FORMAÇÃO DOCENTE:
CONTRIBUIÇÃO PARA DISCUSSÃO DE CATEGORIAS NORTEADORAS
DA LINHA DE PESQUISA FORMAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO
DOCENTE – NEEPED – PPGED – CCSA - UFRN
Emmanuel R. Cunha
Professor da Universidade do Estado do Pará – UEPA e da Universidade da Amazônia – UNAMA
Mestre em Educação e Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN
José Pedro G. Oliveira
Professor da Universidade da Amazônia – UNAMA
Mestre em Educação e Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN
Maria Antonia T. Costa
Professora da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN
Mestre em Educação e Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN
Maria Divina Ferreira Lima
Professora da Universidade Federal do Piauí – UFPI
Mestre em Educação e Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN
Tereza Cristina L. de Faria
Professora da Secretaria Municipal de Educação - SEC/RN
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN
INTRODUÇÃO
A descrição do significado de categorias teóricas no desenvolvimento deste texto, constitui
uma contribuição para as discussões e debates sobre a temática Formação e Profissionalização
Docente que, ao mesmo tempo, é uma das linhas de pesquisa do Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Ensino e Formação Docente (NEPED) do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Atualmente essa linha de pesquisa vem sendo uma referência para alunos(as) de graduação,
pós-graduação, professores(as) e pesquisadores(as) interessados em estudar e pesquisar os
processos de formação de docentes para o magistério, bem como contribuir para a (re) definição do
trabalho do ensino na perspectiva da profissionalização.
Nessa linha são definidas as categorias Profissão Docente, Profissionalização, Saberes,
Necessidades dos Professores, Modelo Profissional e Estrutura Curricular, que constituem em sua
heterogeneidade, o quadro de análise teórica da linha de pesquisa e são essenciais à construção
crítica de princípios ou pressupostos orientadores dos processos formativos de docentes, à
construção dos saberes e as competências necessárias ao exercício profissional. Desse modo, outras
categorias podem e estão sendo acrescentadas no sentido de se contribuir no avanço da linha de
pesquisa.
No presente texto, entende-se por categoria “os conceitos que por seu caráter essencial,
constituem aspectos fundamentais do trabalho científico, norteando como fios condutores, os
elementos teóricos para constituir-se em um quadro coerente e sistêmico de análise” (UFRN, 1998),
considerando-se que, na pesquisa científica, a escolha dos termos com os quais se vai trabalhar e o
estudo aprofundado de cada um deles, representa um passo importante, já que o desenrolar do
trabalho deve ter como pedra de toque o(s) significado(s) atribuídos a cada categoria escolhida.
Para apresentação e discussão inicial neste evento, relacionou-se as categorias teóricas
consideradas mais significativas e que definem de uma maneira geral todo um processo de
formação dos professores(as) e sua profissionalização. São elas: modelo profissional, saberes dos
professores, Identidade profissional e profissionalização. Assim, pretende-se contribuir para a
produção de informações, detalhes, significados e subsídios que favoreçam a compreensão e função
dessas categorias como parâmetros de análise e reflexão sobre a formação e profissionalização
docente.
CATEGORIAS DE TRABALHO OU DE ESTUDOS
Nas discussões e estudos sobre Formação e Profissionalização Docente, o foco investigativo
da linha de pesquisa Formação e Profissionalização Docente centra-se na formação inicial (saberes
na formação de professores(as), construção da identidade docente, leitura da escola pelos futuros
professores(as)...) e na formação continuada (necessidades formativas, pensamento pedagógico do
professor(a), olhares sobre a própria prática, mudanças na prática pedagógica, regulamentação da
profissão...) que são questões de ordem formativas e das condições que são disponibilizadas para o
efetivo exercício do magistério, questões essas que no momento, constituem os propósitos e
intenções da mencionada linha de pesquisa. É com essa dimensão e abrangência que a temática de
incomparável importância, têm levado os pesquisadores em nível nacional e internacional a
produzirem estudos no sentido de questionar os processos formativos de professores(as), hoje
bastante discutidos em termos de mudanças e consistências, bem como contribuírem com
informações precisas e embasadas teoricamente para ajudar na melhoria da qualidade da educação,
dos processos formativos de professores(as) e na formação de atitudes profissionais que respondam
às exigências e os desafios cada vez maiores em nossa sociedade. Nesse sentido, a função das
Categorias ou natureza de suas características que são habituais, constituem as diretrizes de
referência para análises, reflexões e investigações dessa temática.
A categoria Modelo Profissional, se constitui nos fundamentos, pressupostos, concepções,
diretrizes, princípios e políticas norteadoras do processo de desenvolvimento profissional. Por ser
uma categoria de grande amplitude, é responsável pelo estabelecimento das diretrizes, normas,
princípios, critérios e do embasamento filosófico, epistemológico e sociológico. Serve, também,
para subsidiar e fornecer as diretrizes a permear o processo de formação individual e coletiva de
uma ou mais categorias de profissionais, no caso específico, da categoria de docentes para o
exercício do magistério.
O Modelo Profissional pode ser entendido como o conjunto de destrezas, enunciados,
normas, imagens ou representações que se pretenda idealizar do tipo de profissional a ser preparado
desde a formação inicial e prosseguindo durante toda a carreira profissional numa espécie de
abastecimento/reabastecimento de informações, habilidades, atitudes, convicções, valores e saberes
que ajudam na prática e desenvolvimento profissional.
Ressalte-se, ainda, que o Modelo Profissional determina a organização e estruturação do
processo de formação profissional visando a preparação e o aperfeiçoamento das categorias em
geral, permitindo-lhes enfrentar, resolver e buscar soluções para as múltiplas dificuldades
encontradas no processo, no caso dos professores(as), no processo ensino - aprendizagem em
função da diversidade e das particularidades que ocorrem na sociedade, família, escola, sala de aula,
comunidade, sindicatos e nas demais organizações.
BARROSO (1997, p. 75), fazendo referência ao potencial formativo das situações de
trabalho no que se refere à formação, a partir da implementação de dispositivos e dinâmicas
formativas, chama atenção para a necessidade de se “criar dispositivos e dinâmicas organizacionais
que propiciem que os trabalhadores transformem as suas ‘aprendizagens’ em “ação”.
Considerando a proposição do autor, o Modelo Profissional existente e controlado pelo
Estado Brasileiro, de fato, têm sido atuante na medida em que estabelece as normas, diretrizes e
princípios a serem utilizados no processo de formação profissional. Entretanto, a prática
evidenciada têm demonstrado pouca expressão ou receptividade no que se refere as modificações
esperadas nas ações dos profissionais, como por exemplo a categoria dos professores(as). Há
evidências de que o modelo formativo de professores(as) não têm dado respostas para questões do
tipo: como os saberes dos professores(as) (conhecimentos, competências...) têm sido utilizados no
exercício da docência? Há diferença entre os saberes produzidos pela pesquisa educacional, bem
como dos conhecimentos adquiridos no processo de formação de futuros professores(as)? Como
estabelecer uma relação entre professores(as) da educação básica e os professores(as) formadores
ou os pesquisadores visando a formação de docentes?
Essa busca de responder ou criar os dispositivos e dinâmicas sugeridas por BARROSO
(1997), tem sido a intenção e objeto de investigação da linha de pesquisa no sentido de oferecer
conteúdos, instrumentos, informações e diretrizes para compor o processo de formação inicial ao
professor (a) ingressante na carreira “com vistas a dar solução a tais problemas, não como mero
executor, reprodutor de soluções prontas, mas como indivíduo criativo, com capacidade de
autonomia e responsabilidade” (RAMALHO & NUÑEZ, 1998, p. 60).
Hoje, porém, à medida que se ampliam as pesquisas sobre o modelo formativo de
professores(as) no sentido de formar um docente profissionalizado, são freqüentes os inúmeros
problemas e situações de ordem pedagógica que ocorrem em sala de aula e, para as quais o
professor (a), não possui respostas para dar pelo fato de não ter recebido uma formação inicial que
lhe permita esse “agir na incerteza” (GAUTHIER, 1998). Tais fatos advêm do modo como foram
formados, no qual os fundamentos foram os pressupostos da Pedagogia Tradicional, marcada por
um formalismo centrado na idéia de conhecimento como transmissão de verdades acabadas, e a
falta de um referencial teórico em relação ao processo de ensino e suas formas de orientação. Esses
fatos têm levado os professores (as) no início do magistério, principalmente, a enfrentarem certos
desconcertos, pois os conhecimentos, as habilidades, atitudes, os hábitos estudados durante o
processo formativo, parecem incompatíveis com sua prática em sala de aula.
Em função desse perfil verifica-se que essa formação, nos moldes em que se encontra
atualmente, não oferece condições didático - pedagógicas para o enfrentamento dos desafios de sala
de aula e nem propicia uma visão atualizada da educação escolar. Assim, a fragmentação do
processo de formação de professores(as) do ponto de vista do modelo formativo atual tem
produzido um profissional acomodado, transmissor de conteúdos que em alguns momentos denotam
poucos significados e com pouca possibilidade de manipular, criticar, avaliar e manter domínio
sobre o processo de ensino ou operar as dificuldades brotadas em sala de aula.
Logo, esse mínimo de expressividade diante das modificações esperadas do trabalho
dos docentes, tem sido em função desse modelo que impede o professor(a) de avançar e criar uma
postura diferente diante desse modelo. Dessa forma, torna-se necessária a existência de uma
referência, parâmetro ou padrão que sustentado nos moldes de um Modelo Profissional, criativo,
atuante, representativo, participativo, organizado coletivamente, oriente e desenvolva a preparação
inicial e permanente de professores para o magistério, a partir de uma estrutura formativa atual ou
mais precisamente na forma de um Modelo Formativo. Esse modelo deverá expressar além de suas
intenções, uma base de conhecimentos, habilidades, competências, valores, hábitos e atitudes,
traduzidos em objetivos a serem alcançados na formação inicial e continuada. Assim, por Modelo
Formativo entende-se os referenciais teórico - práticos sistematizados em uma estrutura curricular
que estabeleça a dimensão dessa formação na proporção em que os conhecimentos deverão ser
atingidos, proporção essa que implica construção/reconstrução que se constata no cotidiano
considerando os saberes disciplinares, curriculares, profissionais e da experiência (GAUTHIER &
TARDIF, 1996), como exigência do métier profissional para solucionar questões diversas,
complexas e problemáticas.
NUÑEZ & RAMALHO (1998, p. 73), estudando e pesquisando sobre os modelos
formativos de professores(as), se defrontam com múltiplas situações de configurações formativas,
situações essas que deixam transparecer dúvidas e interpretações divergentes sobre as diretrizes
básicas de preparação de professores(as) para o magistério, ou seja, a existência de um padrão
estabelecendo os enunciados básicos para formação de professores.
Portanto, pensar um Modelo Formativo articulado ou nos moldes do Modelo Profissional
crítico, coletivo, representativo, atuante, organizado, parece uma composição estratégica e
norteadora de possíveis modificações na formação inicial e continuada de professores(as), bem
como o reconhecimento profissional de suas atividades.
Entende-se que definir o Modelo Profissional articulado ao Modelo Formativo, é condição
indispensável para que a agência formadora possa elencar os saberes necessários à formação dos
futuros professores(as), categoria que será discutida a seguir.
Há um consenso entre aqueles que discutem a profissão docente de que, dentre outros
aspectos, o domínio de um saber especifico determina de maneira insofismável uma determinada
profissão. A questão dos saberes que compõem a profissão docente é uma temática nova, posta em
discussão com maior intensidade no Brasil a partir de 1990. Formalizar os saberes que definem o
profissional docente é uma tarefa imprescindível à profissionalização do ensino.
Percebe-se que na literatura, há uma heterogeneidade bastante diversificada para esses
saberes. Como definem-se os saberes? Quais são os saberes que compõem a profissão docente? Em
que sentido os saberes apresentados pelos pesquisadores se diferenciam ou se assemelham?
Para responder a essas questões, pensa-se ser necessário inicialmente mostrar um pouco as
discussões sobre a noção de saber. Neste sentido verifica-se que o verbo ‘saber’, pode ser usado em
diversos contextos e de diversos modos. BOMBASSARO (1992), refere que ‘saber’, para Platão,
denota uma opinião verdadeira acompanhada de uma explicação e de um pensamento fundado
(episteme), enquanto para Kant, é um ter por verdadeiro suficiente, tanto subjetiva como
objetivamente (p. 19-20). As distinções mencionadas asseguram uma base para a definição clássica
de ‘saber’. É ainda o citado autor que registra dois modos possíveis de interpretação do uso desse
verbo. O primeiro, está ligado à crença, já que ‘saber’ implica em ‘crer’. Neste caso, ‘saber que’
significa ‘crer em’. Este sentido do ‘saber’, revela uma forma ‘proposicional’, pois o conteúdo “é
sempre expresso por uma proposição, que pode ser verdadeira ou falsa” (p. 20), mas que indica uma
crença pessoal em algo (que está sendo afirmado). O outro modo de interpretação do ‘saber’, está
relacionado a ‘poder’. Neste caso, dizer que ‘se sabe’ equivale a dizer que ‘se pode’.
BOMBASSARO (1992) assinala ainda que, no primeiro caso, o ‘saber/crer’ está ligado a uma
dimensão prática enquanto que no segundo, o ‘saber/poder’ está ligado à habilidade e à disposição.
Assim, a noção de saber indica: ‘ser capaz de’, ‘compreender’, ‘dominar uma técnica’,
‘poder manusear’, ‘poder compreender’, remetendo-o ao mundo prático que além de ser condição
de possibilidade de qualquer noção é, também, o lugar efetivo onde a noção pode ser produzida.
Tomando com critério teórico a noção de ‘saber’ como habilidade/disposição chega-se à
noção de ‘saber profissional’, necessária para o entendimento da noção de ‘saberes dos
professores(as) ou saberes docentes’.
Entende-se o ‘saber profissional’ como os saberes que integram o currículo da formação
universitária de um determinado profissional, seja ele: médico, advogado, administrador ou
professor. Trata-se de um rol de conhecimento próprio de uma determinada área de atividade e que
configura-se como indispensável para o exercício da atividade profissional. Esse ‘saber
profissional’ obtido na formação deverá dar a fundamentação necessária exigida, de modo a
permitir que o profissional possa mobilizá-lo nas diversas situações requeridas. TARDIF E
GAUTHIER (1996) referem que em algumas profissões, há uma distância muito acentuada entre
esse ‘saber profissional’ e a ‘prática profissional’, o que em certos momentos configura-se numa
ruptura.
Sem entrar na discussão sobre a questão da profissionalização docente e, portanto, sobre a
existência ou não da profissão de professor(a) e, em conseqüência, da formalização da noção do
professor(a) como um ‘profissional’, categoria que será trabalhada ainda neste estudo, cabe aqui
mostrar que sendo ou não uma ‘profissão’ reconhecida como tal, a atividade do professor(a)
também é orientada pelo ‘saber profissional’.
Reconhecendo o professor(a) como alguém que sabe alguma coisa e que tem como função
transmitir esse saber a outros (TARDIF ET ALLI, 1991), pensa-se que o saber profissional que
orienta essa atividade do professor(a) insere-se na multiplicidade própria do trabalho dos
profissionais que precisam atuar em diferentes situações e que, por isso, precisam agir de forma
diferenciada, mobilizando diferentes teorias, metodologias, habilidades. Dessa forma, o ‘saber
profissional’ dos professores(as) é constituído não por um ‘saber específico’, mas por vários
‘saberes’ de diferentes matizes, de diferentes origens, aí incluindo, também, o ‘saber-fazer’.
Os professores(as) nas atividades docentes, fazem uso de diferentes ‘saberes’ para poderem
disponibilizar aos alunos os recursos necessários à aprendizagem. Assim, utilizam ‘saberes’ que
provêm do aprendizado na formação profissional, procurando integrá-los a outros saberes
necessários. É dentro da categoria ‘saberes’ que se define “a base de conhecimento no ensino”,
conforme afirmam GAUTHIER ET ALLI (1996).
Após essas considerações, começa-se a tentar responder às duas outras perguntas anteriores,
quais sejam: Quais são os saberes que compõem a profissão docente? Em que sentido os saberes
apresentados pelos pesquisadores se diferenciam ou se assemelham?
Buscar-se-á responder essas questões com base nos argumentos de PORLÁN ARIZA
(1997); GAUTHIER (1998); PIMENTA (1999); e TARDIF ET ALLI (1991).
Segundo GAUTHIER (1998) os saberes dos professores(as) podem ser classificados em
saberes disciplinares, saberes curriculares, saberes profissionais (ou das ciências da educação),
saberes da experiência, saberes da tradição pedagógica e saberes da ação pedagógica. Já PORLÁN
ARIZA (1997) classifica os saberes dos professores(as) em: saberes acadêmicos, saberes baseados
na experiência e as teorias implícitas. TARDIF ET ALLI (1991) afirmam que os professores(as)
comumente utilizam: os ‘saberes da formação profissional’ (os das ciências da educação e ideologia
pedagógica), os ‘saberes das disciplinas’, os ‘saberes curriculares’ e os ‘saberes da experiência’.
Essa mescla de ‘saberes’ serve para que os professores(as) planejem, executem o plano didático,
escolham as metodologias que julgam condizentes, elaborem as tarefas para os alunos, administrem
a sala de aula mantendo a ordem e a disciplina e construam os instrumento de avaliação. Os autores
esclarecem que com base em seu trabalho cotidiano e no conhecimento do seu meio, os
professores(as) constróem os ‘saberes da experiência’ que “brotam da experiência e são por ela
validados” (p. 220).
PIMENTA (1999) também trata da questão dos ‘saberes docentes’. Ao se referir sobre o que
denomina de ‘saberes da docência’ indica que esses saberes são constituídos por três categorias: os
‘saberes da experiência’, os ‘saberes do conhecimento’ – referidos os da formação específica
(matemática, história, artes, etc) e, os ‘saberes pedagógicos’, aqui entendidos como que viabilizam a
ação do ‘ensinar’.
Um dos saberes que todos os autores aqui citados apontam, são os saberes da experiência,
entretanto, pode-se observar que entre eles há uma certa diferenciação. Enquanto para GAUTHIER
(1998), PORLÁN ARIZA (1997) e TARDIF ET ALLI (1991) os saberes da experiência se referem
aqueles saberes produzidos pelos professores(as) no exercício da docência; brotam da experiência e
são por ela validados; podem se manifestar como crenças explicitas, imagens, metáforas, princípios
de atuação (PORLÁN ARIZA, 1997); são feitos de pressupostos e de argumentos que não são
verificados por meio de método científico (GAUTHIER, 1998) ou formam um conjunto de
representações a partir dos quais os professores(as) orientam sua profissão (TARDIF ET ALLI,
1991), para PIMENTA (1999), os saberes da experiência se referem aos produzidos pelos
professores(as), como também àqueles saberes que os alunos já trazem quando chegam a um curso
de formação inicial. A esse respeito TARDIF E GAUTHIER (1996) apontam que há uma
diferenciação entre saberes de experiência e saberes da experiência. Para os autores, os saberes de
experiência se referem aos saberes adquiridos no cotidiano diário de cada um e os saberes da
experiência são aqueles relacionados à prática do professor(a), à prática docente.
Os autores até aqui indicados mostram a importância dos diversos ‘saberes docentes’,
entretanto consideram que os saberes que são construídos na prática dos professores(as) devem ser
considerados como ‘saberes emergentes’, os quais precisam ser publicizados para que possam
adquirir validade acadêmica. Não descartam, também, os saberes da experiência que possibilitam
suprir em alguns casos, a deficiência de um determinado saber necessário para a solução de uma
determinada situação.
A categoria Saberes é destacada pela base de pesquisa Formação e Profissionalização
Docente como um sustentáculo fundamental da identidade profissional do professor(a), permeando
a sua formação inicial, as atividades pedagógicas inerentes e a formação permanente. A
significativa produção acadêmica em relação a esta categoria vem reforçar a preocupação que todos
da Base têm em mostrar que a profissão docente não pode ser encarada como uma ocupação sem
saberes, e que tampouco os saberes docentes existem sem que haja uma ocupação que deles faça
uso.
Os saberes apreendidos na formação inicial, no exercício docente e na formação continuada,
darão, no entendimento da base de pesquisa, o suporte necessário para a luta que deve ser
desenvolvida pelos professores(as) em busca de sua identidade profissional, categoria que passa a
ser objeto de apresentação.
Para SILVA (1995, p. 31), a identidade é definida como “uma fusão dinâmica de traços que
caracterizam, no tempo e no espaço, de maneira inconfundível, uma pessoa, um objeto, ou qualquer
outra entidade concreta”. Desta forma, constróem-se as identidades nos constantes movimentos que
o indivíduo realiza em direção aos desafios postos pela vivência em sociedade. Nesses movimentos,
necessariamente envolvendo ações, relações e interações sociais, ocorrem as situações de
identificação e diferenciação para a consciência do sujeito.
Em se tratando dos professores(as), estes constróem suas identidades profissionais no
embate de seu cotidiano nas escolas, sobre a base das vivências que sua situação social de classe, de
sexo, de raça lhes possibilita. Para GATTI (1996), “eles se identificam a partir de seu trabalho de
ensinar”.
A construção dessa identidade não se dá num vácuo, e sim tem a ver com o contexto
histórico-social do indivíduo, quando facilita ou dificulta as vivências necessárias ao
desenvolvimento que configuram uma identidade, por conseguinte, dependendo do contexto
encontra-se identidade fragmentada ou desagregada e consistente ou transformante. Ressalta-se que
o conjunto das identidades reflete a estrutura social, e concomitantemente, reage sobre essa
estrutura reproduzindo-a ou transformando-a.
Tal situação pode ser confirmada em NÓVOA (1997), para quem os professores(as)
constroem a sua identidade por referência a saberes teóricos/práticos mas, também, por adesão a um
conjunto de valores que envolve características pessoais e os percursos profissionais. O autor faz
referência ao triplo A do processo identitário: “A” – de adesão: ser professor implica sempre a
adesão a princípios e valores, a adoção de projetos, a um investimento positivo nas potencialidades
dos alunos; “A” – de ação: na escolha das melhores maneiras de agir, jogam-se decisões de fórum
profissional e pessoal; “A” – de Auto-consciência: muito se decide, define, no processo de reflexão
que o professor leva a cabo sob sua própria ação.
Desta forma, infere-se que a identidade do homem ou dos homens em sociedade e dentre
eles, a do professor(a), é um processo e não um produto. É como um movimento e não conservação.
Como metamorfose, como dando-se historicamente e não um dado ou padrão pré-fixado. A
identidade profissional se constrói, não é dada. É um lugar de lutas e de conflitos, espaços de
maneira de ser e estar na profissão. Portanto, pode-se falar em “processos identitários”, que urge
engatinhar seus primeiros passos na formação inicial, tornando-se assim, um componente essencial
dos processos de formação e em especial da profissionalização dos professores(as), categoria que
será objeto da próxima reflexão.
O magistério desde a sua institucionalização teve um percurso preocupante: não avançou na
direção que poderia conferir-lhe a identidade profissional e lograr o reconhecimento social,
econômico e político que necessitava. Muito pelo contrário: caminhou para uma certa banalização,
para uma não-profissionalização (desprofissionalização), mantendo alto índices de amadorismo,
condições de trabalho inadequadas e salariais deploráveis, além de outros aspectos que dificultam o
agir competente do professor(a), tais como a falta de um código de ética da profissão docente, uma
autonomia relativa, imagens depreciativas dessa profissão, falta de profissionalismo dos
professores(as), diversos níveis de formação para o acesso à profissão, enfim tudo o que pode levar
a uma banalização do ensino.
Para GAUTHIER E ALLI (1996) o ensino é uma ocupação universal. O agir do professor(a)
é permeado por saberes diversos: saberes curriculares, disciplinares, da experiência, da tradição
pedagógica, das ciências da Educação. Esses saberes se imbricam e constituem o referencial da ação
docente necessitando de um saber específico que garanta a identidade do trabalho do professor(a).
Sem dúvida alguma, há uma crise de identidade profissional da docência, crise esta que
poderia ser amenizada se os cursos de formação inicial passarem a contribuir com a
profissionalização do magistério, seguindo o que apontam RAMALHO (1994); LÜDKE (1997) e
BRZEZINSK (1996). Essa profissionalização implica também dentre outros aspectos na
sistematização de um saber que dê essa identidade ao trabalho do ensino.
LÜDKE (1996), também discute a questão da profissionalização. Analisando a formação
inicial e a construção da identidade profissional de professores(as) de escolas do 1º grau do Rio de
Janeiro, constatou que um número reduzido de informantes, professores(as) com licenciatura,
assumiram encarar o professor(a) como um profissional. A autora afirma que os conceitos de
profissão e profissionalização são bastante discutíveis. Essa é preocupação de muitos pesquisadores
e tem sido objeto de grandes discussões nas últimas décadas no Brasil, tanto pelos docentes
envolvidos com a preparação dos quadros educacionais quanto pela Associação Nacional pela
Formação dos Profissionais da Educação - ANFOPE, entretanto, difícil de se realizar devido a uma
série de circunstâncias, dentre elas a formação proporcionada pelas agências formativas que não
tem contribuído para essa profissionalização.
A respeito do magistério enquanto uma profissão o artigo de RAMALHO & CARVALHO
(1994) apresenta um apanhado teórico que enfoca essa questão. Para elas é possível agrupar as
concepções de profissão em três tendências ou modelos: modelo fásico ou dos traços idéias, modelo
da profissão como processo e modelo do poder. O modelo dos traços ideais ou fásico baseia-se num
conjunto de critérios em que deve se enquadrar uma atividade ocupacional que pretenda atingir a
categoria de profissão. Esse modelo segundo as autoras citadas foi difundido pela Sociologia das
Profissões a partir dos anos 30 e ganhou amplitude na educação dos anos 60 e início da década de
70, do século passado. Esse modelo associa o conceito de profissão somente a certas ocupações do
tipo superior. A idéia de profissão vincula-se à vocação. Ora, uma ocupação é de domínio de
qualquer um; baseia-se na imitação e no aprender fazendo, de modo que se distancia da
profissionalização. No Brasil, predomina a noção (equivocada) de que qualquer um pode ser
professor(a), com a qual a base de pesquisa Formação e Profissionalização Docente, obviamente,
não concorda.
Além dos autores já citados, vários autores estrangeiros discutem sobre a profissionalização
do Magistério. Em Portugal: Antônio Nóvoa, (1992, 1995), Joaquim Garcia Carrasco (1988) e
Maria Tereza Estrela(1997); na Alemanha: Lúcio Kreutz, Heinz-Elmar Tenorth (1988); na
Espanha: Mariano Enguita, José Piqueras; na Inglaterra: Michael Apple; nos Estados Unidos:
Thomas Popkewtiz (1995); no Canadá: Clermont Gauthier (1996), além do nosso já bastante
conhecido Phillipe Perrenoud (1993, 2000, 2001). Um resumo das discussões empreendidas por
alguns dos autores citados, torna-se necessário para evidenciar as preocupações da base de pesquisa
no que concerne à categoria profissionalização.
POPKEWTIZ (1995), afirma a preocupação dos Estados Unidos com a profissionalização
do ensino em suas reformas atuais. O autor analisa o termo profissionalização nas reformas
educativas daquele país, as competências em relação ao currículo e a autonomia e responsabilidade
do professor(a) e observa que a retórica principal dos Estados Unidos relaciona-se com a
profissionalização do ensino. Para ele há uma preocupação crescente em fornecer aos
professores(as) uma maior autonomia, privilégios e estatuto em suas reformas atuais. Nesse sentido,
pretende em seu trabalho, fornecer uma visão social e histórica do significado da profissionalização
nos Estados Unidos, levantando um conjunto de questões sobre o modo como o termo
profissionalização é usado em contextos sociais e políticos onde o ensino tem relevância, bem como
as competências em relação ao currículo, a autonomia e a responsabilidade do professor(as). Nas
reformas do estado para o ensino, as palavras-chaves.
Para o autor, a palavra profissão apresenta diferentes significados. É “uma palavra em
construção social, cujo conceito muda em função das condições sociais em que as pessoas a
utilizam” (1995, p.38). Em vista disto, para POPKEWTIZ, “a autonomia dos profissionais, o
conhecimento técnico, o controlo da profissão sobre remunerações usufruídas e ainda uma nobre
ética do trabalho são características que servem para definir uma profissão” (1995, p.39).
Para TENORT (1988), profissão e profissionalização são termos de uso freqüente em
Sociologia do Trabalho e na Ciência da Educação e apresentam ambigüidades em seus significados.
Nessa perspectiva, o estudo do autor teve como objetivo debater sobre o tema do ensino e sua
organização dentro do marco de referência das profissões e a profissionalização. Neste sentido,
discute em um primeiro momento a profissão tomando como referência a Sociologia das Profissões
e seu catálogo de características, pretendendo chamar atenção para certas dimensões inexploradas
do rol profissional do ensino e suas organizações, dentre elas: ocupação, vocação, organização,
formação, orientação do serviço e autonomia. TENORT (1988) entende por profissionalização:
“el conjunto de procesos historicamentes analizables mediante los cuales un grupo de profesionales
logra demostrar su competencia en una actividad de relevancia social y es capaz de transmitir a otros
tal competencia y de imponer su modelo frente a otros profesionales e profesionales concurrentes
com la ayuda de Estado; es decir, es capaz, a juicio de éste, de conservar el monopolio y las
gratificaciones en orden a una solucion de los problemas, aceptada socialmente” (p. 82).
Para PERRENOUD (1993), a profissionalização pressupõe uma capacidade coletiva de
auto-organização da formação contínua; implica mais autonomia, mais responsabilidade e portanto
uma ética; implica trabalhar em conjunto: necessita de renovação, atualização de saberes e das
competências e constrói uma identidade profissional clara. A profissionalização define-se em parte
por características objetivas. Mas é também uma identidade, uma forma de representar a profissão,
as suas responsabilidades, dentre outros aspectos. Ele questiona qual formação inicial será
necessário dotar os professores(as) para que manifestem todas essas competências. É notório para
ele que uma prática profissional complexa exija competências. Mas, o que se deve é redefinir as
competências esperadas. Propõe-se a fazer uma reflexão geral das competências à luz de novas
concepções da formação e da profissão docente.
Para NÓVOA (1991) a profissionalização se desenvolve a partir de duas dimensões e quatro
etapas. As dimensões se constituem em um corpo de conhecimentos e técnicas necessárias ao
exercício da atividade docente e um conjunto de normas e de valores éticos que regem as relações
internas e externas do corpo docente.
Para GAUTHIER (1996) a profissionalização de acordo com a antiga Sociologia das
Profissões é um processo linear baseado em normas e modelos de profissões já estabelecidas. Tal
posição é defendida por PARSONS e seus seguidores e predominou ate os anos de 1930. Nos anos
60 e 70 essa posição alcançou destaque na educação e nos anos de 1980 surgiram críticas a essa
concepção de profissionalização e iniciaram-se as discussões sobre o professor(a) como um
profissional reflexivo.
À luz do exposto, acredita-se que o conceito de profissão e profissionalização não podem ser
estáticos, mas construídos historicamente. Contrária à posição daqueles que admitem ser uma
profissão apenas ocupações do tipo superior pensa-se que cada profissão tem suas especificidades e
não poderia ter traços idênticos, pois toda profissão tem por base um saber que a constitui como tal.
Essa afirmação é um consenso entre os autores já citados acima que discutem acerca do que
distingue uma profissão e uma ocupação. Pode-se afirmar que as pesquisas têm mostrado que os
cursos de formação de professores(as) apresentam uma desvinculação entre os saberes essenciais ao
exercício do magistério às vivências dos alunos. Há estudos unânimes em apontar para a
necessidade de desconstrução das imagens de magistério desprofissionalizadoras que a maioria dos
professores(as) apresentam. Há uma necessidade urgente de investigar o que vêm mantendo o
trabalho do ensino como uma atividade com fortes traços desprofissionalizantes.
É necessário, também, que se questione qual é a base de conhecimento que deve garantir a
especificidade, a identidade do trabalho do ensino na perspectiva da profissionalização, bem como
qual é a natureza do trabalho do ensino na perspectiva da profissionalização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS – Acredita-se que as categorias definidas pela base de pesquisa
Formação e Profissionalização Docente, entre elas as discutidas neste texto, podem contribuir para
o processo de formação dos professores(as), processo esse que deve estar articulado à busca da
identidade profissional e, conseqüentemente, da profissionalização. Pensa-se que as imagens que os
professores(as) tem de sua profissão interferem em sua prática pedagógica, visto que em sua
história de vida elas representaram muito mais que a formação proporcionada em cursos de
formação de professores(as) com modelos formativos ultrapassados. A desvinculação entre os
saberes essenciais ao magistério e as vivências dos futuros professores(as) vem corroborar a
necessidade das agências formadoras procurarem construir propostas de cursos de formação de
professores(as) com base num Modelo Formativo que articule o Modelo Profissional e os Saberes
dos Professores, em busca de uma Identidade Profissional que possibilite a Profissionalização
Docente, tão necessária para que o ensino possa traduzir-se em um componente indispensável à
solidificação da formação do cidadão brasileiro.
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formação docente: contribuição para discussão de categorias