Vol. 1, no 11 © dos autores, 1999, 2000. © Ágalma para a língua portuguesa, 2000 1a edição: abril de 2000 Projeto gráfico da capa e primeiras páginas Homem de Melo & Troia Design Editores Angela Baptista do Rio Teixeira Marcus do Rio Teixeira Direção desta coleção Angela Baptista do Rio Teixeira Organização deste número Maria Cristina Machado Kupfer Colaboraram neste número Angelina Cardoso Cufaro, Béatrice Boudard, Geselda Baratto, Luiz Fernando B. Mena, Sandra Pavone, Síglia da Cruz Leão, Sônia Campos Magalhães, Veronique Mariage, Yara Sayão, Yone Maria Rafaeli, Yves Vanderveken Tradução Maria Cristina Machado Kupfer, Inesita Machado Revisão da tradução e tipográfica a cargo dos editores Depósito legal Impresso no Brasil/Printed in Brazil Ágalma Psicanálise Editora Ltda Rua Agnelo de Brito, 187 Centro Odontomédico Henri Dunant, sala 309 40.170-100 Salvador - Bahia, Brasil Telefax: (071) 245-7883 e-mail: [email protected] Catalogação Mivaldo Silva Gonçalves Filho CRB 5º / 1059 Coleção Psicanálise da Criança: Coisa de Crinça v.1, n.1 (1991 - ...). Organização Maria Cristina Machado Kupper. Tradução Maria Cristina Machado Kupper, Inesita Machado. Salvador : Ágalma, 2000 – n.11, 21 cm. ISSN: 0103-7633 1.Criança. 2.Tratamento clínico. 3. Escolarização. 5. Educação especial. 6. Distúrbios mentais. 7. Autismo. 8. Psicose infantil. SUMÁRIO Editorial, 09 Maria Cristina Machado Kupfer Parte I: Tratamentos Sobre um tratamento clínico em instituição com uma criança psicótica, 15 Veronique Mariage Sobre a aparente surdez em crianças autistas, 27 Sandra Pavone Intervenção e ato, 37 Yves Vanderveken Da estruturação da imagem do corpo pela instância do olhar, 46 Geselda Baratto Os quatro discursos no trabalho com os pais, 63 Béatrice Boudard Construindo fantasias: fragmentos de um caso clínico, 74 Yone Maria Rafaeli Parte II: Escolarização Educação: Especial?, 89 Maria Cristina Machado Kupfer “Negócio fechado”: Mateus vai à escola, 100 Yara Sayão e Síglia da Cruz Leão Inclusão Simbólica e Inclusão Delirante, 117 Luiz Fernando B. Mena Quando a loucura vai à escola... discursos de uma história, 134 Angelina Cardoso Cufaro Exclusão — Sintoma, 153 Sônia Campos Magalhães Seção Rumor, 167 Agradecemos ao Dr. Alexandre Stevens (Campo Freudiano) a gentil permissão de publicar os artigos dos membros do Courtil. TÍTULOS ORIGINAIS E LOCAIS DE PUBLICAÇÃO “D’un travail clinique en institution avec un enfant psychotique”, Les Feuillets du Courtil no 1, maio de 1989, pp. 59-68. “Sobre a aparente surdez em crianças autistas”, inédito, 1999. “Intervention et acte”, Les Feuillets du Courtil no 6, fev. de 1993, pp. 91-98. “Da estruturação da imagem do corpo pela instância do olhar”, inédito, 1999. “Construindo fantasias: fragmentos de um caso clínico”, inédito, 1999. “Les quatre discours dans le travail avec les parents”, Les Feuillets du Courtil no 5, set. de 1992, pp. 69-76. “Educação: especial?”, inédito, 1999. “Negócio fechado: Mateus vai à escola”, inédito, 1999. “Inclusão Simbólica e Inclusão Delirante”, inédito, 1999. “Quando a loucura vai à escola”, inédito, 1999. “Exclusão-Sintoma”, inédito, 1999. EDITORIAL Maria Cristina Machado Kupfer Caso o presente volume tivesse sido publicado há dez anos atrás, provavelmente este não teria sido o seu título. Em seu lugar, leríamos: “Tratamento de crianças psicóticas e autistas”. Hoje, porém, falamos em “Distúrbios globais de desenvolvimento” e a escolarização figura ao lado do tratamento. “Crianças com distúrbios globais de desenvolvimento”... Nada mais impreciso como categoria nosográfica. Historicamente, a categoria “problemas emocionais graves” inaugurou a maioria das ações terapêuticas dirigidas às crianças. Como classificação, é ainda pior do que “transtornos graves”, sobretudo para os psicanalistas, para os quais o termo “emocional” não cabe, caso se queira ser fiel à letra freudiana. A evolução da terminologia, grosso modo, acabou por consagrar um certo consenso, que reza o seguinte: quando falamos de patologias ou transtornos graves, estamos falando de psicose e autismo na infância. Mas, se esse consenso resolve alguns problemas — sabemos de quem estamos falando — ele não resolve inúmeros outros, tais como a falta de uniformidade diagnóstica entre profissionais de diferentes filiações e a decorrente dificuldade de se proceder a um estudo epidemiológico. Na tentativa de produzir uma uniformidade diagnóstica, a última edição do Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios 9 EDITORIAL Mentais (DSM-IV), da Associação Americana de Psiquiatria1 , colocou dentro de uma mesma categoria as crianças que eram anteriormente classificadas como psicóticas e autistas, sejam quais forem as causas admitidas. Às crianças desta ampla categoria foi atribuído o nome de “portadores de distúrbios globais do desenvolvimento”. Embora tal classificação possa facilitar as trocas entre os profissionais da área, ela não produziu um avanço real na compreensão desses quadros, já que se trata de uma classificação a-teórica, e deles fornece apenas uma descrição. Assim, os psicanalistas prosseguem utilizando-se dos diagnósticos de psicose infantil e de autismo. A única vantagem de se utilizar os distúrbios globais de desenvolvimento consiste em permitir que se inclua, nessa grande classificação, a grande variedade dos chamados quadros mistos, em que surgem, por exemplo, distúrbios orgânicos associados a falhas na constituição do sujeito – síndromes às quais se associam traços autistas. Não há dúvida, porém, de que urge um reordenamento do campo diagnóstico dos distúrbios infantis, cujo eixo seja a inconstituição do sujeito ou as falhas nessa constituição, nas formas diversas e singulares de que elas se revestem. Com isso, será possível abandonar como eixo principal a infindável listagem das características, pois já sabemos que esse último trabalho, próprio da Psiquiatria, só leva a um ordenamento no qual em cada categoria poderão caber todas as crianças — ou nenhuma. Os artigos deste volume que abordam o tratamento de crianças não se ocupam desta querela diagnóstica; ela fica, porém, como pano de fundo nos trabalhos sobre a surdez, que mostram como o diagnóstico diferencial adquire nesses casos uma importância decisiva para os destinos dos sujeitos em questão. Yone Rafaeli e Sandra Pavone mostram como o acionamento da escuta analítica pode infletir a direção desses destinos e arrancar uma criança da cristalização que os diagnósticos ditos orgânicos podem produzir. 1 ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. Manual de diagnóstico e estatística de distúrbios mentais - DSM-IV. 3.ed. São Paulo, Manole, 1994. 10 EDITORIAL Todos eles apontam ora para o tratamento de crianças autistas, como o artigo de Geselda Baratto, ora de psicóticas, ora para a escuta de pais, baseando-se em critérios psicanalíticos. São o fruto de uma clínica do singular, de uma clínica de praticantes que não recuaram diante da psicose ou do horror do real. Yves Vanderveken, Veronique Mariage e Béatrice Boudard são profissionais que trabalham no Courtil, instituição belga que propõe um tratamento do autismo e da psicose atravessado pela Psicanálise. Seus textos falam de uma clínica institucional sui-generis, na qual a suposição do sujeito é mola-mestra e para a qual não há uma técnica a aplicar, mas uma ética a conduzir. Quanto ao termo “escolarização” colocado ao lado do “tratamento”, há para isso uma explicação muito simples: escolarização é tratamento! Os movimentos de inclusão escolar das crianças “com necessidades especiais” surgiram na esteira dos movimentos antimanicomiais dos anos 60, que vieram derrubar os muros dos hospitais psiquiátricos e devolver o “doente mental ao convívio social”. Assim, também propuseram para a criança um retorno ao convívio social na forma de uma integração ao mundo escolar, mundo que dá os contornos e permite a existência da infância atual. A concretização dos dois movimentos não está sendo realizada, porém, sem percalços de grande envergadura. São conhecidas as histórias que ocorreram em Trieste, na Itália: se, no início, os internos dos hospitais psiquiátricos puderam ser aceitos circulando pela cidade, aos poucos foram-se instalando “o supermercado, o bar, a praça dos loucos”, lugares só por eles freqüentados. Do mesmo modo, a inclusão de crianças psicóticas e autistas na rede escolar tampouco foi fácil — e isso desde o início. Na Noruega, a inclusão obrigatória de crianças autistas levou as escolas a criar classes de uma só criança — a autista, é claro! Torna-se, então, necessário proceder a uma reflexão prudente e crítica em torno da inclusão escolar. Por que se propõe a entrada das crianças psicóticas e autistas nas escolas? Quando e de que modo 11 EDITORIAL fazê-lo, para não termos depois de sofrer as consequências de uma exclusão que surge com força redobrada? Os artigos de Yara Sayão, Síglia da Cruz de Sá Leão, Angelina Cardoso Cufaro e Luiz Mena buscam transmitir a extrema delicadeza e sensibilidade com que o trabalho de inclusão precisa ser feito; esses textos deixam claro que um decreto não basta. Meu artigo busca introduzir um panorama crítico da discussão em torno da inclusão. É preciso alertar para o mascaramento ideológico de toda e qualquer exclusão que o debate sobre a inclusão de crianças com “necessidades especiais” pode produzir. Uma vez feita esta ressalva, pode-se então refletir sobre a inclusão das crianças psicóticas e autistas. Que o leitor veja neste volume mais uma tentativa de contribuir para o avanço de uma clínica cuja ética é a de supor que, diante do praticante, está um sujeito que não mede esforços para se dizer. Finalmente, considerando que num país como o Brasil, quando se fala de inclusão de crianças nas escolas, não podemos deixar de pensar na absurda exclusão de tantas crianças de rua, o volume traz as originais reflexões da psicanalista Sônia Magalhães a esse respeito. Estas nos incitam a repensar se as dificuldades de inclusão das crianças com distúrbios globais do desenvolvimento não começam exatamente no espaço doméstico, nas idiossincrasias do casal parental. Sobre a Organizadora Psicanalista, professora associada junto ao Instituto de Psicologia da USP — diretora da Pré-Escola Terapêutica Lugar de Vida. 12