UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ INÊS MARIA DA COSTA MARQUES CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO trajetória e impasses no processo de democratização do ensino público em Cuiabá-MT Rio de Janeiro 2011 INÊS MARIA DA COSTA MARQUES CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO Trajetória e Impasses no Processo de Democratização do Ensino Público em Cuiabá-MT Dissertação apresentada à Universidade Estácio de Sá como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação. Orientadora Profª Dra. Elisangela da Silva Bernado. Rio de Janeiro 2011 M357 Marques, Inês Maria da Costa Conselho municipal de educação: trajetória e impasses no processo de democratização do ensino público em Cuiabá-MT / Inês Maria da Costa Marques. – Rio de Janeiro, 2011. 112 f. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Educação)– Universidade Estácio de Sá, 2011. 1. Educação pública. 2. Democratização da educação. I. Título CDD 370 INÊS MARIA DA COSTA MARQUES CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO Trajetória e Impasses no Processo de Democratização do Ensino Público em Cuiabá-MT Dissertação apresentada à Universidade Estácio de Sá como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação. Aprovada em BANCA EXAMINADORA _______________________________________________________ Profa. Dra. Elisangela da Silva Bernado – Presidente da Banca Universidade Estácio de Sá (UNESA) _______________________________________________________ Profa. Dra. Laélia Carmelita Portela Moreira Universidade Estácio de Sá (UNESA) _______________________________________________________ Prof. Dr. Alexandre Maia do Bomfim Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) Aos meus netos Enzo e Blenda pelo orgulho, pela torcida e entusiasmo. AGRADECIMENTOS Ao meu Deus. À minha querida filha Ana Cláudia e ao meu genro Marcos Biancardini. À Universidade Estácio de Sá, pela oportunidade, e aos seus professores pelas sábias e essenciais orientações, especialmente aos Profs. Drs. Donaldo Bello de Souza e Elisangela da Silva Bernado. Ao Vice-Governador do Estado de Mato Grosso, Francisco Tarquínio Daltro. À Fundação de Amparo à Pesquisa de Mato Grosso - Fapemat. À Prefeitura de Cuiabá, ao Conselho Municipal de Educação de Cuiabá, Conselheiros e Técnicos Aos amigos, que sempre estão ao nosso lado. Às professoras Walderez Lucas do Amaral, Lisanil Patrocínio Pereira e Elinar Campos de Oliveira pela dedicação, dividindo conosco o seu tempo. Uma vida de experiências abre a trilha, curta ou comprida, estéril ou produtiva, do nada à morte, transitando pela alegria, indefinidamente dilatada. (SERRES) RESUMO Esta Dissertação é uma investigação de cunho qualitativo e analisa a atuação do Conselho Municipal de Educação de Cuiabá-MT no processo de democratização da educação pública, buscando avaliar como estão sendo postas em prática as competências oficiais e não oficiais deste órgão colegiado, verificando também como ocorreu a participação da sociedade civil na sua composição, assim como identificando as ações deste organismo no campo do assessoramento e formação dos seus conselheiros A pesquisa foi desenvolvida em quatro fases. Na primeira foi realizado um levantamento bibliográfico e documental. Na segunda fase desenvolvemos a investigação de campo, que compreendeu a coleta de dados. Na terceira etapa nos apropriamos da legislação e regulamentação atinentes ao Conselho Municipal. Na quarta e última fase da pesquisa fizemos a análise e sistematização dos dados empíricos coletados. Constatou-se que o Conselho Municipal de Educação de Cuiabá-MT ainda não contribui na melhoraria e qualificação do processo educacional dentro de uma formação crítica. Ele está intimamente ligado à estrutura central do governo municipal, sem qualquer autonomia financeira e com pouquíssima visibilidade social. Sua constituição, organização e distribuição de atividades seguem os mesmo passos do Conselho Estadual de Educação - CEE, o que o torna pouco inovador e criativo. A maioria dos seus conselheiros, não tem definidos claramente suas funções, papéis e possibilidades de avanços em suas atividades, apontando para a necessidade urgente de se implantar de um sistema de formação dos conselheiros. Palavras-Chave: Educação. Educação Municipal. Conselho Municipal de Educação. Cuiabá-MT. Democratização. Gestão Colegiada. ABSTRACT This dissertation is a qualitative investigation and examines the actions of the Cuiaba Municipal Education Board in the process of democratization of public education, seeking to assess how they are putting into practice the formal and informal responsibilities of this collegial body. Verification was also made of how the participation of civil society in its composition occurred, as well as identifying the actions of this body in the field of advising and training its members. The research was conducted in four phases. The first was a bibliographical and documentation review. In the second phase we developed the field investigation, which included the collection of data. In the third phase we obtained the laws and regulations pertaining to the Municipal Board. In the fourth and final phase of the research we did the analysis and systematization of the empirical data collected. It was found that the Cuiabá Municipal Education has not yet contributed to the improvement and qualification of the educational process within a critical analysis. It is intimately connected to the central structure of municipal government with no financial autonomy and with little social visibility. Its constitution, organization and distribution activities follow the same steps as the State Board of Education (CEE), which lead to a lack of innovation and creativity. Most of its board members do not have clearly defined functions, roles and opportunities for improvements in their activities, pointing to the urgent need to deploy a training system for board members. Keywords: Education. Municipal Education. The Municipal Education Board. Cuiabá-MT. Democratization. Collegial Management. LISTA DE SIGLAS PTA – Plano de Trabalho Anual CME – Conselho Municipal de Educação LDB- Leis de Diretrizes s Bases Fnde – Fundo Nacional de Educação PME – Plano Municipal de Educação TDI – Técnico de Desenvolvimento Infantil MEC – Ministério da Educação MT – Mato Grosso SMEC – Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso CUC – Conselho Único de Creche Sintep – Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público Sintrae – Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino do Estado de Mato Grosso Sinep – Sindicato das Escolas Particulares Fundef – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização do Magistério UNCME – União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação CEE – Conselho Estadual de Educação SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 12 1. BREVE CONSIDERAÇÃO SOBRE A EDUCAÇÃO NO PROCESSO DA DEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL ...................................................................................................... 16 1.1 DESCENTRALIZAÇÃO E MUNICIPALIZAÇÃO ........................................................................ 16 1.2 GESTÃO DEMOCRÁTICA E PARTICIPAÇÃO POPULAR .......................................................... 23 2. O SURGIMENTO DOS CONSELHOS NO BRASIL......................................................... 29 2.1 O CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE CUIABÁ – TRAJETÓRIA E IMPASSES NA DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO PÚBLICO EM CUIABÁ MT ...................................................................... 45 2.2 O CENÁRIO POLÍTICO E O SURGIMENTO DO CONSELHO EM MATO GROSSO. ....................... 48 2.3 CONSELHO MUNICIPAL DE CUIABÁ-MT- CRIAÇÃO E IMPLANTAÇÃO. ................................ 54 3. O CONSELHO MUNICIPAL DE CUIABÁ-MT: ANÁLISE DO MATERIAL DE CAMPO ..................................................................................................................................................... 62 3.1 ANÁLISE DOS DOCUMENTOS .............................................................................................. 62 3.2 - ANÁLISES DAS ENTREVISTAS ............................................................................................ 66 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 79 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ................................................................................. 83 ANEXOS ..................................................................................................................................... 87 ANEXO I - ENTREVISTAS ........................................................................................................ 87 ANEXO II - PROGRAMA MT – 20 .......................................................................................... 96 12 INTRODUÇÃO A presente pesquisa visa refletir sobre as políticas públicas educacionais centrando a atenção no estado de Mato Grosso. Numa visão contextualizada e crítica, o foco central da análise foram os aspectos históricos, sociais e políticos que influenciaram e incidem nas atuais mudanças do sistema educacional brasileiro e seus reflexos na educação mato-grossense. Nosso objeto de estudo foi o Conselho Municipal de Educação de Cuiabá-MT. Compreender a política educacional mato-grossense via municipalização, tendo como prioridade o estudo crítico sobre o papel do Conselho Municipal de Educação (CME) de Cuiabá-MT na construção do processo de descentralização, foi o cerne da nossa pesquisa, ocasião em que tivemos oportunidade de elencar as mediações culturais e políticas dos governos locais na construção de versões diferenciadas para o processo de descentralização, visto a pluralidade étnica que configura o atual Estado (PERONI, 2003). O interesse inicial foi obter um aprofundamento dos conceitos de descentralização, municipalização, participação popular e gestão democrática, com vista a refletir sobre o lugar e o papel da educação no Conselho Municipal de Educação de Cuiabá-MT. Por meio de diálogo com autores, dentre eles, Gohn (2001), Torres (2006), Souza (2008), Ribeiro (2000), Martins (2002), Nogueira (1997), Dall’Igna (1996) e Rocha (1988), emparceirando-os com os documentos oficiais, esta pesquisa centrou foco, inicialmente, na análise e avaliação da atuação deste órgão colegiado na democratização da educação pública da capital mato-grossense. Para tanto, se fez necessário analisar como estão sendo postas em prática as competências1 oficiais e não oficiais do Conselho Municipal de 1 Qualidade legitima de jurisdição ou autoridade, conferida a um juiz ou a um tribunal, para conhecer e julgar certo feito submetido à sua deliberação, dentro de uma determinada circuncisão judiciária. 13 Educação de Cuiabá-MT. A questão da participação popular na composição deste colegiado foi outro foco merecedor da atenção da pesquisa, que buscou, também, identificar as ações do Conselho no campo do assessoramento e formação dos seus conselheiros. Para o desenvolvimento desta investigação, recorremos a autores como Peroni (2003), Arretche (2002), Harvey (2007), Bordenave (2007), Souza (2008) e Paro (2000) que, na atualidade, tratam dos temas descentralização, municipalização, gestão democrática e participação social para, depois, nos determos no cenário educacional no município de Cuiabá e na participação da sociedade civil junto ao Conselho Municipal de Educação (CME). Os Conselhos têm a sua história atrelada aos processos de descentralização e municipalização; entretanto, Dall’Igna (1996) assegura que muitos estudos indicam que a descentralização e a municipalização foram, e ainda são, usadas apenas como recursos retóricos na implantação de políticas de desresponsabilização dos governos centrais, construindo versões diferenciadas para o processo de descentralização, quebrando, nessa medida, seu sentido fundante, primado na delegação de poder entre as instâncias juridicamente independentes e autônomas entre si. Assim, os Conselhos também sofrem alterações em sua função, passando a executar um papel apenas de validador das políticas do governo e exercendo, nessa medida, tão somente uma função burocratizada, legalista e cartorial. Essa questão será aprofundada no desenvolvimento da dissertação. Nesse sentido, definiu-se como objetivo geral da investigação analisar a atuação do Conselho Municipal de Educação de Cuiabá-MT na democratização da educação pública de Mato Grosso, propondo especificamente: - Avaliar como estão sendo postas em prática as competências oficiais e não oficiais do Conselho Municipal de Educação de Cuiabá-MT. -Verificar como ocorreu a participação da sociedade civil na composição desse órgão colegiado, no período de 2001 a 2010. 14 - Identificar as ações do Conselho no campo do assessoramento e formação dos seus conselheiros. Para que estes objetivos fossem atendidos, buscamos apoio nos pressupostos de gestão democrática concebida no social, no coletivo e no diversificado, privilegiando a participação de novos sujeitos (TORRES, 2006). Assim, a investigação problematizou a gestão democrática e a participação popular nos projetos de gestão da educação do município de Cuiabá. Por se tratar de investigação de cunho qualitativo, entendemos que o paradigma da teoria crítica apresentou-se como o mais apropriado, uma vez que se propõe “[...] investigar o que ocorre nos grupos e instituições relacionando as ações humanas com a cultura e as estruturas sociais e políticas, tentando compreender como as redes de poder são produzidas, mediadas e transformadas.” (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZJDER, 2004, p. 139). Os sujeitos da pesquisa foram o presidente e o ex-presidente do Conselho de Educação do município de Cuiabá, assim como sete conselheiros que dele participaram / participam e integrantes da secretaria executiva (01). O enfoque maior foi dado à forma e evolução da participação popular no Conselho Municipal de Educação de Cuiabá-MT. Do mesmo modo, tencionamos compreender como os gestores se comportaram frente a essa nova modalidade e como o processo evoluiu. A pesquisa foi desenvolvida em quatro fases. Na primeira foi exploratória que compreendeu um levantamento bibliográfico e documental referente à temática investigada, objetivando verificar suas formas de abordagem, adicionadas ao corpus documental – livros de ata do Conselho, correspondência, pareceres avaliativos da Secretaria Municipal de Educação - capazes de ampliar a dimensão da problemática central. Nesta fase também foi imprescindível a nossa participação presencial em, pelo menos, três reuniões seguidas desse colegiado, a fim de observar como se dá, na prática, a atuação dos conselheiros. 15 Na segunda fase desenvolvemos a investigação de campo, que compreendeu a coleta de dados, tendo por base entrevistas semiestruturadas, sem um fraseamento ou uma ordem rigidamente estabelecida para as perguntas, assemelhando-se a um diálogo. Nelas, a investigadora buscou compreender o significado atribuído pelos sujeitos a eventos, situações, processos ou personagens que fazem parte de sua vida cotidiana (ALVESMAZZOTTI; GEWANDSZJDER, 2004). Na terceira etapa nos apropriamos da legislação e regulamentação atinentes aos Conselhos Municipais, com centralidade no documento legal que criou o CME de Cuiabá, no seu Regimento Interno, Estatuto, Programas e Projetos. Apoiamo-nos também na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) Nº 9.394/96. Na quarta e última fase da pesquisa fizemos a análise e sistematização dos dados empíricos coletados, cotejando-os com o referencial teórico, a legislação e os depoimentos. A dissertação se estrutura, além desta introdução, nos seguintes momentos: no primeiro contextualiza historicamente as políticas sociais na busca da democratização - o alvo é a educação - desde suas concepções, programas e ações de intervenção governamental. No segundo momento historia o surgimento dos Conselhos e a participação popular, pósConstituição Cidadã. O intuito foi o de centrar luzes na conceituação e trajetória histórica deste processo, onde a apropriação dos conceitos de descentralização e municipalização, participação popular e gestão democrática foram associados aos das políticas sociais, especificamente aquelas voltadas para a educação. Com este aporte, pretende-se mostrar o papel do conselho municipal de educação de Cuiabá MT, como se efetiva a relação de diálogo entre seus membros e se com ele houve avanços na educação do município. O terceiro momento foi construído tendo por base a pesquisa de campo, não sem outro objetivo que o de aclarar os pontos positivos e negativos do objeto pesquisado. No quarto e último momento são apresentadas as considerações finais do trabalho. 16 1. BREVE CONSEIDERAÇÃO SOBRE A EDUCAÇÃO NO PROCESSO DA DEMOCRATIZAÇÃO NO BRASIL. Dialogando com autores que na atualidade discutem este tema (PERONI, 2003; BORDENAVE, 2007; PARO, 2001; HARVEY, 2007; SOUZA, 2008; SILVA; TORRES, 2008; LUCK, 2000; MARTINS, 2002; CURY, 2006, entre outros), procuramos entender e demonstrar o caminho percorrido e as transformações que a educação brasileira experimentou nas tentativas implementadas rumo à democratização. Com base nestes estudiosos, aprofundamos a pesquisa centrada nos seguintes eixos: i. Descentralização e Municipalização e, ii. Gestão Democrática e Participação Social, uma vez que se pretendeu analisar um órgão colegiado – o Conselho Municipal de Educação de Cuiabá – com o advento da descentralização. 1.1 Descentralização e Municipalização Nesta seção, buscamos caracterizar a evolução da democratização no Estado brasileiro analisando se, com a descentralização e o advento dos conselhos, pode-se dizer que houve avanços no processo democrático do Estado e da sociedade e se de fato é exercitada a prática cidadã. Emparceirados a Arretche (2002), Bobbio (2007), Peroni (2003), Gohn (2008), Ribeiro (2000), Silva (1988), Höflling (2001), Valle, Mizuk e Castro (2004), entre outros autores, apropriamo-nos teoricamente dos conceitos formulados por esses estudiosos, com a intenção de investigar a possibilidade de articulação e diálogo entre os órgãos públicos e as demandas sociais, com vistas ao fortalecimento do processo democrático e ampliação do exercício da cidadania. O recorte temporal do estudo abarca a década de 1980 até a atualidade, tendo sido esse período privilegiado por ter sido o momento no qual muito se discutiu sobre o Estado e seu papel na sociedade, não só brasileira, mas recorrente também nos países com democracias estáveis, como a França, Itália, Bélgica e a Espanha (WATTS, 1999 apud ARRETCHE, 2002). Nesses países a descentralização ocorreu de modo a responder aos problemas e demandas específicos a cada um deles, pois, como afirma Bobbio (2007, p. 330), “O 17 problema da descentralização não surge de maneira igual em todos os lugares. É indispensável colocá-lo de cada vez num ambiente social e na época histórica nos quais consegue concreta atuação.” A descentralização, assim como a democracia no Brasil se apresentam como possibilidades da criação de espaços para o diálogo que permitam a libertação dos sujeitos, transformando-os em agentes de mudanças humanizadoras por meio dos princípios da gestão democrática. A questão da descentralização está marcada pelo processo de municipalização, defendido enquanto possibilidade de a população obter maior participação, acompanhamento e controle sobre a gestão das políticas públicas, em razão da proximidade física com os meios de decisão e gestão. Ribeiro (2000) aborda esta questão trazendo o exemplo do que ocorreu há mais de 50 anos na Constituição Baiana de 1947, ocasião em que Anísio Teixeira defendeu um modelo mais autônomo de educação concretizado via instância municipal, porém assegura que a sua validação e efetivação, de fato, até contemporaneamente ainda não se concretizou na maioria dos Estados brasileiros. Silva (1998) assevera que a democratização no Brasil, das décadas de 1980 a 1990, contribuiu para o fortalecimento dos movimentos sociais a partir do momento em que seus agentes passaram a se interessar mais pelas decisões colegiadas e participativas da gestão democrática. Para este ponto, recorremos à contribuição de Nogueira (1997, p. 8), ao afirmar que “[...] pela concomitância do processo histórico, há certa tendência de se confundir os conceitos de descentralização, democratização e participação popular, passando a falsa impressão de que seriam sinônimos.” Nas palavras do mesmo autor, Estabeleceu-se certa confusão entre descentralização, democratização e participação; como se a descentralização contivesse em si mesma o impulso necessário para frear o autoritarismo, democratizar a sociedade e ampliar a participação popular. Portanto, para se pensar em descentralização no Estado brasileiro era necessário entendê-la como um processo e não como um fato isolado. 18 Por outro lado, de forma incisiva, Souza (2002, p. 1), ao discutir a educação brasileira sob o impacto da crise econômica cultural que fundamentou o Estado nas últimas décadas do século XX, pontua que: As velhas teses educacionais centradas na ideia da educação como investimento deram lugar a uma concepção de educação como capital técnico, associado ao novo paradigma econômico, o que pressupõe e requer novos enfoques, novos modelos de gestão, novas prioridades. Para este autor garantir a implementação de políticas no âmbito nacional e internacional, coerentes com os novos parâmetros impostos pela globalização, compeliu todos os países, principalmente os de economia subdesenvolvida, a assumir a ideologia dos organismos internacionais. Na verdade, foram eles os grandes mentores das políticas macroeconômicas da contemporaneidade. Tais grupos, para Souza (2002), foram notadamente os dos intelectuais teóricos da política do capitalismo contemporâneo, aí sobressaindo o Banco Mundial (BIRD), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional do Desenvolvimento (BID). Entre outras tarefas, estes organismos internacionais tomaram para si a responsabilidade de elaborar e divulgar as diretrizes gerais e orientadoras da reforma do Estado, privilegiando o setor educacional. Não resta dúvida de que tal fato tenha impelido os países periféricos a abraçar os mesmos padrões de produtividade e rentabilidade dos países ricos, se bem que a condição de subalternidade econômica, acrescida da pressão político-econômica imposta da parte dos referidos organismos internacionais, forçou a criação e a execução de políticas reformadoras para os referidos países. Tudo com o intuito de que os subalternos afinassem os sistemas educacionais às necessidades econômicas, mantendo-se em sintonia com a ideologia e com a nova ordem econômica do mercado globalizado (SOUZA 2002). No Brasil, no pensar de Souza (2002), a expressão dessa nova realidade político-econômica pode ser reconhecida na reforma do Estado, na edição dos atos legais, como a Emenda Constitucional Brasileira n. 19/1998 e a Lei da Responsabilidade Fiscal – Lei Federal n. 101/2001. Não diversamente, aqui também se inserem as reformas educacionais, materializadas por meio dos 19 decretos, medidas provisórias e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Acresça-se, por igual, a Emenda Constitucional n. 14/1996, que criou o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), poderoso incentivo legal para a municipalização do ensino fundamental. Neste ponto, apoiados em Souza (2002), podemos afirmar, sem medo algum de incorrer em falha, que o ideário da educação enquanto direito de todos e proporcionadora de uma vida melhor, conforme preceitua a Constituição Brasileira de 1988, centra seu eixo na esfera econômico-política. Mais que tudo, carreia a lógica do mercado para a política social, mais particularmente para a política educacional. O homem é um ser eminentemente econômico. Vale dizer: tudo orbita ao redor da economia. No entanto, acreditando que o papel da educação é o de alavancar o crescimento nacional, além do pessoal, é inspiradora de criticidade. Pouco dignificante seria acobertarmos uma educação desumanizada, voltada tão somente para o econômico e subjugada às leis de mercado, o que seria minimizar nosso papel se aceitássemos a função reduzir os mestres a produtos, algo a ser oferecido e consumido O Estado brasileiro investiu no processo da descentralização como mecanismo ensejador da autonomia pedagógica, administrativa e financeira das instituições educacionais, no entanto, se materializou de forma pouco adequada, como se fosse uma tênue luz em meio à escuridão. A bem da verdade, o Estado descentralizou apenas os serviços. Em contrapartida, sob sua tutela detém o poder e as decisões políticas. Dessa forma, a descentralização ocorre de modo a responder aos problemas e demandas específicos de cada época (PERONI, 2003; BOBBIO, 2007). O Estado, na tentativa de acomodar as tensões sociais, propõe ações estratégicas - quase sempre de transferência de responsabilidades -, incluindo o contrabalançar dos papéis da organização do trabalho, da produção e da vida em sociedade. Nesse sentido, por força de uma leitura mais detida, percebemos as teorias neoliberais balizando as ações do Estado em perfeita sintonia com os seus princípios e com sua referência essencial, qual seja a liberdade de escolha individual, o livre mercado, que postula ao Estado ações para uma política 20 descentralizada e articulada com a iniciativa privada e de acordo com os compromissos assumidos com os organismos internacionais (SOUZA, 2002). Portanto, para compreender a descentralização no Estado brasileiro é necessário entendê-la como fruto de um processo de luta para que o Estado possa nos oferecer condições de articuladores de direitos mais amplos que beneficiem a cada um e a todos. E não como um movimento isolado. Isso, entretanto, parece ainda uma idéia remota, pois as ações do Estado ainda são pontuais, incapazes de promover alteração nas relações mais amplas que se estabelecem na sociedade. Conforme Höfling (2001, p. 40), que nos incita a ir em busca dos nossos direitos sociais, “[...] mais do que oferecer “serviços sociais” - entre eles a educação - as ações públicas, articuladas com as demandas da sociedade, devem se voltar para a construção de direitos sociais.” Na busca por estes direitos, na década de 1980, muitos acontecimentos podem ser destacados como contribuição para a instauração de mudança na relação Estado e sociedade civil, no âmbito da descentralização e da democratização. Faremos referência à Emenda Constitucional proposta pelo Deputado Federal, à época, o mato-grossense Dante Martins de Oliveira, as Diretas Já, em 1982. Tal projeto foi uma mobilização suprapartidária promovida por uma coligação de partidos: Partido dos Trabalhadores (PT), com o apoio do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), do Partido Trabalhista Brasileiro (PDT), pela Comissão de Justiça e Paz (CJP), pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e por outras entidades: No âmbito desse movimento, em 25 de abril de 1984, dia da votação do projeto de lei da referida emenda, cerca de seis milhões de pessoas participaram do evento “Diretas”: foi um fenômeno de mobilização popular sem precedentes na história do Brasil. (CALDEIRA, 1986 apud PERONI, 2003, p. 45). As forças conservadoras, mais uma vez, temeram a inquietação social e avançaram no sentido de uma composição pelo alto, respeitando o braço armado, já que “em tempos de democracia” ninguém sabe qual a veneta do povo...” (CALDEIRA, 1986 apud PERONI, 2003, p. 45) 21 Foi nesse contexto que os empresários e suas entidades corporativas se uniram para “[...] impedir a passagem abrupta tanto da ditadura militar para um governo democrático”, como para que não fosse convocada a Assembleia Nacional Constituinte, exclusiva, livre e soberana, vencendo o penoso “acordo conservador”, que nada mais fez do que reciclar as funções da ditadura, instituindo um Congresso Nacional preso à referida transição democrática. (FERNANDES, 1989 apud PERONI, 2003, p. 46). Dessa maneira, em meio a esse contexto social, pode-se dizer que a propositura das Diretas Já, apesar de derrotada, preconizava eleições diretas para o Congresso Nacional e também para todos os níveis governamentais, assim como uma nova Constituição Federal, consubstanciada em 1988, com a qual foi possível recuperar as bases federativas, dando início às inovadoras formas de realização das políticas públicas, principalmente nas áreas de políticas sociais. Entendemos a descentralização como uma proposta que teve e tem em sua gênese avanços positivos para o crescimento e a democratização do Estado brasileiro que, favorecendo a emergência de novos atores sociais, consolida os poderes nas esferas municipais, estaduais e federais, sendo um instrumento potencialmente favorável às mudanças e discussões políticas. Da mesma forma, não há como negligenciar a municipalização do setor educacional, o que amplia as oportunidades de escolarização. A municipalização, movimento que tornou efetiva a abertura da escola às crianças de todas as origens sociais.... Segundo Valle; Mizuk e Castro (2004, p. 190): As medidas de descentralização passam a figurar entre os principais objetivos das esferas administrativas (federais e estaduais) ligadas à educação nacional e implicam, fundamentalmente, a criação e ou expansão das redes municipais, gerando o movimento denominado municipalização do ensino. Os mesmos autores informam que, para dinamizar esta iniciativa (da municipalização), em outubro de 1986 foi criada a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), entidade composta pelos secretários municipais de educação, com a finalidade de ampliar o espaço de participação política dos municípios brasileiros. 22 Por outro lado, conforme já discutido em Nogueira (1997), a descentralização não pressupõe a participação da sociedade e tampouco são termos complementares. Assim, Peroni (2003, p. 69) afirma que A descentralização, gradualmente, tenta retirar responsabilidades do Estado, o qual quer transferir para a sociedade tarefas que eram suas no que se refere às políticas públicas e, principalmente, às políticas sociais. Ela foi e tem sido um importante instrumento na distribuição de poder, porém não deixa de ser um instrumento do poder público de controle social, uma vez o país ainda carrega resquícios de séculos de colonização, exploração, autoritarismo e centralização do poder. Para esta análise, Peroni (2003, p. 38) traz a contribuição de Fiori (1985) que apresenta a periodização destes ciclos em: De 1820 a 1870, segundo o autor houve um movimento de centralização do poder, de consolidação do Império, quando a pedra angular da unidade era a defesa incondicional da escravidão. De 1870 até a Primeira Guerra Mundial houve um período de descentralização do poder do Estado com a “política dos governadores”- pacto que reconhecia a supremacia de São Paulo e Minas Gerais porem preserva o poder das demais oligarquias, que nos demais Estados da Federação eram dirigidos pelos seus próprios governadores. Da primeira Guerra Mundial até os anos de 1970:1980, o período foi marcado pela centralização do poder, com ampliação do papel econômico do Estado, tanto na regulação quanto na condução da acumulação, o que resultou na ampliação da burocracia e na gestão autoritária da máquina estatal. Outro conceito importante à temática da descentralização é o de participação social e cidadania nos Conselhos de Educação, assunto que será desenvolvido na próxima seção, com o olhar atento para o modo como se desenvolveu essa participação, uma vez que “Eles, conselhos, devem ser espaços e mecanismos operativos a favor da democracia e do exercício da cidadania, em qualquer contexto sociopolítico. Eles podem transformar-se em aliados potenciais, estratégicos, na democratização da gestão das políticas sociais.” (GOHN, 2008, p. 105). Nesse pensar, o grande desafio para o Estado brasileiro é o de realizar os objetivos democráticos de descentralização, dando origem aos diversos conselhos 23 nos níveis federal, estadual e municipal. Sem dúvida, isso exige esforços gigantescos dos governos e da sociedade civil e requer definição e desenvolvimento de políticas públicas que visem a superação das desigualdades que se manifestam nos mais variados setores. A definição dessas políticas, contudo, não se dá de forma automática, tampouco é linear, tendo em vista que se situa no interior de processos políticos e sociais complexos e contraditórios, onde sobressaem interesses diversificados de grupos e classes sociais. Por outro lado, é no contraditório que se estabelece a busca da superação: 1.2 Gestão Democrática e Participação Popular A propositura de se estudar o Conselho de Educação do município de Cuiabá impõe discussões e muita investigação sobre a participação popular, uma vez que a mesma está ligada ao exercício pleno da democracia, via a gestão democrática. Mas, o que significa gestão democrática para a administração pública, quando a população continua cada vez mais marcada pela fome, pelas enfermidades, pelo desemprego, pela ausência participativa, por um meio de comunicação que apenas noticia as ações dos governos que geralmente estimulam a população a buscar os caminhos da iniciativa privada como solução para os problemas? Questionamos, pela nossa convicção, ser nefasta a presença do Estado mínimo e suas manifestações, com consequências calamitosas às políticas sociais brasileiras, em especial as educacionais. Estas, submetidas ao ideário neoliberal, conseguem demarcar e definir as características do Estado brasileiro, suas relações econômicas reguladas pelo mercado, consolidando o Estado mínimo em nosso país. Peroni (2003) nos alerta para a questão das transformações que ocorrem nessa fase particular do capitalismo, em função das mudanças que ocorrem na esfera da produção, do mercado e do Estado. Salienta que, embora esses sejam processos distintos, ocorre no mesmo momento histórico, no qual presenciamos a reestruturação produtiva, a globalização, a descentralização, o neoliberalismo e a pós-modernidade. 24 Peroni (2003, p. 23) alerta ainda que, para analisar o Estado brasileiro neste momento histórico, o conceito de Estado não podia ser diferente daquele proposto por Marx: “Um Estado histórico, concreto, de classe e nesse sentido, Estado máximo para o capital, já que no processo de correlação de forças em curso, é o capital que detêm a hegemonia.” Para finalizar seu pensamento, a autora, de forma incisiva, afirma: [...] não se trata de um Estado mínimo genericamente. É o Estado de classe, hegemonizado pelas elites do setor financeiro, neste período particular do capitalismo, e que se torna mínimo apenas para as políticas sociais. (PERONI, 2003, p. 50) Tal cenário pode ser observado nos artigos da nossa Constituição, conforme trazidos logo a seguir. Na elaboração do texto constitucional de 1988, todos os indivíduos e organizações lutaram por assegurar a expressão dos seus interesses na redação constitucional. Os setores públicos e privados representaram um terreno propício para as manifestações dos conflitos que historicamente marcaram uma das grandes dicotomias do mundo contemporâneo (BOBBIO, 2007). Por um lado, a sociedade, buscando o direito de escolher a quem confiar a condução da educação dos seus filhos, concebe que o Estado deveria conceder à iniciativa privada o direito de exercer a educação, desde que obedecendo a suas diretrizes. De outro lado, grupos defendiam a ideia que a educação deveria ser pública e gratuita e que o Estado não poderia facultar a possibilidade da convivência entre estas duas instâncias (pública e privada) No entanto, o Art. 206, Inc. II abre para essa dimensão, qual seja, a possibilidade de convivência entre o público e o privado, ao assegurar que na “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar, divulgar o pensamento, a arte e o saber” há lugar para uns e outros. Nesse mesmo sentido, deve ser entendido o art. 206, inc. III da citada Constituição, que estabelece “pluralismo de ideias e concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino.” Assim, podemos dizer que a elaboração da Constituição cidadã foi permeada de lutas e conflitos, espelhando o momento social vivido à época. Apesar das dificuldades, esforços foram empreendidos para que se conseguisse um texto constitucional que contemplasse uma educação gratuita de qualidade 25 para todos, ponto contemplado no art. 206, IV da mesma Constituição, que trata do princípio da “gratuidade do ensino público nos estabelecimentos educacionais”. Importa registrar que este artigo foi introduzido no texto constitucional por força das pressões dos grupos defensores do ensino público gratuito, que exigiram o direto à participação como princípio democrático, conseguindo, dessa forma, sua aprovação. A respeito da participação popular na gestão democrática, podemos dizer que ela está se solidificando paulatinamente em nosso país, tendo sido parcialmente institucionalizada. (GOHN, 2008). Torres (2006) afirma que discutir a gestão democrática pressupõe refletir sobre o social, o coletivo, o diversificado e a participação de novos sujeitos. Paro (2001) assegura que não pode haver democracia sem pessoas democráticas para exercê-la. Entretanto, isso somente será possível se as instituições que se apresentam como democráticas possibilitarem discussões, debates, intensa comunicação, convivência das diferenças que, numa relação dialética, vão estruturando e consolidando a consciência democrática participativa. Dessa forma. problematizar a gestão democrática e a participação popular nos projetos de gestão da educação deve ser o passo inicial de uma instituição que se intitula democrática. O termo participação entrou na ordem do dia nos últimos anos e tem se generalizado pelo mundo todo. Para Barbosa (2006), a partir da Constituição Federal de 1988 foram introduzidas inúmeras mudanças nas políticas governamentais que também vêm adquirindo novos contornos, pelo fato de que algumas mudanças tinham a ideia central de administração voltada para a participação da sociedade, da coisa pública, o que resultou em novos mecanismos de participação. A autora defende que a participação é um instrumento importante e que se conquista de forma infindável, não podendo jamais ser considerada acabada. Bordenave (2007, p. 76) assegura que “[...] a participação é uma necessidade humana e, por conseguinte, constitui um direito das pessoas.” Para o autor, a participação está incluída nas necessidades óbvias das pessoas, as primárias, como comer, dormir, ter saúde, e as não óbvias, como a participação, a autovaloração, o pensamento reflexivo, a autoexpressão. Este autor acredita que 26 privar o homem de realizar estas necessidades é mutilar o desenvolvimento harmônico da sua personalidade integral. Na década de 1980 esse tema suscitou inúmeros debates, especialmente sobre quais seriam os canais adequados a essa participação, ocasião em que se discutiam propostas sobre como participar, em que níveis seriam essas participações, delineando, assim, vigorosa discussão em torno dos Conselhos, no sentido de utilizá-los enquanto inovadores instrumentos de expressão e participação da sociedade na gestão pública. Eles se apresentaram enquanto possibilidade da população ter acesso aos espaços sociais nos quais se tomavam decisões políticas e criavam condições para um sistema de vigilância sobre as ações do Executivo (GOHN, 2000). Novamente trazemos a contribuição de Bordenave (2007, p. 77), ao nos alertar que “[...] a participação é um processo de desenvolvimento da consciência crítica e de aquisição de poder.” Ao promover a participação, deve-se aceitar o fato de que ela transformará pessoas, antes passivas e conformistas, em ativas e críticas. Além disso, deve-se adiantar que ela ocasionará a descentralização e distribuição de poder antes concentrado numa autoridade ou num grupo pequeno. Se não se está disposto a dividir o poder, é melhor não iniciar o movimento de participação. A própria Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 propiciam o entendimento sobre a gestão democrática, que vai além da prática docente. Ela preconiza a criação de canais para a participação da sociedade, importante componente visto como fator para o avanço rumo à democracia. Não se pode negar que a discussão sobre participação vem de longa data e que estudos e análises sobre a ideia de participação tornaram-se muito populares e muito se tem discutido a respeito das formas de participação. Kosik (1976 apud LÜCK, 2000) assegura que a participação popular se tornará efetiva a partir da conscientização da sociedade enquanto produtora desta mudança. Nas palavras da autora (2000, p. 27): “[...] a realidade pode ser mudada só porque e só na medida em que nós mesmos a produzimos, e na medida em que saibamos que é produzida por nós.” Essa compreensão é fundamental na concepção da gestão democrática que pressupõe a participação, ou seja, o trabalho associado de pessoas analisando situações, pensando e decidindo sobre elas. É 27 desse trabalho compartilhado, orientado pela vontade coletiva, que se cria um processo de construção de instâncias ativas e competentes, compromissadas com a sociedade. Entendemos democracia enquanto um processo de colaboração recíproca entre grupos e pessoas, e até de dispositivos de participação democrática, sob o argumento de ampliação da participação e controle social das políticas públicas (TORRES, 2006). A ação democrática, portanto, vai muito além de uma mera eleição, exigindo, sobretudo, a participação efetiva nas decisões em qualquer âmbito que ela se apresente. Contudo, essa conquista, como nos revela a história, tem como pano de fundo um conjunto de lutas e embates, quando se trata do compartilhar projetos e decisões relativos à esfera da gestão pública (PARO, 2001). Nessa medida, a gestão democrática é um dos conceitos básicos que norteou a presente pesquisa, entendida como forma dinâmica e participativa de conduzir uma instituição. Ela está para além da administração e sua real efetivação depende, sobretudo, do compartilhamento do poder de decisão, num formato coletivo (LÜCK, 2000). A contribuição de Bordenave (2007, p. 74), neste ponto, é fundamental para o posicionamento quanto à participação social. Para o autor, esta é concebida, como uma [...] mentalidade e um comportamento a ela coerentes. Não como algo que pode ser transmitido ou ensinado e sim como uma experiência e vivência coletiva de modo que se aprenda na práxis grupal. Parece que só se aprende a participar participando. Desta forma pode-se dizer que a prática participativa não é uma prática de caráter técnico, ela propõe que, ao assumi-la, se assuma também o compromisso social, a fim de produzir valores que devem ser solidários, públicos e democráticos. Ao participar, o cidadão exercita seu direito, responsabilizando-se pelo o que faz e decidindo sobre o que precisa ser mudado. 28 Trata-se, portanto, de um processo pelo qual as camadas sociais participam não apenas na produção, mas também da gestão e usufruto dos bens que, historicamente, foram construídos em uma sociedade. Por outro lado, Calderon e Marim (2001, p. 10) afirmam que a participação popular na gestão dos organismos públicos, principalmente sob a forma de Conselhos é: Uma conquista popular, uma absorção do Estado pela sociedade civil que, ao legitimarem os Conselhos enquanto espaço representativo da sociedade, outorgam-no competências legais e que por esta razão dificilmente serão objeto de estratégias maquiavelicamente estruturadas, para que as forças conservadoras os converta em forças sustentadoras do poder. A presente pesquisa pretendeu informar e debater como se processa a relação dialógica entre os membros do Conselho Municipal de Cuiabá-MT, o que será melhor detalhado no próximo capítulo, quando faremos a análise dos dados investigados. 29 2. O SURGIMENTO DOS CONSELHOS NO BRASIL Os Conselhos surgem na década de 1990, nas áreas da Educação, Saúde e Assistência Social, constituindo numa das principais inovações democráticas no campo das políticas públicas, ao normatizarem a possibilidade de espaços de interlocução permanente entre a sociedade política e a sociedade civil organizada (GOHN, 2008). O ideário de democratização da gestão escolar pública brasileira tem seu início na década de 1980, nos estertores do período autoritário, lembrado como o período das reformas. Nesta época, grandes movimentações na sociedade aconteceram, ocasião em que os setores se reuniram na tentativa de propor mudanças à realidade da época, com amplos debates públicos e reuniões sindicais acaloradas. No segmento educacional não foi diferente, pois foi um dos segmentos que maior visibilidade ofereceu ao movimento. Pautado nas insatisfações pelos baixos índices de escolaridade, no fracasso escolar, nos parcos investimentos estatais no setor, nas precárias condições de trabalho dos professores e no domínio da cultura autoritária sobre as práticas pedagógicas, os movimentos em prol da escola pública eram como bombas próximas a explodir no calor dos debates acadêmicos. Os professores, apoiados por grupos políticos, intelectuais, comunidades eclesiais, movimentos estudantis e o Fórum Social em Defesa da Escola Pública2, numa soma de esforços que buscou um modelo de escola autônoma e democrática, o que não foi uma luta fácil (SILVA; TORRES, 2008). Nos anos de 1980, os processos de democratização da política nacional propiciaram a discussão teórico-metodológica em uma perspectiva emancipatória, intensificando-se os movimentos sociais. No bojo da redemocratização do Estado, da descentralização do poder para os municípios e unidades federadas, a educação passou a ter liberdade para planejar, implementar e gerir suas políticas educacionais 2 Sobre Fórum visite php?acao=princ&id=2&id_prin=64. site: http://www.undime.org.br/htdocs/index. 30 Em 1982, com as eleições diretas para os governos estaduais, ocorreu a vitória das oposições ao governo militar em dez Estados brasileiros. Esse fato produziu mudanças na política educacional, apontando para uma nova visão do papel da escola pública. Comprometidos com o discurso da mudança na educação, esses governos implantaram medidas inovadoras na rede pública de ensino (FERNANDES; FRANCO, 2001; MAINARDES, 2001; BERNADO, 2003). Portanto, pesquisar a escola, as relações escolares, o processo de escolarização a partir dos anos 80 significou discutir uma escola que foi e ainda continua sendo atravessada por um conjunto de reformas educacionais. Nessa mesma década, com a Carta Magna de 1988, que incorporou a gestão democrática, novas expectativas e novo ânimo movimentaram a sociedade brasileira, que vislumbrou a possibilidade de participar de uma escola democrática voltada para os que, de fato, desejavam uma sociedade mais inclusiva e justa, nascida dos movimentos de contestação à lógica da administração empresarial para a escola pública (SILVA; TORRES, 2008). As autoras afirmam que este movimento, aos poucos, foi se consolidando e surtindo efeito de alcance político, possibilitando o surgimento de órgãos colegiados, dentre eles os da educação. Assim, podemos afirmar que a promulgação da Constituição Federal brasileira de 1988 abriu espaço para maior participação da população no interior dos órgãos gestores, construindo um novo modelo de administração baseado não apenas no desenvolvimento de atividades meramente administrativas, mas indicando a participação de membros da sociedade civil em programas e projetos dos governos, nas três instâncias, federal, estadual e municipal, com reflexos positivos para toda sociedade. Dessa forma, apoiada na Constituição, um novo capítulo na educação nacional passou a ser escrito, visto que ela prevê a criação de muitos instrumentos da participação popular, dentre eles os Conselhos Municipais de Educação. As bases legais para a criação deste espaço participativo são: o Artigo 211 da referida Constituição, que diz: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, organizarão em regime de 31 colaboração seus sistemas de ensino” - a Lei de Diretrizes e Bases – LDB, em seu Art. 8º: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistema de ensino.” §1º - Caberá à União a coordenação da política nacional da educação, articulando os diferentes níveis e sistemas, exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais. § 2º - Os sistemas de ensino terão liberdade de organização nos termos desta lei. Com a implantação da LDB, os municípios passaram a ter atribuições e responsabilidades não experimentadas anteriormente. Desta forma, muitos equívocos, por falta de domínio da legislação levaram ao comprometimento da gestão municipal (GRACINDO, 2008). Exemplo desta afirmativa foi o ocorrido no município de Cuiabá, conforme observado no segundo capitulo desta dissertação, quando apresentamos o Conselho Municipal de Educação em Cuiabá-MT. Ainda sobre a LDB, Gracindo (2008) aponta como uma das suas grandes lacunas a não indicação e regulamentação do Sistema Nacional de Educação. Segundo a autora, por mais que o Ministério de Educação (MEC) e o Conselho Nacional de Educação (CNE) se esforcem para coordenar os sistemas federal, estadual e municipal de educação, a LDB sempre esbarra na questão de pertinência e legalidade, uma vez que em seu Art. 11 estabelece como competências dos municípios: I – Organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos Estados. II - Exercer ação distributiva em relação às suas escolas; III – Baixar normas complementares para o seu sistema de ensino, IV – Autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos do seu sistema de ensino. V - Oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas e com prioridade o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência em recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino. Parágrafo único: Os Municípios poderão optar, ainda, por se integrar ao sistema estadual de ensino ou compor com ele um sistema único de educação básica. 32 Sendo assim, baseando-se no Art. 11, o município tem como primeira tarefa escolher qual a sua melhor forma de organização, como uma das esferas do poder público responsável pela condução da educação. Em outras palavras, o município pode optar pela forma que julgar mais adequada para organizar seu sistema, estabelecendo suas competências, definindo ações que visem a melhoria na educação, como as sugeridas pela própria LDB, descritas a baixo. • que se realizem programas de capacitação para todos os professores em exercício, utilizando para isto, os recursos da educação a distância; • que integre todos os estabelecimentos do ensino fundamental do seu território ao sistema nacional de avaliação do rendimento escolar; • que estabeleça estratégia para que em menor tempo possível, sejam admitidos em seus quadros apenas docentes habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço; • que estabeleça mecanismos para a progressão da sua rede escolar pública de ensino fundamental, para o regime de escolas de tempo integral; • que estabeleça mecanismos para autorizar o funcionamento e para avaliar a qualidade do processo educativo desenvolvido pelas escolas da iniciativa privada. (GRACINDO, 2008). Dessa forma, cumprindo o que preceitua a Lei e procurando seguir as orientações acima, cria-se o Sistema Municipal de Educação - uma organização sistematizada de articulação das instituições, tendo como órgãos todas as instituições que participam do processo educativo, dentre elas, o Ministério da Educação, os Conselhos nacional, estaduais e municipais de Educação, as Secretarias estaduais e municipais de Educação, as escolas estaduais e municipais e demais órgãos afins O Conselho Municipal de Educação é portanto,um órgão de Estado, de caráter permanente - que ultrapassa os governos, que regula as relações dos cidadãos e do governo, sendo sua maior característica sua autonomia de ação e decisão. Deve ser seguido e até mesmo vigiado pelos cidadãos, que são os maiores interessados na sua conduta correta e adequada para a comunidade local. Para tanto, algumas condições são fundamentais para seu exercício. O conselho precisa conter, na sua composição, a pluralidade social, para garantir o 33 atendimento a todos os segmentos da sociedade. Buscar sempre preservar e garantir a autonomia dos conselheiros. Procurar organizar os seus mandatos de maneira não coincidentes com os do executivo, e ter os atos homologados por esse mesmo poder (SILVA e TORRES, 2008) A partir dessas premissas, podemos dizer que o papel do conselho é o de dividir com os munícipes a preocupação com a educação municipal, buscando alternativas para os problemas existentes. Esse papel exige, no entanto, legitimidade enquanto espaço capaz de manter relação com a sociedade por meio dos segmentos representados na sua composição, o que lhe confere o papel de interlocutor das demandas sociais, assegurando, a participação da sociedade nas discussões e encaminhamentos para o aperfeiçoamento da educação municipal. Dentre suas funções estão a: 1- Consultiva – cuja finalidade é a de responder consultas que lhes são submetidas; 2- Normativa – tem como finalidade elaborar normas complementares e interpretar a legislação e as normas educacionais; 3- Mobilizadora – objetiva estimular a participação da sociedade no acompanhamento e na oferta dos serviços educacionais; 4 - Deliberativa – desempenhada em relação à matéria sobre a qual tem poder de decisão, por meio da atribuição específica de acordo com a lei; 5 - Acompanhamento de controle social e fiscalização - sua finalidade, como o próprio nome indica, é o de acompanhar e fiscalizar a execução das políticas públicas, assim como dar cumprimento à legislação, podendo fiscalizadores e aplicar denunciar aos órgãos sanções previstas em lei no caso de descumprimento; 6 - Propositiva – emitir opinião e oferecer sugestão. É no desempenho dessa função que o CME participa da discussão e da definição de políticas e planejamento educacionais. 34 Após estas reflexões, e distante de esgotar o assunto, podemos dizer que o Conselho Municipal de Educação pode ter tanto funções técnicas como políticas, podendo responder por um ou por outro perfil, ou ainda por ambos se dessa forma o desejar. O Conselho Municipal de Educação deve garantir em sua composição os princípios da representatividade e pluralismo, elementos constitutivos de uma gestão democrática, validando sua função enquanto representante da vontade da maioria e atuando na defesa do direito de todos à educação pública de qualidade e gratuita, anseio remoto da sociedade, consolidado na Carta Magna de 1988. Neste ponto, consideramos que a Constituição Cidadã, ao apontar essa perspectiva, nada mais fez do que consubstanciar a vontade da população, expressa através de histórico quadro de lutas e movimentação social. O Conselho Municipal de Educação de Cuiabá-MT é resultado da movimentação social em defesa da democratização da educação, ao definir seu papel, função, atribuição e estrutura. Nos seus primeiros anos de existência, procurou contar com a participação da comunidade, conforme nos relata um dos seus fundadores: No processo de instalação do CME, com base no que definia a Lei quanto às competências do Conselho, que eram as de – consultivo, deliberativo, normativo e de assessoramento, tentamos fazer uma articulação entre a sociedade e o poder público, buscando dessa forma cumprir a principal função do Conselho, que é a de ser espaço destinado para os debates a respeito dos rumos da educação municipal. (CONSELHEIRO A, Entrevista, Cuiabá, 2010) Continua o mesmo Conselheiro: O primeiro exemplo da participação popular no Conselho Municipal de Cuiabá foi quando elaboramos a resolução da educação dos jovens e adultos, foi um trabalho lindo e muito gratificante. Abrimos amplo debate com a sociedade, onde os conselheiros se preparavam para isso, estudavam novos rumos para a Educação de Jovens e adultos-EJA. (CONSELHEIRO A, Entrevista, Cuiabá, 2010) Outro exemplo trazido pelo conselheiro fundador do Conselho Municipal de Educação de Cuiabá foi o processo de definição das Políticas para a Educação 35 Infantil. Segundo ele, esta ação foi palco de um debate intenso entre o Conselho, a sociedade e Secretaria da Educação do município. Relata que, na época desta discussão, o Secretário de Educação tinha uma posição contrária, diferindo dos encaminhamentos que estavam sendo dados para as tomadas de decisões e elaborações das resoluções. Apesar de levar algum tempo para que os encaminhamentos entre a sociedade e secretaria de educação se afinassem, foi possível se chegar a uma conclusão, culminando com a Resolução da Educação Infantil. Avaliou o mesmo Conselheiro: O Conselho em todo momento, nessas duas primeiras experiências, se propôs a ser o órgão de mediação entre a sociedade e o poder executivo. O resultado desse processo é culminado sempre nas nossas resoluções. (CONSELHEIRO A, Entrevista, Cuiabá, 2010). Tem-se observado nos últimos anos a definição de políticas que incentivam a participação da sociedade no processo de formulação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas, em especial na esfera educacional. Nessa perspectiva, os conselhos se apresentam enquanto instrumentos adequados, conforme assegura Barbosa (2006, p. 161): Um aspecto importante a ser considerado é a instituição de mecanismos que possibilitem a inserção de seguimentos da sociedade no acompanhamento das políticas públicas por meio de colegiados que se podem apresentar como espaços essencialmente participativos. Com a elevação dos estados e municípios à condição de entes federados, seus poderes de decisão e de participação política ficaram fortalecidos, inaugurando-se nova forma jurídica de administração, quando os princípios da descentralização e da democratização passaram a nortear as ações locais a serem desenvolvidas, tendo por base a capacidade do próprio governo municipal de gerir recursos e normatizar ações, com o intuito de prestar serviços de interesse social (SILVA; TORRES, 2008). 36 Não obstante, as autoras (2008, p. 27) asseguram que, no Brasil, a demanda por educação e a luta pela democratização da gestão escolar, nas décadas de 1980 e 1990, “[...] pareciam, a princípio estar sendo atendidas pelas novas políticas públicas. Entretanto, muitas pesquisas constataram o descaso do Estado em relação à oferta de serviços públicos de qualidade à população, em meio ao contraditório processo de execução dessas políticas no contexto da Reforma do Estado, na década de 1990.” Peroni (2003, p. 69) aborda essa época com reservas e, no tocante à descentralização, assegura que o “Estado brasileiro, gradualmente, tenta retirar responsabilidades que são suas e quer transferir para a sociedade tarefas que se referem às políticas públicas e, principalmente, às políticas sociais.” Nesse ponto de vista, ao se tratar de políticas públicas, a autora alerta que é necessário um olhar atento sobre o momento político em que vivia o país, frente aos ajustes impostos pelos organismos internacionais, onde o Estado submete-se ao jogo do mercado, recuando frente às políticas sociais. Corroborando esta ideia, Höfling (2001, p. 38) assegura que “[...] o processo de definição de políticas públicas para uma sociedade reflete os conflitos de interesses, os arranjos feitos nas esferas de poder que perpassam as instituições do Estado e da sociedade como todo.” Dessa forma, todo e qualquer raciocínio que se empreenda para uma avaliação do Estado brasileiro impõe que tenhamos clara as concepções de Estado e de Política Social, dado que nelas estão cimentados as ações e os programas de intervenção dos governos, por determinado período histórico. Na tentativa de apropriação destes conceitos, na temática relativa ao Estado, deparamos com as várias feições que este descortina a cada momento histórico, para atender a esta ou àquela sociedade, conforme nos ensina Höfling (2001, p. 32): “[...] assumem “feições” diferentes em diferentes sociedades e diferentes concepções de Estado. É impossível pensar Estado, fora de um projeto político e de uma teoria social para a sociedade como um todo.”. Não menos distante encontra-se o pensamento de Galvanin (2005, p. 8), ao encarecer que, para compreendermos as mais recentes mudanças que estão ocorrendo no sistema educacional brasileiro, precisamos 37 [...] destacar os aspectos do contexto histórico do Estado, pois o compromisso assumido na sua agenda econômica e política, influenciado pelo sistema capitalista, é seguido por inúmeros outros compromissos na esfera social, particularmente na educação por meio de documentos políticos que refletem suas reforma. A autora neste estudo busca a contribuição de Azevedo (2001), para melhor compreensão destas diferentes manifestações externas de Estado. Fiquemos com suas palavras: Apesar das diferentes tipificações históricas, o autoritarismo, o verticalismo, a exclusão, as relações clientelistas com a sociedade a hegemonia dos interesses privados no seu interior e a sua apropriação pelas elites são laços permanentes do Estado brasileiro. (AZEVEDO, 2001 apud GALVANIN, 2005, p.8). A autora identifica ainda cinco tipos de Estado, moldados em cada período histórico, refletindo com profundas repercussões no campo educacional, depurado nos discursos presentes em documentos oficiais, como na legislação e nas reformas implementadas. São estes os diferentes tipos de Estado, que em variados períodos históricos refletem a postura adotada, adjetivados segundo o viés que abraçam: Estado oligárquico, controlado pelas elites agrárias, Estado intervencionista, que mesclou aspectos keynesianos e fascistas, representados pelo período varguista (1930/1945); Estado liberal populista (1946/1964); Estado militarista autoritário (1964/1985); Estado neoliberal, cujas políticas estão em pleno desenvolvimento. (AZEVEDO, 2001 apud GALVANIN, 2005, p. 8) Palmilhando esta cronologia ou este ordenamento histórico, tomaremos o interregno compreendido entre o final do período denominado de Estado militarista ou ditatorial (1964 – 1984) e o Estado chamado de neoliberal - período contemporâneo. Nesse balizar de tempo, as políticas estão em franca discussão e implementação pela sociedade, a qual, após as Diretas Já e Constituição de 1888, procurou, por meio da participação popular, exercer o seu direito à cidadania. 38 Entretanto, um olhar mais crítico e inquieto voltado para a desmistificação das ilusões sociais coletivas e para o desvelamento dos mecanismos usados para esta dominação, Höfling (2001, p. 30) afirma que: É fundamental estar atento às questões de fundo as quais informam basicamente as decisões tomadas, as escolhas feitas, os caminhos de implementação traçados e os modelos de avaliação aplicados em relação a uma estratégia de intervenção governamental qualquer. Nesta mesma linha de raciocínio, Peroni (2003) observa que no contexto da descentralização, com a abertura democrática na reorganização do poder, não se conseguiu vencer os interesses da ditadura militar. Para a autora, o plano econômico-liberal continuou acentuando as diferenças sociais, com a falta de emprego, moradia, sobrecarga de trabalhos, culminado na desunião entre os trabalhadores, o que inibiu as manifestações nas decisões a serem tomadas. Nesse cenário, a autora (2003, p. 72) alerta que na redefinição do papel do Estado nos anos de 1990, a centralidade da gestão passa a ser [...] a qualidade entendida como produtividade. Nesta perspectiva, o eixo deslocou-se para a busca de maior eficiência e eficácia via autonomia da escola, controle de qualidade, descentralização de responsabilidades e terceirização de serviços. Vieira (2007, p.7) observa que diversos informes e documentos internacionais têm destacado a importância central de professores e gestores na promoção da aprendizagem. A esse respeito, a autora cita o relatório: “Professores são importantes: atraindo, desenvolvendo e retendo professores eficazes”, resultado de estudo realizado em 25 países (OCDE3, 2006). Estudos dessa natureza inserem-se no contexto de uma discussão mais ampla no campo das políticas educacionais relativas à temática da avaliação e da eficácia dos sistemas escolares. Independentemente do viés neoliberal, denunciado por muitos especialistas da área, os sistemas de avaliação internacionais, nacionais e locais representam uma realidade irrefutável. Por isso mesmo é oportuno não apenas conhecê-los, 3 Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos. 39 como deles extrair lições. Uma discussão oportuna sobre o tema diz respeito às constatações desses estudos sobre países que têm obtido sucesso em avaliações internacionais, temática que não abordaremos nessa dissertação, mas que se faz necessária no contexto atual da gestão educacional (VIEIRA, 2007). Vieira (2007, p.3) ainda nos orienta que muitas são as interfaces entre as políticas, práticas de formação e a gestão escolar, sendo que as “políticas para a formação de professores” têm merecido destaque na agenda dos países, em virtude das “profundas mudanças econômicas e sociais em curso”, que “tornaram a escolarização de alta qualidade mais importante do que qualquer outro momento” da história. Entretanto, em nosso país tal situação parece ainda distante, em razão de amplos e complexos fatores e instâncias que a questão envolve e que estão definidos na legislação nacional. Discussões em torno de educação de qualidade vêm sendo perseguida no Estado brasileiro há algumas décadas, preocupações sobre formação e capacitações dos gestores e professores, da mesma forma, e neste ponto citamos alguns programas do governo federal no âmbito da formação dos gestores municipais o Programa de Apoio aos dirigentes Municipais (Pradime) e o Programa de Capacitação a Distância para Gestores Escolares (Progestão), de iniciativa dos Estados, da mesma forma, a Escola de Gestores (Projeto Escola de Gestores da Educação Básica) desenvolvido pela União com o apoio de universidades e secretarias de educação (VIEIRA, 2007). Ao fazer o mapeamento mais detalhado dos projetos de formação de professores e gestores da educação, Vieira (2007) mostra o empenho deliberadamente perseguido pelas políticas de formação. No entanto, afirma que tal esforço não tem se traduzido nos resultados obtidos pela escola em todo o país. A referida autora elenca os programas, trazendo o que eles têm em comum, que é de suprir as deficiências na formação dos professores das referidas etapas da educação básica. Neste ponto, a autora nos leva a uma reflexão. Onde está o problema da educação brasileira? Haveria algo de errado nos programas de formação e capacitação ou simplesmente o problema ultrapassa a esfera de formulação e implementação de políticas? Nessa perspectiva, Chauí (2001) assegura que, com a descentralização da Educação, e com ela a autonomia dos Estados e municípios de criar e implementar 40 suas próprias políticas, está imbricada a necessidade de entender à “engenharia política” que o Estado brasileiro implementou, para se adequar às exigências do capital. Segundo a autora, compreender a presença do capital no Estado nacional e sua relação com as políticas sociais se faz necessário, ao evocar duas épocas distintas na nossa história. A primeira é a vivida logo após a Segunda Guerra Mundial, entre as décadas de 1940 e 1970, quando a presença do Estado, como parceiro econômico e agente regulador da economia, tinha clara e definida sua função - controlar os ciclos econômicos, combinando políticas fiscais e monetárias, direcionando-as para o investimento público, para os setores vinculados ao crescimento da produção e do consumo de massa, além de garantir pleno emprego. Caracterizava-se, dessa forma, o Estado do Bem-Estar Social4 que visava, além dos aspectos apresentados, a melhoria dos salários, complementando-os com seguridade social, assistência médica, educação e moradia (HARVEY, 2007). A segunda época situa-se entre as décadas de 1980 e 1990, quando o capital devidamente estruturado e com papel definido passou a determinar políticas modernas e racionais, tracejando novos caminhos para a nação brasileira. O fundamento ideológico da reforma do Estado, portanto, era agora cristalino, apontando como agente principal de todos os problemas e malefícios econômicos, sociais e políticos da presença do Estado. Essa crítica antevia como solução para esse impasse a participação da iniciativa privada. Dizendo de outra forma, o mercado se colocava como o agente portador da racionalidade sociopolítica e promotor do bem-estar da República (CHAUÍ, 2001). Nesse movimento que enseja a abertura à participação popular, uma nova formatação organizativa da administração pública se apresentou – a descentralização administrativa - onde os cidadãos escolhiam e decidiam sobre a sua participação nas esferas políticas. Administrar o bem público sob este novo formato impunha uma nova mentalidade administrativa e política, fundamentada em valores como liberdade, igualdade e inclusão social, onde está assegurada a apropriação dos espaços e o direito à participação da comunidade nos processos 4 Estado assumindo variedades de obrigações com forte complemento ao salário social para manter democráticas e capitalistas, as políticas pós-guerra tinham que tratar de questões de pleno emprego, da educação, da habitação decente, de presidência social, do bem estar social e das amplas oportunidades de construção de um futuro melhor (HARVEY, 2007). 41 decisórios. A questão da participação nos últimos anos passou a ser discutida no mundo inteiro e, no Brasil, desde a década de 1980 e tem-se acumulado experiências diversas e forma múltiplas de participação (BARBOSA, 2006). A autora aponta a rápida modernização da sociedade brasileira como um dos fatores concorrentes para crescentes e complexos problemas em todos os níveis sociais, o que concorre para a necessidade do envolvimento da sociedade nas esferas do governo e no processo decisório das políticas públicas. Nessa perspectiva, a participação, tem o papel formulador, fiscalizador e de controle da gestão pública, constituindo, a forma pela qual a sociedade pode controlar as ações do Estado (BARBOSA, 2006). Por outro lado, Höfling (2001, p. 33) analisa, sob a ótica da acumulação do capital, a questão dos problemas sociais oriundos da rápida modernização da sociedade brasileira. A autora faz uma contundente observação sobre o Estado brasileiro e suas ações que, segundo ela, não teriam outro interesse a não ser o de manter gigantesca parcela da população sob seu controle, uma vez que estes não conseguem estabelecer liames com os processos de produção. E complementa: O Estado capitalista moderno cuidaria não só de qualificar permanentemente a mão de obra para o mercado, como também, através de tal política e programas sociais, procuraria manter sob controle parcelas da população não inseridas no processo produtivo. A autora defende a ideia de que as ações propostas pelo Estado garantiriam a produção e a reprodução das condições indispensáveis à necessária acumulação capitalista, tendentes à perpetuação do capital nas mãos dos que detêm o poder. O lado brutal do processo de acumulação capitalista é a deteriorização, a destruição das forças do trabalho no que toca à sua utilização tradicional, escapando da competência dos indivíduos a decisão quanto a que método recorrer, a que trabalho se entregar. Esses, não se adequando aos novos padrões de produção, perdem o “bonde” da história, não mais se afinando com as exigências de mercado e se afugentam diante da tecnologia, indo, dessa forma, engrossar as fileiras dos excluídos. 42 Embora a participação exerça papel importante nas formulações e implementações das políticas públicas, a ideia de que a população não tem hábito de participar e que acha mais fácil receber as coisas prontas, é corrente na sociedade. Contudo, muitos pesquisadores deste período do Estado brasileiro, dentre eles Paro (2000) e Cury (2006), em análise mais minuciosa e crítica, consideram que este foi mais um mecanismo para confundir a sociedade, dando a ela o “direito” participativo, ao afirmar que a gestão democrática não pode se afastar da participação popular e se o povo não participa é por que lhe falta interesse em defender seus direitos, ou manifesta negligência no cumprimento de seus deveres. Como se lê na contribuição de Dallari (1996 apud MORAES, 2007, p. 65): [...] se o povo não tem participação direta nas decisões políticas e se, além disso, não se interessa pela escolha dos que irão decidir em seu nome, isso parece significar que o povo não deseja viver em regime democrático, preferindo submeter-se ao governo de um grupo que atinja os postos políticos por outros meios que não as eleições. Entretanto, a história vem se construindo na contramão desta afirmação, ao relatar várias experiências instituintes5 dos movimentos sociais pela redemocratização do país. Os movimentos dos estudantes, trabalhadores, militantes de partidos, intelectuais e artistas são exemplos de participação popular em prol do restabelecimento democrático. Estes movimentos formaram uma ampla frente política que passou a lutar pelas eleições diretas e pela elaboração da nova Constituição. Dessa organização afloraram propostas significativas para a educação, possibilitando a ela, e a outras políticas sociais, galgar avanços no texto final da Constituição Federal. Nessa nova configuração, no bojo da descentralização administrativa, os setores mais democráticos da sociedade canalizaram suas esperanças para iniciarem uma gestão mais democrática do bem público, investindo na possibilidade de se criar espaços socializados para garantir a participação da sociedade civil. 5 Cf. Linhares (2007). 43 Esta participação poderia se dar por meio de organismos colegiados, democraticamente constituídos, que visassem o fortalecimento da autonomia aqui entendida não apenas no cumprimento das funções atribuídas, mas também na esfera das decisões políticas de gestão pública. Segundo Martins (2002, p. 107), A partir dos anos de 1980, a frustração com as limitações e a constatação do esgotamento dos sistemas centralizados – nos moldes em que estavam funcionando – canalizaram as esperanças de setores mais democráticos latino-americanos para as promessas da descentralização que enfatizavam, entre outras questões, os ganhos nos mecanismos democráticos da sociedade relacionados não mais à noção universal de igualdade, porém à possibilidade de maior participação e representação da diversidade e da diferença. Nesse contexto se apresenta a forma colegiada de participação – os Conselhos – instâncias de ampliação do espaço de ação e participação, de intervenção expressiva da população nas políticas públicas, propiciando a inclusão de novos atores sociais enquanto sujeitos autônomos, críticos e capazes de reivindicar seus direitos de igualdade e justiça social (TORRES, 2003 apud SANTOS, 2005). A discussão sobre os Conselhos é “[...] imprescindível para se pensar o futuro da nação brasileira: o novo não se afirmará senão na democracia.” (LEHER, 2004, p. 26). Para este autor, os conselhos são formas organizativas de participação democrática que procuram romper com as forças centrífugas6 que tentam restringir as lutas sociais e os conflitos de classe na unidade produtiva – seja a fábrica ou a propriedade rural – ampliando-os para o Estado Nacional (Conselhos de Educação, da Saúde, dos Trabalhadores do Campo e da Cidade) e cada vez mais para o âmbito Internacional (Rede Internacional Solidária). Nesse entendimento, o autor acredita que discutir a participação dos movimentos sociais nos conselhos é laborar nos limites da contensão das contradições e dos conflitos de classes, em nome da ordem estabelecida. Por outro lado, analisando a organização do Estado brasileiro, Cury (2006, p. 131) assegura que a “Constituição de 1988, recusando tanto um federalismo centrífugo 6 Forças centrífugas – ver Cury (2006). 44 como centrípeto, optou por um federalismo cooperativo, sob a denominação de regime de colaboração recíproca, descentralizado, com funções compartilhadas entre os entes federativos.” Dessa forma, percebe-se que a Constituição Federal de 1988, ao se estruturar sob a forma de cooperação recíproca, abandona o modelo hierárquico, centralista de gestão fazendo a escolha para um regime normativo e político, plural e descentralizado, onde se cruzam novos mecanismos de participação social com o modelo institucional cooperativo e democrático, o que viabiliza a participação de diversos atores políticos capazes de tomar decisões (PARO, 2000). Nesse contexto, desponta a gestão democrática, concomitantemente com a redemocratização do país. Ela surge, trazendo em seu corpus sinalizações de caminhos imprescindíveis à sua consolidação - a criação de mecanismos garantidores desta conquista - dentre eles, a eleição de diretores das escolas e a criação dos conselhos. A idéia de gestão democrática, defendida nesse estudo, foi entendida como a forma mais apropriada para o crescimento e democratização do Estado brasileiro como possibilidade de usufruir de espaços participativos garantidos pela Constituição Federal. Para tanto, se interroga como a representatividade e a participação ocorrem efetivamente. Nessa acepção, Nogueira (1997, p. 8) considera que a participação popular “[...] depende de fatores histórico-sociais e de graus de amadurecimento político-ideológico e organizacional que muitas vezes só aparece após um longo período de tempo.” O autor defende estes mecanismos como fruto das lutas sociais para a participação popular, ressaltando que eles, muitas vezes, acabam não se concretizando efetivamente, pois seus integrantes podem ser manipulados pelos interesses de determinados grupos hegemônicos, perdendo a importância enquanto canal realizador das vocações e demandas. Tal concepção é defendida por Dall’Igna (1996, p. 4): Os conselhos foram concebidos como espaços para viabilizar a interlocução entre o poder político pela sociedade, no entanto, têm sido usados, na realidade, como instrumentos de 45 normatização e de apoio às ações dos governos numa nítida função de manutenção e conservação dos interesses dos grupos dominantes. A autora (1996, p. 1) afirma ainda que, ao se estudar a gestão democrática, “[...] os Conselhos tornaram-se elementos quase obrigatórios quando se trata da gestão das políticas governamentais na área dos direitos sociais.” Nogueira (1997), reforçando esse posicionamento, alega que a implementação de um modelo de gestão democrática e participativa está longe de ser uma tarefa simples, que dependa exclusivamente de boas doutrinas, refinadas tecnologias gerenciais, recursos metodológicos modernos, entre outros mecanismos, mas de uma impetuosa vontade política para as realizações dos interesses coletivos. 2.1 O Conselho Municipal de Educação de Cuiabá – Trajetória e Impasses na Democratização do Ensino Público em Cuiabá MT A gestão democrática, incorporada pela Carta Magna de 1988 possibilitou a sociedade brasileira o desejo de luta por uma escola mais autônoma e democrática. Em todo país registraram-se movimentos fomentadores dessa discussão, conclamando a sociedade e os segmentos representativos das diversas comunidades a se envolver com a causa democrática. Em Mato Grosso esse movimento foi marcado por grandes discussões, especialmente no âmbito das faculdades, centros acadêmicos e das escolas públicas. Para melhor entendermos esse momento histórico vivido pela sociedade mato-grossense, pinçamos dos movimentos sociais as experiências que instituíram a implantação da gestão democrática no Estado. Desde a década de 1970, como em muitas unidades federativas do país, teve início em Mato Grosso, com apoio da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) a busca do restabelecimento democrático, em contraposição ao regime fechado e autoritário implantado entre os anos de 1964 a 1985. Naquela época, estudantes, artistas, trabalhadores, militantes de partidos, entre outros, organizaram-se nacionalmente movimentos capazes de instituir ampla frente política pela redemocratização do país, mobilizando a população brasileira na 46 resistência à ditadura. Neste quadro, as forças da sociedade se aliaram na reconstrução da democracia, contribuindo para a institucionalização da Constituição Federal de 1988, que representava naquele momento uma queda de braços entre as forças políticas conservadoras do Governo Federal e a pressão dos movimentos sociais organizados (PERONI, 2003). Mato Grosso acompanhou e deu relevante contribuição ao processo de redemocratização e mudança da política brasileira, a exemplo das Diretas Já, em 1984, movimento civil de reivindicação por eleições presidenciais no Brasil, que, embora tenha sido rejeitada, foi vital para consolidação da democracia brasileira. Nesse contexto, já em 1985, começou a ser delineada em Mato Grosso a implantação da gestão democrática. Os movimentos sociais, as lideranças educacionais e diversas categorias de profissionais da educação se mobilizaram e passaram a discutir os problemas do ensino público e a adequar a legislação estadual às mudanças que também aconteciam no cenário nacional. Porto (2008) nos informa que, em 1985, o governador do estado de Mato Grosso, Júlio José de Campos, apoiado pelo prefeito de Cuiabá Anildo Lima Barros e a Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá, organizou, em parceria com a UFMT, um Fórum de Educação objetivando promover amplo debate com discussão dos problemas referentes ao ensino público de Cuiabá. Nesse ponto existe controvérsia. Em nosso trabalho de campo, ao entrevistar o Conselheiro G, sobre o momento histórico que vivia o estado de Mato Grosso à época, o referido Conselheiro assegurou que, antes de 1985, a Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso, juntamente com a Universidade Federal de Mato Grosso já iniciava a experiência com a Gestão Democrática, com do primeiro curso de pós-graduação lato sensu, coordenado pelo Departamento de Educação da referida Universidade pública. “Era um trabalho de preparação para a implantação de toda a rede de ensino”, afirma o Conselheiro. A gestão democrática implicava em mudança de postura dos órgãos gestores da educação, tornando necessário preparo para sua implantação e implementação. Os órgão governamentais responsáveis pela implantação da Gestão Democrática no Estado optaram, então, pela capacitação dos seus gestores e técnicos, como forma de apropriar do novo modelo de administrar o bem público e sua ampliação, como podemos observar no trecho da entrevista abaixo: 47 Foi um curso coordenado por então à época o Departamento de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso. Era um curso Lato sensu, o que era o máximo, pois não havia por aqui ainda mestrado e doutorado então coordenados pelo departamento realizamos o primeiro curso de Gestão Democrática para podermos partir para os projetos pilotos. (CONSELHEIRO G, Entrevista, Cuiabá, 2010) Após esta ação de preparação da equipe responsável para desenvolver o projeto piloto, teve início a Gestão Democrática em Cuiabá/MT, sendo precursora a experiência desenvolvida pela Escola Municipal Madre Maria Cerutti, na capital mato-grossense. Nessa oportunidade, foram constituídos os Conselhos Paritários na escola e realizada a eleição para os diretores, por meio de Assembleia da Associação de Pais, Mestres e Moradores. Essa ação gerou expectativa na comunidade, que vislumbrava conduzir a escola e, com ela, os interesses da classe trabalhadora local quanto à educação de qualidade para os seus filhos. Entretanto, Porto (2008) aponta que pesquisas correspondentes à década de 1980 demonstram que as investidas da democratização da gestão educacional em Mato Grosso, embora refletissem aspirações da sociedade civil, não tiveram longo tempo de sustentação. Os princípios políticos subjacentes ao processo democratizador contrariavam os interesses políticos de alguns governantes que não haviam se desvencilhado da cultura autoritária enraizada em todo o país. Embora a experiência piloto em gestão democrática mato-grossense tenha ocorrido em 1985, esta apenas veio a ser regulamentada e pôde ser implantada oficialmente em 1987, com a Lei estadual de nº 5.109/87, que vigorou de 19 de março de 1987 até 1990. Nesse período, mesmo que de forma precária, a gestão democrática no Estado ensaiava seus primeiros passos, levantando a bandeira da eleição direta dos diretores das escolas públicas de educação básica, sendo apontada por muitos como um modismo perturbador da ordem. Em 1989, o processo de gestão democrática foi interrompido por quatro anos, em razão de conflitos internos na Secretaria Estadual de Educação, suspendendo, nas escolas, a participação democrática no âmbito estadual (ABICH, 1988). Mais tarde, amparada pelas Constituições Federal, de 1988, e Estadual, de 1989, a Lei 5.604/90 foi retomada, regulamentando a eleição dos diretores e a constituição dos Conselhos Deliberativos Escolares. Logo a seguir, 48 tomando por base o Decreto 740, de 20/12/1995, já sob o governo de Dante Martins de Oliveira, foi retomado o processo de eleição dos diretores de escola, reinaugurando, a gestão democrática no estado de Mato Grosso, porém eivada de limites, por estar presa a legislações maiores. De acordo com Silva e Torres (2008, p. 36), “[...] é imperioso reconhecer as limitações presentes no processo de democratização da gestão escolar, ao se levar em conta o seu atrelamento às medidas de reestruturação e ajuste orçamentário para o setor público.” Para as autoras, a LDB, nº 9.394/96, o Plano Nacional de Educação (PNE), nº 10.172/2001, e o Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), Lei nº 9.494/96, hoje Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto nº 6.253/2007, são expressões claras deste atrelamento, uma vez que elas possuem mecanismos de controle, tais como os aferidores de qualidade, as avaliações nacionais em larga escala, dentre outros, que prejudicaram sobremaneira avanços propostos pela descentralização via municipalização do Estado nacional. 2.2 O Cenário Político e o surgimento do Conselho em Mato Grosso. Delineamos a trajetória e os diversos cenários da história de Mato Grosso em prol da redemocratização do país e da universalização da educação com qualidade. Buscamos mostrar Mato Grosso, à época, identificando as lutas na busca da implantação da gestão democrática e, com ela, o advento do Conselho Municipal de Educação - sua trajetória e impasses na democratização do ensino público em Cuiabá-MT. Para realizar esta investigação, foram consultados os seguintes documentos: a Constituição de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, a Lei da Gestão Democrática, a Lei Orgânica do Município de Cuiabá - LOM, a Lei nº 4.120 de novembro de 2001 - que dispõe sobre a Gestão Democrática, a Lei nº 4.131de 03 de dezembro de 2001 - que trata sobre a criação do conselho, a Lei nº 4.559 de abril de 2004, que altera a referida Lei, e a Lei nº 5.029 de novembro de 49 2007 que revoga as leis nº 4.131/2001, a de nº 4.559/2004 e dispõe sobre o Conselho Municipal de Cuiabá e dá outras providências. Foram analisados ainda o Decreto nº 3.957, de 5 de março de 2002, que dispõe sobre a nomeação dos primeiros membros do Conselho Municipal de Educação – CME e dá outras providências; a Lei nº 5.289, de dezembro de 2009, que institui o Sistema de Ensino do Município de Cuiabá; a Lei 5.354, de 9 de novembro de 2010, que dispõe sobre a organização, estrutura, funcionamento e a composição do Conselho de Educação, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e o Sistema Municipal de Ensino. Foram considerados relevantes, também, o Regimento Interno deste Conselho e 40 atas, das 98, da Instituição. Participamos também de quatro reuniões plenárias nesse órgão colegiado e realizamos nove entrevistas com Conselheiros. De posse das informações contidas nestes documentos e apoiados ainda nas referências de trabalhos apresentados no mestrado da Universidade Federal de Mato Grosso (SOUZA, 2005; PORTO, 2008; ABICH, 1988, entre outros), podemos iniciar esta seção afirmando que o estado de Mato Grosso sempre primou pela realização de ações com vistas a fortalecer o social. O processo democrático foi sendo cimentado nas bases do conhecimento, preparando seus condutores e a sociedade para a participação nas decisões das políticas sociais. Isto pode ser comprovado, ao analisar as ações da Educação de Jovens e Adultos, a Política da Educação Básica, o Plano Estadual de Educação e a Política da Educação Superior do Estado de Mato Grosso, o mesmo ocorrendo com o Programa MT-207. O MT 20 é um documento oficial do governo estadual que organizou estrategicamente as ações do governo a serem implementadas até o ano de 2023. Este documento, nos dias 16, 17 e 18 de março de 2011 passou por uma avaliação onde as alterações, ajustes e adequações, foram realizadas a fim de ajustá-lo à atuais necessidades do Estado. Para a realização desse seminário de avaliação, o governador do Estado nomeou uma comissão para coordenar os trabalhos e conclamou a sociedade civil e os técnicos da área instrumental do governo para procederem à ação, juntamente com a referida comissão. 7 Plano de Desenvolvimento do Estado de Mato Grosso com vistas a implementação de ações estratégicas para integrar o território mato-grossense e promover uma desconcentração da economia e dos indicadores sociais do Estado. 50 O documento oficial resultante desta atividade está sendo elaborado pela comissão para sua publicação. Dessa forma, podemos dizer que os elementos constitutivos da gestão democrática estão sendo consolidados em Mato Grosso. O MT+20 foi elaborado por iniciativa e liderança do Governo do Estado, mas deve ser entendido como uma estratégia de desenvolvimento de Mato Grosso e, portanto, da sociedade mato-grossense, e não apenas enquanto plano governamental. Evidente, o governo do Estado é o principal executor dos programas e projetos, o grande mobilizador e catalizador das contribuições dos diferentes atores sociais, entretanto, como expressão do Projeto de Mato Grosso, o Plano é de responsabilidade de todos os atores e grupos sociais que compartilham e complementam ações e iniciativas. Nesse documento, a educação e os mecanismos de que dispõe para promover a participação da sociedade e a articulação de esforços para o desenvolvimento educacional nesse Estado da federação têm destaque. Desse modo, em atendimento às determinações do MT+20, entre os anos de 2004 e 2006 coordenamos junto à Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia (SECITEC) a elaboração de uma proposta política para a educação. O projeto foi desenvolvido inicialmente tendo por base uma visita aos 41 municípios que compunham o Estado, ocasião em que foi constatado o anseio da população por participar das decisões políticas referentes aos seus municípios. Enseja, por esta razão, uma vigorosa discussão em torno dos Conselhos de Educação, observandose, no entanto, o conhecimento quase nulo dos sujeitos da pesquisa em relação a esse espaço democrático e operativo de ações pautadas na realidade educacional, especialmente as referentes a cada município. Entretanto, o processo democrático tem início quando se reconhece a necessidade de se discutir projetos divergentes, dissonantes e o significado que estas possam ter. Nesta esteira, Artemis (2006, p. 234) afirma que: Há indícios da presença de vontades que, unificadas, podem fortalecer e concretizar um projeto político-pedagógico de cunho popular e, também, de importância estratégica dos conselhos como espaço de aprendizagem e lutas em favor de uma escola democrática, efetivamente capaz de viabilizar tal projeto. 51 A presença da vontade de participar, nesta pesquisa ficou patente nas entrevistas, bem como o valor estratégico do conselho como palco para os debates acerca das questões educacionais para a educação do município. Não obstante, os caminhos precisam ser sinalizados, os meios precisam ser promovidos. Comungando com o pensamento de Torres (2006), vejamos parte da entrevista do conselheiro: A comunidade quer isso, ela gosta de participar, entretanto ela não vem ao conselho. Dificilmente ela vem aqui. Acredito que falta divulgação. Por exemplo, nosso calendário tem divulgação apenas interna. Inclusive deveria ter aqui um espaço adequado para que a população viesse ao conselho e participasse da reunião das plenárias. Afinal este espaço é para isso. (CONSELHEIRO E, Entrevista, Cuiabá, 2010) O termo participação entrou na ordem do dia nos últimos anos e tem-se generalizado no mundo todo, a idéia de participação tornou-se popular e muito se tem discutido sobre a forma de se participar (BARBOSA, 2006). A análise do Conselheiro B sobre este ponto retrata de forma critica e clara a maneira como aquele órgão colegiado é chamado à participação: Quando chamavam o Conselho para discussão de algumas questões de projetos, de discussões eu entrei no Conselho Municipal de Educação verifiquei, que até de políticas, mas também chamavam muito o conselho para questões que já estavam prontas, já estavam decididas. Exemplo disto foi a avaliação de coordenadores, já chamavam para ir aplicar prova, para executar um trabalho, não para pensar esse trabalho. Outro exemplo chamaram o Conselho,para ajudar a aplicar provinha Brasil. Isso não é a função do Conselho. (CONSELHEIRO B, Entrevista, Cuiabá, 2010) A mesma opinião pode-se observar na fala do Conselheiro D. A interatividade do CME com a população eu considero muito fraca, a população não sabe da importância do CME, não conhece o que é desenvolvido no CME. Então chama para situações fora completamente da sua função. Eu vejo que é muito isso que atrapalha essa relação da comunidade com o conselho, saber o que o conselho faz. Da mesma forma, a comunidade precisa saber também que ela pode vire participa aqui no Conselho.Ela não tem esse conhecimento a vinda da comunidade e quase nula. Quem vem muito ao conselho são os professores, os 52 diretores, quando eles estão em processo de pedido de autorização para o funcionamento. (CONSELHEIRO D, Entrevista, Cuiabá, 2010) Consoante com os demais depoimentos, o conselheiro B afirma que o desconhecimento a respeito do Conselho é tão grande que ele é procurado pela sociedade para dirimir questões apenas cartoriais e fiscalizadoras: Ainda a sociedade procura o Conselho achando que o ele pode resolver uma questão de denúncia, de processos de autorização de escola, não para discutir políticas, propostas, sempre por questão de denuncias, de filho que está com problema na escola ou é processo mesmo de autorização, querendo saber como anda, da entrada do processo, convalidação de estudo, entre outras questões burocráticas, nesse sentido mesmo. Ainda não tem essa visão de que aqui existe um debate. A procura se deve apenas pelo aspecto normativo das questões educacionais realmente. (CONSELHEIRO B, Entrevista, Cuiabá, 2010) Desta forma, concordamos com os autores que debatem a questão da participação da sociedade nesses colegiados. Este tema tem sido recorrente de estudiosos (SOUZA, 2008; RIBEIRO, 2000; OLIVEIRA, 2006; DALL’IGNA, 1996; CALDERON E MARIM, 2001; ROCHA, 1988; BORDENAVE, 2007, entre outros), cuja atenção se volta para a qualidade dessa participação e sua contribuição efetiva para o avanço do processo democrático. Compartilhamos com as palavras de Souza e Vasconcelos (2008, p. 236) ao afirmarem que “[...] atenta-se para a exiguidade do funcionamento regular desses Conselhos, assim como para a possibilidade de estarem contribuindo, de fato, para o processo de emancipação social local e a consolidação da cidadania.” À luz deste contexto caracterizado pelas ações democráticas que contribuem efetivamente para a emancipação dos cidadãos e de sua participação ampla na busca da consolidação da cidadania, é que procuramos centrar o foco deste trabalho, na análise do objeto de estudo – O Conselho Municipal de Educação de Cuiabá-MT - enquanto espaço institucional destinado ao aprofundamento democrático da vida política do município de Cuiabá. Não há duvida de que a falta de tradição democrática é realidade na sociedade brasileira, porém será recorrendo aos mecanismos de participação e de 53 exercício democrático que se conseguirá maior envolvimento de todos em suas responsabilidades (PARO,1996). Entretanto, passar a exercitar tal experiência, não é nada fácil. Toda mudança gera insegurança, desconforto, incomoda e, por esta razão, é preferível permanecer na zona de conforto a se lançar em busca de mudanças, que, certamente, requererão alteração de comportamentos e atitudes. Tal experiência parece ser aquela vivida no Conselho Municipal de Cuiabá, conforme pode ser observado na fala do Conselheiro C, ao se referir à pouca vontade do Conselho Municipal de Cuiabá em se fazer visível e conhecidas suas funções e de ser instrumento social de transformações na educação, na família em toda a sociedade. Ouçamos parte da entrevista do Conselheiro: Eu não sinto no próprio Conselho Municipal de Educação de Cuiabá, vontade de dar visibilidade às sua ações, de divulgar, tornar público que ele existe. Eu não sinto também, felicidade nele em discutir isso com a sociedade. Sinceramente, eu não vejo preocupação do conselho em cuidar da sociedade, em se preocupar com assuntos pertinentes a sociedade. Só há preocupação com as coisas de caráter interno, mas com a participação da sociedade não. (CONSELHEIRO C, Entrevista, Cuiabá, 2010). O conselheiro F, ao se se posicionar quanto à participação da sociedade no Conselho Municipal de Educação de Cuiabá, informou que não se lembrava de ter havido participação da sociedade no Conselho, embora ele sempre estivesse aberto: Do tempo que estou aqui, apenas uma vez houve presença externa no Conselho. Mas nada impede que as pessoas participem. O conselho não e fechado, mas o calendário fica no âmbito dos conselheiros. (CONSELHEIRO F, Entrevista, Cuiabá, 2010) Silva e Torres (2006, p. 39) informam que: A instituição pública para engendrar prática participativa que possa de fato, promover condições de participação política, necessita dar aos cidadãos condições de acesso às informações e 54 franquear-lhes espaços e participação e acompanhamento nas decisões de interesse comum. Isso está de certa forma, ligado a mudanças de atitudes, de posturas começando pela qualidade de participação que se pretende alcançar, Incluindo neste sentido,o alcance e tipo de democracia que se pretende ,assim como o lugar que a instituição pública se encontra nesse processo. Nessa perspectiva, se desejo um Conselho de fato democrático, ativo e com visibilidade, preciso promover meios para que isto venha a ser realidade, possibilitando condições à população de contribuir para este aprendizado desta nova cultura administrativa. Por meio da revisão de literatura, observamos poucas referências bibliográficas sobre a temática dos Conselhos Municipais de Educação, especialmente sobre o Conselho Municipal de Educação de Cuiabá - MT, até o presente momento, daí a dificuldade de interlocução com a produção sobre essa temática específica. 2.3 Conselho Municipal de Cuiabá-MT- Criação e Implantação. O Conselho Municipal de Cuiabá foi criado em 2001, por meio da Lei Orgânica do Município (LOM), promulgada em 05/04/90, iniciando suas atividades no ano de 2002. Seu objetivo central era o de fazer o papel de órgão consultivo, deliberativo, normativo, de acompanhamento e controle social do Sistema Municipal de Ensino de Cuiabá, sendo-lhe assegurados os princípios da representatividade, pluralidade, autonomia e democracia no exercício de suas atribuições (Lei 4.120 de 16/11/2001 artigos 1º e 2º). O art. 2º da Lei de criação indica que o Conselho Municipal de Educação de Cuiabá tem como finalidade: Assegurar aos órgãos representativos da Sociedade Civil e Poder Executivo o diálogo e o direito de participar da definição e acompanhamento da execução das políticas públicas para a educação do município de Cuiabá, concorrendo para elevar a qualidade dos serviços educacionais. Dessa forma, o objetivo era o estabelecimento de uma real interação entre os grupos representativos da sociedade civil com o poder executivo, em diálogo constante. Aos segmentos da sociedade que antes nunca haviam travado uma 55 relação dessa natureza, coube o direito de participar da definição e acompanhamento na execução das políticas públicas para a educação do município de Cuiabá, concorrendo para elevar a qualidade dos serviços educacionais. Essa iniciativa, entretanto, fez com que a sociedade civil e a comunidade conselhista abrissem amplo debate sobre o Conselho Municipal e suas possibilidades, não sem outro entendimento que ele seria, pelo seu conteúdo e forma, o espaço apropriado à participação criadora e consciente da sociedade, estratégia entendida, como fundamental para a melhoria da educação e princípio gerador de uma gestão democrática. Apoiado e acompanhado pelo Conselho Estadual de Educação, o Conselho Municipal passou e dar os primeiros passos no sentido de normatizar, regular e fiscalizar o sistema municipal de educação local, buscando, de forma tranquila e segura, exercitar suas funções, como apura a entrevista com o seu primeiro gestor sobre o momento de transição vivido pelo Conselho: [...] foi uma transferência tranquila, vamos dizer assim, toda vez que nós precisamos do conselho estadual de educação, toda vez que nós precisamos tirar algumas dúvidas o conselho estadual esteve a disposição, sempre nos atendeu prontamente [...]. [...] foi parceiro desde o começo nesse processo. Posso dizer que formalmente nunca chegou nada, teve discussão que nós fizemos, até que a gente amadurecesse o processo [...] (CONSELHEIRO A, entrevista, Cuiabá, 2010) Não obstante, a análise documental sinaliza para uma transição não muito fácil e tampouco tranquila por inúmeras razões, mas, principalmente, pela falta de experiência da gestão colegiada, conforme se observa na redação da ata n. 002/2002. Nesta ata, esta relatado, como primeira atividade desta reunião a discussão da composição da diretoria e indicando a necessidade de urgência nesta ação, vez que somente com ela poderia dar inicio as atividades do Conselho. O representante do Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Mato Grosso – Sintep-MT se posicionou frente à questão, informando a medida por ela tomada junto ao prefeito e afirmando possuir vasta experiência no âmbito das demandas sociais, e que por essa razão já esteve falando com o Secretário Municipal de Educação a respeito do assunto e que tudo já estaria resolvido. A luta do Conselho e dos órgãos que antes faziam sozinhos a gestão educacional na capital mato-grossense, fica evidenciada nesta análise, entendida como uma atitude 56 zelosa por parte dos membros mais experientes. Porém, pode-se depreender também como disputa pelo domínio desta fatia de poder, observadas nas leituras e discussões acaloradas entabuladas pelos componentes deste órgão colegiado na busca da autoridade para decidir sobre o que lhes competia: O Conselho Municipal de Educação de Cuiabá – MT ficará sobre a orientação do Conselho Estadual de Educação CEE/MT até que se crie o Sistema Municipal de Ensino e ao serem criadas as Políticas Educacionais do Município, estas deverão ser encaminhadas ao CEE para conhecimento, solicitando regime de colaboração. (CME. Ata nº 005/2005). Apesar da defesa justificada da relatora, um olhar mais crítico nos ajudou a entender o momento vivido por esse novo agrupamento social que surgia na nossa sociedade. Gramsci (1978, p. 21) ajuda nessa compreensão: É muito grande a categoria dos intelectuais orgânicos, isto é, dos intelectuais nascidos no mesmo terreno industrial do grupo econômico, mas - na esfera mais elevada - encontramos conservada a posição de quase monopólio da velha classe territorial, que perde a supremacia econômica, mas conserva por muito tempo uma supremacia político intelectual, e é assimilada como “intelectuais tradicionais” e como a camada dirigente do novo grupo social que ocupa o poder. Este enfoque é percebido de forma clara, a medida que a pesquisa foi se aprofundando na análise documental. Percebeu-se que o colegiado municipal tinha consciência do monopólio intelectual e político exercido por outros órgãos gestores da educação mato-grossense, em especial o Conselho Estadual de Educação - CEE M/T. Essa percepção fez com que os membros do Conselho Municipal de Educação de Cuiabá indicassem tratamento especial, conforme se lê na ata: “Este solicita aos colegas, cautela no trato com o Conselho Estadual de Educação/MT”, assegurando que: “O Conselho Estadual de Educação tem resistência e não favorece a formação do Conselho Municipal de Educação, precisamos manter relações saudáveis com este órgão, até que o CME de Cuiabá MT, tenha seu registro aprovado com caráter normativo e legislador.” (Ata do CME, n. 005/2005). Até que se obtivesse a legalização e aprovação do seu regimento - maio de 2002 - o Conselho Municipal de Cuiabá/MT atuava sempre em sistema de 57 colaboração com o Conselho Estadual de Educação, sendo que, por insistência e determinação do seu presidente, em agosto de 2002 - com regimento aprovado e nova casa - o Conselho Municipal de Educação de Cuiabá/MT iniciou suas atividades, discutindo o Organograma do Sistema Municipal de Ensino, o número de alunos que o referido sistema iria abarcar, como a função dos conselheiros (ATA DO CME, n. 009/2002). Pela falta de tradição, num primeiro momento os segmentos populares sentiram-se inibidos e até certo ponto impotentes para o trabalho proposto. Como iriam opinar, discordar e até rejeitar as propostas inicialmente oferecidas pelos gestores públicos? Porém, com o desenvolvimento do processo acabaram percebendo a real importância do seu saber e de sua colaboração em prol dos interesses maiores da comunidade. Neste ponto, consta nos registros documentais do CME – Cuiabá-MT a disponibilidade do Conselho Estadual de Educação (CEE/MT) em capacitar os conselheiros municipais empossados (ATA DO CME, n. 008/2008). No tocante à capacitação, pode-se observar recorrência entre os conselheiros. Vejamos parte das falas dos entrevistados: Aconteceram rápidas capacitações aos membros deste colegiado, inclusive pelo Conselho Estadual de Educação, embora muito discutível quanto a “qualidade” desta capacitação, pois ela foi rápida, portanto sem nenhum aprofundamento teórico. Foi no plano de informações sobre o funcionamento de um conselho. Foi válida porem é bom ficar claro que os conselheiros não produzem mais, devido a falta de condições teóricas para travar qualquer debate.Assim eu sinto aqui nas reuniões, falta-nos fundamentos. (CONSELHEIRO B, Entrevista, Cuiabá, 2010) Os conselheiros, segundo depoimento, tinham grande interesse e disposição para contribuir, faltando-lhes, entretanto, bases teóricas que lhes permitissem maior criticidade e amadurecimento político para sustentar esta discussão. Como pode ser observado na entrevista deste conselheiro: Acredito que se houvesse mais interesse dos dirigentes, no tocante a financiamentos para essas capacitações, o nosso conselho poderia ser mais ativo, mais operante, pois as pessoas querem contribuir, falta-lhes mesmo é condições para agir. (CONSELHEIRO B, Entrevista,. Cuiabá, 2010) 58 Para o conselheiro A, a questão da capacitação, está ligada à pouca produção acadêmica sobre a temática, acreditando que tal fato contribuiu muito para que o impasse da capacitação fosse ultrapassado, como podemos observar no trecho da entrevista abaixo: Não havia material que orientasse os conselheiros municipais de educação havia o Pradime que orientava os dirigentes. No final de 2002 a União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação começa então uma articulação junto ao ministério, junto ao FUNDESCOLA na época, para fazer uma capacitação de conselheiros. Nesse processo Mato Grosso, assume a articulação dos conselhos municipais de educação aqui no estado e, nessa articulação, é um dos cinco estados, contemplados com esse projeto piloto, que hoje o conhecemos como pró-conselho. Então foi onde os conselheiros, não só de Cuiabá, mas de todo o Estado de Mato Grosso, receberam a informação da capacitação. (CONSELHEIRO A, Entrevista, Cuiabá, 2010) Pode-se observar, nessa parte da entrevista, que os conselheiros foram informados sobre o movimento que possibilitaria a capacitação, não havendo nenhuma informação sobre sua participação em qualquer ação deste projeto piloto. Constata-se, porém, que a participação é uma prática pouco constante no Conselho, tanto entre seus membros como com a comunidade externa. Vejamos o que relata o Conselheiro D: A interatividade com a população essa eu considero muito fraca, a população não sabe da importância do conselho, da importância de tudo que é desenvolvido no CME. Para ter uma ideia, quando me afastei do Sintep, eu voltei para minha sala de aula, mas continuei conselheiro. Certo dia ao comunicar a direção que tinha sido convocado reunião no conselho de câmara ou plenária, não me lembro agora, a diretora não sabia o que eu fazia lá. Tive então que explicar. Esta pessoa é uma diretora da escola! (CONSELHEIRO D, Entrevista, Cuiabá, 2010) Ao analisar as políticas públicas educacionais brasileiras, cujo foco versa sobre a educação para a cidadania e a democracia, vemos que na verdade o que temos é ainda uma educação monárquica, excludente, que destaca os sábios para governar e os ignorantes para obedecer (BENEVIDES, 2000). Isso pode ser observado nos primeiros momentos de existência do Conselho Municipal de 59 Educação de Cuiabá, estampado através da luta pelo domínio dos que detinham o poderio intelectual, “o conhecimento” da estrutura funcional deste órgão colegiado, como se fosse complexo aos demais a apropriação deste saber. Apesar disto, a administração deste primeiro mandato não esmoreceu e buscou alternativas para consolidar este instrumento democrático para a educação, como fica demonstrado na entrevista com do Conselheiro A: A pouca produção sobre a formação dos conselheiros, forçou a União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação – Uncme - ao final do ano 2002, articular junto ao MEC organização de uma capacitação aos conselheiros municipais de educação, que esclarecesse sobre a natureza , o papel , as funções dos conselhos, numa nova perspectiva de estrutura, funcionamento e atuação, para que se constituíssem espaço de democratização e participação na gestão do ensino público dos municípios. (CONSELHEIRO A, Entrevista, Cuiabá, 2010) Dos cinco Estados que compunham esta comissão de reivindicação, Mato Grosso, que se fez presente, teve uma participação ativa que culminou com a criação do Programa Nacional de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação (Pró-Conselho). Este organismo nasceu com a finalidade de consolidar novo ideário de crescimento socioeconômico, diferente do vivido pela sociedade brasileira que, por ser excludente, sacrificou significativo contingente populacional (PRÓ - CONSELHO, 2004). Nesse sentido, partindo de entendimento democrático de que a participação efetiva e criadora dos cidadãos é estratégia fundamental para a inclusão social e para a melhoria da qualidade da educação, o governo lançou o referido PróConselho e também o Sistema de Informações sobre os Conselhos Municipais de Educação (SICME), cuja finalidade foi a de criar uma rede de informações dos Conselhos, o que ajudaria a definir o perfil destes órgãos, além de contribuir para o fornecimento de dados para estudos e pesquisas neste campo da gestão democrática da educação (PRÓ-CONSELHO, 2004). A bem da verdade, o que faltou ao Conselho Municipal de educação de Cuiabá /MT foi autonomia financeira, embora não fosse isso o maior impeditivo, conforme nos informa o conselheiro A, visto que sempre manteve boas relações com o Secretário de Educação da época e este era bastante sensível às questões da administração colegiada. Aliado a este fato, o Conselheiro A possuía habilidade 60 para buscar parcerias externas no atendimento das demandas, suprindo, dentro do possível, esta dificuldade inicial do Conselho. Relata ainda, o referido Conselheiro que, ao mudar o Secretário de Educação do município de Cuiabá, ele continuou à frente do Conselho por mais quatro anos, porém, na visão do novo gestor municipal, a gestão colegiada tomou novo rumo, ocasião em que os problemas enfrentados pela instituição passaram a sofrer interferência do ponto de vista pessoal, agravado pelo enxugamento da máquina. A essas condicionantes, foram desencadeadas, pelo gestor municipal, ações contra a equipe técnica, fruto da visão do novo secretário comprometida com a questão de regularizar todas as escolas e distanciando o Conselho Municipal de Educação da comunidade. Caminhando com a pesquisa, buscamos investigar se o Conselho Municipal de Cuiabá, enquanto instância viabilizadora da interlocução entre o poder político e a sociedade, assegurava aos grupos representativos da sociedade civil e do poder executivo o necessário diálogo horizontal, pautado na igualdade, que propiciasse o acompanhamento da construção e execução das políticas públicas de educação do município de forma democrática. Constatou-se que o estudo sobre os Conselhos não é algo novo, mas em relação ao município de Cuiabá isso se tornava necessário, uma vez que nenhuma investigação fora realizada. A proposta de se estudar o Conselho de Educação, deste município, não se cindiu à análise da participação popular, de sua soberania, mas buscou emoldurar um panorama amplo de como se realizou, no interior desse colegiado, o exercício da democracia. Quanto à participação de novos sujeitos na gestão democrática, vale ressaltar o olhar do Conselheiro C: Fazendo uma avaliação do conselho em nível do Brasil., posso dizer que uma dúvida me assombra muito. Eu não sei muito bem por que a sociedade não tem conhecimento do Conselho. Eu tenho uma participação dentro da sociedade e vejo que as pessoas não sabem mesmo, não sabem nem que existem os conselhos. Eu estou falando de sociedade mesmo, não de grupos sociais. Eu não sei se é o medo do próprio Conselho de publicizá-lo, ou seja ao torná-lo conhecido, o que poderia gerar interesse em muita gente de querer participar, ou se é o mito que no conselho só existem pessoas de notório saber, ou se é o conservadorismo e o fechamento do conselho nele próprio que barra a participação da sociedade neste colegiado. Eu não falo só do conselho de educação, eu sinto isso em todos os 61 conselhos eu acho isso ruim, muito (CONSELHEIRO C, Entrevista, Cuiabá, 2010). prejudicial. Podemos dizer que esta pesquisa, iluminou o entendimento sobre as possíveis formas de gestão e de participação que ainda precisam ser desenvolvidas no Conselho Municipal de Educação do município de Cuiabá, para que ele consiga ampliar a sua forma de atuação menos burocrática e mais próxima da sociedade. Ninguém nasce sabendo a participar, entretanto sabemos que ela é uma necessidade natural, que crescer rapidamente quando se tem oportunidades de praticá-las. No conselho analisado pode-se constatar indícios dessa vontade que unificadas podem fortalecer e concretizar num espaço estratégico importante de aprendizagem e de realizações em prol de uma escola mais democrática. 62 3. O CONSELHO MUNICIPAL DE CUIABÁ-MT: ANÁLISE DO MATERIAL DE CAMPO 3.1 Análise dos Documentos A pesquisa problematizou a Gestão Democrática e a participação popular nos projetos de gestão em educação no município de Cuiabá. Tencionamos também, compreender como os gestores se comportaram frente a essa nova modalidade de gestão e como seu processo evoluiu. Neste ponto, Torres (2006, p. 234) faz um alerta aos estudiosos dos conselhos, afirmando que A importância estratégica dos conselhos como espaços de aprendizagem e de luta em favor de uma escola democrática, efetivamente capaz de viabilizar um projeto político pedagógico de cunho popular é inegável. Na mesma linha de pensamento, Barbosa (2006, p. 167) sinaliza que Os conselhos surgem como canais de participação direta e constitutiva da sociedade na gestão das políticas públicas, surgem como espaço institucional destinado a aprofundar o conteúdo democrático da vida pública. A autora, no entanto, chama atenção afirmando que estes ainda são espaços novos de participação, que procuram constituir-se em espaços de educação política, em espaços para a construção da cidadania e até mesmo em fóruns democráticos destinados ao controle do cumprimento dos compromissos políticos feitos pelos governantes, podendo indicar e captar novas sinalizações. O Conselho Municipal de Educação de Cuiabá- MT procura ser este espaço. A análise do seu Regimento Interno demonstra essa intenção em seu Art. 3º, ao discorrer sobre sua finalidade: O Conselho Municipal de Educação de Cuiabá-MT tem por finalidade assegurar aos grupos da Sociedade Civil e do Poder Executivo, o diálogo e o direito de participar da definição e acompanhamento da execução das políticas públicas para a educação do município de Cuiabá, concorrendo para elevar a qualidade dos serviços educacionais. 63 Observa-se o mesmo intento recorrendo à Lei 5.289/2009, que institui o Sistema de Ensino do Município de Cuiabá que, em seu Art. 6º, § VI reza: Garantir a participação de docentes, pais, alunos e segmentos sociais envolvidos na Educação Municipal, na formulação de suas políticas e diretrizes educacionais, bem como na gestão, acompanhamento e controle social dos recursos financeiros e materiais do Ensino Público e Privado repassados para o Poder Público. De outra maneira, não poderia ser a Lei que instituiu a Gestão Democrática, que em seu Art. 1º, inciso 1º divide com a sociedade a gestão pública: Art.1º A Gestão Democrática do Ensino Público Municipal, princípio inscrito no Artigo 206 inciso VI da Constituição Federal e no Art.14 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, será exercido na forma da Lei, obedecendo os seguintes preceitos: I- Corresponsabilidade entre o Poder Público e a Sociedade na Gestão dos conselhos democraticamente, instituídos; II- Autonomia pedagógica, administrativa e financeira da escola mediante organização e funcionamento dos Conselhos; III- Transferência automática e sistemática de recursos à unidades Escolares; IV- Transferência de mecanismos administrativos, financeiros e pedagógicos; V- Eficiência no uso dos recursos financeiros; VI- Liberdade de organização de segmentos da Comunidade escolar. Ao analisar as atas do Conselho, observa-se essa intenção, pois ela aponta a vontade de cumprir a sua função, ser canal de participação direta e constitutiva da sociedade na gestão das políticas públicas, entretanto, por que este desejo não se realiza? Por que nosso Conselho ainda se caracteriza enquanto espaço cartorial, preso ao poder central do município? O que falta para que o Conselho Municipal de Cuiabá deslanche em suas funções e papel de espaço do diálogo com a sociedade? Uma leitura mais detida das atas, mais especificamente em seus instrumentos legais, percebe-se que 64 o Conselho Municipal de Educação de Cuiabá nasceu por força de lei e a composição da sua primeira gestão, da mesma forma, conforme se observa no Decreto nº 3.957/2002 da Prefeitura Municipal: Roberto França Auad, Prefeito Municipal de Cuiabá, no uso das suas atribuições legais e, considerando a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que fixa as Leis de diretrizes e Bases da Educação Nacional, considerando também, as disposições contidas nas Leis Municipais nº 3.707, de 23 de dezembro de 1977, e nº 4.131, de 03 de dezembro de 2001, decreta no Art. 1º que “Ficam nomeados por três anos os conselheiros e suplentes para compor o Conselho Municipal da Educação – CME. Prosseguindo a leitura desse documento, observa-se que, após a nomeação em março de 2002, foi realizada a primeira reunião oficial da referida instituição colegiada com o objetivo de eleger a primeira diretoria, na forma da Lei 4.134/2001. Dos vinte e oito membros, entre titulares e suplentes, nomeados pelo prefeito através do Decreto 3.957/2002, compareceram à referida reunião onze membros para deliberar e eleger a primeira diretoria, que no livro ata do referido órgão, relata que a mesma foi eleita por unanimidade. (ATA DO CME, n.1/2001) Com relação à primeira ata, tem destaque o número de conselheiros presentes à reunião e com ela a legitimidade dessa eleição, visto terem comparecido apenas onze conselheiros dos vinte e oito nomeados. Seria a presença expressão da vontade de todo o colegiado nomeado? A diretoria eleita em 2002 permaneceu por dois mandatos, até 2008. No livro de atas estão registradas e lavradas 98 atas, sendo que destas, quarenta foram realizadas na primeira e segunda gestões, sob o comando de um mesmo presidente, ficando as outras 58 para a terceira (atual) gestão. O Conselho Municipal de Educação de Cuiabá, desde sua criação em 2001, teve três gestões, sendo que a primeira e a segunda foram presididas pelo mesmo presidente e a atual gestão, que vigirá até julho de 2011, está então sob o comando da segundo presidente deste órgão colegiado. O primeiro presidente dirigiu esta casa por seis anos, entre os anos de 2002 a 2008, já o segundo está em exercício desta função desde julho de 2008, podendo ser reconduzido. Ressalva-se, entretanto, que a análise das Atas restringe até 30/01/2011. 65 O que se observou, tanto nas Atas como na participação das reuniões plenárias deste Colegiado, é que as reuniões seguem sempre o mesmo protocolo, ou seja, tem início com as boas-vindas, justificativas de ausências, informes, geralmente sobre eventos relacionados ao Conselho, leitura da ordem do dia, passando logo em seguida à leitura dos pareces dos processos. Observou-se também frequentes ausências de conselheiros. Interessante observar que em muitas destas atas onde foi registrada a ausência com inexistência de quórum foram realizados encaminhamentos e deliberações sobre processos. Este fato nos chamou atenção por nos parecer recorrente no Conselho. desde a primeira reunião da sua instalação (Vide ATA DO CME, n.1/2001), quando a presença era inferior à estabelecida em lei para tomadas de decisões. Constata-se ainda nas atas o registro de muitos pedidos e encaminhamentos feitos ao Secretário Municipal, sem obtenção de resposta, como se observa na Ata nº 9/2008, p. 124, linhas 80 e seguintes. Neste ponto, apronta para o descaso e abandono do Estado em relação à oferta de serviços públicos de qualidade à população (SILVA; TORRES, 2008). Analisando tais documentos, pode-se observar que existiram duas gestões completamente diferenciadas entre os dois mandatos anteriores e o atual, cada qual traçando um caminho rumo à democratização do ensino público do município de Cuiabá. Pode-se dizer que das duas gestões analisadas, uma se primou pela abertura do Conselho para a sociedade, querendo fazer da participação a bandeira maior da gestão. Outra envidou esforços para que o Conselho fosse um espaço que permitisse o diálogo entre a sociedade e o poder executivo, tendo por base a legislação necessária à formalização dos atos e decisões do referido órgão, o que será melhor detalhado na seção dedicado à análise das entrevistas. Não se pode negar, entretanto, em ambas a gestões a luta deste órgão colegiado na tentativa de continuar buscando a participação social. Pareceu-nos, entretanto que os caminhos percorridos ainda não se definiram como os adequados para tal, conforme pode se observar na fala do Conselheiro C: O Conselho tenta na sua inauguração estabelecer uma relação com a comunidade e o poder executivo. (Entrevista, Cuiabá, 2010) 66 Conscientes que os Conselhos devem ser espaços operacionais em favor da democracia e da cidadania, portanto, aliados potenciais na democratização das políticas sociais (GOHN, 2008), os membros do Conselho Municipal de Educação de Cuiabá MT, espelhando nos seus objetivos primaciais, promoveram ações que levassem à efetivação do seu papel de mediador entre a comunidade e o poder público. Os desafios foram grandes, iniciando pela falta de experiência, aliado à carência de estrutura e o comprometimento da sua autonomia, conforme afirma o Conselheiro A, ressalvando que por esta razão tudo era realizado com muita moderação e preocupação. Para nós também era muito nova a experiência do conselho. Tentamos fazer uma articulação tal qual o conselho fosse aquele espaço que permitisse um diálogo entre a sociedade e o poder executivo, mas os impeditivos eram muitos. Nós não desanimamos, fizemos um esforço muito grande para fazer isso dar certo. (Entrevista, Cuiabá, 2010) Contudo, devemos lembrar que a Gestão Democrática não é algo que se instala, ao contrário, é um processo que deve ser retomado com frequência. Dessa forma, mesmo que estes caminhos ainda não estejam delineados como ideais ou mais adequados, faz-se necessária uma análise da ideia deste principio, que requer mudanças de posturas e entendimento. Acreditamos que estas mudanças e entendimentos devem, inicialmente, estar consolidados de forma subjetiva e incorporados no modo de agir; caso contrário, não há gestão democrática. Acreditamos ainda, que é aí que se encontra o gargalo de todos os gestores, ao se decidirem pelo princípio da gestão democrática. Ela é como um regulador daquilo que se administra, não pode ser democrático em determinadas coisas e noutras não. Essa dualidade é o que mais se observa nas gestões que se dizem democráticas. O Conselho Municipal de Educação vive em muitos momentos essa dualidade, fato que poderá ser observado nas entrevistas logo a seguir. 3.2 - Análises das entrevistas 67 Foram entrevistados seis dos nove conselheiros titulares que atualmente exercem o mandato neste colegiado, além da secretaria executiva, incorporada a entrevista com o primeiro presidente do Conselho. Nosso intuito sempre foi o de avaliar e compreender como os gestores se comportaram frente essa nova forma de administrar o órgão público e como ocorre a participação da sociedade no mesmo Conselho. Dessa forma, elaboramos um roteiro de entrevista (Anexo I) que nos possibilitasse visualizar essas questões. Os assuntos mais detectados nas entrevistas sobre o Conselho Municipal de Cuiabá-MT foram: a participação popular, a formação dos conselheiros, a ingerência do poder público e a autonomia. Nas entrevistas, a maioria dos inquiridos foi unânime em afirmar que o advento do Conselho contribuiu para o avanço da educação, a exceção do conselheiro G, que foi categórico ao dizer que não houve avanço: Acredito que a educação não melhorou não, porque se você verificar naquilo que é a essência do conselho que é o de normatizar ou seja de estabelecer as regras do processo educativo, ao mesmo tempo, ele não tem estrutura, não tem pernas para poder sair daqui de dentro. Não recebemos nenhum recurso, não temos nenhum carro, e o sindicato diz que não devemos receber, temos que fazer trabalho voluntário. E, como vamos fazer para realizar nosso trabalho? (Entrevista, Cuiabá, 2010) Em seu relato sobre se houve ou não avanço na educação com o advento do Conselho Municipal de Educação, o conselheiro C nos informou que [...] era preciso fazer um amplo debate com a sociedade principalmente com a comunidade escolar esclarecendo sobre a função e o papel do Conselho. Entretanto, a pretensão foi pouco perseguida concretizando apenas algumas ações pontuais que não tornaram prática do Conselho. Não tenho dúvidas quanto a contribuição positiva do Conselho para a educação. Acho que foi muito bacana o que aconteceu. A gente acabou não tendo pernas vamos dizer assim pra dar sempre a continuidade nesse processo. O conselho não apostou, ele acabou não apostando nos mecanismos permanentes desse diálogo com a comunidade. Nós fizemos a partir daí algumas reuniões itinerantes,ou seja, no bairro na comunidade no sentido de tornar o seu conselho mais aberto, mas essa não foi uma prática, não foi uma ação que resultou numa 68 prática dentro do conselho vamos dizer assim, mas foi alguma tentativa. (Entrevista, Cuiabá, 2010) Esta gestão permaneceu por seis anos à frente do Conselho Municipal de Educação, implementando algumas ações que envolviam a comunidade, o que pode ser constatado nas atas daquela instituição. Podemos citar quatro atividades que deram maior visibilidade ao Conselho durante a primeira gestão e que envolveram a comunidade: 1 - A discussão em torno da Educação dos Jovens e Adultos; 2 - A política do Ensino Fundamental; 3 - O Plano Municipal da Educação; e, 4 - A discussão sobre o Plano Estadual de Educação. Estas foram ações de vulto para o Conselho Municipal de Educação, visto que envolveram debates e discussões em torno de temas que envolviam a participação da sociedade, configurando-se, desta maneira, como espaço democrático para as discussão dos problemas sobre a educação municipal. Mais tarde, em 2007, no Conselho Municipal de Educação de Cuiabá, ocorreram mudanças de rota quanto aos encaminhamentos, quando o foco de suas ações se desloca, passando a ter centralidade nas questões relativas à legalidade, ou seja, os instrumentos legais que sustentam suas ações. Entendeu-se que, primeiramente, deveriam ser criados e regulamentados os mecanismos legais para o funcionamento da instituição, para, depois, partir para as questões da abertura do Conselho para o social. Não obstante, entendia-se também que esse processo poderia ser concomitante, embora se considerasse fundamental a normatização de todo o aparato legal daquele órgão. Partiu-se então para regulamentar a Lei do Sistema do Ensino Municipal, regulamentando a lei do Fundeb, dentre outros encaminhamentos. Ouçamos a contribuição do Conselheiro D: Eu acessei o Conselho Municipal de Educação CME em 2008, em agosto de 2008. Venho do seguimento dos trabalhadores de educação, uma das instituições que tem cadeira neste Conselho. Ocorre que ao final de 2009, descobrimos que o conselho estava numa condição irregular por que houve uma interpretação errônea da Lei do Fundeb. Entendeu-se que o Conselho poderia abrigar esta Câmara junto a Câmara do Ensino Básico. Somente no final de 2009 descobriu-se que isto era irregular. (Entrevista, Cuiabá, 2010) Continua o mesmo Conselheiro informando que, diante disso, foi necessário rever todas as leis, ver quais estavam regulamentadas e o que era 69 preciso para que o Conselho Municipal de Educação de Cuiabá tivesse todo o arcabouço leal organizado para que ele funcionasse dentro da legalidade. Dentro desse estudo, detectaram-se muitas ações que não eram da competência do Conselho, como o próprio Fundef. Ele deveria, desde o início, ter o seu espaço, pois suas finalidades eram diferentes. Por outro lado, competências afins ao Conselho foram Fiquemos com parte da entrevista do Conselheiro D sobre este aspecto: Diante de tal situação, (o funcionamento do Conselho do Fundeb dentro da Câmara de educação Básica no Conselho de educação), o CME desenvolveu um minucioso estudo das leis que regulamentam este órgão colegiado. Percorrendo desde a Lei que o instituiu,a que o reestruturou, a que regulamentou a Lei Fundeb. Foi neste momento, se atinou para as questões que são da afinidade e competência do Conselho. (Entrevista. Cuiabá, 2010) O mesmo aconteceu com a normatização do Sistema de Ensino. Inicialmente, tanto o Conselho Municipal como a Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá entenderam que com a Lei nº 4.024/61, que fixou normas para todo o Sistema Educacional, envolvendo todas a modalidades de ensino e outorgando ao Conselho o direito de se instalar, como integrante do Sistema de Ensino, sendo desnecessário, portanto, criar-se lei específica para institui-lo. Entretanto, entendimento mais acurado sobre a legislação definiu a necessidade da normatização da referida Lei 9.4024/61 para sua aplicação (GRACINDO, 2008, p. 227) Isso foi feito e, somente em 30 de dezembro de 2009, foi aprovada e publicada no mesmo dia no Diário Oficial do Município a Lei nº 5.289/90, que institui o Sistema de Ensino do município de Cuiabá. Neste ponto e sob o olhar detalhado do Conselheiro B Isso demonstra o esforço e a vontade política dos nossos gestores em trazer tudo dentro da legalidade e, dessa forma, assegurar o direito dos cidadãos no Conselho Municipal de Educação. Apressou-se, o máximo, para tê-la publicada. Ficou evidente, ainda nas leituras das atas e também identificado nas reuniões assistidas, bem como pontuadas em algumas entrevistas, que a preocupação do Conselho Municipal de Educação de Cuiabá se instaura no campo dos eventos, 70 representações em atividades oficiais, apresentações de programas federais, como o Plano de Ações Articuladas (PAR), providências junto à Secretaria de Transporte Urbano do Município (SMTU), além da questão financeira. Pode-se dizer que são reuniões informativas e de conhecimento, com certo predomínio das posições do presidente do Conselho, com pouca inserção dos conselheiros, a não ser no momento da leitura dos pareceres. Isso também pode ser observado em uma das entrevistas: Eu já citei aqui para a senhora que temos embates no conselho municipal de educação por que quando a situação fica clara para a gente de que esteja havendo pressão política, deixando aqui claro que não é o conceito de política e sim já passando para a politicagem, por que o prefeito e o secretario municipal jamais poderiam ter feito isso com o Conselho, mas eles acabam (...) e quando se estabelece uma situação dessa, a gente tem conselheiro que tem coragem de se posicionar e automaticamente se estabelece o conflito no campo das ideias e ai se vão muitas discussões. À medida que não existe esse conselheiro, ele não está, a situação passa batida e vai embora o gestor consegue encaminhar. (CONSELHEIRO D, Entrevista, Cuiabá, 2010) Como se vê, “temos conselheiros”, embora não indicado o número, percebe-se que existe apenas um conselheiro capaz de provocar o debate, o enfrentamento, e quando este não está presente, nas palavras do conselheiro “passa batido”. Nesse ponto, em duas seções plenárias desta instituição discutiu-se sobre os encaminhamentos que estão sendo dados junto ao prefeito para a disponibilidade de pagamento de jetons aos conselheiros. Observou-se total silêncio dos membros, apenas ouvia-se o relato do presidente informando os caminhos percorridos pelo processo para se chegar ao prefeito. Na última seção plenária, de 2010, foi anunciado que estas negociações estavam encerradas, logrando êxito apenas no jeton do presidente, no valor mensal de R$ 1.640,00 (hum mil seiscentos e quarenta reais), a título de contraprestação, não sendo considerado cargo comissionado para os efeitos legais, conforme o Art. 11 §4 do Regimento Interno da instituição. Nessa mesma reunião, foi informado aos demais conselheiros que a luta do direito aos jetons pelos demais colegas continuaria no ano vindouro de 2011. Na análise das entrevistas, cinco pontos foram recorrentes: a capacitação, a falta de conhecimento sobre o Conselho, pela população, e até mesmo por muitos dos conselheiros, a falta de autonomia, a ingerência do poder público e a participação. 71 No tocante à capacitação, vejamos o posicionamentos dos entrevistados: Eu tenho uma vida de participação em atividades de associações, tenho compromisso com o coletivo muitos anos, então a vida me qualificou para eu poder chegar aqui no conselho municipal de educação. Mas o conselho até hoje não ofereceu nenhum curso para nos qualificar. (CONSELHEIRO C, Entrevista, Cuiabá, 2010) Quanto à capacitação, não tivemos. O ex presidente que foi um dos fundadores do conselho, é do nosso sindicato, então eu conversei com ele, com a professora que é a presidente do nosso sindicato atualmente entre outros colegas e, assim fui me informando a respeito do conselho. Foi dessa forma, que me capacitei. (CONSELHEIRO F, Entrevista, Cuiabá, 2010) [...] aqui, não temos capacitação. A gente que tem que buscar. (CONSELHEIRO D, Entrevista, Cuiabá, 2010) No que diz respeito ao conhecimento do Conselho pela sociedade, observa-se que há uma total desinformação sobre o Conselho, nem mesmo diretores e secretários de escolas sabiam sobre o papel e a função do Conselho. Vejamos o relato do conselheiro: A sua interatividade com a população essa eu considero muito fraca, a população não sabe da sua importância, da importância que é desenvolvido no CME. Para ter uma ideia, no meu retorno para minha sala de aula, eu continuei conselheiro. Certo dia precisei me ausentar da escola e então comuniquei a direção dizendo que tinha sido convocado para reunião no conselho, e que iria me ausentar. A diretora não sabia do que eu estava falando, o que eu fazia lá (no Conselho); tive então que explicar. (CONSELHEIRO D, Entrevista, Cuiabá, 2010) Nesta temática, ao focalizar o conhecimento a respeito do Conselho, constata-se a necessidade de ações mais efetivas para que os professores, pais, alunos, e comunidade de modo geral venham a obter maior conhecimento desse espaço participativo e contribuam mais efetivamente nas decisões da gestão municipal da educação. Numa posição mais crítica, o Conselheiro C faz incisiva observação sobre a atitude do Conselho Municipal de Cuiabá quanto à divulgação de suas funções: 72 Penso e coloco nesta questão, duas posições: 1- A questão da concorrência. 2- A questão do medo, medo da concorrência. O problema reside em - se divulgar muito o Conselho, muita gente pode querer participar, então podem tomar meu espaço. Esta é uma situação real no Conselho, embora velada. Assim, parece que prevalece uma atitude conservadora aqui no conselho, ele continua como sempre foi fechado em suas reuniões, preocupado em publicar resoluções e nada mais, e o povo fica sem saber para que serve o conselho. Por que será que não há essa vontade de divulgar para cidade que existe um conselho? (Entrevista, Cuiabá, 2010) Busquemos em Bordenave (2007, p. 79) esclarecimentos quanto alguns princípios da participação popular: A participação pode resolver conflitos, mas também, pode criálos. É um erro esperar que a participação traga necessariamente a paz, e a ausência de conflitos. O que ela traz, é uma maneira civilizada, mais evoluída de resolvê-los. A participação tem inimigos internos e externos: em nossa sociedade classista e hierárquica não admitindo debates com os “inferiores”. Dentro de um grupo, segundo o mesmo autor, haverá sempre pessoas que mesmo sabendo que são todos iguais, se consideram “mais iguais” que os demais. O conselheiro A, que acompanhou por um bom tempo as ações do Conselho, na fase inicial dos trabalhos, discute a questão do conhecimento do Conselho informando-nos que o tempo de ajustamento entre o Conselho e a Secretaria de Educação, à época, foi relativamente extenso e árduo, pois o Secretário de Educação tinha uma posição diferente dos encaminhamentos que estavam sendo dados nas discussões no Conselho. Isso contribuiu para a demora na divulgação do seu papel e função, porém, em todo momento ele (o Conselho) sempre se propôs a ser o órgão de mediação entre a sociedade e o poder executivo. Conforme nos ensina Petraca (2008, p. 28) “[...] os Conselhos, por se constituírem como canais de comunicação da sociedade civil e o poder público local, é um instrumento fundamental da Gestão Pública.” Neste ponto, é interessante acolhermos a fala do conselheiro A em sua entrevista. O resultado desse processo culminava nas nossas resoluções. Foi isso na resolução da Educação de Jovens e Adultos – EJA, foi isso também na resolução da Educação Infantil. Foi menos 73 do que nós gostaríamos na resolução que regulamenta todo processo de autorização. Essa resolução num primeiro instante na nossa avaliação é uma resolução ainda muito burocrática que pouco dialogou com a comunidade escolar. Acontece que naquela época, tínhamos pouca experiência, então, acabamos seguindo as resoluções que estavam colocadas junto ao Conselho Estadual de Educação- CEE e a comunidade. O CME de certa forma, já estava habituado a fazer aquele procedimento ainda que alguns procedimentos a comunidade que não aprovasse muito, mas a gente topou por falta de experiência mesmo na condução do processo. A gente não entrou muito nesse debate, mas procuramos aproximar o conselho, esse espaço democrático, da comunidade. (CONSELHEIRO A, Entrevista, Cuiabá, 2010) Preocupada com as questões formais de sistematização e normatização das ações do conselho, a segunda gestão primou pela sistematização legal do Conselho, como dissemos anteriormente. Procurou sistematizar, normatizar para depois poder avançar. Em outras palavras, “arrumar a casa”. O que podemos inferir destas duas gestões é que, embora tivesse sido diferenciada, cada uma teve seu papel importante dentro da história do Conselho. Agora, a partir da próxima gestão esperam-se avanços maiores e mais significativos deste órgão colegiado, pois é preciso o olhar social, é necessário trazer a sociedade para o Conselho e vice versa, é preciso capacitar os conselheiros, pessoas dedicadas e preocupadas em dar o melhor de si pela educação do município de Cuiabá. Ao propormos refletir sobre a autonomia do Conselho, a temática se apresentou um tanto quanto confusa e contraditória. E necessário que se reflita sobre o conceito de autonomia e se explore seus significados e repercussões, uma vez que concepções conflitantes estão sendo expressas, gerando desentendimento e confusão sobre a questão, promovendo desarticulação de ações e propósitos (LUCK, 2000. p. 20) No Conselho Municipal de Educação de Cuiabá, percebeu-se nitidamente tal situação, tanto do ponto de vista da do seu significado como do ponto de vista do entendimento da transferência financeira. Fiquemos com parte da entrevista dos conselheiros sobre este ponto: O Conselho tem autonomia. Tem sim. Só que é assim: Quem libera a verba é a prefeitura, porque ela é quem manda o recurso. O Fundo Nacional da Educação FNDE manda esse recurso, mas ficamos esperando a autorização da prefeitura para agirmos apesar desse valor estar previsto no PTA, a 74 autonomia de ação não temos. (CONSELHEIRO F, Entrevista, Cuiabá, 2010) Ele tem que ser autônomo, uma unidade executora de orçamento anual, certo? Então ele tem que ter autonomia para realizar as suas atividades, mas , parece que o gestor publico insisti em dizer que ele não entende isso. (CONSELHEIRO D, Entrevista, Cuiabá, 2010) O Conselho vai aqui, tentando pelo menos ir, porque é uma questão muito difícil a falta de estrutura em termos no orçamento, embora tenhamos o orçamento no PTA. Entretanto faltam-nos condições para agirmos. Faltam-nos pernas, mais autonomia. (CONSELHEIRO B, Entrevista, Cuiabá, 2010) O Conselho em época pretérita e eu acho que até hoje, a única coisa que falta é a autonomia financeira Eu acho que embora até hoje , funciona do mesmo modelo dependendo sempre da Secretaria para as liberações de investimentos, autorizações de ações, ele esta indo. Mas um fato é certo: O Conselho não tem autonomia financeira nenhuma. (CONSELHEIRO A, Entrevista, Cuiabá, 2010) Interessante observar nessas falas a presença de consensos quanto a nenhuma autonomia do Conselho Municipal de Educação de Cuiabá, na postura conformista e aceitação dos conselheiros quanto à situação, cabendo a eles acomodar e executar as suas funções. A comunidade conselhista, em sua maioria, revelou pouca consciência crítica acerca das contradições inerentes às políticas de democratização da gestão educacional, principalmente a partir da década de 1990, quando são transferidos para os órgãos executores as tarefas da gestão democrática, imprimindo a descentralização da responsabilidade quanto à manutenção das escolas, principalmente quando aos repasses dos recursos estatais sempre insuficientes. Tal pensar encontra eco na fala de Silva e Torres (2008, p. 48): Embora a referida política se sustente num discurso que visa à democratização, não se tem a confirmação que essa estratégia descentralize. O que se revela essa política, é que cada vez mais o Estado vem se eximindo de suas responsabilidades. O projeto de Gestão Democrática está recheado de expectativas para a melhoria da educação, entretanto, para que esta se materialize é preciso o envolvimento político de todos os sujeitos envolvidos com o processo educativo. Afirma Silva e Torres (2008), este envolvimento pode ser observado no Conselho Municipal de Educação de 75 Cuiabá-MT, no período de normatização da lei que instituiu o Sistema Municipal de Ensino. Embora tal momento proporcionasse controvérsias, pois havia um segmento do Conselho que entendia não ser necessário criar uma Lei para regulamentar a legislação que criou o Sistema de Ensino, outro segmento posicionava a favor da criação da Lei. Seis anos mais tarde, analisando detalhadamente a lei que criou o Sistema de Ensino compreendeu-se como necessário tal procedimento. Vejamos como nos esclarece o Conselheiro A: A época, o Conselho e a Secretaria de Educação entendiam que, desde a sua criação, o Conselho já nasceu como órgão integrante do Sistema e que não haveria necessidade de se criar uma lei para que ele fosse regulamentado. Uma polêmica foi criada em Cuiabá por este motivo. Por outro lado, o município de Cuiabá, através da Secretaria de Estado de Educação, entendeu e concluiu que o Conselho já se constituía em sistema e a partir de então passou a criar e usar as próprias resoluções. (CONSELHEIRO A, Entrevista, Cuiabá, 2010.) Verificando a LDB (Lei n. 9.394/96), observa-se que a mesma não tratou do regime de colaboração, mas apenas definiu as diretrizes de organização do sistema e suas competências. Tal observação encontra respaldo em Gracindo (2008, p. 229): “Uma das grandes lacunas da LDB foi não indicar e não regulamentar o Sistema Nacional de Educação.” Para a autora, por mais que o MEC e o CNE se esforcem e se articulem para sustentar e coordenar este Sistema, sempre se esbarram nas questões de legitimidade e pertinência. Ao MEC cabe a responsabilidade de coordenar a política nacional da educação, e ao CNE as outras leis federais, além das diretrizes e bases nacionais, como o Plano Nacional de Educação (PNE). O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) completa as políticas nacionais. Fica, portanto, ao MEC o papel de coordenar a política nacional por meio de estratégias próprias que abrangem um conjunto de programas de apoio aos Sistemas de Ensino, instituído para concretizar as políticas publicas nacionais da educação e dar 76 efetividade à autonomia dos entes federados no âmbito das suas responsabilidades, cumprindo o que preceitua a doutrina federativa. Entretanto, interessante ressaltar que mesmo que todos os artigos da LDB que tratam do município indiquem a tendência pela opção de um sistema próprio, ou um regime de colaboração com os demais pares - Estado ou Federação - por meio do sistema único de educação, o Sistema Municipal de Ensino precisa elaborar uma Lei Municipal de Ensino, bem como propor a alteração da Lei Orgânica do Município, se necessário, e comunicar sua opção ao Conselho Estadual de Educação (CEE). Assim, após a criação da Lei, e somente a partir daí, o município deverá ainda elaborar um Plano Municipal de Educação que estabeleça seus princípios e compromissos, seus objetivos, estrutura e organização, a sua relação com o Estado, suas competências gerais e específicas e, por último, seu plano de ações concretas que desencadeará um cronograma para seu desenvolvimento (GRACINDO, 2008). Estas recomendações foram e estão sendo observadas, pela gestão atual do Conselho Municipal de Educação de Cuiabá. Hoje, o Conselho já tem se pautado pela lei que institui o Sistema Municipal de Ensino e a lei que dispõe sobre sua estrutura e funcionamento, nos moldes da LBD e das bases da educação nacional e do Sistema Municipal de Ensino. Desta forma, podemos dizer que o Conselho Municipal de Educação de Cuiabá, a partir de então, pode seguir com passos mais firmes em direção ao social. Como mencionado, em Mato Grosso, no ano de 2001, foi criado o Conselho Municipal de Educação, que iniciou suas atividades a partir de 2002. As primeiras experiências vividas na implantação do Conselho foram ricamente detalhadas durante entrevista com um dos conselheiros, que informou que o órgão nasceu com o propósito de ser tornar lugar de diálogo com a comunidade e com o poder executivo e induzir políticas públicas no município de Cuiabá. A partir de então, os passos para a democratização das ações do Conselho foram perseguidos, conforme nos informa o mesmo conselheiro: O Conselho acabou apostando nos mecanismos permanentes de diálogo com a comunidade. Fizemos a partir daí algumas reuniões itinerantes nos bairros, nas comunidades, no sentido de tornar o conselho mais aberto. Porém, faltaram-nos mais pernas, precisávamos de maior autonomia. (CONSELHEIRO A, Entrevista, Cuiabá, 2010) 77 Para o mesmo conselheiro, entretanto: O ponto alto do Conselho municipal de educação, quer dizer, a voz do conselho é quando ele consegue dialogar com a comunidade. A partir de então o conselho passa a ser procurado pela comunidade para responder às denuncias, para tirar dúvidas, de pais, de alunos, dúvidas dos próprios professores, ou dos diretores. (CONSELHEIRO A, Entrevista, Cuiabá, 2010) Na esteira da luta pela democratização e autonomia do Conselho Municipal de Educação de Cuiabá-MT, o Conselheiro B, em entrevista, nos informa que este não foi um intento fácil. Ao contrário, foi árduo e que continua sendo perseguido. Para o Conselheiro B, o ponto mais difícil nesse caminhar foi fazer a Secretaria Municipal de Educação entender o significado do Conselho que, embora vinculado a ela, tem papel e funções próprios, diferentes e independentes. Percebe-se que essa definição não está bem entendida e resolvida por aquele órgão gestor. Como nos informa o Conselheiro B em parte da sua entrevista. Eles acham isso até hoje, acham que o Conselho é a secretaria e o conselho municipal não é a secretaria. Ele tem outras funções, outros papéis - que são discutir as demandas, deliberar sobre elas, normatizar as leis, enfim agir por meio de legislação, normativas, projetos. (Entrevista, Cuiabá, 2010) Apesar da dificuldade que se apresenta no tocante a definição das funções, e na tentativa de defendê-las o Conselho se coloca frente às instâncias superiores, marcando posições, esclarecendo quais as suas atribuições e competências. Ouçamos parte da entrevista do conselheiro: Enfim, eles têm essa visão até hoje. Inclusive por um tempo até pararam de chamar a gente, porque percebeu que o conselho municipal estava exigindo muito deles, querendo colocar para eles realmente qual é função do conselho municipal. E aí deu uma parada. Mas o conselho municipal de educação também contribuiu muito com o município na questão da elaboração do plano municipal de educação. (CONSELHEIRO B, Entrevista, Cuiabá, 2010) 78 Com este depoimento finalizamos a análise das entrevistas, ficando evidente que, embora ainda não tão acentuado, busca-se no Conselho Municipal de Cuiabá-MT atitudes que se dirijam a uma consciência política, mesmo que ainda tênue, mas voltada para o interesse de todos os envolvidos no processo da gestão democrática. Os conflitos que vêm a tona revelam a presença desta consciência crítica entre os participantes do colegiado ao se manifestarem e exigirem do órgão gestor superior, ao qual o Conselho está ligado, a definição dos papeis e das funções de cada instituição. Tal atitude sinaliza o desejo dos conselheiros por um mais amplo ambiente naquele órgão colegiado, onde todos possam conviver como sujeitos, com direitos e deveres percebidos a partir de uma discussão aberta de todas as questões que afetam a vida de todos naquele colegiado. Afinal, isso é um pressuposto da Democracia e o Conselho se constitui enquanto espaço destinado para a aprendizagem do exercício democrático. 79 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho tencionou analisar e compreender o desempenho do Conselho Municipal de Educação de Cuiabá-MT no processo de democratização da educação pública. O recorte temporal privilegiado, a partir de 1980, deveu-se ao fato de ter sido este um período da democratização do Estado brasileiro. De igual forma, analisou-se como ocorreu a participação da sociedade civil na composição desse órgão colegiado no período de 2001 a 2010 - da criação e implantação do CME – Cuiabá-MT. Além disso, procurou-se identificar as ações do Conselho no campo do assessoramento e formação dos conselheiros. Para atingir os objetivos da pesquisa, procurou-se seguir a risca o planejamento organizado para o seu desenvolvimento, que compreendeu desde o estado da arte, apropriação documental e, por fim, as entrevistas - grande responsável por aclarar o cenário analisado. A partir do momento que o trabalho foi tomando seu corpo, procurou-se, em muitos momentos, silenciar a ansiedade, conduzindo meu pensar para o didático, organizando os achados, retomando muitas vezes as leituras e, aos poucos íamos dando formato ao trabalho proposto. A abertura encontrada nos órgãos públicos visitados, mas especialmente no Conselho Municipal de Educação de Cuiabá-MT, que franqueou seu acervo documental, permitindo ainda nossa participação às suas reuniões foi outro fator garantidor do sucesso da pesquisa. Esses condicionantes contribuíram sobremaneira na construção do trabalho, assim como avaliar a prática democrática exercitada no interior do Conselho em estudo. É importante ressaltar que, apesar de todas as dificuldades ou impedimentos, o Conselho não deixou de procurar a atuação democrática possível, reconhecendo, dessa forma, seus limites e possibilidades O aporte teórico contido no capítulo II da pesquisa, esmiuçado na riqueza das entrevistas, permitiram melhor compreender os passos deste objeto de estudo, aprofundando a leitura sobre a gestão democrática em nosso município. A apropriação do referencial teórico evidencia que, em Cuiabá, o estado da arte da concepção e construção do Conselho não foi diferente dos demais Estados 80 brasileiros. As contribuições teóricas, ao serem confrontadas, estamparam as contradições existentes no interior das relações do poder, quando se propõe uma coisa e acontece outra. A questão do sistema político e da cultura também está intrinsecamente ligada à questão da relação do poder, impactando nas políticas sociais. Isso pode ser claramente observado nas entrevistas trazidas à pesquisa, apontando ainda para a necessidade de se criar no Conselho Municipal de Educação uma política interna para o desenvolvimento de suas ações, a fim de enfrentar as múltiplas e diversificadas dificuldades. Dentre essas ações, as mais prementes é a adoção de uma política que vise motivar a participação da sociedade civil no Conselho, uma política de formação continuada para conselheiros e uma proposta de autonomia para o Conselho. A categoria participação foi extremamente relevante para o desenvolvimento da pesquisa. Porém, nossa investigação se aprofundou interrogando sobre a forma como a representatividade e as participações ocorrem no Conselho Municipal de Educação de Cuiabá-MT. A participação, em seu sentido pleno, se caracteriza por uma força de atuação consistente (LÜCK, 2000) Nesse sentido, concordamos com o pensamento de Luck (2000), pois podemos dizer que no Conselho Municipal de Educação de Cuiabá-MT observou-se a atuação consistente dos conselheiros, quando não consideravam os problemas ou dificuldades como impeditivos à participação nas discussões. A vontade de entender, decidir e agir em torno das questões que lhes diziam respeito, mobilizava-os e as próprias iniciativas logravam êxito na busca pela superação dos seus limites, conforme depoimentos. Com essa atitude, os conselheiros forçaram o surgimento de ambiente participativo e ativo no Conselho Municipal de Educação do município, ambiente que deu às pessoas oportunidade de se sentirem parte orgânica de uma realidade, não apenas um apêndice ou mero expectador e validador das realizações institucionais. Com isso, aos poucos os conselheiros foram assumindo o poder de exercer influência na dinâmica do Conselho, na cultura política ali existente e em seus resultados. Apesar disso, encontrei um Conselho que quer encontrar seu caminho para atingir sua função primeira, que é a de ser interlocutor entre a sociedade civil e o poder público. Os próprios Conselheiros admitiram tal fato. Eles afirmaram que existe dificuldade de estabelecer um relacionamento mais próximo com a sociedade. Apontam a falta de infraestrutura, como fator essencial para isso. O que se verificou foi que, na 81 realidade, eles não dispõem de condições materiais e nem de tempo para poder sair do espaço do Conselho. Dessa forma, fica comprometida a finalidade desse órgão, pois não há como expandir suas ações, realizando visitas às escolas, promovendo atividades junto à comunidade, participando com ela nas ações locais. As atividades ficam restritas, apenas dentro do espaço do Conselho, acrescido do limite físico do local onde está instalado, impossibilitando a presença maciça da comunidade. Um aspecto observado como possibilidade de ampliação da atuação mais próxima da comunidade seria a necessidade de autonomia do Conselho, garantindo-lhe de fato adquirir condições para alcançar a comunidade, realizando reuniões mais amplas, conhecendo as demandas, debatendo projetos, entre outras ações. Contudo, os conselheiros denunciaram que esta proposta já existe que o Conselho tem previsão orçamentária para isso, porém acabam ficando na dependência do gestor municipal quanto à liberação do recurso. Isso nos retrata que, apesar das experiências anteriores de participação, é necessário grande dose de vontade política para que o exercício democrático se concretize (GOHN, 2004). Reconhecemos que a participação social na gestão pública ainda é uma atividade nova, que precisa de tempo para aprender a intervir nos espaços públicos e que a participação constitui uma vontade desejada pela sociedade e enunciada pelo poder público. No entanto, é comum depararmos com administração pública centralizadora e sem comprometimento com a sociedade. O Conselho Municipal de Educação de Cuiabá busca romper com esse modelo de gestão, porém observa-se que ele ainda figura como a maioria dos conselhos do país, onde o caráter cartorial, centralizador das ações fica evidente, embora a retórica seja o de instrumento democratizador da sociedade. Ficou evidente para a pesquisa, também, a falta de preparo dos conselheiros ao entrarem para este colegiado. Eles próprios admitiram a necessidade para se propor uma política de formação do próprio conselho uma vez que as políticas do governo federal neste sentido são burocráticas e quase sempre não se concretizam. Pela observação nas reuniões, ficou evidenciado o predomínio do presidente nas discussões. Pouca é a participação dos outros membros, a não ser para os relatos dos pareceres e para as deliberações de menor monta. É preciso alertar neste ponto para o risco da compreensão reduzida da participação. Não é pelo fato de existir um espaço 82 público para esta finalidade que a participação seja, de fato, realidade. Ela só existirá se houver sujeito participativo que aos poucos se aprimora em direção ao futuro (LÜCK, 2000, p. 27). A pesquisa selecionou alguns achados que considerou importante pela relevância e recorrência, concluindo que o Conselho Municipal de Educação de Cuiabá se configura enquanto instituição de Estado, portanto, para além de governos. Foi criado por força de um ordenamento jurídico e está ligado à estrutura central do município, sem qualquer autonomia financeira e com dificuldades para se abrir ao social, embora tenha se esforçado para superar tal limite. No que se refere à sua forma de ação, caracteriza-se por uma rotina protocolar nas reuniões, marcada pelos informes, leituras das análise dos processos para aprovações ou baixas de diligências, validações de ações governamentais, quando necessárias, entre outras atividades. Evidenciou-se que o Conselho ainda não encontrou de fato o caminho para a gestão democrática, de forma que a sociedade contribua efetivamente com suas propostas. Estabelece-se certa insegurança quando se fala neste ponto. Ficou evidente também a quase nula visibilidade do Conselho. A sociedade não o conhece, desconhece qual é o papel e função. É necessário evidenciar que a participação e a democracia não se instalam num passe de mágica, mas é uma ação que se aprimora por meio de muitas mãos. É preciso divulgar esse espaço e conclamar a sociedade para dele participar, caso contrário permanecerá no modelo e forma dos demais existentes. Em nossa observação, entretanto, um dos mais significativos aspectos evidenciados na pesquisa foi a constatação de que o Conselho Municipal de Cuiabá, apesar de todas as dificuldades enfrentadas pelos seus conselheiros e servidores, tem condições de se constituir enquanto instância capaz de possibilitar um aprendizado de participação social, fortalecendo o diálogo como forma legítima de concretização do processo democrático. 83 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ALGEBAILE, Eveline (Orgs.). Conselhos participativos e escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith; GEWANDSZNAJDER, Fernando. O método nas CiênciasNaturais e Sociais: Pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira, 1998. ARRETCHE, Marta. Relações federativas nas políticas sociais. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>.acesso em http://www.scielo.br/scielo. Acesso 29/10/2009 BARBOSA, Selma Maquiné. Conselho do Fundef: participação Social possível? 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Abertura e esclarecimentos sobre a entrevista ela está estruturada em três momentos: 1- Identificação do conselheiro; 2- Composição do colegiado, forma de acesso, o caminho percorrido para chegar ao conselho, capacitação, atuação; 3- Avaliação do CME. – finalidade, competências, participação externa, avanços, o cotidiano do conselho, entraves e saídas. 2ª voz - Eu me chamo Celso Silva da Cunha Silva, sou acadêmico de Filosofia na Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT e faço curso técnico no CEFET. Fui indicado pela Associação Cuiabana dos Estudantes que tem uma cadeira aqui no Conselho, indicação que estou aqui desde o final de 2008, quase ano. Desenvolvo esse trabalho aqui no conselho, que eu considero dentro da estrutura da Secretaria de Educação muito importante pois tem o caráter de deliberar quanto às instituições de ensino do município, se estão atuando de forma correta ou incorreta. Nós temos essa missão de fiscalizar, de acompanhar e, de uma certa forma, garantir a educação aqui do município. 1ª voz - Então, você veio para Conselho, indicado pela associação dos estudantes? Quando chegou aqui, como se apropriou das funções que desenvolve aqui? 2ª voz - Eu vou ser bem franco com relação às minhas respostas: eu aprendi a ser assim sempre, de uns anos para cá eu tive êxitos por ter uma maturidade ao falar as coisas certas e as erradas. Eu tenho uma vida assim de participação em atividades de associações, tenho um compromisso com o coletivo por muitos anos, então a vida me qualificou para eu poder chegar aqui no Conselho Municipal de Educação. Mas... o Conselho até hoje não ofereceu nenhum curso para nos qualificar. Eu sou muito fácil de pegar as coisas, dessa forma eu tenho conhecimento do Conselho, para que ele serve, o caráter do Conselho, tudo isso por eu mesmo, acontece que eu já tinha essa ideia de participação social, mas o Conselho enquanto Conselho não ofereceu nenhuma capacitação. 1ª voz - Sim. Bem, falemos sobre as finalidades do Conselho, as suas competências. Posteriormente falaremos sobre a participação da população. Ela participa das atividades do Conselho? Como? O Conselho tem um calendário, a comunidade o conhece? Este calendário é divulgado? Se é como isto acontece e se não, por que não divulga? 2ª voz - Eu vou responder fazendo uma avaliação do Conselho em nível de Brasil. Eu não sei muito bem porque a sociedade não tem conhecimento do Conselho. Eu tenho uma participação dentro da sociedade e vejo que as pessoas não sabem mesmo, não sabem nem que existem os conselhos. Eu estou falando de sociedade mesmo, sociedade não de grupos sociais. Com relação às pessoas eu não sei se é o medo, se não existe essa publicidade pelo medo de todo mundo poder querer entrar, podem querer participar eu 88 não sei porque existe essa coisa meio fechada, esse conservadorismo no Conselho. Eu não falo só do Conselho de Educação, eu sinto isso em todos os conselhos. Eu acho isso um conservadorismo. Tipo assim... não vamos divulgar muito o que é isso não. Vamos trabalhar aqui tranquilos. Se divulgarmos, vai ter muita gente querendo participar, vai ter um processo de disputa nos cargos, pois, embora todos as cadeiras tenham o caráter eletivo, existem algumas que são indicadas. Mas eu não sinto essa vontade de publicar que existe o Conselho no próprio Conselho, eu não sinto essa felicidade de discutir isso com a sociedade Ninguém quer chamar muito. Chamar o povo explicar, fazer uma cartilha, ir a todas as escolas do município, explicar, fazer palestras, mesmo que for semestral. Vamos divulgar para a cidade toda que tem um Conselho que aprova o que a instituição dos seus filhos fazem ou estudam, que tem o caráter deliberativo que faz isto...isto...isto..., para que a sociedade possa procurar. Não sei, esse conservadorismo aqui do Conselho esbarra muito no seu desenvolvimento, eu não sei mas eu acho que quando se chama todo mundo, a proposta rende mais, eu não sei onde que está o impasse. Acho que ser democrático dá mais trabalho. Quando você fez essa pergunta na introdução, essa pergunta ficou na minha cabeça, por que será? por que será que não há essa vontade de publicar para cidade que existe um Conselho? Não da educação, não só da educação, de todos os segmentos, pois todos estes têm a possibilidade de criar uma Conselho assegura em Lei. E não se publica 1ª voz - Com isso você está me dizendo que o conselho não cumpre com o seu papel de lócus para debates discussões de ideias. É isso que você está me dizendo? 2ª voz - Só de caráter interno, ele tem o caráter de resolver as coisas da Casa, aqui mesmo, só que sem a participação da sociedade. 1ª voz - Conselheiro, dessa forma então, o estímulo a participação, aos debates, ao exercício democrático não existe ? 2ª voz – Não. 1ª voz - Então você já está me dizendo que a socialização das atividades, do calendário, por exemplo, são feitos e socializados apenas internamente? 2ª voz – Sim, internamente. 1ª voz - Conselheiro e o Conselho? Ele é convidado a participar dos eventos, discussões sobre as políticas públicas, sobre os projetos que o município pretende desenvolver? 2ª voz - Os convites que sempre chegam durante o tempo que estou aqui são sempre de caráter de Conselho. Por exemplo, um encontro sobre o Conselho na União dos Municípios. 1ª voz - E com relação ao Plano Estadual de Educação, Plano Municipal de Educação vocês participaram? 2ª voz - Plano Estadual de Educação não sei, sinceramente não sei, se participou eu não fiquei sabendo 1ª voz - E nas construções de políticas públicas, você não sabe nos dizer se participaram? 2ª voz - Não sei, nunca vi, sempre os convites são relacionados ao Conselho. Bom, se não participou, não pode nem acompanhar, não? Por que eu faço esta pergunta? Porque é próprio do Estado brasileiro, participar das elaborações de planos, construções 89 de projetos, discussões em torno de determinadas políticas públicas e depois nem sabem o que está se passando com essas políticas não cobramos sua aplicação, por isso pergunto como participa dessas ações? Eu vejo sempre ligado ao Conselho, se não tiver um eixo ligando ao Conselho não temos interesse, tudo o que propomos a participar tem que estar relacionado ao Conselho. Eu não vejo essa preocupação do Conselho de cuidar da sociedade, se preocupar com assuntos pertinentes a sociedade, não. Tem que ter relação com o Conselho. Eu vejo o Conselho viajar, participar em muitas cidades de eventos mas tem que estar ligado ao conselho, nada mais amplo, mais aberto. 1ª voz - Como você avalia então a atuação do nosso Conselho Municipal de Educação de Cuiabá, no tocante a educação? Você acredita que ele contribuiu e contribui para a melhora da educação? Qual a dificuldade existente para que ele torne agente contribuidor, para a construção da cidadania? Para a melhora da educação? Onde está o entrave? Por último, o que você sugeriria para minimizar esta situação ou mesmo promover a sua mudança ou superação? 2ª voz – Bom, essas questões que você coloca são bastante abrangentes, complexas e importantes. Vou falar pela experiência que tive aqui e a minha visão de mundo, enquanto visão nossa de como isto aqui funciona e onde nos estamos esbarrando. Vou fazer uma crítica bem incisiva mesmo. Eu tento entender, eu fico em casa pensando esse é um questionamento particular - Eu tenho vontade que a educação avance, eu tenho essa sede. Estou ligado à educação há muitos anos desde o movimento estudantil, sempre tive atividades coletivas, eu tenho essa sede. Eu fico vendo essas coisas teóricas que ficam colocando aqui no Brasil, instituídas lá, de cima para baixo, o Presidente da República baixa, a medida provisória, ou decreto, sei lá o que, e a partir de então todas as cidades têm que ter Conselhos para segurar dinheiro, é muito bonito eu não sei aonde (vou procurar ser mais objetivo.) Parece uma certa fantasia, talvez se consertasse esse conservadorismo interno, abrisse para a sociedade, melhoraria, funcionaria as coisas públicas. Mas parece que existe uma regra teórica, de que é melhor ter tudo documentadinho, perfeito na teoria, tudo perfeito! Só na teoria! É preciso tudo funcionar, fechar o mandato, entregar o trabalho que me foi designado, tudo perfeito! Na teoria. Por que ? Porque assim, o trabalho (o que deve estar tudo perfeito no papel) faz com que as verbas venham, as coisa andem e tudo vai. O Brasil anda. Tudo perfeito! Por que na teoria os papéis mostram que o Brasil está indo. Criaram um monte de conselhos de suma importância social porque neles estão presentes todos os segmentos sociais, mas vieram os segmentos sociais sem orientação, as pessoas vêm pra cá, para seguir o mesmo protocolo teórico. Você está entendendo? É como se você criasse uma situação que você envolvesse toda a sociedade, mas teoricamente, para que todo mundo venha aqui para assinar, para canetar e fazer com que as coisas andem, e nacionalmente mostre que no Brasil tudo funciona. Por que , como não vai funcionar, se está todo o segmento da sociedade nesses conselhos? 2 - Transcrição da entrevista com o ex-presidente do Conselho Municipal de Educação prof. Paulo Eduardo dos Santos no dia 21/10/2010 na biblioteca central da UFMT em Cuiabá MT. 90 1ª voz – Bom dia professor, quero começar falando com o senhor professor sobre a sua formação e o tempo dedicado ao Conselho. 2ª voz - Sou professor, graduado em Educação Física, estou na rede municipal desde 1987, fui para a secretaria como assessor pedagógico, em 1993. Na secretaria coordenei trabalho junto aos profissionais de Educação Física até 1998, e em 1998 passei a coordenar trabalho junto gestão democrática. De lá pra cá tive oportunidade também de fazer um trabalho de assessoramento junto às unidades escolares. Nesse processo de assessoramento à coordenação da gestão democrática talvez tenha sido isso que, de uma certa forma, num primeiro momento nos habilitou a ser convidado pelo Secretário Municipal de Educação a época, professor Carlos Alberto Maldonado, que nos convidou para representar a secretaria junto ao Conselho Municipal de Educação – CME . O Conselho Municipal iniciou suas atividades em 2002, em função do debate da lei de gestão democrática de 2001. A partir de então, eu passo a compor o quadro de conselheiros municipais de educação, a qual a própria lei já indicava seguir o seu presidente que seria escolhido entre os seus pares e nesse processo o meu nome foi indicado pelos conselheiros para presidir o conselho municipal de educação na primeira gestão. 2ª voz – Desculpe professor, não compreendo, a lei já facultou a possibilidade da sua indicação? 2ª voz - Não da minha indicação, não. A escolha do presidente pelos seus pares não é indicação do secretário. 1ª voz- E os pares? Isso que queria saber, como aconteceu a indicação dos primeiros conselheiros? 2ª voz- Abre para os debates e as pessoas se candidatam e dentro desse processo um grupo de conselheiros me indicou como uma possibilidade de ser candidato. 1ª voz- Então, a gestão democrática - a lei de 2001 - indicou a necessidade da criação do conselho municipal. Estes primeiros conselheiros foram indicados pelo Secretário de Educação? 2ª voz Não. Só o representante da Secretaria porque são vários segmentos que compõem o Conselho. 1ª voz- Então, convocou a sociedade para participar da escolha dos conselheiros? 2ª voz- Convocou a sociedade, uma vez definido os segmentos que comporiam o Conselho, coube à Secretaria chamar representantes desses segmentos, ou seja, o Sinep na época, sindicatos, conselhos, chamaram e aí cada uma das entidades ficou responsável em indicar o conselheiro e a Secretaria ficou responsável por indicar o seu representante. Foi feito um chamamento à sociedade, mas essa indicação dos segmentos vem prevista em lei. Cada segmento indica o seu representante, a Secretaria naquela época só ficou incumbida de fazer o processo de mobilização dos pais e dos alunos. Até porque não havia no município uma organização naquele momento que pudesse indicar o segmento de pais. Então, a Secretaria mobilizou a comunidade de pais e naquele momento havia na Secretaria um movimento estudantil promovido pela própria Secretaria, então esse movimento ficou responsável de mobilizar os alunos e nessa mobilização deveriam indicar o seu representante. Da mesma forma foi com o segmento de pais e de outras representações. A Secretaria incumbiu de indicar o seu representante, pois ela tinha autonomia para isso e coordenou o processo de mobilização 91 dos pais e dos alunos para que esses segmentos fossem indicados e tivessem representantes no colegiado. 1ª voz- Essa primeira composição do Conselho permaneceu por quanto tempo a lei permite, 4 anos? 2 ª voz- 3 anos... assim... houve trocas de conselheiros mas daí é por conta do segmento da própria disposição de conselheiros. 1ª voz - O senhor permaneceu quanto tempo no Conselho como presidente? 2ª voz - Eu fui eleito nessa primeira gestão, depois fui reeleito para uma segunda gestão. Fiquei duas gestões na presidência do Conselho Municipal de Educação. 1ª voz- Professor, os membros eleitos a época depois de empossados, como faziam para se apropriarem das suas funções ? Eram capacitados? 2ª voz - Na época, em 2001, 2002, havia pouca posição no que diz respeito à formação de conselheiros, certo? Havia todo um projeto em desenvolvimento junto ao Ministério de Educação e Cultura - MEC que era chamado de Pradin, que era voltado para os dirigentes municipais de educação. Até então, não havia no Brasil, pelo o que a gente pesquisou, pelo o que a gente levantou na época, não havia nenhum material que instruísse os conselheiros municipais de educação. Havia sim uma disposição naquele momento do próprio Conselho Estadual de Educação - CEE de estar orientando, de estar recebendo conselheiros para que pudessem receber algum tipo de informação de procedimento de como fazer, de como ser conselheiro. Naquele momento foi que nós conhecemos a União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação - UMCME. Nessa época, numa reunião junto ao Conselho Estadual de Educação – CEE, onde o representante da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação do Estado de MT - UMCME /MT esteve participando. 1ª voz Professor, as questões de legalização, de regulação, autorização, de todas as escolas eram atividades do Conselho estadual não? após instalação do Conselho Municipal, como aconteceu a transferência das responsabilidades. Quanto tempo levou para que isso acontecesse? Dois anos? Três? Ou foi de imediato? 2ª voz - Para assumir isso? De imediato, nós assumimos de imediato, até porque o Conselho Municipal de Educação já nasce normativo; uma das funções que ele tem, consultivo e deliberativo, ele já nasceu normativo. 1ª voz - Então imediatamente vocês assumiram toda aquela carga de processos? 2 ª voz - Toda a carga de processos com responsabilidade de legislar, de regulamentar. 1ª voz - Mas com toda orientação ainda do Conselho Estadual de Educação - CEE ? ou vocês já agiam de forma independente? 2ª voz - Independente. Recorríamos ao Conselho Estadual de Educação - CEE sim, sempre quando fosse necessário alguns esclarecimentos, algumas questões a serem dirimidas. 1ª voz Foi tranquila, essa transição? 2ª voz - Foi tranquila, vamos dizer assim, toda vez que nós precisamos do Conselho Estadual de Educação - CEE, toda vez que nós precisamos tirar algumas dúvidas este sempre esteve à disposição, sempre nos atendeu prontamente. 92 1ª voz – O Conselho Estadual de Educação não preocupou em transferir o processo?, acreditou no Conselho Municipal, nos conselheiros ? 2ª voz - Não preocupou não. Nunca duvidou quanto à legitimidade do Conselho Municipal, até porque formalmente nunca chegou nada, então vou falar do ponto de vista formal, nunca houve nenhum posicionamento do Conselho Estadual contra dizendo aquilo. 1ª voz Isso demonstra um amadurecimento político da instituição com vistas maiores a educação ao objetivo. 2ª voz - Formalmente nunca houve nenhum posicionamento do Conselho Estadual de Educação contrário àquilo que o município de Cuiabá pretendesse. 1ª voz- Foi parceiro desde o começo? 2ª voz - Foi parceiro desde o começo nesse processo. Posso que dizer que formalmente nunca chegou nada, teve discussão que nós fizemos, até que a gente amadurecesse o processo. Isso foi ótimo, houve uma discussão na época no sentido de que éramos ou não éramos um sistema de ensino, porque normatizar diz respeito ao sistema de ensino. 1ª voz - Na época, ainda não existia o sistema municipal de ensino? 2ª voz - Então, a discussão girava em torno disso, somos ou não somos um sistema? Na compreensão do Conselho, na compreensão da Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá - SMEC desde aquela época, nós já éramos sistema. O que precisaria do município de Cuiabá fazer era se organizar e nesse sentido o município se organizou, inclusive criou o Conselho Municipal de Educação – CME, normatizando. O Conselho Municipal de Educação, desde então, se assumiu enquanto sistema. Houve uma postura sistêmica no município de Cuiabá. Porém, houve um grupo que defendia a teoria de que, para funcionar como sistema, deveria haver uma lei para regulamentar todos esses procedimentos. O município de Cuiabá entendeu que nós já éramos sistema. Inclusive, eu acho que deve ter uma ata com as primeiras reuniões passadas em torno dessa discussão, éramos ou não éramos um sistema? As primeiras atas que devem estar no Conselho, vão levantar isso e o Conselho toma decisão, conclui-se que somos sistema e a partir de então a gente passa a criar e usar nossas próprias resoluções . 1ª voz- Isso tudo em 2002, professor? 2ª voz – Sim, em 2002 passamos às primeiras reuniões. Elas giram em torno disso, dessa compreensão. Em nenhum momento a relação com Conselho Estadual de Educação – CEE ficou abalada. Na primeira discussão que nós fizemos, o mesmo documento foi encaminhado junto ao Conselho Estadual de Educação - CEE colocando-o a par dessa situação, dizendo que a partir de então o município de Cuiabá organizado, passa a responder, então, pelas sua funções. Isso foi o primeiro documento que sai do Conselho Municipal CME para o Conselho Estadual de Educação - CEE. O Conselho Municipal - CME passa, então, a delegar e assume todo o compromisso, toda a responsabilidade com a educação municipal. 1ª voz - Que bom, que bom! Professor retomemos agora a questão da capacitação. 2ª voz - A questão da capacitação! Então eu não terminei de falar, a gente acabou falando de outra coisa, até então não havia documento, não havia material que orientasse os conselheiros municipais de educação. Havia o Pradime que orientava os dirigentes. No final de 2002, a União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação - UNCME começa então uma articulação junto ao Ministério de Educação e Cultura – 93 MEC, junto ao Fundo Escola - na época, para fazer uma capacitação de Conselheiros e nesse processo Mato Grosso, assume, então, a articulação dos Conselhos Municipais de Educação aqui no estado de Mato Grosso. Nessa articulação, a gente consegue ser um dos cinco Estados no Brasil que vai ter os pilotos, que nós chamamos de pró-conselho. Foi onde os conselheiros do estado de Mato Grosso todo, não apenas de Cuiabá, tiveram o primeiro contato e informação com a capacitação. Isso permanece ainda hoje. Agora mesmo, o Ministério da Educação e Cultura - MEC está trabalhando nessa perspectiva do Pró-Conselho num curso a distância. Deve estar colocando, não em todos os estados, mas na maioria deles e muitos já estão fazendo uma articulação junto às universidades 1ª voz- Professor, vamos falar sobre o papel do Conselho? E como foi a sua gestão? 2ª voz - Estávamos iniciando todo esse processo, para nós também era muito nova a experiência do Conselho. Nós nunca tínhamos tido a oportunidade de participar nem de perto do Conselho de Cducação, participamos do Conselho, mas é muito diferente. Então, assim, com base naquilo que competia o Conselho o caráter do Conselho que era consultivo, deliberativo, normativo e de assessoramento na época pela Secretaria de Educação. Com base nisso, a gente tentou fazer uma articulação tal qual o Conselho fosse aquele espaço que permitisse um diálogo entre a sociedade e o poder executivo. O primeiro exemplo, o primeiro momento que nós fizemos nesse sentido foi a elaboração das resoluções, uma delas foi a resolução da Educação de Jovens e Adultos, ou seja, nós estávamos naquele momento fazendo uma norma, naquele momento colocando em prática a função consultiva e colocando em prática a função deliberativa. Então os conselheiros entenderam que era preciso fazer um amplo debate com a sociedade, principalmente com a comunidade escolar, cujo tema ela estava envolvida, ou seja, a Educação de Jovens e Adultos. Os conselheiros se preparam para isso, estudam coisas novas, estudam as legislações, faz todo um roteiro de discussão e vão para as unidades escolares. O que com os professores, o que com os alunos. A ideia da Educação de Jovens e Adultos, ou seja, então o Conselho ele tenta, na sua inauguração no processo, na relação com a comunidade e o poder executivo, ele se compromete em ser intermediador; então ele vai dialogar e com base na legislação, ele vai dialogar com a comunidade. Nesse diálogo, os conselheiros conseguem captar nas discussões, os anseios, os principais pontos que essa comunidade anseia e reformula o documento e vão discutir com a Secretaria Municipal de Educação. Nesse processo surge a primeira resolução da Educação de Jovens e Adultos. Dessa forma, o Conselho fez um esforço, se comprometeu inicialmente de fazer isso dar certo, de dialogar com a comunidade, deu um passo além da possibilidade e não ficou assim. Ele tem, sim, seus altos e baixos, um outro momento que nós tivemos naquele mandato da primeira gestão foi com relação à Educação Infantil. Houve aí a mesma discussão da Educação Infantil, o mesmo procedimento de dialogar com a comunidade, no sentido de que, ao final desse debate, nós teríamos como resultado a resolução da Educação Infantil. Esse foi muito mais intenso até porque havia, na época, uma posição do Secretário diferente dos encaminhamentos que estavam sendo dados nas discussões, então nós levamos mais tempo, até que a gente se afinasse entre sociedade e a Secretaria. O Conselho, em todo momento, nessas duas primeiras experiências, se propôs a ser o órgão de mediação entre a sociedade e o poder executivo. O resultado desse processo é culminado sempre nas nossas resoluções. Foi isso na resolução da Educação de Jovens e Adultos, foi isso na resolução da Educação Infantil e foi menos do que nós gostaríamos na resolução que regulamenta todo processo de autorização. Então, essa nossa resolução em primeiro instante na nossa avaliação é uma resolução ainda muito burocrática, que pouco dialogou, vamos dizer 94 assim, com a comunidade escolar naquela época, mas a gente acabou seguindo um pouco as resoluções que estavam colocadas junto ao Conselho Estadual de Educação e a comunidade. Este, de uma certa forma, já estava habituado a fazer aquele procedimento ainda que a comunidade que alguns procedimentos ela não aprovava muito, mas a gente topou por falta de experiência, mesmo na condução daquele processo de entendimento da comissão. A gente não entrou muito nesse debate, mas bem que repetiu um pouco. O primeiro processo respondendo à pergunta foi de aproximar o Conselho desse espaço da comunidade. 1ª voz- O senhor faz uma avaliação positiva desse momento não? O senhor avalia que a sociedade contribuiu? 2ªvoz Não tenho dúvida disso. Acho que foi muito bacana o que aconteceu. A gente acabou não tendo pernas, vamos dizer assim, pra dar sempre a continuidade nesse processo. 1ª voz- O que falta para ter perna, professor? 2ª voz- O Conselho não apostou, ele acabou não apostando nos mecanismos permanentes desse diálogo com a comunidade. Nós fizemos, a partir daí, algumas reuniões itinerantes, ou seja, no bairro, na comunidade, no sentido de tornar o seu Conselho mais aberto, mas essa não foi uma prática, não foi uma ação que resultou numa prática dentro do Conselho, vamos dizer assim, mas foi alguma tentativa. A outra experiência que nós tivemos interessante nesse sentido foi a discussão do Plano Municipal de Educação o Conselho assumiu a responsabilidade de coordenar o Plano Municipal de Educação e, nesse sentido, ele promoveu a mesma estratégia de dialogar com a sociedade, ele i uma série de debates nas escolas nas regionais e que terminou na Conferência Municipal de Educação. Esta ação foi de longo debate entre a comunidade e o poder executivo com o poder legislativo no sentido de tirar daí encaminhamentos com relação ao Plano Municipal de Educação. Na minha avaliação, estes foram os pontos altos do Conselho Municipal de Educação nesse processo de estabelecer um diálogo entre a comunidade e o poder executivo e induzir políticas públicas no município de Cuiabá. Então, o ponto alto do Conselho Municipal de Educação, quer dizer, a voz do Conselho é quando ele consegue dialogar com a comunidade. A partir de então, o Conselho passa a ser procurado pela comunidade para responder às denúncias, para tirar dúvidas, dúvidas de pais, dúvidas dos próprios professores, dúvidas dos diretores etc. Até por que a Secretaria tem um setor de Ouvidoria, mas o Conselho acabava tendo um espaço onde a comunidade acessava, levantava os problemas, levantava suas dúvidas e cabia a nós ir buscar alternativas. Se eram alternativas com dúvidas, questão legal, questão da legislação e a gente esclarecia, até porque o Conselho Municipal de Educação já fazia esse esclarecimento do ponto de vista legal. Sob o ponto de vista de orientação pedagógica, a gente articulava sempre com a equipe da Secretaria Municipal de Educação, que tinha função de fazer tal procedimento. Assim, a gente ia sendo ponto de intermediação entre a Secretaria e a comunidade escolar, e a partir desses movimentos o Conselho passou a ser o encontro de um dos ponto de referência alem da Secretaria. O Conselho Municipal de Educação passa a ser lócus para esclarecimentos, tirar dúvidas da comunidade, o que eu vejo como um grande papel e que deveria ter sido muito mais. Ele não foi tão explorado na época. 1ª voz – Professor, a sociedade apenas agora está se conscientizando da função do Conselho? 95 2ª voz - Eu creio que sim, eu creio que sim. Ainda era uma coisa nova para todo mundo, para Secretaria, nova para quem era conselheiro, a gente não entendia direito qual era a função do Conselho, o que você pode fazer. 1ª voz – Hoje, o senhor acha que está mudado professor? Na verdade o Conselho depende muito desses movimentos... O que o senhor acha que o Conselho precisa, logisticamente falando, estruturalmente falando, quais são as maiores dificuldades que o senhor poderia elencar e qual a sugestão do senhor para melhorar em relação a perna do Conselho 2ª voz - O Conselho, quando ele nasceu, teve um bom apoio por parte da Secretaria, tanto da estrutura, porque nós já iniciamos, não sei quanto tempo depois, até que achássemos uma estrutura adequada para funcionar o Conselho; então, nós já temos uma estrutura interessante separada da Secretaria de Educação, pois jamais queríamos que este funcionasse dentro da Secretaria de Educação então nós imediatamente e o secretário deu todo apoio naquele momento. Partimos em busca de uma estrutura física para acomodar o Conselho. De pronto, o Conselho tem uma estrutura de profissionais, ou seja, de uma equipe técnica mais experiente e tudo mais. 1ª voz - E de onde vieram esses profissionais? 2ª voz - Eles vieram da própria Secretaria, que os colocou à disposição do Conselho. Para o Conselho naquela época, eu acho que até hoje, a única coisa faltou foi a autonomia financeira, mas na época, pelo menos na primeira gestão, isso nunca foi impedimento naquilo que envolvesse suas ações referentes à formação, a capacitação a articulação 1ª voz- E hoje, a questão do financeiro do Conselho, funciona do mesmo modelo? 2ª voz - No mesmo modelo, dependendo sempre da Secretaria para as liberações de investimentos, autorizações de ações. O Conselho não tem autonomia financeira nenhuma. 1ª voz - E como o senhor avalia isso? Atrapalha o desenvolvimento das ações do Conselho, ou não tem nada a ver? 2ª voz - Não atrapalha. Eu acho que é a função da Secretaria, subsidiar as ações do Conselho. A questão é da autonomia financeira, e isso vai depender do momento político. Eu acho que estas questões ainda pesam para o Conselho Municipal de Educação. Por exemplo, quando nós fomos fazer todo movimento do Plano Municipal de Educação, o Conselho já estava passando por um processo já dessa relação um pouco instável, a questão financeira ficou mais difícil por parte da Secretaria e aí você passa a ter dificuldade em todo processo de mobilização. Ficou mais difícil de desenvolvimento num processo, você passa a ter dificuldades no momento de decidir, finalizar um projeto. 96 Anexo II - PROGRAMA MT – 20 97 APRESENTAÇÃO O documento apresenta o Plano de Desenvolvimento de Mato Grosso –MT+20 – definindo as grandes prioridades estratégicas para o desenvolvimento sustentável do Estado nos próximos 20 anos, que preparam Mato Grosso para os desafios do futuro. O MT+20 foi elaborado por iniciativa e liderança do Governo do Estado, mas deve ser entendido como uma estratégia de desenvolvimento de Mato Grosso e, portanto, da sociedade mato-grossense e não apenas como um plano governamental. Evidente que o governo do Estado será o principal executor dos programas e projetos e o grande mobilizador e catalizador das contribuições dos diferentes atores sociais, incluindo a negociação dos projetos com os parceiros externos. Entretanto, como expressão do “Projeto de Mato Grosso”, o Plano é de responsabilidade de todos os atores e grupos sociais do Estado, que compartilham e complementam suas ações e iniciativas. O documento está organizado em duas partes complementares: a primeira apresenta o Plano de Desenvolvimento de Mato Grosso visto de forma agregada para o conjunto do território estadual; a segunda parte detalha o plano estadual por região de planejamento, procurando explicitar a distribuição dos programas e projetos no território mato-grossense. A primeira parte está dividida em sete capítulos. O capítulo I faz uma análise histórica da formação econômico e social de Mato Grosso e sua relação com o meio ambiente, ressalta o acelerado dinamismo econômico e a melhoria lenta dos indicadores sociais. Mas destaca também os impactos antrópicos dos últimos ciclos de expansão e modernização da economia do Estado. O capítulo II procura olhar para o futuro, analisar as perspectivas do contexto externo – mundial e nacional – e de Mato Grosso, e formular cenários alternativos no horizonte de vinte anos; este capítulo mostra ainda a visão de futuro da sociedade mato-grossense, explicitando onde se pretende chegar com a implantação de um plano de desenvolvimento frente às incertezas do futuro e dentro das condições do contexto externo. O capítulo III procura organizar os processos internos que também preparam o futuro do Estado, diferenciando os fatores positivos – potencialidades ou vantagens competitivas de Mato Grosso – e os fatores negativos – estrangulamentos ou problemas que dificultam o desenvolvimento. Dos cenários do contexto mundial e nacional é possível identificar, no capítulo IV, um conjunto de fatores externos em maturação que devem influenciar o futuro de Mato Grosso, apresentado de forma sistemática como oportunidades – processos que 5.ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO 98 Estratégia de desenvolvimento de Mato Grosso é a resposta estruturada e organizada da sociedade mato-grossense e, principalmente, do governo do Estado para responder de forma adequada aos grandes desafios do futuro, de modo a construir o futuro desejado pela sociedade (visão de futuro). Para a formulação desta estratégia, especialmente dos eixos estratégicos de desenvolvimento, foi feita uma análise, em oficina com equipe e representantes dos Fóruns, cruzando as condições endógenas – potencialidades e estrangulamentos com os fatores e processos exógenos (que podem facilitar ou complicar o futuro do Estado) - com oportunidades e ameaças do ambiente externo a Mato Grosso. Além disso, foram incorporados na formulação dos eixos estratégicos, programas e projetos resultantes das oficinas regionais (oficinas realizadas nas 12 regiões), de modo a organizar as indicações regionais na estrutura geral do Estado. 5.1 Desafios do MT+20 O MT+20 deve responder aos grandes desafios que o Estado de Mato Grosso vai encontrar nas próximas duas décadas, de modo a assegurar o desenvolvimento sustentável. Entre os grandes desafios do futuro, destacam-se os seguintes: 1. Alterar o padrão de organização da base econômica e do padrão tecnológico de forma a moderar a pressão antrópicas das atividades econômicas, e evitar que o crescimento da economia mato-grossense seja acompanhado de degradação dos recursos ambientais do Estado, importante vantagem competitiva de Mato Grosso; 2. Redefinir a relação da economia com a natureza, valorizar o patrimônio natural, principalmente os recursos hídricos e a biodiversidade e encontrar formas sustentáveis e aproveitamento desta riqueza e potencial econômicos, com base nas novas tecnologias reconstruir a economia matogrossense; 3. Preparar as condições do Estado para as grandes mudanças nas disputas competitivas mundiais que se baseiam em novos padrões de competitividade, com destaque para a inovação, base científica e tecnológica e capacidade da mão-de-obra local; 4. Superar a grande dependência que a economia estadual tem relativamente a alguns poucos produtos voltados para o mercado externo (mercado nacional e, principalmente, mundial) predominantemente formado por commodities de baixo valor agregado; 5. Assegurar que o dinamismo da economia mato-grossense (presente e futuro) traduza-se, efetivamente, em bem-estar social e qualidade de vida da população, universalização do acesso a bens e serviços públicos e evite a concentração de renda e a persistência das desigualdades sociais, exclusão, desemprego e relações precárias ou informais de trabalho; 6. Enfrentar os estrangulamentos na amplitude e qualidade da infraestrutura econômica que comprometem a competitividade da economia estadual e inibem a sua integração interna e externa; 7. Assegurar que o desenvolvimento contribua para a redução efetiva das desigualdades entre os subespaços de Mato Grosso. 5.2 Macro-objetivos 99 O futuro desejado, expresso no melhor cenário (A) de Mato Grosso (com as hipóteses favoráveis dos respectivos cenários do contexto mundial e nacional) e traduzido deforma mais direta na visão de futuro permite explicitar os macro-objetivos de desenvolvimento do Estado, e indicar o que se pretende perseguir e construir nos próximos 20 anos. De forma direta e clara, o MT+20 orienta-se pelos seguintes macroobjetivos: 1. Melhoria da qualidade de vida da população de Mato Grosso que se traduz nos seguintes objetivos específicos: a) melhoria das condições de habitabilidade, com ampliação do saneamento básico (esgoto, água, coleta e tratamento de lixo e drenagem), incluída implantação de usinas de tratamento de lixo para geração de energia e sequestro de carbono; b) ampliação da oferta de habitações populares com vistas à redução drástica do déficit habitacional; c) redução significativa das taxas de criminalidade do Estado; d) inserção social da população com redução das desigualdades e da concentração de renda na população. 2. Aumento do nível geral de saúde da população que se manifesta nos seguintes objetivos específicos: a) expansão da cobertura básica de saúde, com ampliação da rede hospitalar e do número de leitos e, sobretudo, das equipes de saúde da família; b) redução da mortalidade infantil e ampliação da expectativa de vida da população. 3. Ampliação da educação, com universalização da educação básica (infantil, fundamental e média) e elevação do nível e da qualidade dos ensinos médio e fundamental ao patamar de excelência mundial, expressa nos seguintes objetivos específicos: a) aumento do nível de escolaridade da população; b) redução da taxa de analfabetismo e do analfabetismo funcional; c) elevação do acesso da população jovem ao ensino superior. 4. Fortalecimento da capacidade científica e tecnológica do Estado com ampliação dos investimentos e aumento do número de pesquisadores ativos; 5. Redução da pobreza, tanto em termos monetários quanto no que se refere ao acesso a bens e serviços, e da concentração de renda, com os seguintes objetivos específicos: a) ampliação do acesso aos meios de comunicação (telefonia fixa, móvel e internet); b) ampliação da taxa de atendimento de energia elétrica; c) ampliação do percentual de domicílios com computador (e conectados à internet). 6. Formação e expansão da rede de cidades de forma controlada e sustentável, incluindo o monitoramento da geração e do aproveitamento dos resíduos sólidos urbanos para geração de energia renovável e venda de crédito de carbono; 7. Ampliação do emprego e da renda da população, aumento do PIB per capita e elevação da população ocupada com carteira assinada, levando à ampliação da formalização da economia mato-grossense. 100 8. Preservação do patrimônio histórico e cultural de Mato Grosso, com valorização da diversidade cultural com respeito aos povos indígenas e sua contribuição para a formação da cultura mato-grossense; 9. Conservação do meio ambiente e da biodiversidade (preservação e manutenção) uso e manejo sustentável dos recursos naturais (solo, água, minerais e bióticos em áreas de conservação) com diminuição das pressões antrópicas, especialmente sobre a floresta; 10. Redução do ritmo de desmatamento e recuperação do passivo ambiental e das áreas degradadas dos biomas de Mato Grosso; 11. Democratização e aumento da eficiência da gestão pública do Estado e dos municípios e da excelência dos serviços públicos prestados à sociedade,com base na melhoria da estrutura do Estado e controle sistemático dos recursos governamentais; 12. Crescimento e dinamização da economia de Mato Grosso com expansão vigorosa do PIB e da participação do Estado na economia brasileira, acompanhado e viabilizado pela ampliação dos investimentos públicos na formação de capital fixo; 13. Ampliação da infraestrutura econômica e da competitividade da economia mato-grossense, que incorpora os seguintes objetivos específicos: a) expansão e recuperação da malha rodoviária do Estado; b) expansão da rede ferroviária de Mato Grosso; c) expansão da malha hidroviária do Estado, acompanhada de ampliação dos sistemas de embarque e desembarque; d) ampliação dos sistemas de portos, e terminais de embarque e desembarque, e aeroportos do Estado; e) ampliação do parque hidrotérmico de geração e do sistema de transmissão e distribuição de energia elétrica do Estado. 14. Redução da vulnerabilidade externa da economia com o declínio da participação das exportações na economia estadual (percentual do PIB) e ampliação da participação de bens manufaturados na pauta de exportação matogrossense. 15. Diversificação da estrutura produtiva e adensamento das cadeias produtivas com ampliação da participação da indústria na economia estadual. 5.3 Eixos de Desenvolvimento O Plano de Desenvolvimento de Mato Grosso, MT+20, estrutura-se em sete eixos estratégicos de desenvolvimento articulados que geram como resultado síntese o desenvolvimento sustentável do Estado. Os eixos estratégicos de desenvolvimento de Mato Grosso representam o foco da ação estratégica enquanto resposta da sociedade mato-grossense (governo e sociedade) aos estrangulamentos e problemas internos e para o aproveitamento das suas potencialidades. Com os eixos estratégicos, Mato Grosso pode se posicionar de forma competitiva no contexto nacional e mundial, com condições, portanto, de aproveitar melhor as oportunidades e se defender com eficácia das ameaças. Os eixos mostram a direção e as rotas gerais de ação, destacando onde devem ser concentradas as iniciativas para construir desenvolvimento 101 e o futuro desejado. Os sete eixos, cujas articulações estão indicadas no fluxograma abaixo,são: EIXO 1 - Uso Sustentável dos Recursos Naturais. EIXO 2 - Conhecimento e Inovação Tecnológica. EIXO 3 - Infraestrutura Econômica e Logística. EIXO 4 - Diversificação e Adensamento das Cadeias Produtivas. EIXO 5 - Qualidade de Vida, Cidadania, Cultura e Segurança Pública. EIXO 6 - Governabilidade e Gestão Pública. EIXO 7 - Descentralização Territorial e Estruturação da Rede Urbana. A ação convergente e complementar dos eixos estratégicos – seus programas e projetos – gera as transformações necessárias na realidade de Mato Grosso que leva ao desenvolvimento sustentável. Cada eixo exerce uma determinada contribuição na combinação de ações e iniciativas, e gera uma sinergia positiva que prepara Mato Grosso para os desafios do futuro, alguns deles favorecendo ou regulando o desempenho dos outros. O eixo estratégico de desenvolvimento “Governabilidade e Gestão Pública”, incluída a democratização e a participação da sociedade, organiza e orienta as ações para a melhoria da eficiência da gestão pública de modo a otimizar as iniciativas e ampliar os resultados dos programas e projetos nas diversas áreas. Os outros eixos expressam a intervenção nas diferentes áreas da economia, da sociedade e do meio ambiente orientada para promover as mudanças necessárias ao desenvolvimento sustentável de Mato Grosso. O eixo “Uso sustentável dos recursos naturais” estabelece uma mediação dos outros eixos com o meio ambiente, define novas formas de aproveitamento dos recursos naturais e controla a implementação dos programas e projetos (econômicos e sociais) para evitar pressões antrópicas quedegradem a natureza. Por isso, como mostra o fluxograma, ele atua sobre o conjunto dos outros eixos que articulam ações (programas e projetos) setoriais. Este eixo está fortemente articulado com o que trata da “Descentralização territorial e estruturação da rede urbana”, à medida que a gestão ambiental manifesta-se no território segundo a diversidade da natureza, cada região merecendo uma forma especial de utilização dos recursos. O eixo “Infraestrutura econômica e logística” tem um papel central na criação de condições de competitividade da economia matogrossense, dentro dos parâmetros definidos pelo eixo que regula o meio ambiente, e prepara a economia para a concorrência mundial e integrar o território. O eixo “Conhecimento e inovação tecnológica” também contribui para o aumento da competitividade pela elevação da produtividade e da capacitação profissional para o trabalho, mas exerce duas outras influências no conjunto da estratégia: favorece a mudança no padrão tecnológico coma natureza, permite redução dos impactos antrópicos, e aumenta as oportunidades sociais pelo segmento educacional. A matriz abaixo mostra a interação entre os eixos,e explicita a contribuição de cada um deles no desempenho dos outros. 102 A melhoria da competitividade e a implementação de ações indutoras na estrutura produtiva, estimuladas também pela gestão ambiental, favorecem a viabilização do eixo “Diversificação e adensamento das cadeias produtivas” que aumenta o valor agregado da economia, gerando emprego e renda. O eixo “Qualidade de vida, cidadania, cultura e segurança pública” expressa o eixo de maior importância, por refletir os resultados finais da estratégia sobre a vida dos mato-grossenses. Sua implementação e o seu alcance na melhoria das condições de vida da população depende de ações diretas, mas também da influência dos outros eixos, gera renda, protege o meio ambiente, amplia o nível de educação e a capacidade profissional, baseado numa estrutura governamental mais eficaz, eficiente e transparente. Ao articular as diversas ações (programas e projetos), os eixos estratégicos de desenvolvimento geram uma síntese que deve conduzir a um processo continuado de desenvolvimento sustentável, combinando aumento da eficiência e competitividade econômica, melhoria da qualidade de vida e redução das desigualdades, econservação do meio ambiente. EIXO 2 - CONHECIMENTO E INOVAÇÃO TECNOLÓGICAPROGRAMAS E PROJETOS Educação e inovação tecnológica são dois fatores centrais do desenvolvimento e da competitividade sistêmica de um Estado, contribuindo para melhorar a produtividade e a qualidade dos produtos. A educação, além de ser pré-requisito para a ciência e tecnologia, constitui também um elemento decisivo para ampliar e democratizar as oportunidades da sociedade, na medida em que prepara o cidadão para a vida e para o mercado de trabalho, principalmente quando associado à capacitação profissional. Desta forma, o eixo estratégico de Conhecimento e Inovação é parte central da estratégia de desenvolvimento de Mato Grosso, se expressa através dos programas(seis) e seus projetos (vinte e três) apresentados a seguir: 1. Programa de Ampliação da Capacidade de Pesquisa e Desenvolvimento Científico-Tecnológico A modernização da economia mato-grossense, nas últimas décadas, decorre em grande parte de inovações tecnológicas na agropecuária difundida pela EMBRAPA e pelo empresariado. No futuro, a capacidade competitiva de Mato Grosso vai depender fortemente de novos avanços na pesquisa científica e nas inovações, tanto na agropecuária quanto nos segmentos que adensam as cadeias produtivas do Estado. A capacidade científica e tecnológica de Mato Grosso ainda é relativamente frágil para dar conta dos desafios de futuro e da corrida mundial pelas inovações, especialmente nos aspectos relevantes para o desenvolvimento matogrossense, como as ciências ambientais e a biotecnologia. O programa de ampliação da capacidade de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico busca responder a este desafio do futuro,preparar Mato Grosso 103 para a disputa competitiva e contribuir para novas relações da economia com o meio ambiente. O Programa se desdobra nos seguintes projetos: 1. Formação e qualificação de recursos humanos para pesquisa, com os seguintes subprojetos: a) formação de recursos humanos novos com ampliação de cursos de pós graduação e capacitação de mato-grossenses nos grandes centros mundiais e nacionais de pesquisa; b) fixação de pesquisadores mato-grossenses nas instituições de pesquisa do Estado; c) atração de pesquisados para o Mato Grosso. 2. Criação de centros de pesquisa e desenvolvimento tecnológico nas áreas prioritárias da pesquisa, com os seguintes subprojetos: a) consolidação de laboratórios em órgãos de pesquisas, universidades públicas e em parcerias com universidades privadas; b) criação de centro de pesquisa e desenvolvimento (P&D) distribuídos nas regiões de planejamento; c) implantação de centro de pesquisa da Embrapa em Mato Grosso. Devem ser priorizadas as seguintes áreas de pesquisa e desenvolvimento tecnológico das instituições de P&D de Mato Grosso: • Biodiversidade, informação genética; • Catálogo de espécies da fauna e da flora das áreas protegidas; • Melhoramento genético de grãos e pecuária bovina, e das espécies pesqueiras; • Capacidade técnica para a superação das barreiras fitossanitárias impostas aos produtos brasileiros; • Tecnologias de rastreabilidade de baixo custo; • Piscicultura e pesquisas de alevinos; • Espécies animais e vegetais da área de transição CerradoAmazônia; • Adubos naturais e defensivos, e controles biológicos e zoofitosanitário de pragas; • Tecnologia bioindustrial, farmacologia, fitoterapia, cosméticos, bioprodutos e tecnologia para produção de ervas medicinais nativas (interagindo com o conhecimento dos povos da floresta). • Biocombustível e fontes alternativas e renováveis de energia; • Tecnologia da saúde e controle de epidemias e endemias; • Rotatividade de cultura e melhoria da produtividade agropecuária; • Tecnologia florestal-madeira e moveleira, incluindo aproveitamento dos restos da madeira; • Técnicas de confinamento usando resíduos da agricultura; • Ciência da computação voltada para controle de qualidade; • Pesquisas minerais e mapeamento do potencial mineral. 3. Fomento à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico em entidades públicas; 4. Implantação de sistema de comunicação e informação entre os órgãos de pesquisa, constituindo redes de pesquisa nas áreas prioritárias. 2. Programa de Inovação e Difusão de Tecnologias para as Cadeias Produtivas 104 A produção científica e tecnológica nem sempre se transforma em inovação e menos ainda se propaga nas atividades econômicas, de modo a aumentar a produtividade e melhorar a qualidade dos produtos, assim como incorporar processos produtivos de menor impacto ambiental. Para que haja a difusão dos conhecimentos é necessário que os centros de pesquisa encontrem canais de comunicação com o empresariado, recebam as demandas e desafios técnicos e ofereçam soluções tecnológicas. O programa de inovação e difusão de tecnologias tem o propósito de contribuir para esta aproximação e interface entre os pesquisadores e o empresariado, desdobrando-se nos seguintes projetos: 1. Criação de centro de desenvolvimento e difusão de tecnologias (articulando rede de pesquisa no Estado) com atuação nas áreas de maior demanda das cadeias produtivas (seguindo prioridades de pesquisa do programa anterior); 2. Expansão da infraestrutura e da capacidade de assistência técnica às cadeias produtivas, atuando nas seguintes áreas: a) assistência e apoio técnico direto aos produtores; b) utilização de unidades demonstrativas para divulgação de novas técnicas de produção; c) promoção de feiras de divulgação de novas tecnologias. 3. Criação de banco de dados sobre a diversidade bio-sócio-cultural regional. 3. Programa de Certificação de Produtos e Processos e Registro de Patentes Entre as fragilidades da pesquisa científica no Brasil destaca-se a falta de registro e controle da propriedade intelectual, o que torna o país altamente dependente da compra de conhecimento externo. Embora a pesquisa ainda seja muito incipiente em Mato Grosso, é necessário preparar o Estado para o registro de patentes e propriedade intelectual das tecnologias que venham a ser geradas no sistema de pesquisa estadual, principalmente o conhecimento da biodiversidade e das comunidades locais mato-grossenses, evitando que países e instituições de países desenvolvidos apropriem-se da informação gerada no Estado. Por outro lado, a qualidade e marca dos produtos de Mato Grosso precisam ter uma comprovação e certificação de origem para se consolidar no mercado internacional, principalmente quando se trata de produtos naturais ou processados de recursos da natureza. Por isso, o Plano de Desenvolvimento de Mato Grosso incorpora um programa de certificação de produtos e processos e de registro de patentes, que se desdobra e operacionaliza através dos seguintes projetos: 1. Criação de centro de certificação de produtos e emissão de selos de qualidade ambiental com sistema de certificação descentralizado, destacando os produtos da agricultura familiar e os produtos orgânicos. 2. Fortalecimento e agilização do sistema de registro e regulação de patentes, com a intensificação da certificação dos produtos da cadeia produtiva, desdobrado nos seguintes componentes: a) Divulgação dos órgãos de registro e da legislação, dos critérios e do sistema de certificação; 105 b) Patenteamento das espécies da biodiversidade regional e dos produtos naturais; c) Registro e salvaguarda de direito de propriedade dos conhecimentos das comunidades locais e povos da floresta; d) Criação de centros de testes, calibração ou ensaios para equipamentos (metrologia). 4. Programa de Melhoria da Qualidade do Ensino Básico O nível de escolaridade e a qualidade da educação básica da população é um fator central de desenvolvimento e ampliação de oportunidades sociais. Contribui para redução das desigualdades sociais e, ao mesmo tempo, cria as condições de competitividade do Estado. Desta forma, o plano se apóia na implementação de programa de melhoria da qualidade do ensino com o objetivo de preparar Mato Grosso para os desafios do futuro e melhorar a qualidade de vida da população. O Programa desdobra-se nos seguintes projetos: 1. Melhoria da infraestrutura da rede física escolar escolas públicas (educação infantil, básica e média) que compreende os seguintes subprojetos: a) Melhoria e ampliação de equipamentos, instalações e rede física; b) Melhoria da estrutura física de áreas esportivas, lazer, laboratórios de ciências e informática; c) Inovação nos recursos tecnológicos e pedagógicos. 2. Ampliação da oferta de ensino médio, ampliando o atendimento a jovens e adultos do meio urbano e rural, de modo a ampliar o nível de escolaridade média da população. 3. Reestruturação da gestão do sistema educacional, compreendendo os seguintes subprojetos: a) Sistema de avaliação de indicadores da educação estadual; b) Avaliação de desempenho dos professores; c) Definição de normas técnicas de controle de edificações escolares; d) Promoção e fortalecimento da gestão participativa em escolas públicas. 4. Desenvolvimento e valorização dos profissionais da educação: a) Implantação de plano de cargos e carreira dos professores; b) Valorização profissional dos professores; c) Qualificação permanente dos professores. 5. Reestruturação da base curricular: a) Introdução de escolas em tempo integral com permanência dos alunos na escola; b) Reforço do ensino de línguas estrangeiras, incluindo espanhol; c) Inclusão na grade curricular de temas contemporâneos62. 6. Combate ao analfabetismo no Estado, com prioridade para o meio rural. 106 7. Fortalecimento da educação rural e regional, contendo os seguintes subprojetos: a) Criação de núcleos de ensino para a zona rural; b) Ampliação do sistema de transporte escolar e da comunicação entre escolas rurais; c) Criação de programas educativos nos meios de comunicação das regiões. 5. Programa de Ampliação da Educação Profissional e Tecnológica A formação profissional da população é uma condição importante para aumento da empregabilidade e, portanto, da renda da população, ao mesmo tempo em que contribui para a melhoria da produtividade da economia e da qualidade dos produtos de Mato Grosso. Neste sentido, não basta elevar o nível de escolaridade da população e a qualidade das escolas do Estado. É necessário passo adicional na preparação do cidadão para o trabalho. Diante das inovações tecnológicas que se aceleram e o nível de sofisticação dos processos produtivos, o trabalhador mato-grossense deve receber uma formação profissional qualificada de forma continuada para poder acompanhar as mudanças e exigências do mercado de trabalho. O Programa de ampliação da educação profissional e tecnológica desdobra-se nos seguintes projetos: 1. Ampliação dos centros de formação e capacitação profissional continuada em nível técnico e superior orientada para a diversidade sóciocultural do Estado, compostos dos seguintes subprojetos: a) Ampliação da disponibilidade de recursos tecnológicos para a educação profissional e oferecer modalidades alternativas de ensino profissionalizante, inclusive ensino à distância; Entre os temas podem ser destacados os seguintes: diversidade cultural e valorização; história local e da cultura indígena; formação de blocos e mercados; gestão público-fiscal; associativismo; diversidade; educação ambiental; educação do trânsito; cidadania; hábitos alimentares/nutricional; filosofia; ética; sociologia; violência e criminalidade; e outros temas que incluam o estudante na realidade local. b) Articulação com o Sistema “S” (Senai, Senac, Senar e outros) para ampliação do ensino profissionalizante; c) Capacitação continuada dos professores e profissionais da educação profissional; d) Articulação dos centros de formação e capacitação profissional com os centros de pesquisa; e) Integração escola-empresa no processo de capacitação técnico profissional, orientando a formação para a demanda de ensino profissionalizante do setor produtivo.A capacitação profissional deve ser orientada para a demanda das cadeias produtivas e como preparação para as novas atividades econômicas de Mato Grosso, destacando as seguintes áreas: • Agronegócio e agroindústria (grãos e carnes); • Produção de alimentos e técnicas de produtos orgânicos; 107 • Turismo, incluídos guias, língua estrangeira, gastronomia, e hotelaria; • Técnicas manejo sustentável e aproveitamento adequado do solo; • Gestão de negócios e de projetos; • Gestão social; • Qualidade total; • Empreendedorismo, cooperativismo e economia solidária; • Artesanato, incluindo biojóias e bioprodutos; • Sanidade animal e vegetal; • Produção industrial; • Uso de defensivos agrícolas e técnicas orgânicas; • Sistemas agroflorestais; • Extração e beneficiamento de óleos e essências; • Indústria moveleira; • Informática; • Capacitação humana e técnica dos agricultores (políticas, acesso a crédito, projetos, etc.). • Sistema de certificação de produtos e processos. 2. Criação de novas escolas agrícolas, ampliando as áreas de atuação de modo a articular com as demandas regionais; 3. Reestruturação da gestão das escolas agrícolas. 6. Programa de Consolidação, Expansão e Democratização do Ensino Superior. O ensino superior (graduação e pós-graduação) é o nível mais alto de formação profissional da população e a base para o desenvolvimento científico e tecnológico, preparando os pesquisadores e cientistas do futuro. Neste sentido, as Universidades formam profissionais para o sistema produtivo e, ao mesmo tempo, prepara pessoal para compor o corpo de pesquisadores das instituições de pesquisa, incluindo os próprios laboratórios universitários. A Universidade desempenha, assim, um papel fundamental no desenvolvimento de Mato Grosso, no aumento da competitividade sistêmica e no aumento da sua capacidade de pesquisa. O Programa de consolidação, expansão e democratização do ensino superior desdobra-se nos seguintes projetos: 1. Melhoria das universidades públicas, com destaque para a ampliação do corpo docente com mestrado e doutorado, concentrando suas atividades nas seguintes áreas de conhecimento: a) Biotecnologia; b) Ciências agrárias e Zootecnia; c) Biologia e Engenharia Florestal; d) Engenharia (civil, elétrica, mecânica); e) Química; f) Agronegócio; g) Turismo e Ecoturismo; h) Economia regional; i) Políticas Públicas e Planejamento; 108 j) Comunicação Social. 2. Reforma e ampliação do sistema de ensino superior do Estado com base nas tendências futuras de mudanças e transformações; 3. Descentralização do ensino superior com criação de campi das universidades nos pólos regionais; 4. Ampliação da pós-graduação das universidades de Mato Grosso, com criação de novos mestrados e doutorados nas áreas prioritárias, incluindo estímulo à iniciação científica. 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