“ROSA, VEGETAL DE SANGUE”, de Carlos Heitor Cony.
Prof. Volney
1. A BIOGRAFIA DE UM IMORTAL CHAMADO CONY.
Filho de Ernesto Cony Filho, jornalista, e de Julieta de Moraes, Carlos Heitor Cony nasceu no dia 14
de março de 1926 na cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Lins de Vasconcelos, zona norte da cidade.
Em 1934, já de volta ao Rio, faz sua primeira comunhão e passa a ser ajudante de missa na Igreja
Nossa
Senhora
de
Lourdes,
no
bairro
de
Vila
Isabel.
Aos dezoito anos manifesta o desejo de tornar-se padre. Seu pai o prepara para o exame de admissão e,
após aprovado, ingressa no Seminário Arquidiocesano de São José, em Rio Comprido - RJ, no dia 3 de
março
de
1938.
Deixa o seminário em outubro de 1945 e ingressa, no ano seguinte, na Faculdade Nacional de Filosofia
da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que abandona pouco
depois.
Em 1947 surge a oportunidade de cobrir as férias de seu pai no Jornal do Brasil, então um grande
diário da cidade. Para garantir seu ganha-pão, consegue nomeação e torna-se funcionário da Câmara
Municipal do Rio de Janeiro.Começa a trabalhar como redator na Rádio Jornal do Brasil, em 1952.
Influenciado por Jean Paul Sartre, filósofo e autor francês, escreve "O Ventre". Em 1956 concorre ao
Prêmio Manuel Antônio de Almeida (Romance).No ano seguinte, lança o romance "A verdade de cada dia",
escrito em apenas nove dias. "Tijolo de segurança" é o trabalho inscrito por Cony para concorrer ao mesmo
Prêmio (Manuel Antônio de Almeida) no ano seguinte. Em 1959 lança "A verdade de cada dia" e escreve
seu quarto romance, "Informação ao crucificado".Vai trabalhar no Correio da Manhã, jornal de renome no
país, como copidesque, em 1960. No ano seguinte, revezando com Octávio de Faria, assina a coluna "Da arte
de falar mal". Esses artigos transformaram-se em livro de crônicas, editado em 1963 com o mesmo título da
seção. Lança "Tijolo de segurança".Em 1961 é publicado "Informação ao crucificado" e, em 1962, lança seu
quinto romance,"Matéria de memória".Passa a escrever coluna no jornal Folha de São Paulo, em 1963,
revezando
com
Cecília
Meireles.
Em março de 2000 é eleito, com 25 dos 37 votos possíveis, para a cadeira número 3 da Academia
Brasileira de Letras. Toma posse em maio daquele ano.Seu décimo quarto romance, "O indigitado", é escrito
em 2001 por encomenda da Editora Objetiva, do Rio, que com ele inauguraria a coleção Cinco dedos de
prosa, lançadoem2002. Além de romancista, Cony é cronista, contista, tradutor e teatrólogo.
Estética do autor: Modernismo/Pós-Modernismo.
Gênero da obra: Romance
2. A CRÍTICA FALA SOBRE O ROMANCE-REPORTAGEM.
A CONSTITUIÇÃO DO GÊNERO ROMANCE-REPORTAGEM
À primeira leitura, uma característica logo se destaca como determinante num romance-reportagem. De
imediato se percebe como a narrativa, factualmente construída, é testemunho de uma realidade
efetiva. Testemunho que almeja ser e apresenta-se mesmo não como uma simples versão de algo acontecido,
mas como a verdade objetiva e última dos fatos. É a verdade factual que o romance-reportagem toma de
empréstimo à reportagem como marca semântica.
Ao contrário da verdade jornalística, entretanto, a verdade factual do romance-reportagem não é
sustentada pelo cruzamento de informações; pelo controle da subjetividade do repórter; pela objetividade ou
veracidade do relato, enfim. Essa verdade factual, ainda que tenha nos fatos concretos seu sustentáculo
maior, constrói-se pela mímesis e legitima-se pela verossimilhança. Assim, a narrativa do romance
reportagem é uma totalidade que conjuga os fatos da realidade em uma história, transformando
pessoas em personagens e ordenando os acontecimentos segundo as necessidades de coerência interna
de seu discurso.
Essa instauração da verdade factual, mediada pela mimeses e pela verossimilhança, verifica-se na
narrativa através da marca sintática do romance-reportagem que são os processos narrativos realistas. Esses
processos constituem no seu conjunto, conforme inventário de Philippe Hamon, os artifícios usados pelo
narrador para emprestar à sua narrativa uma aparência de verdade superior àquela que as técnicas de controle
de subjetividade do jornalismo oferece. Desse modo, a predição, o pressentimento, a recordação, a
obsessão, o resumo, a motivação interior, a validação do discurso, a circulação de informações, a
descrição e a utilização de documentos, entre outros processos, aliam-se para garantir ao romancereportagem a necessária adequação entre uma diegese de cunho jornalístico e um discurso de cunho
ficcional.
Tomados de empréstimo ao romance realista do final do século XIX, os processos narrativos realistas
do romance-reportagem são responsáveis não apenas pela sustentação da verdade factual, como também pela
participação do narrador no relato sem que sua voz seja percebida como interferência na narração 'pura' dos
fatos. Tal participação, camuflada pelos processos narrativos realistas, constitui-se, por sua vez, na marca
pragmática do romance-reportagem como gênero: a denúncia social.
Por meio da denúncia social, o narrador impõe um fim à sua narrativa que é atingir a consciência
do leitor, conquistando-o para sua causa. Para tanto utiliza-se de vários meios que vão da conhecida
intrusão do narrador, através de suas reflexões ou digressões, até contrastes antitéticos entre o mundo
dos ricos e o dos pobres, passando pelo diálogo e, pelo monólogo interior dos personagens. Todavia,
para além da simples comoção do leitor e da participação intrusiva do narrador no relato, a denúncia social
do romance-reportagem apresenta-se, para o narrador, como única oportunidade de acusar e censurar a
sociedade, assim como também um meio de livrar-se da sua culpa de mero espectador. Denunciando através
da narrativa, o narrador redime-se de suas faltas sociais ao mesmo tempo que as assume publicamente,
porém ele não se quer sozinho no tribunal que seu relato instaura. Por isso, convoca a sociedade, como
narratária, para receber a parte que lhe cabe nas acusações que ele, narrador, está disposto a fazer
como testemunho e confissão.
Finalmente, em conseqüência da interação dessas três marcas - a verdade factual, os processos
narrativos realistas e a denúncia social o romance-reportagem deixa de ser uma narrativa só de informação
(reportagem) para ser também um ato de comunicação (romance), em que o leitor é solicitado a dialogar
como narrador, ocupando, para tanto, o lugar da sociedade a que ambos pertencem. É desse diálogo, que é
mesmo o diálogo entre o desejo de revelar e o desejo de conhecer a verdade inteira do mundo em que
vivemos, que nasce o romance-reportagem.
3. RESUMO DE ROSA, VEGETAL DE SANGUE.
O início do romance é marcado pela cena em que a recepcionista Rosa Maria conta os segundos para
terminar o seu dia de trabalho. Ao olhar para o relógio, ela lembra do dia em que o ganhou. Como uma boa
moça suburbana, ela tem uma mãe costureira, um pai aposentado, e um irmão que despreza os estudos. A
jovem é amante de Lobianco, um dos funcionários do jornal em que ela trabalha. Ele, apesar de casado e de
ter uma filha da idade da amante, rapidamente, tornou-se o grande provedor daquela família.
Cony cria um narrador em terceira pessoa e onisciente para contar os fatos. É ele, o narrador, que nos
informa sobre a vida de Lobianco. O pai do jornalista havia morrido de forma trágica. Já ele possuía pavor
quando se tocava na palavra escândalo. Tornou-se jornalista e daí começou a perceber que as melhores
matérias dos jornais nunca eram dadas a pessoas como ele. Sempre eram os jornalistas imorais e sem caráter
que eram privilegiados nesse quesito. Foi nesse momento que resolveu conquistar uma amante para sua
vida.Queria tornar-se um homem de sucesso. Rosa foi a escolhida. Seus olhos grandes e o cigarro fumado
com elegância de cinema foram traços bastante importantes na hora da conquista. Mas sua felicidade não
estava completa. Junto com Rosa veio uma família repleta de problemas e muito carente de ajuda financeira.
Quem mais sentiu a decadência no orçamento foram os membros do seu lar oficial.
Em sua casa, Rosa era a bandeira da esperança. Quando arranjou o mísero emprego do jornal, seus pais
respiraram de maneira menos sufocada. Ao iniciar o caso com Lobianco, o mesmo resolveu alugar um
apartamento para a família da jovem no Rio Comprido.
O primeiro encontro com a família de Lobianco deixou Rosa um pouco entristecida. Ao enxergar
Glorinha, a filha de Lobianco, ela viu o que era educação e elegância reunidas numa mesma pessoa.
Lobianco pareceu sentir-se pior do que Rosa. Principalmente, porque a amante e a filha pareciam ter a
mesma idade.
Certo dia, ao levar Rosa para casa, descobre que seu Tomás, o pai de Rosa, estava enfrentando
problemas graves de saúde. Ao adentrar o espaço físico da casa da moça, ele conversa com os pais dela.
Rosa oficializa a condição de amante perante a família. Após receber um aumento, aluga um apartamento
exclusivo só para a jovem em Botafogo. Ela passa a sentir-se mais feliz e começa a enxergar um horizonte
esverdeado nas folhas do seu diário. É naquele pequeno objeto que seu cotidiano passa a ser registrado.
Certa noite, após uma tarde ardente acompanhada de Lobianco, Rosa encomenda uma pizza. Ao
recebê-la, percebe que o entregador não trabalhava naquela lanchonete. O rapaz é bastante indiscreto e
afirmou ser seu admirador. Seu nome era André. Rosa sentiu um misto de repulsa e atração enquanto
conversou com o rapaz. Ele foi embora, mas Rosa o transformou em novas palavras no seu diário.
Ao visitar o jornal em que Lobianco trabalhava, a moça encontrou Dr. Alberto, o grande chefe do
jornal. O velho a paquera e daquele encontro surge uma proposta para outro mais ardente no apartamento
libidinoso do ancião.
Na lanchonete, torcendo pelo reaparecimento de André, Rosa conhece Luís, um rapaz de conversas
agradáveis e culturais. Ao se despedirem, a moça informa-lhe o seu endereço.
Chega o grande dia do encontro com o grande chefe do jornal de Lobianco. Rosa aparece no local e
pede ao velho um relógio muito caro em troca do sexo. O velho desespera-se com a saída de Rosa e , em
casa, ela sente-se um pouco prostituída.
Dias depois, a desconfiança de Lobianco foi notada por Rosa quando o amante usou a própria chave
para abrir a porta do apartamento. O sexo naquele momento foi uma representação da atitude de posse dele
sobre ela. Rosa questiona-se e em seguida reencontra Luís. Os dois foram para a Barra e é nesse momento
que surge um outro personagem na narrativa, Ricardo. O olhar dos dois rapazes parecia enervado de
intimidade.
Rosa pergunta-se sobre a sua condição de vida. Não pode continuar daquela forma, vegetando. Pensa
em arranjar emprego e libertar-se um pouco da clausura. Ao encontrar Ricardo, percebe uma tristeza no
olhar do surfista. Ele a indaga sobre a chave do apartamento que a moça deu a Luís.
O capítulo oito imprime uma reviravolta na narrativa. “Morte suspeita em Botafogo” é o que se
pressupõe sobre como a notícia habitara os jornais no dia seguinte. Dr. Lemos é o investigador responsável
pela investigação do crime. A maior pista para desvendar o crime era o diário de Rosa. Foi nele que o
investigador encontrou os nomes de Luís, Lobianco,André, Dr. Alberto e. O autor abre espaço para mostrar
como a mídia consegue manipular bem as notícias. O dono do jornal foi o primeiro suspeito a ser
investigado e logo inocentado.
Enquanto isso, Lobianco, ao saber da morte de Rosa, no seu ambiente de trabalho, desespera-se e sai
dirigindo sem destino certo. Lembra do escândalo ocorrido com o pai. Sempre lutara para que nada
manchasse a sua dignidade. E agora? E quando todos descobrissem? O que seria dele? Por alguns instantes
sentiu-se mais leve, não teria mais que pagar o colégio do Almir. Voltou ao Rio refúgio na casa da moça. Os
pais estavam desesperados. Não era só Rosa que tinha falecido, mas aquela condição social advinda do caso
amoroso da filha com o jornalista. O amante dorme durante toda a tarde na cama do irmão de Rosa. Ao
acordar, é interrogado pelo investigador Lemos e torna-se mais um suspeito inocentado.
Ao visitar o apartamento, Lobianco questiona o motivo que levou a jovem a se envolver com ele.
Ainda se sente atraído pela jovem mesmo tendo consciência da sua morte. Ao visitar a pizzaria, conhece
Luís. Os dois passaram a conversar sobre Rosa. Para eles, a jovem era um grande “quebra-cabeça” a ser
montado.
E Por último, o capítulo quinze surge como a grande revelação. O narrador apresenta ao leitor o
momento da discussão ocorrida entre Luís e Ricardo. A causa da briga era Rosa Maria. Ricardo xingou a
jovem e Luís revidou com murros. Apesar de tudo, os dois dormiram juntos. Na madrugada, Ricardo
levantou e retirou a chave do apartamento de Rosa do bolso de Luís. Em seguida, fez uma cópia da chave e
saiu carregando um par de luvas.
Enquanto isso, Rosa Maria lutava para não dormir e conseguir escrever tudo o que a amargurava no
seu pequeno diário. Eram tantas indagações. Tentou dormir. Ao ouvir um barulho na porta pensou em
Lobianco, mas estranhou aqueles passos. Pensou ser Luís e sonhou por momentos numa entrega de corpos e
corações. Uma mão macia começou a apertar o seu pescoço...
“Preciso viver... preciso viver...pre” foi o seu último pensamento.
4. DESVENDANDO O TÍTULO DE ROSA, VEGETAL DE SANGUE.
O substantivo Rosa é o nome da protagonista e simboliza a fragilidade da mulher na sociedade
moderna.
O termo Vegetal remete diretamente ao seu modo de vida dependente, ou seja, a moça é
sustentada pelo jornalista Lobianco e vive como um parasita enclausurado num apartamento.
O termo sangue apresenta dupla significação. Ora remete ao aspecto humano da personagem ora
ao registro da violência nos grandes centros urbanos.
5. CARACTERÍSTICAS IMPORTANTES DO ROMANCE “ROSA, VEGETAL DE SANGUE”.
5.1. A obra foi inspirada num episódio da crônica policial carioca. (A obra é um misto de ficção e
realidade. O autor usa as técnicas de criação do romance-reportagem.)
Ex.: “Em 1973, uma moça foi vítima da violência. Tanto os jornais como a polícia trataram o caso dela
como de uma leviana, quase uma prostituta.
5.2. A linguagem do autor é bastante simples, direta e coloquial.
Ex.: “- Alguma coisa, filha? Estava preocupado. Dona Ana foi mais rápida:
- Arranjou namorado?
Rosa olhou seriamente para os pais; o pijama ralo e vagabundo de Tomás cheirava a pobreza, ao
início da sordidez que rondava a casa. Decidiu contar tudo, de uma só vez:
- Não. Não arranjei um namorado. Saí com um homem
casado. Ele gosta de mim.
- Mas... - dona Ana foi a mais forte - você gosta dele? Ou saiu com esse homem só por sair?
- Eu gosto dele. E um homem bom. Muito bom mesmo.
- Mas é casado! - rugiu Tomás, que sentia a vista ficar escura.
- Ele está pensando que você é uma vaga...
- Cala a boca, Tomás! - gritou dona Ana.
- Rosa sabe o que faz!
- Não estou me vendendo, papai. Lobianco é um jornalista, um dos mais cotados da redação, falou
francamente comigo. Já tínhamos saído outras vezes, jantar, cinema, um passeio na Barra... mas hoje
decidimos... ele disse que pode me ajudar ,quer que eu me mude para mais perto... acha Quintino muito
longe, muito sacrifício esse negócio de trem...
- Ele te levou para um hotel?
- Tomás queria saber tudo, com uma curiosidade mórbida, devastadora.
- Sim... hoje não foi a primeira vez. Apenas... parece que ele está mesmo gostando de mim... não
pode nem quer se separar da esposa, tem filhos, tem até uma filha da minha idade...
- Um velho! - berrou o pai.
- Ele tem a sua idade, papai. Mas parece que podia ser seu filho.
Dona Ana resumiu a conversa de forma fulminante:
-Rico não fica velho, Tomás! Só pobre envelhece!
Rosa percebeu que sem querer ofendera o pai.”
5.3. Há o predomínio do tempo cronológico.
Ex.: “2 de outubro - terça-feira.
- Poxa! Quem diria, Rosa Maria! Faltam 15 minutos, para a meia-noite e enfim consegui tempo de
pegar o diário! Que dia! Mais uma vez esperei que Lobianco fosse embora, e hoje ele demorou paca. Parecia
não querer ir pra casa. Estranhamente, estava mais animado, menos enfossado, não falou em São Paulo,
limitou-se a descansar um pouco e a me amar. Eu correspondi bastante e ele gostou.
5.4. Registro de gírias.
Ex.: “ninguém dava bola para a História,”
“- Você não curte uma praia?”
“Luís é alegre, não tem os grilos de Lobianco, pudera, podia ser filho dele”
“- Foi o que pintou, pai. Não tenho muita escolha...”
5.5. Algumas passagens citam importantes assuntos jornalísticos da década de 70. (verossimilhança
crescente).
Ex.: “O edifício, relativamente moderno, não tinha escadas especiais de incêndio, mais de 400 pessoas
podiam ficar isoladas pelo fogo; em São Paulo, não fazia muito, um edifício inteiro pegou fogo por causa do
sistema de refrigeração, mais de 300 mortos.” (Incêndio do edifício Joelma)
5.6. Presença do discurso indireto-livre.
Ex.: “Às seis, levantaria daquela maldita cadeira, trancaria a sua gaveta, iria ao corredor, desligaria a chave
que abastecia de força e luz a sala de recepção, onde um aparelho de ar refrigerado funcionava meio
arbitrariamente: nos dias de muito calor, não refrigerava nada. Nos dias frios, dava um troço na máquina e
Rosa tinha de apelar para um suéter, ficava com os ossos gelados e doídos.
5.7. Registro do ambiente suburbano carioca.
Ex.: “Quintino não é nenhuma maravilha, mas há quem goste do bairro, que na realidade é um subúrbio. Na
antiga estação da Central, quase abandonada, lá está o nome completo, Quintino Bocayuva, com ipsilone
mesmo, um antigo prefeito do Rio ou coisa parecida, ninguém dava bola para a História, era Quintino
apenas, com muito sol, muito calor, casas antigas, quando os donos ganhavam um dinheirinho extra,
providenciavam a reforma, pintavam sempre com tonalidades berrantes, o rosa-maravilha ou o verdepistache - cores patenteadas ao longo dos trilhos da Central e da Leopoldina.”
5.8. O nepotismo como um dos filamentos temáticos.
Ex.: “Tomás Antônio da Silva, antigo porteiro do Tribunal de Justiça, antigo porteiro do Tribunal de Justiça,
teve um enfarte aos 45 anos, passou um mês no hospital do IPASE, em Bonsucesso, mal aconselhado por um
desembargador que desejava abrir vaga no quadro de porteiros para nomear um afilhado, aceitou a sugestão
de se aposentar por invalidez. Ganharia alguma coisa a mais, 15 ou 20% do salário, e poderia ficar em casa,
cuidando da saúde.”
5.9. A marginalização da protagonista.
Ex.: “Lobianco lhe entregou o embrulho comprido, com etiqueta dourada, o pequenino envelope preso por
fita durex.
- Isso é para você.
Ela leu o cartão: Rosa: o relógio prometido e o meu amor garantido. Do seu Lobianco. Feliz Natal. E
muitos anos de vida ao meu lado.”
5.10. A decadência da classe burguesa como tema.
Ex.: “Depara-se, agora, o retrato de Antônio Lobianco. Mesmo formado em Direito, com curso de
especializações, reduzira-se a uma vida mesquinha, de parco dinheiro, ainda que seu salário, como redator,
fosse um dos maiores do jornal. Faria 50 anos na semana seguinte: aos 21 de março.
5.11. A tragédia ocorrida com o pai de lobianco parece antecipar a de rosa.
Ex.: “Tudo corria bem até uma tragédia. O pai, endinheirado, montou casa para uma amante, tendo um filho
com ela. Um dia, num carnaval, flagrou-a, odalisca, abraçada a um mulato forte, em cuecas; este, entre
bêbado e adormecido, levou os primeiros socos sem reagir. Mas, ante um pontapé no rosto, surgiu, enorme, à
frente de Antônio, com uma navalha com a qual dependurou-lhe a cabeça.
Os amigos abafaram a história: os jornaleiros eram unidos. Mesmo assim, a mãe de Lobianco soubera
de tudo. Morreria dois anos depois, em silêncio, mas amarga.”
5.12. Registro da prostituição no mundo da imprensa.
Ex.: “o editor de esporte dormia com as estagiárias mais bonitas,”
5.13. A prática do adultério como tema.
Ex.: “Em verdade, ele não sentia necessidade de ter amantes. Após seis anos de casamento, tivera um caso,
fortuito com uma desquitada. No mais, saía com uma pequena que herdara de um amigo, a Marta, quase uma
prostituta: pagava-lhe, indiretamente, depois de cada encontro, a taxa rodoviária do carro, um pneu novo, o
imposto predial. Escondia dos outros tal relação, afinal inglória.”
5.14. Rosa, uma heroína moderna.
Ex.: “Magrinha, quase insignificante, tinha um jeito de andar elegante, sensual.”
5.15. A influência da mídia no comportamento social.
Ex.: “Enquanto esperava o elevador, no saguão da recepção, reparou na mocinha magra que fumava o
cigarro com elegância, em pose copiada do cinema, das revistas de moda. Os olhos eram grandes, pintados
demais. Verdes, um pouco amarelos. Olhava-o escancaradamente. Rosa nunca perderia essa mania, olhar
firme nos olhos de todos os homens que cruzavam por ela.”
5.16. Predomínio da narrativa em terceira pessoa(narrador onisciente).
Ex.: “Dona Ana providenciou um cafezinho, até insinuou um jantar.”
5.17. Registro de narrativa em primeira pessoa (diário de rosa)
Ex.: “7 de outubro - domingo - Aconteceu. Ou melhor: não aconteceu nada, por isso mesmo aconteceu. Dá
pra entender? Não sei. Acordei tarde. Fiz ovos mexidos com queijo derretido, tive preguiça de ir almoçar lá
embaixo. E não iria almoçar na casa de papai de jeito nenhum. Depois deitei novamente.”
5.18. Monólogo narrativo.
Ex.: “Rosa Maria - rosa vegetal. A tarde bonita lá fora e eu apodrecendo minha mocidade num quarto-e-sala,
amanhã apanho os recibos do colégio de Almir e Lobianco me amará e dará a mesada e papai está doente,
não pode trabalhar, e o Dr. Alberto já deve ter esquecido o relógio e a afronta. E eu não esqueci André, só
por birra. No fundo, o que ele representa para mim? Nada.”
5.19. André representa as amizades urbanas.
Ex.: “André olhou o apartamento. Decente, embora pequeno, bem mobiliado, digno. Reparou na cama, dois
travesseiros amarrotados, vestígios mais ou menos óbvios do que ali houvera.
- Bonito isso aqui! Trabalha fora ou... em casa...”
5.20. Registro do cotidiano policial.
Ex.: “Um dos policiais tirava fotos de vários ângulos. No corredor, alguns repórteres insistiam em entrar,
dois guardas barravam a porta.”
5.21. A presença de pistas é uma característica do romance policial.
Ex.: “- Olha, a moça deixou um diário. Ela escreveu até ontem à noite.
O comissário deu uma olhada. Leu a última anotação:Preciso viver.”
“Segundo o laudo, ela fora esganada; o assassino usara luvas: morte premeditada.”
5.22. Aliança entre a imprensa e a política.
Ex.: “- Daí é que o ministro insistiu para que eu providenciasse um encontro. Telefonava quase todos os
dias, sobretudo nos fins-de-semana. Parece que a família vai para fora e ele fica sozinho em Brasília ou aqui
no Rio. Eu fui embromando, embromei o que pude. Mas nós precisamos do ministro. Ele é amigo da
empresa e, sabe, nós importamos papel, precisamos de licenças, essas burocracias, não custava nada ser
gentil... Nem levei o negócio ao conhecimento dos demais diretores. O assunto ficaria entre o ministro e
eu... e a moça, naturalmente...
5.23.O rio de janeiro é o espaço físico da obra.
Ex.: “Dr. Alberto engasgou, remoeu suas possibilidades, depois de algum tempo desembuchou:
- Olha, Rosa Maria, eu queria bater um papo gostoso com você. Mas sou muito ocupado, você sabe.
Não me leve a mal, mas no Largo do Machado tenho um apartamento, nós podemos mandar subir do Bob's
uns sanduíches, uns sucos. Ficaremos à vontade e poderemos conversar... num apartamento no Largo do
Machado”
5.24. O homossexualismo como tema.
Ex.: “- Não tenho nada com ela!
- Mas vai ter. É assim que começa.
- Sou dono da minha vida! Faço o que quero!
- Então, por que se meteu comigo? Agora é tarde! Eu avisei. Comigo ninguém se faz de bobo! Não
admito traição!
- Corta essa! Você é uma bicha louca, não posso perder minha vida, minha mocidade, com um caso
sujo desses... a moça é direita, gosto dela.
- Está gamado, hem? Gamado por uma p...
- Cala a boca!
Luís levantou a mão e o tapa estalou no rosto de Ricardo. ...”
5.25. A verossimilhança nos diálogos.
Ex.: “- Você é espetacular, Rosa Maria! Sinceramente, não pensei que fosse tão...
Ele ia dizer "fácil" mas se travou. Pensou um pouco e disse o resto:
- ...inteligente... gostei muito de você... acho que podemos ser amigos... bons amigos...
-Creio que já somos, Dr. Alberto.
(...)
- Se você continua a andar assim, à minha frente, eu perco a cabeça. Vamos embora!
Tem mulheres que para seduzir os homens sentam numa poltrona, cruzam as pernas de um certo modo
e pronto. Meu caso era especial: eu precisava ficar andando de lá para cá. Saco! Mesmo assim desabafei.
- Não estou querendo provocar. O senhor marcou este encontro porque queria uma coisa. E eu porque
também queria outra.
- Qual é o seu preço?
- Um Beaume-Mercier.
Ele me olhou surpreendido e, talvez, repugnado: - Você é uma prostituta, sabe?
- Não vem ao caso.
Encarei-o firme, nos olhos, soprando a fumaça mansamente, do jeito que ele parecia gostar.
Dr. Alberto hesitou. Fixou-me atentamente, avaliou a situação. Não estava mais irritado. Parece que
fez alguns cálculos com a cabeça. Depois falou com rudeza, como Quem está fechando um negócio:
- Uma vez só? Um relógio desses por uma só vez? - Não. Para sempre. Sempre que o senhor me
quiser.”
5.26. O flashback e o desfecho.
Ex.: “Luís tirou a roupa para deitar no sofá ao lado da cama de Ricardo.
- E hoje não tem mais papo! Quero dormir! Ricardo
agarrou Luís pelos pés:
- Isso não pode ficar assim! Eu joguei tudo em nossa amizade, a minha família, meus outros amigos...
meus estudos... larguei tudo por sua causa... e agora você me dá um fora por causa de uma...
Luís ia dar um chute no amigo, dessa vez na cara dele. Mas se controlou:
- Cala a boca! Quero dormir! Amanhã preciso acordar cedo;- antes que o raio de sua mãe e de seu pai
apareçam...
- Luís... eu te peço... pelo amor de Deus... não faça isso comigo...
Ricardo cobriu o rosto com os pés do amigo. Suas lágrimas molhavam os dedos enormes e disformes
de Luís que gostava de andar de sandálias havaianas, nunca usava os chinelos que ele comprara, na tentativa
de que o amigo se apresentasse bem.
Quinze minutos depois, Luís roncava. Tinha sono forte, sofria de asma, às vezes sua respiração parecia
um fole. Ricardo foi ao bolsinho de sua calça, sabia que ali estava a chave do apartamento de Rosa.
(...)
Rosa se virava na cama. Gostara do passeio com Luís, embora não comprasse muito aquele Ricardo.
Será que os dois? . .. Bem, não devia suspeitar dos outros, nem todo mundo era sujo, havia gente pura como
Lobianco.
(...)
Rosa conhecia os passos de Lobianco. Não, não era ele, Lobianco andava sem cautelas ali dentro, o
apartamento, afinal, era dele, ele é quem pagava o aluguel, as taxas, o condomínio. Então só podia ser Luís.
Luís voltava! Talvez quisesse conversar... era um bom rapaz... não abusaria dela... sim, era Luís, não
conhecia bem a casa, custava a se orientar.
Rosa ainda pensou em acender a luz. Subitamente, sentiu que toparia Luís, se o rapaz a desejasse e
viesse para o quarto... por que não? Ela nunca traíra Lobianco, resistira ao Dr. Alberto, resistira ao ministro,
tivera a coragem que nem suspeitava dentro de si.
Que Luís chegasse, que Luís viesse, mansamente, sem palavras, e a abraçasse, e depois dormisse com
ela, de mãos dadas, como dois amigos que se podiam amar. Ela ia dizer, baixinho, o nome dele: Luís.
Não foi preciso. Sentiu em volta do pescoço uma carícia. Macia carícia, os dedos pareciam uma luva,
duas luvas em volta do seu pescoço... "como é que amanhã vou contar isso no meu diário?" Luís abrindo a
minha porta... entrando de mansinho no meu quarto... com esses dedos macios, essa mão macia que me
aperta o pescoço... Luís... Luís... está me machucando... está me machucando... não, assim não...
Fez um gesto em direção à tomada de luz, para acender o abajur da mesinha-de-cabeceira. Sua mão
parou no meio. E o grito que ia soltar também parou no meio. Apenas o pensamento foi até o fim: "Amanhã
escreverei no diário: preciso viver... preciso viver... prec...so... preciso... pre... ciso viver..."
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rosa, vegetal de sangue - Colégio Luciano Feijão