popular que envolve milhares de pessoas em sete dias de festejos e rezas.
Em Muares, de Nelson Araújo (DMGRU, 2005, n. 4), temos uma personificação que vem
da antiguidade, das fábulas. A reportagem fala do temperamento de animais que são
extremamente importantes para a história do Brasil e para o trabalho no campo: o burro e a mula.
No roteiro do repórter eles ganham voz, literalmente. Muares de diversas raças, temperamentos e
vocações se desdobram em muitos personagens representando além deles mesmos, nós humanos,
com personificações que vão desde o sujeito “ignorante, cabeçudo” até o “garboso, inteligente”.
150
No início da reportagem, dois narradores interpretam um curto diálogo que mais parece ter saído
da ficção, de uma estória infantil.
1a : - Seu burro! Eu nunca vi inteligência tão curta!
2a : - Burro é você! Besta quadrada!
1a : - Seu cabeça de jerico, doutor ignorância!
2a : - Além de estúpida, você é lerda igual a uma mula!
1a : - Oh! É você que está dizendo isso? Só faz burrada!
2a : - Olha! Me chama de tudo, menos de burro.
1a : - Tudo bem, então; não fala que eu sou mula, ué.
(NA) Atire a primeira pedra quem nunca vez xingação assim! Diante de uma
tolice qualquer, é comum em falar burrice, burrada, asneira que aliás vem de
asno. Pois me diga, que no final da reportagem, se comparar alguém com esses
animais é mesmo uma ofensa. Olha, tá mais pra elogio, viu seu cabeçudo?!
(DMGRU, 2005, n.4).
Um outro diálogo bastante expressivo nesta matéria acontece entre o repórter e o tratador de
animais de uma fazenda em Cambuquira (MG), o Seu Tião. Ao constatar que o tratador é
obedecido pelos animais, Araújo quer saber qual é o seu método de doma. Com semblante e
gestos mansos, Seu Tião solta a seguinte frase: “Não maltrato, não! Só ralho com eles só assim:
psssiu!”. O repórter identifica que o Seu Tião é portador da mensagem da não-violência e até
pede que ele fale mais, mas o homem se aquieta. O resultado é que Seu Tião faz a reportagem
saltar do mundo rural, do discurso do “como se faz”, para a esfera da reflexão sobre as atitudes
humanas. Confronta a realidade dos animais com a de muita gente que não tem (ou não é capaz
de dar ao seu próximo) o mesmo tratamento que o Seu Tião dispensa aos bichos150.
Para o repórter José Hamilton Ribeiro, a reportagem é a permanente busca pela
personagem, e este encontro nem sempre é previsto em pauta. O jornalista registra um desses
grandes encontros em Azeite e azeitonas (DMGRU, 2005, n. 7).
A personagem é uma velhinha, Dona Margarida do Nascimento, que personifica a mão de
obra feminina, muito usada em Portugal nos olivais. Ao perceber a presença da equipe de TV,
Dona Maria pára a colheita e oferece um ramo de oliveira aos desconhecidos. De repente, recita a
quadra:
150
Esta reportagem deu início a inúmeras reportagens no programa sobre muares e também sobre cavalos, cuja
temática se desenvolveu em torno da “doma racional”. Um método de doma de animais para o trabalho no campo
que não utiliza práticas brutais; baseado na confiança entre homem e animal e não no medo.
151
- Aqui está este raminho
escolhido à providência
Já vinha destinado
Pra vossa Excelência!(DMGRU, 2005, n.7).
Um outro aspecto levantado na reportagem do jornalismo rural impresso e que mereceu
investigação no telejornalismo rural foi o uso freqüente da primeira pessoa, principalmente nas
matérias do grupo da tradição. Segundo Dassie a prática, “abominável em muitas redações”,
encontraria o seu lugar de significação no jornalismo rural(1999, p.167).
Salvo raríssimas exceções, pudemos observar que a primeira pessoa não é utilizada nas
reportagens do Globo Rural. A preferência é pelo uso da terceira pessoa. O uso do ‘nós’ também
tem o seu lugar de significação no jornalismo televisivo: o jornalista sempre está em equipe,
nunca está sozinho em sua produção.
No exemplo abaixo o repórter só se refere a ele mesmo no texto da passagem porque
primeiro, quer se justificar de maneira respeitosa, individualmente, para o entrevistado.
Imediatamente ele se volta para o espectador e retoma o discurso na terceira pessoa:
Renato, agora eu ia te pedir para mostrar aquela peleja do diabo na viola. Mas o
apartamento do Renato é pequeno, fica aqui na beira da rua e periga passar um
carro e buzinar na hora que tá tocando; então nós vamos no estúdio da Globo em
Belo Horizonte e lá, num lugar controlado, a gente vai continuar a conversa e
mostrar esta história (DMGRU, 2005, n. 9).
Mas a linguagem da reportagem na TV vai muito além das letras, ganha mais vida com
imagens e sons e sofre esta interferência de maneira estrutural.
Em nosso estudo observamos ao longo das décadas de exibição do Globo Rural as
características e elementos das narrativas que ora foram adotados ou que ainda continuam
presentes.
É uma maneira de falar e mostrar própria do Globo Rural que vem da cultura de se fazer
televisão; da evolução dos equipamentos, sua experimentação, e até dos erros que foram
cometidos e que vão sendo absorvidos como sinais de alerta.
Todos estes elementos também integram o modelo do telejornalismo rural brasileiro.
Formam um repertório dentro do gênero, que teve o Globo Rural como precursor, mas que hoje
pode ser contemplado em um contexto muito maior, formado por uma série de programas de
televisão voltados para o campo.
152
Como analisa Machado (2005, p. 100) o gênero televisivo depende do contexto cognitivo
(ou sócio-cultural), do processo de interpretação, para ser absorvido e decodificado. Os sons, as
cenas e imagens, os ruídos, cores e efeitos que fazem parte da reportagem do Globo Rural são
elementos que resumem o próprio desafio da mediação, isto é, da posição do jornalista frente aos
fatos que ele precisa transmitir e reproduzir para o seu público, e por extensão, da escolha do
formato da notícia. Nos próximos tópicos faz-se uma breve análise de alguns dos elementos mais
freqüentes utilizados pelo jornalismo do Globo Rural para a transmissão da mensagem.
6.5.3.3. Elementos de composição da narrativa televisual.
Neste segmento vamos destacar e analisar seis elementos peculiares, sob o ponto de vista da
técnica televisiva de narração jornalística e da linguagem audiovisual. Estes aspectos na televisão
quase se fundem, pois, a partir do relato visual, muitas palavras são substituídas pelas imagens.
A descrição, contudo não se torna mais fácil ou mais óbvia.
O jornalista ao se informar do fato, ao observar o ambiente, ao ouvir as pessoas e os sons do
lugar, faz cortes ou insere descrições. Trabalha cognitivamente, de maneira que a memória
estrutura seu pensamento e sua ação. E é nesta esfera do conhecimento, da memória, onde
surgem outras referências simbólicas que podem facilitar (ou não) a transmissão da mensagem.
Para Machado (2005, p. 103-104), estas referências se transformam, dentro da técnica do
telejornal em fontes de imagens e de sons: gravações em fita, filmes, material de arquivo,
fotografia, mapas e gráficos, locução, música, ruídos.
O uso das fontes é feito a partir da pesquisa de conteúdo e o que se busca é apresentar ou
interpretar o fato atual de maneira mais articulada.
Neste estudo sobre a reportagem no programa Globo Rural, destacamos os seguintes
elementos: arte e grafismos; fontes históricas/documentais (captação de imagens de documentos
em papel, pinturas, objetos; do depoimento testemunhal; de fotos e filmes históricos ou antigos),
fontes sonoras (uso de músicas, trilhas instrumentais e outros sons), a dramatização e os
elementos de auto-referência e de localização.
153
a) Localização:
No caso da televisão o jornalista conta com a ajuda das imagens para ir além das palavras.
Entretanto, acredita-se que na cobertura do jornalismo rural, as imagens ainda não conseguem
construir certas informações mais específicas, como no caso da localização geográfica (região).
Para que o espectador compreenda onde o fato ocorre, ou para situá-lo mais rapidamente, a
reportagem do Globo Rural compõe elementos de localização próprios, seja por meio de uma
narrativa mais elaborada ou de infográficos. No caso do infográfico, a introdução de um mapa do
Brasil no canto da tela (ou em fusão) é o padrão adotado para a visualização da região ou
município151. Este recurso é usado sempre que a equipe muda a trajetória, como num roteiro de
viagem em que se frisa as estradas percorridas.
Ao se fazer referência às regiões brasileiras, o principal filtro é o do espectador nacional. O
espectador do sul do país não tem a obrigação de saber em que cenário natural (litoral, sertão)
fica, por exemplo, um município nordestino. Os pontos cardeais, também são comumente
utilizados (Ex: “A região da alta mogiana, ao norte do Estado de São Paulo”). Na matéria Pau
Brasil que cita a viagem Pedro Álvares Cabral (DMGRU, 2005, n. 1) este elemento de
localização é explorado pelo repórter a partir de vários referenciais cenográficos disponíveis
durante a captação das imagens (mar-litoral; ar-helicóptero/repórter, terra-pessoas/vegetação) um
recurso que valorizou o tema das riquezas naturais do país.
O elemento de localização é adotado pelo Globo Rural desde o seu início, como
constatamos na reportagem Boiada, feita em 1984(DMGRU, 2005, n. 8). No entanto, naquela
época não havia a facilidade da arte com o mapa feito pelo computador. Nesta matéria, as
imagens do relevo do pantanal mato-grossense feitas de helicóptero, mostravam uma grande
planície, na intenção de dar ao espectador a visão exata da região abordada, mas mesmo assim ela
permanecia desconhecida do grande público. Na passagem do repórter e na fala dos entrevistados
os créditos mal traziam a identificação das pessoas e a notação do lugar era bastante vaga como
“Fazenda São Joaquim- MS”.
151
O Globo Rural dá preferência à palavra “município” porque “cidade” indica a área urbana e a agricultura se faz
na área rural, circunscrita às terras do município (“ABC do Globo Rural”) (CAVECHINI, 2007, n. 33).
154
b) Arte e grafismos:
Os grafismos nas reportagens do Globo Rural, feitos inicialmente em ilhas de edição
analógica e depois com o uso do computador, foram sendo introduzidos à medida que se
adquiriam novos equipamentos. Eles reduziram o tempo das reportagens ao mostrar em rápidos
segundos certos processos que numa narrativa levariam muitos minutos para serem descritos.
Neste mesmo exemplo da reportagem Boiada, o repórter passou pelo problema ao tentar
explicar como os animais se conduziriam pantanal adentro. Os peões se encontravam em pontos
diferentes durante toda a viagem, se movimentando bastante, e havia a dificuldade para entender,
sem muitos cortes, como apenas sete homens levariam centenas de bois pelo caminho certo. O
repórter Carlos Azevedo solicitou então uma explicação do chefe da comitiva, mas como não
tinha papel, o chefe fez um desenho improvisado na areia. Pegou um graveto e desenhou um
círculo, simbolizando o corpo da boiada, depois fez buracos no chão marcando as posições dos
peões e rabiscou os movimentos.
O uso da arte no Globo Rural já com o recurso do videografismo pode ser observado a
partir da reportagem China, uma viagem histórica, de 1986. Nos extras do DVD n. 12, da série O
Melhor do Globo Rural, temos alguns trechos desta grande reportagem e uma outra matéria, feita
pelos jornalistas do Globo Rural, para o programa Fantástico. A viagem foi “uma carona” que a
equipe do Globo Rural pegou após o sucesso do filme Estrada da vida, da dupla caipira
Milionário e Zé Rico, na China. A arte que identificava a reportagem (mostrada em série) trazia
um mapa da China em azul e verde e a palavra China, em vermelho, escrita em português e
chinês no estilo da escrita oriental. Esta arte também foi usada como base para outras sobre a
produção agrícola e industrial e a distribuição da população chinesa (DMGRU, 2005, n. 12).
A arte e os grafismos são usados nas reportagens do Globo Rural de diversas maneiras: Na
reportagem de 1996 sobre confinamento americano (DMGRU, 2005, n. 6) temos a utilização da
arte de maneira mais simplificada, como suporte para enumerar a quantidade exata de cada
produto de uma ração animal e os percentuais de engorda do rebanho. Em outra matéria sobre
criação de ovinos, em 2003, a arte mostra o interior de uma ovelha e explica que a anatomia do
animal é favorável à inseminação artificial com sêmen fluido e não o congelado (DMGRU, 2005,
n. 6). Na grande reportagem Muares (DMGRU, 2005, n.4) é utilizada para explicar a origem (do
latim) da palavra muar e na passagem de uma região para outra: durante toda matéria da palavra
“muares” entram e saem elementos que identificam estes animais, como ferraduras e orelhas
155
pontudas. Na reportagem de 2004, A própolis verde (DMGRU, 2005, n. 4), os radicais da palavra
própolis entram separadamente, em uma fonte verde, sobre a imagem das abelhas. Depois são
unidos num efeito de animação, e a palavra “entra” como uma abelha dentro da imagem da
colméia.
c) Fontes históricas/ documentais
A pesquisa histórica é fundamental para a grande reportagem. Mesmo que a técnica seja a
mais inovadora de todos os tempos, sempre há o que contar sobre o caminho percorrido até então.
E o que dizer dos assuntos da tradição? O legado das gerações, o poder dos registros
documentais, das expressões da língua, tudo isso é matéria-prima para os jornalistas do Globo
Rural.
Não há reportagem que descreva uma personagem, um tipo de lavoura, técnica, crença,
comida ou um simples objeto, que dispense os arquivos históricos ou que não fique mais atraente,
mais sensorial, com o seu uso. Desde que o VT libertou o telejornalismo do acontecimento ao
vivo, muitos fatos puderam ser recontados e relembrados com o uso das imagens produzidas e
criadas ao longo da história da humanidade.
É por conta destes aspectos e da pesquisa na pré-produção que podemos encontrar reunidos
na grande reportagem do Globo Rural assuntos que aparentemente não teriam nenhuma ligação
entre si. Como as imagens de uma fazenda de gado nos Estados Unidos, um trecho do filme O
Mágico de OZ em branco-e-preto da década de 30 e a imagem da tragédia provocada por um
tornado (DMGRU, 2005, n. 6). Neste caso, estas imagens ilustram a matéria sobre confinamento
americano, numa fazenda do Estado do Kansas, cenário do filme O Mágico de Oz, onde a
pecuária é extremamente modernizada e também prejudicada pelos tornados que se formam na
região central dos Estados Unidos. Para fechar, os personagens do filme-o leão, o espantalho, o
homem de lata e a menina Doroty - são símbolos turísticos da cidade onde a equipe do Globo
Rural fez a reportagem sobre o confinamento americano.
Esta mistura de linguagens e referências culturais certamente causa uma reação diferente
em cada um dos espectadores, por isso mesmo intrigante, que os leva para dentro das reportagens
cada vez mais. Tem-se ilustrações de livros de história e de lições do colégio, quadros religiosos,
objetos só vistos em museus, antigas cantigas de trabalho, filmes e músicas da nossa infância ou
juventude enfim, marcas indeléveis da nossa vida e daquela vivida por nossos antepassados que
ganham significação jornalística. No contexto da reportagem dispensam muitas palavras.
156
d) Auto-referência
GR - Seu Aparício! (sai do carro)
E - Como vai? (responde ainda cuidando do arreio)
GR - Bom dia! (vai de encontro ao lenhador)
E - Como vai o senhor? (se cumprimentam com um aperto de mão)
GR - Bem, obrigado! (dão tapinhas nas costas)(DMGRU, 2005, n. 4).
Este diálogo entre o repórter e o lenhador Aparício, tão espontâneo e corriqueiro, à primeira
vista parece ser apenas uma mostra da educação e da cordialidade entre os dois sujeitos.
Mas pelo estudo da série O melhor do Globo Rural, pode-se afirmar que o diálogo acima
não deve ser considerado um flagrante (mesmo que ele tenha acontecido dessa maneira). A “cena
do cumprimento”, entre repórter e entrevistado, é um elemento bastante usado pelos jornalistas
do Globo Rural.
Observa-se que nas reportagens a cena tem uma estrutura própria, uma seqüência prédeterminada que é adaptada às condições do lugar. Na origem da sua formação está o planosequência que permite ao repórter cinematográfico a filmagem de uma ação contínua a partir de
único plano, resultando numa longa cena sem cortes.
Na maioria das vezes este recurso é utilizado quando há uma transição brusca do espaço
urbano para o rural, do erudito para o popular e vice-versa.
Antes do diálogo acima descrito, a reportagem (DMGRU, 2005, n. 4) havia mostrado
imagens da metrópole paulistana. Depois, uma seqüência de imagens de estradas de terra (ao sair
da metrópole) até chegar à comunidade dos lenhadores.
No telejornalismo diário porém, somente estas imagens, já levariam a crer que a transição
do espaço urbano para o rural havia sido feita. Mas não é o que acontece na reportagem do Globo
Rural. É explícita a intenção editorial de mostrar, mediante este diálogo, a intimidade da equipe
do programa de televisão Globo Rural com o mundo rural.
A cena transcorre de maneira padrão: O carro , identificado com o símbolo da Rede Globo,
chega à comunidade de lenhadores e todos permanecem cuidando dos seus afazeres e animais
(em outros casos as pessoas saem de dentro das casas). Quando o repórter salta do carro, pede
licença ao povo saudando o líder do grupo pelo nome. No exemplo citado nota-se que há olhares
sutis de expectativa, afinal, o repórter cinematográfico e sua câmera chegaram antes, e estão
posicionados em um plano superior para registrar o momento em que o repórter “conhece” o Seu
Aparício e os lenhadores.
157
Apesar da construção, a situação não é de todo inventada. Ela pode ser considerada uma
dramatização com o objetivo de “recuperar” uma realidade recente, pois em algum momento
houve este primeiro contato da equipe com as personagens.
Este momento que não se realizou em frente às câmeras é valorizado desta maneira, sendo
refeito, a fim de que se estabeleça o lugar e a fala dos personagens.
Levando-se em conta a performance do entrevistado, este diálogo/representação funciona
ainda como um “quebra-gelo” para quem desconhece a produção de TV 152. Em outras
circunstâncias vemos que o entrevistado fica tão à vontade que aproveita para declarar a sua
admiração pela equipe e pelo programa. Em outras, lhe falta naturalidade, pois há uma supressão
daquele limite espacial que cada pessoa impõe à primeira vista ao seu interlocutor em situações
formais, como no cumprimento.
A focalização da caminhonete do Globo Rural, com o símbolo da Rede Globo, e toda a
“cena do cumprimento” é chamada pelos teóricos da comunicação de auto-referência - um “falar
de si mesmo” - conceito já discutido nesta pesquisa.
A auto-referência no Globo Rural ainda é utilizada de outras maneiras como o uso de
imagens de arquivo feitas pelo programa (“O Globo Rural estava lá...”) e pelo telejornalismo da
Rede Globo, seja citando o nome da produção e dos atores globais ou produzindo depoimentos de
funcionários e artistas da emissora (DMGRU, 2005, n. 2), (DMGRU, 2005, n. 4), (DMGRU,
2005, n. 12). Observamos ainda que a própria característica da fala caipira e da fala regional
adotada ou absorvida pelos repórteres também encontra um exemplo de auto-referencialidade na
reportagem do Globo Rural, pois a maioria deles tem raízes no interior153.
e) Fontes sonoras - músicas, trilhas instrumentais e outros sons do campo e para o campo
Almir Sater, Téo Azevedo, Renato Piau, Sérgio Natureza, Paulo Freire, Léo Canhoto e
Robertinho são alguns dos instrumentistas que compuseram músicas e trilhas para as reportagens
do Globo Rural. Mas o programa também reúne uma centena de músicos anônimos. A tradição e
o talento deles revelam por inteiro a diversidade e a riqueza da nossa cultura.
Com a linguagem universal da música estes artistas deram à grande reportagem mil e uma
possibilidades de levar ao público do Globo Rural a informação jornalística.
152
Ana Dalla Pria diz que nem sempre faz a cena do cumprimento e esclarece que alguns repórteres usam mais este
recurso do que outros.
153
REDAÇÃO. Globo Rural. Disponível em: <http://globoruraltv.globo.com/GRural/0,27062,4378,00.html>.
Acesso em 02 jun. 2008.
158
No formato da grande reportagem a trilha musical ou a canção com verso e melodia
geralmente aparecem antes mesmo do primeiro off.
A trilha pode somente introduzir a reportagem como pontuar momentos diferentes dela ou
de seus personagens. De uma maneira geral promove a ambientação, o resgate da sonoridade
regional, do local.
A canção, na grande reportagem do Globo Rural, tem a característica de narrar em poucas
palavras, ou de maneira mais subjetiva, o assunto da reportagem. Neste caso são utilizados vários
trechos da música, na maioria das vezes com a participação de um intérprete e músicos.
Esta parceria entre a música e jornalismo já rendeu ao programa “reportagens musicadas”,
ou seja, uma reportagem que alterna a voz do repórter com a voz do cantor na hora de contar a
história.
Quando a composição já existe, geralmente a produção do programa convida o
autor/intéprete para executá-la. Mas quando só há o tema da reportagem, as canções são
previamente encomendadas aos seus autores (com base na pesquisa do assunto e do roteiro
produzido em pauta) como na reportagem em versos sobre o pequi, com o violeiro e cordelista
mineiro Téo Azevedo que fez muitos outros trabalhos musicais para o Globo Rural.
Na abertura da reportagem de Ana Dalla Pria/Jorge dos Santos sobre a moqueca capixaba
(DMGRU, 2005, n. 8) o exemplo é a utilização do samba do compositor João Pimenta para
explicar os segredos da iguaria. Antes do primeiro off, entra a música na voz de uma cantora e os
seguintes versos:
“Pesca um peixe fresco,
colhe o maço de coentro.
Para preparar tempero verde...”
A canção é acompanhada pela edição de imagens de mãos com os ingredientes. Depois ela
retorna à reportagem num outro lugar-a fábrica de panelas de barro, indispensáveis para o preparo
da moqueca.
Como as panelas são feitas por mulheres, e a canção é interpretada por uma jovem
capixaba, Dalla Pria e Jorge dos Santos uniram no “palco” da fábrica, junto às paneleiras, um
violonista e a intérprete para um outros versos da canção:
“Do barro a mulher inventou a panela, do barro Deus fez o homem.
Do barro Deus fez o homem, do barro a mulher inventou a panela.”
159
Por meio da linguagem musical, o espectador identifica a importância da panela de barro na
cultura capixaba: antes do barro ter sido usado para criar o homem, ele teria sido usado para criar
a panela. Durante toda a reportagem temos uma conversa, em prosa e em verso, composta nas
vozes da repórter e da cantora (com imagens e interpretação em vários cenários).
Mas há reportagens musicais no Globo Rural que reúnem muitos intérpretes. Como
exemplo da reportagem de José Hamilton Ribeiro sobre a canção Chalana, de Mário Zan. Quem
canta a canção famosa, símbolo do estado do Mato Grosso, são os moradores do lugar (uma
moça, um pescador, uma velha numa palhoça, um peão montado à cavalo). Este tipo de
montagem, com várias pessoas cantando trechos de uma música, exige rigor na captação do
áudio, uso de planos aproximados, com edição de cada personagem nos tempos dos versos da
canção (DMGRU, 2005, n. 6).
No caso das trilhas instrumentais no Globo Rural é importante ir além da autoria musical e
se observar o ritmo e sua utilização pelos editores na composição de ambientes e personagens.
Em Boiada (edição) as imagens aéreas do pantanal entram sempre com uma trilha de música
clássica, executada por orquestra, em alusão à narração de uma epopéia. Quando surgem cenas
em terra, da comitiva e dos peões, temos canções sertanejas que se referem à saudade, à solidão e
ao próprio ambiente de origem da moda de viola154.
O apuro técnico do programa com o áudio nota-se no exemplo da reportagem Orquestra de
Viola (DMGRU, 2005, n.1) que reúne uma centena de instrumentos e cantores. A viola,
inclusive, é muito utilizada em trilhas de reportagens do Globo Rural por conta da sua incidência
em quase todo o país.
Na reportagem Leitão pururuca em Tiradentes o trabalho da edição consistiu em
harmonizar o barulho e a imagem da maria-fumaça com os trechos da peça de Heitor Villa-Lobos
“Trenzinho caipira”, executada pelos jovens do conservatório de São João Del Rei. Além da
sincronia do ritmo na edição estas “vozes” parecem estar entoando a mesma melodia: “O convite
é um mergulho na cultura de Minas Gerais” (DMGRU, 2005, n. 1).
154
O editor de imagens Dorival Roque disse manter no arquivo do Globo Rural dezenas de fitas com vários sons do
campo: o som do gado comendo capim, de abelha zunindo, água escorrendo, trote de cavalos de todos os tipos, canto
de pássaros, “vozes” de animais etc. Estes sons, gravados na hora da reportagem, são muito valorizados nas edições
do Globo Rural, ajudam a dar beleza e credibilidade à matéria, transportam o espectador para o lugar - e nem
sempre, no telejornalismo diário, sua captação ganha importância no trabalho da equipe ou do cinegrafista (ROQUE,
2007, n. 21).
160
f) Dramatização
A dramatização é um recurso muito utilizado no documentário, gênero que emprestou este
elemento à grande reportagem do Globo Rural.
Porém, a utilização de atores no programa começou a se tornar mais freqüente a partir dos
anos 1990.
No Globo Rural o docudrama, termo mais específico para o formato, depende da avaliação
do contexto. Além disso, há que se considerar o estilo do repórter e também a sua capacidade de
improviso e criação a partir de elementos cênicos existentes no próprio local da reportagem.
Na reportagem sobre uma morena que foi embora na chalana, José Hamilton Ribeiro e
Jorge dos Santos convidaram uma jovem mato-grossense para posar dentro de um barco olhando
as águas do rio, com vestido de algodão e chapéu. Em outra ocasião, uma mula treinada
dramatizou a morte da “mula preta”, personagem do cancioneiro caipira. Já na reportagem sobre
o pequi, o violeiro Téo Azevedo e cerca de trinta moradores da comunidade simularam, numa
“grande produção”, o enterro de um defunto:
O cortejo levava o violeiro na rede e quando chegava sobre um pequizeiro, como reza a
tradição, davam uma surra nele (é claro que Téo Azevedo, num susto, pulou antes e revelou que
tudo era dramatização)155. O objetivo foi mostrar um antigo ritual do folclore do cerrado, a
espiação dos pecados, com rezadeiras cantando músicas sacras e os ramos de pequi na mão.
Já a dança além de ser reportada como expressão cultural (catira, dança de roda, forró etc.)
também é uma arte cênica e como tal é utilizada na grande reportagem do Globo Rural. Seu
poder de dramatização está diretamente relacionado à musicalidade. “Uma coisa puxa a outra”,
como relatou o jornalista da matéria sobre o cavalo da raça Passo Fino, Nelson Araújo. Para
provar que ao trote do animal se aplicava um conceito musical de ritmo, a polirritmia, ele reuniu
num mesmo espaço cênico uma bailarina de flamenco, um virtuose no violão e a projeção das
imagens das patas do Passo Fino. A produção ainda permitiu, segundo o repórter, uma
justificativa para o tradicional show dos cavalos em lugares nada convencionais:
Nas competições lá na Colômbia, eles usam um tablado de madeira para
destacar ainda mais o toc-toc dos cascos. Se você vai a um restaurante típico em
Bogotá, ou qualquer outra grande cidade colombiana, com certeza vai ver a
apresentação desse cavalinho. Ele bate o casco no chão mais de 600 vezes por
minuto.
155
O
GLOBO
Rural
exibe
uma
matéria
toda
em
versos.
Disponível
<http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM377246-7823-O+GLOBO+RURAL+EXIBE+UMA+
MATERIA+TODA+EM+VERSOS,00.html>. Acesso em 12 jun. 2007.
em:
161
Pois, quando estava na edição, já aqui no Brasil, percebi melhor o quão
‘musical’ o Passo Fino é (...). Aí pedi ao compositor Francisco Araújo que
colocasse na partitura o batido do cavalo. Então, convidei uma bailarina para
que viesse ao nosso cenário virtual onde ela dançou junto com o Passo Fino, ao
lado do Francisco tocando. Ficou muito interessante (DPGRU, 2008, n. 1).
A partir destas análises identificamos que os formatos das reportagens no programa Globo
Rural são determinados primeiramente pelos gêneros jornalísticos e estes são combinados a
outros gêneros/formatos de acordo com o estilo e com a tecnologia disponível. O estilo recebe a
influência da relação do jornalista com o seu público que apreende seus modos de expressão
(linguagem) e suas expectativas (temáticas).
Por essa razão, a aplicação de outros gêneros ao telejornalismo rural -além dos cinco já
identificados nesta Dissertação- depende do contexto cultural em análise, não podendo ser
transpostos simplesmente de um contexto social para outro, ou mesmo de uma emissora para
outra sem que se estabeleçam adaptações ou se crie uma estrutura técnica compatível com o
formato que se pretende reproduzir.
162
Considerações Finais
Há quarenta anos, quando o primeiro programa de telejornalismo rural surgiu na TV Tupi,
alguns jornalistas e profissionais de televisão puderam identificar o quanto a notícia do mundo
rural seria estratégica e despertaria o interesse de milhares de espectadores.
Com base na pesquisa histórica desta Dissertação ficou notório que o telejornalismo rural
está entre os primeiros gêneros da programação da televisão brasileira.
No entanto, naquela época, o próprio telejornalismo ainda passava por mudanças no seu
modo de produção e o programa de telejornalismo rural, por exigir um suporte técnico mais
complexo (como a gravação em externas), acabou desaparecendo da programação.
No ano de 1980, com a agilidade e a simplicidade operacional das ENGs (unidades
portáteis de jornalismo), o telejornalismo rural ressurgiu com toda força. A TV que mais investiu
no gênero, a Rede Globo, também tinha a maior rede de emissoras do país.
Quando foi ao ar, o programa Globo Rural era um telejornal destinado ao homem do
campo, que mostrava sua cultura e um mix de técnicas que pudessem ajudá-lo nas suas atividades
profissionais. Hoje ele fala ao “público rural” da cidade: gente que viveu na roça e se mudou para
a zona urbana, ou que trabalha no campo e para seu sucesso econômico.
Nesta Dissertação pudemos constatar que em três décadas o programa Globo Rural
manteve-se atento à valorização da cultura brasileira, reportou os movimentos sociais, assim
como se integrou aos novos assuntos da agricultura e do agronegócio. Entretanto, no decorrer
deste estudo, que procurou identificar a contribuição destas temáticas na criação de formatos
jornalísticos, notou-se que o programa dominical por vezes se distanciava da agenda do homem
do campo e das suas novas identidades culturais e sociais. Evidências estas que também se
estabeleceram a partir da constatação da ausência de pesquisas de audiência no interior do Brasil,
do conceito de audiência presumida, reforçado pela hegemonia da cobertura da Rede Globo que
há anos contribuiu para a construção de uma imagem do Brasil Rural.
Para compreender como o Globo Rural se mantêm tanto tempo selecionando, classificando
e hierarquizando as notícias, é preciso levar em conta que o programa, estabeleceu uma agenda
própria - justificada por meio da sua presença contínua num meio que ainda é adverso, para não
dizer ignorado, pela produção jornalística nacional, o meio rural (lembre-se o caso recente da
aftosa e da inércia no envio de jornalistas às fronteiras dos Estados).
163
O programa correu praticamente sozinho neste período em que a agricultura modificou o
cenário econômico nacional e se tornou o maior negócio do país. Já a grande imprensa, sempre
observando o setor rural como um motor para a urbanidade, relativizou demais: no plano
intelectual teve dificuldades para pensar sobre a diferença e investir em modelos específicos; no
plano afetivo manteve sentimentos de estranheza, hostilidade, romantismo; e no plano financeiro,
reduziu o contato com as fontes a um fio de telefone.
Nesta leitura crítica do telejornalismo rural não podemos ser pueris em relação aos demais
telejornais rurais e mesmo aos canais especializados que surgiram nesta última década. Porém,
sempre haverá o pressuposto da representatividade do programa Globo Rural, da reflexão a
respeito da sua cobertura nos anos 1980-2000 em que o agronegócio mudou o perfil social e
produtivo do país; e ainda, se o Brasil Rural editado correspondeu ao Brasil real.
Atualmente, o Globo Rural é produzido a partir de um conceito de mercado, que determina
a existência de qualquer outro gênero de programa na rede aberta de televisão: o da grande
audiência - o jornalista não fala somente para o produtor rural, mas também para aqueles que
tenham qualquer ligação com o rural, inclusive afetiva.
De acordo com a teoria de Martín-Barbero, conclui-se que o Globo Rural ainda permanece
na televisão brasileira como um modelo do gênero, privilegiando os temas da Tradição e da C&T
agrícolas. Por meio das mediações estabelecidas pela reportagem e por outros formatos
jornalísticos, o programa informa ao mesmo tempo em que faz transparecer as facetas das
relações sociais, históricas e ideológicas entre jornalistas, personagens e público (entre elas, o
entretenimento). Assim, o telejornalismo rural praticado pelo Globo Rural se revela como um
indicador de uma época; de uma geração de jornalistas que se valeu do gênero para estabelecer
formatos televisivos, explorar elementos audiovisuais diferenciados e compor um estilo de narrar
a notícia do mundo rural calcada na vivência dos fatos reportados no lugar em que eles ocorrem.
Esta relação de lugar marcou de maneira determinante a produção do telejornalismo rural.
A região, o ambiente natural, a zona rural, a extensão geográfica e por conseqüência a
propriedade, compõem as principais referências do contexto. É o lugar quem primeiro estabelece
as diferenciações entre a reportagem de rede nacional e de rede regional e, de certa maneira,
explica porque alguns formatos possuem mais elementos ou provocam mais sinapses.
O estudo da produção do Globo Rural revelou outra característica contemplada nas teorias
das Mediações e dos gêneros e formatos: o registro da história e da evolução do uso de
164
equipamentos adotados para a prática do telejornalismo rural (desde a introdução do vídeotape,
da transmissão via satélite, dos microfones sem fio, até as atuais câmeras digitais, para sermos
concisos). Por meio destas mediações, que são várias e apresentam variações conforme o uso, se
produziu um sentido do rural televisivo.
É importante salientar ainda que o fato de utilizar várias tecnologias mais sensíveis poderia
ter dificultado o desenvolvimento da produção do gênero, visto que o telejornalismo rural é
praticado em muitos ambientes com condições adversas, mas, ao invés disso, foi um diferencial
para o projeto do programa Globo Rural que passou a explorar todo o potencial das imagens,
captar flagrantes e sons que hoje fazem parte do repertório do telejornalismo na TV.
Desta maneira o telejornalismo rural com linguagem e timming característicos pôde
incorporar elementos do modo de produção do telejornalismo diário passando a privilegiar a
reportagem e a busca pela informação factual e relevante, da mesma forma contextualizada,
objetiva, com agilidade e independência. Portanto, esta relação de comprometimento com a
produção de um telejornalismo contemporâneo é o que confere longevidade ao Globo Rural e
conseqüentemente ao programa de telejornalismo rural .
De acordo com o estudo dos gêneros e formatos da TV Brasileira conclui-se que o
telejornal rural pode ser produzido utilizando-se a mesma estrutura de organização, equipamentos
e edição do telejornal diário de uma emissora, porém o hibridismo caracteriza sua produção. O
telejornalismo rural se estabelece por meio da combinação de cinco gêneros principais, em ordem
de importância: o telejornal, o instrutivo, o culinário, o interativo e o musical.
Entre os principais formatos telejornalísticos adotados pelo programa Globo Rural estão: a
vinheta (introduzindo a escalada), a nota, a notícia, a reportagem, a entrevista, os indicadores
econômicos, e o formato opinativo editorial.
De acordo com o tom do programa e suas relações com o mercado e a audiência, os
gêneros dão origem a vários formatos tais como a grande reportagem, o comentário, a entrevista
no estúdio, a “receita da culinária regional”, as reportagens musicadas ou em versos e os formatos
“passo-a-passo” ou “como fazer”. Estes dois últimos formatos têm origem na demanda da
audiência por informação especializada e interação (detectada nas respostas às cartas de
espectadores enviadas ao programa)- também podem constar como parte de uma reportagem.
165
Toda esta hibridação, no entanto, não reduz o telejornal a mais um formato dentro do
Globo Rural. A participação de cada gênero se condiciona sempre ao contexto jornalístico e ao
estilo narrativo dos produtores (repórteres, editores e repórteres cinematográficos).
Nas reportagens, o protagonista geralmente é o homem do campo, o produtor, e a ele é
dado o papel do exemplo; as principais ações são realizadas por ele ou sobre ele. Na temática da
C&T por exemplo, se observa a produção de matérias que auxiliam o produtor rural a aumentar
ou melhorar o desenvolvimento da lavoura ou criação. Para isso a reportagem tem como fontes
principais os próprios produtores, os técnicos e agrônomos, veterinários e cientistas. Já a
introdução dos temas da Tradição tem ancoragem nos tipos populares e nos costumes locais.
Neste aspecto, pode-se observar que o jornalista recorre quase sempre à personificação. Seja de
maneira mais contextualizada, num modelo de trajetória, se aproximando do jornalismo literário,
ou como uma figura de estilo (muito usada quando o fato envolve animais e plantas).
Além das temáticas, das fontes e do público o modo de produção do telejornalismo rural se
relaciona com o caráter institucional do próprio veículo, da emissora de televisão. A Rede Globo
e o Globo Rural têm interesse em reforçar sua atuação de maneira positiva para a sociedade
buscando interpelar a audiência no sentido de despertar a sua aprovação e manter um lugar cativo
na vida das pessoas; daí a auto-referência identificada nas reportagens do telejornalismo rural
como um elemento do marketing, mas também como um reflexo da existência de outras relações
de mediação (internet e outros meios) no mercado da informação rural.
Levando-se em conta tudo o que foi observado, conclui-se que determinado pelo modelo de
telejornalismo da Rede Globo, o programa Globo Rural ajudou a sedimentar o gênero
telejornalismo rural na televisão brasileira e estabeleceu um formato de programa que hoje é
reproduzido pelas afiliadas e por outras emissoras. Apesar de ter desenvolvido uma fórmula de
sucesso, o programa Globo Rural não está condicionado a ele. Muito menos, os programas que
repetem o seu formato. Porém, o espaço de criação aberto pelo modelo do Globo Rural ainda
precisa ser melhor aproveitado na programação regional. A Rede Globo, mais preocupada com o
mercado nacional e com um mínimo de qualidade técnica das afiliadas, tão cedo não deve propor
soluções para os contextos locais. A pauta rural permanece aberta para a contribuição do talento
regional. Resta saber se o telejornalismo diário vai continuar a sufocar a cria, ou deixá-la crescer.
166
Referências
AGRONEGÓCIO. Revista Veja: edição especial. São Paulo: Editora Abril, n. 30, ano 37, abr.
2004.
ALENTEJANO, Paulo Roberto R. As relações campo-cidade no Brasil do século XXI.
Disponível em: <http://www4.fct.unesp.br/nera/usorestrito/ALENTEJANO.pdf>. Acesso em 20
out. 2007.
ALVIN, Paulo César R. Comunicação da Ciência. In: JORGE DUARTE, M, BARROS, Antonio
Teixeira de (Ed.). Comunicação para ciência, ciência para comunicação. Brasília, DF:
Embrapa Informação Tecnológica, 2003.p 47-66.
ANEXO: lista de telenovelas brasileiras. Wikipédia. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_telenovelas_brasileiras>. Acesso em 02 jun. 2008.
ARAÚJO, Ney Bittencourt de; WEDEKIN, Ivan; PINAZZA, Luiz Antônio. Complexo
industrial. São Paulo: Sementes Agroceres, 1990.
ÁREAS de atuação. Estagiar: conhecendo a Globo. Disponível em:
<http://estagiar.globo.com/o_programa.jsp?id=14>. Acesso em 25 out. 2006.
ARONCHI DE SOUZA, José Carlos. Gêneros e formatos na televisão brasileira. São Paulo:
Summus, 2004.
ATLAS Geral de Comercialização Rede Globo. Disponível em:
<http://comercial.redeglobo.com.br/programacao_local_nova/tergente_campo_tvfronteira.php>.
Acesso em 05 abr. 2007.
BELTRÃO, Luiz. Teoria e prática do jornalismo. Adamantina: FAI: Cátedra Unesco Metodista
de Comunicação para o desenvolvimento regional. Edições Omnia, 2006.
BODDEY, Robert M., ALVES, Bruno José Rodrigues, URQUIAGA, Segundo S. Seqüestro de
carbono em solos sob sistemas agropecuários produtivos. Embrapa, 2004. Disponível em:
<http://www.cnpab.embrapa.br/pesquisas/folders/folder_sequestro_carbono.pdf>. Acesso em 20
out. 2007.
BORDENAVE, Juan E. D. O que é comunicação rural? São Paulo: Brasiliense, 1988.
BORGES FILHO, Altamir. Entrevista Rolando Boldrin. Jornal d’aqui on line, set. 2007.
Disponível em: <http://www.granjaviana.com.br/jornaldaqui/caderno.asp?
cn=37&ID=1351&edicao_Zatual=466>. Acesso em 30 out. 2007.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 44 ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
167
BRITTOS, Valério Cruz. A televisão no Brasil, hoje: a multiplicidade da oferta. In:
COMUNICAÇÃO e sociedade: telecomunicações, jornalismo eletrônico. São Paulo: UMESP, n.
31, 1° semestre de 1999.p14-15.
BUENO, Wilson da Costa. Jornalismo ambiental: navegando por um conceito e por uma
prática. Portal da comunicação em agribusiness e meio ambiente. Disponível em:
<www.agricoma.com.br/artigowilbuenojornalismoambiental.htm>. Acesso em 26 set. 2005.
______, Jornalismo Científico: Lobby e Poder. In: JORGE DUARTE, M, BARROS, Antonio
Teixeira de (Ed.). Comunicação para ciência, ciência para comunicação. Brasília, DF:
Embrapa Informação Tecnológica, 2003.p.115-159.
CALDAS, Graça. Jornalistas e Cientistas: uma relação de parceria. In: JORGE DUARTE, M,
BARROS, Antonio Teixeira de (Ed.). Comunicação para ciência, ciência para comunicação.
Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2003.p.217-230.
CANDIA, Vanessa. Antropocentrismo literário (Revista Realidade). Canal da imprensa.
Disponível em: <http://www.canaldaimprensa.com.br/canalant/nostalgia/trint8/nostalgia1.htm>.
Acesso em 29 ago. 2007.
CÂNDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a
transformação dos seus meios de vida. São Paulo: Duas Cidades, 1987.
CASTRO OLIVEIRA, Valdir de. Questões Metodológicas da Comunicação Rural. In:
SILVEIRA, Miguel Ângelo (Org.). Estudos de comunicação rural. São Paulo: Intercom:
Loyola, 1988.
CATTANI, Airton. Horizontes possíveis para a qualificação profissional: formação de
trabalhadores via telemática. Disponível em: <http://www.niee.ufrgs.br/cursos/topicosie/cattani/pag05.htm>. Acesso em 13 abr. 2008.
CERRI, Cláudio. Entrevista. In:DASSIE, César Augusto Furlan. Eu, jornalista rural. 1998.
Dissertação – Universidade Metodista de Paulo (UMESP), São Bernardo do Campo.
COMUNICAÇÃO e sociedade: telecomunicações, jornalismo eletrônico. São Paulo: UMESP, n.
31, 1° semestre de 1999.
CONCENTRAÇÃO e distribuição. Manual básico de mídia, jun de 2005. Disponível em:
<http://comercial.redeglobo.com.br/informacoes_comerciais_manual_basico_de_midia/manual_b
asico_concentracao.php>. Acesso em 29 jan. 2008.
CONTINI, Elisio. Dinamismo do agronegócio brasileiro. Agroline. Disponível em:
<http://www.agronline.com.br/artigos/artigo.php?id=22&pg=2&n=5>. Acesso em 10 abr. 2008.
168
CONY, Carlos Heitor. Campo ignorado: Agropauta. Observatório da Imprensa, nov. 2003.
Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/asp181120039.htm>.
Acesso em 29 out. 2007.
CORREIA, Altino. Negligências com agrotóxicos. Memórias de um repórter (do interior).
Disponível em: <http://ao.correia.zip.net/arch2007-03-01_2007-03-31.html>. Acesso em 2008.
CURADO, Olga. A notícia na TV: o dia-a-dia de quem faz telejornalismo. São Paulo: Alegro,
2002. Coleção Comunicação.
DASSIE, César Augusto Furlan. Eu, jornalista rural. 1998. Dissertação – Universidade
Metodista de Paulo (UMESP), São Bernardo do Campo.
______. Eu, jornalista rural. In: COMUNICAÇÃO e sociedade: telecomunicações, jornalismo
eletrônico. São Paulo: UMESP, n. 31, 1° semestre de 1999.p 161-177.
DE MELO, Cristina Teixeira V.; GOMES, Isaltina Mello; MORAIS, Wilma. O documentário
jornalístico, gênero essencialmente autoral. In: XXIV CONGRESSO BRASILEIRO DA
COMUNICAÇÃO, set., 2001, Campo Grande, MG. Disponível em:
<http://reposcom.portcom.intercom.org.br/dspace/bitstream/1904/4655/1/NP7MELO.pdf>.
Acesso em 25 out. 2007.
DESLANDES, Suely Ferreira, CRUS NETO, Otavio, GOMES, Romeu, MINAYO, Maria
Cecília de Souza (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes,
1994. Coleção Temas Sociais.
DIAS, Heloíza. O agronegócio na mídia brasileira. Comunicação em Agribusiness & Meio
Ambiente, v.1, n. 1, dez. 2004. Disponível em:
<http://www.agricoma.com.br/rev1entrevistaismarcardona.htm>. Acesso em 25 out. 2006.
DICIONÁRIO da TV Globo, v. 1: programas de dramaturgia & entretenimento. Projeto memória
das Organizações Globo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
DINES, Alberto, TISATO, Cláudia. Mídia rural. Observatório da Imprensa. Disponível em:
<http://www.tvebrasil.com.br/observatorio/arquivo/principal_040608.asp#programacao#program
acao>. Acesso em 10 out. 2006.
DUARTE, Elizabeth Bastos. Televisão: entre gêneros/formatos e produtos. In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 26, 2003, Belo Horizonte, MG.
Disponível em:
<http://reposcom.portcom.intercom.org.br/bitstream/1904/5068/1/NP15DUARTE.pdf>. Acesso
em 20 nov. 2007.
169
_____. Quando e como a TV fala de si. Biblioteca on-line de Ciências da Comunicação.
Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/duarte-elizabeth-bastos-quando-como-tv-fala-desi.pdf>. Acesso em 10 jul. 2008.
ÉBOLI, Renata do Lago. Globo Rural: mito e realidade do homem do campo. 2007. 55 p.
Dissertação (Mestrado em Ciências) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro.
ECO, Umberto. Como se faz uma tese. Tradução: Gilson César Cardoso de Souza. 19. ed. rev.
São Paulo: Perspectiva, 2004.
____. La guerre du faux. Paris: Grasset, 1985.
ERBOLATO, Mário L. Técnicas de codificação em jornalismo: redação, captação e edição
no jornal diário. 5 ed, ver. e aum. São Paulo: Editora Ática, 1991.
FACHINELLI, Ana Cristina, MARCON, Christian, MOINET, Nicolas. A prática da gestão de
redes: uma necessidade estratégica da Sociedade da Informação. In: Sociedade da informação:
inclusão e exclusão. Disponível em:
<http://www.comciencia.br/reportagens/socinfo/info14.htm>. Acesso em 07 out. 2006.
FALCÃO, Aluízio. Na cultura, um retrato musical do País. Observatório da Imprensa, set.
2006. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?
cod=398ASP005>. Acesso em 29 out. 2007.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed. ver. e
aum. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986.
FIORIN, José Luiz, SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto: leitura e redação. 3. ed.
São Paulo: Editora Ática, 1991.
FLORY, Suely Fadul Villibor; MACHADO FILHO, Francisco. A linguagem ficcional do
cinema na Internet: a interação entre o usuário e o computador na perspectiva das teorias da
Estética da Recepção. Comunicação: Veredas/Revista do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação, p. 297-312. v. 4, n.4, 2005. São Paulo: Ed. UNIMAR, 2005.
FRANÇA MONTEIRO, Maria da Graça M. de. Duelo ou Dueto? A controvertida Relação entre
cientista e jornalista. In: JORGE DUARTE, M, BARROS, Antonio Teixeira de (Ed.).
Comunicação para ciência, ciência para comunicação. Brasília, DF: Embrapa Informação
Tecnológica, 2003.p. 161-185.
FRANCO JÚNIOR, Hilário. Apresentação. In:VARAZZE, Jacopo de. Legenda áurea..
Tradução: Hilário Franco Júnior. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
GITLIN, Todd. Mídias sem limite. Tradução: Maria Beatriz de Medina. Rio de Janeiro:
Civilização brasileira, 2003.
170
GLOBO fatura R$ 6,66 bi e Globosat vai a R$ 800 mi. Revista on line, mar. 2008. Disponível
em: <http://revistaonline.wordpress.com/2008/03/27/globo-fatura-r-666-bi-e-globosat-vai-a-r800-mi/>. Acesso em 06 jun. 2008.
“GLOBO rural” ganha mais espaço na TV. Diário do Vale. Disponível em:
<http://www2.uol.com.br/diariodovale/arquivo/2000/outubro/09/page/fr-lazer.htm>. Acesso em
12 set. 2005.
GLOBO rural. Memória Globo. Disponível em:
<http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-238203,00.html>. Acesso
em 10 set. 2006.
GOLGO, Fabiano. Um Brasil confinado a São Paulo. Observatório da Imprensa, dez. 1997.
Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/jd051297b.htm>. Acesso
em 30 out. 2007.
GOMES, Itania Maria Mota. Questões de método na análise do telejornalismo: premissas,
conceitos, operadores de análise. Revista da Associação Nacional dos Programas de PósGraduação em Comunicação, abr. 2007. Disponível em:
<http://boston.braslink.com/compos.org.br/e-compos/adm/documentos/ecompos08_abril2007
_itaniagomes.pdf>. Acesso em 29 ago. 2007.
GONÇALVES, Elizabeth Moraes. A construção do discurso sobre o meio rural: uma análise
do programa “Globo Rural”. v. 2, n. 2, jul-2005. COMTEXTO. Disponível em:
<http://www.agricoma.com.br/rev2artigoBethGonçalves.htm>. Acesso em 30 set. 2005.
______. A reportagem na televisão. Disponível em: <http://www.ipv.pt/forumedia/4/17.htm>.
Acesso em 10 mai. 2007.
_____. O folclore como caracterização do homem do campo: uma análise do Globo Rural.
Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom, 5, 2005. Disponível em:
<http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/R1246-1.pdf>. Acesso em 19 ago
2006.
GONÇALVES, José Ricardo. Rolando Boldrin. Boa música brasileira. Disponível em:
<http://paginas.terra.com.br/arte/boamusicabrasileira/index_int_19_rolandoboldrin.html>.
Acesso em 02 fev. 2008.
GONZÁLES, Lucilene. Linguagem publicitária: análise e produção. São Paulo: Arte &
Ciência, 2003.
GRADE de programação Rede Globo, mai. 2008. Disponível em:
<http://comercial.redeglobo.com.br/agenda_calendario_da_programacao/programacao_1.php>.
Acesso em 20 jun. 2008.
171
GREIMAS, A. & COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. Tradução: Alceu Dias Lima et al. São
Paulo: Cultrix, 1989.
GUIRADO, Maria Cecília. Investigações sobre o processo de criação da reportagem.
Comunicação: Veredas/Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, p. 225-242. v.
4, n.4, 2005. São Paulo: Ed. UNIMAR, 2005.
HOINEFF, Nelson. Ibope & a TV paga: A aparição do fantasma. Observatório da Imprensa,
abr. 2001. Disponível em:
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/qtv180420011.htm>. Acesso em 20 ago.
2005.
IZIQUE, Claudia. O novo rural brasileiro. Revista Pesquisa Fapesp, n. 52, abr. 2000.
Disponível em: <http://www.revistapesquisa.fapesp.br/index.php?art=918&bd=1&pg=1&lg=>.
Acesso em 28 jun. 2005.
IVANISSEVICH, Alicia. A mídia como intérprete. In: VILAS BOAS, Sergio. Formação &
informação científica: jornalismo para iniciados e leigos. São Paulo: Summus, 2005.p.13-30.
JORGE DUARTE, M, BARROS, Antonio Teixeira de (Ed.). Comunicação para ciência,
ciência para comunicação. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2003.
______. Inserção, Papel e Atuação: Jornalistas na Embrapa. In: JORGE DUARTE, M, BARROS,
Antonio Teixeira de (Ed.). Comunicação para ciência, ciência para comunicação. Brasília,
DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2003.
______. Pesquisa & Imprensa: orientações para um bom relacionamento. Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária, Assessoria de Comunicação Social. Brasília: EMBRAPA-ACS, 1994.
______. A comunicação da Embrapa com a imprensa: análise dos editores. Portal do
jornalismo científico. Disponível em:
<http://www.jornalismocientifico.com.br/jornalismocientifico/artigos/jornalismo_agrobusiness/ar
tigo2.php>. Acesso em 20 jul. 2008.
JORNAL Nacional: a notícia faz história. Memória Globo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
JORNALISMO em Agribusiness. Portal do jornalismo científico. Disponível em:
<http://www.jornalismocientifico.com.br/conceitojornaagribusiness.htm>. Acesso em 12 set.
2005.
_____. Disponível em:
<http://www.jornalismocientifico.com.br/jornalismocientifico/conceitos/jornalismoagrobusiness.
php>. Acesso em 06 ago. 2007.
KOVACH, Bill, ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do jornalismo: o que os jornalistas devem
saber e o público exigir. Tradução: Wladir Dupont. 2. ed. São Paulo: Geração Editorial, 2004.
172
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários nos tempos da imprensa alternativa.
São Paulo: Scritta Editorial, 1991.
LIMA, Alceu Amoroso. O jornalismo como gênero literário. São Paulo: Editora Com-Arte:
EDUSP, 1990.
LIMA, Daniel. Quem somos? In: Diário da Grande ABC. Disponível em:
<http://www.livremercado.com.br/quemsomos.htm>. Acesso em 29 ago. 2007.
LINHA do tempo: Navegue pela história do Globo Rural. Disponível em:
<http://globoruraltv.globo.com/GRural/0,27062,4378,00.html>. Acesso em 02 jun. 2008.
LINS DA SILVA, Carlos Eduardo. O adiantado da hora: a influência americana sobre o
jornalismo brasileiro. São Paulo: Summus, 1991(novas buscas em comunicação vol 39).
_____. Muito além do jardim botânico. 2. ed. São Paulo: Summus, 1985.
LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Pesquisa em comunicação. 7. ed. São Paulo: Edições
Loyola, 2003.
MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. 4. ed. São Paulo: Editora Senac São Paulo,
2005.
MACLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. 20. ed. São
Paulo: Cultrix, 2005.
MAIA, Jussara. Globo Rural – edições diárias: programa temático ou telejornal? In:
ENCONTRO DOS NÚCLEOS DE PESQUISA INTERCOM. Disponível em:
<http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/R1540-1.pdf>. Acesso em 20 set.
2005.
MALIN, Mauro. As origens do jornalismo na TV pública brasileira. Observatório da
Imprensa, fev. 2004. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?
cod=265TVQ001>. Acesso em 25 out. 2006.
MANUAL de estilo Editora Abril: como escrever bem para nossas revistas. 14. ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
MANUAL geral da redação. Folha de São Paulo. 2. ed. ver. ampl. São Paulo, 1987.
MAPA da mina: revista da Rede Globo, n. 2002. Periodicidade anual.
MARCON, Christian, MOINET, Nicolas. Estratégia-Rede: ensaio de estratégia. Coleção
estratégia. Caxias do Sul: Educs, 2001.
MARÇOLLA, Rosângela. Formas simples das histórias de tradição oral à literatura infantil.
Marília: Unimar, 2006 (Material de aula).
173
MELO, José Marques de. A opinião no jornalismo brasileiro. 2. ed. rev. Petrópolis: Vozes,
1994.
_____. Pensamento jornalístico: a moderna tradição brasileira. Revista Intercom, v.30, n. 02,
jul/dez. 2007.
_____. Jornalismo interpretativo. Universidade Metodista de São Paulo – UMESP. PósCom –
UMESP. São Bernardo do Campo, 2007 (Material dado em aula).
MELO, José Marques de, et al. Regionalização midiática: estudos sobre comunicação e
desenvolvimento regional. Rio de Janeiro: Sotese, 2006.
_____. O diálogo entre produção e recepção na telenovela brasileira. Comunicação:
Veredas/Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, p. 51 - 69. v. 1, n.1, 2002.
São Paulo: Ed. UNIMAR, 2002.
MELLO GOMES, Isaltina M. de Azevedo. Cientistas e Jornalistas: um diálogo possível. In:
JORGE DUARTE, M, BARROS, Antonio Teixeira de (Ed.). Comunicação para ciência,
ciência para comunicação. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2003.p 187-215.
MARKETING rural. Portal da Comunicação em Agribusiness e Meio Ambiente. Disponível em:
<http://www.agricoma.com.br/conceitomarketingrural.htm>. Acesso em 12 mai. 2005.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 2 ed.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997.
MARTINS, Eduardo (Org.). Manual de redação e estilo. São Paulo: O Estado de São Paulo,
1990.
MARTINS, Sérgio. O humor é a melhor vingança. Veja ON-Line: n. 1914, jul. 2005.
Disponível em: <http://veja.abril.com.br/200705/p_070.html>. Acesso em 05 out. 2006.
MEDEIROS, Ana Lúcia. A telenovela, o telejornal e o interesse humano. Enecult, I.
Disponível em:<http://www.cult.ufba.br/enecul2005/AnaLuciaMedeiros.pdf>. Acesso em 10 out.
2007.
MEDINA, Cremilda de Araújo. Entrevista: o diálogo possível. 3. ed. Série Princípios. São
Paulo: Editora Ática, 1995.
MEGIDO, José Luiz Tejon. Marketing & Agribusiness. 2. ed. São Paulo: Editora Atlas, 1995.
MICHAELIS: dicionário escolar inglês. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2001.
MORAES NETO, Geneton (Org.). O livro das grandes reportagens. vol.1. São Paulo: Editora
Globo, 2006.
174
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8ª ed. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
MUNIZ, Paula. Globo Repórter: os cineastas na televisão. Aruanda, ago. 2001. Disponível em:
<http://www.mnemocine.com.br/aruanda/paulogil.htm>. Acesso em 06 nov. 2007.
NARLOCH, Leandro. Globo: mocinha ou vilã? Super Interessante, São Paulo: Editora Abril, n.
214, p. 48-57, jun-2005.
NASCIMENTO, Marta Rocha do. Mídia e desenvolvimento local: Globo Rural enquanto
proposta de comunicação rural. Anais do Congresso Intercom, 22, Rio de Janeiro, 1999. CD –
ROM.
NEIVA, Eduardo. Comunicação, Cultura e Teoria dos Signos. In: PEREIRA, Carlos Alberto
Messeder, FAUSTO NETO, Antônio(Orgs.).Comunicação e Cultura Contemporâneas. Rio de
Janeiro:Notrya, 1993.318p.
O ABSURDO da agricultura moderna. Sítio Veg. Disponível em:
<http://www.vegetarianismo.com.br/sitio/index.php?
option=com_content&task=view&id=88&Itemid=33>. Acesso em 06 jun. 2005.
O GLOBO Rural exibe uma matéria toda em versos. Disponível em:
<http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM377246-7823-O+GLOBO+RURAL+
EXIBE+UMA+MATERIA+TODA+EM+VERSOS,00.html>. Acesso em 12 jun. 2007.
OLIVEIRA, Fabíola de. Jornalismo científico. São Paulo: Contexto, 2002.
PACHLER, Lilian Cristina. Televisões regionais: o processo de comunicação entre a Rede
Globo e as afiliadas. 2006. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Pontifica Universidade
Católica do Estado de São Paulo, São Paulo. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?
select_action=&co_obra=32002>. Acesso em 10 jun. 2007.
PATERNOSTRO, Vera Íris. O texto na TV: manual de telejornalismo. 4. ed. São Paulo:
Editora brasiliense, 1994.
PEREIRA JÚNIOR, Alfredo Eurico Vizeu. Os jornalistas e a audiência: a hipótese da
audiência presumida. Disponível em:
<http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/R1591-1.pdf>. Acesso em 14 out.
2007.
PEREIRA, Humberto. Depoimento sobre Carlito Maia. Fundação Perseu Abramo, fev. 2003.
Disponível em: <http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=1129>. Acesso
em 02 jan. 2008.
175
PEREIRA, Humberto; RIBEIRO, José Hamilton. Um olhar sobre o Brasil. Disponível em:
<http://www.globorural.globo.com/barra.asp?d=/edic/180/rep_15anos.htm>. Acesso em 02 jun.
2005.
PERFIL dos telespectadores. Direção geral de comercialização, mai. 2007. Disponível em:
<http://comercial.redeglobo.com.br/programacao_rural/gr1_perfil.php>. Acesso em 06 jun. 2008.
PESQUISA de audiência Ibope mídia. Ibope. Disponível em:
<http://www.ibope.com.br/calandraWeb/BDarquivos/sobre_pesquisas/pesquisa_audiencia.html>.
Acesso em 25 out. 2007.
PETRINI, Paulo. Um estudo crítico sobre o significado das vinhetas da Rede Globo. Acta
Scientiarum. Human and Social Sciences, Maringá, v. 26, n. 1, p. 123-133, 2004. Disponível em:
<http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/view/1568/921>.
Acesso em 13 jan. 2008.
PORTO, Ana Carolina Costa. O jornalismo e o saber local (análise da construção do conceito
de cultura na revista Continente Multicultural). 2005. 74 p. Dissertação (Habilitação em
Jornalismo) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa. Disponível em:
<http://www.bocc.ubi.pt/pag/porto-ana-carolina-jornalismo-saber-local.pdf>. Acesso em 08 jul.
2008.
PREÇO da carne continua como está. Diário de Marília. Marília, ano VII, n. 1993, jan. 1980.
PRIMAVESI, Odo, PRIMAVESI, Ana Cândida. Fundamentos ecológicos para o manejo
efetivo do ambiente rural nos trópicos: educação ambiental produtividade com qualidade. São
Carlos: Embrapa pecuária sudeste, 2003.
_____, Dilemas da Agricultura. In: VILAS BOAS, Sérgio (Org.). Formação & informação
ambiental: jornalismo para iniciados e leigos. São Paulo: Summus, 2004. 177-179.
PRIOLLI, Gabriel. Crítica de televisão. In. Macedo, Cláudia (org). TV ao vivo – depoimentos.
São Paulo: Brasiliense, 1988.
PROGRAMAÇÃO TV aberta. Disponível em: <http://www.hagah.com.br/programacaotv/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&regionId=1&operadora=15>. Acesso em 29 jan. 2008.
PUBLICIDADE tem mais. Disponível: <http://tvtem.globo.com/publicidade/>. Acesso em 10 jul
2008.
QUALIDADE e regularidade = hábito. Manual básico de mídia, jun de 2005. Disponível em:
<http://comercial.redeglobo.com.br/informacoes_comerciais_manual_basico_de_midia/manual_b
asico_qualidade.php>. Acesso em 29 jan. 2008.
REDAÇÃO. Globo Rural. Disponível em:
<http://globoruraltv.globo.com/GRural/0,27062,4378,00.html>. Acesso em 02 jun. 2008.
176
REDE Globo fatura mais e vende cotas para 2006. Portal da propaganda, set. 2005. Disponível
em: <http://www.portaldapropaganda.com/midia/2005/09/0004>. Acesso em 02 jun. 2008.
REIMÃO, Sandra (coord.) Em instantes: notas sobre a programação da TV
brasileira (1965-1995). Faculdades Salesianas. São Paulo: Cabral Editora
Universitária, 1997.
REIS JÚNIOR, Antonio. O percurso da televisão e do telejornalismo nos anos 70. Aruanda,
ago. 2003. Disponível em: <http://www.mnemocine.com.br/aruanda/tvtelejornalismo70s.htm>.
Acesso em 25 out. 2007.
RESPOSTAS: nome de uma novela ou programa com a seguinte música...? Yahoo! Respostas.
Disponível em: <http://www.br.answerstion/index?qid=20070825061741AAgKFrX>. Acesso em
08 nov. 2007.
RESTAURANTE Estação: TV Tem, Nosso Campo. YouTube, ago. 2003. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=rczMaAxVhNY&feature=related>. Acesso em 23 jul. 2008.
REZENDE, Guilherme Jorge de. Telejornalismo no Brasil: um perfil editorial. 2. ed. São
Paulo: Summus, 2000.
RIBEIRO, Eduardo. “Promoção de Amauri fortalece Kamel na Globo”. Observatório da
Imprensa, abr de 2002. Disponível em:
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/asp1704200293.htm>. Acesso em 25 out
2007.
RIBEIRO, José Hamilton. O repórter do século. Jornalistas & Cia on line. Disponível em:
<http://www.jornalistasecia.com.br/protagonista08.htm>. Acesso em 16 mar. 2008.
_____. Sobre o conceito do programa. Disponível em:
<http://memoriaglobo.globo.com/TVGlobo/Comunicacao/Institucional/memoriaglobo/CDA/Pop/
tvg_cmp_memoriaglobo_pop_video/0,33213,172196,00.html>. Acesso em 10 mar. 2006.
ROMEIRO, Gabriel. A reportagem sobre a cultura das maças foi a primeira reportagem do
Globo Rural no exterior. Nov. 2005. Disponível em:
<http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM379899-7823-A+REPORTAGEM+S
OBRE+A+CULTURA+DAS+MACAS+FOI+A+PRIMEIRA+DO+GLOBO+RURAL+NO+EX
TERIOR,00.html>. Acesso em 20 nov. 2007.
SANDRONI, Paulo (Consultoria). Dicionário de economia. São Paulo: Abril Cultural, 1985.
SANT’ANNA, Romildo. A moda é viola: ensaio do cantar caipira. São Paulo: Arte & Ciência;
Marília, SP: Ed. Unimar, 2000.
SANTOS, Maria de Lourdes dos. Debatendo 40 anos de Rede Globo: história e perspectivas na
política, mercado e cultura. Disponível em:
177
<http://www2.eptic.com.br/arquivos/Revistas/VII,n.3,2005/MariaSantos.pdf>. Acesso em 10 abr
2007.
SEGMENTAÇÃO. Manual básico de mídia, jun de 2005. Disponível em:
<http://comercial.redeglobo.com.br/informacoes_comerciais_manual_basico_de_midia/manual_b
asico_segmentacao.php>. Acesso em 29 jan. 2008.
SILVA, Gislene. O presente e o futuro do jornalismo em agribusiness e meio ambiente no
Brasil. Portal da Comunicação Empresarial. Disponível em:
<http://comunicacaoempresarial.com.br/artigojornagribusinessgislene.htm>. Acesso em 08 jan.
2006.
_____. Sinapses possíveis. Comunicação em Agribusiness & Meio Ambiente, v. 1, n. 1, dez.
2004. Disponível em: <http://www.agricoma.com.br/rev1artigogislenesilva.htm>. Acesso em 06
out. 2006.
SILVA, José Graziano da. O novo rural brasileiro. Fidamerica. Disponível em:
<http://www.fidamerica.org/admin/docdescargas/centrodoc/centrodoc_443.pdf>. Acesso em 10
out. 2007.
______. Velhos e novos mitos do rural brasileiro. Estudos avançados. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ea/v15n43/v15n43a05.pdf>. Acesso em 06 jul. 05.
SILVA, Tânia Paula da. As redefinições do “Rural”: breve abordagem. Revista Nera, ano 7, n.
4, jan./jul. 2004.
SILVA FILHO, Horácio Penteado de Faria e. O empresariado e a educação. In: FERRETTI,
Celso João et alli. Tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. (Org.).
Petrópolis: Vozes, 1994.
SOBRE a Globo Internacional. Disponível em:
<http://tvglobointernacional.globo.com/SobreTVGI.aspx?id_submenu=1>. Acesso 02 jun. 2008.
SOBRINHO, J. B. de Oliveira. 50 anos de TV no Brasil. São Paulo: Globo, 2000.
SQUIRRA, Sebastião. Aprender telejornalismo: produção e técnica. 2. ed. São Paulo: Editora
brasiliense, 1993.
TAVARES, Fernanda Pereira. A cultura organizacional como um instrumento de poder.
Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 1, n. 3, 2° sem-1996. Disponível em:
<http://www.ead.fea.usp.br/cad-pesq/arquivos/C03-art03.pdf>. Acesso em 25 out. 2007.
THOMAZ, Patrícia. A linguagem experimental da videorreportagem. In: XXIX
CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, set., 2006, Brasília, DF.
Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/R1011-1.pdf >.
Acesso em 20 out. 2007.
178
THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social do que é a mídia (uma nova
ancoragem da tradição). Petrópolis: Ed. Vozes, 1998.
TRECHOS do discurso de Humberto Pereira. Associação Brasileira do Agronegócio da Região
de Ribeirão Preto. Disponível em: <http://www.abagrp.org.br/jornal/index.asp?
pagina=1&id_edicao=24&id_secao=83>. Acesso em 02 jan. 2008.
TUDGE, Colin. Os alimentos do futuro. Tradução: Vera de Paula Assis. São Paulo: Publifolha,
2002. Série mais ciência.
TV Anhanguera (Goiânia). Wikipédia. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/TV_Anhanguera_(Goi%C3%A2nia)>. Acesso em 10 jan. 2008.
VANUCCI, José Armando. Lembranças e novelas de época. Parabólica JP, jun. 2008.
Disponível em: <http://200.98.194.26/blogs/parabolica/2008/06/05/lembrancas-e-novelas-deepoca/>. Acesso em 23 jun. 2008.
VELOSO, José Carlos Souto de Souza. Quando o campo se revia no ecrã... Revista Ingenium.
Disponível em: <http://www.ordemengenheiros.pt/Default.aspx?tabid=1139>. Acesso em 03 jul.
2007.
VILAS BOAS, Sérgio (Org.). Formação & informação ambiental: jornalismo para iniciados e
leigos. São Paulo: Summus, 2004.
_____. Formação & informação científica: jornalismo para iniciados e leigos. São Paulo:
Summus, 2005.
WATTS, Harris. On Câmera: o curso de produção de filme e vídeo da BBC. Tradução: Jairo
Tadeu Longhi. São Paulo: Summus, 1990.
BONNER, William. Mídia e Educação:privilegira o interesse público. In:WERTHEIN, Jorge,
CUNHA, Célio (Orgs.). Investimentos em educação, ciência e tecnologia: o que pensam os
jornalistas. 2. ed. Brasília: Unesco Brasil, 2004.
WOLF, Mauro. Teoria da comunicação (Mass media: contextos e paradigmas, novas
tendências, efeitos a longo prazo, o newsmaking). Lisboa: Editora Presença, 1987.
YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Tradução: Daniel Grassi. 3 ed. Porto
Alegre: Bookman, 2005.
179
Apêndice
180
Download

UNIVERSIDADE DE MARÍLIA MARIA JOSÉ DE CASTRO