Da necessidade de uma análise discursiva sobre a língua estrangeira e seu ensino na mídia e na
literatura
Deise Cristina de Lima Picanço
Universidade Federal do Paraná
Resumo: Este trabalho busca apresentar uma análise discursiva inspirada em autores como Michel Pêcheux, Michel
Foucault e os autores do Círculo de Bakhtin do discurso normativo que circula sobre a língua e seu ensino na mídia e
na literatura. Nosso objetivo é mostrar o quanto essas práticas discursivas têm dificultado, pela crença na garantia do
entendimento através do código, a ampliação dos debates sobre o tema. Além disso, elas têm impedido uma maior
visibilidade, fora do âmbito acadêmico, dos debates empreendidos sobre o tema. Assim, o que vemos e ouvimos
todos os dias, no cotidiano das nossas relações e na mídia em geral (jornais, revistas, televisão, música, folhetos,
outdoors, etc.) nos dizem coisas semelhantes porque fazem parte de uma mesma prática normativa (no sentido
foucaultiano do termo) que gira em torno da língua e de seu ensino. Poderíamos pensar ingenuamente que tratam-se
apenas de estratégias publicitárias ou idéias esparsas, ditas por não-especialistas, e sem maiores conseqüências. No
entanto, toda essa massa de coisas ditas e repetidas tantas vezes nos mostra que os julgamentos de valor em torno da
utilização do idioma estrangeiro são capazes de reificar imagens e, de alguma forma, mover nossas ações em torno
delas, o que só pode ser percebido se levarmos em conta, em nossa análise, a dimensão discursiva desses dizeres.
Palavras-chave: ensino de línguas- análise do discurso – normativismo lingüístico
Cotidianamente ouvimos, vemos e lemos avaliações que, partindo de um certo senso comum, distribuem
funções específicas às línguas, principalmente às mais conhecidas. Essas atribuições funcionam mais ou menos como
aquela anedota espanhola sobre o Imperador Carlos V que havia herdado metade da Europa e precisava falar inglês
para tratar de negócios, do francês para resolver problemas diplomáticos, do alemão para falar com os animais, do
italiano para falar com as mulheres e do espanhol, sua língua materna, para falar com Deus. Algumas também
funcionam como as imagens das francesas nas novelas e nos filmes de faroeste, fazendo biquinho para falar com os
caubóis. Outras nos lembram de Caetano Veloso cantando que só é possível filosofar em alemão. Nenhuma dessas
atribuições dadas às línguas, obviamente, resistiria a qualquer análise mais consistente, seja a partir de seu papel
social no mundo e das diversas culturas que elas dizem, seja a partir dos estudos lingüísticos ou sociológicos. No
entanto, podemos perceber que há uma certa repetição de enunciados sobre as línguas que fazem perpetuar o
sentido dessa massa de coisas ditas.
Além desses enunciados, há outros, com outros efeitos de sentido, que circulam não só em torno das línguas
mas também de seu ensino. E essa massa de coisas ditas sobre a língua estrangeira e o seu ensino pode ser percebida
também na mídia (TV, jornais, revistas, letras de música, etc.) e na literatura. Nas novelas, nos filmes, principalmente
os de comédia, e nos seriados de humor, que trabalham basicamente com o estereótipo, é comum vermos coisas
semelhantes. Quem não se lembra dos episódios do Casseta & Planeta, da Rede Globo, brincando com as lições de
inglês baseadas no audiolingualismo em que nós tínhamos que repetir a célebre frase “The book is on table”? Num
desses episódios o personagem encontra, finalmente, numa rua de Londres, um livro sobre uma mesa e exclama com
satisfação: “THE BOOK IS ON THE TABLE”, mas o policial inglês, em seu uniforme azul, assume o papel de
guardião da língua e numa postura de professor, corrige a pronúncia do personagem, já que o the deve ser
pronunciado com a língua entre os dentes.
Na mídia de rua, em outdoors, faixas, cartazes e folhetos, também encontramos coisas semelhantes. Na
fachada de uma escola de idiomas da rede Influx, de Curitiba, encontramos uma faixa que diz o seguinte: “Sorviete
de moriango. É assim que você fala?”. A Aliança Francesa de Curitiba, no início deste ano, alertava - em
outdoors colocados nos bairros nobres da cidade - para o risco da pirataria no ensino de línguas (ou seja, o perigo
do francês falsificado) fazendo alusão às cópias mal feitas da marca Louis Vuiton, escrita de maneira errada. A
Cultura Inglesa, também usando outdoors, buscava ampliar o seu público infantil, recomendando aos pais: “tragam
seu gênio para os especialistas”. Uma reportagem da Folha de São Paulo, publicada no caderno Empregos, em 17
de agosto de 2003, que recomendava para aqueles que têm pouco tempo, muita disciplina e dinheiro sobrando,
alternativas como cursos pela internet e de imersão, também afirmava que o método tradicional, no formato
quadro-negro e professor, são as preferidas e as mais eficientes. Embora não se saiba exatamente o que o/a autor/a
quis dizer com tradicional (talvez se referisse apenas à questão espacial e material da aula), o que fica patente é que
mudar as coisas nem sempre é bom: o melhor seria juntar o inovador com aspectos conservadores. Não estamos
querendo dizer que tudo o que pertence ao passado e à tradição deve ser esquecido, mas o que exatamente é
inovador e o que é fruto do conservadorismo no ensino de linguagem? Acreditamos que essa é uma questão
importante, pois o medo da mudança, quando se trata de questões de linguagem e de seu ensino, nos deixa um tanto
apreensivos, pois uma compreensão estática de língua e sociedade fatalmente termina descambando para o
normativismo, uma das concepções de linguagem mais fortes e arraigadas à cultura ocidental desde os últimos
2.500 anos mais ou menos.
O normativismo, segundo FARACO (1997), é a concepção de linguagem que divide o que é certo do que
é errado, entendendo-a como um todo que se basta a si mesmo e que subjuga os falantes ao seu conjunto de regras
de “bom uso” da língua. Reiterando o que VOLOSHINOV (1992) já nos havia apontado no início do século XX,
FARACO nos mostra que o normativismo surgiu do intenso trabalho dos filólogos alexandrinos do final do século IV
a. C., e tornou-se a base do pensamento sobre linguagem no mundo europeu e ocidental: “Na base dos métodos de
reflexão lingüística que levam à postulação da língua como sistema de formas normativas, estão os procedimentos
práticos e teóricos elaborados para o estudo das línguas mortas, que se conservaram em documentos escritos. É
preciso salientar com insistência que essa abordagem filológica foi determinante para o pensamento lingüístico do
mundo europeu”. (BAKHTIN/ VOLOSHINOV, 1992, p. 96)
Esse tipo de reflexão lingüística, com o decorrer do tempo, passou a desenvolver duas atividades
complementares: um voltada para a decifração de textos numa dada língua, e outra voltada para a organização da
língua já decifrada para o ensino. Assim, segundo FARACO (1997), esse modelo de pensamento lingüístico continua
forte até hoje, e faz parte das reflexões sobre as línguas vivas realizadas tanto no âmbito do senso comum, quanto no
cotidiano da escola. E essas reflexões, baseadas no normativismo, resultam em juízos de valor sobre a língua, seu
ensino e o uso que os falantes fazem dela, que vemos todos os dias na imprensa (escrita ou falada), na avaliação dos
alunos feitas pelos professores e pela sociedade em geral, e na avaliação que a própria sociedade faz de seu
desempenho lingüístico. A partir desses juízos é possível afirmar, para dar apenas alguns exemplos, que nós,
brasileiros, falamos mal o português; ou que os hispanoamericanos deturparam a língua espanhola. Também é
possível dizer que o francês corre o risco de perder sua identidade se não evitar a invasão de termos vindos do
inglês. Também é possível dizer que são necessárias medidas governamentais para proteger a língua nacional,
e que nossos alunos, por não saberem a gramática do português, não conseguirão entender e aprender
qualquer língua estrangeira, e assim por diante.
Esses juízos não têm qualquer relação com a realidade das interações verbais realizadas entre os falantes de
uma comunidade. Pensar as línguas dessa forma abstrata e reificante nos obriga a assumir uma atitude em que o que
importa é reconhecer um conjunto de regras de acordo com a norma, pois é ela que identifica e separa o certo do
errado, os falantes entre si, e o sistema de signos da realidade.
Voltando ao pensamento de VOLOSHINOV (1992, p. 108), no entanto, podemos pensar que “a língua,
como sistema de formas que remetem a uma norma, não passa de uma abstração, que só pode ser demonstrada no
plano teórico e prático do ponto de vista do deciframento de uma língua morta e do seu ensino”. Portanto, esse
sistema não pode servir para a compreensão e explicação dos fatos lingüísticos entendidos como fatos de uma língua
viva e em constante mudança. Assim, como sistema abstrato, esse estudo exclui o falante e nos distancia da realidade
mutável, flexível e viva das línguas humanas e de suas funções sociais. Concordando com os autores do Círculo de
BAKHTIN, ao afirmarem que o estudo lingüístico deve dar ênfase ao processo de interação socioverbal, em que os
falantes assumem um papel central, postulamos uma concepção de linguagem de base sociológica que evidentemente
não pode ser desvinculada dos fatores culturais, sociais e econômicos que a produzem.
Portanto, o normativismo, ao dividir o que é certo do que é errado, adota em relação às línguas vivas uma
posição conservadora, hostil, e de certa forma alheia às inovações próprias do mundo social. Sua inserção na cultura
tornou-se tão forte que, segundo FARACO (1997, p. 54), nem mesmo as transformações ocorridas nas condições
sociais (e culturais) que o produziram, nem as mudanças ocorridas no interior da própria reflexão lingüística (se
pensarmos em suas teses básicas aceitas há quase 100 anos de que todas as línguas mudam constantemente, e de
que há uma norma real que é diferente da norma da tradição) conseguiram, de fato, abalá-lo. Essa concepção de
linguagem, portanto, foi a única que, pulando os muros das escolas e das academias, permaneceu arraigada na nossa
cultura até os dias de hoje.
Assim, o que vemos e ouvimos todos os dias, no cotidiano das nossas relações e na mídia em geral (jornais,
revistas, televisão, música, folhetos, outdoors, etc.) nos dizem coisas semelhantes ao que foi descrito acima porque
fazem parte de uma mesma prática normativa (agora no sentido foucaultiano do termo) que gira em torno da língua e
de seu ensino. Poderíamos pensar ingenuamente que tratam-se apenas de estratégias publicitárias ou idéias esparsas,
ditas por não-especialistas, e sem maiores conseqüências. No entanto, toda essa massa de coisas ditas e repetidas
tantas vezes nos mostra que os julgamentos de valor em torno da utilização do idioma estrangeiro são capazes de
reificar imagens e, de alguma forma, mover nossas ações em torno delas, o que só pode ser percebido se levarmos
em conta, em nossa análise, a dimensão discursiva desses dizeres.
O que podemos perceber é que recorrentemente a concepção normativista está quase sempre presente,
justificando ou representando a necessidade ou a forma de se aprender “bem” o idioma, do “jeito certo”, com as “
pessoas certas”. Tanto nas reportagens apresentadas em jornais e revistas, quanto nas campanhas publicitárias das
escolas de idiomas, se diz recorrentemente que há uma única forma correta de se fazer uso da língua estrangeira e de
aprendê-la. Essa concepção também aparece representada, e às vezes é ridicularizada, em filmes e na literatura. No
belíssimo filme francês de Agnes Jaqui, de 2000, intitulado Les gout des outres, traduzido para o português como O
gosto dos outros, os personagens principais, um empresário e uma atriz de teatro, se vêm às voltas com aulas de
inglês, com direito à repetição de sons (à moda do the book is on the table) e correções insistentes, em meio a uma
história de amor cheia de desencontros. Numa última cena em que aparecem as tais aulas, o empresário/aluno faz
uma declaração de amor à sua professora/atriz e ela, numa tentativa de escapar dessa declaração, de evitá-la ou
passar por ela como se ela não fosse o que realmente era, refugia-se na figura da professora e apenas comenta que o
aluno fez progressos mas ainda comete alguns erros. O empresário/aluno questiona se ela entendeu o seu poema e
ela responde que sim, perguntando em seguida se ele quer que ela corrija os erros ou se eles devem partir para
estudo dos verbos irregulares. Depois de alguns instantes de silêncio, sua estratégia parece ir por água abaixo e a
professora/atriz responde finalmente que não podia corresponder àqueles sentimentos de seu aluno. Para além do
drama das personagens, há em torno dessas cenas um conjunto de gestos, e de coisas ditas e repetidas que nós
reconhecemos em muitas das aulas de línguas pelas quais nós passamos. Nós mesmos, como professores de línguas,
muitas vezes, antes de prestar atenção ao que o aluno disse, ou de responder, de alguma forma, à sua interlocução,
destituímos o seu dizer de qualquer significado no mundo e ficamos apenas com os sentidos e as formas previstos
pela norma, apontando erros e acertos. Destituímos o sujeito e ficamos apenas com o código, na ilusão de que, ao
garantirmos o “bom uso” desse código, garantiremos o entendimento do dizer.
Poderíamos aqui mencionar outros filmes em que o tema das aulas de línguas também aparece, mas
gostaríamos de ir um pouco além e apresentar outro tipo de fonte em que a questão da língua e de seu ensino
aparecem sob a ótica do normativismo. Assim, nós temos, na literatura, dois belos exemplos de enunciados sobre a
língua estrangeira e seu ensino. Um deles está em O Processo, de 1925, trabalho inacabado de Franz Kafka, e o
outro no livro A consciência de Zeno, de Italo Svevo, publicado em 1923. As duas obras fazem parte da coleção
Biblioteca FOLHA, lançada em 2003 pelo jornal Folha de São Paulo, a preços acessíveis e deve ter atingido boa
parte de seus leitores. Em O Processo, quase no final do livro, no capítulo IX, o personagem K. passa uma noite
inteira estudando uma gramática e um dicionário de italiano, procurando as palavras certas para poder conversar com
um cliente do banco em que trabalha. Quando se vê diante do cliente italiano, K. percebe que não consegue entender
nada do que ele diz, e fica enraivecido com aquele que o havia feito perder uma noite de sono para quase nada. Além
da rapidez com que o cliente falava o italiano, e o problema da inserção de palavras de dialeto, suas possibilidades
de interlocução pareciam escassas, pois “o francês deste também era de compreensão difícil e o bigode cobria os
movimentos dos lábios, cuja visão talvez tivesse ajudado o entendimento”(KAFKA, 2003, p.187). Porém, K. tinha
outra missão: deveria acompanhar o italiano numa visita à catedral, dali a algumas horas. Assim, K. continuou em seu
estudo, que tinha um método bastante ordenado: “reunia as palavras de que precisava, depois as procurava no
dicionário, em seguida as transcrevia, após o que exercitava sua pronúncia e finalmente tentava aprendê-las de
cor”(KAFKA, 2003, p. 189). Embora o encontro com o italiano na catedral não tenha ocorrido, a ingenuidade do
método de K. nos faz imaginar o que teria acontecido. Ou eles não teriam conseguido se entender de forma
nenhuma, o que para a coerência narrativa do livro não seria inusitado, ou eles teriam conseguido se entender usando
outros recursos, para além das palavras isoladas que K. havia decorado.
No livro de Svevo, a questão da língua aparece logo no início da narrativa, numa crítica à artificialidade das
frases prontas sugeridas pelas gramáticas de língua estrangeira. O personagem central, o empresário Zeno, estava
prestes a fazer uma declaração de amor mas não conseguia tomar coragem pois não sabia bem o que dizer. Quem
sabe, “Diria uma daquelas frases que se encontram nos livros de gramática estrangeira, construídas de propósito para
facilitar a vida dos que não conhecem a língua do país em que se encontram: ‘Posso pedir a vosso pai que me
conceda a vossa mão?’ Era a primeira vez que sentia desejo de casar-me; portanto, encontrava-me em território
totalmente desconhecido”(SVEVO, 2003, p. 79). Zeno desistiu de usar a frase, embora sua tentativa de declaração
de amor tenha sido, da mesma forma, um tanto desastrosa. Essas obras, embora sejam do início do século XX,
continuam a fazer sentido e aquilo que elas dizem sobre a língua e seu ensino/aprendizagem também continua
encontrando eco nas nossas experiências cotidianas com o que vivenciamos, ouvimos ou lemos sobre o tema.
Com esses poucos mas variados exemplos, acreditamos que é possível perceber o quanto a concepção
normativista de língua, aliada a uma abordagem tradicional de seu ensino - pautado na memorização de palavras,
expressões e frases feitas -, está arraigada na nossa cultura e tem de alguma forma embotado os debates e as
questões que colocamos e fazemos girar em torno do tema no âmbito acadêmico. Esses enunciados talvez sejam
responsáveis, em grande parte, pela permanência de algumas crenças e mitos que são reproduzidos sobre o tema da
língua estrangeira e do seu ensino, impedindo muitas vezes que possamos dar mais visibilidade ao que já se produziu
no âmbito acadêmico sobre o assunto. Temos sido reféns dessa prática discursiva que diz que a língua é algo pronto
e acabado, e que os falantes devem aprendê-la submetendo-se a ela. E são os efeitos de sentido que essa prática
normativa faz funcionar que tornam essa forma de pensar a língua e o seu ensino a mais normal, a mais evidente e,
portanto, a mais real ou verdadeira.
Obviamente não se trata de dizer que não deve haver correção ou que não há norma alguma que regule os
usos da língua, mas é preciso avaliar o quanto aquilo que se fala sobre a língua, principalmente na mídia, como
espaço socialmente regulado, tem trazido contribuições efetivas para o seu ensino. Não há dúvida de que nos últimos
25 anos houve uma valorização do aprendizado de línguas que aparentemente coincidiu com a abertura do país
(DEL VALLE & VILLA, 2005), e com uma discussão bastante intensa em torno de questões metodológicas
envolvendo concepções de linguagem e aprendizagem (MOITA LOPES, 1999; LEFFA, 1988). Para DEL VALLE
& VILLA (2005), analisando os documentos do Instituto Miguel de Cervantes e da Consejería de Educación da
embaixada espanhola, a expansão do espanhol no Brasil foi uma conseqüência não só da abertura do país de modo
geral, mas também de uma ação permanente e pensada das autoridades e das classes empresariais espanholas para
ampliar seus mercados. Essa mesma forma de ação também pode ser percebida, num escala menor, na expansão de
outras línguas. Elas se tornaram um produto altamente rentável, pois além de abrir espaços de interlocução entre as
culturas que envolvem e são ditas por essas línguas, os idiomas em si tornarem-se fonte de lucro para todo o
mercado editorial e de outros produtos que podem girar em torno dele. Na Espanha, por exemplo, os
empreendimentos vinculados com a língua significam em torno de 17% do seu PIB. O interesse das editoras
internacionais por novos mercado como o Brasil, ocorreu no mesmo período em que ocorriam mudanças
metodológicas no ensino de línguas, iniciadas na Europa no final da década de 1970, e que chegaram ao país no
início da década de 1990, o que propiciou ainda mais as necessidades de investimentos do mercado editorial.
O debate metodológico em relação ao ensino de línguas tem girado, nas últimas décadas, em torno de uma
perspectiva que tenta recuperar o lugar das interrelações entre linguagem, sujeito e sociedade. Para isso, os debates
metodológicos receberam contribuições de campos do saber distintos como a Sociologia, a Antropologia, a Filosofia
(principalmente a Pós-Estruturalista) e a Psicanálise. Essas contribuições resultaram na configuração de disciplinas
que giram em torno da linguagem e da Lingüística sem, no entanto, fazer parte de seu núcleo duro, que são os
estudos de fonologia e de sintaxe. Algumas dessas disciplinas são a Sociolingüística Interacional, a Lingüística
Textual, a Análise da Conversação e a Análise do Discurso. De maneira geral, podemos perceber que a linguagem é
tratada por essas disciplinas, na tentativa de fazer funcionar o trio linguagem-sujeito-sociedade, ora como a realização
de atos de fala (inspiradas nas formulações de AUSTIN & SEARLE, e na noção de competência comunicativa
elaborada por HYMES), ora envolvendo identidade e discurso numa abordagem psicanalítica (como os estudos
desenvolvidos no Brasil em torno dos trabalhos de KLEIMAN e CORACINI), ora como prática social (como nas
contribuições que PENNYCOOK aponta para o ensino de línguas a partir da apropriação das idéias de
FOUCAULT).
Assim, várias pesquisas têm sido realizadas no Brasil em torno das duas primeiras tendências, e acreditamos
que elas têm trazido contribuições importantes (MOITA LOPES, 1999). No entanto, acreditamos que é necessário
somar a essa produção as investigações que busquem trazer as contribuições de uma abordagem do discurso como
prática social, regulado por práticas normativas que estabelecem relações entre poder e saber, inspiradas na Análise
do Discurso Francesa e em autores como Michel FOUCAULT, Michel PÊCHEUX e os autores do Círculo de
BAKHTIN. Assim, acreditamos que uma investigação sobre as práticas discursivas na mídia (em todas as suas
manifestações) e na literatura pode nos ajudar a caracterizar melhor os discursos sobre a língua estrangeira e o seu
ensino que têm regulado nossas ações em torno deles. Só assim será possível confrontar aquilo que temos teorizado
no âmbito da academia nos últimos anos, com aquilo que efetivamente tem sido dito e representado de forma efetiva
na mídia sobre o tema.
Acreditamos que explicitar a prática normativa que faz funcionar esses discursos a partir da descrição e
análise de fontes como as que apresentamos neste trabalho, é uma prática que pode contribuir para avançarmos em
nossos debates e na visibilidade deles não só no âmbito acadêmico. Ao confirmarem nossa hipótese – mesmo que
parcialmente já que nossas amostras são relativamente reduzidas - de que o discurso normativo sobre a língua ainda
é hegemônico no âmbito da cultura, embora nossos esforços acadêmicos para relativizá-lo sejam cada vez mais
freqüentes, essas análises discursivas podem nos ajudar a entender de que formas esse discurso funciona e embota
nossa visão sobre o processo de ensino/aprendizagem da língua estrangeira. Esse discurso, ao normalizar uma
concepção normativa de língua e ao ganhar hegemonia no campo social, embota parte de nossos esforços de divulgar
os debates sobre o tema, já que desvia nossos olhares das possibilidades de uma relação de efetiva interculturalidade
que o ensino/aprendizagem de uma língua estrangeira pode trazer. E esse embotamento, até agora, parece ter
conseguido apenas fazer perpetuar uma certa crença no entendimento dentro dos processos comunicacionais, através
da aquisição do código lingüístico, afastando ainda mais o aluno/aprendiz das reais possibilidades de troca
intercultural através da língua estrangeira.
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